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PENSAMENTO POLÍTICO

ANTIGO E MEDIEVAL
Ciência Política e Relações Internacionais · 3º ano · 1º semestre
Professor António Amaral · Ano Letivo 2023/24

1ª FREQUÊNCIA – VISÃO GERAL


Temáticas
1. As origens pré-clássicas do poder político: as intuições originárias de lei (nomos) e
povo (demos) em Sólon;
2. O fundamento ético do poder de governar na antiguidade: as noções de cidade (polis) e
comunidade (koinonia) em Platão e Aristóteles
Estrutura
 PARTE I: Questão para desenvolver um dos pontos programáticos acima indicados
 PARTE II: Cinco definições para esclarecer de forma breve conceitos relacionados
com a lecionação da matéria (Até 8 linhas cada definição)
 PARTE III: Questão para comentar um tema relativo a uma das duas obras indicadas
como leitura obrigatória, a saber “A República” de Platão ou a “Política" de Aristóteles.

1ª FREQUÊNCIA – DESENVOLVIMENTO DAS TEMÁTICAS


As origens pré-clássicas do poder político: as intuições originárias da lei (nomos) e povo
(demos) em Sólon
Sólon (século VI a. C.), um importante legislador e estadista da antiga Atenas,
reconhecido como o arquiteto de uma pré-modelação da “polis” (cidade-estado) e da “politeia”
(organização política), desempenhou um papel fundamental na evolução das instituições
políticas pré-clássicas que formaram a base da democracia ateniense. A sua visão e as suas
reformas (Leis de Sólon) foram cruciais na transição da Atenas arcaica para uma estrutura
social e política da cidade e tinham como objetivo resolver os problemas de desigualdade e
instabilidade política que afligiam Atenas na época.
Sólon compreendeu a importância de uma cidade ter um propósito, um desígnio que
transcendesse interesses pessoais. Ele acreditava que uma "polis" deveria ser mais do que uma
mera coleção de indivíduos.
 Demos (Povo)- Criação de instituições que davam mais voz ao povo. Expansão do
acesso à cidadania, permitindo que as pessoas que antes não tinham participação
política, os "tesourários", pudessem votar e ocupar cargos públicos. Isso aumentou a
participação direta dos cidadãos no governo e ajudou a criar um senso de pertença
política entre a população.
Era necessário um propósito comum que unisse os cidadãos e fornecesse direção à
cidade. Um dos pilares dessa nova "polis" era o estabelecimento de um sistema legal sólido.
Para Sólon, a lei desempenhava um papel central na organização da sociedade. Ela deveria ser
universal, aplicando-se a todos os cidadãos, e impessoal, ou seja, as leis eram feitas sem
considerar pessoas em particular. Isso garantia a imparcialidade e a justiça no sistema.
 Nomos (Lei)- Introdução de uma série de reformas legais que tinham como objetivo
principal a promoção da justiça e a resolução de conflitos sociais. Revogação de dívidas
e anulação das leis draconianas que puniam duramente os devedores. Isso permitiu
aliviar a carga das classes mais pobres e, ao mesmo tempo, estabeleceu um sistema
legal mais equitativo. As reformas sobre propriedade e dívidas, ajudaram a criar um
sistema legal mais justo e a definir as bases para um governo mais inclusivo.
Antes das reformas de Sólon, a fisionomia social de Atenas era caracterizada por um
governo nas mãos de uma aristocracia fundiária, na qual poucos detinham a maioria das terras
e, consequentemente, o poder. A estrutura económica era agrária e linear, com uma clara
divisão entre os que comandavam e os que obedeciam, criando uma bipolarização entre ricos
e pobres. A subserviência era a norma, e a mobilidade social era nula, resultando numa
profunda assimetria social. Sólon, no entanto, empreendeu um impulso reformista. Reconheceu
a importância da educação na formação de cidadãos conscientes e resistentes à exploração.
Sólon também assumiu a tarefa de criar um corpo legislativo para elaborar leis justas e
equitativas. Além disso, promoveu um senso de responsabilidade política, enfatizando que o
que acontecia na "polis" era da responsabilidade de todos os seus cidadãos.
Em resumo, Sólon desempenhou um papel crucial na pré-modelação da "polis" ateniense,
introduzindo o conceito de desígnio comum, enfatizando a importância das leis como alicerces
do sistema, e promovendo reformas sociais e económicas que criaram uma sociedade mais
equitativa e justa. As suas contribuições ajudaram a pavimentar o caminho para a evolução da
democracia ateniense no futuro.

O fundamento ético do poder de governar na antiguidade: as noções de cidade (polis) e


comunidade (koinonia) em Platão e Aristóteles
Platão e Aristóteles, dois dos filósofos mais influentes da antiguidade, abordaram o
fundamento ético do poder de governar em suas obras e desenvolveram noções importantes de
cidade (polis) e comunidade (koinonia). Cada um tinha a sua perspetiva única sobre como a
autoridade política deveria ser exercida com base em considerações éticas e morais.

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Para Platão, a cidade-estado (polis) era a forma mais elevada de associação humana e a
base da vida política. Acreditava que a cidade ideal deveria ser governada pela figura do
príncipe (que detenha um ensinamento filosófico), pois estes são os únicos capazes de
compreender as verdades universais e de governar com sabedoria e justiça. A cidade é como
um organismo vivo, composto por diferentes partes que trabalhavam juntas para alcançar o
bem comum. O autor estabelece uma analogia entre a alma e a cidade, na qual a cidade ideal
deve ser dividida em três classes diferenciadas pelas suas funções próprias. Para Platão, a
cidade ideal é aquela em que cada indivíduo desempenha a sua função de acordo com as suas
habilidades naturais e é governada pela razão, visando o bem comum e a justiça. A tripartição
da Cidade é um esforço do autor de criar uma sociedade justa e harmoniosa:
 Guardiões: são os magistrados e os governantes. São os mais sábios e virtuosos,
dedicados ao estudo da verdade e da justiça. A sua função é governar com sabedoria,
promovendo o bem-estar de toda a comunidade. Correspondem à parte racional da
alma.
 Guerreiros: defensores da cidade, constituem a classe militar, responsável por proteger
a cidade contra ameaças externas. A sua coragem e determinação são fundamentais para
garantir a segurança da polis. Correspondem à parte corajosa da alma.
 Trabalhadores: São a classe que realiza o trabalho e a produção de bens. São os
agricultores, artesãos, comerciantes e trabalhadores da cidade. A sua função é fornecer
os recursos e as necessidades materiais para a cidade. Correspondem à parte desejosa
da alma.
Defendia a supressão da instituição da família e da propriedade privada para as duas classes
superiores, a fim de afastar interesses pessoais de os conduzir à corrupção e somente as classes
superiores teriam participação na vida pública, enquanto que o complexo dos artífices estaria
limitado à vida na esfera privada. A justiça é vista como a harmonia entre estas partes, com os
guardiões a governar de forma sábia e benevolente, os guardiões a proteger a cidade e os
trabalhadores a atender às necessidades materiais. A procura pela verdade, a virtude e a justiça
são os princípios orientadores para a cidade ideal de Platão.
Na República há duas perspetivas a saber sobre a justiça, a de justiça como ideia e a justiça
como virtude ou prática individual. A justiça é uma preocupação política que repousa na ideia
de igualdade; uma igualdade geométrica, na medida em que garante a cada um o que lhe é
devido, segundo as suas aptidões. Assume também o caráter de universalidade enquanto se
vincula à ideia de representação da harmonia, a justiça é um compromisso do cidadão com a
Cidade; dedicação ao bom funcionamento da vida coletiva a partir das aptidões naturais de
cada um. A justiça é uma virtude que fundamenta e fortifica a alma, e o melhor modo de viver
é o viver a praticar a justiça, correlacionando os atos justos com a alma sadia. A filosofia é um
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caminho para a contemplação da Ideia de Bem e somente os filósofos são capazes de alcançar
a contemplação.
Platão via a educação como um meio fundamental para a formação de indivíduos virtuosos
e para a construção de uma cidade justa. A educação deve ser voltada para a formação da alma,
e não apenas para a transmissão de conhecimentos técnicos, sendo um processo contínuo que
começa na infância e se estende por toda a vida. A educação deve ser conduzida por filósofos
capazes de guiar os indivíduos na procura pela verdade e pela virtude. Defesa da formação do
caráter e para o desenvolvimento da razão, o que deveria incluir disciplinas como a matemática,
música, filosofia e ginástica, de forma a despertar o interesse dos alunos e incentivá-los a
procurar o conhecimento de si mesmos, através do diálogo e reflexão crítica. A educação trata-
se de um meio fundamental para a construção de uma sociedade justa e para a formação de
governantes sábios e virtuosos de forma a preparar para a vida política e para a busca do bem
comum.
Para Aristóteles, por outro lado, os seres humanos são zoon politikon (animais políticos)
por natureza, ou seja, têm uma inclinação inata para viver em comunidades organizadas
politicamente. A essa comunidade, fundamental para a vida política, e anterior ao indivíduo
(uma vez que o indivíduo não pode alcançar a sua plena realização fora de uma comunidade
política), damos o nome de koinonia. Todas as comunidades procuram um bem, sendo que a
comunidade mais abrangente (e que engloba todas as outras) deve procurar o maior bem de
todos. A cidade era vista como a unidade básica da vida política e a forma mais elevada de
comunidade, onde os cidadãos compartilhavam valores, leis e recursos para alcançar o Bem
Comum. A natureza leva as pessoas a unirem-se em cidades para atender às suas necessidades
materiais, intelectuais e morais, sendo que cada indivíduo possui diferenças qualitativas
fundamentais nas suas funções.
As comunidades formam-se a partir da necessidade natural de associação entre os seres
humanos, sendo divididas em unidades sociais:
 Casal: Forma-se pela união entre o homem e a mulher, sendo por natureza, a
unidade básica de reprodução.
 Família: Ocorre quando nascem filhos. Na família, os membros possuem relações
de autoridade natural, onde o chefe da família governa e os outros membros
obedecem.
 Aldeia: As famílias unem-se posteriormente em aldeias, isto é, as aldeias surgem
da necessidade de cooperação para atender a necessidades além das questões
familiares. Neste estágio, as comunidades estão ainda a começar a organizar-se em
unidades maiores, mas mantendo os laços de parentesco entre os seus membros,

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 Cidade: Representa a forma mais elevada na formação de comunidades humanas e
desenvolve-se a partir da união de várias aldeias e famílias. É caracterizada por uma
maior complexidade, diversidade e procura pela autossuficiência.
Os cidadãos da cidade devem desenvolver virtudes morais e intelectuais para contribuir
para o bem-estar da cidade. A justiça é o princípio organizacional que permite que os membros
de uma cidade vivam juntos harmoniosamente e alcancem os seus objetivos em comum.
Determina como os recursos e os benefícios da cidade devem ser distribuídos de maneira
equitativa e como os cidadãos devem cumprir as suas responsabilidades. A propriedade privada
e a economia desempenhavam um papel central na organização da cidade. Aristóteles
argumenta que a propriedade privada está ligada à função da família e à aquisição de bens
essenciais para a vida. A tarefa dos humanos consiste em considerar o papel do que é chamado
de “a arte de adquirir bens”, que é uma parte importante da administração da casa.
No tratado podemos ainda observar a descrição de como o regime constitucional
(Politeia) ideal se trata de uma mistura de diferentes elementos de governo, evitando
perversões. Ele acredita que cada polis (cidade-estado) necessita de um governo que
corresponda ao seu caráter e necessidades, e que a estrutura político-jurídica deve estar
relacionada às condições objetivas de ordem social próprias. Aristóteles usa essas palavras para
se referir a uma forma mista de governo, na qual os interesses de diferentes classes e grupos
são equilibrados de maneira justa e harmoniosa. O regime constitucional equilibra elementos
da monarquia (governo de poucos), aristocracia (governo dos melhores) e democracia (governo
do povo). Ela é uma mistura dessas formas de governo e procura o bem comum e a justiça,
promovendo a estabilidade e a harmonia. O regime “politeia” é visto como mais estável e
duradouro em comparação com sistemas extremos.

1ª FREQUÊNCIA – GLOSSÁRIO DE CONCEITOS


Sólon
DISNOMIA- [Dis] subversão, estragado; [nomia] lei. Trata-se da falta de lei ou ordem,
geralmente refere-se a um estado de desordem, caos ou ausência de governo.
EUNOMIA- [Eu] boa; [nomia] lei. Sociedade que aposta libertariamente em implementar a
boa lei.
DEMOS- O povo (unidade política). O povo é um conjunto de cidadãos livres e definem o
destino da cidade, isto é, a sorte da cidade está nas suas mãos.
NOMOS- Lei ou convenção social, refere-se às regras e leis que governam a sociedade e a
conduta dos cidadãos.

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ISAGORIA- Isonomia, significa a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, permitindo a
participação igualitária na Assembleia e no processo político.
ISOPOLITEIA- Igualdade de cidadania, independentemente da riqueza ou origem social.

Platão
POLIS- Cidade-estado grego autónoma onde os cidadãos compartilham de identidade cultural,
sistema político e participavam ativamente na vida pública.
POLITEIA- Modelo para discutir as formas de governo e a busca da justiça na sociedade,
enfatizando a importância da educação, da divisão de classes e da harmonia para alcançar o
bem comum.
DIKAIOSUNE- A justiça, para Platão, é o princípio fundamental que envolve dar a cada um
o que é devido. Refere-se à harmonizada alma e da sociedade, onde cada parte desempenha o
seu papel fundamental, resultando em ordem e equilíbrio.

Aristóteles
KOINONIA- Noção de comunidade ou sociedade, destacando a importância das interações
sociais e económicas numa cidade-estado (polis). Engloba o compartilhamento de recursos,
relações comerciais e colaboração mútua entre os cidadãos. Koinonia como parte fundamental
da vida política e económica, contribuindo para o bem-estar e a estabilidade da polis, desde
que fosse regulamentada com justiça e equidade, à procura do bem comum.
POLITEIA- Forma específica de governo de uma cidade-estado (polis). A forma ideal de
governo deve ser adaptada à realidade da cidade e visar ao bem comum e à justiça, procurando
o equilíbrio entre os interesses de todos os cidadãos.
AUTARKEIA- Refere-se à ideia de que um indivíduo ou uma comunidade tem a capacidade
de satisfazer as suas próprias necessidades e viver de forma independente, sem depender
excessivamente de outros, Autarkeia  autossuficiência – promove a estabilidade e a
autorrealização, ao permitir que as pessoas atinjam uma vida completa e equilibrada por meio
da autorregulação e da satisfação das suas necessidades básicas.
ZOON POLITIKON- Termo para descrever os seres humanos como “animais políticos” ou
“seres sociais” por natureza, isto é, para os que têm uma inclinação inata para viver em
comunidades organizadas. Implica que a participação ativa na vida política e social seja
fundamental para a realização do ser humano, permitindo o desenvolvimento da virtude e da
justiça na busca do bem comum.
EUDAIMONIA- Refere-se à busca da realização plena e da felicidade bem-estar. A
eudaimonia é o objetivo supremo da vida humana e é alcançada por meio da busca da virtude
e da excelência (arete) em todas as áreas da vida. Para ele, a verdadeira felicidade decorre de
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viver de acordo com a razão, praticando a virtude e realizando o potencial humano. A
eudaimonia está ligada à autorrealização, ao florescimento moral e à vida bem-sucedida, em
que as pessoas atingem o seu melhor estado de ser.
DIKÊ- Termo usado para se referir à ética e à justiça. Envolve a conformidade com a razão e
a lei, procurando o equilíbrio e a equidade na distribuição de bens e punições. Desempenha um
papel fundamental na ética, promovendo a virtude e a retidão nas interações humanas.

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