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Que vai ser quando crescer? Vivem perguntando em redor. Que é ser? É ter um corpo,
um jeito, um nome? Tenho os três. E sou? Tenho de mudar quando crescer? Usar outro
nome, corpo e jeito? Ou a gente só principia a ser quando cresce? É terrível, ser?
Dói? É bom? É triste? Ser: pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas? Repito:
ser, ser, ser. Er. R. Que vou ser quando crescer? Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser. Não quero ser Vou crescer assim mesmo. Sem ser.
Esquecer.
Recobre-se de letras
ou são apenas tretas?
Entrará em catálogo
a custa de monólogo?
Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos
irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não
haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só
transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que
noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive
o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se
dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino,
a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.
O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob
a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário
de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais
de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.
Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a
depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um
exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.
O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem
entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.
Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio
de Janeiro, 1972, pág. 52.
Carlos Drummond de Andrade
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...ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar.
Enfeite-se com margaridas e ternura e escove a alma com leves fricções de
esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e
descubra o próprio jardim. Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem
passe debaixo de sua janela.
Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de névoa de borboletas,
cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de
galanteria.
Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto
não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da
vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio
modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão
constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a
languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade
atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será
suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato
atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação
das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à
Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala,
como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na
realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco,
e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias
porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do
espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e
perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio
futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou.
Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma
experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.
Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria
das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de
possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não
somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo,
com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana
e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o
viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria
enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua
doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82
acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há
um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está
na segunda metade?
mas estamos dando a outrem a chance de pensar, refletir, saber o que falou ou
escreveu.
Saber ouvir é um raro dom, reconheçamos.
Mas saber calar, mais raro ainda.
E como humanos estamos sujeitos a errar, e nosso
erro mais primário, é não saber ouvir e calar !
Todo dia é menos um dia para dar um sorriso.
Muitas vezes alguém precisa, apenas de um sorriso
para sentir um pouco de felicidade !
Todo dia é menos um dia para dizer:- Desculpe, eu errei!
Ou para dizer: - Perdoe-me por favor, fui injusto !
Todo dia é menos um dia
para voltarmos sobre os nossos passos.
De repente, descobrimos que estamos muito longe,
Assim seja...
Cartola
(trecho extraído de versos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de
Janeiro, 1985, pág. 78. Projeto releituras)