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A experiência brasileira de
cadastramento diferenciado
de grupos populacionais
tradicionais e específicos1, 2
Por Elaine Cristina Licio e Denise do Carmo Direito
22
Inicialmente, deve-se avaliar como é construído o
processo de reconhecimento da identidade: Como eu
As injustiças econômicas
me reconheço na sociedade? Pertenço a algum grupo?
Como construo esse sentimento de pertencimento?
estão relacionadas à
A partir daí, é possível analisar o fato de que pertencer
a determinado grupo fará com que eu tenha mais ou
geração de renda, mas
menos oportunidades.
Axel Honneth parte dos escritos filosóficos de Hegel
perpassam um sistema
de que o reconhecimento próprio (de si) se dá a partir
do reconhecimento do outro; por meio desse processo
produtivo que, por mais
de reconhecimento recíproco e intersubjetivo de dois
indivíduos autônomos é que se chega à compreensão
materialista que seja,
de si mesmo e de seu papel social. O autor fará dialogar
o modelo conceitual hegeliano com a psicologia social
acaba sendo influenciado
de George Herbert Mead, que também procurou “fazer
da luta por reconhecimento o ponto referencial de uma
por aspectos culturais.
construção teórica que deve explicar a evolução moral da
sociedade” (HONNETH, 2003, p. 125).
Essa linha de pensamento defende que um indivíduo de ofender e atirar objetos, ela deixa de ser reconhecida
(sujeito) só adquire consciência de si mesmo à medida nos aspectos jurídicos a partir da perda da estima social,
que percebe a sua própria ação sob a perspectiva de uma passando a ser um não sujeito, um não cidadão.
segunda pessoa. É por meio da ampliação desse processo Essa perda de estima social externa – do outro para
de reconhecimentos, a um número cada vez maior de comigo – pode ou não se refletir no grupo. Por outro
parceiros de interação, que se constroem as normas lado, é reconfortante o sentimento de pertencimento e
sociais e o sujeito adquire a capacidade de se dirigir de aceitação da identidade no grupo. A forma de viver
legitimamente aos outros e assumir seu papel de cidadão daquele grupo é significante para os seus membros, é o
pleno com direitos e deveres. que os define como pessoas (identidade), fazendo com
Na análise de Honneth (2003, p. 227), a ideia que o grupo social seja uma proteção em relação ao
fundamental compartilhada pelos dois autores – Hegel “outro generalizado” (HONNETH, 2003, p. 203). Por isso,
e Mead – “é que a luta por reconhecimento, como força para compreender melhor o processo de valorização
moral, promove desenvolvimento e progressos na realidade de determinados grupos sociais em detrimento da
da vida social do ser humano”. Assim, por meio da interação desvalorização de outros é importante ampliar o quadro
com o outro, eu me reconheço e construo a minha analítico do indivíduo para o grupo.
individualização. É necessário um “outro generalizado” para Se o hegeliano Honneth entende o indivíduo como
que eu compreenda o “meu eu” como cidadão de direitos. unidade de ação, a teórica crítica Iris Marion Young vai
Há duas formas de reconhecimento que devem ser abordar a questão como estrutural, em que organizações
consideradas. A primeira é o reconhecimento jurídico, constroem símbolos e formas valorizadas e outras
propriedade universal que faz de cada indivíduo uma desvalorizadas. A autora parte do pressuposto de que
pessoa autônoma que reconhece seus deveres e direitos a unidade mínima de ação social está no grupo social,
jurídicos. A segunda é a estima social, relacionada com um sendo o conceito de grupo entendido como:
sistema referencial valorativo no interior do qual se pode
medir o valor das características individuais ou do grupo. Um colectivo de personas que se diferencia de
(HONNETH, 2003, p. 187). al menos outro grupo a través de formas culturales,
Assim, quando uma família cigana informa que tem prácticas o modos de vida[...] Los grupos son expresiones
vergonha de andar com a sua roupa tradicional porque “os de las relaciones sociales; um grupo existe solo en
relación com al menos outro grupo.(YOUNG, 2000, p. 77)
outros” – não membros do seu grupo – se sentem no direito
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Revista de Políticas Públicas e Indo em sentido semelhante ao de Honneth, Young
Gestão Governamental assegura que os grupos são mais do que simples
Vol. 15 no 2 associações de pessoas, são formadores das suas
Jul/Dez 2017 identidades. Há um sentimento de pertencimento
ao grupo que geralmente é entendido pelo indivíduo
como sendo a sua própria personalidade/identidade.
Assim, há uma construção em que o sujeito forma o
A experiência brasileira de cadastramento grupo, o qual define a identidade em um processo de
diferenciado de grupos populacionais interação permanente.
tradicionais e específicos Percebe-se que o conceito de grupo social para Young
é fundamental para compreender processos de opressão
e valorização e como isso afeta o desenvolvimento de
determinados grupos no contexto social.
Apesar dos dois autores – Honneth e Young –
adotarem diferentes pontos de partida para a análise
indivíduo vs. grupo, ambos convergem para o fato de
que a diferenciação e o reconhecimento da própria
identidade se dão a partir da existência e da percepção
do outro. Young aponta que se a opressão se desse em
relação aos indivíduos, bastaria que se garantissem as
liberdades individuais para que cada pessoa pudesse
escolher livremente sua forma de viver.
No entanto, devido à interdependência social e à
necessidade que as pessoas têm de se reconhecer como
parte de grupos – de mulheres, negros, homossexuais –
até mesmo para ter a sua identidade aceita – nem que
seja pelo próprio grupo –, é necessário garantir o respeito
às diferenças dos grupos para evitar várias formas de
opressão e suas consequências.
Young (2000) descreverá as cinco “caras” por meio
das quais a opressão geralmente se manifesta. De forma
bastante resumida, são elas:
• Exploração: conceito ligado à teoria
marxista, em que capital e trabalho têm diferenças
valorativas. O capital subjuga/explora o trabalho
e o trabalhador, ao se apropriar do seu excedente
de produção – a mais-valia. Young afirma que esse
mesmo processo de exploração se dá quando
há distribuição desigual de benefícios, com a
concentração cada vez maior em um grupo e a
limitação a outros.
• Marginalização: processo social que coloca à
margem do convívio social pleno determinados grupos
por suas características identitárias, seja pela idade,
pela raça, pelas opções sexuais etc.
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• Carência de poder: pessoas que não têm a HISTÓRICO DO CADASTRAMENTO DIFERENCIADO
“autoridade” e o status para defender as suas opiniões
e precisam provar sempre a sua “respeitabilidade” para No Brasil, a participação da sociedade civil organizada
serem ouvidas, influenciarem decisões e terem alguma toma corpo na década de 1980 com o processo de
autonomia decisória. transição da ditadura e uma abertura política “lenta e
• Imperialismo cultural: experiência em que gradual” para a democracia. A promulgação da Constituição
grupos dominantes tornam invisíveis as perspectivas de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, deu novo
de determinados grupos ou os estereotipam de forma folego ao anseio da sociedade civil de participar e influenciar
a torná-los “o outro não desejado”. nas decisões estatais, ao incluir mecanismos de participação
• Violência: aceitação de que determinados direta, como conselhos com paridade participativa de órgãos
grupos sejam alvo de violência física sistemática pelo governamentais e não governamentais.
fato de terem características identitárias rejeitadas Os anos posteriores continuaram a sedimentar esse
por grupos dominantes, como é o caso da violência caminho de abertura cada vez maior para um espaço
doméstica contra mulheres, violência contra os público não estatal. Entre os aspectos nacionais que
homossexuais, negros e minorias. contribuíram para ampliar essa participação estão: a
consolidação do processo democrático, com eleições
Sem nos aprofundarmos nos conceitos de justiça, diretas periódicas e garantias de liberdades individuais e de
é importante observar que, dentre as cinco formas imprensa; e um cenário internacional em que temas como
de opressão apontadas por Young, algumas estão meio ambiente, direitos humanos e governança da internet
relacionadas ao déficit de recursos econômicos e outras estão cada vez mais presentes, conformando redes de
ao déficit de reconhecimento, ou seja, de aceitação pelos defesa de diferentes valores e princípios e ampliando o foco
grupos sociais de maior projeção das características de de debates para além das fronteiras dos estados-nações
grupos minoritários. (KECK & SIKKING, 2000; GOHN, 2005; DIREITO, 2010).
Assim, observa-se que existe relação entre as lutas Com a chegada do governo do presidente Luiz
redistributivas – que tentam tornar as sociedades Inácio Lula da Silva, em 2003, ancorado no Partido dos
capitalistas mais igualitárias do ponto de vista da renda – e Trabalhadores, cuja base era parcialmente composta
as lutas por reconhecimento – que tentam reconhecer as por membros dos movimentos sociais e/ou com forte
diferenças de grupos de forma a torná-las valorativamente interlocução junto às organizações não governamentais, a
semelhantes. questão da participação desses atores no cenário político
Nancy Fraser, que ao longo da vida dialogou nacional se redimensiona, sobretudo no sentido da
incessantemente com Young e Honneth sobre a questão, ampliação dos espaços de interlocução, com a instituição
assegurou: “assumo o fato de a justiça requerer hoje tanto de conselhos e comissões para o debate e formulação de
reconhecimento como redistribuição” (FRASER, 2001, p. aspectos da política.
246). Para a autora, é bastante evidente que a injustiça Em 2004, foi instituída a Comissão Nacional de
econômica está imbricada com a injustiça cultural – Desenvolvimento Sustentável das Comunidades
aceitação das características identitárias – de modo que Tradicionais, cujo objetivo principal era estabelecer a
ambas se reforçam mutuamente gerando um ciclo vicioso Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável das
de subordinação/exclusão cultural e econômica. Comunidades Tradicionais, a qual teve a sua composição
A partir desse marco teórico é que podemos alterada pelo Decreto de 13/07/2006, quando se
compreender a importância da identificação de constituiu um fórum de 30 representantes permanentes,
determinados grupos populacionais tradicionais e equiparando a presença de órgãos do Governo Federal
específicos (GPTEs) no âmbito do Cadastro Único. a de atores/organizações não governamentais com 15
À luz dessa reflexão que traçamos um histórico do membros cada. Além disso, o termo “povos” foi incluído,
Cadastramento Diferenciado3. passando a chamar-se Comissão Nacional de Povos e
Comunidades Tradicionais (CNPCT).
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Revista de Políticas Públicas e Nesse período, a gestão do Cadastro Único começou
Gestão Governamental a traçar as bases do que passou a ser conhecido como
Vol. 15 no 2 Cadastramento Diferenciado4. Trata-se de um conjunto
Jul/Dez 2017 de estratégias de cadastramento de famílias que possuem
características específicas em relação ao modo de vida,
cultura, crenças e costumes, e ainda a contextos de
condições críticas de vulnerabilidade social. A abordagem
A experiência brasileira de cadastramento de alguns desses públicos deve ser realizada por meio de
diferenciado de grupos populacionais parcerias com outros órgãos e ações nas comunidades
tradicionais e específicos envolvendo lideranças comunitárias5.
O ano de 2004 marca o início do processo de
cadastramento de populações tradicionais, mais
especificamente, de comunidades remanescentes de
quilombos e povos indígenas. Nessa ocasião, foram
definidos padrões de preenchimento do formulário de
cadastramento, possibilitando a identificação desses
grupos familiares. A versão 6 do Sistema do Cadastro
Único, implementada em 2005, deu maior agilidade e
segurança às ações de tratamento dos cadastros pelos
municípios (BRASIL, 2005).
É importante observar que apenas com a publicação
do Decreto nº 6.040/2007, que instituiu a Política
Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos
e Comunidades Tradicionais (PNPCT), os conceitos de
“povos e comunidades tradicionais” foram definidos no
âmbito da CNPCT:
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Gráfico 1 – Evolução do total de famílias GPTEs no Cadastro Único
(junho/2010 a junho/2015)
1.800.000 1.692.135
1.500.765
1.267.642
1.350.000
1.021.731
900.000
677.427
536.283
366.405
450.000
239.199
114.791
0
Jun-14 Dec-15 Jun-16 Dec-16 Jun-17 Dec-17 Jun-18 Dec-18 Jun-19
28
A ampliação da identificação dos GPTEs no Cadastro
Único vem ocorrendo, em boa parte, mais pela atualização
Um dos aspectos
de cadastros previamente realizados – no que se refere à
marcação dos respectivos campos de identificação como
impulsionadores do esforço
GPTEs – do que necessariamente pelo cadastramento de
novas famílias.
de inclusão e identificação
Ao longo do período analisado (junho/2014 a
junho/2015), 179,7 mil novas famílias foram incluídas
das famílias no Cadastro
e identificadas como pertencentes a algum grupo
populacional, perfazendo 24,3% do total de novas
Único é o uso que se pode
identificações. O restante dos cadastros, correspondente
a 75,7% das famílias (560,2 mil), resultou de atualizações
fazer dos dados coletados.
dos dados, ou seja, famílias que já estavam cadastradas,
mas não haviam sido corretamente identificadas nos
campos adequados. Único como um todo – sempre a última coluna dos
gráficos. As informações apresentadas são de famílias
PERFIL SOCIOECONÔMICO DAS FAMÍLIAS GPTES com dados cadastrais atualizados a menos de 48 meses.
A PARTIR DAS VARIÁVEIS DO CADASTRO ÚNICO Além disso, a sequência de gráficos apresenta variáveis
tanto de domicílio quanto dos Responsáveis pela Unidade
Um dos aspectos impulsionadores do esforço Familiar (RF). O RF é o membro que presta as informações
de inclusão e identificação das famílias no Cadastro da família ao Cadastro Único, com idade mínima de 16
Único é o uso que se pode fazer dos dados coletados. anos e, preferencialmente, do sexo feminino (Portaria
Essas informações possibilitam a análise do perfil GM/MDS n°177 de 16 de junho de 2011).
socioeconômico dos grupos. Em função das múltiplas variáveis que algumas
Não nos parece casual que o perfil dos GPTEs aponte das questões apresentam, e buscando viabilizar a
para uma maior vulnerabilidade quando comparado com análise desses quesitos, principalmente relacionados
o conjunto de famílias do Cadastro Único. Entendemos à escolaridade e infraestrutura do domicílio, as
isso como uma das consequências do duplo processo possibilidades de respostas foram agregadas,
de exclusão enfrentado pelas famílias, marcado tanto considerando que algumas apontam para maior
pela falta de acesso aos meios de produção (aspectos precariedade no acesso a determinadas políticas do que
econômicos/redistributivos) quanto pelo fato de não outras (Quadro 3).
compartilharem, de alguma forma, valores culturais não Fundamental salientar que nessa classificação há uma
hegemônicos e, assim, carecerem de reconhecimento da valoração que nem sempre encontra amparo na realidade,
sua identidade. no sentido de que nem sempre aponta efetivamente
Seria necessário, no entanto, aprofundar a análise para maior vulnerabilidade das famílias. Por exemplo,
do processo de reprodução das exclusões do ponto de muitas vezes, famílias indígenas aldeadas, que não
vista de cada um dos grupos identificados, de forma possuem acesso à água encanada, saneamento por rede
a compreender quais mecanismos e características coletora ou coleta de lixo, estão muito menos vulneráveis
socioculturais determinam sua maior dificuldade de e expostas à desnutrição e à escassez do que famílias
acesso a serviços, à educação e à geração de renda, indígenas que moram nas periferias das cidades e com
mesmo quando estão em situação semelhante à de acesso a tais facilidades.
outras famílias pobres. Portanto, trata-se de uma simplificação que pode
O perfil das famílias GPTEs10 foi extraído dos indicar uma possível maior vulnerabilidade, mas deve
respectivos cadastros, de forma a estabelecer sempre ser analisada considerando os outros aspectos
comparação com os dados das famílias do Cadastro culturais e sociais dos vários grupos familiares.
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Quadro 2 – Critérios de classificação das variáveis de escolaridade e infraestrutura do domicílio
Ao contrário da maioria das famílias do Cadastro Único, de material reciclável. Quanto aos catadores há uma
que se localizam predominantemente na área urbana relação clara entre produção de resíduos e concentração
(78%), as famílias dos GPTEs concentram-se no meio rural populacional, sendo que os maiores depósitos de resíduos
(68,1%). Esse perfil rural é semelhante na maior parte dos sólidos estão localizados nas periferias dos centros
grupos, com algumas exceções (Gráfico 2). urbanos de médio e grande porte.
No caso daqueles de origem étnica se destacam A informação de local do domicílio não foi analisada
como predominantemente urbanos os ciganos e os para famílias em situação de rua porque esta variável
pertencentes à comunidade de terreiro. Nessa situação não é preenchida para essas famílias. Todavia, é possível
também estão todos aqueles alcançados por situações considera-las como urbanas visto que a situação de
conjunturais – atingidos por empreendimentos de rua é um fenômeno social que ocorre, sobretudo, nas
infraestrutura, presos do sistema carcerário e catadores grandes cidades.
30
Gráfico 2 - Famílias GPTEs por local do domicílio
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
C. de Terreiro
Total
Assentadas
Ribeirinhas
Quilombolas
PNCF
Agricultores
Acampadas
Extrativistas
Indígenas
Pescadores
Atingidas
Ciganas
Catadores
Família de
Total GPTEs
Urbanas Rurais
31
Gráfico 3 – Famílias de acordo com renda per capita mensal
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
P. Situação de Rua
Ribeirinhas
Extrativistas
Indígenas
Ciganas
Agricultores
PNCF
Total GPTEs
Quilombolas
Pescadores
Catadores
C. de Terreiro
Família de Preso
Assentadas
Atingidas
Acampadas
Total CadÚnico
Até R$77,00 De R$77,01 até R$154,00
De R$154,01 até R$394,00 Acima de R$394,00
32
Gráfico 4 – Famílias GPTEs por grau de instrução da/o responsável pela unidade familiar12
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
C. de Terreiro
Ciganas
Indígenas
Extrativistas
Agricultores
Família de
Total GPTEs
Total
Quilombolas
Ribeirinhas
Catadores
Assentadas
PNCF
Acampadas
Atingidas
Pescadores
P. Situação de
Sem instrução Fundamental incompleto Fundamental completo ou maior
33
Gráfico 5 – Famílias GPTEs por cor/raça da/o responsável pela unidade familiar
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
C. de Terreiro
Agricultores
Quilombolas
Pescadores
Ribeirinhas
Atingidas
Assentadas
Ciganas
Catadores
Extrativistas
Acampadas
PNCF
P. Situação de Rua
Família de Preso
Indígenas
Total GPTEs
Total CadÚnico
Negra Branca Indígena Amarela
34
Gráfico 6 – Famílias GPTEs por sexo da/o responsável pela unidade familiar
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Família de Preso
Resgatados
Extrativistas
Trabalho infantil
Pescadores
Agricultores
Atingidas
Indígenas
Ribeirinhas
C. de Terreiro
Quilombolas
Ciganas
Catadores
Assentadas
PNCF
Acampadas
P. Situação de Rua
Total GPTEs
Total CadÚnico
Feminino Masculino
35
Gráfico 7 – Famílias GPTEs por sexo das pessoas
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
P. Situação de Rua
Acampadas
PNCF
Assentadas
Agricultores
Pescadores
Ribeirinhas
Indígenas
Ciganas
Extrativistas
Quilombolas
Família de Preso
Catadores
Atingidas
C. de Terreiro
Total GPTEs
Total CadÚnico
Masculino Feminino
A seguir analisamos as variáveis relativas aos serviços Os dados do Gráfico 8 demonstram que enquanto no
de infraestrutura disponíveis nos domicílios. Importante Cadastro Único o percentual de famílias com acesso à
destacar que, em relação às famílias em situação de rede geral de distribuição é 74,5%, dentre os GPTEs esse
rua, essa análise fica prejudicada, pois, dada a situação percentual é bem inferior (40,6%).
precária onde residem, as variáveis de domicílio não são Verificamos que essa é uma variável bastante
preenchidas no cadastramento. associada com a localidade do domicílio. Geralmente
aqueles situados na área rural têm menor acesso
à rede geral de distribuição. De fato, os grupos
predominantemente urbanos (todos os em situações
conjunturais e pertencentes à comunidade de terreiro)
são os que possuem melhores percentuais de acesso à
agua por rede de distribuição.
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Gráfico 8 – Famílias GPTEs por forma de abastecimento de água
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Assentadas
Ribeirinhas
Extrativistas
Quilombolas
PNCF
Agricultores
Indígenas
Acampadas
Pescadores
Atingidas
Ciganas
Catadores
C. de Terreiro
Família de Preso
Total GPTEs
Total CadÚnico
Poço, nascente, cisterna ou outra forma Rede geral de distribuição
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Gráfico 9 – Famílias GPTEs por forma de escoamento sanitário
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Ribeirinhas
Extrativistas
Atingidas
Ciganas
C. de Terreiro
Catadores
Família de Preso
Total GPTEs
Assentadas
Agricultores
Quilombolas
Indígenas
Pescadores
PNCF
Acampadas
Total CadÚnico
Rede coletora de esgoto ou pluvial ou fossa séptica
Fossa rudimentar, vala a céu aberto ou direto para rio, lago ou mar
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Gráfico 10 – Famílias GPTEs por forma de coleta de lixo
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Agricultores
Assentadas
Ribeirinhas
Extrativistas
Quilombolas
Indígenas
PNCF
Acampadas
Pescadores
C. de Terreiro
Atingidas
Ciganas
Catadores
Família de Preso
Total GPTEs
Total CadÚnico
Coletado diretamente ou indiretamente
Queimado, enterrado, jogado em terreno baldio, rio ou mar ou outro destino
Tipo de iluminação
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Gráfico 11 – Famílias GPTEs por tipo de iluminação
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Ribeirinhas
Extrativistas
Indígenas
Acampadas
Pescadores
Assentadas
Quilombolas
Agricultores
Ciganas
PNCF
Catadores
C. de Terreiro
Família de Preso
Atingidas
Total GPTEs
Total CadÚnico
Elétrica com ou sem medidor próprio ou comunitário
óleo, querosene, gás, vela ou outra forma
40
Gráfico 12 – Número de famílias com domicílio com acesso simultâneo a serviços básicos por GPTEs
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Assentadas
Ribeirinhas
Extrativistas
Quilombolas
PNCF
Indígenas
Agricultores
Pescadores
Acampadas
Ciganas
Atingidas
C. de Terreiro
Catadores
Família de Preso
Total GPTEs
Total CadÚnico
Não tem os 4 serviços Tem os 4 serviços
DESAFIOS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS não tenhamos abordado um amplo debate sobre justiça,
VOLTADAS PARA OS GPTES adotamos o entendimento de John Rawls de que há
uma distribuição natural de talentos que não é justa ou
Sabe-se que as famílias inseridas no Cadastro Único, injusta, e que da mesma forma não é justa ou injusta a
até pela condição de baixa renda, possuem condições posição social que uma determinada pessoa ocupa na
socioeconômicas bem inferiores em relação à média sociedade. “O que é justo ou injusto é a maneira como
brasileira (CAMARGO et al., 2013). No entanto, o presente as instituições lidam com esses fatos.” (RAWLS apud
perfil deixa bastante evidente que as famílias pertencentes SANDEL, 2011, p. 204)
aos grupos populacionais tradicionais e específicos Assim, a partir da situação de diferenças sociais
(GPTEs), predominantemente residentes em áreas rurais, constatada, interessa refletir sobre o que deve ser feito
enfrentam, de modo geral, ainda maior insuficiência de pelas instituições para eliminar ou reduzir as injustiças
renda, menor grau de escolaridade e menor acesso a sociais a que essas famílias estão submetidas.
serviços de infraestrutura em seus domicílios. Como dito São necessárias políticas públicas que levem em
anteriormente, são grupos populacionais que sofrem uma consideração os vários aspectos de exclusão, ou seja,
dupla exclusão, “são coletividades ‘ambivalentes’ ao serem iniciativas que incentivem ou possibilitem a redistribuição
diferenciadas tanto na estrutura político-econômica como de renda ou geração adicional de renda, mas que
na cultural valorativa” (FRASER, 2001, p. 259). ao mesmo tempo reconheçam as diferenças dessas
A partir dessa afirmativa e da análise dos dados, fica populações tanto no desenho da política – considerando
a questão de como tratar de forma mais justa esses a diversidade na sua forma de acesso – quanto em ações
grupos populacionais. No âmbito deste artigo, ainda que de revalorização de sua cultura.
41
Em suma, para além da constatação da maior Cadastro Único para 2015 evidenciam que as ações em
vulnerabilidade dos GPTEs, fica evidenciado que um curso, ainda que tenham avançado bastante no período
próximo passo para lidar com essa situação é a promoção recente15, devem ser aperfeiçoadas para alcançar esse
e articulação de ações que lidem com as especificidades segmento da extrema miséria no Brasil.
culturais e socioeconômicas dessas famílias. Os dados do
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42
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KECK, Margaret; SIKKING, Katheryn. Activistas sin Fronteiras: redes de defesa em la política internacional. México: Ed. Siglo
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Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.
YOUNG, Iris Marion. Unruly Categories: A Critique of Nancy Fraser’s Dual Systems Theory. nº 222. New Left Review, 1997.
Notas
1
As autoras agradecem a José Roberto Alvarenga Frutuoso e a Akina Sakamori pelo apoio na geração dos dados e produção dos
gráficos.
2
Esse artigo é uma versão revisada e atualizada do trabalho apresentado no “XIX Congresso Internacional do CLAD sobre a Reforma
do Estado e da Administração Pública”, ocorrido em Quito, Equador, 2014.
3
Vale ressaltar que foge ao escopo desse artigo identificar como cada um dos GPTEs conquistou o direito de estar no Cadastro.
O próprio fato de terem direito a uma identificação específica significa que eles estão em luta por reconhecimento, que se
mobilizaram para reafirmar a sua identidade.
4
Para Cadastramento Diferenciado ver Portaria GM/MDS nº 376 de 16/10/2008, substituída pela Portaria GM/MDS n° 177, de 16 de
junho de 2011.
5
Texto disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico/gestao-municipal/processo-de-cadastramento/
cadastramento-diferenciado. Acessado pela última vez em 05/06/2014.
6
Guias disponíveis em http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/cadastrounico/gestao-municipal/processo-de-cadastramento/
cadastramento-diferenciado. Acessado pela última vez em 05/06/2014.
7
Para conhecer mais sobre a identificação dos GPTEs no formulário do Cadastro Único, consultar a obra “Cadastramento
diferenciado. Diversidade no Cadastro Único – Respeitar e Incluir” (BRASIL, 2014).
8
Para conhecer os formulários do Cadastro Único acesse: http://www.mds.gov.br/falemds/perguntas-frequentes/bolsa-familia/
cadastro-unico/gestor/cadunico-formularios
9
Para saber mais sobre os resultados do cadastramento diferenciado para cada grupo, consultar “Cadastramento diferenciado.
Diversidade no Cadastro Único – Respeitar e Incluir” (BRASIL, 2014).
10
Vale ressaltar que a forma estabelecida para a marcação dos GPTEs permite que algumas famílias se identifiquem como
pertencentes a dois grupos diferentes, que não representem realidades excludentes (ex.: podem ser indígenas e extrativistas). Essa
possibilidade de dupla marcação ocorre entre os grupos que estão identificados no formulário principal – quilombola/indígena – e no
formulário suplementar 2 – pessoa em situação de rua – com os outros grupos que são identificados no formulário suplementar 1.
11
Conforme Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004 – e respectivas atualizações – a renda per capita para acesso ao
programa Bolsa Família é de R$ 154,00, e considera-se em extrema pobreza aquela população com renda familiar per capita mensal
de até R$ 77,00. O salário mínimo vigente à época de extração dos dados era de R$ 798,00.
43
12
Apesar de o responsável familiar ter, no mínimo, 16 anos, o grau de instrução foi contabilizado apenas para os RFs maiores de 25
anos, pois esses já passaram da idade regular de completar as fases de ensino.
13
Segundo a PNAD de 2014.
14
Segundo dados de dezembro de 2012 do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (InfoPen), do Ministério da Justiça.
Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D&Team=¶ms=itemI
D=%7BD82B764A-E854-4DC2-A018-450D0D1009C7%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D
15
Neste sentido, destacamos o Programa Brasil Sem Miséria, cujas estratégias e principais resultados estão descritos na publicação “O
Brasil sem Miséria” (BRASIL, 2014a).
44