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O tempo e o vento

A cena da chegada do capitão Rodrigo à cidade de Santa Fé já é suficiente para


passar essa ideia do homem gaúcho, tanto pelas vestimentas como pela
personalidade:

“Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo


Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo ninguém
sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a bela cabeça
de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que irritava e ao
mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da casa dos
trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com chilenas de
prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com gola vermelha
e botões de metal.

Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao sol
daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao pescoço
esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do Nicolau,
amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as esporas,
batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim com ar de
velho conhecido:

– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de


talho!
– Pois dê”

A descrição do valente e imponente capitão entrando no pacato vilarejo, seguida


do desaforado cumprimento da chegada, antecipa o incômodo que essa figura
produzirá em tal espaço. O dono da resposta curta e grossa que aceita o
confronto, porém, não se tornará seu antagonista na história. Será seu futuro
cunhado, Juvenal Terra.

A importância desse capítulo está no fato de que – além de apresentar a figura


típica do gaúcho encarnada pelo capitão Rodrigo – mostra a união dos dois
grandes sobrenomes que marcarão, na obra, a formação do estado do Rio
Grande do Sul: os Terras e os Cambarás.

Apaixonando-se perdidamente por Bibiana Terra, o capitão a conquista após


minar sua resistência e a de sua família, além de ter vencido em um duelo o
pretendente rico de Bibiana: Bento Amaral, filho do coronel Ricardo Amaral.
Essa união representa, estruturalmente, o eixo das duas famílias que irão
protagonizar toda a trilogia.

O carisma de Rodrigo Cambará acaba por conquistar, de fato, não apenas


Bibiana Terra, mas vários moradores de Santa Fé, como o padre Lara e Juvenal
Terra, com quem monta um negócio. A figura do capitão, no entanto, distancia-
se em todos os momentos do perfil do bom moço. Mesmo depois de casado
com Bibiana, Rodrigo Cambará mantém o gosto pelo carteado, pela bebida e,
principalmente, por outras mulheres.

O antagonista de Rodrigo Cambará é Bento Amaral, com o qual trava uma luta
atrás do muro do cemitério, após um desentendimento em uma festa de
casamento. Nesse confronto, o filho do coronel, desonrando a batalha, utiliza
uma arma de fogo contra o capitão.

Antes de dar o tiro à traição, Amaral quase recebe a marca do capitão Rodrigo:
um “R” na testa. Surpreendido pelo disparo, no entanto, o capitão só tem a
possibilidade de talhar um “P”. Falta-lhe tempo para completar a letra “R”. A
cena final desse capítulo é a invasão do casarão da família Amaral. Nesse
episódio, morre o capitão Rodrigo Cambará, deixando órfão o filho Bolívar:

“O tiroteio começou. A princípio ralo, depois mais cerrado. O padre olhava para
seu velho relógio: uma da madrugada. Apagou a vela e ficou escutando. Havia
momentos de trégua, depois de novo recomeçavam os tiros.

E assim o combate continuou madrugada adentro. Finalmente se fez um longo


silêncio. As pálpebras do padre caíram e ele ficou num estado de madorna, que
foi mais uma escura agonia do que repouso e esquecimento. O dia raiava
quando lhe vieram bater à porta. Foi abrir. Era um oficial dos farrapos cuja barba
negra contrastava com a palidez esverdinhada do rosto. Tinha os olhos no
fundo e foi com a voz cansada que ele disse:
– Padre, tomamos o casarão.
Mas mataram o capitão Rodrigo – acrescentou, chorando como uma criança.
– Mataram?

O vigário sentiu como que um soco em pleno peito e uma súbita vertigem. Ficou
olhando para aquele homem que nunca vira e que agora ali estava, à luz da
madrugada, a fitá-lo como se esperasse dele, sacerdote, um milagre que fizesse
ressuscitar Rodrigo.

– Tomamos o casarão de assalto. O capitão foi dos primeiros a pular a janela. –


Calou-se, como se lhe faltasse fôlego.
– Uma bala no peito…”

Livro 2: O Retrato
Rodrigo Terra Cambará decide voltar a sua terra-natal, Santa Fé, após ter ido
estudar medicina em Porto Alegre. Nesse segundo romance da trilogia
acompanha-se a decadência social de Santa Fé na passagem para o século 20
causada por interesses e jogos políticos.
Livro 3: O Arquipélago
O terceiro e último romance da trilogia “O tempo e o vento” narra a volta de
Rodrigo Cambará à Santa Fé depois de passar muitos anos no Rio de Janeiro ao
lado do então presidente Getúlio Vargas, seu amigo e aliado. Assim, o poder da
família Terra Cambará, que era somente local, adquire em “O Arquipélago” um
âmbito nacional. Após o fim do Estado Novo, Rodrigo está derrotado
politicamente e doente. Rodrigo se vê na luta de não morrer na cama, uma vez
que “Cambará macho não morre na cama”.
Sobre Érico Veríssimo
Érico Lopes Veríssimo nasceu em 17 de dezembro de 1905 na cidade de Cruz
Alta, Rio Grande do Sul. Aos 13 anos, Érico já lia autores nacionais e
internacionais. Em 1920 foi estudar em Porto Alegre e dois anos depois seus
pais se separaram. Assim, Érico foi morar com seus irmãos e mãe na casa da
avó materna.
Para ajudar nas finanças da família, ele começou a trabalhar como balconista
no armazém de seu tio, até que conseguiu uma vaga no Banco Nacional do
Comércio. Algum tempo depois, mudou-se com sua mãe e irmãos para Porto
Alegre. Lá, Érico adoeceu e perdeu seu emprego no Banco. Por conta dessas
dificuldades, a família resolve voltar para Cruz Alta, onde Érico torna-se sócio de
uma farmácia. Ao lado dessas obrigações, ele dava aulas de inglês e literatura.

Em 1929, Érico publica “Chico: um conto de Natal” e outros contos na “Revista


do Globo”, de Porto Alegre. No ano seguinte a farmácia entra em falência e Érico
resolve mudar-se para Porto Alegre. Lá ele conhece diversos escritores
renomados e toma mais contato com as vanguardas literárias do país. No final
de 1930 é contratado como secretário de redação da “Revista do Globo”.

Em 1931, casa-se com Mafalda Halfen Volpe, com quem teria dois filhos.
Durante essa época trabalha em outros jornais e realiza algumas traduções de
obras estrangeiras. No ano seguinte, é promovido a diretor e passa a atuar
também no Departamento Editorial da Livraria do Globo. Em 1933 publica seu
primeiro romance, “Clarissa”. Nessa época, Érico publica também alguns livros
infantis. Em 1938, publica “Olhai os lírios do campo”, um de seus maiores
sucessos literários.

Em 1941, passa três meses nos Estados Unidos. Dessa sua estadia em terras
norte-americanas, Érico tirou inspiração para escrever “Gato preto em campo de
neve”. Motivado por discordâncias políticas frente a ditadura do governo Vargas,
muda-se para os Estados Unidos em 1942, onde leciona Literatura Brasileira na
Universidade da Califórnia. Ao voltar para o Brasil, publicou A volta do gato preto
(1946). Em 1947, Érico Veríssimo começa a escrever a sua obra-prima, a trilogia
“O tempo e o vento”. Dois anos depois, publica o primeiro volume dessa obra.

Em 1953, Érico volta para os Estados Unidos ocupando um caro na Organização


dos Estados Americanos a convite do governo brasileiro. No ano seguinte,
ganha o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Alguns anos
depois vai à Europa pela primeira vez.

Em 1962, publica “O Arquipélago”, último volume de sua trilogia “O tempo e o


vento”. Três anos depois, ganha o Prêmio Jabuti pelo livro “O senhor
embaixador”. Após esse, Érico publica diversos outros livros.

Em 28 de novembro de 1975, Érico Veríssimo sofre um infarto e falece deixando


inacabados sua autobiografia e um romance.
Suas principais obras são: “Música ao longe” (1936), “Olhai os lírios do campo”
(1938), “O tempo e o vento” (1949-1962) e “Incidente em Antares” (1971). Além
dessas obras, Érico Veríssimo publicou contos, livros de literatura infantil,
ensaios e críticas de literatura.

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