Você está na página 1de 7

Teddy – Bem, a chave funcionou. (Pausa) Não mudaram a fechadura.

(Pausa)

Ruth – Não tem ninguém em casa.

Teddy – Devem estar dormindo. (Pausa)

Ruth – Posso sentar?

Teddy – Claro

Ruth – Estou cansada. (Pausa)

Teddy – Então senta. (Ela não se move) Essa é a cadeira do papai.

Ruth – Essa aí?

Teddy – Essa aí mesmo. Vou subir pra ver se meu quarto ainda está lá. Eu falo da mobília. Pra
ver se minha cama ainda está lá.

Ruth – Não é melhor você acordar alguém? Avisar que nós chegamos? Você quer ficar?

Teddy – Quero ficar? (Pausa) Mas nós viemos pra ficar. Pretendemos ficar... uns dias.

Ruth – Acho que... as crianças... devem estar sentindo nossa falta.

Teddy – Uns dias só. Voltamos logo. Nada mudou. Foi aqui que eu nasci, sabe o que é isso?

Ruth – Sei. (Pausa) Preciso de um pouco de ar. Posso levar a chave? Por que não vai pra cama?
Não demoro. (sai)

Teddy – Olá, Lenny.

Lenny – Olá, Teddy.

Teddy – Não ouvi você descendo a escada.

Lenny – Não desci. Durmo aqui embaixo agora.

Teddy – Eu resolvi voltar. Ficar uns dias.

Lenny – Ah, é? Resolveu? (Pausa)

Teddy – Como é que está o velho?

Lenny – Vendendo saúde. (Pausa)

Teddy – Bem, te vejo então amanhã de manhã na hora do café. (sai)

Lenny – Boa noite.

Ruth – Bom dia, eu acho.

Lenny – Meu nome é Lenny, e o seu?


Ruth – Ruth.

Lenny – Frio?

Ruth – Não.

Lenny – Você deve ter alguma ligação com meu irmão, naturalmente. Esse que estava no
estrangeiro.

Ruth – Sou a mulher dele. Estamos visitando o Brasil.

Lenny – Uma noite, não faz muito tempo, uma noite, no cais do porto, eu estava sozinho
embaixo de uma arcada, olhando os homens naquele movimento todo dos navios, quando
uma determinada senhora chegou perto de mim e me fez uma determinada proposta. Esta
dita senhora há dias me procurava pra um determinado fim. Bem, a proposta em questão
estava perfeitamente em ordem e normalmente eu teria concordado em executá-la. Não sei se
fui claro, eu teria concordado com a proposta na rotina normal dos acontecimentos. Mas
acontece que a tal senhora estava caindo de podre. De modo que eu me recusei. Aí a senhora
em questão começou a tomar liberdades comigo aproveitando a meia escuridão da arcada.
Liberdades essas que, sob nenhuma hipótese, ninguém admitiria que eu fosse obrigado a
tolerar, as coisas sendo como eram e aí eu acertei um soco nela que nem te conto. Pra
resumir, estava tudo a meu favor pra um assassinato. Mas no fim eu pensei que... Ahnnnn! Por
que me meter numa chateação enorme?... Acertei mais um soco no estômago e resolvi deixar
pra lá. (Pausa) Você e meu irmão são recém casados, não é?

Ruth – Estamos casados há seis anos.

Lenny – Foi sempre meu irmão preferido. Nós todos temos o maior orgulho dele. Doutor em
filosofia. Naturalmente é um homem muito sensível. Quantas vezes eu invejei a sensibilidade
dele.

Ruth – Verdade?

Lenny - Por exemplo, sou muito sensível à atmosfera, mas tenho uma tendência a
dessensibilizar, se é assim que se diz, quando começam a me obrigar a fazer coisas sem
sentido. Uma vez, veio uma velha e me pediu se eu podia lhe dar uma mãozinha pra mudar de
lugar a máquina de secar roupa. Aquele rolo, sabe? Me contou que tinha ganhado do cunhado,
mas tinha deixado num lugar ruim. Logo se via que era um lugar imbecil pra deixar uma
máquina de secar roupas, não podia ficar lá. O diabo foi que eu cheguei lá e nem conseguia
tirar a máquina do lugar. Acho que pesava meia tonelada. Como o cunhado colocou a máquina
naquele lugar era uma coisa que eu não conseguia nem imaginar. Mas o fato é que eu estava
lá num corpo a corpo com a máquina e a velha só olhando, gesticulando, sem colocar um dedo
pra me dar uma força. Foi por isso que depois de alguns minutos eu virei pra ela e disse: olha
aqui, minha senhora, por que a senhora não pega esse seu rolo e enfia no cu, hein? Além
disso, eu argumentei, é uma máquina que não se usa mais, a senhora tem que comprar uma
centrífuga. Eu até tinha firme a intenção de mostrar pra ela onde dói a anatomia; mas ao
mesmo tempo, eu estava tão satisfeito que me contentei em derrubar ela no chão. Saltei num
ônibus que ia passando e me mandei.
Ruth – Você pode me dar um copo d’água?

Lenny – Claro.

Ruth sai.

Ato II

Ruth – Almoço excelente!

Lenny – Fico contente que tenha gostado! Eu pus a alma nesse almoço. Alguma coisa me diz
que você é uma cozinheira de mão cheia.

Ruth – Não sou má, não.

Teddy – É, ela cozinha muito bem. (Pausa)

Lenny – Como você vai indo, meu irmão?

Teddy – Vou indo muito bem. Uma pena Joey e papai não estarem em casa.

Lenny – Você devia ter comunicado teu casamento, Teddy. Você teria recebido presente dos
seus irmãos e do seu pai. Onde você se casou, na América?

Ruth – Não. Aqui. Um dia antes de embarcarmos.

Lenny – Esse casamento tem a minha aprovação, a minha benção.

Teddy – Muito obrigado

Lenny – Você é uma mulher encantadora.

Ruth – Eu era...

Lenny – O quê? (Pausa) O que é que ela disse?

Ruth – Eu era... diferente... quando conheci Teddy... antes.

Teddy – Você não sabe o quanto ela me ajuda na América. É uma esposa e uma mãe
maravilhosa. O departamento da universidade em que trabalho tem tido muito sucesso.
Temos três meninos.

Lenny – Todos homens? Engraçado, eu você, Joey, três irmãos, e agora você com três filhos
homens. Papai vai ficar radiante quando souber. Mas o que é que você ensina com seu
doutorado em filosofia?

Teddy – Filosofia.

Lenny – Mas você é um filósofo. Vamos, seja franco. Como é que você decide esse negócio de
ser ou não ser? Eu estou falando filosoficamente. O que é uma mesa?

Teddy – Uma mesa.


Ruth – O melhor é não ter certeza. Você esqueceu alguma coisa. Olha pra mim. Eu... mexo
minha perna. É tudo. Mas eu uso roupa de baixo... que se mexe comigo... Ela... captura tua
atenção. Talvez você me interprete mal. (Pausa) Eu nasci aqui pertinho.

Teddy – Acho que está na hora de voltarmos. Hummmm? Vamos pra casa?

Ruth – Por quê? Você não gosta da tua família?

Teddy – Que família?

Ruth – Essa aqui.

Teddy – Claro que gosto. É evidente que gosto. Escuta. São seis horas de diferença lá. Os
meninos devem estar na piscina agora... nadando. Já pensou? Aquela manhã bonita de lá? Sol.
Lá é tão limpo!

Ruth – Limpo.

Teddy – Não é?

Ruth – E aqui é sujo?

Teddy – Não, claro que não. Mas lá é mais limpo. (Pausa) Olha, eu te trouxe pra conhecer
minha família. Papai está no hospital. Joey só chega no fim do dia. Você já conheceu Lenny,
podemos voltar.

Ruth – Você acha sujo aqui?

Teddy – Descansa um pouco. Vou arrumar as malas. (sai)

Lenny – É, os dias estão encurtando. Daqui a pouco o inverno está aí. É tempo de renovar o
guarda-roupa. (Pausa)

Ruth – É bom fazer isso.

Lenny – O quê? (Pausa)

Ruth – Eu sempre... (Pausa) Você gosta de roupas? (Pausa) Eu era modelo antes de ir embora.
Eu era modelo vivo. Modelo fotográfico... vivo. Isso foi antes de eu ter... meus filhos todos.

Teddy – O que você andou contando pra ela? Olha o teu casaco.

Lenny – Que tal uma dança antes de ir embora?

Teddy – Não, já estamos indo.

Lenny – Uma dança só, com o cunhado dela, antes de ir embora. (Ruth se levanta, os dois
dançam, vagarosamente. Teddy fica de pé, com o casaco de Ruth. Lenny beija Ruth. Os dois
estão de pé; se beijam)

Lenny – Você vai embora, Teddy? Já? E quando você volta, hein? Olha, na próxima vez que
vier, não esqueça de avisar se vem casado ou não. Teremos sempre o maior prazer em
conhecer tua mulher. Sinceramente. Pensa que eu não sei por que você não comunicou teu
casamento? Sei muito bem. Teve vergonha. Achou que ia nos aborrecer porque se casou com
uma mulher de condição inferior à nossa. Você deveria nos conhecer melhor. Eu sou uma
pessoa aberta. Fica tranquilo, é uma moça encantadora. Uma bela mulher! E uma mãe,
também. Mãe de três filhos. Você fez dela uma mulher realizada.

Ruth – Eu gostaria de comer alguma coisa. Quer me dar um drinque? Tem alguma coisa que se
beba? Por que a sua família não leu os teus trabalhos de crítica?

Lenny – Joey chegou. Está lá em cima. Está cansado do treino. Lutador de boxe. Não vai
conhecer teu cunhado, Ruth? (Ruth sai). Está aí uma coisa que nunca fiz. Nunca li um trabalho
dele.

Teddy – Ninguém aqui ia entender. Nosso pai não ia entender os meus trabalhos. Você não
teria a mais longínqua ideia de que é que se trata. (Lenny sai) Não saberia apreciar os pontos
de referência. Vocês são muito atrasados. Não tem nenhum sentido eu mandar meus
trabalhos pra vocês lerem. Vocês ficariam perdidos. Não tem nada a ver com a questão de
inteligência. É um modo de ser – de ser capaz de encarar o mundo. É uma questão de quanto
se é capaz de atuar ou deixar de atuar sobre as coisas. Quero dizer que é uma questão de
capacidade de aliar as duas, relacionar as duas, equilibrar... as duas. Ver, ser capaz de ver! Eu
sou o capaz de ver. É por isso que eu posso escrever ensaios críticos. Talvez te fizesse bem dar
uma olhada nesses trabalhos... ver como certas pessoas encaram... as coisas... como certas
pessoas são capazes de manter... o equilíbrio intelectual. Vocês são apenas objetos. Vocês
apenas... se mexem. Posso observar isso. Posso ver com exatidão o que vocês fazem. É o
mesmo que eu faço. Mas acontece que vocês estão perdidos... nisso. E não vão conseguir que
eu... eu não vou me perder.

Lenny – Sabe, talvez não seja má ideia ter uma mulher aqui em casa. Quem sabe a gente devia
ficar com ela. (Pausa) Podíamos perguntar se ela quer ficar. (Pausa)

Teddy – Receio que não. Ela não está bem, e temos que voltar pra casa. As crianças... ela tem
três filhos.

Lenny – Pois pode ter mais! Aqui. Já que é tão fogosa.

Teddy – Ela não quer mais nenhum.

Lenny – Mas o que você sabe das querências dela, hein, Ted?

Teddy – O melhor pra ela é voltar pra casa comigo. Realmente é. Nós somos casados, você
sabe.

Lenny – Nós juntamos algum dinheiro pra sustentar ela. Economizamos os salários. Tenho uma
ideia melhor. Por que não levo ela comigo pra rua do Grego? (Pausa) Colocar ela na jogada. Ela
ganha o próprio dinheiro – deitada de costas. Você ainda está aqui, Teddy? Cuidado pra não se
atrasar pras tuas aulas no departamento. Aliás, Joey me disse que tua mulher não funciona.
(Pausa) Como é que é o tipo, diz; faz que dá, mas não dá? Fala com teu irmãozinho. (Pausa)
Que é que você diz disso, Teddy? Sua mulher se revelou uma negação. Joey está lá com ela,
mas parece que ela não quer chegar até o fim. Conseguiu dominar o Joey e deixou ele no ora-
veja. Não deixou ele gozar. (Pausa) Ela faz isso com você também?

(Entra Ruth)

Teddy – Não. Ruth... A família está convidando você pra ficar aqui, mais algum tempo. Como
uma... espécie de hóspede. Se você gosta da ideia eu não me importo.

Ruth – Que simpático da parte deles. Mas eu ia dar muito trabalho.

Lenny – Desde que a nossa mãe morreu, não teve mais mulher nenhuma nessa casa. Nenhuma
mulher seria boa o bastante. Mas você... Ruth... Você não só é simpática e bonita, como é
parenta. Você é nosso sangue agora. Pertence à família.

Ruth – Estou muito comovida.

Teddy – Mas, Ruth, preciso te dizer... que você vai ter que dar uma ajudinha, se ficar. Digo,
financeiramente. A situação de papai não é lá muito brilhante agora. O hospital é caro, e os
remédios.

Ruth – Ah, que pena!

Teddy – Mas você pode voltar pra casa comigo.

Lenny – Te arranjamos um apartamento. (Pausa)

Ruth – Onde?

Lenny – Na cidade. (Pausa) Mas você vai morar conosco. O teu lugar é aqui. No seio da família.
O apartamento você ocupa só algumas horas durante a noite, só isso. Pra ganhar o dinheiro
necessário pra te manter aqui. (Pausa)

Ruth – Quantos cômodos tem o tal apartamento? Eu quero pelo menos dois quartos, uma sala
e um banheiro.

Lenny – Você não precisa disso tudo.

Ruth – Ah, preciso. Preciso mesmo. Com tudo mobiliado. E uma empregada só pra mim.

Lenny – Natural. (Pausa) Resumindo, nós te financiamos no começo e quando estiver


estabelecida você nos paga em prestações.

Ruth – Ah, não, de maneira, alguma – isso não.

Lenny – Então está certo. Fornecemos isso, e tudo que você precisar.

Ruth – Então eu vou ver tudo que eu preciso e faço um relatório para vocês assinarem na
presença de testemunhas.

Lenny – Naturalmente.
Teddy – Eu ia pedir pra me levar pro aeroporto. Ruth, tua mala deixo aqui. Vou a pé até o
ponto de ônibus. Então, melhor ir logo. Te cuida hein?

Lenny – Meus sobrinhos sabem alguma coisa a meu respeito? Será que eles iam gostar de uma
fotografia da família? Seus tios e o avô brasileiros?

Teddy – Vão vibrar! Adeus, Lenny.

Ruth – Eddie. Não quero que você se torne um estranho.

Lenny – Escuta aqui, você pensa que vai ficar só com o boxeador bonitão? Você vai ter que dar
duro. Vai ter que pegar os outros, eu e meu pai! Será que ela entendeu? Eu acho que ela não
entendeu não. Você entendeu o que eu estou dizendo? Eu estou com a ideia de que ela vai
fazer sujeira com a nossa família. Me dá um beijo. Ela vai se servir, se servir dessa casa. Ela não
é... adaptável!

Você também pode gostar