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A Festa PDF
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A FESTA
Harold Pinter
TERRY – quarentão
GAVIN – cinquentão
DUSTY – moça de 20 anos
MELISSA – setentona
LIZ – trintona
CHARLOTTE – trintona
FRED – quarentão
DOUGLAS – cinquentão
JIMMY – jovem
No apartamento de Gavin.
Sala grande. Sofás, poltronas, etc. As pessoas estão sentadas, em pé.
Um garçom está servindo bebidas.
Duas portas. Uma porta, que nunca é usada, está semi-aberta, de onde
vem uma luz fraca.
Gavin e Terry estão em pé no proscênio. Os outros estão sentados em
meia luz, bebendo.
Há músicas durante a peça toda.
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TERRY – Bem, tem um bar, sabe, com sacadas envidraçadas que dão
pra debaixo d’água.
DUSTY – As pessoas nadam pra você, sabe, enquanto você está
tomando um drinque.
TERRY – Meninas lindas.
DUSTY – E homens.
TERRY – Mais meninas.
DUSTY – Você falou da comida?
TERRY – O caneloni é delicioso.
DUSTY - De primeira classe. A comida é realmente de primeira classe.
(Melissa entra pela porta e se junta a eles)
MELISSA – Pelo amor de Deus, o que está acontecendo lá fora? É como
se fosse a Morte Negra.
TERRY – O que é?
MELISSA – A cidade está morta. Não há ninguém nas ruas, não tem
nenhuma alma viva, com exceção de... alguns soldados. Meu motorista
teve que parar... sabe... como é que se chama? ... numa blitz. Tivemos
que dizer quem éramos... realmente foi uma bobajada...
GAVIN – Ah, está havendo um pouco de... você sabe...
TERRY – Não é nada. Posso te apresentar? Gavin White, nosso
anfitrião. Melissa.
GAVIN – Que bom que você veio!
TERRY – O que vocês estão bebendo? (O garçom se aproxima) Quer
um copo de vinho. (Oferece a Melissa um copo de vinho)
DUSTY – Fico ouvindo todas essas coisas. Eu não sei em que acreditar.
MELISSA (para Gavin) – Que festa gostosa!
TERRY (para Dusty) – O que você disse?
DUSTY – Eu disse que eu não sei em que acreditar.
TERRY – Você não tem que acreditar em nada. Você só tem que calar a
boca e cuidar dos teus negócios. Quantas vezes eu tenho que te dizer?
Você vem a uma festa gostosa como essa, e tudo o que você tem que
fazer é calar a boca, aproveitar a hospitalidade e cuidar dos teus
malditos negócios. Quantas vezes mais eu vou ter que falar isso? Você
fica ouvindo todas essas coisas. Você fica ouvindo todas essas coisas
que se espalham de fofocas sobre fofocas. O que isso tem a ver com
você?
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(Pausa)
DOUGLAS – Você botou a casa abaixo com isso, Fred.
FRED – Mas é isso que importa. É isso que importa. Não é?
DOUGLAS – Ah, é o que importa. É o que importa. Claro que é o que
importa. Toda essa merda tem que parar.
FRED – Você acha mesmo?
DOUGLAS – Acho sim.
FRED – Eu admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.
(Fred aperta seu pulso)
FRED – Um pouco disso.
(Douglas aperta seu pulso)
DOUGLAS – Um pouco disso.
(Pausa)
FRED – Como está indo essa noite?
DOUGLAS – Como um relógio. Olha. Deixa eu te dizer uma coisa. Nós
queremos paz. Nós queremos paz e nós vamos conseguir.
FRED – Está certo.
DOUGLAS – Nós queremos paz e nós vamos conseguir. Mas nós
queremos que essa paz seja ferro fundido. Sem fendas. Sem riscos.
Ferro fundido. Firme como um tambor. Esse é o tipo de paz que
queremos e é essa a espécie de paz que vamos conseguir. Uma paz de
ferro fundido. (Ele aperta seu pulso) Como isso.
FRED – Você sabe, eu realmente admiro pessoas como você.
DOUGLAS – Eu também.
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TERRY – Nesse negócio, o teu dinheiro é bem gasto. Hoje em dia isso é
uma coisa muito, muito rara. É extremamente raro hoje em dia o seu
dinheiro ser valorizado. Lá você põe a mão no seu bolso, tira o dinheiro e
você sabe o que você está ganhando. E o que você está recebendo é
um serviço completo de cinco estrelas. Cinco estrelas para todos os
departamentos. Você tem uma infra-estrutura. Você tem infra-estrutura
para tudo. Não é só muita infra-estrutura em si – sabe: comida, esse tipo
de coisa – guardanapos – sabe, tudo isso, maravilhoso, primeira classe
– mas você também tem infra-estrutura artística – você tem uma
atmosfera – nesta academia – que está combina artisticamente com a
sua clientela. Estou me referindo ao tipo de iluminação, ao tipo de
pintura, ao estilo de música, às ofertas da academia. Estou falando
sobre o ambiente verdadeiramente aconchegante e harmonioso. Você
não ouve pessoas falando em voz alta na academia. As pessoas não
fazem coisas vulgares, sórdidas e ofensivas. E se fazem nós chutamos
seus colhões e os jogamos escada abaixo sem problemas.
MELISSA – Posso endossar tudo que foi dito?
(Pausa)
Gostaria de endossar tudo que foi dito. Gostaria de corroborar com
minha voz. Já pertenci a muitas academias de tênis e de natação. Muitas
academias de tênis e natação. E foi em algumas dessas academias que
encontrei meus amigos mais queridos. Todos eles estão mortos agora.
Cada amigo que eu tinha. Ou que encontrei. Mortos. Todos eles estão
mortos. Cada um deles. Não tenho mais absolutamente ninguém. Não
restou ninguém. Não restou nada. Para que serve isso tudo? As
academias? Pra que servem? Pra quê?
(Silêncio)
Mas as academias morrem também e imediatamente. Quero dizer que
deve ser feita uma distinção. Meus amigos foram no caminho do material
e eu não lamento. De qualquer maneira eles não foram meus amigos.
Não conseguia suportar a metade deles. Mas as academias! As
academias morreram, as academias de natação e de tênis morreram
porque eram baseadas em idéias que não tinham nenhum fundamento
moral, nenhum fundamento moral qualquer. Mas nossa academia, nossa
academia - é uma academia que é ativada, que é inspirada pelo sentido
moral, uma preocupação mora, com valores morais que – tenho que
dizer – são inalteráveis, rigorosos, fundamentais e constantes. Obrigada.
(Aplausos)
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GAVIN – É, estou muito contente de você ter dito tudo isso. (Para os
outros) Vocês não estão?
DOUGLAS – Primeira classe.
LIZ – Tão emocionante.
TERRY – Fantástico.
FRED – Na bucha.
CHARLOTTE – Pura verdade.
DUSTY – Ah é.
(Bate palmas)
Ah é.
DOUGLAS – Absolutamente de primeira classe.
GAVIN – É, foi de primeira classe. E é necessário dizer. Como foi
esplendidamente dito essa noite, numa festa agradável, com tão boa
companhia. Devo dizer que falo como anfitrião muito feliz. E por falar
nisso, eu realmente tenho que me juntar nesta maravilhosa academia de
vocês, não tenho?
TERRY – Você está eleito. Você é o nosso sócio honorário. Foi eleito
hoje.
(Risos e aplausos)
GAVIN – Muito obrigado mesmo. Agora eu acredito que um ou dois
convidados encontraram problemas no trânsito quando estavam vindo
para cá. Peço desculpas por isso, mas gostaria de afirmar que todos
esses problemas e todos os problemas relacionados a isso serão
resolvidos brevemente. Ouvimos alguns boatos essa noite. Esses boatos
estão chegando a um fim. Na verdade os serviços normais vão ser
retomados brevemente. Esta é, de qualquer maneira, a nossa meta.
Serviço normal. Se vocês gostarem, nós vamos insistir nisto. Nós vamos
insistir nisto. Vamos. Isso é tudo que pedimos, que o serviço que este
país fornece corra normal, seguro e legitime caminhos e que o cidadão
normal possa fazer seu trabalho e se divertir em paz. Muito obrigado por
vocês terem vindo aqui essa noite. Foi realmente muito bom ver vocês,
esmagador.
(As luzes da sala abaixam. A luz da porta intensifica, penetrando na sala.
Todo mundo está parado, em silhueta. Um homem vem da luz e fica
parado na porta. Está vestindo uma roupa leve).
JIMMY – Algumas vezes ouço coisas. Depois pára.
Eu tinha um nome. Era Jimmy. As pessoas me chamavam de Jimmy.
Era esse o meu nome.
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Algumas vezes eu ouço coisas. E aí tudo fica quieto. Quando tudo está
quieto eu ouço meu coração.
Quando os barulhos terríveis vêm eu não ouço nada. Não ouço não
respiro fico cego.
Então tudo fica quieto. Ouço a batida do coração. Provavelmente não é a
batida do meu coração. Provavelmente é a batida do coração de alguém.
O que sou eu?
Às vezes a porta bate, eu ouço vozes, e aí para.
Tudo pára. Tudo para. Tudo fecha. Fecha. Fecha. Tudo fecha. Tudo se
cala. Se fecha. Não vejo nada em nenhum momento. Fico sentado
chupando o escuro.
É o que eu tenho. O escuro está na minha boca e eu chupo. É a única
coisa que eu tenho. É meu. Me pertence. Eu chupo ele.
FIM
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