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ANAIS

IX Congresso Internacional de História


“História da América em debate: fronteiras, ensino e
ecologia”

Universidade Estadual de Maringá


UEM

Maringá – 2019
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá – PR., Brasil)
Congresso Internacional de História (9. : 2019 out.
07-09 : Maringá, PR)
C749a Anais do 9º Congresso Internacional de História : “História
da América em debate: fronteiras, ensino e ecologia”/
organizador Luiz Felipe Viel Moreira. –- Maringá, PR: UEM/DHI,
2019.

Disponível em: <https://npd.uem.br/eventos/ev/IXCIH>


ISSN 2575-6910 (impresso)
ISSN 2175-6627 (CD-ROM)
ISSN 2175-4446 (on-line)

1. História - Congresso. 2. Historiografia – Congresso. 3.


Fronteiras – Congresso. 4. América – Congresso. 5. Idade Média –
Congresso. I. Moreira, Luiz Felipe Viel, org. II. Universidade
Estadual de Maringá. Departamento de História. III. Título: 9º
Congresso Internacional de História : 7-9 de outubro de 2019.
IV. Título: História da América em debate: fronteiras, ensino e
ecologia.

CDD 23.ed. 900


Márcia Regina Paiva de Brito – CRB-9/1267
APRESENTAÇÃO

Entre os dias 07 e 09 de outubro de 2019 tivemos o nosso IX Congresso Internacional de História -


“História da América em debate: fronteiras, ensino e ecologia”. Como resultado do mesmo
publicamos agora os Anais do evento, fruto das atividades que transcorreram em 41 (quarenta e um)
simpósios temáticos, ao longo das três tardes. Para constar, a programação geral do congresso foi a
que segue:

07 de outubro (segunda-feira)
Manhã: Credenciamento – 10 horas Palestra com o Prof. Dr. Márcio Ronaldo Santos Fernandes
(Unicentro – Secretário Geral ICA 2021): “A América e suas fronteiras: múltiplas vozes, múltiplos
encontros”

Noite: Palestra de abertura. Prof. Dr. Héctor Perez Brignoli (Universidad de Costa Rica – Costa
Rica): “Historia Global de America Latina”

08 de outubro (terça-feira)
Manhã: Mesa Redonda: História Ambiental Americana
-Prof. Dr. Anthony Goebel MacDermott (Universidad de Costa Rica – Costa Rica): “Ecosistemas
forestales y regímenes ambientales. Hacia una historia ambiental de Centroamérica en perspectiva
global: la explotación forestal como estúdio de caso, siglos XVIII al XX”
-Profa. Dra. Lise Sedrez (UFRJ): “Natureza urbana: um prazer e um desafio para os historiadores
ambientais”
-Prof. Dr. Gilmar Arruda (UEL): “Desafios políticos da história ambiental na era da devastação”
-Eng. Agr. João Berdu Garcia Jr.: “O Vale da Seda na Bacia Hidrográfica do Rio Pirapó: crédito de
carbono, sustentabilidade e impacto ambiental”

Noite: Mesa Redonda: Ensino de História na América Latina


-Profa. Pesquisadora Ana Montserrat Barreto Valinotti (Universidad del Norte – Paraguai): “¿Y
donde están las mujeres? Avances y desafios para enseñar una historia con perspectiva de género en
el Paraguay”
-Prof. Dr. Fernando Cerri (UEPG): “Desafios do Ensino de História para os jovens da era da pós-
verdade”
-Profa. Dra. Isabel Cristina Rodrigues (UEM): “O Ensino de História Indígena no Brasil na
Educação Básica”

09 de outubro (quarta-feira)
Manhã: Mesa Redonda: Fronteiras e História na América Latina
-Prof. Dr. Ronald Soto-Quirós (Université de Bordeaux Montaigne – França): “Cerrando fronteras
en América Central: biopolítica y migración (fines del siglo XIX – 1940)”
-Prof. Dr. Micael Alvino Silva (Unila): “As relações internacionais e a tríplice fronteira Brasil –
Argentina – Paraguai)”
-Prof. Dr. Lúcio Tadeu Mota (UEM): “Fronteiras étnicas no Guairá Colonial”

Noite: Palestra de encerramento: “O estudo da História da América no Paraguai e na França”: Profa.


Pesquisadora Ana Montserrat Barreto Valinotti (Universidad del Norte – Paraguai) e Prof. Dr.
Ronald Soto-Quirós (Université de Bordeaux Montaigne – França).
COORDENAÇÃO GERAL
Luiz Felipe Viel Moreira

VICE-COORDENAÇÃO
Isabel Cristina Rodrigues

SECRETARIA GERAL
Igor Marconi

COMISSÃO ORGANIZADORA
Solange Ramos de Andrade
Márcia Elisa Teté Ramos
Hudson Siqueira Amaro
Inês Aparecida de Souza
Sônia Regina Luciano

COMISSÃO CIENTÍFICA
José Henrique Rollo Gonçalves
Hector Pérez Brignoli
Lúcio Tadeu Mota
Anthony Goebel MacDermott
Márcio Roberto do Prado
Ronald Soto-Quirós
Leandro Brunelo
Ana Montserrat Barreto Valinotti
ÍNDICE

Simpósio Temático 01 ...…………………………………………………………………………06


Simpósio Temático 02 ………………………………………………………………………….106
Simpósio Temático 03 ………………………………………………………………………….154
Simpósio Temático 04 CANCELADO
Simpósio Temático 05 CANCELADO
Simpósio Temático 06 ………………………………………………………………………….214
Simpósio Temático 07 ………………………………………………………………………….236
Simpósio Temático 08 ………………………………………………………………………….279
Simpósio Temático 09 ………………………………………………………………………….455
Simpósio Temático 10 CANCELADO
Simpósio Temático 11 ………………………………………………………………………….567
Simpósio Temático 12 ………………………………………………………………………….602
Simpósio Temático 13 ………………………………………………………………………….692
Simpósio Temático 14 ………………………………………………………………………….781
Simpósio Temático 15 ………………………………………………………………………….886
Simpósio Temático 16 ………………………………………………………………………….993
Simpósio Temático 17 ………………………………………………………………………...1055
Simpósio Temático 18 ………………………………………………………………………...1173
Simpósio Temático 19 ………………………………………………………………………...1269
Simpósio Temático 20 ………………………………………………………………………...1318
Simpósio Temático 21 ………………………………………………………………………...1370
Simpósio Temático 22 ………………………………………………………………………...1489
Simpósio Temático 23 ………………………………………………………………………...1551
Simpósio Temático 24 CANCELADO
Simpósio Temático 25 ………………………………………………………………………...1642
Simpósio Temático 26 ………………………………………………………………………...1757
Simpósio Temático 27 CANCELADO
Simpósio Temático 28 ………………………………………………………………………...1810
Simpósio Temático 29 ………………………………………………………………………...1879
Simpósio Temático 30 ………………………………………………………………………...2006
Simpósio Temático 31 CANCELADO
Simpósio Temático 32 ………………………………………………………………………...2039
Simpósio Temático 33 ………………………………………………………………………...2088
Simpósio Temático 34 ………………………………………………………………………...2099
Simpósio Temático 35 ………………………………………………………………………...2132
Simpósio Temático 36 ………………………………………………………………………...2367
Simpósio Temático 37 ………………………………………………………………………...2436
Simpósio Temático 38 ………………………………………………………………………...2517
Simpósio Temático 39 ………………………………………………………………………...2618
Simpósio Temático 40 ………………………………………………………………………...2719
Simpósio Temático 41 ………………………………………………………………………...2794
ST 01: “A IDADE MÉDIA EM DEBATE: ESTUDO DAS FONTES”

Coordenação: Prof. Dr. Jaime Estevão dos Reis (UEM)

Resumo: Os estudos sobre a Idade Média têm se firmado no Brasil nas últimas décadas. Desde
1996, com a criação da ABREM –Associação Brasileira de Estudos Medievais, vários congressos
nacionais e internacionais são realizados em diversas regiões do país. Cabe destacar a existência de
laboratórios de pesquisas dedicadas à Idade Média e o grande número de Dissertações de Mestrado
e Teses de Doutorado defendidas nos Programas de Pós-Graduação em História, Letras, Educação e
outros cursos espalhados pelo Brasil. O número de edições cada vez crescente de fontes e
bibliografia, bem como a disponibilidade de obras na internet têm fortalecido os estudos. As
publicações acadêmicas são outro fator que atestam a solidez das pesquisas desenvolvidas.
Podemos dizer, seguramente, que somos reconhecidos internacionalmente pelo nível das pesquisas
desenvolvidas no país. Este Simpósio Temático tem por objetivo reunir pesquisadores para debater,
a partir das fontes, a Idade Média, e promover, deste modo, uma maior integração entre
pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Palavras-chave: Idade Média; Fontes; Historiografia.

6
O MARAVILHOSO MEDIEVAL: MAGICUS E MIRACULOSUS NO LIVRO
VIAGENS DE JEAN DE MANDEVILLE.

Jorge Luiz Voloski


(PIBIC/DHI/LEM/UEM)

Resumo:
Esta comunicação tem como objetivo discutir as manifestações maravilhosas no livro
Viagens de Jean de Mandeville, focalizando, sobretudo, no magicus e miraculosus.
Buscamos perceber tais expressões como causadoras de admiração, espanto e
fascínio, mas, sem perder de vista o fato de que, para o homem medieval, tais
manifestações eram percebidas como naturais, ou seja, emolduradas ao
funcionamento normal da realidade, tanto para o leitor quanto ao escritor. Além do
mais, buscamos perceber em quais momentos aparecem tais manifestações, bem
como ao que estavam ligadas. Para tal empreitada usaremos o escrito de Jean de
Mandeville, escrito em meados do século XIV, o qual narra o deslocamento do
fictício cavaleiro, por terras orientais. A edição que utilizamos, traduzida por Susani
Silveira Lemos França, é dividido em duas partes, sendo a primeira, a exposição do
caminho da Inglaterra à Jerusalém, enquanto a segunda apresenta a descrição dos
locais posteriores à Terra Santa até o Extremo Oriente. Concluímos, entre outras
coisas, que na primeira parte abundam as maravilhas ligadas ao cristianismo,
miraculosus. Ao contrário da segunda, onde observamos o maior número
relacionado ao paganismo, nesse caso o magicus. Na discussão utilizaremos os
escritos de Jacques Le Goff (1985), Ana María Morales (2003), Claude Kappler
(1986), entre outros.

Palavra Chave: Idade Média; Maravilhoso, Jean de Mandeville.

Financiamento: CNPq.

INTRODUÇÂO

Tradicionalmente, o estudo da problemática histórica relativa às viagens e aos


viajantes na Europa esteve ligado quase exclusivamente ao período moderno e

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contemporâneo, transferindo, desta forma, o medievo ao segundo plano. Isso
ocorreu, segundo Paulo Catarino Lopes, por considerações anteriores que
concluíram à Idade Média, por sua predominância da ruralidade, o quase nulo
deslocamento. Porém, para o autor, estudos contemporâneos estão demonstrando
que na Idade Média, sobretudo após o século XII, sucederam inúmeros
deslocamentos, assim, ―sabemos atualmente que o homem medieval viajou muito
mais do que aquilo que se supunha‖ (LOPES, 2004, p.49).
Entre as motivações das viagens na Idade Média podemos destacar, por
exemplo, diplomacia, peregrinação, evangelização, trocas de mercadorias, busca
por aventuras, fugas por crimes, caçadas. Igual modo às causas para os
deslocamentos, em essência bastante variada, os viajantes constituíam um grupo
heterogêneo formado desde pessoas com grandes riquezas, como reis e nobres, até
camponeses em busca de novas oportunidades de trabalho. Não podemos
negligenciar, entretanto, os movimentos considerados pelos homens
contemporâneos como imaginários, visto que, para a mentalidade daquela época o
entendimento de real e imaginário era diferente.
Assim, partindo de Paul Veyne, não pensamos como suficiente apenas o
apoio na periodização para entender a individualidade do fato histórico, neste caso a
Viagem, pois, creditamos a isso a incapacidade da exposição das reais
singularidades, as quais acabam sendo legadas ao instinto do leitor. Seguindo
Veyne, pensamos que a História impõe a tarefa de ―conceituar, a fim de delimitar a
originalidade das coisas‖ (VEYNE, 1983, p.34-39).
A viagem na Idade Média, portanto, se apresenta de forma ambígua aos
nossos olhos, pois, carrega tanto um significado atemporal, em quanto movimento
existencial até a ordem eterna, como também sentido temporal, seja por objetivos
econômicos, diplomáticos ou religiosos. Diferente da atualidade, o itinerário, no
medievo, não era visto unicamente na forma do deslocamento físico ou espacial,
configurava, além do mais, um quadro simbólico. A busca por salvação, comercio e
conhecimento indica-nos que a percepção de translado abarcava ambos
hibridamente, o físico e o espiritual (CASTRO HERNÁNDEZ, 2013).
Entre as características das viagens medievais destaca-se a irrelevante
distinção entre o factual e a ficção. Isso porque, esses escritos sobre deslocamento,
transmitiam um elevado grau de ficcionalidade, a qual era reforçada tanto pela

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origem subjetiva da experiência do relator, quanto com o submetimento a ideias
preconcebidas sobre o espaço e o tempo (CONDE SILVESTRE, 2011, p.232-233).
Dentre as principais ideias preconcebidas sobre as terras localizadas no
Oriente enfatizamos as ―maravilhas‖, as quais, mesmo tendo origem na Antiguidade
perduraram por toda a Idade Média. Para Jacques Le Goff a mirabilia no medievo,
no âmbito do sobrenatural, é dividida em três partes: mirabilia, maravilhoso pré-
cristão; magicus, sobrenatural maléfico, satânico e; miraculosus, a maravilha cristã,
ou seja, o milagre (LE GOFF, 1985, p.24).
Partindo da separação proposta por LE GOFF (1985) esta comunicação
pretende compreender as mirabilia presentes no livro Viagens de Jean de
Mandeville (2017), traduzido e organizado por Susani Silveira Lemos França,
enfatizando, sobretudo, o magicus e miraculosus.

OBJETIVOS

Constitui objetivo da presente comunicação debater o maravilhoso presente


no livro Viagens de Jean de Mandeville (2017), traduzido e organizado por Susani
Silveira Lemos França, com enfoque no magicus e miraculum. Em tal empreitada
não buscamos apresentar uma categorização que inclua todas as obras de Jean de
Mandeville, muito menos, a inumerável quantidade de fontes, as quais, de certa
forma, se relacionam com a temática proposta. Tencionamos, portanto, perceber os
momentos que no texto aparece os termos ―milagre‖, ―magia‖, ―feitiçaria‖ e
―encantamento‖ e debater com a produção bibliografia produzida a esse respeito,
além, certamente, da ligação dos vocábulos com a concepção medieval de mirabilia.

RESULTADOS

Durante muito tempo os eruditos afiançavam a autoria do livro Viagens de


Jean de Mandeville a um cavaleiro, Jean de Mandeville, nascido em Saint. Albans
que no ano de 1322 realiza uma viagem até as terras do Além-mar, regressando no
ano de 1356 por efeito de uma artrite gotosa. Contudo, a descoberta, no século XIX,
de que a obra poderia refletir um acoplado de outros escritos de viagens fez com
que muitos pesquisadores questionassem o deslocamento do autor, bem como, a
real existência do personagem. Atualmente, é quase unânime entre os estudiosos a

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tese da qual não foi Jean de Mandeville que escreveu a obra, assim como, seu
verdadeiro autor escreveu sem sair de casa.
O fato de ser uma viagem imaginária não impossibilitou a ampla propagação
da obra em seu contexto histórico, visto que, foi um dos livros mais disseminados em
fins da Idade Média e início da Modernidade. Tal fato sucede, em partes, pelo seu
conteúdo conseguir satisfazer o anseio do publico europeu a respeito das coisas
diferentes e estranhas que se encontravam em terras longínquas.
O estranho, também chamado de ―maravilhoso‖, aparece nas duas partes do
livro, ou seja, tanto na descrição das terras da Europa até Jerusalém, quanto nas
localidades além da Terra Santa ao domínio do Preste João.
Atualmente essas manifestações maravilhosas podem ser estudadas como
uma categoria de ideias ou expressões literárias e artísticas. Entretanto, durante a
Idade Média, a mirabilia esteve longe de envolver unicamente as abstrações do
pensamento ou de ser apenas uma categorização das coisas estranhas, ao
contrário, formava um universo real, coexistente com o cotidiano, mesmo que, em
muitos casos, consistisse em seres, lugares e objetos que são extraordinários,
admiráveis, ou, sobrenaturais (ALTAMIRANO MEZA, 2008, p.12).
Pablo Castro Hernández substancialmente define o ―maravilhoso‖ tanto como
um espanto provocado pelo sobrenatural, quanto na admiração da natureza
excepcional dos objetos e fenômenos vislumbrastes. É algo, na opinião do autor,
que rompe com o cotidiano, causando admiração, surpresa e gosto pelo novo e
diferente (CASTRO HERNÁNDEZ, 2005, p.18).
Selma Calasans Rodrigues, buscando melhor demonstrar a ligação entre a
palavra maravilha e a admiração, liga o referido termo a sua raiz etimológica, miror,
a qual, em latim, carregava o significado de fascínio, espanto, para com o ato,
pessoa ou coisa apreciada. A autora afirma, além do mais, que na teoria literária
atual o vocábulo ―maravilha‖ é ―historicizado‖, pois, é usado para designar a
interferência de deuses, quando ligado ao paganismo, ou dos seres sobrenaturais,
como, por exemplo, fadas e anjos, ou, aos milagres, caso ligado ao cristianismo
(RODRIGUES, 1988, p.54-55).
De certa forma categorizando a perspectiva de RODRIGUES (1988), o
pesquisador Jacques LE GOFF em seu livro O maravilhoso e o quotidiano no
Ocidente Medieval (1985), afirma que o maravilhoso no âmbito do sobrenatural é
dividido, após o século XII-XIII, em três domínios: mirabilis, a maravilha com origem

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pré-cristã; magicus, inicialmente usado de forma neutra designando tanto uma
magia ligada á Deus, quanto ao diabo, mas que, em fins do medievo, transportava o
significado do maléfico e satânico; miraculosus, o maravilhoso propriamente cristão,
ou seja, o milagre (LE GOFF, 1985, p.24).
Sobre a relação entre a maravilha e o milagre Axel Rüth, de forma
pragmática, afirma que, nos anos seguintes ao século XII ocorre o início do processo
de uma distinção entre o mirabilia e o miracula1. Para o autor,

―(...) os dois [termos] têm em comum a invocação do maravilhoso e


assombroso, [mas] a mirabilia [está] em direção as coisas que não
entendemos, [enquanto] miracula significa as ações de Deus ou
contrárias a natureza (ísica/ contra naturam). A maravilha pode ter
diferentes razões enquanto o milagre pode ter apenas uma. A
maravilha é geralmente alguma coisa extraordinária, mas não contra
natura, enquanto um milagre designa uma intervenção de Deus‖
(RÜTH, 2011, p.93)2.

Ana Borja López parte da raiz etimológica dos termos ―maravilha‖ e ―milagre‖
para demonstrar suas conexões. Assim, a autora afirma que,

―o núcleo lexical mir -, que indicava ‗mirada‘, ‗visualização‘,


‗assombro‘, procede do latim mirári, derivado do adjetivo mirus, que
significava ‗maravilhar-se‘, ‗mirar com maravilha, admiração‘. Mirári
além do mais, é a origem do termo milagro, pelo que é possível
relacionar maravilla e milagro desde um ponto de vista etimológico.
Assim, a voz latina mirus (‗surpreendente‘, ‗estranho‘, ‗maravilhoso‘)
agrupa em suas acepções ambos vocábulos, se bem [que] o
emprego epíteto é pouco comum e esta reservado a mirabilis, que
em latim imperial substitui mirus. Como derivados se
documentavam, assim mesmo, miraris, ‗surpreenderse‘, ‗mirar com
surpresa ou admiração‘ e miraculum ‗coisa surpreendente‘ e, na

1
Importante ressaltar que, para Alex Rüth, ―The distinction between mirabilia and miracula is not only
one between phenomena, but also between textual genres. Although both terms have the same
origin, they belong to different textual traditions, characterized by different conceptions of admiratio,
due to two different attitudes towards nature: admiration in face of the non-understandable in the
mirabilia produces astonishment—not because the order of nature is disturbed but because the
reasons for a phenomenon are unclear, whereas miracula exceptionally abolish the order of nature.
As to the history of knowledge, the wondering of the mirabilia, however ―fabulous‖ these stories and
descriptions might be, belongs to the sphere of curiositas: it is a philosophical wondering.18 The
wondering of the miracula is different: it shall create admiratio of the saint‘s virtue‖ (RÜTH, 2011,
p.94).
2
―(…) both have in common is the evocation of wonder and astonishment, the mirabilia towards
things we do not understand, the miracula towards actions of God beyond or contrary to nature (
ísica/contra naturam). The marvellous can have many different reasons whereas the miraculous can
only have one. A marvel is generally something extraordinary, but not contrary to nature, whereas a
miracle designates an intervention by God‖ (RÜTH, 2011, p.93).

40
língua religiosa, ‗ prodígio‘ ou ‗milagre‘, com sentido ‗laudatório‖
(BORJA LÓPEZ, 2016, p.68)3.

A ligação entre mirabilis e miraculum aparece também no livro Viagens de


Jean de Mandeville. Em um desses momentos, o suposto cavaleiro alega que
pecavam aqueles indivíduos que ocultavam um ―milagre‖, como justificativa o autor
se ampara nas palavras de Davi, para o qual, as mirabilia são testemunhas de Deus
(MANDEVILLE, 2017, p.80).
Em outra ocasião da obra, Jean de Mandeville afirma que a elevação do mar,
em certa localidade, é uma maravilha, em seguida, o autor apresenta uma
passagem do saltério de Davi, o qual utiliza o termo mirabiles para se referir a altura
da água, vocábulo compreendido, pelo suposto cavaleiro, como sinônimo de
maravilha (MANDEVILLE, 2017, p.181). O ponto, contudo, é que depois de
descrever inúmeras regiões o escritor utiliza novamente a palavra mirabile ao relatar
um ―milagre‖ realizado por Deus – a completa escuridão sobre um imperador Persa
que perseguia os Cristãos (MANDEVILLE,2017, p.221). Constatamos, desta forma,
que no livro Viagens de Jean de Mandeville, o autor percebia o milagre de modo da
admiração, ou seja, algo maravilhoso.
Entretanto, há uma diferença entre o ―maravilhoso‖ e o ―milagre‖ 4. O primeiro
abrange uma infinidade de manifestações, a título de exemplo, a forma6física dos
seres que habitam em terras longínquas, a forma que os barcos são produzidos,
entre outros. Já o segundo, está exclusivamente ligado a fatos e crenças religiosos,
como, por exemplo, a não entrada de insetos em um mosteiro, rocha marcada pelo
corpo de Moisés, árvore que secou após a morte de Jesus e que florescerá após um
príncipe do Ocidente reconquistar a Terra Prometida, o rápido deslocamento dos
três reis magos até Jerusalém no momento do nascimento de Jesus, entre outros.

3
―El núcleo lexical mir -, que indicaba ‗mirada‘, ‗visualización‘, ‗asombro‘, procede del latín mirári,
derivado del adjetivo mirus, que significaba ‗maravillarse‘, ‗mirar con maravilla, admiración‘, Mirári,
además, es el origen del término milagro,por lo que es posible relacionar maravilla y milagro desde
un punto de vista etimilógico. Así, la voz latina mirus (‗sorprendente‘, ‗extraño‘, ‗maravilloso‘) agrupa
en su acepciones ambos vocablos, si bien el empleo como epíteto es poco común y estáreservado a
mirabilis, que en latín imperial reemplaza a mirus. Como derivados se documentan, asimismo,
miraris, ‗sorprenderse‘, ‗mirar con sorpresa o admiración‘, y miraculum, ‗cosa sorprendente‘ y, en la
lengua religiosa, ‗prodigio‘ o ‗milagro‘, con sentido laudatorio ( BARJA LOPÉZ, 2016, p.68) .
4
A respeito disso destacamos Mercedes Brea, a qual afirma que, ―es posible (aunque puede que
también discutible) que no todas las maravillas sean milagros, pero sí parece seguro que, en mayor
o menor medida, todos los milagros son maravillas, al menos desde el punto de vista etimológico‖ (
BREA, 1993, p.49)

41
O aspecto religioso dos milagres não é unicamente associado ao cristianismo,
isso porque, em dois momentos diferentes o encontramos aludido a outras crenças.
Na primeira situação, Jean de Mandeville descreve a entrada de Maomé em uma
ermida, de portas pequenas, mas que, cresce, como um Palácio, após o ingresso do
profeta – ―este foi o primeiro milagre que, segundo os sarracenos, fez Maomé em
sua juventude‖ (MANDEVILLE, 2017, p.139). Na segunda circunstância, o suposto
cavaleiro ao expor as festas realizadas nas terras do Grande Cã, se refere a uma
praticada em comemoração a circunstância que o ―Ídolo começou a falar ou a fazer
milagres‖ (MANDEVILLE, 2017, p.203).
O fato de o Ídolo fazer milagres, por conseguinte, não resulta em sua
automática associação a Deus, ainda que, por meio dele, se expressem os anjos.
Isso ocorre porque existem dois tipos de anjos, os bons e os maus e, ―não é o anjo
bom, mas o mau que está dentro [desses] Ídolos para [enganar os idólatras] e fazer
com que permaneçam em seu engano‖ (MANDEVILLE, 2017, p. 254).
De forma análoga aos anjos maus, Jean de Mandeville descreve os feiticeiros
e encantadores, os quais, por meio de suas ―magias‖, realizam proezas com o
objetivo de enganar. Propósito aproximado, no entanto, não significa associação
integral, visto que, em fins da Idade Média, o milagre (miraculosos) era a antítese
das variadas expressões da magia (magicus) (NEPOMUCENO, 2017, p.8). Tal
oposição é determinada pelo fato de que o magicus, ao necessitar da ajuda
demoníaca para ocorrer exclui a possibilidade de ser entendido como operação
divina ou manifestação normal da natureza (CASTRO HERNÁNDEZ, 2016, p.68-
70).
Deuses, feiticeiros ou encantadores, na obra de Jean de Mandeville, são os
principais parceiros do diabo em suas ações. Existem, no entanto, formas de
proteção contra as empreitadas desses seres, como, por exemplo, o diamante, o
qual, além de proteger os que o carregam, faz voltar os ―malefícios ou
encantamentos‖ contra o atacante (MANDEVILLE, 2017, p.156).
Importante destacar que, mesmo o magicus sendo oposto ao milagre,
resultado de ações demoníacas, ele não é excluído das coisas que causam
admiração e, o suposto cavaleiro, deixa isso claro em dois momentos. Na primeira
situação o autor afirma que os encantadores e pelotiqueiros, que residem na corte
do Grande Cã, fazem muitas ―maravilhas‖, pois podem fazer o sol ou a lua prestar
homenagem ao Imperador (MANDEVILLE, 2017, p.206). Na segunda ocasião, o

42
suposto cavaleiro, descreve uma arvoreta a qual cresce até o meio dia, mas depois
somem (MANDEVILLE, 2017, p.231).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao relacionarmos os termos ―milagre‖, ―feitiçaria‖, ―encantamento‖ e ―magia‖,


presentes no livro Viagens de Jean de Mandeville, com a bibliografia referente ao
tema, percebemos que o miraculoso estava ligado ao sobrenatural divino, ou seja, a
presença divina é sempre muito marcante. Isso ocorre até mesmo em momentos
que a palavra ―milagre‖ é usada para designar os feitos de Ídolos e de Maomé, pois,
o primeiro consiste em uma manifestação de anjos maus, e o segundo, mesmo com
algumas diferenças dogmáticas, credita a Jesus e Nossa Senhora a salvação
eterna5.
Sem embargo, o Magicus não carrega a nula influência do cristianismo, de
outro modo apresenta-se como o sobrenatural que não exige, indispensavelmente, a
presença divina, uma vez que, deuses, feiticeiros e mágicos estão aptos a realizar
referida manifestação.

REFERÊNCIAS

ALTAMIRANO MEZA, Gerardo Román. Lo maravilloso al servicio de la


configuración heróica en el Libro de Alexandre. México, DF: UNAM, 2008. Tésis
de Licenciatura.

5
É no capítulo 15 da obra que encontramos a palavra ―milagre‖ designando os feitos de Maomé,
porém, influi significativa a forma que o suposto cavaleiro descreve a religião dos sarracenos,
sobretudo, ao colocar que os sarracenos ―afirmam que Abraão era amigo de Deus, que Moisés era o
porta-voz de Deus, que Jesus era a palavra e o espírito de Deus e que Maomé era o verdadeiro
mensageiro de Deus. E dizem que dos quatro, Jesus Cristo era o mais digno, o mais magnífico e o
maior. Contudo, apesar de partilharem muitos artigos de nossa fé, sua religião e suas crenças não
são perfeitas como as dos cristãos, mas é fácil que possam converter-se, especialmente os que
tomam conhecimento das escrituras e das profecias, pois têm os Evangelhos, as profecias e a Bíblia
traduzidos em sua língua e reconhecem muito da Sagrada Escritura. O problema é que entendem ao
pé da letra, do mesmo modo que os judeus, pois eles não conseguem compreender a letra
espiritualmente, apenas corporalmente, e por isso, recriminam os verdadeiros sábios que a
interpretam espiritualmente‖ (MANDEVILLE, 2017, p. 138). Desta forma, talvez, em um estudo mais
detalhado da relação de Jean de Mandeville com os sarracenos e sua analise por meio do
entendimento filosófico do milagre em fins da Idade Média pudesse concluir que miraculosus estava
correlacionado com o sobrenatural divino, mas não necessariamente com a vontade de Deus.

43
BORJA LÓPEZ, Ana. La maravilla en Il Milione: milagros y elementos diabólicos.
Ámbitos: revista de estudios de ciencias sociales y humanidades, núm. 36 (2016),
pp. 67-74.
BREA, Mercedes. Milagros prodigiosos y hechos maravillosos en las Cantigas de
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