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A conjuntura crítica no mundo

2. paulistas, escrevia ao ministro Pontchartrain em 1704 propondo a


invas.'lo e o controle de toda a porçãi' sul, das Mi nas até Sacramento.'
luso-brasileiro de inícios do século t\s autoridades admin isrrativas se desesperavan2: recém-descoberto
XVIII após ma •~ de cem anos de buscas infrutíferas o u pouco empenhadas,
·o ouro prenunciav;i desastres e catástrofes, impondo sobre o interior
um controle q ue os portugueses acreditavam diiícil de efetivar.
Em janeiro de 1701, Dom João de Lencastre saudava a chega·
da do novo século. À primeira vista, augurava para a monarquia
riquezas sem co11ta:

me animo (prostrado a seus reais pé>) aoferecer-lhecom toda a sub·


missão devida este papel, e nele representar-lhe as razões que, pela
experiência qtte renho deste Brasil, colhi mais sobre as ditas minas
de ouro comqt1eo novo século começa, prometendo ri<iuezas e feJi.
(... J riquezas rão extraordimlrias e cxcessivas faam cidades ao reino de Vossa Majestade.
muito du11idosu (! nrrisc'1da a conservação daquele
Estado. Logo em segu ida, co ntudo, alertava pa ra as co11seqüências
Antonio Rodrigues da Costa, J732 prejudicia is: o oum era aparência e engano, e safa por onde ent ra·
va, o porto do 1ejo, com os portugueses, em Lisboa, trabalha11do
O Brasil fez· se império antes de se fazer riaçllo. para o proveito alheio, dando armas para que lhes fizessem guerra,
nu trindo corpos que logo em seguida lhe fariam sombra.' Dom
Evaldo Cabral de Mello, 2002.
/oiio de Lencastre retomava argumento milenar- entre outros,
Pllnio, na Antiguidade, e Castiglione, no Renascimento, já h aviam
,iludido ao caníter ilusório das riquezas f.íccisouexc<!$Siv~,sobre- ,
tudo o ou ro-.' mas introduzia elementos novos: o~vo que ia!!!
RISCOS E PE R IGOS, INT E R NOS E EXTllRNOS

l. j~1émoir(: úléflit rl'1\mbr()i'ie/tJuffret sm·lc Rrésil it J'époquetfela découvertt desminé:S


O século XVJu começou crítico em Portugal. Na Europa, não 11'ur(/71M), ediçiio enotos de André< Ma11suy, Coimbra, vColóquio Internacional
houve como fugir do envolvimento na Guerra de Sucessão Espa- de Estudos Luso-Bm$ileiros, l965. Voltarei ti Jauffret llO capfru]o6dcsrelivro.
. a, ·tlinh
nhol · ando-se coin a lnglatcrra e contra as pretensões burbô- 2.Apt1 dA11dr~ João Antonil, Cultum eopali!uaa do Bmsil por suas drogas e m;na.s,

rucas. Sobre as colônias, notadamente o Brasil, atiraram-se os corsá- edição crítica de Andrée Mansuy, Paris.lnsritm des l-lautes Erucles de I' Amérique
t.1tme, 1968.p.587.
, rios franceses,sempredeprontidão para correr uma costa jásua velha J. BaJu..~r Castigli oo<, Ocorte.><lo,São P"ulo,Martins Footcs, 1997,p. 298:'"por- >-'
conhecida· Amb · · ) uflj gnev1veu
__ 1:~s1~_".S!. · cerca de trinta anos entre os llue muiro.s vezes as riquezasexccssivassao causa dc_S!'aode ruína':

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Minas era ru im por natureza, e a ausência de nor mas tornava-o vamos benefkios advindos da descoberta da.~ M inas. E havia, por
ainda pior. No sertão ia se formando "uma nova Geneva': a heresia íim, a falsa euforia p rovocada pelo metal precioso, acarretando
calvinista servind o aqui de imagem negativa a qualificar gente sem abandono da cultura do tabaco e do açúcar, "a.~ duas como bases e
lei e capaz de pôr em cuidado todo o Brasil.' Home ns que não colunas em que o Rei no de Vossa Majestade estriba as suas maio-
cabiam em pa rte alguma iam dar nas lvfinas, "uns corridos da jus- res dependências", adiantava Dom João de Lencast re.•
liça, outros da fortu na''.' Na seqüêJlcia, o governador engatava na Sobre a América portuguesa, pairava o d u pio temor da amea-
desqualificação d os habitantes de São Paulo, pesadelo permanen- ça externa (os fra nceses e demais estrangeiros q ue investiam sobre
te dos agen tes metropolitanos: "Tudo se pode esperar de seme- a costa brasi]eira) e da interna (os colonos sem peias, sen hores da
lhante gente e com grande fundameHto, pelo exemplo q ue se tem sua vontade e determinação). Portugal v ia-se ameaçado pela im-
dos moradores das vilas de São Paulo''.6 possibilicla_tl!!Sl~ man le r u m3 p_q lítica externa n eu tra quatido a
Com plicando ainda mais as coisas, pairava, ameaçadora, a é poca era de conflagração e uropéia. O século começava crít ico
idéia, que co meça ra a ga nhar corp o na época, de q ue o excesso tanto na metrópole como nos seus domínios ultra marinos.
acarretava perda de va lor. Ouro em abundância não ent sinônimo Nestes, a descoberta do ouro havia provocado um desequilí- .
de riquezas fabulosas: "eis aqui como de have r minas em um reino b rio sem precedentes. Levas migra tórias numerosíssimas desaba-
se não segue o ficar mais rico do que de antes e ra''.' O que decorria ram ~o_brea n9va_regiâodasMinas,quea té finais do século X Vil fora
era assanhar-se a cobiçaestrangei ra e o empenho em carregar o uro morada d e índio e cenário eve ntual das andanças paulistas. Esses
para outras ter ras. ca~s humanos vinham das regiões de colon izaç.ão mais a nt iga e

Homens sem lei ne m grei ou estrangeiros cúpidos invalida- eram formados tanto por habitantes luso-brasileiros de Salvador
ou do Rio de Janeiro quanto por reinóisatraídosdo além-ma r a nte
4. Apud Anlonil, Cultum e opuUncia...> p. 587. Cerca de vinte anos depois. Nuno a possibilidade do enriquecimento fácil.
M.:!!]ucs Pereir<t vo1 t.ariaaassodar osmora:dores de Minas à heresia:.. Foi o caso que Do c hoque entre os primeiros habitantes das Minas. paulistas
se começou a introduzir entre os moradores das Min~ pelos corretores <lo Diabo,
na maioria, e os adven úcios resultou o primeiro conflito do sécu-
que toda a pe.'isoa que tmuxesse oonras consigo, t por clas rezasse, e se encomen-
dasse a Deus.e àSantíssima Virgem Nossa.Senhor.a, não haviam de achar ouro; por lo, a guerra dos emboabas (1 707-1709) . lmporta menos examinar
estacausa edito diabólico não havia quem trouxesst<omas roo.sigo, e viviam mu1- sua d imensão do que sel1significado, pois não parece ter sido mais
ros como hereges pelo inlere:;se de achart"fll ouro. j...) E.por is.~ nilo faJta quem diga que uma série de escaramuças bastan te confusas e de resultado
que os interesses e bens do mundo têm sido acausa dcse imroduzircm tantashere·
indefinido.' Contudo, se os conflitos da segunda metade do Seis-
sias na crisrand<idc, e ainda en1re pcssons eclesiástíc.asi como se tem visto ª'ººle(CI"
·~ cm alguns s.acerdotes 1>ela grande ambiÇiio das riqucz~t.>. e dignid~des do mundo~
cen tos-o da Cachaça, no Rio de Janeiro ( 1660-1661); o de Beck:
Conipblfli9 ~!_n~ rl(!_!'~_io rlflAmüicn>Rio de Janeiro, Publicações da Aca-
demia Brasileirn de letras. J939, 2 vols.>cira~ao no volume 2. p. 139. 8. lbid.
5. ApudAntonil, Cultum e opulência.. ..• p. 568. Desc1wolve;:rei este-argu1ne:mo no 9. Sobre QS e1nboabas) veja-se a boa sintcsc de Charles R. Boxcr. A Jrfode de Ot4ro
capiluloscguinte. rfuBmsit-dcresdecrcsciment() de11mn sociedade colonial, "J;led.,São Paulo. Com -
6. lb id., p. 587. panhia ~ditora Nacional, l 9-69, pp. 83-1 OS. Entr~ o~ ~Ludos mais espedficos, ver
7. Jbid.• p. 588. J~~ de Mdo, Embuabas, «liçilo fac-sirnilada do primeira edição de 1906,

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~n, no Maranhõ.o (1684)-haviam sido ma rcados pela po!e- Os paulistas invoC<1vam a lradi~~p para justificar o controle
mica em !orno da cscr.iviLação dos !ndios, opondo nitidamente ~obre as datas minerais: tinham chegado antes, e isto lhes daria
jesuítas a colonos, Ç2_nfrontando dois projetos colonizadores irre- mais direitos. Os emboabas, fossem reinóis ou luso-brasileiros,
dullvei~, tinha-se, agora, uma situação nova. Colonos opunham- postulavam oportunidades iguais para todos. Para completar o
se a colonos cm funç.io de inlere.ses cuja distinção ia se tom ando quadro, muitos dos emboabas eram comerciantes, enquanto os
mais sutil.' Tralava-sc, no caso emboaba, da luta da rotina contra paufülJIS se arranchavam em roças para atender às necessidades
a a•cntura, e surpreendentemen1e os conservadores de então eram dm viajantes e dos recém-chegado~ (!!.Ocurando controlar com
os avenrurciros da véspera, islo é, os paulistas desbravadores que, .,xdusividade os germes do ~arelho administrativo: eram guar-
uma vez fixados nos arrai,1is aurlferos, desejavam explorar com da-mores, e jactavarn-sc da confiança real. Os parentes de Fernão
exclusividade os veio~ sobre os quais tu1ha111 sido os primeiros a Dia~ Pais ilustram admiravelmente essa oligarquia paulista: seu
deilar olhos. Es.~ cxploraçJo. por sua vez, era imedia la e não com- filho, Garcia Rodrigues, abriu o Caminho Novo para as Minas e se
portava inovações 1écn1ca~. li mirando-se ao uso das bateias q ue, .1possou das bordas da artéria recém-aberta, sendo feito guarda-
nas águas dos regatos, separava o metal do cascalho. Já os adventf· mor dos Minas; seu genro, Borba Gato, ganhou notoriedade corno
cios, batizados pelos paulistas de emboabas-palavra cujo signi- régul o de Saba~.
ficado é obscuro mas tinha indiscutível conotação pejorativa-, No auge do conflito, um emboaba, português de origem, pro-
iam int roduzindo técnicas novas e mais sofisticadas. desviando o clamou-se governador das Minas: Manuel Nunes Viana, aventu-
curso dos l"ios e exigindo invcslimeatos mnis vultosos. " rei ro cnigmtltico vi ndo dos sertões baianos. A secessão não foi
,1dian1ee a Coroa conseguiu retomar as rédeas na zona minerado-
rJ. Manuel Nunes teve que sum ir das Minas por uns tempos, mas
São Paulo, Cow:1'1H) do E.~Hhfo, l987;Eduardo Canabn1V'a 611rrtiros, EpisDdJos dos não fo i p unido e, ao morre.r, co nsegu ira muitos benefíci~ da
embooba1 t s11n sroJlmfia, l\clo HoriTA>nlc, llal iaia, Sào Paulo, Edusp, 1984. Ver Coroa. Os crn iss;\ rios reais simularam neutralidade, mas não resta
•indo lsofasGolghcr, C11m11 do1<m/Joaba~ Belo Horizonte, CcnselhoEstadualde
ô.thurn de Mimu Gemi•, l91l2. No momento. At!riana Romdro te-rmina livro dúvidA de que se nlin haram com os emboabas.
sobrt o assunlo, do c1ual &;e pode cer mna idéia pelo ar1igo · Rcvhltando a guerra Ante as mtih iplas poi.:.ibilidades o~e~cidas pelo cotidiano
dos emboaba~: práticas pollt1cas t imagmoi.rio nas Minas :,ctecentistas~ in l.iaria çomplexo da Am~rica,onde arranjos e alian~ flutuavam ao sabor
l'crn•nda R. Bialho t Vtr• l ucia Am.rol Fcrltru (orgs.), Modo$ dt ga1•er11ar.
de circunslâncias nem sempre claras, a metrópole se atordoava.
/U1/túu t prárU'aS pollllca< M lmpcrw port11g11ts - stwlos XVI-XIX, São Paulo,
Alamoda, 2005.pp. )87· 401. Vistos pelas autoridades do reino como facínoras desordeiros, os
10.Cí. Yura de Mdloc Souza, "Mo1ine&, rcvucltasyR'\'Olucionesen l•Am<rica paulistas tinham-se no entanto por vassalos fiéis. Em 1705, Bal-
Portugu= de los 1ig)<>.1 ~\li yw111~ ln Enriq~ 1and<tereJorgcHidalgolehueàe 1a1.ar de Godói Moreira, de ilustre tronco paulista, oferecia ao rei
(coords.), Hisroria tt•1m1l 1k 11.mlnco U.tma. s.1., Edicaoua UnescolE<litorial
os seus prés1imos e os de roda a sua familia, prontificando-se a
Trot1•, 2000, pp. 459-7), \oi. r\'.
11. lldriana Romeiro acrtdll• que u. pallhstas ilh1'çav;im conccpçõe> poliúcas lutar con1ra os castelhanos e desdobrando assim na colônia a guer-
ª"~ta.da~ n.1 w.lttJ J(' contr.110. dafC'rtnt.:mcntc dos emboabas. Cí. "'RC\is.itando ra que desde 1i02 ~e lravav• nos campos da Europa. Esse era o
agu~rrn .. . ~ papel de vassalos fiéb como ele: "em tempo que o dito senhor se
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acha em campanha com eles na Europa, ta mbém seus vassalos 111111.. " JlM descobrir o u explorar. Não convinha que tais particu-
façam o mesmo na América em lhes destrui r seus tesouros com liu 1d.1dcs se tornassem públicas ou chegassem ao conhecimento
que nos podem fazer guerra''."
ll.I• 11.1~<1es estrangeiras, opinavam os conselheiros, pois o resulta-
O~sóji~~b_oaba ~.()ntinua eni_grnáticoa té hoje, talvez por il11 " 'ri,1111 "graves prejuizos" à conservação do Estado do Brasil, da
encarnar as cont rad ições daquel e começo de século, quando
•11111 1 dependiam "em grande parte" a conservação do "Reino e a de
metrópole ecolônia formavam u_i_n só corpo mas já carregavam em
tllll.111 Mona rquia". Urgia, pois, voltar atrás, já que se achava em
si possibilidades inconci liáveis, impossíveis contudo de serem
i"ll" 11 "nmservação e util idade do estado público a bem da Real
divisadas pelos contemporâneos. Os paulistas, que se acreditavam
1 om.i": em melhor preven ir do que remediar. O episódio suscitou
vassalos 6éis, zelosos guardiães da tradição, saíram do episódio
11l11d.1 uma nova rei\•indicação do Conselho: q ue nenh um livl'O
co mo vilões, e dessa forma entraram para a mitologia - del in-
, 1111 r« 11 do "matérias pertencentes às Conquistas" pudesse ser
qüentes "que sem temor de Deus nem respcito às leis, vivem como
1111prcsso e vendido sem seu consentimento, a exemplo do que
feras e morrem corno brutos''.'" lnversamente, os emboabas, que
11w mccia na Espanha, onde, desde os tempos de Filipe li, o Con-
ensaia ra m o primeiro governo autónomo da América, tiveram a
.,.11,,, tias lndias opinava sobre publicações dessa natureza.
simpatia das autoridades administrativas e do Conselho Ultra-
l)ividido cm quatro partes, o livro tratava, em cada uma
tnarino, onde, no Reino, a .!!2.~lítica do l mpério ia se desenhan -
do, seja a pa rti r dos esboços fornecidos pelos conflitos coloniais, dl'I.... do cultivo do açúcar, do tabaco, da exploração aurífera e da
seja na busca d o al mejado equilíbrio europeu, traJJSformado em 11,... u:lria. Chamava -se CuIh ira eop11/é11cia do Brasilpor suas drogas
corolário político em 1713- 14, com o Tratado de Utrecht. ,. 111i1111s, e seu autor, sob o fulso nome de Antonil, era na realidade
n l"M•íta italiano João Anton io Andreoni, por duas vezesreito r do
( ulégio da Bahia, confessor de governadores-gerais e membro do
A PROll!IÇÃO DE UM LIVRO PERIGOSO , r1w lo pessoal de Do.rn Sebastião Monteiro de Vide, arcebispo pri-
111.11 do Brasil." Apologista das culruras do aç1kar e do tabaco, que
Em 17 de março de l 711, o Conselho Ultramari no dirigia umsidcrava as verdadeiras minas do Brasil, o jesuíta mostrava-se
Consulta ao rei propondo a ap reensão de uma obra q ue, d uas n·ticente quanto aos benefícios que poderiam advir da exploração
semanas antes.• tivera sua venda sucessivamente autorizada pelo lllntin uada do ouro. O metal que não se passava em pó ou moeda
Santo Ofício, pelo OrdiJlário e pelo Palácio. O ato se justificava 1,,1rn os"reinos estra nhos" acabava em cordões e brincos que enfei-
porque o livro expunha ·~uito di~tintamente todos os cam~hos ' ( luv.1111, mais do que as senhoras, as negras e mulatas mal-procedi-
'X ~ara as minas ele ouro descobertas'; apon tando ainda d...." Nem há pessoa prudente que nilo confe~se haver Deus permi-
1ido que se descubra nas Minas tanto ouro para castigar co m ele ao
t2.Anloitilt Cultura,:opul~uia.. ., p. 577.
l3. lbid., p. 563. A c1-.q•alifkação dos habilan lcs de S~o Paulo se.rá mais bem M. Uso aqui a t..".:Lntordinári.1 edição cdtka de Andrée Mansuycitada na nora 2
ahortladn no capitulo s.cguinte.
ima,a meu ver ainda pouco explorada rim, suas potcnciàlidades. (Existe trndu·
11L
Brasil,assi m como está castigando no mesmo tempo tão abundan- portos e logo >eguiam para as Minas, onde alcançavam preços
te de guerras aos Europeus com o ferro."'' fabulosos. '
A posiçao de Antonil nao era isolada, e partilhavam-na tanto Escrito entre 1693-data em que se achou o primeiro ouro
o~ administradores com que conviveu na Bahia, como Dom João nas Minas de Cataguás - e 1709- quando a guerra emboaba
de Lencastre, quanto os que respondiam pelo governo das capita- recrudescia - , Cultura e op11/b1cia... se alinhava com os colonos
nias do Sul, como Artur de S;i e Menezes.Aliás, tudo indicaqueessa ricos das i.onas açucareiras e com as autoridades metropolitanas
posiçJo foi inspirada justamente pelas lamentações dos governan- cm serviço na América. Tinha, portanto, o objetivo de alertar con·
tes, ainda perplexos e mal aparelhados para entender a extensáo tra os perigo> ela riqueza fácil e defender a necessidade de recolo-
dll!_mudanças que o ouro traria à estrutura do império portu· car a exploraçJo colonial nos trilhos. ·ada seria mais óbvio do que
gu~s. •A dominação holandesa nas capitanias do Nordeste e os ,ontar com o apoio da Coroa, e assim devem ter pensado os con-
tumultos de paulistas e tluminenses contra os jesuítas e seu aliado >elheiros palaciano; e o próprio Dom João v quando, a 6 de março
maior, SalvadorCorrcia de Sá, talve.ilivessem calado fundo no espí· de 1711.autori.iaram a publicação.
ritodosagentesmetropolitanos,mostr'!.!ldo_qucame.!!!~formade
1[ouve. contudo, quem pensasse diferente. Como sugeriu
governar é manter alianças firmes com os colonos EQ_derosos. Ora, com argúcia Andréc Mnnsuy, o livro caiu por acaso nas mãos de
o súbito opelo do Oltro das Gerais afetava diretamen te os produ- um conselheiro do Ultramarino, e fez com que atentasse para
to res de açúcar, roubando-lhes escravos e desviando os gêneros
Implicações pollticas até então desconsideradas pelos demais cen·
necessários 11 sub;istência de seus engenhos. Após dois séculos
sNcse burocratas. Nr10 cabia ao Conselho censurar obras, atribui·
de dominaçi\o inconteste,a açucarocracia via-se abalada por levas
çno exclusiva da inquisição, do Ordinário e do Desembargo do
de aventureiros frcqlicntcmenle malnascidos e malcomportados.
P;1ço. A gravidade do que se vislumbroll no livro fundamentou,
Seu protesto ecoa na correspondência oficial da época: seus in-
1iorém, a sugestão de se mudar o procedimento, e a consulta de L7
teresses são vi vamcntc dcfcnd idos pelos homens do rei na América
de março de 1711 Lenninava dizendo que"ariqueza do Brasil com
portuguesa. Em l 706, ao volta r para a metrópole, dom Rodrigo da
Costa, governador-geral do Brasil, vaticinava que a colônia cami- .is 110vas minas do ouro fez precisa toda a cautela e recato, pois que
nhava para J!.l.!l.!na total, já que os escravos mal chegavam aos ">com o indústria earte podcremossupri recompensarasuperio·
ridade que nos fa.iem muitas das nações da Europa nas forças
marítimas e terrestres, cuja ambição se dispersa com a fama da
ç;IO ponugue... : rJ<l'(VP, t 1<bo•. t998.] Para• rnnscnçào da "Consulta~ desco- .1bundância do ouro naquelas minas~"
brna _por tst3 pesqui$.1dor.a DO Arquivo Ultramarino, \"er _pe. 44-5. As principai~ pot~ncias da Europa encontravam-se divididas
t S. Anronit, Culrua < opulinaa. .., p. 46'1. pda Guerra de Sucessão Espanhola, que opunha a França e a
t6.Alicc P.(.an•l>m• diamou •tenção pan cssascmclhançaentre a posição do
F~panha à Áustria, à Inglaterra e ao pequenino Portugal, entre
1<•u~ e a das au:oriJad.,. no <ruaio iJ1Lrodu1ório ~ obra de AntoniL Cf "João
Anlonio Andreoni e su• obra" -introdução a Anlonil, Culrura • opu/itr.>a do
Br.utlpors11asdrog.n t i\lmas. l«d.,s.io Paulo,Companhia Editora Nacional,s.d., 17.tí.ibicl.,pp.88·9.
pp. 9-112, sobmudu pa»0gem t.s pp. 83-9. 1g, Antonil, Culruru• opulbiria... , pp. 44·5.

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portuguesa tornavam-se consel heiros do órgão, a exemplo de formou-se com os jesuítas no Colégio de Santo Antao de Lisboa,
Mont.alvão e Salvado r de Sá." A co11j untura crítica do inicio do foi oficia l maior na Secretaria de Estado, participou da embaixada
século xvm não poderia pass.1r despercebida ao Conselho: ao con- que negociou o casamento de Dom Pedro u com Dona Maria Sofia
trário, ele a captou com ~ensibilidade extrema, procurando sem Isabel de Neuburg e, anos mais tarde, sempre como secretário,
cessar oferecer alternativas à sua superação. Nenhum outro orga- acompanhou Dom Fernão Teles da Silva, terceiro conde de Vila
nismo do governo se empenhou tanto, com acerto o u com erro, na Ma io r,ju nto à corte de Viena a fim de acertar outra boda, a de Dom
redefinição do império português de então, consciente que urgia João v com Dona Maria Ana de Áustria, contando ainda entre os
mudar para conservar o mando. primeiros cinqüenta membros da Academia Real de História,
f. atenção dafai a.9S levant~s do primeiro quartel do século e o onde, em 1720, foi-lhe atribuído o lugar de cronista ultramarino.:•
encaminhamento das medidas pun itivas sõo constantes nas Con- Alguns dos seusescritossobreosquais há notícia mostrnm intere~­
sul las do ConseUio. Nela!> há um dos membros que freq Ucn temen- se simultâneo pela política européia e pelas conquistas ultramari-
te pede destaque para emitir opinião, nem sempre em harmonia
com a dos demais, às vezes exi.g indo maior rigor noscastigosc sem-
pre frisando o observância estrita dos procedimentos legais. Inte- Antonio Rodrigues da Cos1,1, destacam-se os de Fernando Novais, Portug11I e
Brasil na crise tio a11tigosis1cma colo11fol,São Pa ulo, I Jucitec, 1979; lnimt Cortesão,
grou o órgão de 1709 (ou 1707, conforme certas fontes) a 1732, Alexandre d1! Gusmão e o Tratado dt Madrid, Lisboa, Livros Horizonte, 1984, vol.
quando morreu no exercício do cargo como seu presidente, e sobre u,pp.408-115; Charles R. Boxu,A idade de ouro do Brasil-dortsdtcmdmento
ek escrevcu-~e pouco. Falo de Antonio Rodrigues da Costa, letra- de uma sociedade cvlo11in~ 2' cd., SOO Paulo, Companhia Editora Nacional, 1969,
pp. 374-5; Evnldo CabrnJ de McUo, Rul>ro veio - o imagi11drio 1la Restaurarão Per-
do, pol iglota, diplomata, historiador e, por tim,conselheiro.u Não
11nm/mct111a, Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 1986, p. 106; A fronda dos mazombos
se sabe muito sobre sua vida: nasceu em Setúbal no ano de 1656, nobres contra 1no.<mr~. Prrt1ambuco, 1666 1715, São Paulo, Companh ia das
Lot ras, 1995, nota 16, pp. 504 t 5 19; Luciano Rap<>so de Almeida Fi~iredo,
22. Sobre a importância do Conselho. Russdl-Woud diz: "As politic•~ aplic<lvris Rn'ol1as,fucalidadc t idemidndecolotiial nn l\mtria; Portuguesa- Rio de fanem,,
ao Brasil era m CMtcbidas e formulodas em Lisboa. F.nquanto portuguc><.'S com llalua e M11uu Gerais, 1610-176/, Tese de Doutorado em Hisrórin, rnot-usr,
experiência no llr11sil serviam no Consdho Ultramarino - o principal órgão de 1 996,pp.375~ Do mc>1110 uutor,"Os muitos perigos dos vo<.lul<i.aborrecido.<:
formulação dos politicas para os a~sumos conccrnc11tc1 ao Ultramar - e em o l mp~l'iO Colonial naA111éricaP01tuguesa do>éculo xvm (no1a5 a respeito de um
outroscon>clhosdc Estado em Lisboa, raramente um indivíduo na>c1do no Brasil parecer do Conselho Uhramarino, 1732)",comunicaçiio apresentada oo Semi-
<'ra nomeado par• taisconselho1. ~exandredeGusm~o ( 1695-1753) fo1 wdiscu- nario Internacional 2Snnos do2Stkabril: urn balanço, Rio deJanciro, lltJ\J, 26dc
tivelmente o bra;;il<iro (nascido em Santos) mais ilu<tre a ganhar o ~conheci· outubro, 1999,exemplnrdatiloscrito, pp. 2-3.
mcnto rlt;io como <un homem de TI>ta<lo, entao sccrct6 rio privado de D. Jofa v. 2'1. Cf. Isabel Cluny, "Elite; aristocr:ltic.is: diplomacia e guerra': Cul111ra -
diplomata e arquiteto do Tr•tudo de Maclri. Mesmo tu.<im, fni esquecido por D. llrvista de Histórin e Teorin das Idéias- Cillrcin e Polltica, vols. xvr-xv11, 2003, pp.
José l paraocuparocugodeSec~táriode Estado,esuas idéias sobre o Bruil,que J.15 56,aqui,245.Parao 3c.id~mico, ver lsal><I Perreira da Mota,AAcllllemiaRPnl
prevaleceram no <OlllUlltO d0> ano• 50, foram ignoradas pelo marqu~ de Pom- d11//1st6rit1-ositJt&duo1s.opoderculturaltopodermomirq1Jicv11osllculoXVl/7.
bal". ln "Centros e periferias no mundo luso-Brasih:iro, IS00-1808",Rcvista 1 id>oa, Minerva Coimbra, 2003, referência il p. 377. lris Kantor nos conta que,
Brasileira de lfmória, vol. 18, n" 36, 1998, pp. 187-249,dtaçáo à p. 190. 1l11r.mtc o reinado de Dom JoJo v, o mulo de cronista ultromarino voltou a ~r
23. DenLre os poucos escritos que tratam, em gr11us diferentes, do conselheiro v.1l nritado. mas faltam estudos mais sistemáticos qu~ mostrem como tal ati-
nas, s~~indo que via o Império como parte const itutiva da ram-nn de "comult,1-te~tamcn to". ·• t importante começar por ela
Eu ropa." Em 1728, ent rou p ara o Co nselho do Rei e tornou-se porgue sintctir.a muitas das opiniões emitidas pelo conselheiro no
fidalgo dn Casa Real:" lo ngo da vida e das consultas.
O período de atu,1ção de Rodrigues da Costa junto ao Con Quando examinadas com "profunda ponderação", dizi3
selho correspondeu justamente a um dos mais conturbados da Rodrigues da Costa, as minas de ouro e diamantes, indubitavel-
história do domlnio português sobre a América, compreendendo, mente riquíssimas, punham em risco a consuvação do Estado do
no marco inicial, a Guerra dos Emboabas, cm Minas (1707-09) e, Brasil. EexplicavJ:
oo final. a Revolta do Terço Novo, em Salvador { 1728)." Dias antes
de morrer, cm 1732, red igiu uma Consulta em que fazia um balan- A dois g~ncros de perigos estão sujeitos todos os Estados, uns exter-
ço agudíss imo da situação do 1mpério. parn ele praticamente sem nos, outros internos: os externos sõo os da força e violénda que
saída. Taimc Cortesao e,com base nele, Luciano Piguciredo chama- podcr~o fu1.cr as outras nações; os internos sio os que poderlo cau·
sar os notur~is do pais, e os mesmos vassalos. Ainda se pode consi·
derar teretira espécie de perigo, qual ~ mais arriS<ada, e nasce dos
vidadc S< irucri.1 n• •cimmi>lr.IÇlo púl>liu porlugucs. d.i época. C[ Cst11«•ado" doi< primeiros; que é quando a força txterna <1e une com a \IOn1.1dt
rt·tursâdos - fos1or1ografia acadimica /11so-t111lt7'1w1111 (1714-1759),Sóo Paulo•
Salvador, Hucitcc/Ccntrod• l:.stud0$ Baianos/tr1~•. 2004.p. J3.AmcsD"I• aul01• e força interna.dos mesmos vas.."i.llos e naturili.J'
cedeu-me gcnlilme111c a rdcrencia 1.1 dois escrito~ de Rodrtgucl> da Costa: }11$tifr-
Ct.1f'10 de Port11g;1J «n /ti n:solunon deAyrulnrn ln Nncum l!'sptmola n sacudir eJ yu,~o Os perigos exlernos pode ria m ser co nt idos pelos tratadM
Fmnt.1$ y po11tr rtJ tl 11'iJttoRcalde sit lvfonarchfr111l reyrarl10Jk.o Carlos Ili,Oficina
diplomáticos; a cxperiê11cia, contudo, ensinava que eles não eram
de Acosl;;l Desfondts, 1704; Relaçam do)J1tCt'$~0S exforiosilS urções mtlitnres obra· (
das"º Estado da lmJ;n, ordenadas e. dirigidtU pelo t·fo: rcr e capitam gmertJf Jn \ ~ muito dignos de confiança, "que consi;.1c111 cm p.1péis que o vento
mesmo Enodo Vaxo h:r111u11ks Cear~ .'Wt11tstS tlll 17JJ. Oficina de Antonio / kva", e a mcapac1dade de defesa efetiva da costa americana torna-
PedroGJ!ram, 171S.
va ainda ma~ frágil a situação. Os internos eram a "desafeição e
25. Cf Kantor, E.1'11<ea.los t remuâdos....
26. luci<lno f1gu<in:do. "'Os muilosperigos...", p. 4. n<lio" dos vassalos conlra os dominantes, e agravavam-se sob o
27. ·o constlhtiro tem a oportunidade de acompanhar um grupo de pro1cs10> pcfü dos tributo;., a iacú ria do;, governado ri.!!> e a dificuldade, dada
que. lomando·~C nptna.s a América portuguei.a, m;orrc dt· maneira csped-almtn .1 distância, de se reco rrer ao rei. Sem forças para enfrentar as
lc conccn~raJa no pcriodo. Além de encontrar{! indu fl iJ:ocas as no tidas sobrt"
11;tçõcs ma ril imas da Europa, "nem no reino, nem no Brasil': e às
guerra dos emboaba:;, que entre 1707 t 1709 deçe11tabiliiou o dominio porlugu~s
nas rehm:ntc< e aguardadlls mmas de ouro,enfre1113 grande• c:ontes1açoes: M;n· voltas com va;salos "sumamente descontentes do governo de Por·
cates em Pern>mbuco (17t0-l I ),:\;laneta n• Balua ( 1711), motim de negros em
Curumue \i>r•gugJp< na l!ahfa (e. t712), mounsde pott111.1dosnosertiodorio '~ Lortes.io, Ah'fllulrr de &usmão.... p. ~08. l 1gut1ndo. /l.el·oltas. jisM111IAdtt
das \clha>. :.tina> vems (t 7 t7), R<-Dh• do Ttiço :\u'" na &lúa ( 1728). m-ob k •>llidadt.... ~I -
na >i!ade ~ao 5'1lv•dur do P>raíba do Sul, Riu dt )•neiro { t 730) e revolta cm l'I. "C:unsuh• do Conselho lihnmarino~ S.\f., no ano de 173Z, feitap<>lo ron<e·
Cmabá, Maio (,ro.">.<o. Lf. Luciano Figum,.do. R"'v/1<1.s, f<>Calidnde t idenrida· lli.:iro Antonio llodrlgucs d• C:0.1a·. Revura 1/0 tnsri111<0 H1>1dric» t Gt<Jf.rd/lco
de...,p. 382. /lrmilnrn,vol. 7,pp.49~·50ói P·498. - - -

9l 93
tu gal': v iv ia-se já o terceiro perigo, ao qual a nação s ucumb iria caso Um prfncipe deve ter duas razões de receio: uma de ordem interna,
não apl icasse reméd ios eficazes."' por parte de seus súditos, outra de ordem externa, por parte dos
A originalidade de Rodrigues d a Costa não reside n a fonnu- poderosos de fora. Defender-se-:\ destes com boas armas e com
Jação das ameaças externas e internas, espécie de topos recorren te bons aliados; e se tiver a rmas terá sempre bons amigos. As coisas
no pensamento ocidental desde a Polltíca de Aristótdes, e s im no internas, por sua vez, estarfa sem pre estabilizadas se estabilizadas
modo com o o reel_ab o ro u com v~5tas à s itua ção do Império em estiverem as de fora, salvo se aquelas já não estiverem pcrlurbadas
geral, e da colôn ia em pa rticular-" Pa ra tanto, valeu -se, co m gran- por uma conspiraç;io.''
de probabilidade, de Nicolau _M:aquiav~ au tor condenado pelo
lndex, mas muito lido nos d rc ulos cultos p or tu gueses. Contra Era cen tral, p ortan to, manter os súd itos satisfeitos pa ra
anomalias do corpo político, pontificava o mestre flo rentino, era garantir o Estado em caso d e guerra externa, nada devendo temer
melhor p revenir que ren1cd iar: um p rín cipe amado por eles. O terceiro perigo aparece em outra
passagem d 'O prfricipe, referida ao risco q ue a crueldade e a rap a-
Da tísica dizem os médicos q uc, " prindpio, é fácil de curar e difícil cidade d os soldados representaram para os imperadores roma-
de conbecer, mas com o correr dos tempos, se não foi reconhecida e nos." A inov'!S7âO de Rod rigues da Costa é ver a terceira via como a
medicada, torna-se fácil de conhecer e dificil de curar. Assim se d;l jw1ção do perigo externo e do imerno. o que, no contexto de u ma
com as coisas do Estado: conhe«ndo-se os males com ;m tecedên- Europ a em b_u sca de equi.Ubrio - a balance of powers, conforme
çja ,o que não é dado senão aos homens prudentes>rapidamenle são rezava a d iplom acia inglesa em Ut recht'' - , p unha a perder não
curados: mas quando, por se !trem igno rado, se têm deixado apenas o Rein o com o sua co nq uista americana. A referência ime-
aumentar, a ponto de serern conheddos de todos, n ão haverá mais diata de Ma quiavel era uma Itália esq uar tejada, à mercê da wpidez
remédio àqueles males:" de franceses e espanhóis, onde cada situação especifica impunha
um comportamento : "Quando o in imigo se avizinha, as cidades
Prude nte e d iplomata , deve ter s ido, contudo, d e o u tra pas sa- divididas perde11l-se logo, porque a parte m ais fraca ader irá às for -
gem q ue Rodrigues da Costa mais se valeu: ças exte rnas e a outra não se pode rá ma nte r". Constrni.r fortalezas

.13. lbid., p. 106.


30. Jbid .• pas.sim. H. fbid.. p. 108. Luciano f igueiredo e11concra •rgumentaçãoan:iloga nos Comen-
31. Foi Luciano Figueiredo quem chamou "tenção par(l a matriz aristoLélka de 1,irios sobre n primeim décarlrr d{· Tiro Ltvio, c-f. (•os muilo:. pc;ri~O!i-.. ; , pp. 11 ~s.
Rodrigues do Costa. Cf. "Os mui1os perigos ...~ p. 9. O 1,-echo, por ele localizado, <:oncor<lo que Rodrigues da Costa Jeu também esse escrito - o que reitera sua
h diz:"'lodiJ,s :,s repúblicas podem ser derrubadas, seja porcausa.s inLemas. seja por "ftliílçao maqu iavélica',.-, mas acredito que O prlncipe proporcionou-lhe
/ 1 c~t1s;,1s externas.. quando exLt;te em suu vizinhaoça, ou ll'tt~smo afastado. algum melhores argumentos.
governo oposto que disp-onha da força", in Polltico, l s~ cd'> Rio de Janeiro, J5. Cí. Virgh1ia Lcon San1,, "la lkgada de los Borboncs al lrono~in Ricardo GilX-
Edlouro, 1988, livro vm, capítul<l V I, par<lgrnfo 9, p. 153. "'i11 Cá1·, el (org.), Histó1 i.a d~ bspl1111.1. Siglo XVTU'- l.ll êspmía de los 8orbo11es.
32. Maq\liavd, O prín<ipo.São Po\llo. No'"' Cultural, 1996, pp. 40-1 . Mndri,C61cd ra,2002,pp.41- t 11.

94 95
(J
1,, i \
sen•ia aos prlncipes mais tementes de seu próprio povo que dos 1.1v,1 o segredo quando a matéria era delicada." Criticando a falta
estrangeiros, a melhor das fortak-zas consistindo em "não ser odia- .te rii:;or e a pressa com que se rea li7.ara a residência que devassava
do pelo povo, pois que, se rivt:res fortificações e fores odiado por "governo de Castro Caldas, condenava o fo1ode o ministroencar-
ele, elas não poderão salvar-te, pois não fo lrnm nunca aos povos 1cgado dela te-Ia feito transcrever não pelo escrivão destinado J
rebelados prlncipes estrangeiros que desejem ajudá-los"." Ro- •'S.-e fim, «mas por dois escreventes, coisa nunca praticada, e até a
drigues da Co~ta transpôs a reflexão para a colônia fragmentada, • .trlJ em que deu conta a Vossa \ifajcs1ade do que resultava da
presa fácil de inimigos dadas a distânci.i e a inferioridade bélica de 1k•~foiescri1a por mão alhcia,quecom tão pouco recatoccau- \
Portugal, assim fechando sua "teoria" dos lrês perigos que punham 1d.1 se !ratam matéria de tanta importància e segredo~" ,,i_,
a perder os futados. O problema da repressão aos levantes pontua, portanto, os
Mesmo ~e inspi radas em M;1quiavcl, as ponderações de l''lrilos de Rodrigue~ da Costa ao longo de sun atuação no Con-
Rodris uesda Costa nutriam-se sobretudo da observação dos fatos ..dho Ultramarino. Mas vohcmos à Cu/1urt1e1>p11/ê11cia... de An -
reais. Cerca de vinte d nos antes, quando linha acabado de aS-"Sum ir 111nil. Aconsulla que proibiu a circulação da obra possui três assi-
o cargo de conselheiro, uma das consullas sobre a guerra emboaba 11.uuras, de resto presentes em boa parle das consultas da época:
já revelava tom semelhante. Tratava-se, en!Jo, de decidir se o ··:-.yha_ Telles. C,o~ta". N;Jo há sombra de dúvida que •costa" é o
governador Fernando Martins Masca~nhas de 1 encastre deveria nosso conselheiro. Não há sombra de dúvida, igualmente, que
ou nao se dirigir para as Minas sublevadas. deixando seu posto no h,1via sido ele o inspirador da proibição, o lci1or avisado a perceber
Rio de Janeiro. Se partisse, dizia a Consu lta, desgua rnecia uma ·" implicações políticas que, num contexto em que a acirrada luta
praça que. nlém de ser cabeça da ca pita nia, j~ era considerado •,, pela hegemonia européia transitava para a disputa por mercados
mais importante q ue Vossa Majestade tem ein seus reais domi-
nios': e "tão apetecida das nações da Europ.1" que esta!> não hesita-
l•.tlJ c.LMtlife(çuça.squeseacham nospauli.s:ru com o~ reinóis deste Re1no;e..,Jo
riam em cair ~brc ela. Se não partisse, os re"ohosos ficavam sem
..... Jl·•f~is qut K •c;.u>&m." Q_ocumentos l-li.stõricos~ Rio d~ Janeiro. Biblioteca
castigo, e encorajados a continuarem a sublevação." , ... ional. 1951 ,pp. 2·12-5.átaçõesaspp.242-J. Y<>I. 93.
Em 1712, ao opinar sobre o abandono do go,·erno de Per- \M. ·o que 't' a~iJtiu dianttda n-p~o às rcbcldi.1' wk,ni1is foram consuntC"~
nambuco por Sebas1ião de Castro Caldas, verificado em plena 1f1.omcndai;oc .. t.lt di»lmul;J;ç-ão t- segredo, cmbon nao poucos governadorc.\
k11ham c.edido li nplieação imedi:ita du pena copii~tl. O apttite de conquista de
guerra dos ma scares, Rodrigues da Costa mostraria o quanto pre- u.u,oes e&irungciras e a Jc~c<>n fianc;a da fidcl.idade dc,.,se' :,liditos di.stan tesjUSLifi·
t .1V1tmo emprego dc:-.11c traço da política bano1.:J, muito comurn no sécuJo xvu,

36.Maqui;~J.Oprl11âpe,pp. l l6e 118. Para ..rgum•ni.ç~odel\odriguesdaCo.<10, tiuc pregava a 'teori.1 da legitimidadt dn dis.simufoçlo~.. Luci~no Figueiredo,
foram assim centr.iis os cap1tulos xrx. "De como se dtvt tvitnr o ser desprtZldo e Ut·~·...,11~, futtJidt1dc t Uln11itlatk colonial.... p. 229. Ver também Rosario Villari,
odiado"(pp. 105-1 JJ exx."Scas for!alczase mu1usou1m coisas quedi>a dia sJo íei- l)Qgfo tk/Ja distimularitine. ÚJ foua pclilita trtl Cit1Q't1t.O. 2' td.. Rorod, Latcl'Zõl,
"'' ~:o prtnc1~ ~lo uttis ou nã<>"(pp. llS-9). Na! Dfo1J1U... a argummr~ot!. IW.\. pp. 1S.9. Jo~ Antonio ~branll. A cultura ,/o &rrOt'O - análise de imtn
como notou Figut.ttdo,m111to!<!llldhmtc.Cl"O>mu110,~rigos...".p. 11 """"""' b1116nM. SSo P•ulo, &11up/ Imprensa Olici•l, 1997.
37. ªSobtt a caru que 1.-s<tt"\-eu flomingos Du.trt~ do Rto dt /~ne-iro a esta Corte a \'J.(..on~uhad~ l&d,110,cmbro, 1712. in Oocuinen1osf listóric~RiodtJo1nciro,
Manuel Meodcs Pct·ctr. to c.pítulo de outra CMt• parJ ourro pessoa. n;isqu•i»e llihlioteca Nacinnol. 1952. "º'· 9S. pp. 174-7. citoçlo l• PI'· 176-7.

97
coloniais, certa1nente ad,,íriam do conhecimento dos caminhos ilo de São l>aulo; a região da bacia do Amazonas, situada a nor te,
para as Minas- caminhos que deveriam pemlanecer em segredo, de fato instituída, com a criação do Estado do Ma.r anhão em 1621,
como aliás todas as matérias de importância política. corno um estado separado". Do ponto de vista mais teórico, a
Em sua admirável edição crítica, And réc Mansuy forneceu ~ estrutura imperial portuguesa baseava-se "nos princípios funda -
todos os elementos para se desvendar o mistério, ~as não o fez ~
mentais da fragmentação colonial e da centralização imperial''.·'•
rorqu.e nãg §f_{[ebru_çg_u. sob!'.e o se11tido ~ crj;>e gu_e abalava o
f\ idéia de Império adotada por portugueses e espanhóis era,
· t: Império, e que:: o Conselho Ultran~rino, ben1 co1no os conselhei-
( omo viu o h istoriador br itânico Anthony Pagden, a de Tácito,
ros, procuravam estancar. _
um" imenso corpo imperial•; "ou seja, [... ] uma unidade estabet~­
cida sobre diferentes Estados preexistentes, que podiam inclusive
AS PA RTES E O TODO estar cspacia 1mente separados" - a Asia, o México ou Peru - , o u
"sobre wn território virgem de estrntura estatal desenvolvida,
Nos C11pftulos de história colonial, Capistrano de Abreu acre- como ocorrerá no restante das Américas"." .E certo que teoria e
ditou que CulNlra e opulência tin ha devido sua proibição ao fato prática se interpenetravam e se fecundavam mutuamente, e ades-
de, subversivamente, ensinar o Brasil aos brasileiros, ou seja, ccntral izaçiío administrativa nas conquistas tendia .!_instil~~ e!.!1
to m á-los conscientes de suas riquezas e, conseqüentemente, levá- cada capitania uma dependência direta de Lisboa, impedindo a
los ao desejo de a utonomia. Mansuy desmontou essa afirmação, integração da América portuguesa como um todo "ou o desenvol -
retomando, sob uma perspectiva renovada, a velha idéia de que a vi mento de movimentos o u ações transversais, que impl icassem
o bra fora proibida por revelar segredos da produrão colonial aos
globalmente a colônia": nenhuma i:1:1stituição encarnava as terras
concorrentesestra ngeiros:..J\lém do mais, não existiam então nem
brasaicas no co 1~juJ1lo, não havia un iversidades ou del egações nas
Hrasil nem brasileiros, e.ª persrectiva de Capistrano tem muito de
Cortes - moribtmdas, aliás, já no final do xvn. Como não se per-
teleológi~.
mit ia aos habitantes do Brasil o desenvolvimento de instituições
O velho mestre, contudo, !!!irou no que viu e acertou no que
não v·iu. Os colo~1os, vassalos dei Rei, não se considerava m como representativas além das Câmaras, e como se incentivava a comu-
formando um todo, e sim comoJ ntegrantes de segmentos isola- 11 icação direta desses homens e dos oficiais régios com os conse-
Ê2S: eram luso-brasileiros a viverem cada qual em sua região, igno- lhos reais em Portugal~irrava -se o localismo, e tornava-se difu-
rando o mais das vezes o que ia pelas outras. QLtando muito, sa "toda a espécie de sentimentos mais am plos suscetíveis de
seguindo Stuart S..<:!1~vartz, fo rmavam blocos: até meados do sécu-
lo xvut, a América portuguesa poderia ser vista con10 "composta •IO.Stua.rt B. Schwartz., "A formação de urna idem.idade colooiaJno Brasil", in Da
lln11!ria1 portuguesa ao Brasü- estudos l1istórico~J,isboa,Difcl, 2003, pp. 2 17 -71,
por 3 colônias distintas:~zona central de grandes lavouras cos-
cit'1ções às pp. 242 e 24~.
teiras e, posteriormente, uma zona mineiras ituadaalém dessa área 41 . Cit<ldo por Evaldo Cabral de !vtello, Um imenso PQrtugnl-hist6ria e lristorio-
costei ra; a periferia localizadaa~, cenlrada no planalto tempera- gmfia, São P.ulo, 34, 2002, p. 27.

99
serem expressos çomo uma oposição colonial ou brasileira à la is an~cios de unidade não passavam, conrudo, de elucubra·
metrópole''." ' '"''abstratase restrita; ao âmbitodosdiscursos. Um dos momen·
Vohando a Capistrano, é certo que havia, no tempo deAntonil 111, mais significativos dessa tendência encontra-se no Compêndio

e mesmo antes, quem visse unidade naJ; partes, pensando no âmbi- 11111riiri1'0 do Peregrino 1fa América, Hvro curioso, em que a persO·
to do arcabouço teórico imperial. Foi o que ocorreu com pelo 11.1.:cm central, inspirada na literatura européia do gênero, cm-
menos dois dos cronistas do século xv1, assentados na experiência l'l'l'<'lldc cxtcn~a peregrinação por terras distantes- no caso. as do
vivida em terras bra~llicas: como notou Evaldo Cabral, Gabriel 11r.1,1I - com o intuito de extrair ensinamentos morais. Numa
Soares e Brandônio vislumbraram, nelaJ;, potcnciaJidadessuficicn- .J.1d.1.lltura,o Peregrino chega ao Palkio da Saúde e Território dos
tes para "seeditkar umgr.mde império",com pouca despesa egran· 1>deite:;, onde, lc-.1do pelo Belo modo, sobe à Torre Intelectual. Na
de beneficio,d<1da a imen<a exten~ão territorial. No primeiro qu.1r- ,11.1 quarta salJ, "estava um formoso bofete, e em cima dele um

tcl do século seguinte, frei Vicente do Salvador voltaria a bater na u,ulodedei palmos, e pegando nele o l:!elomodo, me disse:'Estcé
mesma tecla, considerando haver no Brasil "uma estrutura de aco- "urnlo do alcance, e por ele podeis ver tudo quanto quiseres des-
lh imcnto na Amérita e uma ba~ p<1raa reconquista da mãe pátria" 1 ubrir, e observar ne>tc dilatado Estado do Brasil, por estas quatro

caso esta corresse perigo. Mais adiante, expressando tendência que 1.111das, que fazem correspondência Jo Norte ao Sul e do Leste ao
dev ia ser corrente tntre colonos, Ga~par Dias Ferreira repetiu a t >c,tc; e podeis começar a ver a janela do Sul para as miüs p:i.rtcs e
1 umos'"." (le ulo cm punho, o Peregrino vasculhou toda> as
idéia cm cana a Dom João 1v, que recomendou à rainha, Dona
1q\iõcs do Rrnsi1, de Snccu men to - na época, sob controle portu-
Lulsa de Gusmão, ado t1ir a medida caso, uma vez mor to, a Espanha
invacl issç PorLUga l. A frágil situação do Reino no período imediato );Uês - nlé a Amaiô nia, suiserindo que, na época, a divisão entre o

à Restauração de 1640 alimentava, assim, a idéia de estabelecer no ,.,1ado dl) llra~i l e o do Grào-Pará talvez fosse mais norma que rea-
flrasil um vJsto império." Je:.ulta como Antonio Vieira, que tam· lidade. A alusão a genéricas Minas do Ouro indica, por sua vez, que
bém postulou para o Bra>1l um estatuto imperiaJ - mesmo se .1 dcnomi n,1çJO englobava as então recém-descobertas jazidas de
MJlO Gr0%0 e Goius, havia pouco dotadas de administração pró-
enquanto parte de outro l 111pério, messiânico e bem maior - .
pri,1. A~~mtado com o que via, e perplexo an te a capacidade do
Antonil foi mais um a ver unidade nas partes da América por-
ocu lo em fazt-lo enxeq~ar tiio longe, o Per~grino pediu e.'Cplicação
tugucs.1, qull chamou de Brasil, conside1ando as drogas e as llliuas
~" companhci ro, pois ni\o conseguia saber se aquilo era ''<onho ou
como o cimento a uni-li!!> e expressando, a seu modo, o que, mais de
n,çao magica''." 1~ I pura verdade". respondeu Belomodo: a torre
dois séculos dr pois, seria qualificado de semido do cclonização."
intelectual significava o entendimento humano, e o óculo do
12.Sdiwaru, A Í1>rn,.çlu...~pp. 245-6. .ilcancc"é o discurw, pelo qual se conhece tudo aquilo que se pode
4).EvalJoC..1bralJct.ldlo, Um rnta"'1...,pp.2~30.
44. Rcfiro·mc, ~-t.amcntc,ao cW~ioodc: Qiio Prado Jr. Formafiiodo Brasil co11- t 5. Nuno M.Jrq\óCJ PcttLra. Ccmplml10 namlli•'O ,&,, Pacgrino da .~mirica, Rio &
ttmpulli11t0. f J• ai .. ~10 P.t:ul~ llrMilicmc. 19731 capiluk:t "'O so11ido da coloni· 1.1 >tuo, l'Ublic.içónd•fl<:adcDlJ.l Brasileira. 1939,,,,1.:z,2 vob..cap.xi: pp. 132·
7.:1\dO~pp. 19 32. ;; 1,01a~Joà1• tH .

100 101
imaginar com livre entendimento, porque é sem dúvida que estan- romper a barreira da j11s1a medida e acabar provocando o efeito
do o homem em qualquer parte do mundo pode ver com o discur- c;ontrário." Quando o século rompeu, não se sabia ainda como
so, e olhos do cmendimento, tudo o que passa em Roma, na fndia, lidar com as 11/teraçot.1- termo que então designava revoltas e
e mais partet. do Universo". Assim vinha sendo com ele, Belomodo, motins. Em 1720, surgiria a primeira tentativa de sistematizar a
que terminou o arrazoado considerando que "muitas vezes tem qucstao: o Di5Curso hisr6r1co t político sobre a revolta de 1720 em
acontecido eng;m3rmo ·nos com a vista, e acertarmos pelo concei- l'ila Rica, escrito pelo conde de Assumar e por dois jesuítas de seu
to da raliio, que fazemos das cousas, que se nos representam pelo drculo... Em vinte anos. avançara-se no entendimento da revolta.
discurso da imaginação...".~ O Conselho participou dessas formulações. Pulando dos prós
Confrontando-se Marques Pereira com seu contemporâneo aos conrras, examinando O.\ benefícios e os maleficios que pode-
Rocha Pina, ideólogo de uma América portuguesa, vê-seque a idéia riam advir da aplicação do castigo, os conselheiros revelam o
da unidade ganhava os discursos antes de ecoar nas práticas polí- •1uanto era ainda incerta e mut<ivcl a intensidade da punição, e
ticas, ainda contidas cm motins circunscritos." Em vertente dis- 'º"'ºa Coroa ainda tateava, ensaiando medidas e decisões. Um
tinta situavam-se, contudo, os homens do Conselho Ul tramarino, mumcntosignificativu oo processo que delimitou o raio do casti-
e ma is precisamen te o conselheiro Antonio Rodrigues da Costa, go aplic:ívcl aos sublevados foi a reflexão levada a cabo no Con-
para quem o mundo bem concreto das revoltas inspirava conside- .J< >clho acerca dos motins do Maneta. Divididos em do~~ blocos, os
ra~õcs sobre a unidade do território. Toda a sua teoria do pc:rigo ' primeiros (ou tubro de 1711) voltaram-se contra açambarcadores
~erno se assentava na possibilidade de os vassalos, com base na cco111ra tribu tu;,c11 4uan tooHegLu1dos (dezembro de 171 1) con-
prática polític.1, se tornarem conscientes do q ue havia de comum d~imara m o povo du Bahia a ir em socorro do Rio de Janeiro, inva-
nas d is tin tas p3 rtcs do Brasil. Não era disso que cogitavam os dido por Dougay-"lrou in. Atarantado, o governador Pedro de Vas-
cmboubos, os ina.;ca Les, os amotinados d<.' Salvador em 1711 ou de cMcclos perdoou os primeiros e pu niu os segundos.
Vila Rica em 1720- todos às voltas com questões específicas e Rodrigues da Costa reagiu, estranhando n "extraordinária
regionalmente circunscritas, próprias de um território fragmen- diferença" de procedimento do governador em um e outro episó-
tado. Mas era isso que, com a ajuda dos teóricos, e valendo-se do dio e reclamando que quando "abertamente se faltou à obediência
óculo constituído pelos despachos chegados ao Conselho, lia das rea1~ ordens.{ ... ) se houve com tanto socego e tranqüilidade"
Rodrigues da Costa nos lev-dJltcs. Ao fim e ao cabo, da sediçáo sur- como se nada fos:.c. Jâ oa segunda alteração, "nascida do zelo do
giria a unidade.
43. l'r~t< IJmbém em O f>tlll<'/X"• • idti• d.1 }Wt• medula perpassa outra obra
Por isso, tornava -se impresciodível exercer o castigo sem e.lebre dn Rtn=i~nto curupcu, qu< no S<U Quono Livro é baskam<nte um
1rai.Jo <i< pollticac &hau.r c.,11ghonc, O a>rle>dO.pp. 267-.H9.
-16. tbid, pp. U7 < US. ~9. <:Onccd< A»um>r, Dim1rsa H••~·~ <polltico wb"'" sublewlfiiodc l 71fJa11
47. Seb.miao da Ro.:h;i Pina, Hut6ria da /1mtrrca portuguoa desde o ano de mil e Mm11SG<tt11>(Estudocrit1co,Nabdecimcn'odotextoenoi.$delauradcMdlo
qu1nl11:n1osdo s.n1 dOcDbrimtnC41At~ o de mil e stt«tnt.cs e' i11tteq:1a1ro. Ped.• Li.s- <S.1u1•l. lklo Ho11wn1e, l undaç.10 J<>óo Pinheiro, t99~. Volto a tratu dCMC
bo•, ~ran<i.sco At1hur d.i Silv•, 1880. .usunto no uphulo Sdc)lt' Ih ru.

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servi.ç o" ao monarca - o socorro do Rio de Janeiro-, o governa- como Rodrigues da Costa - , e isto talvezjá fosse motivo suficien -
dor perdeu a cabeça e a plicou o castigo. Já que não sabia recon he- te para de-~confiar dela, uma vez ~e os revoltosos de tinta propria-
cer um "rnotimque verdadeiramente foi motim': deveria ser subs- mente popul ar, como os baiaoos de 1711 ou os de 1798, não che-
rituido.'° garam a problematizar a q uestão - mesmo que, no segundo
Naqueles anos, no âmbito do Conselho, foi se gestando uma levante do Maneta, se dispusessem a socorrer o Rio de Janeiro. Per-
idéia de Brasil. Pedindo destaque em uma das Consul tas sobre os tencendo às elites pensantes, aos quadros ~a administração e da
emboabas, Rodrigues da Costa pregaria a aplicação pronta docas- catequese, esses homens n utriam sentimentos ambíguos quanto à
tigo sobre os revoltosos, pois caso contr ário não se conseguiria w1 idade que ia, ante seus olhos, cimentando as pa rtes da América.
"apagar este incêndio que poderá abrasar nâo só aquele largo d is- O medo ante a propagação da revolta levou Antonio Rodrigues da
trito das minas e perder-se o inestimável tesouro delas, tll as perder Oista, en tre arguto e temeroso, a enxergar o Brasil ço mo um todo.
as capitanias do Rio de Janeiro e pôr em perigo todo o Estado do No caso, un idade dada pelos agentes do castigo, e não pelos prota-
Brasil''." Ao opinar sobre os motins do Maneta, o Conselho se opo- gonistas das alterações. Foi nesse contexto q ue o Brasil apareceu
ria à prática de perdoaramotinados: tal acontecera nas Minas e em como um só corpo também para And reoni, italiano confessor de
Pernambuco, estimulando os revoltosos a delinqüir e banalizando vice-reis e de bispos, arauto da açucarocracia e terapeuta voluntá-
os motins: "porquanto os moradores do Brasil viio i11troduzindo rio de uma crise. À primeira vista parece iron ia que o Conselho
por moda o tumultuar e fazer do próp rio delito merecimeolo, Ul tram arino tenha confiscado seu livro. Mas o ato faz sentido
,. constrangendo aos governadores a q ue lhes dêm pe rdão"." No quando~~_pensa que a coloi:i}w'Jàô é umJi~~~.'.1 contraditório, e o
'- / ~mbito do C',onselho, a unidade, portanto, era dada pela revolta. propagandist a da monocultura açucareir a acabou revelando o
---L-. .._ Pois tudo indica que a primeira percepção de uma unidade caminho das minas às demais potências européias.
brasileira surgiu no universo ment al de letrados- como o Pere- Invasão estrangeira, revolta popula.r, de~Jocamento do eixo
grino e Rocha Pitta-edos agentes do governo metropo li tano - econôm ico em decor rência da descoberta do o uro, insa tisfação
das el ites, desvendamcnto de segredos que gara ntiam a riquew
50. Consulta de 12 de janeiro de 1713, in Doc11111entos históricos, Rio de Janeiro, imperial lusitana e pagavam alianças intcrnacio1iais, essas as mtú-
llibliotcca Nacional, 1952, pp. 98-100, vol 96. &guindoluciano Figueiredo.seria tas faces da crise desabada sobre a América portuguesa e responsá-
poss(vel considerar que tal atitude se pauta peJoscomportamenros políticos mais
vel pelo reordenamento d o Jmpério, nunca mais o mesmo desde
típicos do final do século xvn. quando. ante o desconrenrnmento dos s(1ditos das
conquistas, o Conselho optava pela substituição do governador. Cf. ·u império então, e mais q ue n unca fadado a um destino atlântico. Quem faz
om apuros ...~ pp. 219 e 235. o d uro d iagnóstico é, de novo, An tonjo Rodrig ues da Costa, o
51. "Satisfíl.7.·se aoqueSua Majesrnde ordena na cnn~ulta incJusa quesc havia feiLo homem q ue então via mais longe, valendo-se do Conselho Ultra-
sobre as comendas que houveram entre os paulistas e os homens de negódo.n
marino co mo o Peregrino da América de sua Torre lntelectual:
DocumetJtos /Jistóricos.Rio de Janeiro, Bibfioux:a Nacionall 195 1, pp. 245-51.cita-
ção à p. 248, vol. 93.
~52. Consulta dt" 27de julho de 17 12, i 11 Ducumeutos flistcSricos. Rio d!! Janeiro, Bi- A fmna dessas inesma.s riquezas convida os vassalos do Reino a se
bliotecn Nocional, 1952.pp.4-l-52,citaçõesàspp. 42e51. vol. 96. ltálico meu. passarem para o Brasi.la procw·á-las:e aindaquepor umá lei se q uis

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dar providência a esta deserção, por mil modos se ve frustrado0 cias. Agora tratava-se de instrumentalizar as colônias paca reforçar
efeito dela, e passam pura aq uele Esrndo muitas pessoas, assim do a posição européia de Portugal"."
RéiD(l como das ilhas; 1... 1 e por este modo se despovoará o rein<>,• Homem cuJto, aftnado com as correntes do pensamen to
em poucos anos virá a ler o Brasil tantos vassalos brancos como tem europeu, mas ao mesmo tempo leito r d e consultas e documentos
o mesmo Reino; e bem se deixa ve1· que, posto em uma balança 0 nem sempre bem escritos, que chegavam das tenas de além-mar
Bra.~il, e na outra <1 Reino, há de pesar com grande excesso mais relatando alterações e tumultos, Rodrigues da Costa situava-se na
aquela que esta; e assim, a maior parte e a mais rica não sofrerá ser confl uência dessas duas tradições, a dos colo nos quinhentistas e
dominada pela menor, mais pobre; nem a este inconveniente se lhe seiscentistas e a tradição metropolitano-cosmopolita, concilian-
poderá achar fücil ren1édio-" do, de certa forma, os dois lados da moeda. Seu modelo mental
pertence à tradição do Ocidente, em q ue frutificou o temor do
Até que ponto esse "testamento político" de RodriguC$ da perigo in terno e do externo, conforme o figurino de Maquiavel
Costa tería ínfluenciado dois conte mporâneos mais ilustres - mas retemperado pelo pessimísmo barroco." A preoc upaç.\o com
Dom L2-1ls da ~un~'l e o d uq ue de Si lva làcouca - , ou, inversa- o eq uilíbrio eu ropeu deve ter se originado na mesma fonte q ue ins-
mente, em que med ída seriam todos os três expressões de uma pirou Dom Ltús da Cunha: a política européia posterior a Utrecht
foi-ma mentis partilhada pelos drculos cu ltos no Por t ugal da e a teoria do eq ttilíbrio dos poderes. A imagem da balança, por
época? Como observou Evaldo Cabral de Mello, as Instruções po/í- meio da qual se pes,a01 a metrópole e a cÕlônia, deve ser vista, por-
ticasaMarcoAntoniodeAzevedo Co11ti11ho,de Dom Lufsda Cunha, ta nro, nesse con texto.
e certas ca rtas escritas por Silva Tarouca ao fu t uro Pombal e nfati- Não consta que nenhum d os amotinados, antes de T iraden -
zaram, entre a década de 30 e a de 50 do século xvm, a possíbilida- tes, desvendasse co m tanta crueza os mecan ismos do sistema colo-
de de o Brasil se tornar cabeça do Império português.Segu iram n ial quantà Rodrigues da Costa: mesmo para o alferes e seus com-
contud o, orientação oeosta à d~ colonos brasilicos dos ;éculos panheiros,é pouco provável que a revolta fosse pensada em termos
anteriores -Gabriel Soues, Brandônio, frei Vicente - , pois par- gerais, que ultrapassassem as fronteiras de Minas. Nos altos drcu-
tiram "de uma reflexão emíne n temen te cosmopolita sobre a dete-
rioração do status de Portugal no equilíbrio de poder euro pe u" e 51. Evatdo Cabral de Mello,"Antcvisõcsimperiais",in id., Um ime11s0Portúgnl, pp.
Vi, 37. Pa1·a u rna edição receotee.ao ~do indica, definidva do texto de D. Luís
vi ram nas terras americanas a possibilidade de alterar essa o rdem .111 Cmll!!, ver Abílio Dinis-Silva (org.), D. Ltd$ da Ctmlta- i1tstruções pollticilS,
decoisas:"Atéentão, o problema apresen tara-se d e m0 neira inver- l.Jsboa.CNPCDP, 200L
sa, o u seja, como Portugal, enfraquecido na Europa, poderia pre- i;s, Pnra Maravall, a re1,rcssão e a guerra seb~<entistas e:s:acerba.ram os sentimen·
11" de cruddadee o convivio com os supl!cios: "li sobejamen<e oonhecid• [... J a
servar suas colônias da ambição e do poderio das grandes potên-
n1edida da dureza repressiva na França. assim como na Alemaoha. eern todos os
~ h1f.:11'c!\ n~ quais as 3 lciXidade:; do pel'loclo de guerras, que tel'minou provísoda·
.:.:\, 53.(fConsuhadoConsclhoUlt:ranrnrino aS. M., no anodc li32~feiCJ pdo conse. 111cntc com a µazde \Vestfalfo,kvnrnm 11 uma familfa1iu.ç.io com ~1 v101Cr-1cia, não
lheiro Arilonlo Rodrigues da Costa~ Revista do /nsNttao Hisr6rfrce Geogrdfico .&pi.•11,1'\: no cnfrentamcmo com o inimigo externo, mas com os discrepantes.
Brasileiro, vol. 7, pp. 498-506; p. 506. fd>ddcsou heterodoxos i nterno~·: A cultura do barro(O, p. 268.

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