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Apelação
1ª Edição
Introdução
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
DANDARA
Voltei para a antiga casa onde eu morei com Diógenes. Ela
agora está passando por algumas modificações, nada exorbitante,
apenas para mudar um pouco. Estou transformando um quarto em
brinquedoteca para Samuel, há também um quarto sendo
devidamente reformado para meu pequeno e estou modificando
meu antigo quarto por completo. É uma obra rápida, tem uma
equipe boa trabalhando para fazer os ajustes o mais rápido.
Enquanto isso, Samuel está passando uma semana com o pai,
porém o vejo todos os dias. Graças a Deus Lucca é um ser humano
maleável.
Por falar nele... me surpreendo quando, no início da noite, o
interfone toca e o vejo pela câmera de segurança. Ele está sozinho,
não está com nosso filho e isso me deixa ligeiramente curiosa.
Libero sua entrada e logo ele surge na sala.
— Olá! — me cumprimenta.
— Ei, está tudo bem com Samuel? — pergunto, e ele sorri.
— Sim. Ele está no meu apartamento com Melinda e as
crianças, brincando. Quis aproveitar para vir conversar com você.
Tem um tempinho?
— Tudo que mais tenho tido é tempo. — Sorrio. — Não
retornei ao trabalho, a casa está um caos devido as obras. Estou
entediada — explico, guiando-o até o sofá. — Sente-se. Quer algo?
Uma água? Um suco? Um banho?
— Oh! — exclama rindo. — Bem-humorada, meritíssima?
— Aprendi com o melhor. — Sorrio me acomodando no sofá
diante dele. — Bom, o que te traz aqui, Lucca Albuquerque?
— Samuel — informa. — É aniversário dele em breve. Ele já
teve alguma festa? Acredito que não.
— Não teve. Apenas um bolinho meu e dele — respondo.
— Então, estive pensando que seria interessante fazermos
uma festa. Quero muito comemorar o aniversário dele. Será o
primeiro que passo com ele, estou empolgado por isso. — Balanço
a cabeça em concordância. — Você está de acordo?
— Estou. Quero que ele saiba como é bom ter um
aniversário, quero tudo que o faça feliz. — Suspiro. — Pensei sobre
o que você falou em relação a escolinha. Também estou de acordo.
Acho que podemos começar as buscas. Será importante para o
crescimento dele. Podemos procurar juntos?
— É claro! Eu faço questão de estar com você na busca
pelo melhor para o nosso filho.
— Perfeito.
— Bom, sobre a festa, estava pensando em fazer na ilha. Lá
tem espaço para brinquedos infláveis, e tudo mais que uma criança
possa querer. Acho melhor do que alugar um salão de festas e
ficarmos trancados em um cômodo por quatro horas.
— Samuel vai se apaixonar pela ilha. Gosto da ideia, Lucca.
Podemos olhar decoração e tudo mais.
— Você poderia ficar com essa missão? Eu olho o restante,
Victor já é experiente nisso e vai me ajudar. Se quiser, Melinda
ficaria muito feliz em ajudá-la em busca da decoração perfeita. —
Balanço a cabeça em concordância.
— Perfeito. Vamos fazer acontecer.
— Obrigado por isso. Estou feliz por estarmos unidos por
nosso filho, Dandara. Feliz por tentarmos uma amizade.
— Eu continuo amando você, mas entendi que acabou. Já
disse. Todas às vezes que olhar para mim... não se esqueça. — Ele
sempre fica mudo quando eu digo isso. — Bom, quer ver como o
quarto de Samuel está ficando?
— Adoraria. — Ele fica de pé e o levo pela casa. Ele vai
olhando todas as modificações até chegarmos ao quarto do nosso
filho. — Uau!
— Essa parede será uma parede de escalada — explico.
— Isso é fantástico pra caralho! Quando fica pronto?
— Acho que em três dias. Estou com saudades do meu
bebê. — Ele me encara e dá um sorriso.
— Por falar nisso, não quero que ser intrometido nem nada,
entendo que vocês só tinham um ao outro, mas é importante ensiná-
lo a dormir no próprio quarto. Sabe disso, não sabe? Para o
crescimento dele.
— Sei. Ele irá dormir no quarto dele. É algo que tenho que
trabalhar em mim mesma. Ele está super bem com você, ou seja,
não é um apego tão grande dele em dormir comigo. A apegada no
caso sou eu e entendo que não é saudável.
— E a terapia?
— Sabe que tem sido até interessante? Apenas estou com
um pouco de dó da terapeuta por ter que ficar ouvindo minhas
tragédias — digo rindo. — Eu encho a cabeça da mulher. Temo ser
expulsa a qualquer momento.
— Mas é bom poder desabafar, não é?
— É, principalmente com uma pessoa que não tem qualquer
tipo de vínculo comigo, não me conhece e não vai me julgar. Acho
que é por isso que sempre saio do consultório me sentindo
infinitamente mais leve.
— Também me sinto assim. — Lucca também está fazendo
terapia. — A propósito... — Não o deixo terminar.
— Já encontrei a terapeuta para Samuel. Ele vai começar
em breve. Estou esperando apenas a rotina se ajustar.
— Precisamos conversar sobre todos os demais ajustes,
guarda e tudo mais.
— Eu acho que podemos discutir isso entre nós mesmos.
Acho que não precisamos estabelecer parâmetros. Confio em você,
acho que confia em mim como mãe. Nós dois temos uma boa
condição financeira, estamos tentando ter um bom relacionamento.
Acho que é bom para Samuel o arranjo que estamos tendo. Não vou
impedir de buscá-lo ou vê-lo, acredito que também não vá fazer
isso. Enxergo que o mais saudável para Samuel é uma criação
compartilhada. Se quiser, podemos até registrar esse acordo, mas
aí vai da sua vontade.
— Bom, você já paga um plano de saúde. Quero arcar com
os custos do colégio. Todo o restante vamos ajustando então.
Confio em você como mãe do meu filho. Sei que se arrependeu por
tê-lo escondido, assim como sei que quer o melhor para ele.
Podemos manter esse arranjo, Dandara. Vamos compartilhar a
criação do nosso filho. — Ele sorri e eu retribuo, mesmo arrasada
por dentro.
— Perfeito.
— Bom, vou nessa então. Vamos nos falando, ok? Obrigado
por tudo. — Ele me abraça e eu o levo de volta a sala, o seguindo
até a saída.
Como juíza eu deveria adotar uma postura diferente sobre a
questão da guarda, mas não quero complicar nada. Não mais.
Samuel merece apenas o melhor e sei que o melhor para ele é ter
os pais criando-o com harmonia e felicidade. É o mínimo.
Quando Lucca se vai, me pego chorando mais uma vez,
como sempre. Encho uma taça com vinho e me jogo no sofá,
consumida pela culpa e pela dor. A pior sensação é eu saber que só
o perdi por minha culpa e saber que ele seguiu em frente de uma
maneira bastante decidida.
Estou na metade da garrafa quando meu celular toca e o
nome de Enzo surge na tela. Respiro fundo e atendo.
— Alô...
— Meritíssima, já decidiu parar de me enrolar? — pergunta
direto e reto, como sempre.
— Enzo...
— Não estou no clima — diz imitando minha voz e até me
faz rir. — Abra a porta. Como eu sabia que diria isso, resolvi me
adiantar. Abra ou vou pular o muro. Tenho um preparado físico
invejável, sabia? Vamos lá, Dandara, vou contar até cinco para abrir.
Eu não me movo do sofá. Não gosto de facilitar as coisas
para ninguém e gosto de desafios. Encerro a ligação e espero. Eu
conto de um a cinco e ouço o barulho de um salto. Em poucos
segundos Enzo está na minha sala, dando um sorriso cafajeste.
— Gosta de desafios, Dandara? — pergunta. — Desafios
me deixam excitado.
SOLTEIRA.
SOZINHA.
DONA DA MINHA PRÓPRIA VIDA.
É o momento de deixar o passado para trás e viver a minha
atual realidade. É o momento de aceitar os fatos e fazer as pazes
comigo mesma. Existem pessoas que não foram criadas para serem
compreendidas e sim aceitas, eu faço parte desse time. Complexa
demais para ser compreendida, difícil para ser aceita. De qualquer
forma, tudo que uma pessoa precisa é entender que ela tem que ser
como ela é.
Mesmo que isso não seja muito bom...
Eu amo desafios!
Eu sou o próprio diabo!
DANDARA
Sentada no sofá examino friamente o homem parado a
alguns metros de distância, todo dono de si. Levo minha taça de
vinho até a boca e degusto um pouco mais do líquido, sem
desconectar meus olhos dos dele.
Ele é bonito. Esse estilo desleixado — embora eu não curta
muito —, é um pouco sexy, preciso confessar. Sempre fui fã
incondicional dos engravatados, principalmente pelo poder que
demonstram ter. Uma mulher poderosa gosta de homens
poderosos, sempre acreditei nisso.
Me pergunto o que ele quer de mim. Sexo? Sexo é a única
coisa que tenho a oferecer a quem quer que seja. Meu coração está
destroçado, de uma maneira que eu não consigo vislumbrar a
possibilidade de permitir que qualquer pessoa entre em minha vida.
Pelo menos não tão cedo.
Mesmo que eu saiba que preciso começar a me esforçar
para superá-lo, Lucca está infiltrado em meu coração e na minha
mente. Ele é um homem poderoso, mas ele é tantos outros homens
em um só. É humilde, humano, carinhoso, generoso, dono do
melhor sexo da minha vida e tudo mais. Encontrar alguém que
chegue à altura será uma missão complicada, mas, quem disse que
estou em busca de alguém que me coloque de joelhos?
É o que é. Agora estou completamente solteira, tendo que
começar a viver uma liberdade que eu deixei de querer desde que
conheci Lucca. E, pode ter certeza, minha liberdade será
devidamente aproveitada. Sem complicações, sem envolvimento
emocional, apenas vivendo um dia de cada vez com quem quer que
eu escolha para uma noitada de diversão. Uma mulher precisa de
sexo tanto quanto um homem, uma mulher pode ter sexo casual
tanto quanto ela estiver disposta a ter. E, é isso que quero: sexo
casual.
Não quero relacionamento sério, tão pouco o mínimo de
compromisso que seja. Mas sexo eu até topo... um bom sexo, sem
grandes expectativas, com o único propósito de gozar e ter um
pouco de prazer, bem descomplicado como estou dizendo.
Tudo bem, a situação aqui se trata do primo do meu ex, mas
não acho que ele seja um moleque que vai ter um momento de
diversão comigo e sairá espalhando isso. Ou será que ele é? É um
risco que quero correr? A mercadoria compensa o risco? Oh!
Compensa! Como ele bem disse, desafios o deixam excitado. É
notável que ele não mentiu em relação a isso. A excitação está
generosamente visível e não é nada ruim.
Confesso que não estava interessada nisso, mas estou aqui
entediada, sem meu filho, sem nada para fazer... Por que não?
Preciso exterminar o luto de sexo. Sinto necessidades.
Deixo meu copo sobre a mesa de centro e fico de pé. A
passos lentos e calculados estou diante de Enzo, vendo seus olhos
adquirirem ligeiramente tons mais escuros com a minha
proximidade. Gosto de sentir o quanto posso impactar um homem,
isso faz meu sangue fervilhar.
— O que você quer comigo? Sejamos honestos aqui, Enzo.
Aprecio a sinceridade. Certamente você não está atrás de mim para
um jantar. A não ser que eu seja a refeição. — Ele sorri e,
audaciosamente, traça um dedo entre meu pequeno decote.
— Uma refeição e tanto, meritíssima. Desculpe não ser
como um cavalheiro agora, mas eu comeria essa refeição e
lamberia o prato. — Nada cavalheiro mesmo. Isso quase me faz rir.
— O que espera de mim? Vejamos, Enzo, sou ex do seu
primo, eu o amo, estava chorando a poucos minutos atrás por ele.
— Excesso de sinceridade.
— Eu menti uma vida toda e a mentira arrancou de mim o
homem que eu amo. Continuar mentindo deixou de ser uma opção.
— Sorrio. — Verdades precisam ser ditas e principalmente aceitas.
O que espera de mim?
— Sinceramente?
— Sim, com certeza sim — afirmo. — Admiro sua
sinceridade.
— Tenho uma atração sexual por você desde quando ainda
estava com Lucca. Uma atração forte. É uma mulher madura,
acredito que seja descomplicada, sem frescuras e sem ilusões.
Acho que podemos nos divertir juntos, Dandara. Sem expectativas
de um futuro. Não estou em busca de um casamento, mas estou
sempre em busca de prazer. Prazer é o que envolve a minha
existência.
— É um libertino? — pergunto, tocando a gola de sua
camisa.
— Gosto de foder.
— Sem muito apego, não é mesmo? Talvez apenas uma
vez? — Sondo suas intenções.
— Não necessariamente. — Ele sorri tocando minha cintura.
— Há certas coisas na vida que merecem ser repetidas, concorda,
meritíssima?
— Preciso concordar.
— Não vai me convidar para tomar um vinho, um café, me
sentar? — pergunta.
— Não te convidei nem mesmo para entrar — digo, me
afastando dele, que tem um sorriso extremamente cafajeste em seu
rosto agora.
— Não sei se já te disseram isso, mas você é uma tirana do
caralho, Dandara.
— Acho que tirana é até um apelido carinhoso se tratando
de mim. — Ele ri e logo estou presa na parede, sentindo sua
protuberância em minha bunda. Temos aqui um espécime de
homem decidido e selvagem. É um bom começo.
Suas mãos correm pelos meus braços vagarosamente até
estarem em minhas mãos, ele as segura e as levam acima da minha
cabeça enquanto fico com a minha bochecha presa na parede. Não
gosto de estar nessa posição, mas permito apenas para ver o
desempenho do homem atrás de mim.
— Está presa, meritíssima.
— Eu sou ótima em defesa pessoal, investigador.
— Essa sua bunda é algo impressionante — ele sussurra
em meu ouvido, e vai deslizando seus lábios pelo meu pescoço. Eu
adoro a sensação de uma barba passando pelo meu corpo, isso me
deixa molhada e necessitada. Me desvencilho do seu aperto e me
viro de frente.
Sorrio antes de levar minha mão nos bolsos de sua calça.
Dou uma gargalhada ao encontrar o que eu procurava e perceber
que homens são seres muito óbvios.
— Bem equipado esse garoto. Não apenas de preservativo,
mas de segurança. Você é o tipo que confia em suas jogadas, não é
mesmo? Mas, apenas um preservativo?
— Com toda certeza sim. Um homem inteligente está
sempre preparado, principalmente quando tem a intenção de fazer
um jogo sujo — afirma sem titubear. — E, com a segurança que
possuo, posso dizer que está molhada e doida para ter um pouco de
diversão. Um preservativo acessível para emergências, há outros na
minha carteira.
— Não gosto de pouco, investigador. Comigo é tudo ou
nada, sem meios termos.
— Você não me intimida ou me dá medo, Dandara — diz, se
afastando e retirando sua jaqueta de couro. Acompanho com os
olhos a peça voar até meu sofá.
— Talvez faça parte da natureza dos Albuquerque’s não se
intimidar. Acredite, não estou com o mínimo de intenção de intimidá-
lo. Estou sendo o que sou, não estou fazendo jogos com você,
apenas sendo sincera. Talvez eu seja um tipo de mulher que você
não está acostumado a lidar.
— Pode ser isso, mas não gosto de comparações. Acho
infantil, principalmente para uma mulher como você. — Esse
homem é extremamente abusado. Está pegando minha taça de
vinho, enchendo e então bebendo o líquido sem tirar os olhos dos
meus. — Quanto a ser um tipo de mulher que não estou
acostumado a lidar, talvez esteja certa, meritíssima. Mas, gosto de
novidade; e, principalmente, gosto de decifrar enigmas. Você é
como um enigma muito interessante. — Ele sorri. — Quero decifrá-
la, desvendá-la. Algo me diz que será extremamente prazeroso para
ambos. — Arqueio as sobrancelhas em desafio e ele para de sorrir.
— Então, vai sair comigo ou vamos ficar por aqui mesmo?
— Não estou com o mínimo de vontade de sair. Quero tomar
um banho e relaxar.
— Você pode tomar seu banho, mas não creio que vá
relaxar. Cansei de jogos, meritíssima, principalmente vendo o
quanto você precisar gozar para melhorar esse humor — diz, se
acomodando no sofá. — Vá tomar seu banho.
— Homens são tão idiotas. Vocês têm a péssima mania de
achar que uma mulher precisa de pau para ter orgasmos, relaxar e
melhorar o humor. Mas, permita-me dizer, há brinquedos que podem
ser infinitamente mais prazerosos do que ter que lidar com homens
idiotas. — Sorrio. — Ninguém conhece meu corpo melhor que eu
mesma, Enzo. Ninguém pode me dar mais prazer do que eu
mesma. Não dependo de você para isso, embora seria interessante
ter seu toque, seu beijo, enquanto eu busco meu próprio prazer.
— Possui brinquedos, meritíssima? — Ele é um canalha
provocador. — Me mostra.
— Tanto possuo brinquedos quanto possuo a capacidade de
transformar homens em meus próprios brinquedos. — Sorrio
diabolicamente. — Quer?
— Com um imenso prazer — ele diz, relaxando sua postura
no sofá e levanta os braços. — Será um prazer ser seu brinquedo,
Dandara. Estou ao seu dispor.
Eu poderia dizer que estou frustrada com a facilidade de
lidar com ele, mas não estou. Um brinquedo humano é bem-vindo.
Jogo o preservativo em cima dele e vou tomar banho. Levo
meu tempo sob o chuveiro. Enzo possui muita tensão sexual, é meio
difícil ficar no mesmo ambiente que ele, principalmente se for
sozinha.
Gosto de pessoas difíceis. Elas se parecem comigo.
Saio do banho, me seco e visto apenas calcinha e um robe
vermelho. Quando surjo na sala, vejo os olhos luxuriosos de Enzo
varrer meu corpo, por um momento sinto que estou nua diante da
intensidade.
Noto que a garrafa de vinho está vazia, por isso vou até a
adega, escolho outra garrafa e pego duas taças novas. Abro a
garrafa com o profissionalismo de uma mulher que ama vinho e a
sirvo. Entrego uma taça a Enzo e me sento no mesmo sofá que ele.
— Então, meritíssima, quando volta aos tribunais?
— Em breve. Primeiro estou organizando minha nova vida.
Preciso organizar a casa e a rotina de Samuel é a minha prioridade
— explico-me. — E você?
— Volto a ativa na próxima semana, mas não por muito
tempo. Pretendo trabalhar apenas por pouco tempo, quero viajar o
mundo. Já trabalhei o suficiente. Quero novas aventuras, novos
lugares.
— Interessante. Na verdade, isso é realmente interessante.
É um atrativo e tanto para mulheres como eu. — Sorrio e o puxo
pela camisa, isso parece surpreendê-lo. — Tão atrativo quanto a
sua boca e sua barba. Consigo imaginá-lo beijando algumas partes
do meu corpo. — Ouço o barulho de uma taça se quebrando e
então sua boca está na minha.
O fogo explode e eu apenas sorrio a cada sensação. Talvez
eu não preste, mas adoro, não vou mentir.
"Diante de mim as pessoas se inclinam."
Enzo fica de joelhos no chão e me puxa para a ponta do
sofá, abrindo minhas pernas. Segura minha perna direita e distribui
beijos incontáveis pela minha panturrilha, subindo até a coxa. Ele
repete o ato com a perna esquerda e então sinto sua barba
passando pela parte interna das minhas coxas, dando a devida
atenção a cada uma delas.
"À minha voz acorrem."
— Você é tão maravilhosa que eu nem sei por onde
começar. — Pobrezinho, está perdido...
"À minha palavra obedecem."
— Comece retirando minha calcinha. — Um sorriso surge
em seu rosto e ele traz suas mãos em minha calcinha, a arrancando
abruptamente do meu corpo.
Ele desfaz o nó do meu robe e suspira alta ao ver meus
seios nus. Logo suas mãos estão neles, me permito relaxar e
entregar. Suas mãos estão quentes e seu aperto é firme, causando
uma leve dor em meus seios. Sua boca deliciosa envolve em cada
momento um dos meus mamilos e eu gemo de prazer, sentindo a
necessidade que estava adormecida surgir com força. Gosto
quando sua língua passeia firmemente sobre meus mamilos, mas
eu amo quando ele fecha seus lábios em torno de cada um deles,
sugando forte e em alguns momentos beijando como se fosse
minha própria boca. É uma tortura deliciosa, mas quero essa boca
trabalhando em outro lugar agora...
"Ao meu mandado se entregam."
— Quero sua cabeça enterrada entre minhas pernas,
investigador — ordeno, e isso parece deixá-lo louco. Ele arrasta sua
língua do vão entre meus seios até minha buceta, e, quando ele
encontra meu clitóris, sou incapaz de segurar o gemido alto que
escapa. Ele se afasta um pouco e retira a camisa, minha boca se
enche de água, doida para lamber cada pedaço desse homem. Mas,
agora, preciso apenas que ele volte ao seu serviço sujo. E ele faz...
novamente se ajoelha e inclina entre as minhas pernas. Suas mãos
apertam minhas coxas, forçando para que eu abra ainda mais as
pernas, e logo sua boca está de volta em minha intimidade,
lambendo, sugando, pressionando sua língua contra meu clitóris
delicado e sensível.
Meu corpo treme sem que eu possa controlar, explodindo
em um orgasmo quase capaz de me transformar em pequenas
partículas de destruição. Enzo se afasta e observa minhas reações
e eu dou isso a ele. Eu o deixo saber o quão bom é em práticas
orais. Sou justa... uma boa juíza precisa ser. Ele tem um talento nato
que deixa meu corpo contorcendo e o prazer estampado em meu
rosto.
"Ao meu gesto se unem."
— Quero sentir se você é bom em me fazer gozar estando
enterrado dentro de mim. — Sorrio, pegando sua mão e chupando
seu dedo médio. — Quero ver se nossa junção é prazerosa,
investigador.
— Você é um furacão de exigência, meritíssima.
— Hoje é tudo sobre mim, Enzo. Talvez tenhamos uma
segunda experiência em que cuidarei de você. — Sorrio e ele fica
de pé.
Ele chuta suas botas para longe, abre a calça e a desliza
para baixo junto com a cueca. Não quero comparar, mas talvez seja
da natureza dos Albuquerque’s serem bem-dotados. É bom abrir
meu período de solteirice com algo generoso, isso desperta em mim
um desejo louco, que me faz ficar de pé e jogá-lo sobre o sofá.
— Você levou a sério sobre eu ser seu brinquedo, não é
mesmo? — pergunta sorrindo, e pego o preservativo que está em
sua mão. Abro a embalagem metalizada e retiro o látex de dentro.
No primeiro contato da minha mão com o incrível objeto sexual,
Enzo ruge como um animal enjaulado. Sorrio deslizando o
preservativo pela sua incrível ereção e confiro meu trabalho
satisfeita.
— Muito bom, Enzo ALBUQUERQUE. Agora eu vou montá-
lo para o meu prazer. — Ele ri como se não estivesse acreditando
em minhas ações e eu começo a introduzi-lo em minha entrada que
parece ter se fechado ainda mais devido ao longo período sem
sexo. O riso morre quando o deslizo por completo e me ajusto com
uma simples rebolada.
— Puta merda, Dandara! — exclama. — Você é
extremamente gostosa.
— Guarde seus elogios e concentre-se em agir. Não quero
um boneco inflável. — Ele parece perder a paciência comigo,
porque ele se levanta me levando junto consigo e me joga na
primeira parede que encontra.
— Não sou um moleque para tolerar suas gracinhas,
meritíssima. Eu tenho um limite.
— O que é bastante bom. Me mostre que se transforma
quando alguém ultrapassa seus limites — peço, e ele mostra.
Com arremetidas rápidas, profundas e certeiras; com um
apetite sexual insano e uma capacidade incrível de suportar; com
um desempenho digno pra caralho onde ele usa mãos, boca e seu
pau magnânimo, Enzo me mostra em que ele se transforma quando
tem seus limites testados. Suas mãos se dividem em toques lentos
e tapas bem dados na minha bunda. Seus lábios ora estão dando
beijos delicados em minha pele e ora mordendo, seu quadril nunca
para de se mover e tão pouco muda o ritmo. Enzo é deliciosamente
implacável e desrespeitoso, porque ele não diminui nem mesmo
quando eu preciso de um tempo para me recuperar do orgasmo.
Mas, o que mais aprecio é ter sua boca na minha. Quando
ele me beija eu me torno uma louca. Agarro sua bunda, quase
exigindo que ele parta meu corpo ao meio. Mordo o lóbulo de sua
orelha e dou um gemido só para deixá-lo louco.
Funciona.
Ele goza, rugindo como um leão selvagem e morde meu
pescoço. Agarro seus cabelos com força e contraio em torno dele,
sorrindo de satisfação.
— Você é incrível — ele sussurra meu ouvido, e eu me
desvencilho dos seus braços.
"... Ou se separam, ou se despojam."
— Eu quero mais, investigador.
— Que bom, porque estou longe de terminar com você,
meritíssima.
O nosso sexo é louco, intenso, interessante o bastante para
repetirmos em outras posições. No meio da madrugada, após uma
rodada exaustiva, jogados no tapete da sala, eu decido que é o
momento dele ir embora.
— Enzo, meu querido, é hora de dar tchau — digo, ficando
de pé e ele agarra uma de minhas pernas, beijando minha
panturrilha.
— Me deixe ficar, apenas hoje. Estou um pouco destruído,
meritíssima.
— De forma alguma. Já para a sua casinha. Se quiser uma
segunda vez, acho bom que obedeça ao meu pedido. — Ele solta
minha perna, suspira frustrado e fica de pé. Como um garoto
pirracento, ele veste apenas a cueca, pega o restante das roupas e
caminha até a porta.
Visto meu robe e vou atrás dele sorrindo. Na porta principal
o puxo para um beijo, dou um tapa em sua bunda e ele se vai.
"Ao meu aceno as portas das prisões se fecham as
costas do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a
liberdade."
Ao fechar a porta e voltar para dentro de casa, decido algo:
nada disso aconteceu!
"Juro pela minha honra dizer toda a verdade e só a
verdade".
DANDARA
A perspectiva do consultório da minha terapeuta ser no
shopping sempre me encantou. Por quê? Porque desde a primeira
vez eu saio das consultas desestruturada e vou para a praça de
alimentação comprar todos os tipos de doce que encontro. Sim, eu
sou o tipo de mulher que em algumas ocasiões precisa se entupir de
doce pela própria sobrevivência e sanidade mental.
Porém, essa perspectiva acaba de ser arruinada. Esqueça
tudo que eu disse anteriormente. O fato do consultório da minha
terapeuta ser no shopping acaba de se transformar num pesadelo,
porque em shoppings sempre encontramos muitas pessoas,
inclusive a atual do ex acompanhada da ex-sogra e da ex-cunhada.
É como levar um soco no estômago. Minha sorte é que estou indo
para a terapia e poderei encher a cabeça da doutora Rovena.
Elas estão em uma mesa, reunidas com uma mulher que
não conheço, cercadas de revistas de... noivas.
Respiro fundo e luto para não ficar de joelhos no meio do
shopping e chorar à plenos pulmões. Lucca vai se casar. Meu
Lucca... o meu amor. Ele vai se casar. É isso. A realidade nua e
crua. Isso acaba com todas as esperanças que eu tinha sobre o
relacionamento dele ser apenas passageiro.
Deslizo os óculos escuros, cobrindo meus olhos, mas o pior
acontece:
— Dandara! — Victória me chama. Sou obrigada a dar um
sorriso forçado e me aproximar delas.
— Olá, Vic! — digo a cumprimentando, e olho para Ava, em
seguida para Paula. — Olá.
— Ei, Dandara — Paula me cumprimenta educadamente, e
eu quase vomito arco-íris.
— Bom revê-la, Dandara — Ava diz, dando um sorriso fraco.
— Você está mais linda que nunca.
— Não tanto quanto você, Ava. — Sorrio sentindo o veneno
escorrer em minha boca.
Ava me odeia, mas parece amar Paula. Eu quero odiar as
duas, então está tudo bem. Durante todo o período em que estive
com Lucca vi Ava se esforçar para ser legal comigo, mas a verdade
é que ela nunca foi com a minha cara. Se antes ela já não gostava
de mim, imagine agora? Ao menos agora não precisamos fingir.
— Samuel está pelo shopping com Lucca — Vic diz.
— Eu vim para a minha sessão de terapia. O consultório da
minha terapeuta é aqui — explico a ela. — Espero encontrar com
eles.
— Você está linda.
— Você também, Vic — digo a abraçando. — Foi bom vê-la.
Preciso ir.
— Não se distancie de nós, ok? Somos uma família, mesmo
que as coisas tenham dado errado entre você e Lucca. Você é mãe
do neto mais educado do planeta. — Ela sorri carinhosamente.
— Não vou me distanciar — afirmo sem qualquer convicção
e me despeço.
Estou subindo pela escada rolante quanto vejo Lucca e
Samuel descendo.
— MAMÃEEE! — meu pequeno grita e sorrio, lembrando
que existe vida após a "morte".
— Bebê! — Eles terminam de descer e eu de subir. Fico
parada no topo da escada e Lucca sobe com ele.
Agacho e recebo meu filho o enchendo de beijos e cócegas.
— Mamãeeee...
— Meu pinguim! — Sorrio. — Meu cheirinho preferido do
mundo inteiro. Mamãe está louca de saudades! — Fico de pé com
ele em meus braços e encontro os olhos avaliativos de Lucca. Não
entendo por que sempre que estou com Samuel ele fica me dando
olhares avaliativos. — Olá, noivo do ano.
— Dandara...
— Você não tem que me explicar nada — digo com os olhos
marejados. — Seja feliz. — Entrego Samuel e ele.
— Eu sinto muito.
— Você não sente. Eu sinto — afirmo. — Eu sinto muito,
Lucca, por todas as coisas, principalmente por ter perdido você.
Preciso ir. A terapia nunca foi tão necessária como agora. — Beijo
meu filho nos braços dele e os deixo.
Assim que doutora Rovena abre a porta, eu me lanço aos
braços dela num choro desesperado. Pobrezinha..., mas ela é a
única pessoa que tenho para desabafar agora.
Ela me deixa chorar livremente e nem se importa com o som
do meu desespero. E, quando me acalmo, ela me conduz até o
sofá, pega um copo de água e me faz beber todo o líquido.
— Obrigada — a agradeço.
— Ok, Dandara, me diga o que houve.
— Lucca vai se casar — digo, voltando a chorar. — Ele vai
se casar.... com outra mulher. — Admitir isso para mim mesma é
extremamente doloroso. Me pego olhando para o chão, sentindo
que terei que enfrentar a maior luta da minha vida tentando tirá-lo do
meu coração. — Todos os dias eu o esperava chegar em casa
ansiosa... e, quando ele chegava, nem mesmo me deixava dizer
qualquer palavra. Ele me beijava de uma maneira tão doce, como se
tivesse sentido a minha falta o dia inteiro e contado cada segundo
para poder estar comigo.
— Essas lembranças agora não são bem-vindas, Dandara.
— Eu era o centro do mundo dele. O centro de tudo que
envolvia Lucca. Ele me dava tanto e eu retribuía com tão pouco,
porque sou fria, mesmo quando amo alguém com todas as minhas
forças há em mim uma frieza. Com ele eu conseguia quebrar isso
muito, mas não o bastante, porque Lucca merece ser amado por
alguém que se entregue por total e eu... eu apenas nunca consegui.
Mas eu o amo, Rovena. Eu o amo. Por que ele vai se casar? Eu
fecho meus olhos e relembro de todas as coisas que eu nunca mais
serei capaz de ter. — Soluço. — Ele vai dar isso tudo a ela, porque
foi ela quem segurou a mão dele depois que eu soltei. E ela é uma
filha da mãe de uma mulher incrível... e ele a ama agora. Nunca
mais vou encontrar alguém que chegue ao menos perto de ser tudo
que Lucca é.
— Não busque Lucca nas pessoas, Dandara. É um erro
buscar uma pessoa em outras, além de ser frustrante. Quando
estiver disposta a se relacionar com alguém, busque alguém que se
encaixe em você e não alguém que seja o estereótipo do homem
que você perdeu. Não faça essa sabotagem consigo mesma. —
Limpo meu rosto com as mãos e tento respirar normal. Que dor
esmagadora, meu Deus do céu, não desejo isso para ninguém, para
ninguém mesmo. É claustrofóbico, doloroso, dá vontade de sair
correndo, agarrá-lo e implorar pelo amor de Deus para não se casar,
para me perdoar de todas as merdas...
— Ele fará o aniversário do nosso filho na ilha, juntamente
com toda a família e eu... — digo, ficando de pé. — Não posso ir
sozinha. Não quero desabar ao vê-lo sendo feliz com outra mulher.
Não quero mais sentir isso, mas não consigo, Rovena... quando
acho que estou caminhando, retrocedo ao receber uma pancada
dolorosa.
— Arrume uma companhia; uma amiga, um acompanhante.
— Transei com o primo dele ontem. — Volto a sentar após
ela abrir a boca em choque. — De tantos homens, eu transei com o
primo.
— E o amigo?
— Eu transaria. — Ela ri, completamente fugindo da terapia.
Eu rio também. — Eu preciso parar de fazer merda, não é mesmo?
— Com certeza, Dandara. Acho que tem que sair da zona
de amigos e parentes de Lucca. Você pode ser educada com todos,
mas acho que se relacionar mais intimamente com quem quer que
seja ligado a eles não fará bem. Tem que se afastar. Você e Lucca
possuem um vínculo que é Samuel, têm que estar juntos em tudo
que diz respeito ao garoto, apenas isso. Qualquer outra coisa não é
saudável no momento pelo fato do seu sentimento por ele ser algo
forte. Talvez no futuro vocês possam ser grandes amigos, quem irá
dizer? Mas, agora, é o momento de focar na superação. Precisa
superar Lucca e precisa superar todo o seu passado para poder
seguir em frente.
— Preciso contratar alguém ser meu acompanhante em
eventos que envolvam Lucca — digo, e a mulher arregala os olhos.
— Não precisa contratar um acompanhante, Dandara. É
uma mulher linda, poderosa, com muitos homens que dariam tudo
pela sua companhia.
— Mas isso poderia acarretar um envolvimento emocional.
Não estou disposta, Rovena. Preciso de alguém que saiba o seu
lugar, que saiba que nosso relacionamento será em torno de um
contrato. Não quero um namorado, tão pouco quero um amor. Aliás,
pensando bem, não vou precisar da pessoa apenas para um evento,
e sim para vários. Se eu arrisco levar um cara qualquer que conheci,
pode ser que o nosso envolvimento acabe e eu tenha que ficar
trocando de par a cada evento. Isso pegaria extremamente mal para
mim, sem contar que o cara que eu escolher vai acabar tendo que
lidar com meu filho.
— Olha, eu sou sua terapeuta, mas acho que terei que fazer
terapia para poder continuar auxiliando você. Estou ficando maluca,
Dandara. Você está querendo ser estilo aqueles sugar daddy's?
Talvez um psiquiatra seja a melhor indicação para lidar com você. —
Eu quase grito e fico de pé mais uma vez. A melhor ideia!
— Existe essa coisa para mulheres? Tipo um site onde
mulheres ricas tenham homens a disposição? O irmão do Lucca se
casou com uma sugar baby. Ele a conheceu através de um site de
patrocinadores e a contratou para ser acompanhante dele em um
evento familiar. Eu poderia fazer isso! Existe esse site para
mulheres? — questiono pensativa. — Meu Deus! Eu preciso ir
embora, Rovena! Preciso achar isso, porque o aniversário de
Samuel está se aproximando... — aviso, pegando minha bolsa.
— Dandara, eu terei que tomar calmante antes das nossas
consultas! — Rovena diz desorientada. — E a terapia? Você estava
chorando desesperada, merda! — Estou fazendo a mulher perder a
ética.
— Eu vou superar Lucca com um gostoso, ou ao menos vou
fingir ter superado. Você verá. Não vou em festa alguma sozinha!
Não vou sair por baixo, Rovena! Não sou mulher de sair por baixo...
— Pensei que estávamos tentando mudar alguns velhos
costumes, algumas impulsividades.
— Vamos mudar... depois. Não posso enfrentar o
aniversário do meu filho sozinha. Agora preciso ir.
Saio descontrolada do consultório e entro na primeira loja de
chocolates que encontro pela frente. Faço uma compra generosa e
vou para casa. Está anoitecendo, tomo um banho, visto uma roupa
confortável, pego uma taça de vinho, meu notebook e me acomodo
no sofá.
Uso o Google para localizar sites de acompanhantes.
Alguns deles são acompanhantes sexuais e foge do que estou
buscando. É necessária uma busca extensa até que eu ache um
site chamado SUGAR MOMMY, isso me faz rir. É necessário todo
um cadastro extenso. Faço e fico aguardando ser aceita.
Rodopio pela casa, como chocolates, choro um pouco,
stalkeio Lucca nas redes sociais, choro mais um pouco e ouço o
som de uma notificação. Meu cadastro foi ACEITO! Claro que seria,
eles não negariam alguém com um saldo bancário generoso, e isso
não tem absolutamente nada a ver com "egocentrismo" da minha
parte.
Eles liberam meu acesso a um catálogo e é quase
deprimente ver pessoas sendo tratadas como refeição. Por algum
motivo esses caras estão aí, disponíveis para fazer a alegria das
coroas, não que seja eu tão coroa..., mas, não sou uma jovem de
vinte anos.
Estou envolvida na busca quando o telefone toca e o nome
de Humberto brilha na tela:
— Humberto Salvatore. — Atendo.
— Meritíssima, daria a honra de se juntar a mim para um
jantar? — Simples e direto, me lembra alguém..., mas, jantar é
apenas uma desculpa e não estou para enrolação.
— Refaça seu convite de uma maneira mais direta e
sincera, Humberto.
— Daria a honra de se juntar a mim no meu clube para que
eu possa sentir o imenso prazer de chicotear sua bunda, beijar a
sua boca e fazer outras coisas mais? — Eu dou uma gargalhada e
ele ri também. Há apenas dois problemas: Enzo não tem metade da
ligação que Humberto tem com Lucca.
Humberto é melhor amigo do meu ex, tanto que se tornou
meu amigo também. Não vou negar que as últimas investidas dele
chamaram minha atenção e despertaram a minha curiosidade,
mas... ele é dominador de BDSM. Eu não sou o tipo que gosta de
ser dominada, tão pouco o tipo que abre concessões. Humberto
também não é o tipo que abre concessões. Ele sempre deixou muito
claro que sexo para ele é apenas com submissas do universo
BDSM. Não sou, nunca serei, a experiência não atrai minha
atenção. Se fosse numa outra perspectiva...
— Eu sairia com você, de verdade — digo, mordendo um
chocolate. — Mas não somos compatíveis sexualmente. Não gosto
de BDSM, não gosto de ser cem por cento dominada. Por isso,
acredito que seu convite é inviável para mim.
— Apenas saia comigo. Sem clube, sem costumes.
— Você é melhor amigo de Lucca. — Ele suspira.
— Eu sei.
— Acabou se tornando meu amigo também. Não vou negar,
você é um cara lindo, gostoso, atraente, quente, mas... foda-se,
talvez possamos sair uma vez. — Ele dá uma gargalhada e eu rio
também. — Preciso resolver algumas questões, entrarei em contato
em breve.
— Agora eu me senti um objeto, Dandara, ou talvez algo a
ser negociado — diz ainda rindo.
— Não se sinta. — Rio. — Lucca vai se casar. — Ele fica
mudo e eu começo a chorar. — Oh merda!
— Não fique assim.
— Por que ele vai se casar tão rápido? O namoro dele é
recente, não é? Tem apenas meses.
— Paula é uma mulher muito legal, por mais difícil que seja
ouvir isso, Dandara. O afastamento de vocês durante dois anos foi o
que o levou a seguir em frente. Como amigo pessoal, íntimo, eu
posso te dizer com propriedade que o garoto sofreu pra caralho e
custou a se reerguer. Lucca merece ser feliz, assim como você
merece também. Não fique chorando. Já te disse sobre ser uma
mulher linda, poderosa, incrível. Precisa enxergar isso e parar de
sofrer.
— Eu sei de tudo isso... me desculpe. Descobri hoje, sem
querer. Ela estava no shopping com Vic, Ava e uma mulher, olhando
várias revistas de casamento.
— Lucca quer se casar logo. Você precisa se preparar para
isso, aceitar os fatos — aconselha.
— Eu vou. É só... recente a minha descoberta.
— Cuide-se, meritíssima. Você tem meu telefone, me ligue
caso precise de qualquer coisa. Sou seu amigo, Dandara. — Engulo
a seco.
— Obrigada. — Encerro a ligação, e, fungando, volto ao
cardápio...
Eu curto morenos e negros. Nenhum preconceito com loiros,
mas eu prefiro sempre os morenos e negros. Busco por horas, mas
estou tão fodida que nenhum consegue despertar minha atenção.
Preciso de alguém que tenha algum atrativo que desperte meu
interesse, porque ao menos beijos eu terei que dar e não vou sair
beijando qualquer um.
Revoltada e quase desistindo, atualizo o site e sobe o
número de homens no cardápio. Coloco o filtro de busca de recém
adicionados e então encontro algo. Um alguém misterioso que tem
uma foto misteriosa. Dá para ver pouco do homem, mas o pouco me
atrai, principalmente o braço tatuado e a barba. Mordo meu lábio,
limpo minhas lágrimas e envio uma mensagem:
— Olá, recém-chegado. — Digito e aguardo uma resposta.
— Uow! Olá.
— Me diga mais sobre você — peço. — Por que não possui
uma foto com a visibilidade melhor? Por que todo mistério?
— Todos nós somos um mistério; para os outros e para nós
mesmos — responde. — Quer desvendar?
— Não sou investigadora para desvendar mistérios, meu
querido.
— Resposta nada inteligente. Se fez perguntas é porque
quer desvendar a minha real identidade. — Aff!!! Nada inteligente,
Dandara, idiota! — O mistério sempre traz consigo um pouco de
sedução, não concorda?
— E você quer me seduzir? — pergunto rindo.
— No caso foi você quem puxou assunto, acho que é você
quem está em busca de seduzir alguém aqui, neste site. Estou
errado? — Deus do céu! É por isso que pessoas matam pessoas!
— Você é sempre tão idiota?
— Nem sempre. Na verdade, não consigo enxergar onde fui
idiota. Sinceridade é sinônimo de idiotice para você? Que
decepcionante! — Ele coloca uma carinha sorridente. — Apenas
trato as pessoas de acordo com o que recebo delas. Por exemplo,
mulheres que me dão respostas atravessadas na tentativa de se
autoafirmar me deixam irritado. Felizmente é raro acontecer. Qual
seu nome?
— Digo se me disser o seu.
— Olha o que temos aqui! Uma mulher que parece possuir
um grau de complexidade fora do comum. Eu nem mesmo preciso
continuar essa conversa, já deu para notar que é uma mulher difícil.
— Digita e coloca emoticons de riso. — Talvez você não queira me
desvendar, mas, preciso confessar, estou ligeiramente curioso para
conhecer o rosto por trás de toda essa impetuosidade. Não sei você,
mas eu amo um bom desafio, amo desvendar mistérios e pessoas.
— Ele é interessante. Ok, eu sou sádica.
— Por que está neste site?
— Pelo mesmo motivo que você: interesse — responde. —
O que nos difere é o tipo de interesse.
— Ok. Já que o interesse é o que nos move, estou
interessada em você. Digo, nos seus serviços. — Ele coloca um
monte de caras de riso, eu quero jogar o notebook para o alto e
socar um saco de areia.
— O que você precisa?
— Preciso de um acompanhante que finja ser meu
namorado em algumas ocasiões. Dinheiro não é o problema. Me dê
seu preço.
— Não tão simples. Posso até ter entrado nesse site que
possui um cardápio de homens, mas não sou bem uma mercadoria.
Primeiro precisamos nos conhecer. Você parece exigente, eu
também sou. Quero saber quem é a mulher que precisa de um
acompanhante e todos os motivos por trás disso. O site oferece
segurança a você, pode me encontrar sem medo. Sou inofensivo na
maior parte do tempo. — Ele é sedutor, embora seja idiota.
— Onde?
— Amanhã, as 23 horas, na boate Miroir.
— O quê??? — Digito colocando uma infinidade de pontos
de interrogação. — Você está sugerindo que eu vá em uma boate?
— Estou. É mais seguro para ambos, vá por mim. — Faz
sentido.
— Ok. Amanhã. Mas, como você saberá quem sou?
— É você quem irá me encontrar, não o contrário —
responde. — Saberei identificá-la com o meu olhar. — Hum... isso
está muito poético. Talvez ele seja um sedutor barato.
— E como saberei quem você é?
— Simples. — Digita.
— Simples como?
— Você vai reagir a mim assim que me ver. — Que diabos
está acontecendo?
— Reagir a você sendo que não o conheço? Me diga
como...
— Saberá quem sou porque eu vou desgraçar a sua vida
com um sorriso — responde e encerra o chat.
DANDARA
"Vou desgraçar sua vida com um sorriso."
AH TÁÁÁ! IDIOTA, PREPOTENTE, EGOCÊNTRICO,
ARROGANTE... Esse imbecil se parece tanto com...
Comigo.
Ok. Que merda hein, Dandara? Você já esteve numa fase
melhor! Me recuso a acreditar que você se transformou nisso!!!
Eu vou nessa boate só para jogar um copo de bebida na
cara desse infeliz. Sugar baby do diabo!
Desvendar mistérios, sinceramente, não vou falar um
palavrão porque tenho classe, mas fiquei curiosa. Uma pessoa para
ser tão segura de si precisa ser no mínimo foda. Entro no bendito
site outra vez e analiso a foto dele novamente. O sujeito parece
bastante beijável, transável e parece fortinho. A cor dele é uma das
coisas que mais me atrai. Parece bronzeado. Quero ver se
conseguirei identificá-lo como ele disse. O tal sorriso... eu espero
que seja um sorriso de deixar uma mulher de joelhos, não aceito
menos que isso. Ele, sem querer, aumentou meu nível de exigência.
Isso me faz rir, porque serei impiedosa.
Senti falta desse lance de desafio, da adrenalina. Esse
garoto fez meu sangue ferver. Agora me encontro eufórica e sei que
não conseguirei dormir muito facilmente. Isso me leva a beber mais
vinho e vinho me traz uma nostalgia gigante.
Me lembro de um dia estar entre as pernas de Lucca,
estávamos sentados no tapete, conversando, bebendo vinho. Um
braço dele estava em torno da minha cintura. Eu estava vestindo
uma camisa enorme de dormir e ela deixava um dos meus ombros
de fora. Ele me deu tantos beijos no ombro direito esse dia, que eu
quase perdi a paciência. Mas foi fofo, doce, delicado. Ele me amava,
cuidava de mim, fazia todas as minhas vontades, as colocavam no
topo de suas prioridades, até mesmo na cama. Generosidade é a
palavra que mais o descreve e algo que nunca fui. Pensar nisso me
faz crer que tenho muito a mudar. Por ser como sou perdi um
partidão... meu Lucca. Tão meu.
Quando as lágrimas começam a descer, as mando para o
espaço. Não quero mais essa dor. Decido dormir, mas meu sono é
conturbado. Sonho com um sorriso capaz de desgraçar a minha
vida.
As obrinhas já estão acabando, graças a Deus! Passo a
manhã toda em casa e, no meio da tarde, vou ver meu filho no
apartamento de Lucca.
— Pinguim! — Sorrio quando ele vem correndo até mim. O
pego no colo e o encho de beijos. — Meu Deus! Estou delirando de
saudades de você.
— Mamãe, Henrico — ele diz, e eu franzo a testa sem
compreender.
— Henrico é o filho de Paula, eles se conheceram hoje, mas
foi complicado — Lucca explica sorrindo.
— Por que foi complicado? — pergunto ligeiramente
interessada.
— Henrico é grudado comigo, houve certo ciúme tanto dele
quanto de Samuel. Henrico é autista, tudo em relação a ele é mais
delicado. — Não entendo muito sobre autismo, mas a tal Paula deve
passar por muitos desafios. Não deve ser algo fácil de lidar.
— Hum. Entendi. Deve ser algo complicado e desafiador de
lidar — comento.
— É sim, mas ele é um garoto muito legal — responde
sorrindo. O que posso dizer? Nada. É apenas uma criança e eu não
o conheço. Espero que Samuel lide bem com o garoto e todas as
limitações que envolvem o autismo. O criei com muita educação e
carinho, ele tem boas referências.
— Bom, vou precisar que fique com Samuel mais uns dois
dias. A obra não terminou ainda, infelizmente — explico, indo direto
ao ponto, sem prolongar minha visita. É doloroso, há muitas
lembranças.
— Não precisar pedir duas vezes, não é mesmo, filhão?!
Estamos aprendendo a jogar jogos novos no vídeo game, mamãe —
Lucca diz sorridente.
— Sério, filho??? Vou querer que me ensine depois para
jogarmos juntos. Vou pedir ao papai uma lista com os melhores
jogos. — Sorrio cheirando seu pescoço. — Meu pequeno príncipe.
Agora preciso ir para a terapia — informo, colocando-o no chão e
ele sai correndo. — Terapia para superar o pai dele.
— Não é para isso que está fazendo terapia, Dandara.
— É também para isso. Você acha que é fácil? Amor de pica
é o que fica. Mas, disse apenas brincando dessa vez, relaxe. Sei
que nem mesmo se eu surgir cravejada de diamantes e oferecer
sexo anal eterno te terei de volta. — Sorrio e Lucca acaba sorrindo
também.
— Sexo anal não me derruba, meritíssima. Mas, fico feliz
por ver um pouco de humor em você. Está mais leve. Quero muito
que sejamos amigos.
— Talvez um dia... Bom, preciso ir, Lucca. Cuide do nosso
bebê.
— Com muito amor — responde.
Dou um abraço nele e demoro mais tempo que deveria. Ele
faz um carinho em meus cabelos e isso ativa as lágrimas nos meus
olhos. Não permito que ele me veja desestruturada. Apenas me
afasto e vou embora.
Quando chego no consultório, solto um suspiro frustrada e
me acomodo no sofá. É como se toda minha classe tivesse ido pelo
ralo, porque eu me jogo como se estivesse em casa.
Doutora Rovena fica me encarando de uma maneira
estranha. Ela está silenciosa, avaliativa e receosa. Arqueio as duas
sobrancelhas para ela, talvez compreenda que está na hora de
entrar em cena, porém, nada acontece.
— Ok doutora, vamos lá? — digo quebrando o gelo. —
Como me sinto hoje? — pergunto por ela. — Uma merda! Acabo de
sair da casa de Lucca, o abracei e não queria soltá-lo nem por um
maldito caralho. Por falar em caralho, eu quis cair de joelhos e matar
a saudade, porém, não vai rolar. Para completar, arrumei um
novinho sugar baby...
— Calma. Pelo amor de Deus! Você não pode estar normal!
— Eu realmente preciso falar e você precisa me ouvir. É
para isso que vim — argumento. — Enfim, eu quis pela primeira vez
entrar em uma tela de computador e bater em um homem. Aliás, ao
longo da minha vida eu já quis bater em muitos homens, mas nunca
através da tela de um computador. É inédito! Esse novinho é
irritante, grosseiro, petulante, despertou em mim uma vontade de
matar! ARGH! Talvez ele não tenha sido grosseiro, mas quero
acreditar nisso. Ele rebate tudo que eu digo, tem excesso de
confiança, e, no final da conversa, ele disse que vai me desgraçar
com um sorriso. Quem desgraça uma pessoa com o sorriso? O que
ele quis dizer com isso? Meu Deus, que misterioso! Vou encontrá-lo
hoje e jogar verdades que precisam ser ditas. Se o sorriso dele for
feio, vou socar a cara dele por ter desperto em mim expectativas
exageradas. Sou juíza, tenho porte de arma, defesa pessoal.
— Essa agressividade não faz bem, Dandara.
Principalmente quando é voltada a um completo desconhecido.
— Ele que lute. Fé nas malucas! — digo, e começo a rir. —
Meu Deus, isso é o fundo do poço. Olha bem aonde cheguei,
doutora Rovena. Você está olhando? — pergunto, vendo-a arregalar
os olhos. — Me tornei o que eu mais temia, a mulher que diz fé nas
malucas. Isso é de uma baixeza horrenda. Sou uma juíza! Daqui
uns dias ouvirei sertanejo e funk, porque eu me sinto tão fora de
controle, tão não eu. Odeio funk, odeio sertanejo. Gosto de músicas
interessantes, inteligentes. Gosto de pubs luxuosos e irei em uma
boate essa noite. Uma maldita boate que não combina em
absolutamente nada com os padrões criados por mim mesma. É o
cúmulo da autodestruição o que estou fazendo. Essa frase ficou
estranha, sem nexo, mas é o que é. Ultimamente tudo tem sido tão
redundante.
— Acho que você está mais descontrolada hoje do que
estava ontem. Mas, sobre padrões, fuja deles. Ser livre vale mais
que todo e qualquer padrão. Você está na fase perfeita para abrir
mão das crenças que você mesma criou, para abrir mão dos
padrões. Você não é uma estampa de roupa para seguir padrões. É
uma mulher. Abandone os velhos costumes, crie novos. Quebre
regras, espere menos das pessoas, desfaça conceitos, permita-se
mais, viva, Dandara.
— Sabe que seu conselho é bem louco para mim, não
sabe? Não se deve dizer isso a uma mulher no auge do descontrole
emocional — comento, brincando com um anel em meu dedo. — O
que devo fazer? Aloprar e tacar o foda-se? Radicalizar?
— Me conte sobre o tal sugar baby — pede.
— Não sei nada sobre ele. Absolutamente nada. O cara é
mesmo misterioso. Até a foto dele está escondendo tudo que ele
pode vir a ser, mas quero conhecê-lo. Que roupa eu devo usar em
uma balada? Graças a Deus estou no shopping! É isso! Vou às
compras! Até convidaria você, mas...
— Definitivamente eu não iria. Você já me enlouquece em
um consultório e é mais do que posso suportar.
— Você é bem sincera, hein, Rovena?! Acho que admiro. —
Ela pega um bloco de notas e faz algumas anotações. Em seguida
me entrega um papel contendo um nome e um número. — Que
isso?
— Uma indicação de psiquiatra. Não é brincadeira, não há
qualquer brincadeira nisso. Um psiquiatra irá receitar ansiolíticos
que ajudaram a mantê-la mais controlada. Nosso tratamento vai
continuar, não se preocupe, mas psicólogos e psiquiatras muitas
vezes necessitam trabalhar juntos, e é esse o caso. Embora tenham
muitas piadas sobre psiquiatras, não é algo para malucos. Mesmo
que você haja como maluca...
— Ok, então muito obrigada pela indicação. Talvez uns
tóxicos me ajudem realmente. — A mulher quase cai da cadeira e
eu decido que por hoje é só, estou precisando de roupas
descoladas. — Até segunda-feira, doutora. — Sorrio, pego minha
bolsa e me despeço.
— Pelo amor de Deus! — a ouço dizer, e bato a porta.
Por pelo menos três horas rodo diversas lojas no shopping e
até exagero um pouco. Compro até lingeries sem nem mesmo
precisar. Levei a sério os conselhos de doutora Rovena.
Até vou no salão fazer unhas e cabelo. Por fim, passo em
uma cafeteria e faço um lanche generoso. Saio do shopping quase
às dez da noite, completamente perdida no tempo.
Em casa tomo um banho não muito demorado e me arrumo.
Visto uma calça jeans que se gruda por completo no meu corpo,
uma blusa branca que cai pelos ombros, uma sandália prateada
básica de salto fino. Prendo meus cabelos em um coque frouxo,
coloco argolas prateadas e faço uma maquiagem leve, evidenciando
apenas meus olhos. Em meus lábios passo apenas um brilho labial
e sorrio, contente com o resultado. Pego uma bolsa combinando,
coloco meus documentos, minha arma e decido que estou pronta.
Já são quase onze da noite e eu estou ansiosa de um jeito louco.
Dirijo até a boate, estaciono meu carro em um local seguro e
desço. É engraçado, o sistema de segurança apita e sou obrigada a
ser revistada. Quando a segurança vê minha arma, só falta enfartar,
então retiro algo da minha bolsa que a faz retomar a compostura.
— Meritíssima, perdoe-me.
— Ok, apenas me deixe entrar e tudo ficará bem.
— A senhora veio em uma operação?
— O que uma juíza estaria fazendo em uma operação? —
questiono arqueando as sobrancelhas e a deixo. A boate é bonita,
não é tão assustadora quanto eu previa. Está bem vazia, talvez por
ser cedo. Cariocas costumam ir para baladas depois de uma da
manhã. Não sei se gosto desse vazio, de repente, me sinto exposta.
Talvez o cara misterioso esteja até mesmo me vendo.
Nervosa, caminho até o banheiro e confiro se estou bem. Eu
quase me arrependo dessa ideia estúpida, mas as palavras da
doutora Rovena estão surtindo um efeito. Tenho trinta e sete anos
de idade, não sou qualquer garotinha medrosa para temer. Se eu
vim até aqui, irei até o fim.
São onze horas em ponto quanto saio do banheiro decidida.
Pelo que vejo há três bares na boate e eu escolho um que
não tem ninguém. Peço duas doses de tequila que se transformam
em quatro. Na verdade, são doses de coragem. Quando sinto meu
corpo quente e a adrenalina surgir, vou em busca do tal sorriso
desgracento.
Há um homem no segundo bar, com uma blusa preta com a
escrita DAYDREAMER, que significa sonhador. Eu o devoro com o
olhar e noto uma tatuagem em seu braço esquerdo, como o do cara
da foto. Ele está sério, mas, quando recebe uma Coca-Cola, abre
um senhor sorriso...
Deus! Quando vejo o sorriso do sujeito, percebo que
desgraça pouca é bobagem. Definitivamente eu ficaria de joelhos
por esse sorriso.
EU O ODEIO tanto agora, que quero simplesmente sair
daqui. O odeio por estar completamente certo sobre eu reagir a ele.
O odeio porque sinto que minha vida está desgracenta agora,
principalmente quando ele leva a garrafa de Coca-Cola à boca. Eu
me pego passando a língua em meus próprios lábios, como uma
tarada. Quer mais desgraça que isso? É o fundo do poço em alta
resolução!
Caramba... ele é lindo. Possui os cabelos estilosos, uma
boca que eu lamberia, olhos marcantes, parece possuir um
bronzeado natural, é gostoso e tem uma barba marcada em seu
rosto que... dizem que quem perde o telhado ganha as estrelas... é
uma boa colocação.
Que homem é esse??? Há veias saltadas em seus braços, e
ele se senta com as pernas abertas, bem gostoso... Seus olhos me
encontram e eu ganho um tipo de sorriso diferenciado. Paro de
viajar, me viro de costas e decido ir embora, porque continuar aqui é
como assinar um passaporte para o inferno.
Não consigo dar três passos sem que ele me segure pelo
braço.
— Se você disser que é a mulher do site, eu estarei
extremamente chocado agora — diz em meu ouvido, e eu me
arrepio por completo ao sentir o cheiro do seu perfume. — Seu
silêncio serve como confirmação. Mas, sinceramente, o que uma
mulher como você está buscando em um site? É a pergunta que
vale um milhão de dólares. Era eu quem deveria pagar para sair
com alguém do seu padrão.
— Dispense os padrões. Fuja deles — digo do nada. Maldita
doutora Rovena.
— Vamos ficar conversando assim mesmo? Você na frente,
eu atrás? — pergunta. — Você pareceu mais corajosa no chat.
— Sou corajosa — digo, virando-me de frente e ele faz um
uau quando ficamos frente a frente. — Seu sorriso nem é tão
impactante, acho que deveria saber.
— Sério? — Ele sorri com as minhas palavras e um som
escapa da minha garganta. Que sorriso! — Eu gostaria de ver o seu
sorriso, mas você parece tensa demais. Que tal relaxar um pouco?
— Onde?
— No bar? Onde mais seria? — pergunta divertido, e eu me
sinto patética. Ele segura minha mão como se fossemos
namorados, e me conduz até o bar. Ele até puxa uma banqueta e
me ajuda a sentar.
— Duas doses de tequila, por favor — peço ao barman sob
o olhar avaliativo do sujeito. Aliás, vou chamá-lo apenas de sujeito.
— Vamos direto ao ponto. Qual seu nome?
— Sempre tão séria e direta?
— Sempre.
— Isso é chato — comenta e sorri novamente. Dessa vez
fecho os olhos e o ouço gargalhar. — Nicolas. Nicolas Magalhães —
ele termina dizer, e eu abro meus olhos. Ele ainda está sorrindo e eu
puxo pela camisa, grudando meus lábios nos lábios dele.
Que delícia!
Um psiquiatra nunca foi tão necessário!
DANDARA
O beijo desse sujeito é uma coisa incrível. A forma que eu
estou o beijando é quase inapropriada para o local, mas apenas não
consigo parar. Acabo de descobrir que tenho um fôlego invejável
inclusive.
Só me afasto dele quando alguém esbarra em mim sem
querer, e é aí que eu me dou conta do que acabei de fazer; puxei
um garoto do nada e o beijei como se não houvesse amanhã. Mas,
adivinha? Há um amanhã e ele começa agora.
— É uma boa maneira de começar — ele diz dando um
sorriso matador.
— Foi apenas um teste. Não se iluda. Como preciso de um
namorado, beijos irão acontecer, então, julguei importante testar seu
beijo. Caso fosse ruim eu estaria me levantando e indo embora. Não
gosto de perder tempo — me explico sob o olhar avaliativo do
garoto.
— Ah! Acho que entendi. Então você acha que esse beijo
que acabou de me roubar é incrível o bastante para deixar uma
pessoa iludida? — pergunta. — Me desculpe falar, mas não, seu
beijo não é bom o bastante para que eu possa renunciar meus
status de solteiro, quem dirá capaz de me despertar algo ilusório.
Esse beijo foi tipo de filme adolescente da sessão da tarde. Só ilude
jovens que estão iniciando a vida e não causou o mínimo de furor
em mim. — Minha boca se abre e se fecha repetidas vezes. Não
posso ter ouvido certo, posso? Esse idiota é um filho da puta
arrogante e indelicado. Não que eu curta delicadeza, mas... ele
acabou de dizer que meu beijo é ruim? O filho de uma abençoada
mãe sorri e bebe um pouco da sua Coca-Cola, e eu ainda
permaneço muda. — Não leve para o pessoal. Só preciso de muito
mais que um simples beijo sem graça para criar o mínimo de ilusão
e desejo.
— Você é um idiota — informo, ficando de pé. — Um idiota
completo e nada cavalheiro.
— Uma conversa no site e poucos minutos aqui, acho que
posso dizer que você não parece o tipo que procura cavalheiros.
Mas, se conforta seu ego, você é uma das mulheres mais lindas que
já tive o prazer de conhecer, e eu preciso de mais beijos para
começar a me convencer de que pode ser algo bom para ambos,
seja lá o que você quer comigo é importante ter química. Um único
beijo é superficial e irrelevante. Não gostei, acho que poderia ter
sido melhor. Esperava mais de uma mulher que aparenta
experiência. Gosto de beijos que arrancam gemidos e despertam
vontades de arrancar outras coisas, tipo roupas — argumenta como
um advogado. Mas, nesse jogo eu sou a juíza e o veredicto final é
meu.
— Excesso de sinceridade. Não sei se gosto disso —
confesso. — Bom, agora que já conseguiu me humilhar um pouco,
será que podemos ir direto ao ponto? Não tenhamos pressa, mas
não percamos tempo. — Nicolas fica de pé também e antes que eu
respire mais uma vez sua boca está na minha.
De pé as coisas são mais intensas...
Ele enlaça meu corpo com um braço e traz sua mão livre à
minha nuca enquanto sua boca me devora. Isso sim é um beijo que
arranca gemidos e... eu arrancaria minhas próprias roupas. Eu ouso
um pouco, mostrando a ele que também sei jogar esse jogo. Levo
minhas mãos por dentro da sua camisa e arranho suas costas
levemente. Brinco com a minha língua em sua boca e afasto nossos
lábios para sussurrar em seu ouvido:
— Pareço experiente o bastante agora?
— Está começando a melhorar. — Ele sorri e eu volto a
beijá-lo, dessa vez exigindo mais dele.
Qual a idade desse homem? Estou me atracando com ele
em uma boate como se eu fosse uma mulher de dezenove anos.
Mas, em minha defesa, independente da idade, o garoto irresistível
sabe beijar e parece desafiador o bastante para eu querer continuar.
Ele se afasta de repente, dando um sorriso presunçoso.
— Agora sim. Posso até dizer que acabei de criar uma leve
ilusão, Dandara. Mas, é uma ilusão que ainda não quero
compartilhar. De qualquer forma, esse beijo foi bom o bastante para
me deixar ligeiramente excitado. Não devemos continuar nos
beijando dessa maneira se você não estiver disposta a ir além,
porque eu estou.
Quanta prepotência e ousadia em uma só pessoa.
— Não me beije novamente sem que eu tenha autorizado —
informo me afastando dele e volto a me acomodar na banqueta.
— Você é muito engraçada. Chega do nada, me beija e está
tudo certo. Quando é a minha vez de mostrá-la como se deve beijar,
você vem dizer que precisa de autorização? — Ele está sorrindo
agora e se aproxima mais. Um dedo desliza pelo meu pescoço e
sou tomada por um leve arrepio. — Vamos colocar as peças
corretamente no tabuleiro? Comigo as coisas não funcionam como
você exige, como você quer que elas funcionem. Sua vontade não é
absoluta. Um jogo justo é jogado por duas pessoas. Se você me
beija, eu ganho o livre acesso de beijá-la novamente. O mesmo
vento que venta em você, venta em mim. Agora, deixemos de
conversa fiada e vamos direto ao ponto. O que uma mulher como
você procura naquele site? Não acho que precise pagar para sair
com um cara, não que aquele site seja apenas para mulheres que
precisem disso, mas... acho que entendeu o que eu quis dizer.
— Não preciso realmente. Mas, preciso de um
acompanhante que saiba seu lugar, por isso me cadastrei naquele
site. Quero alguém que possa me acompanhar em alguns eventos e
que se passe por meu namorado. Sem todo o apego emocional que
um envolvimento real traz consigo.
— Por que eu acho que é mais complexo com isso? —
pergunta, se acomodando na outra banqueta.
— Tenho um filho prestes a completar três anos. É uma
história complexa, mas escondi a gravidez do pai dele por questões
do meu passado. Voltei ao Rio recentemente. Meu filho agora está
convivendo constantemente com o pai. Tentei uma reaproximação,
mas é tarde demais. Meu ex seguiu com a vida dele, e eu não
consigo seguir com a minha. Teremos eventos em comum e eu não
quero estar sozinha em qualquer um deles, principalmente porque
sou uma mulher bastante sozinha, sem grandes amigos, sem
família. Não quero estar sozinha.
— Não superou seu ex — afirma.
— Talvez eu nunca vá superá-lo. — Dou um leve sorriso
amargo. — Mas, estou disposta a tentar. No momento você é tudo o
que eu preciso e busco. Você é o meu primeiro passo. Me chamou
atenção fisicamente, tem um bom beijo, mesmo que seja estúpido e
arrogante. — Pisco um olho. — Qual a sua idade?
— Não vai adiantar eu dizer. Você provavelmente não
acreditará. Digamos que sou muito maduro para a minha idade, a
vida exigiu de mim muito cedo. Não estou estúpido ou arrogante, só
não admito que tentem me intimidar, mas acho que já te falei sobre
isso — explica. — Não vou aceitar dinheiro para sair com você.
Achei que encontraria uma coroa na faixa de uns cinquentas e
muitos anos. — Um sorriso cresce em seu rosto. — E encontrei algo
que não esperava.
— Curioso. O que estava fazendo num site se não está
buscando dinheiro? Estou falando de um valor alto.
— Interesse em conhecer mulheres maduras — diz, mas
não levo fé.
— Por que eu acho que é mais complexo que isso? — Imito
sua pergunta e ganho um sorriso.
— Talvez seja, mas é complexo o bastante para eu não
querer dizer agora. Me conte mais sobre você. Preciso conhecer
minha namorada. — Por algum motivo me sinto corar como uma
idiota perfeita. Mas, desde que não tenho sido eu ultimamente, está
tudo bem.
— Sou juíza, tenho um filho de quase 3 anos, um passado
turbulento, tão desinteressante quanto é possível uma pessoa ter.
— Não creio que seja desinteressante, tão pouco que se
resuma a isso que acabou de dizer. Acho que é um pouco difícil se
descrever, descrições nos limitam. Talvez seja interessante sairmos
mais vezes para fazermos tipo um work shop um do outro — propõe
ignorando todas as demais coisas que falei. — Se você quer seguir
com isso, teremos que criar uma certa familiaridade para passar o
máximo de veracidade à atuação. Quando é o primeiro evento?
— Em três semanas, é aniversário do meu filho.
— Em três semanas eu consigo fazer você se apaixonar por
mim. Também posso me apaixonar por você nesse período. — Pela
primeira vez na noite me pego rindo. Enquanto rio, Nicolas fica sério
me observando.
— Ok, essa foi uma piada e tanto.
— Seu sorriso é lindo. Deveria rir com mais frequência. —
Meu sorriso vai diminuindo aos poucos e arranho minha garganta.
Esse sujeito é mesmo um sedutor barato.
— Não sei se você ouviu anteriormente, mas posso repetir.
Preciso de um acompanhante que saiba seu lugar, sem apego
emocional.
— Eu quis dizer no sentido de nos familiarizarmos e
passarmos mais realidade. Deveria abrir mais a guarda. Está
começando a imaginar romance onde não há. — Ódio dele! — Não
quero sua grana, mas estou dentro. Inclusive vou encerrar meu
cadastro no site. Será uma experiência interessante, estou ansioso
desde já. Qualquer coisa que me faça sair da rotina é bem-vinda,
sou um aventureiro. Algo me diz que será uma a ventura e tanto, um
desafio. — Mais um sorriso e eu quero beijá-lo porque estou
descontrolada. Pena que não vai rolar.
— Sem um preço definido não teremos nada. Preciso de
qualquer garantia de que isso vá ser algo estritamente profissional.
Quero um contrato ou algo assim.
— Ah sim, claro. Você está sugerindo então que terá
coragem de registrar esse nosso contrato em cartório? Como será
isso? Contrato de aluguel de namorado? E se eu burlar alguns
termos, terei que enfrentar uma audiência com a vossa excelência?
Digamos que não gosto muito de seguir regras ou ordens. — Eu
volto a rir, de ódio agora.
— Somos adultos. Não precisamos de um registro em
cartório. Quanto às regras; terá que segui-las, principalmente as que
estiverem relacionadas ao meu filho.
— Eu amo crianças — diz de um modo sedutor. — Qual o
nome dele?
— Samuel.
— Eu serei um excelente padrasto. — Isso não vai dar certo.
Não vai. Eu deveria simplesmente sair daqui... e, quando estou
ponderando isso seriamente, uma voz me chama:
— Aoooo Dandara! — É Victor Albuquerque.
— Você pode atuar? — peço à Nicolas, segundos antes de
Victor aparecer diante de mim com Melinda e a tropa de elite inteira,
incluindo Enzo, Humberto e Lucca. — Nossa, que maravilha
encontrar vocês — digo séria. — Estou muito feliz em vê-los. Nosso
filho? — pergunto, olhando diretamente para Lucca.
— Nosso filho está no acampamento na sala dos meus pais
— explica. — Ele tem dormido no acampamento com os primos
desde ontem. Esperei ele dormir para que pudesse sair.
— Ah, legal. Estou feliz que ele esteja brincando com os
primos. — Sorrio. — Bom, não parece, mas estávamos indo dançar
— minto, ficando de pé. — À propósito esse é Nicolas, meu
namorado.
— Namorado? — Enzo pergunta, e eu me pego sorrindo.
Isso é tão embaraçoso, mas é engraçado. Há três dias estava
transando com Enzo na sala da minha casa.
— É recente — explico.
— Namorado? — Agora é Humberto, e eu arqueio as
sobrancelhas para os dois, que estão acompanhados por duas
garotas. — Ok.
— É um prazer conhecer todos vocês, espero que
possamos nos conhecer melhor no aniversário de Samuel. —
Nicolas sorri.
Por sorte ele parece ter notado o embaraço. Ele fica de pé,
se despede e me puxa para a pista de dança. É a primeira bola
dentro dele, graças a Deus. Eu odeio estar em meio ao povão, não
que eu tenha preconceito pela pista principal de uma boate, mas eu
prefiro uma área mais seleta, sem muitas pessoas esbarrando em
mim.
Quando Nicolas para de andar, ele se vira de frente para
mim e me dá uma pegada forte pela cintura.
— Eu vou quebrar seu braço — sussurro em seu ouvido.
— Abrace meu pescoço e comece a fingir se quiser que seu
plano seja bem-sucedido. Houve desconfiança ali, principalmente do
seu ex. Ele ficou me olhando avaliativamente enquanto você trocava
palavras com aquela mulher e com os dois caras. E, para sua
alegria, eles estão se aproximando, ficarão na pista, próximos a nós.
— Você está falando sério?
— Se quiser conferir, fique à vontade. — Ele morde minha
orelha direita e eu dou um gemido. Não vou pagar para ver. — Se
vamos mesmo fazer isso, acho melhor fazermos de uma forma
prazerosa para ambos.
— Não terminamos de conversar. Há muito a ser debatido.
Não sei se vamos fazer isso — informo, e ele beija a parte exposta
do meu ombro.
— Eles já sabem que eu sou seu namorado. Se surgir com
outra pessoa ficará estranho. Você perdeu essa, vossa excelência
— sussurra com a voz rouca. — Me beija — pede, e eu não penso
sequer uma vez.
Suas mãos agora tocam minha cintura e ele levanta um
pouco minha blusa, expondo parte das minhas costas. Eu o beijo
como se estivesse faminta e me pego puxando tão forte, como se
pudesse fazê-lo entrar dentro de mim. Isso foge de tudo que
planejei, me irrita, me desconserta..., mas é tão bom. A sensação de
vários sentimentos duelando dentro de mim, mostrando que estou
viva e repleta de força. Me sinto um vulcão prestes a entrar em
ebulição, quase sou capaz de sentir o sangue correndo forte pelo
meu corpo. Eu esqueço do universo enquanto me perco no beijo
desse garoto e em seus toques. Quando ele corre uma mão até
perto do meu sutiã, eu me sinto como um sorvete exposto ao sol,
derretendo. Sua mão está tão quente e tão firme, assim como a
protuberância grudada na minha intimidade. Esse é um tipo de
tesão que não sinto a muito tempo; aquele que arranca arrepios e
faz todo o corpo ficar ao extremo da sensibilidade.
Sentindo a necessidade louca de obter mais, me afasto
buscando a racionalidade.
— Eu acho que isso não vai dar certo.
— Por quê? — pergunta.
— Porque há química entre nós. Não devemos misturar
prazer com negócios, estou falando com a experiência de quem já
fez isso e se deu mal. Se continuarmos, eu não serei capaz de
manter isso apenas em beijos. Eu estou quase o arrastando para
qualquer canto e pedindo algo que eu não deveria pedir. Vamos
embora.
— Peça.
— Não.
— Já desvendei você — diz sorrindo. — Mas vou jogar o
jogo conforme você quer. — Ele segura minha mão e assim que me
viro dou de cara com Lucca e o restante da turma. Não sei se fico
com vergonha ou satisfeita. Eles acabaram de presenciar algo
quente e isso foge da minha pretensão inicial.
De qualquer forma, mantenho minha cabeça erguida e deixo
Nicolas me guiar pela boate rumo a saída. Pagamos nosso
consumo e seguimos pelo estacionamento. Por obra do destino a
moto dele está bem próxima ao meu carro.
— Me dê seu telefone — pede, assim que paro diante do
meu carro.
— Para?
— Quero anotar meu número e pegar o seu.
— Não quero seu número — afirmo, ele sorri, vira as costas
e se vai. — Ok... me desculpe, me dê seu número. Eu só estava...
— Malditas palavras que saíram da minha boca! Eu deveria me dar
um soco agora.
— Brincando? — pergunta, subindo na moto. — É uma pena
que eu não goste de brincar. Aliás, até gosto, mas apenas com
crianças. Samuel gostaria de mim.
— Me dê seu número.
— Faltou algo aí nesse pedido.
— Por favor, me dê seu número — peço, e ele sorri.
— Não quero. Foi excelente conhecê-la, vossa excelência.
Melhore sua pegada. — Ele pisca um olho, coloca o capacete e
acelera.
DANDARA
O ódio e a frustração me deixam cega. Entro em meu carro
e acelero, fazendo uma nuvem de poeira se levantar atrás de mim.
Eu vejo a maldita moto na minha frente e acelero, o imbecil acelera
mais rápido e some. Eu soco o volante repetidas vezes, revoltada.
Por um lado, é bom que ele tenha sumido ou eu perderia a
compostura. Iria mesmo.
Entro em casa e a primeira coisa que faço é ir até a cozinha
pegar alguns pratos. Eu volto para a área externa e jogo um por um
na parede, vendo cacos voarem por todos os lados. Aquele
idiotaaa... Ele vai me pagar muito caro, com juros e correções
monetárias. Agora é questão de honra! Vou encontrá-lo ou não me
chamo Dandara Farai. E, quando o encontro acontecer, eu vou... eu
nem sei o que vou, mas farei algo, certamente.
— DESGRAÇADO!!! CRETINOOO!!! MOLEQUEEE!!! —
grito revoltada e entro, batendo a porta atrás de mim.
Pego meu computador, entro no maldito site e o canalha
está off-line. Leva tudo de mim para não enviar uma mensagem
amaldiçoando até a próxima encarnação dele. Uma ideia surge, mas
levando em conta que estou tentando mudar, decido não usar minha
influência e meu poder para descobrir dados pessoais do cidadão.
Seria fácil conseguir o telefone dele, só que isso faria o ego dele
atingir proporções gigantescas.
Ok, o que diabos ele importa? Estou perdendo minha mente!
É só um moleque insignificante atrás de dinheiro de mulheres ricas!
Só queria um acompanhante... e irei conseguir.
Tomo um banho frio, me ajeito na cama e fico olhando para
o teto. Me sinto em uma completa loucura de sentimentos: ódio por
Nicolas, dor por Lucca, inveja de Paula, nostalgia pela parte boa do
meu passado. Descontrolada é como eu me sinto agora. Ao menos
tenho a compreensão que preciso diminuir o ritmo e botar a mente
no lugar. É como se a cada momento eu me sentisse mais fodida,
arrumando mais confusão para a minha própria vida.
Fico quieta; primeiro me perco em lembranças, mas aos
poucos os pensamentos vão dissipando até não sobrar nenhum.
Consigo dormir após muita luta.
DANDARA
— Dandara, querida, a consulta está acontecendo há exatos
doze minutos e você está calada, com esses óculos gigantes em
seu rosto, parecendo estar em outro planeta. Pode me dizer o que
foi que você fez dessa vez?
— Sexo — digo.
— Ok. Sexo é bom, não é mesmo?
— Eu daria nota 6 para o sexo que fiz. 6 pela performance,
porque ele é realmente inexperiente e estava muito sensível a mim,
mas daria nota máxima para a intensidade. Daria zero para o pós-
sexo, onde arruinei tudo. É o que faço de melhor, minha
especialidade. Não consigo vislumbrar uma vida onde eu consiga
conduzir todas as coisas sem arruiná-las com tempo.
— O que fez e com quem fez?
— Nicolas, o novinho. O procurei, sugeri uma aproximação.
Estou confusa com tudo que ele desperta em mim, mesmo com a
pouca idade e pouco tempo. Ele preenche uma parte de mim que
está carente de algo verdadeiro. Ele preenche porque é de verdade,
entende? Ele não se esconde, não se intimida, não tem vergonha de
se mostrar. Preenche minhas mentiras com sua verdade, mas
então... eu amo Lucca, não é?
— Eu acho que você está caminhando para deixar de amá-
lo e está com medo da carência que a falta desse sentimento pode
trazer. Acho que se acostumou com o sentimento, Dandara. Se
acostumou tanto, que permitiu que esse sentimento se apossasse
de você, fizesse parte de quem é e dominasse sua vida. Imagine
como se estivesse segurando uma corda de apoio. O que
aconteceria se a soltasse?
— Cairia.
— É isso. Mas, nem sempre a queda vai te levar para o
abismo, minha querida. Imagina se você solta a corda e cai em uma
cama elástica que vai impulsioná-la a ir além? Não precisa ter medo
de soltar a corda. No seu caso, é mais que necessário soltá-la.
Precisa fazer isso para seguir em frente.
— Mas se eu soltar a corda, eu vou abrir mão da única
pessoa que eu já possuí na vida — digo, começando a chorar. —
Quem eu irei amar? Quem vai estar por mim?
— A corda que está segurando já perdeu a força, Dandara.
Lucca seguiu com a vida dele. Você não o possui mais, mesmo que
saibamos que sempre que precisar ele estará aí para você. Ele
estará, mas em outra perspectiva. Uma perspectiva que jamais vai
preencher o vazio que sente.
— O que eu faço com um garoto de vinte e um anos,
doutora? É errado, não é? Porque veja só, tenho trinta e sete anos,
um filho, não sou jovem. Minha tendência agora é apenas
envelhecer, enquanto Nicolas está no auge da juventude, cercado
por mulheres mais novas, menos complicadas, que não possuem
uma bagagem. Ele vai enjoar de mim. Sou interessante por ser uma
experiência nova para ela, mas logo deixarei de ser. Vou me apegar
a ele, porque ele é tão fácil de se apegar, doutora. A senhora não
faz ideia de como ele parece desnudar a minha alma e preencher
todas as lacunas, e isso com pouca convivência, imagine com
muita? — Retiro meus óculos, abaixo minha cabeça e deixo as
lágrimas rolarem. — E se eu não for o suficiente?
— Da mesma maneira que você vai envelhecer, ele também
irá. Ou você acha que ele terá vinte e um anos para sempre? Você
está cometendo o mesmo defeito que cometeu com Lucca.
— Qual deles?
— Tomar frente da situação sem permitir que a pessoa
tenha opinião própria. Você simplesmente decide as coisas da forma
como quer e ignora todo o restante. Foi por isso que perdeu Lucca,
e será por isso que vai perder Nicolas. — Rio entre lágrimas.
— Eu nem possuo Nicolas, então nada que eu disse faz o
menor sentido. Íamos começar a trepar e ele seria meu namorado
falso. E só.
— Só porque você quer se enganar e não quer assumir que
um homem mais jovem foi capaz de mexer com você. É difícil
encarar isso? Por quê? Por que te tira da zona de conforto? Ou por
que parece ser humilhante namorar com um garotão? Tente
encontrar essas respostas.
— Porque me tira da zona de conforto e porque tenho medo
de ser trocada por uma garota mais jovem. Tenho medo de ser
tempestiva demais para um homem que pode ser tão doce quanto é
possível. Tenho medo de me apegar a ele e... acabar. Não quero
mais sofrer por amor, porque é a pior sensação do mundo.
— E por isso vai deixar de correr riscos? Onde está a
Dandara desafiadora e filha de uma boa mãe? Aquela Dandara
maluca nem sempre está errada, sabia? Ela tem uma garra
admirável, atropela o mundo quando quer algo, não cede ao medo,
nunca, vai e busca o que quer. Vamos ser bem sinceras? Quem não
queria um jovem cheio de testosterona e fogo? Misericórdia, você
não faz ideia de quantas vezes eu já quis separar do meu marido só
para pegar um novinho cheio de gás. Não é todo dia que aparece
uma benção dessa na vida. Foda-se Lucca, Dandara.
— Você sabe que é uma psicóloga?
— Sei, mas foda-se isso também. Taque o foda-se e vai
pegar o novinho cheio de fogo. Medo? O medo rouba sonhos e
oportunidades. Tudo o que você quer e precisa estar do outro lado
do medo. Pense nisso. Talvez ele seja o cara que vai amar o seu
desarrumado. — Ela me dá uma ideia e eu nem penso. Essa
psicóloga não é normal, eu acho que ela pode vir a ser mais louca
que eu. Apenas coloco meus óculos, pego minha bolsa e, mais uma
vez, para variar, saio do consultório como um tornado.
Eu me pego indo ao fórum e volto a sentir o poder quando
vejo que ainda sou respeitada aqui. Pessoas se levantam e me
cumprimentam discretamente enquanto caminho apressada.
— Meritíssima, é uma honra tê-la de volta — uma
funcionária que não me lembro o nome diz simpática.
— Obrigada, por favor, preciso do doutor Mauro. Ele ainda
está por aqui?
— Sim, senhora. Na mesma sala — informa, e eu caminho
decidida.
Doutor Mauro é um advogado especializado em arbitragem,
mas isso não tem absolutamente nada a ver com o meu caso. Estou
indo até ele porque ele tem bons contatos e sempre consegue os
melhores investigadores.
Nicolas não atende minhas ligações por meio convencional.
Eu vou encontrá-lo por meios não convencionais.
— Doutor Mauro.
— Uau! Meritíssima! É uma enorme honra!
— Muito bom revê-lo, mas vamos deixar para conversar
depois. Preciso que encontre uma pessoa, para ontem.
Doutora Rovena vai apoiar essa loucura? Alguém deveria
me impedir. Vamos à busca ao meu modo. Tropa de Elite é fichinha
para mim!
DANDARA
— Alguma novidade? — pergunto, tamborilando meus
dedos na mesa.
— Só tem três minutos que ele começou a fazer buscas,
meritíssima — doutor Mauro diz para a minha irritação.
— Há algo aqui — o investigador comenta. — Ele está para
ser aceito para a melhor vaga de estágio aqui no fórum. — Há ele e
um outro garoto disputando a vaga. Pelo que parece o histórico dele
é excelente.
— Imprima o perfil dele e o perfil do outro concorrente, por
favor. Vou retomar os trabalhos a partir de segunda-feira, tenho
certeza de que minha opinião irá contribuir para a escolha.
— Não é justo se a senhora tem algum envolvimento de
qualquer espécie que seja com o garoto — o investigador diz, e o
encaro com um semblante não muito bom.
— Serei justa em minha análise. Vamos, imprima e me dê.
— Duas folhas saem pela impressora e eu me levanto para pegá-
las. Comparo o perfil dos dois, notas, pretensões, área em que
querem atuar, tudo descrito detalhadamente nas folhas. O perfil do
outro garoto é bom, mas o do Nico... é perfeito e pode ser
comprovado por outras pessoas. — Verifique, doutor Mauro, diga-
me qual dos dois merece mais preencher essa vaga. Eu voto em
Nicolas porque, conforme descrito aí, o propósito dele é se tornar
um juiz. Sinto que posso ser mentora dele nisso.
— Mas, meritíssima, desculpe-me ser um pouco invasivo, a
senhora sempre detestou estagiários. Como dizia mesmo? "Não
tenho paciência para iniciantes".
— Sim, doutor Mauro, o senhor está correto. Mas, coisas
aconteceram em minha vida nos três últimos anos e percebi que
preciso de uma mudança comportamental. É por isso que estou
disposta a mentorar estagiários a partir de agora.
— Seu retorno estava anunciado para daqui um mês —
argumenta.
— Me sinto pronta para retornar na próxima semana e, com
todo respeito, doutor Mauro, as minhas decisões não são da sua
maldita conta. — Sorrio. — Agora, por gentileza, analise os perfis e
me diga se estou errada em relação ao aluno Nicolas.
— Ao aluno que está investigando. — Ele sorri. — Não,
meritíssima, a senhora não está errada.
— É o que é. Por isso irei no setor responsável dar minha
simbólica opinião. Agora já tenho o perfil acadêmico dele, sei a
universidade que estuda e o endereço onde ele reside. Acho que
tenho tudo o que preciso. Agradeço a ajuda dos dois e peço sigilo.
Não quero que tenhamos problemas futuros. — Pego minha bolsa,
pego a folha da mão de Mauro e dou um sorriso. — Obrigada pela
ajuda.
Ainda consigo ouvir doutor Mauro dizer:
— As portas do inferno se abrirão na próxima semana. Ela
está voltando.
Eu deveria voltar e brigar, mas, ao contrário disso, apenas
sorrio. Ele está com a razão.
Quando chego em casa, jogo meus sapatos longe, prendo
meus cabelos, pego meu notebook e vou em busca de todas as
informações sobre a faculdade de Nicolas. Pelo Google Maps, vejo
todas as imagens da rua e começo a rir ao perceber que estou
agindo como uma perseguidora.
Suspiro, bebo um pouco de água e tento novamente fazer
as coisas da maneira convencional. A cada ligação que Nicolas
ignora, meu nível de irritação aumenta. Me pego jogando o copo na
parede e chorando como uma criança pirracenta.
Estou com ódio de tudo agora e não sei lidar comigo
mesma. Não há nada pior que angústia de se sentir impotente. John
Lennon uma vez disse a seguinte frase: "A insegurança e a
frustração levam o homem à violência e à guerra". E é exatamente
essa a minha vontade, de simplesmente me armar de coragem e ir
guerrear. Não é possível que um garoto dezesseis anos mais jovem
está virando meu mundo do avesso. Ok, não é como se a minha
vida tivesse toda ajustada, mas parece apenas que desde que
Nicolas surgiu o que estava um caos, piorou, ganhou maior
proporção.
Estou tão cansada de me sentir assim. Cansada de saber
que eu sou a principal responsável por todo o caos. E é por isso que
preciso resolver. Preciso tentar consertar ao menos o que está ao
meu alcance.
Decido tomar banho e, assim que termino, visto uma roupa
qualquer e ignoro meu estômago protestando em fome. Desprovida
de vaidade e orgulho, vestida de uma maneira que jamais saí de
casa, me pego entrando no carro e indo até a faculdade. Acho que
nunca saí de calça de moletom e tênis, nunca saí com os cabelos
presos em um coque muito malfeito e bagunçado.
Passo em frente a faculdade e vejo centenas de carros
estacionados, por sorte encontro uma vaga bem próxima à entrada
e estaciono. Daqui visualizo a BMW de Nico e fico atenta. Isso é tão
ridículo que beira ao absurdo. Não sei nem dizer quanto tempo fico
trancada no carro até que os alunos começam a sair no final da
aula.
Nicolas no mínimo é daqueles quase nerds, porque é um
dos últimos a sair. A questão é que ele não está sozinho. Há uma
mulher morena ao lado dele, sorrindo amplamente. Isso me faz
apertar o volante.
Ele abre a porta do carro para ela entrar e dá a volta. Eu ligo
meu carro e decido segui-los, porque mente vazia é oficina do
diabo. Nunca fiz nada desse porte, nem estou na idade de agir
como uma louca. Mas eu faço, mesmo com a razão gritando
milhões de palavras desagradáveis em minha mente.
A velocidade que ele está dirigindo é quase irritante. Está a
70km/h e isso está quase me dando sono. O trajeto é curto. Ele para
diante de um condomínio, deixa o pisca alerta ligado e desce para
abrir a porta para a mulher.
— Desgraçado! Babaca! Como ele pode abrir a porta
assim? — falo sozinha, e o vejo dando dois beijos nela, um em cada
bochecha. A "princesa" fica o observando partir, ostentando um
sorriso. Enquanto é isso eu grito internamente e volto a seguir o
engraçadinho. Ele agora dirige mais rápido e eu vou acelerando
atrás. Acho estranho quando ele vai para um caminho deserto, pela
orla. Ele está indo sentido Grumari, no auge da escuridão. Só há
nós dois nessa estrada, é meio assustador. Estou tensa o bastante
para gritar quando ele freia de repente, me pegando de surpresa. Eu
não consigo frear a tempo e meu carro se choca na traseira dele
com uma certa violência que faz minha testa bater no volante. — Oh
meu Deus! Agora fodeu muito!!! — digo, e ouço batidas na janela.
Preciso encarar um ser humano que está com cara de assassino
agora. Aperto o botão e o vidro desce. — Olá!
— VOCÊ É MALUCA??? — Seu grito ecoa pela estrada
deserta. — Eu juro que não te entendo, Dandara, juro! — diz,
chutando o pneu do carro. — Tem ideia do que fez??? Estava
divertido testar sua coragem, mas me seguir por uma estrada
deserta, correndo risco de ser assaltada? Deixou de ser divertido.
— Há uma arma no meu carro.
— Por que está me seguindo? Você bateu em meu carro e
sua testa está sangrando. Tem ideia da merda que está fazendo?
— Eu preciso falar com você e você simplesmente rejeita
todas as ligações, ignora todas as mensagens — digo, e ele suspira
demonstrando uma tremenda insatisfação.
— Já pensou que não quero falar com você? — Lágrimas
queimam em meus olhos, mas me recuso a chorar. Não vou chorar
nem fodendo! — Se é sobre a festa do seu filho, eu irei. Não precisa
se preocupar, vou cumprir o que prometi. Basta me passar o horário
e local, ou talvez seja interessante chegarmos juntos. Sei que todos
nos viram juntos e que agora não faz sentido você surgir com outro
homem. Irei ajudá-la.
— Não precisa me ajudar. Irei sozinha ou inventarei uma
doença qualquer. Não é sobre a festa do meu filho.
— É capaz de não aparecer na festa do seu próprio filho? —
pergunta.
— Sim. Sou capaz. Não ir em uma festa onde só há um lado
da família do meu filho não significa que eu não o ame e seja capaz
de qualquer coisa por ele. Tenho certeza que ele quer ver a mãe
feliz e ir nessa festa talvez não me deixe feliz. Eu posso comemorar
sozinha com ele, como fizemos nos dois primeiros anos.
— O que quer comigo então?
— Vamos conversar numa estrada deserta? — questiono,
sentindo um pouco de sangue escorrer pelo meu rosto. Abro o porta
luvas em busca de algo para limpar, mas não há nada. — Teria algo
para limpar meu rosto?
— Você é impressionante! — diz, tirando a blusa. Ele se
aproxima mais da janela e pressiona o tecido em minha testa.
— Podemos conversar?
— Você não vai me dar sossego, não é mesmo?
— Não — confirmo, e ele solta um som abafado.
— Você destruiu a frente do seu carro e a traseira do meu.
— Pagarei pelos danos. — Ele fica me encarando um longo
tempo e se afasta, deixando a blusa cair. A pego e volto a
pressioná-la em minha testa.
Nem vejo ele dando a volta e entrando no meu carro, se
acomodando no banco do carona.
— O que quer tanto conversar comigo? Foram mais de 200
ligações — pergunta, e eu me viro de lado, para olhá-lo. — Espero
mesmo que tenha uma arma.
— Tenho. Você está seguro.
— Não sei não. Acho que estaria mais seguro na mira de
um bandido. — Quase rio dessa piadinha, mas não há muita graça.
— Me desculpe. Eu não queria ter dito todas aquelas coisas,
não queria ter sido tão rude e grosseira.
— Não queria? Então por que fez? Não existe essa de "não
queria", Dandara. Só fazemos o que queremos. E, naquele
momento, você fez exatamente o que quis. Eu entenderia melhor se
não tivéssemos tido uma conversa tão legal horas antes, que
inclusive foi proposta por você. Mas, tivemos uma boa conversa,
pontuamos muitas coisas, estávamos meio que conectados. Confiei
em você, em suas palavras. Foi um grande erro, porque fui
descartado como se fosse insignificante e acreditei em todas as
suas palavras.
— Não é insignificante e nem o que tivemos foi
insignificante.
— Não foi o que pareceu.
— Eu só me assustei. Talvez seja difícil para você
compreender toda a complexidade que se passa na minha mente,
mas o fato de ser bem mais jovem e ter me tocado de uma maneira
marcante me assustou. — E assim começo a desabafar como se
estivesse em um divã.
— Você me disse ter sofrido preconceitos na infância e
adolescência. Acho que deveria ter aprendido que preconceito é
algo que não deveria possuir. Você provou disso e sabe melhor que
muitas pessoas os danos que isso causa — argumenta. — Está
sendo preconceituosa em relação a nossa diferença de idade.
— Talvez. Mas, não é apenas isso. Não é apenas
preconceito, é insegurança. Eu estraguei tudo na minha vida, perdi e
magoei pessoas importantes, vivi uma grande mentira por tantos
anos e controlava tudo; ou ao menos achava que controlava. Sofrer
perdas me fez enxergar que eu não estou e nunca estive no controle
da minha própria vida. Isso é algo que estou aprendendo, estou
tendo que conviver e superar. Eu ainda tenho a péssima mania de
querer controlar tudo ao meu modo, porque na minha mente o
controle me traz segurança. Mas, que patético, eu não estou segura
de nada e nem mesmo blindada contra novos sentimentos. Achei
que te mandando embora, que apontando um lugar para você,
estaria no controle dessa coisa entre nós. Mas não há como
controlar e como conter o que é inevitável. Nessa de tentar
controlar, eu me descontrolei e magoei você. Sinto muito, Nico.
Sinto muito, de verdade. Estou assustada e com medo.
— Medo de quê?
— De tudo, principalmente de não ser o suficiente. — Eu
acho que nunca fui tão sincera em toda a minha vida. Há algo sobre
ele que me faz sentir confortável o bastante para me abrir.
— Você nunca será suficiente, Dandara. Nunca. Para mim
ou para qualquer outra pessoa. Está alguns degraus acima do que é
suficiente — diz, limpando minhas lágrimas. — Está passando por
uma fase difícil, por uma transição, muitas mudanças estão
acontecendo em sua vida, não é? Está com medo das mudanças,
porque elas são diferentes de tudo que estava acostumada. O novo
assusta pra caralho, eu sei bem disso. Essa insegurança não
combina com você. E, também, não me parece possuir o perfil de
quem não gosta de se arriscar. Estou enganado?
— Não. Na verdade, sempre fui aventureira o bastante,
tanto que não deu certo — digo com pesar. — Eu cansei de me
arriscar, Nico. Não quero mais correr riscos. Todas as minhas
aventuras tiveram um final trágico, e eu quero proteção, segurança.
— Eu sempre preferi proteção e segurança, mas não tenho
medo de me arriscar. Acho desafiador e um ato de coragem correr
riscos.
— É admirável. Eu também pensava assim tempos atrás.
Ainda é jovem e há tantas experiências pela frente, tantas
oportunidades para se arriscar. — Ele dá um sorriso fraco. — Não
quer novas experiências?
— Ainda quer que eu a ajude com a operação aniversário?
— questiona desconversando.
— Aquela noite mexeu comigo de uma maneira inesperada.
Me assustei, tive medo de permitir que ficasse. Porém, nunca quis
colocar um ponto final. Na verdade, quis muito mais, mas não soube
usar as palavras e deixei todos os receios levarem a melhor. Me
assustei com tudo o que me fez sentir, com a sua entrega, com sua
confiança, sua verdade e como todas essas coisas unidas
despertaram algo diferente em mim. Não queria afastá-lo por
completo, preciso que acredite em mim. Só queria me manter numa
situação em que estava no controle, onde estava protegendo meus
sentimentos, mantendo-os seguros. Então surgiu todas as
inseguranças por ser mais velha, por achar que um envolvimento
com você anularia sua vida, porque não sou uma mulher de meios
termos, e não acho que deva desperdiçar o auge da sua juventude...
— Pare! — Ele me impede de prosseguir. — Eu entendi bem
até a parte sobre proteger os seus sentimentos. É compreensível,
aliás. Só que depois daí, quando você começa com o lance de
querer dizer o que é certo para a minha vida, você perde toda a
razão. Gostaria de ter pessoas tomando decisões por você?
— Não, de forma alguma.
— Eu odeio que tomem decisões por mim e não vou permitir
que você faça isso. Não tem esse direito, não pode decidir o que é
melhor para as demais pessoas, apenas para si mesma. O que você
acha que tenho que fazer é muito diferente do que o que eu quero
fazer. Não vá por esse caminho. Eu quis você, quis o sexo, quis
mais que o sexo, e não há nada sobre juventude envolvido nisso. A
diferença de idade deixou de fazer parte naquele momento e nem
mesmo deveria ser um problema. O futuro não pode ser conduzido
e decidido de acordo com o que você acha certo.
— Entendo isso agora. Inclusive conversei sobre com a
minha terapeuta. É um erro que preciso corrigir e é por isso que
estou aqui. Pode me perdoar? — Ele suspira profundamente e
desvia o olhar do meu.
— Posso perdoá-la, mas não posso me envolver com você
mais. Não sei impedir que os sentimentos cresçam, não sei
transformar momentos incríveis em detalhes insignificantes, não sei
não me apaixonar por você, não sei não me envolver com você, não
quero sofrer ou ser vítima de ter um coração partido. Se
continuarmos, eu vou me apaixonar, já estou me apaixonando com
pouca convivência. Eu posso ser seu amigo, posso ser o garoto que
queria contratar para levar à festa, posso ser sua mentira. Mas, se
seguirmos transando, tendo mais intimidade do que deveríamos, eu
vou querer ser a sua verdade. Você não se está preparada para me
dar isso.
Engulo a seco e deito minha cabeça no banco,
completamente perdida. Ele é um garoto diferenciado, há nele
valores que poucos homens possuem. Ele não banaliza o sexo, tão
pouco um envolvimento que poderia ser casual. Leva tudo muito à
sério e não tem medo de sentir, de mergulhar de cabeça.
— Vá para casa, vossa excelência! — fala, pegando minha
mão e depositando um beijo sobre ela. — Não deixe de ir ao
aniversário do seu filho por medo. Irei com você, serei o que precisa
que eu seja.
— Seja o meu...
— Seja o seu? — pergunta, e eu não consigo completar a
frase. Não consigo. Estou no auge da confusão interna. — Ok. Vá
para casa. Irei segui-la até sair da zona de perigo — informa,
abrindo a porta e descendo.
— Sua camisa.
— Fique. Ainda há um pouco de sangue. Me ligue se ainda
precisa da minha ajuda, ok? — Ele se vai e eu não tenho alternativa
senão ir também.
Conduzo lentamente, com os olhos nublados em lágrimas.
Nem mesmo quis ver o estrago do meu carro ou do carro dele,
amanhã cuidarei disso. Me sinto tão confusa e perdida, me pego
parando diante de um lugar que eu não deveria ir.
Minha entrada é liberada e eu subo de elevador até a
cobertura. Lucca me recebe com cara de quem estava dormindo e
eu, portando a camisa de Nicolas na mão, simplesmente o abraço,
liberando o choro.
— O que houve? Se acalme. Está machucada. O que
aconteceu? — pergunta, sustentando meu corpo e me carregando
até o sofá.
— Estou com medo. Ninguém mais no mundo conseguiria
me entender, só você. É por isso que estou aqui, me desculpe por
isso também. Eu faço tudo errado, mas só você vai me entender.
— Medo de quê? Eu vou ajudá-la, apenas pare de chorar.
Está segura. Vou protegê-la. Alguém está te perseguindo?
— Estou com medo de deixar de te amar.
DANDARA
Posso sentir Lucca travando uma guerra com as palavras
que acabei de dizer, mas sei que ele é sábio e que saberá me
compreender.
— Me explique isso melhor. Não estou conseguindo
entender bem. Quer um pouco de água? — indaga preocupado.
— Sim, por favor. — Ele vai buscar um pouco de água e eu
a bebo rapidamente, assustada com o próprio tremor do meu corpo.
Por que estou me sentindo assim?
— Como machucou a testa? — questiona com a testa
franzida, me observando atenciosamente.
— Bati com força no carro de Nicolas.
— Nicolas? Seu namorado? — Eu quase rio disso. Nicolas
meu namorado... Nicolas é mais uma das minhas mentiras e eu
simplesmente cansei de mentir, mas preciso esperar o momento
ideal para revelar a verdade.
— Sim.
— Ele fez mal a você? O que está havendo? Preciso ir socá-
lo? — Como Lucca consegue ser assim? Mesmo com todas as
merdas que fiz, ele permanece com as mãos estendidas para mim.
Eu jamais conseguiria ser tão generosa como ele.
— Não. Ele não fez mal algum a mim, muito pelo contrário.
Fiz mal a ele. — Vejo algum tipo de emoção passar pelo seu rosto, e
compreendo. — Para variar, não é mesmo?
— Eu não ia dizer nada — diz, levantando as minhas mãos.
Um sorriso fraco cresce em meu rosto.
— É, você é um cavalheiro.
— Me conte o que está havendo — pede, e eu decido me
abrir por completo. Preciso dessa conversa, muito.
— Estou com medo de deixar de te amar — repito,
encarando-o fixamente.
— Por quê?
— Porque sinto que não me restará nada. Se esse
sentimento se for, o que vai restar?
— Você pode transformar esse amor em um outro tipo de
amor. — Eu adoro sua compreensão e sua capacidade de me
entender. — Dandara, posso ser bastante sincero com você? Não
quero que se sinta mal, então, se não quer minha sinceridade basta
dizer e eu me manterei calado.
— Por favor, diga.
— Você não me ama. Eu amei você, mas não recebi esse
amor de volta. Não estou diminuindo seus sentimentos, nem nada
do tipo, mas eu amei por nós dois, muito. Eu sofri como um
desgraçado durante dois anos, corri atrás de encontrá-la,
investiguei, eu te procurei como um dependente. Foi muito difícil
para mim viver sem você, muito. Para você foi fácil. — Eu o amei
muito, e sei que ele nunca irá acreditar, mas eu o amei e talvez
ainda o ame. Não sei. Há tanta confusão em mim.
— Não foi fácil.
— Foi fácil — afirma. — Acho que você sentiu a culpa por
ter ido, sentiu solidão, e sofreu porque eu tentava suprir toda essa
sua carência, eu preenchia os espaços vazios, te dava todo o meu
amor. Se você me amasse, não suportaria a distância por tanto
tempo, não suportaria, Dandara. Eu não suportei, quis morrer só
para parar de doer. — É tão ruim ouvi-lo dizer o quanto sofreu por
mim, faz meu coração ficar apertado. — Eu vivi dois anos de bebida
e sexo para tentar fazer parar de doer. Você estava bem com o
nosso filho, o protegendo. Poderia ter escolhido me proteger
também, sabe disso. Sabe que eu teria deixado tudo e teria lutado
junto com você. Se você me amasse nós estaríamos juntos hoje. O
que acontece com você, na minha humilde opinião, é que talvez eu
tenha sido o único cara que te deu toda a verdade, que se entregou,
que quis te dar o mundo. E é por isso que você acha que me ama.
Você sente falta do que eu te dava, mas não necessariamente me
ama. Está apenas carente. Acredito que tenha sim gostado de mim,
muito, mas não acredito que tenha me amado. — Quero argumentar
e dizer tudo sobre os meus sentimentos, mas isso nos levaria para
uma outra conversa; uma que tornaria as coisas mais complicadas.
Quero evitar de ficar dizendo que o amo, quero evitar os velhos
costumes.
— E como conseguiu superar? — pergunto. — Dizem que o
amor só se vive uma vez.
— Dizem um monte de coisas que não fazem o menor
sentido. — É verdade, até balanço minha cabeça em concordância.
Há tantas coisas que as pessoas levam a ferro e fogo que não
fazem o menor sentido. Acredito que podemos amar novamente, se
estivermos dispostos, é claro. — Encontrei Paula num saguão de
hotel em Las Vegas. Já estava caminhando para te tirar do sistema,
a única coisa que sentia era uma mágoa tremenda, mas não te
amava mais. O amor que eu sentia foi sofrendo mudanças, foi se
acabando com o tempo, mas a mágoa nunca mudou. Então conheci
a Paula de uma maneira muito inusitada e ela me cativou. Eu entrei
de cabeça, sem medo de ter meu coração despedaço mais uma
vez. Me abri, permiti que ela entrasse, mergulhei de cabeça e a
amo. A amo porque me permiti amar novamente, a amo porque eu
quis amar, a amo muito e ela retribui. A reciprocidade faz o
sentimento fortalecer a cada dia, Dandara. Sem reciprocidade, tudo
acaba.
— Ela é uma mulher incrível, não é mesmo?
— Ela é. — Ele sorri. — Mas você também é, e talvez seja
isso que esteja faltando em sua vida. Enxergar que é uma mulher
incrível e se abrir à possibilidade de um novo amor, sem medo. Você
não tem medo de deixar de me amar, você tem medo de se
desprender de algo que supria sua carência. Você não me ama de
verdade, você se apegou a essa crença porque ela te mantém
segurando em algo, entende? Você deve pensar que se libertar
disso vai deixá-la vazia, mas não vai. Vai apenas deixá-la livre para
se aventurar novamente. Eu só consegui quando soltei o nó que me
prendia a você. É o que precisa fazer também. Nos conhecemos
numa fase em que estava vulnerável, mergulhada no sofrimento, fui
a sua luz naquele momento e você se apegou a isso.
— Nicolas tem vinte e um anos. — Mais uma vez vejo a
surpresa em seu rosto.
— É esse o problema?
— Também — confesso. — Eu tenho trinta e sete, Lucca.
Ele tem uma vida inteira pela frente, e é um homem incrível. Sou
carente.
— Eu sei. Mas, o que Nicolas quer? Já perguntou isso a
ele? Sua opinião não deve ser a única a ser levada em conta. Tem
essa mania péssima de tomar decisões sozinha. Precisa aprender a
levar em consideração a opinião das demais pessoas. Já conversou
com ele?
— Nossa situação não é o que parece ser. — Doutora
Rovena amaria Lucca, merda. — E eu não sou capaz de te contar,
porque é algo absurdo e tem ligação com você.
— Não vou achar ridículo — afirma, me passando
segurança para seguir com a conversa. É o momento ideal para
revelar o que fiz. — Principalmente vindo da mestra da
impulsividade. Pode me dizer. Quero ser seu amigo.
— Eu... quis contratá-lo para ser meu acompanhante no
aniversário de Samuel. — Agora ele está verdadeiramente chocado
e, por algum motivo, eu quero rir.
— Uow!
— Eu não queria ir sozinha. Há você e Barbie, toda a sua
família. Como eu ficaria naquela situação? É algo difícil para mim,
por isso entrei em um site de sugar mommy, como Victor fez.
— Meu Deus! É real?
— É. Mas, ele não aceitou ser contratado. Ele não estava no
site para ganhar dinheiro, e sim para se aventurar com uma mulher
mais velha. Ele é maduro o bastante, mais que você se quer saber.
— Não é difícil ser mais maduro que eu — diz rindo, mas eu
sei que ele é maduro, por mais que leve a vida com a leveza de uma
criança. Quando Lucca precisa ser maduro, chega a dar medo. —
Eu levo a vida como um adolescente, sou maduro apenas quando é
extremamente necessário.
— É, como seu pai. — Sorrio constatando um fato. Lucca é
Matheus, por completo. Se parecem até fisicamente. — Vocês são
idênticos.
— É o que dizem.
— Então, nós saímos, mas... eu não esperava química
alguma. Só queria mesmo contratá-lo para fingir ser meu namorado.
Surpreendentemente, contrariando todas as leis, o garoto prometeu
que desgraçaria minha vida com um sorriso e virou um tormento.
— Aooo... hein? — Aooo, que saudade de ouvir isso. Quase
me pego rindo. — O que fará meritíssima digníssima
maravilhosíssima? Está me dizendo que o novinho te laçou?
— Não. — Definitivamente Nicolas não me laçou!
— Sim.
— Não estou. — Não estou o quê? Nem sei o que estou
falando mais.
— É por isso que está chorando e vivendo esse martírio. É
incapaz de dar o braço torcer. — A repreensão vem forte. — Pare
de ser assim. Não há vergonha em se entregar e assumir. Quanto
quer o garoto? — Talvez eu nem queira e seja apenas fogo.
Aquele sorriso.
É um sorriso digno mesmo.
E aquele corpo?
Nicolas é quente.
A inexperiência dele me deixa louca de tesão.
Talvez eu o queira. É isso. Quero. Nu de preferência. Quero
muito Nicolas nu. Ou apenas sorrindo. Nicolas sorrindo é uma
imagem a ser gravada na mente. Eu o manteria em cárcere privado,
com certeza. Seria professora com muito prazer, mesmo não tenho
paciência para principiantes. Ensinaria ele o Kama Sutra e tudo que
gosto na cama.
Que perdida, Dandara!
— Quero.
— Quanto.
— Eu o quero, isso basta. — Lucca agora está rindo e eu o
acompanho. Não posso acreditar que estou tendo uma conversa
desse porte com o meu ex.
— Pobrezinho. Tão jovem... — brinca, e eu paro de rir. —
Talvez eu deva conhecê-lo e dar uns conselhos.
— Não há graça, Lucca — repreendo, mas quero rir junto.
Estou lembrando da avó de Lucca neste momento. Queria ser igual
a ela. Vida louca. Acho que estou no caminho, mas minha loucura é
diferenciada.
— Há sim. — Ele sorri. — Não cometa os mesmos erros que
cometeu comigo. Tente ouvi-lo, pergunte, leve a opinião dele em
consideração. Se houver reciprocidade, mergulhe de cabeça. Se
não houver, você é linda pra caralho e tudo o que mais existe são
homens torcendo por uma chance. Ainda é jovem e há toda uma
vida pela frente. Faça diferente dessa vez.
— Ele não quer mais.
— Quer sim. — Como ele pode afirmar? Diabo! — Talvez
ele esteja assustado, como você também está. Um garoto de vinte e
um anos encontra um mulherão como você, como acha que ele se
sente, Dandara? Já parou para pensar nisso? Eu era mais velho
que ele e fiquei perdido quando te conheci. — E o perdi porque sou
idiota. — Pense nisso. Ele deve estar receoso, principalmente
porque sabe que tudo começou por conta de uma espécie de
contrato que tem relação direta com o seu ex. Na mente dele, você
me ama.
— Talvez seja porque eu disse a ele que te amo, no primeiro
encontro.
— Às vezes, ocasionalmente, em algumas situações, eu
sinto vontade de sacudi-la — diz, passando as mãos pelo rosto. Eu
quero rir mais uma vez. — Ok, Dandara, rainha da merda, converse
com ele de coração aberto. Pare de se boicotar e transforme seu
amor por mim em um amor de amigos. Ficarei feliz por receber esse
sentimento. Eu amo a Paula, espero que você encontre um amor
também. — Percebo que o amo muito de uma outra maneira
também. Eu amo o ser humano com o coração gigante que ele é.
Sempre irei amá-lo, de um jeito ou de outro.
— Eu te amo por me ouvir e por ser meu porto seguro
mesmo quando não estamos juntos. — Ele fica estranho, de
repente. Não sei interpretar o que se passa, por isso resolvo
encerrar a conversa. Ele está... estranho agora. — Vou deixá-lo
descansar. Amanhã posso pegar nosso filho?
— Claro. Quer ver como ele está agora? — oferece, e
segura minha mão. Meus olhos se enchem de lágrimas, de gratidão
e pesar.
— Uma tropa! — exclamo, tentando desviar meu foco da
dor.
— De elite.
— Obrigada por fazê-lo feliz, Lucca — agradeço, apertando
sua mão. Ver meu filho cercado pelos priminhos é extremamente
gratificante. É como deveria ter sido desde o início.
— Obrigado por me dar o melhor filho e tê-lo educado tão
bem. Você é incrível, meritíssima. — Ele beija o topo da minha
cabeça e é preciso uma luta grandiosa para eu não chorar.
— Obrigada por me receber. — Emocionado também, ele
me conduz até a porta. — Obrigada mesmo, irei deixar de te amar.
— O abraço e parece que essa é a real despedida entre nós. É o
encerramento definitivo de um ciclo. É então que a porta do
elevador se abre revelando a Barbie, e ela parece odiar o que vê,
tanto que me afasto rapidamente. — Ok, obrigada mais uma vez —
digo a Lucca, e decido cumprimentá-la. — Oi.
— Oi. — Ela está puta e eu nem sei o que fazer agora.
Talvez Lucca saiba conduzir melhor do que eu.
— Bom, vou deixá-los. Amanhã pego Samuel, Lucca.
— Tudo bem. — Entro no elevador e jogo minha cabeça no
vidro, levando a merda da camisa de Nicolas até o meu pescoço e
sentindo uma dor tremenda por ter batido a testa.
Merda!
NICOLAS MAGALHÃES
Estou focado em uma planilha da empresa quando meu
celular toca e o nome de Dandara surge. Um sorriso brota no meu
rosto e logo o espanto porque essa mulher é diabólica. Atendo antes
que ela coloque as forças armadas atrás de mim.
— Quem interrompe meu trabalho? — pergunto.
— Se você está dizendo isso para que eu me sinta culpada
pela interrupção, definitivamente perdeu seu tempo — diz, e aperto
a caneta em minha mão. — Há duas questões que preciso falar com
você, Nicolas.
— Vou verificar em minha agenda se posso abrir mão de
alguns minutos de trabalho para ouvi-la. — Fico alguns segundos
calado enquanto a ouço fazer um som de frustração. — Ok, tenho
exatamente oito minutos — minto.
— Preciso da localização do seu carro para levá-lo para
uma oficina autorizada da BMW.
— Não se preocupe com isso. Meu carro já foi para a
oficina.
— Então eu preciso que me passe o custo. Faço questão de
pagar — pede toda séria.
— Já resolvi isso.
— Eu vou no inferno e vou descobrir essa merda, é bom que
aceite por bem.
— Vá até o inferno. Se descobrir, eu permito que pague. —
Ela soca algo e eu sorrio.
— Você é irritante.
— Os minutos estão acabando, vossa excelência.
— Você disse que vai seguir com o plano inicial. Samuel
está comigo. Quero que o conheça e que possam criar algum tipo
de familiaridade até o dia do aniversário. Quer jantar conosco?
Precisamos passar realidade à nossa relação. Já imaginou se
descobrem que é tudo uma farsa? — Eu já vi tudo. Sou alucinado
por crianças, vou me apaixonar pelo garoto, o garoto vai gostar de
mim e isso vai dar uma merda absurda quando a mentira acabar.
Preciso fazer isso com o mínimo de responsabilidade, ou ficarei na
merda pela culpa.
— Com uma condição.
— Qual?
— Quando toda essa mentira acabar, se o garoto gostar ou
se apegar a mim, preciso que prometa que vai deixá-lo me ver
ocasionalmente. Não quero ser responsável por causar mágoa em
uma criança.
— Prometo. Não quero causar mágoa em meu filho, de
forma alguma — afirma.
— Ok, sairei mais cedo da faculdade e irei para a sua casa.
De acordo?
— De acordo. Obrigada.
— Por nada.
— Somos namorados? — pergunto.
— Sim, é o que direi ao meu filho e o que todos sabem. —
Ela parece nervosa. — Somos namorados de verdade.
— De verdade na mentira?
— É. — Sorrio.
— Ok, Dandara. Nos vemos. — Encerro a ligação e giro a
cadeira para observar o mar.
Ok, Dandara.
NICOLAS
— Filho, você está ansioso? Estou percebendo isso —
minha mãe diz quase me matando de susto.
— Dona Edna, por acaso a senhora está querendo me
matar? — pergunto, levando a mão ao peito. — Não estou ansioso,
estou apenas lendo.
— E não acha que tem nada para me contar não? Como por
exemplo, o fato de você estar dormindo fora de casa há dois dias. —
Ela puxa uma cadeira e se acomoda ao meu lado. Sorrio e seguro
mão. — Está namorando, filho?
— Conheci uma mulher — comento. — A senhora se lembra
de anos atrás, quando uma juíza imponente apareceu na TV dando
uma entrevista no jornal e eu disse que queria ser como ela?
— Claro que lembro. — Ela sorri. — Você ficou todo
empolgado, disse que queria ser poderoso como ela e decidiu pelo
curso de direito.
— É. Ela é a mulher que conheci. — Minha mãe me encara
de um jeito muito engraçado.
— Aquela juíza da TV?
— A própria. Há uma diferença de idade grande entre nós,
ela tem trinta e sete anos, mãe, mas estamos juntos. Não somos
namorados, nem nada do tipo, estamos nos conhecendo melhor. Ela
é uma mulher incrível, dona Edna. É mais incrível do que parecia
ser pela TV, e digo mais, depois da senhora, ela é a mulher mais
linda que eu já conheci.
— Oh, meu filho! Você é sempre tão doce com a mamãe.
— Porque a senhora é o amor da minha vida, não é
mesmo? — Sorrio, abraçando-a.
— E aquela mulher é o segundo amor da sua vida?
— Não sei. Estou gostando muito dela, mãe. Muito mesmo.
E eu quero dizer isso. É muito. Estou ansioso porque estou com
saudades.
— Mas passaram a noite juntos, chegou em casa de manhã.
— Isso me faz rir.
— Pois é. Para a senhora ver a situação em que me
encontro — falo rindo. — Enfim, dona Edna, um misto de ansiedade,
apreensão, receio, vontade de se jogar. Coisas muito complexas
que só eu mesmo tenho o poder de resolver internamente.
— Eu me lembro da beleza dela.
— A senhora não faz ideia do que é aquela mulher
pessoalmente. Eu nunca vi nada igual. — Ela sorri.
— Quando irei conhecê-la?
— Oh, não tão cedo. Ela até virá me buscar para me levar
até a faculdade, mas...
— Mas eu irei vê-la no portão, você querendo ou não! Não
tende me impedir, moleque! — ela diz fugindo de repente.
— Mãe...
— Nada disso. LALALALALALALA, NÃO ESTOU OUVINDO
— grita, com as mãos nos ouvidos e desaparece do meu campo de
visão.
Conforme o prometido, assim que Dandara surge para me
buscar, dona Edna passa batido na minha frente e eu nem tento
impedi-la. Quando ela infiltra algo na mente, fodeu!
Dandara está dentro do carro, com a janela aberta olhando
para nós. Ela desce do carro e meus olhos varrem seu corpo. Porra,
o corpo dessa mulher foi devidamente desenhado. Não é possível!
Ela está de calça jeans cintura alta, um cinto largo, uma camiseta
justa e sandálias de salto fino que a deixa ainda mais alta. Seus
cabelos estão soltos e ela é mesmo a mulher mais linda.
— Olá! — diz simpática.
— Realmente, essa mulher é mais bonita pessoalmente,
como você disse, filho — minha mãe fala me encarando. — Você é
lindo, meu amor, mas essa mulher não é muita areia para o seu
caminhãozinho?
— Oh! — Dandara exclama dando uma gargalhada. — Eu
acho que amo a sua mãe.
— Eu serei a melhor sogra. Me chamo Edna, prazer. — Se
eu disser que estou envergonhado mentirei. Estou além da
vergonha. Por que mães são assim?
— Prazer, senhora Edna. Dandara Farai. — Dandara a
cumprimenta com um abraço. — Nicolas fala muito bem da
senhora.
— É bom que ele fale mesmo.
— Ok, dona Edna, já conseguiu o que queria — digo rindo.
— Por que não entra para tomar um café? — ela convida
Dandara. — Seria uma honra.
— Mãe, eu não posso perder aula e Dandara está indo me
levar.
— Isso é ser estraga prazeres, filho — minha mãe diz,
fazendo uma cara engraçada. — Mas ela é um mulherão, hein?
Olhe para essa pele, essa cor, esse corpo, esse rosto? Já pensou
em ser modelo?
— Já fui modelo quando era mais jovem, dona Edna. Não
gosto muito do universo da moda, por isso sou juíza. Me sinto bem
mesmo nos tribunais. Não me imagino fazendo outra coisa —
Dandara explica sorrindo. — Mas, agradeço o elogio, e, temo que
seja seu filho muita areia para o meu caminhãozinho. Parabéns pela
linda criação. Nicolas é encantador, educado, um ser humano
incrível que estou tendo o enorme prazer de conviver.
— Olhe para ela, Nicolas! — minha mãe exclama, e volta a
abraçá-la. — Meu filho é mesmo um garoto de ouro.
— É, eu tenho percebido isso. — Dandara está tão...
diferente.
Meu Deus do céu. Eu sabia que era um perigo me envolver
com ela. Estou num estado decadente por essa mulher, ouso dizer
que estou apaixonado de verdade. Eu não sei, mas o jeito que ela
desgraça a minha vida é bem diferente.
Nos despedimos da minha mãe e entramos no carro. Ela
pede que eu vá dirigindo e saímos do carro novamente para trocar
de lugar.
— Vossa excelência, me conte melhor sobre ter sido modelo
— peço, atento ao trânsito.
— Sim, eu fui. Mas você não vai querer saber sobre isso.
— Por quê? Eu quero saber tudo sobre você. Por que eu
não iria querer saber? — pergunto intrigado.
— Porque posei nua. — O impacto da notícia é tão grande
que não freio o carro quando necessário e acabo o batendo na
traseira de uma viatura policial!
DANDARA
— Meu Deus, Nicolas! — exclamo, dando graças a Deus por
estar de cinto. Não é o momento, mas eu simplesmente começo a
gargalhar. É um riso que parece não ter fim e que faz meus olhos
encherem de lágrimas.
— Me desculpa, merda, mas porra... puta merda. — O
menino está desorientado e eu não paro de rir. É então que os
policiais batem na janela e somos obrigados a descer. Eu desço e
luto muito fortemente para não rir da cara de Nicolas agora, mas
não consigo.
— Ok, vamos resolver isso — digo, limpando minhas
lágrimas. — Foi só uma batidinha. Como devemos proceder?
— Os senhores avançaram o sinal e baterem em uma
viatura policial — um dos policiais diz. — Documento do carro e
habilitação, por favor — pede. Nicolas pega a habilitação e eu vou
em busca do documento.
— Há fotos suas nua? É isso?
— Você está falando como se isso fosse algo absurdo! —
digo, tentando ficar séria e os policiais ficam atentos.
— Eu não esperava algo desse porte vindo de você. Quem
imagina que você posou nua? É absurdo! — Meu Deus, ele está
fazendo um dramalhão que combina bem com uma pessoa que
conheço.
— Não é absurdo! Há centenas de mulheres que fazem
isso. São apenas fotos nua! Nu artístico! Está com ciúmes? É isso?
Me diga, sugar baby, você está com ciúmes? — Eu esqueço que há
pessoas presenciando e dou um sorriso safado.
— Não estou com ciúmes! Estou apenas... perplexo?
Chocado? Talvez. Por que está me chamando de sugar baby? Isso
é inapropriado!
— Pense pelo lado positivo, você está dormindo com a
mulher que posou nua. Muitos queriam estar no seu lugar, sugar
baby.
— Não sou seu sugar baby. Sou seu... O que nós somos?
— Com certeza muitos homens gostariam de "dormir" com a
mulher da revista — o policial diz, e Nicolas parece querer explodir.
Eu até entro na frente para detê-lo e seguro seu braço, impedindo
que um soco dispare até o rosto do policial que já não é muito bonito
e poderia vir a ficar levemente mais feio. Também não quero ter que
ir parar em uma delegacia, isso faria Nicolas perder a aula e eu
perderia meu precioso tempo.
— Já bateram em uma viatura, teremos que lidar com
desacato? — Isso me faz abrir um outro tipo de sorriso agora,
porque o único a cometer desacato é ele. Olho para Nicolas e o
solto antes de voltar meu olhar ao policial.
— É uma ameaça? — pergunto.
— Talvez seja — responde, olhando para o meu decote.
— Acabou de entrar em uma conversa que não lhe diz
respeito. O seu trabalho é verificar os documentos e não o meu
decote. Cuide de resolver a questão do pequeno incidente, nada
além disso — digo.
— Quem a senhora pensa que é? — pergunta, cruzando os
braços.
— Eu? Sou Dandara Farai, juíza criminalista. — Pego meu
distintivo na bolsa e o entrego. A graça acaba no mesmo instante.
— Como vamos resolver essa questão? Não tenho a noite toda e
não quero que o meu namorado perca a aula na faculdade porque
um policial está mais atento em uma discussão entre um casal do
que no problema que precisa ser solucionado.
DANDARA
— Me mata de susto, Dandara! — doutora Rovena exclama
quando entro em seu consultório mais parecendo uma psicopata
que uma paciente.
— Doutora Rovena, estou virada nas artes marciais hoje, só
para constar — aviso, jogando minha bolsa no sofá e andando pelo
consultório enquanto ela se mantém sentada, segurando fortemente
as laterais de sua cadeira e me olhando como se eu realmente
fosse fazer um estrago no local. — Armaram para afastar Nicolas de
mim e conseguiram. Não o julgo mal por ter se afastado, ele é
inexperiente e jovem demais, é aceitável e compreensível que o
garoto esteja um pouco perdido. Certamente a vida dele era mais
controlada antes do descontrole, no caso eu, surgir. Mas a questão
é, doutora, eu gosto daquele garoto mais do que achei que poderia
gostar e não estou satisfeita, nem mesmo um pouco em tê-lo
perdido. Estávamos indo bem, até mesmo construindo uma rotina
juntos. O garoto estava praticamente morando comigo. — Dizer isso
em voz alta me desperta uma emoção que me faz sentar. Eu sorrio,
mas começo a chorar junto.
— Você fica ainda mais admirável quando revela suas
fraquezas — doutora Rovena fala, enquanto mantenho minha
cabeça baixa.
— Eu perdi a coisa mais pura que já tive, doutora — faço
minha confissão dolorosa. — Começamos de uma maneira nada
bonita, mas foi puro, verdadeiro. Todas às vezes em que eu olhava
para Nico eu via a esperança crescer em mim; esperança de um
futuro, esperança de conseguir ser uma mulher boa e honrável,
esperança de mudar, porque, indiretamente, eu sinto que ele já me
mudou tanto, sabe? E eu queria tanto mudar mais, queria tanto a
versão que ele estava se apaixonando. Talvez tudo isso que eu te
digo, tudo que tenho feito, seja um grande exagero. Eu não deveria
estar assim, tão miserável, tão destruída. Eu não forçava ser forte,
doutora. Sempre fui forte, sempre fui decidida, sempre atropelei tudo
que surgisse em meu caminho. Eu era o centro do meu mundo e
minhas vontades sempre estiveram acima das vontades de todas as
demais pessoas. Eu dominava ter essa postura, dominava estar no
controle, dominava a minha própria vida. Agora tudo que tenho feito
é forçar, é fingir possuir uma força que está falha, fingir que não
estou dilacerada e que não choro todas as malditas noites com
saudade de um garoto de vinte e um anos de idade.
"Essa é a versão em que fui transformada. É tão novo para
mim ser assim, ter me tornado essa pessoa. Não consigo obter
domínio sobre nada e nem consigo atropelar as pessoas para
conquistar o que almejo. Os dias estão passando, e eu fiquei uma
semana inteira trancafiada dentro de casa aguardando a
misericórdia divina ao invés de ir em busca de acabar com as
pessoas que me fizeram mal. Sim, doutora, porque a velha
Dandara, antes de ir atrás do que perdeu, iria atrás de destruir quem
a fez mal. A velha Dandara dava mais valor em destruir as pessoas
que lhe faziam mal, do que reconquistar as pessoas que eram de
fato importantes. A nova... é tão perdida. Ela ora por clemência, por
piedade, ora para que o garoto de açúcar esteja completa e
perdidamente apaixonado por ela, e que isso o faça voltar. A velha
Dandara quer voltar e atropelar quem lhe fez mal, ela quer jogar e
reconquistar o garoto de uma maneira que não é bonita, usando da
sedução que sabe que possui e que sabe ser um jogo baixo demais;
um jogo de quem não tem nada além do físico e do sexo para
oferecer. Mas, eu, a nova Dandara, quando estou consciente e
sozinha, só consigo ver que isso tudo é pequeno demais. Que
conquistar alguém por sexo é um jogo tão baixo e tão incerto. Até
quando vou sustentar Nicolas com sexo? Entende, doutora? Não
tem que ser por sexo, tem que ser pela pessoa que me tornei, por
todas as outras coisas que sexo algum é capaz de comprar. Eu
costumava ser a rainha em um jogo de xadrez, mas eu não quero
mais fazer da minha vida um jogo, uma competição. Quero... quero
que Nicolas me ame e ignore todas as mentiras, quero dar a ele a
minha verdade, quero entregá-lo o meu lado bom, quero que ele
volte para a minha casa após a faculdade, me abrace forte e durma
me tendo em seus braços, quero cozinhar enquanto o vejo
brincando com meu filho, quero..."
— Oh, meu amor! — Ela se coloca de joelhos aos meus pés
e me abraça, deixando que eu chore em seu ombro.
— Existe alguma receita para tê-lo de volta? Por favor! Diga
que existe, doutora Rovena.
— Continue sendo a nova Dandara. Essa receita é infalível,
Dandara. Esqueça quem quer o seu mal e foque em quem te faz
verdadeiramente bem. — Balanço a cabeça em concordância,
sorvendo o que ela quis dizer em tão poucas palavras.
[...]
Meu coração me leva à faculdade. Está chovendo
excessivamente, mas minhas lágrimas parecem capazes de molhar
mais que a chuva. Foco meu olhar no espelho do carro e percebo
que minha maquiagem está bem parecida com a de um artista
circense. Pego em minha bolsa minha necessaire e limpo todo meu
rosto. Me encaro de cara limpa, olhos vermelhos e inchados. Retiro
minhas joias, meus sapatos e desço do carro para respirar, sem me
importar com a chuva. Faltam mais de 3 horas para a aula de
Nicolas terminar, mas quem se importa? Eu avisei à Victor que
chegaria tarde, então, apenas me restam algumas horas para
esperar.
Fico longos minutos, parecendo uma maluca, descalça sob
a chuva torrencial e fria. Ao mesmo tempo em que me encontro
completamente decidida, me sinto perdida. Não sei se é o certo a
ser feito ou se é só a velha Dandara querendo atropelar o garoto de
açúcar. Por fim, acabado rindo de mim mesma e me pego pedindo a
Deus um sinal, qualquer sinal que seja, para que eu siga a diante
com meus planos. Por fim, decido que estou fazendo uma estupidez
gigante e que certamente pegarei uma pneumonia se ficar durante
mais de três horas molhada ou embaixo dessa chuva.
Caminho de volta para o meu carro, mas antes de entrar
algo me faz olhar para trás. É então que o vejo, surgindo nas
escadarias e paralisando seus pés ao me ver sob a chuva.
Levo isso com o sinal que pedi à Deus, talvez os pecadores
possam ser perdoados.
DANDARA
É ridículo que minhas pernas tenham acabado de se
transformar em gelatinas? Para mim tudo isso é bastante ridículo,
mas não consigo conter todas essas novas sensações. Elas
simplesmente acontecem com toda naturalidade.
Me mantenho parada e é ele quem vem até mim, a passos
firmes e apressado. Consigo pensar em alguns filmes com essa
temática, onde o casal apaixonado se reencontra sob a chuva e dão
um beijo de amor, selando assim o destino, mas não sei se será
assim conosco. Somos tão perdidos, cada um ao seu modo.
Nicolas para diante de mim, quando nossos olhares colidem,
eu tento engolir, mas minha garganta está apertada, seca e me sinto
sendo sufocada. Tento controlar minha respiração, nada em mim
parece funcionar corretamente. Minhas mãos estão trêmulas e meu
coração parece ter parado de bater. Ele só volta a funcionar quando
Nicolas se aproxima ainda mais e consigo sentir o cheiro masculino
de seu perfume. É um vício.
Os olhos dele deixam os meus e paralisam em minha boca,
ele traz uma de suas mãos em meu rosto e toca tão delicadamente
que fecho meus olhos, absorvendo a suavidade e me dando conta
do quanto senti falta desse carinho que só ele sabe dar.
— Por quem está apaixonada, Dandara? — pergunta com a
voz vacilante. Meu estômago de repente dá um nó. Respiro fundo,
umedeço meus lábios e abro meus olhos, encontrando os dele.
Nunca fui de dar o braço a torcer muito facilmente, mas de alguma
forma sinto que preciso ser verdadeira ou não sairemos da situação
em que nos encontramos. Nicolas quer a minha verdade e eu darei
a ele, simplesmente não há motivos para continuar ocultando o que
sinto.
— Por você — confesso. — A ideia de não o ver todas as
manhãs quando eu acordar, de não ter seus braços em volta de mim
na hora de dormir, de não te trazer e então buscar na faculdade, não
ter o seu sorriso lindo colorindo os meus dias, tudo isso somado a
mais um monte de coisas que fazem toda a diferença, me deixa
fraca, vazia e triste. E eu odeio me sentir triste, odeio a sensação de
vazio que se instalou em mim desde que você se foi, odeio ser fraca
porque a fraqueza nunca fez parte de quem sou. Ficou muito de
você em mim, Nico; em tudo que eu olho e em todas as coisas que
sinto, há muito de você, como se você insistisse em ficar comigo
mesmo estando longe, mesmo tudo tendo acabado. Em pouco
tempo você fez sua morada em mim, mesmo que tenha ido,
permanece vivo e muito forte em minha vida. O fato de você estar
vivo em mim, mesmo que não tenha sido o seu intuito, me mata um
pouco a cada dia e eu não quero morrer de tristeza. A única morte
que aceito é de amor.
"Preciso de você, preciso que o que eu sinto seja recíproco,
então, por favor, diga que é. Diga que não se importa por eu ser
uma grande complexidade, um desastre ambulante e ter quase o
dobro da sua idade. Acho que passei a vida inteira procurando um
lugar onde eu caberia, e eu me encaixo tão bem em você. Você
parece ser o meu lugar Nico, e é por isso que vim, porque nunca me
senti de ninguém antes, mas eu me sinto sua. Sinto que pertenço a
você."
— Você se sente assim porque é minha — fala, e suas
palavras parecem destrancar todas as portas que estavam fechadas
para nós. Uma mistura de alívio, orgulho, excitação, euforia...
Coisas que apenas ele me faz sentir. — Você sabe que é minha,
não sabe? — Isso soa tão quente, mesmo eu conseguindo sentir a
insegurança dele.
— Eu sou sua. Sou sua porque quero ser sua, Nico —
murmuro, quebrando o resto da distância de poucos centímetros
que nos separava. O calor abrasador de seu corpo faz com a chuva
seja um mero detalhe. Nós dois juntos transbordamos. — Me tornei
sua ainda naquela boate e tentei fugir disso ao máximo.
— Você não pode fugir de mim — diz, com os lábios quase
tocando os meus.
— Não. Eu não posso. — Antes que ele possa respirar uma
última vez, meus lábios reivindicam os lábios dele e todos os
problemas desaparecem diante de todo desespero e fome. Beijá-lo
assim chega a doer; nossas respirações viram uma bagunça
completa enquanto tentamos nos conectar ainda mais nesse beijo.
Nicolas me empurra até que minhas costas estejam contra o carro e
pressiona seu corpo ao meu, fazendo com que eu sinta seu desejo
evidente. Eu quase seria capaz de deixá-lo levantar meu vestido e
me tomar aqui, sob a tempestade e em público.
— Estamos no meio da rua — digo com o mínimo de
racionalidade que me resta.
— Vou dormir com você essa noite, vossa excelência — fala
em um tom promissor em meu ouvido e eu volto a beijá-lo, sedenta
por isso. Quando afastamos nossos lábios novamente, nossas
testas permanecem grudadas. — Me leve da faculdade? Senti falta
de tê-la vindo me buscar. — Sorrio e o abraço apertado. Eu senti
falta de vir buscá-lo. — Eu te amo.
É como se o chão se abrisse aos meus pés após essa
revelação. Ele disse que me ama e eu não sei dizer isso de volta,
mas eu sinto. Eu... é tão difícil, porque ele tem tanta facilidade em
fazer isso. Ele faz o amor parecer fácil e simples. Talvez seja. Talvez
seja eu quem o torno difícil demais e isso nunca deu certo.
— É recíproco. — Espero que ele entenda e que aceite isso
até eu me sentir capaz de dizer as palavras.
Ele se afasta, pega a chave do meu carro e o abre. Dou a
volta a me acomodo no lado do carona, deixo que ele nos conduza
onde quer que seja, e ele escolhe a minha casa.
Nós descemos do carro e corremos para o interior da casa,
tentando fugir da chuva sendo que minutos atrás estávamos sendo
banhados por ela. Estou gargalhando quando entramos, mas tudo
muda muito rápido quando Nicolas resolve retirar suas roupas.
Meu sorriso vai aos poucos morrendo enquanto o observo
retirar a camisa e expor seu peitoral impecável. Sinto uma vontade
insana de lamber cada parte desse garoto de açúcar, mas, no
momento, não quero perder o espetáculo. Ele acaba de chutar os
sapatos para longe e retirar as meias, então está indo retirar a calça
enquanto eu faço uma torcida interior gritando "tira, tira". E ele faz,
ele retira a calça e eu descubro que ele está com uma cueca boxer
branca, quase transparente por estar um pouco úmida pela chuva.
Fico hipnotizada observando a grandiosidade da beleza física desse
garoto. Nicolas é lindo, perfeito, zero defeitos. Seu corpo é tão lindo,
tão generosamente belo. Observo ele traçar os dedos pelo cós da
cueca, de forma provocativa. Subo meu olhar para encontrar um
sorriso em seu rosto e quase me sinto patética por ter sido pega em
flagrante, cobiçando-o. Ele para de sorrir e termina de retirar a
última peça de roupa, expondo seu pau completamente duro.
Automaticamente me pego passando a língua em meus lábios e
ansiando por chupá-lo. Me aproximo e caio de joelhos aos pés dele,
deixando a minha vontade falar por mim. Olho para ele, como se
precisasse de uma permissão para seguir em frente, recebo um
sorriso e um levo aceno positivo de cabeça. Recebo também suas
mãos envolvendo meus cabelos num aperto quase doloroso.
— Diante de mim as pessoas inclinam... — Um arrepio
percorre meu corpo ao ouvir essas palavras que andam diariamente
em minha mente. Até mesmo sorrio com a coincidência. Estou
mesmo inclinada aos pés dele. — Me chupe, vossa excelência, por
favor. — Eu chupo. O levo em minha boca e o chupo com uma fome
incontrolável, deixando o desejo me consumir. Lambo e chupo cada
parte de seu membro, enquanto ele solta sons deliciosamente
desconexos. — À minha voz acorrem, à minha palavra obedecem.
— Deus, Nicolas!
— Gosta dessa prece? — pergunta com a voz levemente
rouca.
— Eu vou para o inferno por transformá-la em algo
totalmente inadequado — digo, e volto a lambê-lo. — Você é tão
gostoso.
— Fique de pé — ordena, e eu fico. Sua boca captura a
minha e ele me beija novamente com vontade, enquanto leva suas
mãos ao fecho do meu vestido e o desliza até embaixo,
transformando-o em uma poça sobre meus pés. Volto a me arrepiar
quando ele retira meu sutiã tomara que caia e meus seios
pressionam seu peitoral. A sensação é tão boa que eu mal consigo
raciocinar. Paramos de nos beijar quando ele abaixa para retirar
minha calcinha. Ele a joga longe e me toca com seus dedos. Apoio
em seus braços, sorvendo a sensação angustiando de tê-lo
massageando meu clitóris. — Ao meu comando se entregam.
— Sim. Eu me entrego — sussurro.
— Ao meu gesto se unem ou se separam, ou se despojam
— diz, me empurrando até a parede e fazendo com que eu rodeie
minhas pernas em torno de seu quadril. — Ao meu aceno as portas
das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem, um
dia, para a liberdade. — Meus lábios tentam capturar os dele, e ele
apenas sorri, vendo a necessidade de tê-lo tomar conta de mim.
Meu corpo passa a se mover por conta própria, pedindo, implorando
para tê-lo dentro de mim.
— Por favor!
— Da minha decisão depende o destino de muitas vidas —
sussurra. — Eu quero ser suficiente para você. Me ensina?
— Você já é, mas eu sou capaz de ensiná-lo qualquer coisa
que quiser. Basta me dizer, basta me pedir.
— Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo
com os que erram. — Tê-lo recitando essa merda é quase capaz de
me causar um orgasmo.
— Me leva para a cama? — peço, e ele faz. — À minha
palavra obedecem, garoto de açúcar! — digo sorrindo assim que ele
me deita sobre a cama. — Me foda agora. Me foda bem forte. — Ele
me penetra de uma só vez, fazendo meu corpo arquear e eu soltar
um gemido alto, desesperador. É tão bom, tão gostoso, tão voraz.
Todo seu corpo está tremendo agora, seu rosto é perfeito quando
tomado pelo tesão.
— Eu sou capaz de gozar agora.
— Mas você não vai — informo. — Primeiro o meu prazer,
depois o seu. — Ensino. — Você só vai gozar quando eu mandar,
Nicolas! — Ele balança a cabeça em obediência e começa a se
mover. Meu aprendiz é perfeito e eu sou uma filha da puta sortuda,
porque se eu fui transformada por ele enquanto ele também está
sendo transformado por mim. Ele está sendo tudo o que gosto, tudo
o que preciso, tudo o que quero. Estou transformando-o para me dar
prazer de todas as maneiras que gosto e ele faz isso com
excelência. Estou tão molhada, tão escorregadia, é possível ouvir o
som a cada arremetida que ele dá. Embora eu queira muito que isso
dure, meu corpo traidor e necessitado se prepara para explodir num
orgasmo delicioso que eu tanto preciso. Ele percebe isso, porque
passa a fazer todas as coisas que me levam mais rápido. Ele beija a
minha boca, morde meu lábio inferior, minha orelha, meu queixo e
desliza sua língua no vão entre meus seios. Eu fico desesperada
quando suas mãos apertam cada um deles e quando ele prende
meus mamilos entre seus dedos. — Deus... Nico... — Meus
gemidos estão altos, e aumentam ainda mais quando seus lábios se
fecham em meu mamilo direito. — Eu vou gozar, garoto de açúcar e
você pode gozar comigo, juntinho — digo ofegante. — Goza
comigo?
— Eu sou louco por você.
— Então me faz gozar e goza comigo — imploro, e ele faz.
Ele deixa meus seios e se concentra em arremeter bem forte, da
maneira como sabe que eu gosto e que me faz atingir o orgasmo
muito rápido. O agarro forte quando meu corpo se desfaz e sorrio
quando o sinto se unir a mim, despejando todo o seu desejo dentro
de mim. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas
do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. — Sente-
se liberto agora, Nicolas Magalhães? — pergunto em seu ouvido,
apreciando seu corpo sobre o meu.
— Eu me sinto mais preso que nunca — confessa, tocando
meu rosto. — Estou preso a você, vossa excelência. E pior, eu
quero isso.
— Vá se acostumando então. Farei tudo o que estiver ao
meu alcance para mantê-lo preso a mim. — Roubo mais um beijo e
ficamos deitados, silenciosos, por alguns longos minutos. Ficamos
assim até eu empurrá-lo...
— Por que fez isso??? Merda, Dandara!
— Eu esqueci minha bolsa no carro e esqueci meu filho na
casa do tio! Misericórdia! Meu filho! Como se esquece um filho???
— pergunto, correndo até o banheiro. Nicolas se junta a mim
embaixo da ducha, sorrindo do desespero. — Não ria! Eu nunca
esqueci meu filho antes, Nicolas.
— Ele está bem, Dandara. Está na casa do tio, não precisa
se desesperar. Não é como se você tivesse o esquecido na
escolinha. Vamos tomar banho e buscá-lo. — Ele me acalma e eu o
abraço.
— Você vai ficar com a gente?
— Não existe outro lugar que eu queira estar. Ficarei com
vocês e, assim que Samuel dormir, eu vou chupar cada parte do seu
corpo — responde. — Só preciso avisar a minha mãe. — O que era
quente, se transforma em engraçado. Estava prestes a ficar úmida
após a promessa de ser chupada, mas esse "preciso avisar a minha
mãe" exterminou o momento sexual e eu quero rir forte. Isso é tão
kids! Me pego gargalhando internamente, porque além de kids, é
fofo também. — Pare de rir, Dandara.
— É apenas bonitinho — justifico meu sorriso, mas acabo
gargalhando alto agora. — Oh meu Deus! Isso é tão engraçado.
— Só porque eu sou um novinho que precisa dar
satisfações à mãe?
— É. Um novinho muito gostoso e quente que precisa dar
satisfações. Um novinho que eu amo — respondo, e ele fica me
encarando sério. — O que há de errado?
— Você nem se dá conta sobre as coisas que diz —
comenta, levando meus cabelos para trás. — Vou banhá-la,
meritíssima, e iremos buscar o nosso Samuca. Mas, antes disso, me
diga de onde surgiu esse "garoto de açúcar" — pede e... acho que
fodeu. Como explicar a ele que isso é obra de Lucca?
DANDARA
— Irei explicá-lo sobre o apelido, mas não agora. Preciso
que esse banho seja rápido, Nico. Meu psicológico está afetado.
Sinto que estou vendo uma cena daquele filme Esqueceram de
Mim, e isso é assombroso. — Nicolas começa a rir e eu me lavo no
desespero mesmo.
A ideia de tê-lo me banhando, como havia dito, é tentadora,
mas não é bem-vinda agora. Um banho exige toque, toque nos leva
a um beijo, beijo nos leva uma pegada mais forte, uma pegada mais
forte me faria escorregar e cair em cima de certas partes do corpo
dele, e isso faria com que nem mesmo um guindaste me tirasse de
cima dele. Pensar em todas essas coisas me faz suspirar de
frustração.
Após me sentir devidamente limpa, saio apressada e vou
me enxugar. Nicolas fica se lavando e me observando com seu
olhar enigmático. Propositalmente, deixo minha toalha cair e saio
andando rumo ao quarto. Sorrio quando o ouço gemer.
Escolho um vestidinho alegre para combinar com a maneira
como me sinto agora. Mesmo estando molhados, prendo meus
cabelos num coque bagunçado, pego Havaianas brancas que
combinam com o vestido e decido que estou devidamente pronta.
Quão louco é uma pessoa se sentir desconfortável com Havaianas e
altamente confortável em sapatos com saltos gigantescos?
Volto ao banheiro e há um ser humano nu, já
completamente seco, arrumando os cabelos.
— Eu poderia me acostumar muito facilmente com a ideia
de dividir meu banheiro com você — digo, abraçando-o por trás e
beijando suas tatuagens de asa. — Você é lindo, garoto de...
Nicolas.
— Eu vi bem o que a senhorita iria falar. Não vai fugir da
explicação.
— Preciso mesmo ir buscar Samuel. Você vem? —
pergunto.
— Não tenho roupas aqui. Preciso pegar algumas em casa.
— Vá de roupão.
— Ok, só não vou poder descer do carro — avisa, e eu
aperto sua bunda.
— Ainda não matei toda a minha vontade de você.
— Eu tão pouco matei a minha de você, vossa excelência.
Mas acho melhor se afastar agora ou não sairemos daqui. — Sorrio
e me afasto.
Em poucos minutos estamos diante da casa de Victor e
Melinda. Eu desço e deixo Nico no carro. É Paula quem me atende.
— Olá! — ela diz sorridente, e eu fico perdida entre abraçá-
la ou dizer apenas um olá. Como estou de bom humor, faço as duas
coisas: a abraço e digo "olá".
— Vim buscar meu pequeno. Me desculpem pelo atraso,
mas estava resolvendo um problema — explico.
— Aooo meritíssima! — Lucca grita, e eu reviro os olhos.
— Aooo Dandara, pega na minha vara! — Agora é Victor. —
Mentira! É da Melindinha!
— Olá, Dandara! — Melinda vem e sai me puxando para o
interior da casa. — Venha jantar conosco. Está quase pronto.
— Não posso. É... Há alguém me esperando no carro —
explico. — Vim apenas buscar Samuel. Por falar nele, onde está?
— Destruindo algum cômodo com Miguelito e Soso —
Melinda diz com naturalidade.
— É o garoto de açúcar? — Lucca pergunta, e eu balanço a
cabeça positivamente. — Ahhh!!! É hoje que conheço o garoto de
açúcar melhor! — o filho da puta avisa ficando de pé.
— É o garoto da boate? — Victor indaga, e novamente
balanço a cabeça positivamente. É um inferno que ele se junta com
Lucca e os dois saem pela porta em busca de Nicolas.
— LUCCA!!! — grito, mas ele ignora. Olho para Paula, a
única salvação. — Pelo amor de Deus, Nicolas está usando apenas
um roupão! Você precisa controlar Lucca, e Melinda precisa
controlar Victor, que resolveu ser tão louco quanto o irmão.
— Por que ele está de roupão? — Paula questiona rindo. —
Isso será divertido.
— Claro, eu deveria saber que você é a versão feminina de
Lucca, Barbie e Ken, o casal moda e magia! Ele está de roupão
porque... porque ele tomou banho em minha casa e não havia
roupas limpas. Eu estava um pouco desesperada por esquecer meu
próprio filho na casa do tio e sugeri que ele vestisse um maldito
roupão com a certeza de que não sairia do carro, mas Lucca fodeu
tudo! — Me viro para porta quando Nicolas entra acompanhado de
Victor e Lucca. O detalhe é que os dois irmãos estão abraçando o
meu garoto de açúcar, que está visivelmente perdido.
— Uauuu!!! — Melinda e Paula gritam juntas, isso faz a
dupla dinâmica soltar o meu namorado.
— Aooo Paula, você ficará uma semana sem sentir o prazer
por conta desse delito! — Lucca avisa.
— Se eu for castigar Melinda a cada delito, eu fico sem sexo
pelo resto da vida — Victor argumenta rindo. — Mas hoje ela vai
levar uma no lombo para aprender.
— Aooo garoto de açúcar, Dandara disse que demorou
porque estava resolvendo um problema — Lucca fala rindo. — O
chuveiro dela queimou?
— Foi trocar a resistência? — Victor é quem pergunta
agora.
— Não é da maldita conta de vocês — informo, puxando
Nicolas.
— Agora você vai me explicar o porquê desse garoto de
açúcar, Dandara. Todos estão me chamando assim, há algo que eu
perdi? — Eu quero tacar um copo na cabeça de Lucca, porque
agora virei a atração da noite e todos estão me esperando explicar a
Nicolas o motivo do apelido.
— Lucca inventou essa merda infernal após eu ter revelado
a ele a maneira como te conheci. Sugar baby, garoto de açúcar,
tudo a ver, não acha? Eu acho ridículo, sendo bem sincera, mas
essa merda não sai mais da minha mente e eu só consigo chamá-lo
de garoto de açúcar. Sinto muito, vou arrumar outro apelido. —
Nicolas ri, felizmente. — Esse sorriso desgraça uma vida. — Eu
nem noto que disse em alto e bom tom, mas é a verdade.
— Espera! Ele era um sugar baby como eu? — Melinda
pergunta se divertindo.
— Aooo Dandara, você tem um secret? — Victor pergunta
rindo. — Sugar mommy!
— Mas foi numa perspectiva diferente da sua — explico. —
Bem diferente, Melinda.
— Você foi sugar baby? — Nicolas pergunta a ela.
— Sim, e Victor foi meu sugar daddy! Deus! Eu amo como
isso soa! — Melinda diz sorrindo. — Por que se tornou sugar baby?
Necessidade financeira?
— Não...
— Ele queria experiência com as tias maduras! — Lucca
responde, e eu pego a primeira coisa que encontro para tacar nele.
No caso, é uma vela decorativa.
— Eu não sou uma tia! — esbravejo com toda minha fúria,
enquanto Paula e Melinda se acabam de rir. — Você é um babaca,
Lucca Albuquerque!
— Conte, garoto de açúcar. Queremos sua versão dos fatos
— Lucca pede rindo.
— Queria experiência com uma mulher madura, realmente.
Estava cansado de experiências fracassadas com garotas
desmioladas. Sempre fui muito maduro, então havia um
distanciamento gigante entre meus pensamentos e os pensamentos
das garotas da minha idade. Entrei no site e encontrei Dandara, mas
há muitas coincidências nesse encontro — ele diz, me abraçando
por trás. — Eu já a admirava antes mesmo de ter o privilégio de
conhecê-la pessoalmente, antes mesmo de descobrir quem era a
minha sugar mommy. — Isso faz meu coração acelerar e eu coloco
minhas mãos sobre as mãos dele. — Foi uma tremenda
coincidência e uma tremenda sorte. Não esperava conhecer alguém
desse porte.
— Bom, eu queria um acompanhante para o aniversário de
Samuel. Isso se parece um pouco com a história de Victor, que
queria uma acompanhante para a renovação de votos dos pais. —
Relembro. — Devido a todos os acontecimentos entre Lucca e eu,
não me achava capacitada para enfrentar o evento sozinha, ainda
estava na fase em que parecia que estava usando alucinógenos. Me
lembrei da história de Victor e Melinda, e resolvi arriscar no site.
Queria alguém que eu pudesse contratar apenas para exercer o
papel de namorado, alguém que estivesse interessado apenas na
grana. Não foi o que aconteceu, Nicolas não queria dinheiro, queria
uma experiência com uma mulher madura e então... as coisas foram
fluindo rápido demais, preciso dizer. — Sorrio.
— E o garoto de açúcar laçou a meritíssima
maravilhosíssima! — Victor diz sorridente. — Bom, preciso pontuar
que nunca vi Dandara com o semblante tão leve. A conheço há
muitos anos, sou advogado, já estive em muitas audiências com ela,
estivemos juntos em muitos momentos. Estou feliz por vocês. O
inexplicável se explica em algum momento.
— Fico muito feliz que tenham se entendido — Paula é
quem diz agora. — De verdade. E, Nicolas, não dê ouvidos à Lucca.
Ele é maluco, mas tem um coração do tamanho do mundo.
— Ao Paula, magoa meus sentimentos.
— Eu não fazia ideia de que eram tão amigos — Nicolas
comenta.
— Não éramos — digo. — Acho que preciso contar muitas
coisas a você, Nico. Apenas não tivemos tempo de ter uma boa
conversa ainda — explico sorrindo. — No aniversário de Samuel, eu
e Paula tivemos uma boa conversa, onde pude esclarecer muitas
coisas e onde acabei confessando outras. Enfim, no momento
pareceu confuso, mas agora, vendo as coisas com mais clareza,
acho que estamos caminhando para uma relação melhor.
— Com certeza, se depender de mim — ela diz.
— Já que estamos na fase da amizade, Nicolas, novinho,
garoto de açúcar, você tem a honra de ser o primeiro convidado da
minha despedida de solteiro — Lucca avisa. — Acho que estaremos
sempre próximos, devido à Samuel. Vamos ser bons amigos, cara.
— Que despedida de solteiro, Lucca? — Paula pergunta, e
eu começo a rir.
— Todo mundo que casa precisa de uma despedida de
solteiro, Paula. Vamos nos casar — ele explica.
— Ok. Vai haver uma maldição de uma despedida de
solteiro e eu sou a última a saber?
— Na verdade, você está sendo uma das primeiras, meu
amor. Jacinta que eu te respeito, bebê. É tudo em família, relaxa.
Eu, Victor, piroca baby, garoto de açúcar...
— Por cima do meu cadáver — aviso. — Deixa o meu
garoto de açúcar quietinho, pelo amor de Deus.
— Então vai mesmo haver uma despedida de solteiro? —
Paula pergunta de uma maneira intrigante, quase maquiavélica.
— É claro que sim, bebê Paula.
— Isso me dá o direito de ter uma despedida de solteira
também.
— E, eu quero deixar bem claro desde já, se o meu sugar
daddy for em qualquer despedida de solteiro que seja, eu irei para
qualquer balada, SOZINHA — Melinda anuncia.
— Não haverá balada, Melinda. Eles estarão na festinha
deles, nós estaremos na nossa.
— Nada disso! — Lucca avisa.
— Oh, deixe de ser patético, Lucca! Se você terá uma
despedida de solteiro, eu também terei, e em grande estilo.
— Bom, eu e meu namorado não temos absolutamente
nada com isso. Só vim buscar meu filho que, muito provavelmente,
está fazendo alguma merda silenciosa — argumento.
— Nada disso, o garoto de açúcar vai conosco! Vamos
mostrá-lo o lado insano da vida! — Victor afirma rindo, e Melinda dá
um puxão na orelha dele. — Porra, Melindaaa.
— Você vai???
— Não sei, merda, solta a minha orelha!
— Agora você vai!!! Filho da mãe!!! Porque eu também vou
na despedida da Paula! E Dandara vem junto. Eu vou matar, roubar,
vou destruir!!! — Melinda avisa e solta a orelha de Victor.
— Nem fodendo, Melinda! Não faço parte da família,
definitivamente. Acabo de iniciar um relacionamento sério, é tudo
muito novo, estou em lua de mel — aviso. — E você não vai, garoto
de açúcar.
— Calma! Não é assim que as coisas funcionam — Nicolas
argumenta.
— Você quer ir nessa merda? Você nem mesmo os conhece
bem. Já aviso, Albuquerque’s são umas pragas, você não irá gostar
deles, principalmente porque se juntaram com os Salvatore’s. Há
todos os tipos de loucos nessa família, Nicolas.
— Eu preciso ser amigo do pai do seu filho, Dandara.
— VOCÊ NÃO VAI! — aviso.
— Eu não ia, mas agora vou só porque você falou assim
comigo.
— Nicolas!
— Dandara Farai!
— Aooo que eu vivi para ver esse dia chegar!!! Chão
moiado!!! — Lucca diz rindo. — Saia dessa, meritíssima magnífica!
— Isso é culpa sua, Lucca Albuquerque! — Paula
repreende. — Você está causando confusão em relações alheias
porque decidiu ter uma despedida de solteiro, assim, do nada.
— Estou de acordo com Paula, mas nem vou brigar com o
sugar daddy mais. De repente, tudo que quero é essa despedida de
solteira na minha mesa agora! — Melinda provoca.
— Você vai nessa merda? — pergunto, me virando de frente
para Nicolas.
— Vou — ele afirma de uma maneira desafiadora.
— Tem certeza?
— Absoluta. — Eu odeio que ele seja um ser humano filho
da puta como eu.
— Ok, você pode ir! — digo, me virando de frente e encaro
Lucca. — Você vai querer nunca ter convidado o meu namorado
para essa merda! — aviso. — Farei todos vocês se arrependerem!
Paula, Jacinta minha parceria chegando para a organizar a sua
despedida de solteira! Melinda, se sente pronta para uma noite de
diversão?
— NEM FODENDO! — Victor, Lucca e até Nicolas dizem
juntos!
DANDARA
— Estou ligeiramente arrependido de ter dito sobre a
despedida de solteiro — Lucca confessa. — Dandara vai botar no
meu cu, usando minha futura esposa contra mim. Ela é o diabo, e
eu...
— E você é o homem que mexeu com o diabo. — Completo
a frase. — Estava quieta, Lucca. Você envolveu meu namorado
nessa brincadeira, agora vai aguentar. Sua noiva terá a melhor
despedida de solteira da história do Rio de Janeiro. E, olha que nem
decidi se faremos isso aqui no Rio mesmo, talvez uma viagem até
algum lugar aqui por perto seja bem-vinda. — Sorrio
maquiavelicamente. — O que acha, Paula? Me lembro de um filme
bem interessante, nacional, ele se chama Muita calma nessa hora.
Vou inspirar sua despedida de solteira nesse filme.
— Pera aí! Mas esse filme não é aquele que as mulheres
vão solteiras após uma delas descobrir a traição do noivo dias antes
do casamento? — Lucca questiona.
— É, exatamente! — confirmo.
— Mas Paula não é solteira, nem fodendo!
— Quem se importa? — pergunto, cruzando meus braços.
— Amo viajar — Paula diz sorrindo. — Não posso beber,
mas quem disse que eu preciso de bebidas para ser louca?
— E eu? Eu posso beber e sou fraquinha para bebidas. Vou
perder a alma! — Melinda provoca olhando para Victor.
— Sinceramente Melinda, não queira que eu diga em voz
alta o que você está indo perder!
— As pregas? Eu já perdi todas! — A cara que Nicolas faz é
impagável. As bochechas dele chegam a ficar coradas enquanto
todos riem de Victor.
— Ela quis dizer o que estou pensando? — Nicolas
pergunta para mim, e eu aperto suas bochechas.
— Você é uma coisa muito fofa, Nico — digo, beijando-o. —
Vamos chegar lá... — sussurro em seu ouvido.
— Você está querendo dizer o que estou pensando? —
Sorrio e volto a prestar atenção nas demais pessoas.
— Victor, você agora terá que tatuar meu nome em seu
corpo, filho da mãe! Não vai me comprar com Simba algum depois
dessa despedida de solteiro. — Melina está o veneno.
— Olha, eu sei que sou um jovem rapaz, que meu apelido é
garoto de açúcar, mas não pense que é solteira, vossa excelência!
Pode ir abaixando o seu topete. Acredito que saiba que posso ser
tão ruim quanto você é. Deixaremos o topete empinado para os
tribunais. Na nossa vida conjugal, minhas ações dependem
totalmente das suas ações. Me lembro de ter dito isso — Nicolas
avisa, e Lucca começa a rir.
— Aooo Dandaraaa!!! Esse te sentou na vara!!! Os novinhos
tão sensacionais!
— Sem saco para você, Lucca. E para você também Victor!
— aviso, e encaro Nicolas. — Acho que temos mais questões a
serem discutidas do que imaginava!
— Eu também acho — responde, me encarando fixamente.
Eu havia me esquecido que ele pode muito bem bater de frente
comigo. Me envolvi nessa docilidade e esqueci que ele pode ser
difícil quando necessário. A briga será de cachorro grande. A
inocência e a docilidade dele é reservada apenas para alguns
momentos. Em outros ele é o próprio diabinho.
— Eu sou fã desse garoto de açúcar, já — Victor comenta
se divertindo. — Esse é brabo!
— Isso é porque você não me viu no auge da fúria, sugar
daddy — Melinda rebate, fazendo o sorriso desaparecer do rosto
dele.
— Ao Melinda, faz assim não, benzinho. Vamos fazer as
pazes. Nem fui para a despedida de solteiro ainda e você já está
ferindo a minha alma.
— Aqui em casa o sofrimento começa com antecedência —
ela argumenta.
— Lucca também nunca me viu no auge da fúria. Sou
conhecida por ser a mulher compreensiva, amável, levemente louca.
Ele desconhece meu lado furiosa e acho que precisa conhecer
antes de nos casarmos. Na verdade, eu não acho, estou certa sobre
isso. Você vai conhecer minha versão dark, Lucca Albuquerque!
Quer pagar para ver? — Paula diz ameaçadora.
— Paula, Jacinto suas ameaças! Estou arrependido! Não
teremos mais despedida de solteiro, eu juro. Vamos assistir Meteflix!
La casa da piroca, Sex Education, a Anatomia do meu pau... —
Misericórdia!
— Você pode ter decidido não ter, mas eu estou com a ideia
fixa de que a minha despedida será perfeita! Inclusive, vou ligar para
o restante das mulheres da família. Ava, Luma, sua mãe, minhas
amigas. Será em grande estilo. E, antes que eu me esqueça, já
conheço a anatomia do seu pau muito bem. — O modo decisivo
dela quase me assusta. Estou começando a temer essa situação,
mas agora preciso conduzir até o fim. Estou precisando de um
pouco de diversão, é a chance perfeita. Nunca tive muitas amigas
para levar para o mal caminho.
Só sei que me encontro sorrindo, vendo o tiro entrar pela
culatra dos três mosqueteiros.
A discussão acaba quando as crianças surgem como três
anjinhos. Sinceramente, nunca fui uma mulher apaixonada por
crianças, mas, desde que me tornei mãe não posso ver uma criança
que fico alucinada. Por exemplo, olhar Sophie me faz querer ter uma
menina com todas as forças que possuo.
— Tio Nico!!! — meu filho exclama de maneira exagerada e
sai correndo para os braços de Nicolas, que sorri amplamente. Eu
queria não ser má, mas sou, e por isso acabo olhando para Lucca,
rindo da cara que ele está fazendo. O drama vem, se não for agora,
será em alguns minutos.
— Caralho! — o ouço dizer. — Meu coração foi massacrado
agora. Não esperava uma traição desse porte. — Reviro meus olhos
e vou pegar Sophie.
— Meu Deus do céu! Melinda, essa garota é a cópia de
Victor. Pelo amor de Deus, olhe para ela! Estou tão apaixonada! —
comento sorrindo. — Olá, Soso.
— Olá — ela responde me observando e coloca as duas
mãozinhas em meu rosto. Ela abre um sorriso tão incrível, que me
pego suspirando.
— Ai meu Deus! Eu quero uma filha!
— O quê? — Nicolas pergunta, e eu me pergunto como ele
escutou eu dizendo essa besteira.
— Os homens possuem uma audição bem seletiva, não é
mesmo? — Paula diz rindo, e Samuel vem agarrar minhas pernas.
— Meu pinguim — falo sorridente. — Mamãe estava louca
de saudades! — Coloco Soso no chão e o pego. — Meu cheirinho
de amor mais gostoso!
— Mamãe, você é muito linda. — Ele sempre diz isso, e eu
sempre reajo da mesma maneira: sorrindo amplamente.
— Eu tenho que concordar Samuca — Nicolas diz, me
abraçando por trás.
— E o papai? — Lucca pergunta, e todos começam a rir.
Coloco Samuel no chão e ele vai direto para o pai.
— Não estou boa com você, garoto de açúcar! — aviso para
Nicolas.
— Também não estou bom com você. Sou um menino
inocente, você é uma mulher diabólica.
— Sua inocência, neste momento, é de caráter duvidoso. —
Sorrio e pego Victor conversando com Miguelito. É tão bonito, como
Lucca está sendo com Samuel. Ao mesmo tempo que esses
homens são loucos, eles são tão amorosos.
Deixo Nico e vou conversar um pouco com Miguelito. Ele é
tão doce e educado, é bem como um anjo como Melinda costuma
dizer. Mas, a minha distração com ele dura pouco, porque eu vejo
Sophie e Nicolas conversando, e isso atrai mais atenção do que eu
gostaria.
— Ok, hora de ir embora! — anuncio, tentando fugir dos
meus próprios pensamentos.
— Fique para jantar conosco — Melinda insiste.
— Infelizmente não há como, vamos deixar para a próxima.
Nico está de roupão, temos que passar na casa dele para verificar
minha sogra e para ele pegar roupas. Eu quero ficar um pouco com
Samuel também, temos ficado pouco tempo juntos, porque Lucca
sequestrou o meu filho — brinco. — Mentira, ele merecia um tempo
com o filho — digo, observando-o. — Enfim, prometo voltar,
Melinda. Muito obrigada por ter cuidado de Samuel, amanhã ele
está de volta. Prometo que será por pouco tempo.
— É um enorme prazer. Samuel é um amor de criança. As
crianças nem são tão terríveis quanto digo. A convivência com
Victor me ensinou a dramatizar. Eles passam parte do dia brincando
na brinquedoteca, assistindo desenho. Não há trabalho algum — ela
explica sorrindo.
— Obrigada mesmo! — A abraço e vou me despedir dos
demais. — Paula, pegue meu número com Lucca. Vamos fazer a
despedida acontecer.
— Mas iremos mesmo! — ela exclama muito decidida. Me
despeço de Victor, de Lucca e das crianças. Acho fofo quando
Samuel vai nos braços de Nico até o carro, e mais fofo ainda
quando Nico o prende na cadeirinha.
Não demora muito para pararmos diante da casa de Nicolas.
Eu e Samuel ficamos o aguardando no carro, mas dura pouco.
Quase solto um grito ao ouvir batidas na janela e, quando olho, vejo
dona Edna e uma outra mulher esperando que eu desça.
Sorrio completamente sem graça e desço. Não estou
acostumada com esse tipo de situação em que preciso ser toda
amores e simpatia. Samuel me grita, achando que o deixarei preso,
e vou pegá-lo antes de cumprimentá-las.
— Olá! — digo sorridente, indo dar um abraço em dona
Edna enquanto seguro meu filho em um só braço.
— Essa é Solange, a tia que Nico tanto fala. — Dona Edna
apresenta, e eu vou cumprimentar Solange.
— É um prazer conhecê-la, Solange. Nicolas fala muito bem
de você. — Merda, a mulher parece pouco mais velha que eu,
apenas. — Esse é meu filho, Samuel. Diga olá, filho!
— Olá! — ele diz, e as duas se pegam rindo.
— Entre, venham! — Dona Edna sai me arrastando e
percebo que não tenho escapatória. — Graças a Deus você e meu
menino se entenderam. Eu não aguentava mais ficar em cima da
cama! — ela diz, fazendo com que eu abra a boca em choque.
— Como assim, dona Edna? — pergunto impactada.
— Nicolas esteve muito tristinho e dona Edna teve que fazer
um drama para tocar no coração do menino — Solange explica.
— Oh Meu Deu, dona Edna! Não sei se rio ou choro.
— Mas, em minha defesa, eu fiquei muito triste com a
separação de vocês, minha filha. Muito triste mesmo. Meu menino
estava desolado, sem lugar, ficava vagando pela casa como um
fantasma. Deus há de me perdoar! — Eu quero rir, e é exatamente o
que faço. — Eu ficava tentando extrair as coisas dele, mas ele se
manteve fechado.
— Compreendo. Coisas de mãe — falo, tentando amenizar
a culpa dela. — É o nosso segredinho.
— Pensando por outro lado, quando eu tiver uma crise de
verdade talvez você não vá acreditar — ela diz pensativa. — Não
vou mais fingir, prometo.
— Oh! A senhora é muito doce, dona Edna — comento
sorridente, e ela pega Samuel de meus braços. — Já tive em um
estágio depressivo, acho que saberei distinguir uma crise
verdadeira. Não se preocupe.
— Sente-se Dandara, preciso te dizer que você é ainda mais
bonita pessoalmente. Nicolas disse muito sobre você também. É um
imenso prazer recebê-la em nossa casa. — Solange é tão doce
quanto dona Edna. Eu acho imensamente incrível o fato dela se
referir à própria casa como se fosse de todos. Isso diz muito sobre
sua personalidade e seu caráter, explica também o fato de Nicolas
sempre falar com muito carinho sobre ela e o marido. — Seu filho é
um amor de criança. Ele se parece muito com você — fala, dirigindo
o olhar à Samuel, que está fazendo carinho no rosto de dona Edna.
— Ele é muito carinhoso, um grande orgulho. Sim, ele tem
meus traços, mas possui características do pai também — digo,
satisfeita com o ser humaninho que é a minha metade.
— Foi impressão minha ou Nicolas chegou mesmo vestindo
um roupão? — um homem surge perguntando, e então paralisa
assim que me vê. — Olá! Que honra tê-la em nossa casa! — Me
levanto quando ele me puxa para um abraço de urso. Isso não
combina comigo, mas não há mesmo como fugir e me pego
retribuindo. — Sou Marcos, tio de Nicolas.
— Sou Dandara, a...
— A temida juíza e namorada do meu menino! Ele me falou
bastante sobre você. Acho que agora consigo entender o roupão,
estavam namorando, né? — Isso me deixaria mortificada, mas acho
que já estou acostumada com esse tipo de situação, afinal, os
Albuquerque’s são mestres em deixar as pessoas envergonhadas.
— Ele tomou banho na minha casa, mas não há roupas dele
lá. Apenas as que estava usando e elas estão molhadas porque
tomamos chuva. Vesti-las não era uma opção — me explico,
tentando soar o mais sútil possível.
— Vejam só! Esses jovens gostam de aventuras na chuva!
— dona Edna diz. — Você e esse menino bonito vão jantar conosco.
Precisa se alimentar bem para dar conta do meu menino!
Meu Deus, eu sei que fui ruim, bem diabólica, grande parte
da minha vida, mas sinto que esse jantar será altamente insano e eu
ainda estou me adaptando ao meu novo eu. Me ajude, Senhor!
— Eu... — vou argumentar, mas ela me interrompe. É então
que Nicolas chega e eu o olho quase que suplicando.
— Sem desculpas, Dandara! — dona Edna anuncia, ficando
de pé e o traidor do meu filho sai saltitante de mãos dadas com ela.
— Nico...
— Ela disse sem desculpas. Quer conhecer o meu quarto
novamente?
— Esses jovens são muito dispostos ao sexo! — Marcos diz
para a minha mortificação final.
NICOLAS
Dandara está extremamente engraçada. É divertido ver seus
muros desabando e deixando-a sem graça. Ela é o tipo de mulher
que gosta de estar no controle e quando o perde é quase cômico.
Ela não sabe lidar com desconforto, com situações embaraçosas
que retiram todo controle que possui. Mas cômico ainda é vê-la
forçando fortemente simpatia quando tudo que queria é desaparecer
do lugar. Isso não me deixa chateado, nem mesmo um pouco. Ela
parece ansiosa para ir para casa, e é um direito dela estar, então ela
encontra a minha família louca e eles praticamente a obrigam a
ficar. Eu poderia relutar, explicar que precisamos mesmo ir para
casa dela, pois os últimos dias foram fodidos para ambos, mas
quero mesmo ver como ela se sai diante deles, diante do embaraço
e da perca de controle, quero que ela frequente minha casa, que se
familiarize com os meus familiares. Sem contar que estamos com
Samuel e minha mãe é completamente apaixonada por crianças.
Seguro sua mão e a conduzo rumo ao meu quarto. Ela está
levemente tensa por estar desconfortável e eu já sei tudo o que me
espera; é quase como um script. Uma vez que tranco a porta, ela
solta seu suspiro.
— Eu não quero que me leve a mal, de verdade, Nico, eu
amo sua mãe e é um imenso prazer conhecer seus tios, porém, é
perceptível a minha agonia para ir casa. Eu gostaria de ficar sozinha
com você e com o meu filho. Eu senti sua falta. — Passo meus
braços por sua cintura e a puxo para mim.
— Eu senti sua falta também e compreendo sua ansiedade.
Há um tempo perdido a ser recuperado e você está ansiosa por
isso.
— Embora eu esteja ligeiramente revoltada com você, o
quero muito, o quero só para mim. Não me sinto pronta para dividi-lo
com outras pessoas ainda. Quero ficar com você essa noite, sem
desgrudar. Você e meu filho. Preciso dos dois só para mim. — Isso
é muito surpreendente, muito. Esse carinho me pega sempre de
surpresa e até mesmo me dar a sensação de estar em meio a um
sonho. Ela nem mesmo se parece com a mulher que conheci. É
outra pessoa, uma que me faz quase cair de joelhos aos seus pés.
Não sei como aplacar essa carência. Não tivemos muito
tempo essa noite e eu sinto que também não tive o bastante dela.
— Minha mãe me ensinou que às vezes precisamos nos
adequar a determinadas situações, mesmo que elas não sejam
exatamente o que queremos. Estou ansioso para estar com você e
Samuca, nós ainda faremos isso hoje, amanhã, enquanto não
tivermos tido o suficiente um do outro. Não vamos demorar, cacto. É
apenas um jantar e então iremos embora. Seremos apenas nós três,
até que Samuel durma. E, quando ele dormir, seremos nós dois.
— Nós dois... — ela quase geme ao dizer as palavras, e
isso desperta meu corpo no mesmo instante.
— Sabe, durante o período em que estávamos afastados
encontrei algo — digo, apertando-a.
— O quê? — pergunta, e eu me afasto dela para ir pegar
meu laptop. Digito minha senha e abro a posta que contém algumas
fotos. Isso a faz soltar um suspiro. — Isso é uma merda, Nicolas.
— É uma merda que muitos homens tenham visto a minha
namorada assim. Apenas isso é uma merda, todo o restante é
perfeito pra caralho. Você é perfeita e essas fotos foram como um
tormento. — Descobrir fotos da minha namorada nua não é algo
agradável. Dandara ultrapassou alguns níveis em relação a ser
gostosa. As fotos não são tão explícitas, não mostram sua
intimidade tão abertamente. São sexys, nada vulgares. Um nu
artístico perfeito que revelou em mim uma possessividade que
desconhecia. Embora eu tenha um monte de elogios a fazer, não
consigo esconder um desconforto.
— Isso foi há muitos anos.
— Nem mesmo parece. Os anos estão sendo generosos
com você, vossa excelência. Você conseguiu o impossível, ficar
ainda mais bonita e ainda mais gostosa do que está nessas
fotografias.
— Por que salvou essas fotos? — pergunta de uma maneira
avaliativa, e um leve sorriso cruza meu rosto antes de eu puxá-la
novamente para mim. Afasto seus cabelos e me aproximo se sua
orelha:
— Talvez eu não seja tão puro e inocente quanto você acha
que sou.
— Me mostre — pede. — Me mostre que é um garoto
pervertido. Me mostre o que fez enquanto observava essas fotos.
Não tenha vergonha ou medo, eu vou amar ver. Vou amar cada
segundo. Vou desejar você em mim a cada movimento. Seja um
garoto corajoso para mim. — Ela está sugerindo que eu me
masturbe sob seu olhar? É algo normal, eu sei, mas não é muito
normal quando se namora uma mulher como Dandara. Quer dizer, é
normal, mas é intimidante, principalmente porque o olhar dela é
capaz de aterrorizar uma pessoa. Ela se parece como uma juíza em
todos os momentos e tenho medo de receber um julgamento ruim
pela minha performance. Quão ridículo eu sou por pensar nisso? Eu
odeio que em alguns momentos consiga ser tão maduro e em outros
eu me pareça como um garoto amedrontado.
— Mamãe!!!! — Samuel me salva do julgamento final
batendo na porta. Dandara começa a rir, me encarando e eu me dou
conta de que seu riso é porque soltei todo o ar que estava
prendendo.
— Vamos conversar sobre isso mais tarde — ela avisa.
— Sobre o quê?
— Sobre seus receios em relação a mim. Nico, você é
bastante transparente em determinados momentos. Eu vi o medo ou
qualquer merda que não cabe entre nós, mas não se preocupe, eu
terei o maior de todos os prazeres ensinando a você — diz
promissora e se vira, indo até a porta e a abrindo.
Samuel vai direto para os braços dela e eu quase vou junto,
pedindo um colo. Saudades de quando não tínhamos sexo e não
havia sentimentos, eu podia usar toda minha petulância com ela,
sem medo. Não quero me submeter a ela no quarto, preciso
melhorar e vou, em pouco tempo será ela se submetendo. Tenho
meus momentos, mas só os tenho quando ela me dá total poder.
Aooo Dandara!
Merda, eu estou dizendo "aooo" e isso é algo que o ex dela
dizia. Preciso de terapia, intensiva.
ANOS ATRÁS
Eu vejo Victor fugindo para casa com Melinda e os olhos de
Lucca encontram o meu. Por alguns minutos estive curiosa sobre o
tanto que eles me olhavam e conversavam, mas não vem ao caso
agora. Distancio meu olhar do dele e caminho decidida pelo deck,
sem despedidas. Há várias lanchas ancoradas, para conduzir os
convidados por toda ilha e eu estou quase entrando em uma quando
Lucca me puxa pelo braço.
— Aonde você está indo?
— Resolver alguns problemas — digo. — Eu voltarei.
— Hoje?
— Não. Amanhã tenho que resolver o problema com
Diógenes, e logo irei até a minha família. Tenho algumas férias
atrasadas e vou precisar delas agora. Não posso afirmar quando
voltarei, mas voltarei — explico.
— Não compreendo. — Seu olhar é atordoado.
— Eu quero você, demais.
— Eu também quero você demais, então por que está indo
embora? — pergunta, visivelmente frustrado.
— Não estou indo embora da sua vida. Estou indo resolver a
minha própria vida para poder entrar na sua sem trazer problemas,
de coração e mente abertos — explico. — Lucca, a minha relação
familiar é algo que me afeta muito, estou com problemas com
Diógenes. Enquanto eu não resolver isso, não é certo ficarmos
juntos. Há uma carga enorme de peso na consciência sobre mim
neste momento, eu estou angustiada e olho para você, para a sua
família, e percebo que algo infinitamente bom está esperando por
mim. Só que eu não posso deixar todos os problemas de lado para
embarcar num romance com você agora. Preciso resolver tudo o
que me deixa angustiada, todo o meu passado, para poder viver
bem o meu presente. — Na verdade, não acredito que meu passado
tenha solução, mas é isso que quero dizer à Lucca. Ele não pode
saber que meu passado é terrível de todas as maneiras e que não
sou a pessoa que ele acredita que sou.
— Dandara, para mim tudo isso é bastante complicado.
— Imagino. Agora imagine para mim? Eu preciso resolver a
minha vida antes de compartilhá-la com você — digo, tentando
passar toda a minha verdade para ele, para que consiga
compreender. — Você pode me esperar?
— Não vá ou me deixa ir com você — implora com os olhos
repletos de lágrimas.
— Eu preciso enfrentar a minha família, e isso tem que ser
sozinha. Lucca, eles não são como os seus familiares. A minha
perspectiva é diferente da sua. Eu só peço que me dê um tempo de
consertar as coisas. Me espere, ok?
— Eu já esperei tempo demais, Dandara — diz chateado.
— Sei disso, mas estou fazendo isso por nós, para termos
algo bonito, começarmos bem. Me espere, Lucca. Eu quero você —
peço, com lágrimas em meus olhos, e ele faz um carinho em meu
rosto. — Por favor, me espere.
— Por que eu sinto que você não vai voltar? Por que eu
sinto que sou o único a amar aqui? — Não tenho o que responder.
Não sei o que responder. Ele respira fundo, magoado, com toda a
razão, e então diz: — Vá. Vá antes que eu desista de deixá-la ir,
Dandara. — O vejo me dar as costas e sair andando de volta para a
festa. Por que eu sinto que ele merece algo que eu nunca serei
capaz de dar?
— Lucca...
— Quando voltar, esteja com os meus cachinhos, eu os amo
— é tudo o que diz, enquanto lágrimas escorrem de seus olhos. —
Eu sou completamente apaixonado por você, merda! — Ele passa
as mãos pelos cabelos. — Vá logo, Dandara. Entre nessa merda de
lancha e vá. — Balanço a cabeça em concordância e entro na
lancha.
PRESENTE
— Eu não fui resolver qualquer questão com Diógenes, meu
foco era a minha família, precisava vê-los, saber que eles não
seriam fantasmas em minha vida.
— Por que eles seriam fantasmas? — Nico pergunta.
— Pouco tempo depois que me casei, eles procuraram
Diógenes pedindo dinheiro, e ele passou a dar uma mesada para
eles, para que eles se mantivessem afastados de mim. E, uma vez
que eu estava prestes a me separar de Diógenes, esse dinheiro iria
parar de chegar até eles, precisava garantir que eles nunca me
procurariam, se aproximariam de mim e de Lucca, porque eles
sabem algumas poucas coisas do meu passado e eu não queria que
chegasse aos ouvidos de Lucca.
— Então você foi até eles buscando mantê-los calados e
afastados?
— Exatamente. Nico, sei que é extremamente triste
visualizar essa cena, é triste para mim lidar e dizer isso, mas eu
desenvolvi um certo pânico dos meus pais. Eles nunca foram uma
base de apoio para mim, mas tiveram a coragem de ir pedir dinheiro
ao meu marido, ao homem que eles nem mesmo queriam que eu
me casasse. Isso só aumentou o meu nojo. Meus pais foderam com
a minha vida. Eu era uma criança tão boa, recebia centenas de
elogios pelo meu comportamento, minha inteligência, todos
enxergavam em mim um potencial que eles nunca foram capazes
de enxergar. A única pessoa que me defendia era uma professora,
eu não podia contar com os meus próprios pais.
— Entendo...
— Diógenes dava a eles 2 mil reais por mês. Um total de 24
mil reais anualmente. Fui até o meu banco com duas malas
enormes e solicitei 48 mil reais, que pagaria duas anuidades.
— Isso é absurdo.
— Sim. Depois que retirei esse dinheiro, voltei às origens e
fui até os meus pais. Fui recebida como se fosse um bandido, eles
nem mesmo abriram a porta para me receber.
PASSADO
— Vocês não me deixarão entrar? — pergunto, movida pela
curiosidade.
— Você não é bem-vinda aqui, Dandara. Volte para o seu
palácio, com aquele velho.
— Eu nunca fui bem-vinda. Na verdade, eu gostaria de
saber porque vocês me trouxeram ao mundo quando não tinham
nem mesmo a intenção de serem pais. A senhora, querida mamãe,
deveria ter abortado!
— Não fale assim com a sua mãe! — meu pai repreende.
— Eu não tenho mãe. Essa desgraçada não é a minha mãe,
e você tão pouco é meu pai. Sou órfã de pai e mãe! — grito
revoltada. — Vocês vão pagar caro, ou eu não me chamo Dandara
Farai! Sabe o que trouxe, queridos papais? Duas malas cheias de
dinheiro para os dois. — Eles se entreolham e eu seguro a vontade
de esganar um por um. — Mas, não os entregarei. Vocês merecem
viver na miséria, merecem ficar catando lixo da casa dos ricaços,
vivendo de sobras com um salário que não sobra nem mesmo para
fazer um passeio até Seropédica, para nadarem no mar de lama
que merecem — digo rindo com lágrimas nos olhos. — Sabe o
dinheiro que recebem todos os meses vindo do idiota do Diógenes?
Ele acabou!
— Não pode fazer isso! Dependemos desse dinheiro! Seu
pai está fazendo um tratamento importante — minha mãe
argumenta, perdendo até a cor do rosto.
— Eu quero que vocês dois morram! Vocês são uns
monstros, renegaram a própria filha, foram omissos, só pensam em
dinheiro. Peça a seus lindos patrões para bancarem o que quer que
seja. O meu dinheiro vocês não terão nem mesmo para pagar o
caixão quando morrerem. Quem será que morre primeiro? Eu
aposto na senhora, mamãe!
PRESENTE
— Meu Deus! Eu não sei o que dizer e o que pensar — Nico
diz, esfregando o rosto. — Isso tudo é pesado demais, Dandara.
Ele vai me deixar.
Nico é jovem demais, inexperiente demais, para conseguir
compreender minhas ações. Muitas das vezes nem eu mesma
entendia. É tão injusto que me libertar do meu passado me faz
perder o garoto que se tornou o motivo para que eu querer apagar
tudo aquilo e começar uma nova vida. Ele não consegue me encarar
agora, por isso apenas abaixo a minha cabeça e decido prosseguir.
Relembro de como saí da "casa" deles após amaldiçoá-los e
fui direto para um hotel e bebi pelo resto da noite.
— Sentindo o peso da rejeição, passei em um boteco,
comprei duas garrafas de bebida e decidi dormir em um hotel bem
próximo à casa. Me embebedei a noite inteira, mas, incrivelmente,
na manhã seguinte eu estava bem. Acho que meu ódio era muito
mais forte que os efeitos do álcool. Eu saí para tomar café em uma
padaria e descobri que haveria uma festa na igreja que meus pais
frequentavam, com show e tudo mais. Então minha mente começou
a trabalhar em um plano diabólico. Descobri que a festa começaria
às oito da noite e, às oito e meia estacionei meu carro no local,
desci carregando as duas malas de dinheiro.
PASSADO
Carregando duas malas de dinheiro, ando pelo salão de
festas e vejo todos os olhares se voltarem para mim, como se fosse
uma assombração. Não me intimido, encaro todos que consigo e até
mesmo dou um sorriso. Há sangue em meus olhos e fome de
vingança, o suficiente para me deixar cega.
Passo pelos patrões dos meus pais e os encaro fixamente.
Eles me odeiam desde que tirei a guarda do filho da linda filhinha
deles.
Há um palco onde o padre está dando um sermão e o vejo
gaguejar ao me ver se aproximar. Subo os degraus até o palco,
coloco as duas bolsas de dinheiro no chão e, com toda educação
que possuo, peço para que o sacerdote dê o microfone a mim. Com
as mãos trêmulas ele me entrega e eu agradeço.
— Boa noite! Só há pessoas lindas e com o coração puro
aqui essa noite, hein? — digo sorridente, enquanto todos os olhares
estão sobre mim. — Consigo ver meus amados pais, os patrões
queridos deles, alguns amigos amáveis da época da escola. Se
lembram de mim? Oh, é claro que se lembram! A negrinha fedida,
filha da empregada, a garota do cabelo ruim que comia sobras dos
patrões dos pais. Era o que todos vocês diziam, não é mesmo? A
fedorenta, a suja, a leprosa, a "Isaura", consigo lembrar de mais
alguns apelidos dóceis.
— Dandara, está maluca? — meu pai questiona
visivelmente desesperado.
— NÃO OUSE SE APROXIMAR! — grito, impedindo-o de
subir ao palco. — Esse homem aqui, é o desgraçado responsável
pela minha existência, juntamente com aquela senhora ali — falo,
apontando para a minha mãe. — Meus amados pais, pessoas de
bem, como a maioria de vocês. Já eu, sou conhecida como a
vigarista, já ouvi rumores até de que me prostituía. Mas, sabe o
quê? Eu realmente transei com muitos homens.
— Oh!
— Muitos. Todos milionários. Dizem que negras têm o
sangue quente, não é assim que vocês falam? Era o que eu ouvia
dizer. Meu sangue é muito quente e isso sempre atraiu muito os
homens — digo sorrindo. — Bom, como posso ver aqui, todos
continuam os mesmos, fechados nessa vidinha pequena, nesse
lugar tóxico, onde o fato de possuir um pouquinho de dinheiro e ser
branco dá superpoderes para humilhar as pessoas. Enquanto vocês
permanecem aqui. Onde estará a Dandara? A prostituta? Oh! Vocês
querem mesmo saber? Pois bem! Sabe o superpoder que cada um
de vocês acham possuir? Então, o poder está comigo agora. E
vocês? Onde estar o poder de cada um? — pergunto. — Estudei e
agora sou uma JUÍZA, inclusive julguei a filha da puta. Digo, a filha
da patroa da minha mãe. Eu sou a lei, e vocês? Quem são vocês?
O que são vocês?
— Você está perdendo a mente!
— Vocês não sabem, mas a linda filha deles, a princesinha,
me humilhava todos os dias na escola. Reunia todas as patricinhas
para ficar me humilhando e dizendo que eu não merecia estar ali.
Eu ouvi todos os xingamentos possíveis, coisas desumanas para
uma adolescente que nunca havia feito mal a qualquer pessoa. E,
todos os dias, TODOS OS MALDITOS DIAS, eu contava aos meus
pais e eles diziam que era FRESCURA. — Sorrio entre lágrimas. —
Eles diminuíam todas as minhas dores, porque parece que
FRESCURA é sempre a palavra que as pessoas ruins usam para
justificar e diminuir o problema dos outros. Depressão? É frescura!
Racismo? É frescura. Bullying? É frescura! Tudo é frescura, não é
assim que vocês dizem? — questiono entre lágrimas. — Eu sofri
bullying por anos e meus pais, as pessoas que deveriam me
proteger ou lutar por mim, apenas diziam: É FRESCURA, MENINA.
AGRADEÇA POR ESTAR EM UMA ESCOLA BOA. Mas, a escola
não é boa! A escola é uma merda e todos os alunos também eram.
A escola não queria saber se os alunos sofriam bullying ou não, eles
só se interessavam em receber o dinheiro das mensalidades. Todos
me tratavam como um lixo por conta da cor da minha pele, por conta
dos meus cabelos, por conta de ser filha dos empregados. Desde
quando ser filha de empregados é vergonha? Que espécie de
valores vocês possuem? — questiono a todos. — NUNCA meus
pais me apoiaram, NUNCA meus pais me ouviram, eles NUNCA me
confortaram ou sequer se importaram com as minhas lágrimas. —
Eu os encaro e balanço a minha cabeça negativamente.
Vocês deveriam sentir vergonha de frequentar uma igreja.
Que espécie de fiéis vocês são? Como têm a coragem de vir na
casa de Deus, ajoelhar no chão e pedir bençãos? Dizem que filhos
são presentes de Deus. Se vocês são fiéis tão fervorosos como
aparentam ser deveriam saber disso, deveriam seguir isso. Por que
foram omissos? Por que renegaram a própria filha? Por que sempre
diminuíram as minhas dores? Por que fizeram tudo o que fizeram?
Sempre, tudo na vida dos dois foi em função de um maldito dinheiro.
O dinheiro corrompeu vocês ao ponto de abandonarem a própria
filha, ao ponto de me jogarem no meio dos lobos. Eu era só uma
adolescente, era só uma garota que tinha um coração puro, que
queria ter orgulho da própria história. E, por causa de vocês hoje eu
odeio quem me tornei, odeio todas as coisas que fiz. Vocês
moldaram uma mulher ruim, uma mulher vingativa, vocês destruíram
a minha vida com a omissão. E, cada uma das pessoas que estão
presentes aqui, contribuíram um pouco para a minha destruição. É
dinheiro que vocês queriam? — pergunto, abrindo uma das malas.
— É o dinheiro que move todos vocês que estão aqui? Será que
agora, eu sendo juíza e rica, tenho o respeito e empatia de todos
vocês? Será que agora eu me encaixo no círculo social de vocês?
— Sorrio, pegando bolos de dinheiros nas mãos. — Vocês são
todos POBRES. Dinheiro algum no mundo é capaz de diminuir a
pobreza que cada um de vocês carrega. São seres humanos pobres
de caráter, pobres de empatia, pobres de honra, pobres de tudo.
Vocês são tão pobres, que a única coisa que possuem na vida é o
dinheiro. POBRES, NOJENTOS, DESGRAÇADOS! TODOS
VOCÊS!!! — Começo a tacar o dinheiro para o alto enquanto as
pessoas parecem chocadas. Começo a rir quando vejo meus pais
desesperados tentando pegar todas as notas no chão e isso me
motiva a continuar jogando dinheiro até esvaziar as duas malas.
Quando termino, desço do palco e vejo a maioria das
pessoas lutando pelo dinheiro caído ao chão. Quarenta e oito mil
reais para alimentar a fome de dinheiro de um bando de pobres.
Eu paro diante dos meus pais e eles levantam a cabeça
para me encarar:
"Diante de mim as pessoas se inclinam..."
— Eles são pobres, mas vocês... vocês são miseráveis!
— Estou livre de todos os segredos e todos os erros —
digo chorando, observando lágrimas correndo dos olhos do
meu garoto de açúcar. — Eu acho que o perdi, porém, nesse
momento, eu acabo de me reencontrar. Obrigada por isso...
você conseguiu o impossível. Você me libertou.
NICOLAS
Eu não entendo o motivo pelo qual Dandara está agora
sentada ao chão, com a cabeça deitada em meus joelhos, me
agradecendo. Ou talvez eu entenda. Não sei, é tudo tão louco.
Nunca havia escutado uma história em que eu conseguisse
enxergar todas as cenas como se fizesse parte daquilo. Também
nunca havia conseguido sentir a dor de outra pessoa de uma
maneira tão profunda e tocante. Nunca havia conseguido sentir em
uma conversa tanta verdade, tantos sentimentos, tanta
complexidade. Vislumbrei as cenas como se eu estivesse dentro
delas, eu fui capaz de escutar cada um dos gritos de revolta que
Dandara deu no passado.
É tudo pesado demais. Um fardo pesado demais para
qualquer pessoa lidar sozinha. Tudo que ela me contou justifica
muito algumas atitudes. Estou completamente impressionado, ainda
há algumas dúvidas em minha mente, questões que quero saber
para fechar a minha opinião sobre tudo isso.
— Posso te fazer algumas perguntas? — Indago, limpando
meu rosto.
— Sim.
— Nunca contou isso a qualquer pessoa?
— Nunca. Nem mesmo à minha terapeuta — responde. —
Nunca tive coragem.
— Nunca contou essa parte da história à Lucca?
— Nunca — diz suspirando. — Depois que deixei meus
pais, me perdi por um tempo. Demorei a retornar para Lucca. Menti
para ele sobre o que estive fazendo — confessa. — Na mente dele
eu estive me entendendo com os meus familiares por meses.
— E onde você estava?
— Em um lugar onde ninguém me conhecia, onde eu não
era a juíza ou até mesmo a própria Dandara. Não possuía estrutura
mental para lidar com Lucca, com a família dele e com Diógenes.
Não possuía estrutura mental para voltar rápido e continuar
mentindo. Eu me perdi por um tempo e então, quando percebi que
estava me transformando em tudo que nunca quis ser, voltei para
ele. Dei uma desculpa qualquer e ficamos juntos. Lucca me amava.
— E você não contou a ele? Por que não contou a ele e
contou a mim? — Ela dá um sorriso vazio e limpa as lágrimas.
— Porque eu acho que nunca senti por ele metade do que
sinto por você. Nunca tive medo de perder Lucca porque sabia do
amor que ele sentia por mim. Mas, tenho medo de perder você —
confessa. — Eu sou terrível, não é mesmo? Amo Lucca, o amo
demais, mas o amo de uma forma diferente. O amo pelo fato de ser
um dos melhores seres humanos que tive o prazer de conhecer, o
amor pelo caráter, pela generosidade, por sempre ter uma mão
estendida para quem quer que precise, por ser o melhor amigo que
uma pessoa pode ter. Mas o que eu sinto por você é bastante
diferente, é aquele tipo de sentimento insano, incontrolável, que dá
vontade de atropelar as pessoas, que dá vontade de lutar, guerrear
com o mundo, furar os olhos de todas as mulheres e mais um monte
de coisas. Me sinto tremendamente mal por ter enganado a mim
mesma, por ter sido confusa e pela minha confusão ter iludido
Lucca. O fiz sofrer, Nico. O fiz sofrer demais, o fiz ficar perdido por
um tempo. Tudo porque eu fui egoísta, confusa, orgulhosa e por me
achar a pessoa mais autossuficiente do mundo. Agora estou aqui,
sentada nesse chão, enxergando que não sou autossuficiente, sabe
por quê? Porque sinto que sou um fardo pesado demais para você,
sinto que todas as revelações que fiz podem ter acabado de tirá-lo
de mim e se você se for, eu serei infeliz. Não sou autossuficiente
porque minha felicidade não depende só de mim e porque
sentimentos não podem ser comprados. Não existe autossuficiência
quando o coração está em jogo.
Revelações.
São quase quatro da manhã e continuo recebendo uma
quantidade generosa de revelações. Ela levanta a cabeça, olha para
mim e volta abaixá-la, iniciando um choro profundo. As lágrimas
queimam em meus olhos, porque eu não faço ideia do que fazer
para aliviar a dor que ela está sentindo. E, pior, quando afasto as
mãos dela das minhas pernas para poder ficar de pé, ela
simplesmente aperta mais forte.
— Eu nunca imaginei que imploraria um homem. Você
deveria saber que mulher nenhuma deve implorar para um homem
ficar. Mulher nenhuma. Isso que estou fazendo foge da lei das
mulheres. — Ela está falando um monte de baboseiras. — Você
entende o que está acontecendo? É uma revolução. Uma grande
revolução. Sempre fui eu no poder e as pessoas aos meus pés.
Sempre. Eu sempre fui dona de mim, fui inalcançável, sempre dei
todas as cartas. Sempre levei a sério aquela frase: "Diante de mim
as pessoas se inclinam", eu fiz dela o meu mantra, algo que eu
recitava internamente diariamente quando entrava no fórum ou em
qualquer lugar onde eu via pessoas me temendo. E agora? Estou
inclinada aos pés de um garoto de vinte e um anos!
— Ainda está nessa de idade?
— É a realidade — diz chorando. — Você é um bebê. —
Maldição, eu estou desolado, mas agora eu me pego querendo rir.
Como ela consegue essa proeza de me fazer querer rir quando o
caos acaba de ser feito? — Sou muito desgracenta, não sou?
— Pra caralho! O jeito que você desgraçou a minha vida é
bastante singular e diferenciado.
— Nunca quis desgraçar a sua vida — comenta cabisbaixa.
Eu não tenho estrutura emocional para lidar com uma Dandara triste
e medrosa.
— Mas foi o que fez.
— Me desculpa?
— Não posso perdoá-la, Dandara. Não existe perdão para o
que você está fazendo comigo. — Ela engole a seco e solta minhas
pernas, finalmente. Fico de pé e me sento ao chão, bem ao lado
dela. — Por que está duvidando da minha palavra? Por que está
afirmando que nós dois acabamos e que estou indo embora?
— Você não vai?
— Cacto, posso te contar uma história? — pergunto,
pegando suas mãos.
— Sim.
— Conhece a simbologia da Fênix? — Ela nega com a
cabeça. — Fênix é um pássaro lendário da mitologia grega, que
morria, só que depois de algum tempo renascia das próprias cinzas.
Essa ave possuía uma grande força, capaz de transportar pesadas
cargas durante seu voo, chegando ao ponto de carregar até mesmo
elefantes. Segundo a mitologia, as lágrimas da fênix possuíam até
mesmo características curativas. A fênix também tem o poder de se
transformar em uma ave de fogo muito parecida com uma águia.
Pela sua morte diferente, a fênix se tornou um símbolo de força, da
imortalidade e do renascimento. Ela também simboliza o fogo, o sol,
a vida, renovação, ressurreição, imortalidade, longevidade,
divindade e invencibilidade. Ela simboliza você e sua história. Uma
das simbologias é demonstrar a capacidade que as pessoas
possuem de superar os problemas e obstáculos, um conflito interno
ou entre pessoas.
— E o que quer dizer com tudo isso?
— Não posso aplaudir todas as coisas que fez Dandara,
mas, também não posso afirmar que eu teria feito diferente estando
na sua pele. Só quem está vivenciando a situação sabe suas dores.
Nada disso é bonito, principalmente quando diz respeito a época
que saiu da dependência dos seus pais. Você não buscou os meios
mais bonitos de superação, não sei se estou sendo tolo, porém suas
ações são justificáveis. Você teve pais omissos durante toda sua
vida, em uma fase em que precisava de todo apoio. A juventude é
quando estamos em plena transformação e até mesmo em
formação. A atitude dos seus pais é inaceitável, revoltante. Você
errou mocinha, em muitas coisas. Mas não sou um juiz Dandara,
não estou aqui para julgar os seus erros, quero poder julgar seus
acertos. Há uma lista de coisas na minha mente agora.
"O primeiro tópico dessa lista é a coragem de abrir todos os
seus erros, sem perder um único detalhe. No mundo onde as
pessoas só sabem julgar umas às outras impiedosamente, assumir
erros requer muita coragem. E você foi corajosa. Não imaginava um
passado tão fodido e complexo, você nunca omitiu sobre ter tido um
passado difícil onde cometeu dezenas de erros. É uma mulher de
caráter, aliás eu acho que nunca vi tanto caráter em alguém antes.
Você errou, sabe que errou, assumiu para si mesma, assumiu para
mim e já faz um tempo que vem mudando gradativamente sua
postura. Isso a torna a mulher mais incrível que eu conheci.
O segundo tópico é a sua força. Passar por tudo que
passou, guardar segredos fortes para si mesma, ter enfrentado tudo
de cabeça erguida e conquistado um posto de juíza... não chegou
tão longe por ter saído com um monte de caras. Não foram eles
passando noites em claro estudando, foi você. Você é uma juíza
porque é inteligente, porque se doou, persistiu, estudou, porque
mereceu ser. É uma juíza porque foi forte, quando inúmeras forças
tentavam te puxar você remou contra a maré. Não deixou
julgamentos de pessoas pequenas te atingirem. Foi e mostrou que
poderia ser maior e melhor que todos eles. Quando as pessoas que
deveriam ter sido sua base de apoio soltaram a sua mão, você lutou
sozinha por si mesma e chegou longe demais. Chegou aonde
nenhum deles jamais chegará.
O terceiro tópico é sobre a Dandara mãe. Não concordo
com o fato de ter omitido a gravidez de Lucca, provavelmente eu
nunca teria te perdoado por isso se fosse eu no lugar dele. Sendo
sincero — digo a ela. — Você não foi uma boa mulher para Lucca e
parece que não apenas por ter omitido a gravidez. Mas, caralho
Dandara! Você descobriu a gravidez, escondeu isso, enfrentou nove
meses de insegurança, de confusões hormonais, de carência, de
desconfortos. Maldição! Você nunca havia lidado com bebês e
aprendeu sozinha tudo sobre um recém-nascido; você não teve
base familiar, Dandara, tinha tudo para renegar seu filho, já que foi
renegada. E o que você fez? Se tornou a melhor mãe que seu filho
poderia ter. Eu nunca vi uma criança tão doce, educada, amorosa
como Samuel. E, Lucca provavelmente enxerga esse fato, e vou
dizer que isso é mérito seu. O criou sozinha por mais de dois anos e
fez isso com maestria. Como você fez isso?"
— Eu não sei...
— Eu sei. E agora entendo de verdade que talvez você
nunca tenha amado Lucca de verdade, porque a Dandara quando
ama ela é capaz de tudo. Ela inventa, se reinventa, ela luta,
persiste, atropela o mundo, atropela as próprias convicções, ela
abaixa o topete, inclina, ela se torna a melhor mãe, a melhor mulher,
a melhor amante. A Dandara quando ama revela a um garoto
novinho todo o seu passado, mesmo com medo, mesmo sabendo
que ele pode se assustar e sair correndo. Ela faz isso porque sabe
que se quiser um futuro com ele precisa se desfazer do passado,
dos segredos; faz porque teme que esse passado volta a assombrá-
la e respingue no garoto. A Dandara quando ama é sincera,
carinhosa, alcançável, admirável. Eu havia dito que não te deixaria,
e não sou louco. Não sou louco de perder uma mulher como você,
vossa excelência. Sou novinho, dezesseis anos mais novo que
você, sou inexperiente em muitas questões, me sinto perdido em
outras, mas eu tenho maturidade o bastante para saber que o
passado é passado. Maturidade o bastante para enxergar a mulher
que eu amo, a Dandara do presente é tudo o que me interessa,
tudo.
"E, se eu te amava antes de toda essa conversa e de todas
essas revelações, agora eu te amo muito mais, de uma maneira que
eu nem mesmo sei descrever. Você é uma fortaleza e confiou em
mim para abrir todos os seus erros e todos os seus segredos. Você
renasceu diante dos meus olhos, Fênix, e foi a coisa mais
dolorosamente bonita que já vi. Seus segredos estão a salvo
comigo, cacto. Você finalmente floresceu e eu sou o seu fã número
um. — Enquanto ela chora, eu a abraço forte. — Eu nunca vou
permitir que te diminuam, nunca vou permitir que sofra qualquer
mal. Você nunca mais estará sozinha, porque eu sempre estarei
com você. Todas as suas batalhas agora são minhas. Perdoo você
por ter tido dúvidas se eu ficaria como havia prometido."
— Isso soa como uma absolvição. — Sorrio.
— Sinta-se absolvida, vossa excelência — digo, mexendo
em seus cabelos. — Sua dor é a minha. Estou imensamente triste
por você ter passado tudo o que passou. Não vamos deixar mais
nada de ruim acontecer. Sou seu parceiro no crime. O fardo é
pesado demais, mas se o dividir comigo ficará mais fácil. Obrigado
por confiar em mim.
— Garoto de açúcar, você é a melhor coisa que aconteceu
em toda a minha vida, após Samuel. Você é o único que chegou tão
longe sem nem mesmo se esforçar. Você chegou até o meu
coração, num lugar onde ninguém jamais esteve.
— Não vai dizer as palavras mágicas? — pergunto sorrindo.
— Faça amor comigo?
— Essas são as palavras mágicas? — questiono, me
afastando e olhando seu rosto perfeito.
— Eu...
— Você?
— Eu...
— Você?? É simples e indolor.
— Eu amo você. — Ela volta a me abraçar, mas agindo
como uma criança fujona que está ligeiramente mortificada por ter
dito. Isso me faz sorrir amplamente. Parece que alguém age como
uma novinha às vezes. Talvez ela nunca tenha enfrentado o amor
de verdade. Dizer as coisas de maneira superficial é fácil demais,
mas fazer uma confissão real... é só para os fortes. É para a Fênix,
a mulher que se reinventou e tornou-se minha.
— Amo você, cacto.
Amo muito você...
DANDARA
Acordo sobressaltada, com a certeza de que perdi a hora. A
pontualidade é algo que preso muito, por isso perder a hora é quase
como cometer um crime para mim.
Pego meu celular na mesa de cabeceira e quase grito
quando vejo que são onze da manhã. Onze da manhã, merda! Há
quanto tempo não durmo até esse horário? Nem sexo eu fiz para
usar como desculpa por ter perdido a hora.
Por falar em sexo, não encontro Nicolas na cama, mas
encontro uma bandeja de café da manhã, um botão de rosa branca
e um bilhete. É incrível que até a caligrafia dele seja impecável!
DANDARA
Meu Deus do céu! Nicolas é daqueles que bebe e fica
ligeiramente safado. De repente, já nem estou brava com Lucca, até
estou, mas deixa para depois.
Meu garoto de açúcar sai do banho completamente nu, com
seu membro rijo e se junta a mim na cama, apago a luz da luminária
e me surpreendo com ele pedindo passagem entre minhas pernas.
— Estou bem — comenta, antes de descer sua boca até a
minha e roubar por completo a minha racionalidade.
Se eu já estava com tesão, tudo agora parece amplificado.
Eu gosto de tê-lo me desejando dessa maneira insana, gosto de tê-
lo esfregando o corpo contra a meu e ofegando na minha boca.
Gosto quando ele esquece todo o pudor e se torna ousado nos
movimentos e toques. Eu simplesmente precisava dele aqui, nessa
cama, comigo, para eu poder ter minha dose diária e conseguir
dormir em paz. Estou viciada, o que posso fazer?
Ele deixa minha boca e vem deslizando seus lábios rumo
aos meus seios. Suas mãos rasgam minha camisola ao meio e eu
nem mesmo protesto, porque fico insana quando seus lábios se
fecham em um dos meus mamilos, sugando-o fortemente. Enquanto
ele faz essa maravilha, uma de suas mãos desliza até a minha
calcinha e afasta para o lado. Dois dedos escorregam entre minhas
dobras fazendo com que solte um som em apreciação. Estou além
de molhada, principalmente com ele me tocando dessa forma mais
bruta.
Nico afasta nossos lábios e sussurra em meu ouvido:
— Quero entrar em você.
— Eu quero que entre — incito, mordendo sua orelha. —
Entre... por favor — peço, e ele se move, deixando seu membro no
local ideal. Desesperada eu começo a me remexer sob seu corpo,
incitando-o a apenas ir logo, e ele se encaixa em mim, de um jeito
bruto, de um jeito que me faz gritar.
É bruto, primitivo, rústico. Não há carinho algum enquanto
ele arremete forte, buscando seu próprio prazer em meu corpo.
Apenas agarro suas costas e permito que ele siga seu ritmo
punitivo. Não demora muito para que meu corpo acabe explodindo
como fogos de artifícios, respondendo à brutalidade recém adquirida
do meu namorado. Eu viajo com a sensação gostosa de prazer e
abro meus olhos quando Nico resolve se soltar e começa a falar
coisas sujas para mim.
— Gostosa... eu fico louco quando você goza para mim. Eu
faço você gozar muito, não faço?
— Muito mesmo. Você é tudo.
— Prometo fazer melhor amanhã, mas agora eu vou gozar e
você vai dormir cheia com a minha porra. — Só essas palavras
serviriam para me dar outro orgasmo. O álcool parece trazer uma
versão diferenciada das pessoas, porque é isso que está
acontecendo e eu não sei qual versão eu amo mais.
Com mais algumas arremetidas ele goza, e eu me sinto
sendo inundada pelo seu esperma.
— Deus! Eu amo você, Dandara! Você é perfeito pra
caralho, meu cacto!
— Isso não vai me convencer — digo, mordendo sua
bochecha. — Garoto de açúcar, você está encrencado comigo, e
será preciso mais que sexo e elogios para que eu me incline aos
seus pés.
— Prometo mudar sua mente amanhã de manhã — diz, se
afastando e se deitando ao meu lado. — Agora apenas se vire e
permita que eu te abrace para dormirmos.
— Vou me limpar...
— Não vai não, meritíssima. Amanhã... — Causa perdida.
Ele me abraça, fica mexendo em meus cabelos e, provavelmente,
eu pego no sono antes dele.
Assim que abro meus olhos, relembro que dormir
completamente "espermeada". Não há aquele meu jeito sonolento
de rolar na cama, ficar babando em Nicolas, e só depois de alguns
minutos levantar. Hoje eu simplesmente salto da cama no
desespero por um banho e eu faço isso antes mesmo de escovar os
dentes.
Levo meu tempo sob o chuveiro, lavo meus cabelos, me
seco, escovo os dentes e então volto ao quarto. Nicolas agora está
deitado de bruços e há algo incomum em sua bunda que chama
minha atenção.
A passos lentos, vou me aproximando e rezando para não
ser o que estou pensando. Se for, eu vou quebrar o escritório de
Lucca essa manhã e não será bonito. Fecho os olhos e começo a
tatear, até estar diante do corpo do meu namorado. Vou apalpando-
o até chegar em sua bunda incrível e, quando chego, abro meus
olhos de uma só vez. Eles vão se arregalando juntamente com a
minha boca, até eu soltar o maior grito que eu já dei em toda a
minha existência!
— NICOLASSS!!!
Meu filho surge no quarto no momento exato em que
Nicolas cai da cama completamente nu!
— Tio Nico tá pelado!!! — Samuel diz rindo.
Lucca está morto... e Nicolas? Eu não sei que diabos eu
farei, mas sei que farei algo!
DANDARA
— Oh merda! — Nicolas grita, tentando cobrir seu objeto
sexual com as mãos.
— Tio Nico tá peladão! Tio Nico tá peladão! — Esse garoto
está começando a mostrar que é filho do Lucca mesmo! Não sei o
que fazer!
— Filho! Você vai constranger tio Nico. Não que ele tenha
algo para ficar constrangido, de forma alguma... enfim! Samuel
Farai! Ai, ai, ai! Bora deixar o tio Nico vestir uma cueca para cobrir o
piu piu? — sugiro, colocando as mãos nos ombros do meu filho e o
conduzindo para fora do quarto.
— Mamãe! Bom dia! — meu pequeno diz, e toda minha
raiva se esvai por alguns minutos.
— Bom dia, meu pinguinzinho mais gostoso! É hora de
tomar banho, encher o barrigão e ir para a casa do tio Victor.
— Ebaaa!
— Eba nada! Seus dias de bagunça estão por um fim,
senhorzinho. Mamãe está quase conseguindo alguém de confiança
para trabalhar aqui e você vai para a escolinha! — Ele fica rindo e
começa a retirar as próprias roupas. Orgulho preenche meu peito.
Três aninhos e tão inteligente, tão esperto, tão "querendo" ser
independente. Samuel muitas vezes age como um garoto de cinco
anos de idade. Acho que isso é devido ao fato de ter convivido
apenas comigo. Acredito que isso vá sofrer mudanças agora que
está no convívio familiar.
Dou um banho nele, o visto e caminhamos rumo à cozinha.
Ele corre para o sofá da sala e liga TV, enquanto isso preparo o café
da manhã. Samuel ama misto quente, eu preparo alguns porque o
lindo padrasto dele parece concordar com a ideia de que misto
quente é a melhor pedida para o café da manhã.
Por falar no diabo, ele surge gostoso para caralho, vestindo
uma camiseta branca, bermuda preta e boné, portando em suas
mãos um laptop e em sua cueca a razão da minha felicidade. Ele
deixa o laptop sobre a mesa e vai brincar com Samuel, porém a
brincadeira dura pouco, quando entrego ao meu filho o lanchinho da
manhã, Nico deixa de existir. Ele se afasta e se acomoda na mesa
para fazer o que quer que seja no bendito laptop.
Eu volto para atrás do balcão da cozinha e continuo
preparando o restante das coisas para o café. Quando arrisco olhar
para Nicolas, seu olhar está fixo em mim, de uma forma que faz
meu ventre se contorcer.
NICOLAS
2 SEMANAS DEPOIS
— Ei, eu vi isso! — Meu tio surge sorridente e nem me dá
tempo para fechar a tela do notebook. — Quer me contar alguma
coisa?
— É cedo?
— Esse negócio de tempo é balela, Nicolas. Não existe um
tempo correto para as coisas acontecerem. Na verdade, as
melhores coisas acontecem de repente. Tem sido assim desde que
você a conheceu, não é mesmo?
— É verdade. — Sorrio. — Eu tenho condições de dar esse
passo, sabe? Psicologicamente e financeiramente...
— Você está preocupado pelo fato de ser estudante e pelo
que as pessoas vão dizer sobre se casar com uma juíza mais
madura e rica. — Não é uma pergunta, ele me conhece, sabe
exatamente o que se passa em minha cabeça. — As pessoas
costumam julgar umas às outras sem ao menos procurar saber o
que realmente se passa, sem buscar por mais versões. A verdade é
que existe pessoas maldosas Nicolas, que acreditam no que
querem acreditar, no que vai gerar mais conteúdo para preencher a
vida vazia que elas levam. Elas não se importam se o que estão
dizendo é a verdade ou a mentira; só querem destilar maldade. Isso
é mais comum do que imagina, cabe a você escolher a melhor
maneira de lidar com isso. É um garoto maduro, trabalha comigo
desde muito jovem, é centrado, tem sua vida financeira estabilizada
por conta da empresa, em breve será um juiz. Você tem tudo, meu
filho. Precisa aprender a filtrar o que as pessoas falam, só você e
Dandara podem dizer o que se passa dentro da relação dos dois,
ninguém mais. Ignore julgamentos, o que as pessoas dizem, não é o
que você é, não é a verdade. A verdade só você sabe. Ninguém tem
absolutamente nada a ver com a sua vida, meu filho. Se você acha
que é o momento certo, se é isso que quer para sua vida, vá em
frente e não tema.
— Obrigado, tio! Era exatamente o que eu precisava ouvir.
— Você é um filho para mim, garoto. Qualquer decisão que
tome na vida, eu sempre estarei ao seu lado. Tenho um orgulho
imenso de você, Nicolas.
— Não seria metade do que sou sem a sua ajuda. Sempre
serei grato por tudo que deram a mim e a minha mãe, por fazer de
nós parte da sua família — o agradeço dando um abraço.
— Sabe, todas às vezes que olho para você sinto que posso
morrer em paz.
— Que merda, tio! — Ele dá uma gargalhada.
— É verdade. Se eu morrer hoje, sei que tomará frente dos
negócios e dará o amparo necessário à sua tia e sua mãe. Tudo o
que construí é seu, Nicolas. Isso significa que toda a minha batalha
não foi em vão e estará em boas mãos quando eu não estiver mais
nesse mundo. Enxergue seu poder e todas as suas dúvidas
desaparecerão — é a última coisa que ele diz antes de sair do meu
quarto.
Fico alguns minutos pensativo e sigo para o trabalho.
Estou distraído lendo alguns processos quando sinto um
perfume bastante conhecido. Levanto a cabeça e o impacto vem
com força.
— Porra! — Talvez eu tenha dito alto demais, mas... porra...
mil vezes porra! Até fico de pé.
— Gostou?
— Se é que é possível, agora ultrapassou todos os limites,
vossa excelência! — digo, fixado em seu rosto e seus cabelos agora
cacheados. — Puta merda... — Ela está rindo de mim agora, mas
eu fico impactado constantemente com a beleza excessiva que ela
possui. Se existe mesmo esse negócio de fila de distribuição de
atributos, eu nem sei dizer quantas vezes ela passou. — Cacto,
você é muito além de perfeita.
— Mesmo indo para a despedida de solteira da Paula?
— Não! — exclamo, voltando-me a sentar.
— Você é irritante, Nicolas! Eu preciso transar! — diz quase
alto demais. — Você pode dormir comigo essa noite?
— Não posso. Estou estudando, Dandara.
— Você está fazendo isso por conta da despedida, Nicolas.
Eu não sou uma principiante aqui! A propósito, acabo de chegar da
casa do seu amiguinho Lucca.
— Interessante. O que foi fazer lá?
— Fui falar sobre o processo deles. Na verdade, fui informar
que o processo seria julgado por mim e tomei a decisão de não
julgá-lo. Não conseguiria ser imparcial, você sabe. — Novamente
fico de pé e me aproximo.
— Escolha sensata, meu amor. Estou orgulhoso de você e
de todos os avanços que têm dado.
— Mesmo eu indo para a despedida de solteira? —
pergunta, arrumando minha gravata.
— Já disse que não. Você está enganada se pensa que será
tão fácil assim, meritíssima.
— Quem disse que eu gosto das coisas fáceis?
Temos isso em comum. Está sendo difícil pra caralho invadir
o WhatsApp dela, mas vou conseguir. Não teria tanta emoção se
fosse fácil. Talvez eu pare de fazer greve e vá dormir com ela
alguma noite durante essa semana. Não apenas pelo celular, mas
essa mulher parece ter uma espécie de feitiço; eu me sinto como
um dependente completo. Tem sido uma verdadeira luta me manter
firme.
A primeira coisa que descubro é o dia da viagem, a segunda
é o local, e, um dia antes, encerro a greve e derrubo a minha
meritíssima no sexo.
— Estou indo, garoto de açúcar. — Dandara se despede de
mim rumo à despedida de solteira.
— Não vai mesmo me dizer aonde estão indo?
— Nicolas, o que acha que estou indo fazer? Estou até
mesmo levando meu filho. Precisa confiar em mim, sei que meu
passado me condena, porém é visível que hoje sou outra mulher e
que amo você. Eu amo você, amo e amo você. — Eu também a
amo e não estou conseguindo controlar a maldita possessividade.
Eu nem mesmo era possessivo, então isso me deixa frustrado, me
faz sentir como se estivesse perdendo o controle dos meus
sentimentos.
— Ok — digo, e vou me despedir de Samuca. — Meu
moleque! Comporte-se, viu? Cuida da mamãe para o tio Nico,
beleza? Você é o homenzinho da casa.
— Te amo, tio Nico.
— Também amo você, pequeno. — Sorrio e deposito um
beijo em sua testa.
— Não seja dramático, ok? — Dandara pede enquanto leva
as malas para fora. — Não se esqueça de fechar a casa.
— Não vou me esquecer. Comporte-se, vossa excelência.
Não se esqueça que é minha.
— Nunca quis pertencer a qualquer pessoa, mas eu amo
pertencer a você. — Ela sorri me abraçando. — Ainda sou capaz de
senti-lo dentro de mim — sussurra em meu ouvido. — Comporte-se,
tenho tendências psicopatas.
Ela se vai e eu espero quinze minutos para garantir que ela
não vai voltar. Fecho toda a casa e sigo para encontrar o pessoal.
Serei um homem louco se não for atrás da minha meritíssima!
— Foi mal. Dandara hoje está diabólica — informo ansioso.
— Onde está o ônibus?
— Aqui. — Victor aponta para o iate e minha boca se abre e
fecha repetidas vezes. Ok, estou acostumado com luxo, meu tio é
bastante rico, mas... isso aqui é meio surreal. — Vamos? Não falta
ninguém?
— Porra! Melissa quer fazer sexo virtual! — Arthurzinho diz.
Sim, eu já estou familiarizado com todos. Tivemos uma reunião para
combinarmos tudo. — Calma! É apenas para provar que estou em
casa... Eu disse que não vai rolar porque ela está de castigo.
— O que mais está tomando no cu nessa brincadeira sou eu
— Victor protesta. — Não sei quantos dias não faço sexo. Já até
perdi a prática.
— Estamos juntos nessa, amigo — Joseph diz rindo. —
Maria Flor me fodeu sem foder há duas semanas.
— Já a minha delegada... — Heitor diz mostrando os pulsos
machucados. Esses caras parecem lunáticos, malucos, só isso
justifica. Não existe um que eu possa dizer que é ao menos um
pouco normal.
— Que porra é essa? — Bruce pergunta.
— Algemas. A noite passado foi do caralho — Heitor
responde rindo.
— Isis esteve insana também. Não há o que reclamar aqui,
meus caros — Agora é Bruce quem diz, e Victor dá um soco no
braço dele. — Eu fiz filhos orando, babaca! Não queira que eu te
devolva o soco, Victor!
— Isso será assim o final de semana inteiro? — pergunto
seriamente preocupado.
— Vamos, camarada! Vou te mostrar o caminho, a verdade,
a luz!
MANHÃ SEGUINTE
— Filho, pode vir aqui um pouco? — chamo Samuel, após
ficar um longo tempo treinando na frente do espelho. Não posso
chorar, não posso demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade. Preciso
sorrir, ser feliz, mostrar ao meu filho que a algo lindo prestes a
acontecer.
O pego em meus braços e subo para o quarto.
— Mamãe, você é linda, hein? — Isso me faz sorrir de
verdade. Ele está mudando a forma de dizer, ficando muito
"Luccanizado".
O coloco sentado na cama e me sento no chão, para ficar
da sua altura.
— Você que é muito lindo, hein?! Bom, precisamos ter uma
conversa de homem para mulher. — Ele sorri e bate os pés para
fora da cama. — A tia Paula é muito legal, não é mesmo?
— Muito legalll! Ela é mãe do Henrico, meu irmão.
— É isso! Henrico é seu irmão — digo orgulhosa. — Bom, e
você sabe que o papai e a mamãe são muito amigos, não sabe?
— Sim, mamãe.
— Isso é legal, não é mesmo? Você tem uma família
grandona, repleta de pessoas incríveis.
— Théo é bagunceiro.
— Théo é — concordo rindo. — Bom, filho, hoje vai haver
um casamento. Você nunca foi em um, não é mesmo?
— Nunca, mas a vovó me mostrou fotos outro dia.
— Sim. O papai Lucca e a tia Paula vão se casar. Isso não é
maravilhoso?
— Uaaauuu!
— É muito uauuuu mesmo! Eles vão se casar, você terá
irmãozinhos, em breve haverá um monte de crianças bagunceiras e
você será o irmão mais velho! — Ele parece animado, graças a
Deus!
— Eu vou mandar?
— Mandar é um pouco feio, não acha? Você vai comandar a
turma toda, será o responsável. — Ele sorri, salta da cama e cai
direto em meus braços. Eu ganho tantos beijos no rosto que chego
a ficar tonta. — Você está feliz, filho?
— Muito feliz, mamãe.
— Então a mamãe está feliz também — digo, abraçando-o.
— A mamãe terá que ir para casa, então obedeça seus avós, dê
infinitos beijos no papai e na tia Paula, e não esqueça de dizer que
você os ama muitão do tamanho do universo inteiro. É o seu
presente de casamento, combinado?
— Combinado, mamãe.
— Eu te amo e tenho muito orgulho do garoto incrível que
é.
— Eu te amo, mamãe. Amo o tio Nico.
— Tio Nico te ama muito grande também. — Sorrio,
sentindo meu coração rasgar o peito. — Agora vá e comporte-se
como um principezinho.
Ele obedece aos meus comandos e sai festejando a notícia.
Isso significa que a minha missão nesse lugar foi
devidamente cumprida.
DANDARA
Embora eu não tenha ido ao casamento, fiz questão de
enviar flores e uma carta à Lucca e Paula. Eu não conseguiria ir
sem Nicolas e fingir uma plenitude que não sou capaz agora. Estou
magoada, emotiva, levemente despedaçada e isso faria com que
pessoas como a tal Larissa tivessem uma imagem errada sobre o
meu comportamento.
O que essa vadia não entende é que é extremamente difícil
ter que lidar com o medo das reações e dos sentimentos de um
filho, principalmente quando se é a principal culpada pela situação
ser como é. Pensar que as minhas escolhas do passado podem
causar sofrimento ao meu filho, me abala extremamente. Uma mãe
que se preze não quer fazer o filho sofrer, tão pouco quer que o
passado respingue nele. Não ajuda o fato de que meus hormônios
estão em ebulição, que há centenas de medos em mim.
Porém, nesse exato momento, estou disposta a reencontrar
a Dandara que tem estado apagada e se mantido em uma plenitude
que não possuo. Minha mudança foi muito radical, desde que venho
me fodendo, decidir que é mais seguro resgatar alguns velhos
hábitos.
Nicolas foi correto em algumas colocações, sou mulher para
assumir isso. Realmente abri sobre os meus erros, mas o passado
ainda é algo que me assombra, algo com o que me torturo sempre
que possível. Mas, isso não apaga o fato de que ele pecou ao
simplesmente me dar as costas e sair da boate. Eu fui atrás dele,
ele jogou verdades sobre mim, porém, enquanto ele fazia aquilo, eu
me dei conta de que o tempo todo eu sempre corri atrás dele. Fiquei
tão apaixonada, que abri todas as minhas verdades e passei a me
esforçar para ser uma melhor versão. Ele me deixou naquela boate
no meio de uma briga onde, embora não tenha ocorrido, eu poderia
até mesmo ser ferida. O mínimo que ele deveria fazer era ao menos
separar a situação, me tirar de lá, independente de ir embora
depois. Éramos um casal, não ficantes que se envolviam
ocasionalmente. Entendo que não posso cobrar maturidade cem por
cento do tempo, afinal ele é bastante jovem e é até muito maduro
para a idade; logo, ele tem o direito de agir de acordo com a idade
que possui. Porém, se eu não posso cobrar, posso ensiná-lo. É na
dor que adquirimos maior sabedoria e eu espero que ele aprenda.
Pode ser que eu esteja errada, talvez ele nem se importe
com o afastamento, não sei dizer, mas estou fazendo o que acho
certo, mesmo sabendo que está doendo em mim também. Não se
lidar com as situações fugindo. Eu aprendi isso após inúmeras fugas
que resultaram em algo bastante ruim. Devemos enfrentar sempre,
fugir nunca deve ser uma opção. Ele deveria ter ficado, deveria ter
perguntado o que de fato aconteceu, ouvido a minha versão ao
invés de ser influenciado pelas palavras de uma pessoa que ele
nem mesmo conhece. Poderíamos até mesmo brigar. Qualquer
merda seria mais interessante do que ele virar as costas sem me
dar uma oportunidade de argumentar.
É incrível a capacidade que as pessoas têm de ouvir um
único lado da história e julgar uma outra pessoa sem nem mesmo
procurar saber a versão dela. Uma vez li uma frase que diz que
todas as histórias têm 3 lados, o seu, o dos outros e a verdade.
Essa é uma das maiores lições que aprendi ao longo dos anos. Para
pessoas pequenas, é mais fácil acreditar no primeiro lado que
escuta, o lado que mais faz barulho. Deve dar uma preguiça do
caralho ir em busca de ouvir a opinião do outro envolvido.
Vá para a merda!
Cansei de bancar a fada sensata, cansei de tudo agora.
Estou no auge da revolta, de verdade. Nada parece suficiente. Se
dou o meu pior, me fodo. Se dou o meu melhor, me fodo também.
Que porra? Não dá para ter um meio termo nesse caralho?
De qualquer forma, é segunda-feira e eu acabo de acordar
mais azeda que o normal. Me visto da melhor forma que consigo,
como uma fruta e sigo para o fórum. Não há bom dia para qualquer
pessoa enquanto ando pelo corredor rumo ao meu gabinete.
— Meritíssima, posso ajudá-la em algo?
— Quero um café expresso duplo e Nicolas Magalhães na
minha sala em 5 minutos — ordeno, e a secretária sai correndo para
realizar o que solicitei. Mas, olha que incrível! Ela tem menos um
trabalho, porque assim que abro a porta me deparo com Nicolas
sentado diante da minha mesa.
— Precisamos conversar.
— Não, nós não precisamos conversar. Aqui eu sou a juíza
e você é apenas um estagiário. Deixe nossos dramas pessoais para
o fim do expediente. Há cerca de 7 intimações para serem
devidamente impressas e repassadas ao Bryan, oficial de justiça.
Antes de entregar a ele, precisa trazer a mim para que eu as assine.
Em breve teremos um julgamento de um crime culposo. Quem irá
julgar esse crime, Nicolas?
— Você.
— Perfeito. Porém, também tem um crime doloso de
assassinato. Quem irá julgar esse crime?
— Um júri popular — responde.
— Exatamente. E como faremos para escolher os jurados?
— Para garantir a imparcialidade na seleção, essa escolha é
feita por representantes do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados e da Defensoria Pública.
— Falta algo.
— São 25 pessoas escolhidas. Esses 25 nomes são
depositados em uma urna e sete deles são aleatoriamente
selecionados pelo juiz em frente do advogado de defesa e do
promotor. Tanto a defesa quanto a acusação podem rejeitar até três
desses nomes, havendo sorteio de substituição, até que sejam
definidos os sete jurados finais. Esses sete indivíduos comporão o
conselho de sentença.
— Ótimo. É o júri popular que irá determinar se o réu é
culpado ou não. E quem dará a sentença final? — pergunto.
— Você.
— Exatamente. Eu darei a sentença final, visto que envolve
um cálculo mais técnico para dosar a pena do condenado, onde
terei que levar em consideração todas as questões específicas do
caso. Entendeu?
— Sim?
— É uma pergunta ou uma afirmação?
— Afirmação.
— Seja mais firme então. Está aqui porque quer se tornar
um juiz. Precisa ser firme em suas palavras, respostas e decisões,
não pode haver dúvidas, Nicolas. Há muitas coisas em jogo nas
mãos de um juiz. Precisa ter presença, postura, mãos firmes, voz
ativa, sabedoria, entre outras coisas. Agora, por gentileza, faça o
que solicitei. No seu e-mail tem tudo o que precisa ser feito. Quero
que todas as intimações sejam executadas hoje.
— Por favor, eu preciso mesmo conversar com você. Sei
que está magoada, mas... você está mesmo grávida? Por favor,
preciso saber, não durmo desde sábado.
— Agora me dê licença porque há muito trabalho
acumulado. Há algumas petições esperando por mim. — Sorrio,
abrindo a porta para que ele possa sair.
Contra a vontade, ele fica de pé e se vai.
Não demora muito para que ele volte com as benditas
intimações. Eu simplesmente as pego de suas mãos, as assino e
volto a entregá-lo.
— Ouça...
— Ouça você, eu preciso que sejam executadas hoje,
Nicolas. Acho que fui clara antes.
— Não é porque está brava que vai me diminuir.
— Não quero te diminuir. Minutos atrás te dei dicas
preciosas que jamais dei a qualquer pessoa. Você está aqui porque
quer aprender, Nicolas. Estou te dando isso sem que seja
necessário misturar a vida pessoal. É necessário saber treinar isso,
saber separar o pessoal do profissional. Não reclame. Costumava
lidar de uma maneira muito menos educada com as demais
pessoas, considere-se tendo um tratamento VIP, diferenciado.
Talvez seja interessante ter um caderno para anotar todas as dicas.
— Tenho uma boa memória.
— Espero que tenha — informo.
— Você está grávida? Apenas diga sim ou não.
— Eu não inventaria algo desse porte, Nicolas. Se eu disse
que estou grávida, é porque de fato estou. — Ele parece não
acreditar ainda e eu entendo que é um assunto delicado para
alguém tão jovem. — Por favor, deixe isso para depois, ok?
Quando ele sai da minha sala, eu respiro fundo e decido
mergulhar de cabeça no trabalho.
No final da tarde, entro no consultório de doutora Rovena
parecendo um furacão. A coitada até cai sentada na cadeira.
— Meu Deus do céu! — exclama, levando a mão ao peito.
— Qual o drama da vez?
— Estou grávida, terminei com Nicolas, Lucca se casou. Ok,
Lucca se casar tudo bem, Samuel foi super compreensível, mas
houve a despedida de solteira da Paula e foi lá que descobri a
gravidez e me desentendi com Nicolas.
— Por que se desentendeu com Nicolas?
— Eu havia acabado de descobrir a gravidez, então
descubro sobre o casamento surpresa do Lucca. Eu já estava uma
bagunça emocional e acabei chorando, porque em minha mente eu
ainda teria uma semana para trabalhar esse casamento na
cabecinha de Samuel. Como fui pega de surpresa, simplesmente a
notícia bateu muito forte e eu comecei a chorar. Uma imbecil
entendeu que eu estava chorando por Lucca, por amá-lo, e foi me
provocar na boate, então jogou esse assunto sobre Nicolas. Ele agiu
como um garoto de 21 anos...
— Ele tem 21 anos.
— Sim, mas ele nunca age como um garoto de 21 anos,
enfim... me deixou sozinha na boate, no meio de uma briga. Ao
invés de contar sobre a gravidez a ele de uma maneira mais bonita,
gritei no meio da rua, cansada de ter que ficar lutando batalhas.
— Eu errei. — Nicolas surge do nada e se senta ao meu
lado. — Ok, agi sim como a porra de um garoto de 21 anos, mas há
muitas coisas por trás da minha ação.
— Olha... que merda! — doutora Rovena diz atordoada.
— Ter entrado nessa onda de despedida de solteiro foi um
erro. Estive num ambiente onde um homem é ex da minha mulher, e
outros dois são apaixonados por ela. Eu era o único abaixo dos 30
anos de idade, que ainda não construiu nada na vida, um mero
estudante de direito. Enquanto os dois homens interessados na
minha mulher são maduros, tem suas profissões estabelecidas, são
maduros, donos de si. Um é sei lá o que da polícia federal, o outro é
médico e dono de um clube de sexo. Enzo, o da polícia federal,
dormiu com Dandara.
— Eu não dormi com Enzo. Eu trepei com Enzo. Há uma
diferença enorme nisso.
— Misericórdia, Dandara.
— É a verdade, doutora Rovena. Quer que eu volte a
mentir? Eu transei com Enzo, uma só vez, ou duas. Eu nem sei, foi
coisa de momento, insignificante o bastante para nem mesmo
repetir — explico a ela, e olho para Nicolas. — Eu apenas transei
com Enzo, ele nunca foi um risco para você. Humberto seria mais,
ele é um cara incrível, mas, ainda assim, eu não me envolvi com ele
e ele não seria um maldito risco.
— Eu e Enzo brigamos na lancha. Já estava de saco cheio
de todas as piadinhas que ele estava fazendo sobre você. Fui
infantil, mas acha que é fácil ter um relacionamento com uma
mulher do seu porte? Acha que não pesa no meu psicológico? Você
é muito para mim, mas sou um filho da puta egoísta e não suporto a
ideia de qualquer outro homem ter a mulher que eu amo. Vendo
todos aqueles homens bem-sucedidos reunidos, eu me senti inferior,
como um peixinho pequeno em um mar de tubarões. Tanto eu
quanto você já não estávamos no nosso melhor momento no
passeio de sábado à tarde, para piorar, errei ao te deixar naquela
merda de boate no meio de uma discussão, mas eu não estava em
uma boa situação. Piorou quando aquela mulher veio dizer que
esteve chorando por conta de Lucca.
— Se confiasse o mínimo no que sinto por você, não teria
ao menos cogitado a ideia de eu estar chorando por Lucca. Eu abri
a minha vida para você, eu digo que te amo o tempo inteiro, não
apenas isso; eu mostro que te amo, Nicolas.
— Estou assumindo meu erro, Dandara. Eu errei. Nem
mesmo deveria ter dito tudo o que disse no meio da rua, como um
adolescente consumido pela raiva e pelo medo. Não tenho como
voltar lá e mudar as minhas ações, já foram feitas. Preciso saber do
meu filho ou filha.
— A única coisa que sei é que fiz um teste de farmácia e
deu positivo. Farei exame de sangue amanhã e em seguida
marcarei uma consulta, caso venha a se confirmar. Satisfeito?
— Não estou satisfeito. Você poderia ter guardado essa
informação para me dizer num momento mais oportuno. Você gritou
a notícia no meio de uma discussão e foi embora.
— Faria tudo novamente — digo a ele. — Ao contrário de
você, não estou arrependida, mas como tudo na vida há um lado
bom no acontecimento. Você me fez pensar em algo, ainda sou
muito carregada pelo meu passado, me livrei dos segredos, das
mentiras, mas não me perdoei, não consegui superar. Enquanto eu
não fizer isso, não poderemos ter um futuro. — Pego a minha bolsa
e fico de pé, pronta para ir embora.
— Você está grávida de um filho meu.
— Estou. Seremos pais, mas isso não muda nada.
— Muda tudo, Dandara.
— Não muda. Acha que o fato de eu estar grávida encobre
os problemas que estamos tendo? Não encobre. Estou grávida e
seguimos com problemas. Uma coisa não está para a outra.
Enquanto eu não superar o passado, nada vai mudar. Suas palavras
nunca fizeram tanto sentido, garoto de açúcar. — Dou um sorriso
fraco e o deixo com doutora Rovena.
DANDARA
Após uma noite mal dormida, acordo e me arrumo para o
trabalho. Me sinto péssima por dizer isso, mas, felizmente, Samuel
ainda está em Búzios com os avós. Odeio ficar triste na presença do
meu filho, até ele voltar, certamente estarei ao menos um pouco
animada. Talvez ele tenha que ficar um pouco mais com os avós. Se
preciso resolver o meu passado, me livrar de todas as coisas que
mantém paralisada, preciso enfrentar os meus pais ao menos uma
última vez na vida e não estou disposta a enfiar meu filho nesse rolo
louco. Creio que enquanto eu não desabafar, não jogar todas as
minhas dores para fora, não conseguirei ser feliz ou seguir em
frente, por isso, acho que a melhor opção é enfrentar tudo de uma
vez por todas e colocar um ponto final.
Há tantos problemas que eu estava apenas deixando de
lado. Ainda tenho que lidar com Lívia, a promotora que irei colocar
em seu devido lugar. Talvez eu a faça perder o poder de exercer a
profissão, quem sabe? Irei descobrir cada um dos podres que
aquela mulher esconde, ou não me chamo Dandara Farai.
Eu tentei manter meu lado ruim escondido. Acredite, todas
as pessoas possuem um lado bom e um lado ruim. Durante muitos
anos sabemos que meu lado ruim esteve em evidência, o deixei
comandar a minha vida e as minhas ações. Doutora Rovena diz que
isso tem ligação direta com o meu passado e que preciso superar
de alguma forma. Depois de todo o mal que fiz à Lucca, ao meu
filho, e quando vi que esse lado afastaria Nicolas de mim, eu passei
por uma mudança um tanto quanto radical, onde deixei meu lado
ruim tirar férias e meu lado bom passou a exercer domínio sobre
mim. Acontece que deixar o lado bonzinho ficar de frente da minha
vida tem suas desvantagens, e eu descobri que de um jeito ou de
outro não estamos imunes à dor e ao sofrimento.
Fazendo uma análise fria da minha atual situação, cheguei à
conclusão que preciso de um equilíbrio entre os dois lados. Eu acho
que posso e devo fazer isso. Nem fria, nem quente, morna no
mínimo. Bondade e blush devem ser usados na medida certa ou
acabamos virando palhaços. Embora respeite bastante, não tenho
vocação para atividades circenses.
Pensar de maneira determinada e prática faz meu humor
melhor ao menos um pouco. Eu preciso retomar a rédea da minha
própria vida e aprender a contar os sentimentos, farei isso, custe o
que custar.
Quando chego no fórum, sigo diretamente para a minha
sala. Ao abrir a porta a primeira pessoa que encontro é Nicolas, já
me aguardando. Ele fica de pé ao me ver e não parece nada bem.
Suspiro, coloco minha bolsa sobre a mesa e me acomodo em minha
cadeira.
— Já animado para o trabalho? — pergunto, cruzando
minhas mãos sobre a mesa.
— Por favor, não faça isso comigo. Nós vamos ter um bebê
e você simplesmente ignorou todas as minhas ligações. Eu sei que
estava em casa à noite, por que não me atendeu?
— Eu já disse que aqui não é local.
— Nós já tivemos inúmeros debates pessoais aqui. Você
invadiu o fórum vestindo um robe, Dandara — argumenta.
— Você está tão desesperado que sua mente não está
permitindo um raciocínio lógico, então terei paciência e irei explicar.
Não é mais como antes, quando eu invadi o fórum usando um robe,
você não trabalhava diretamente comigo. Agora você trabalha
Nicolas, você sabe que odeia burburinhos sobre nós, que isso te
incomoda, que incomoda que as pessoas pensem que está sendo
privilegiado no trabalho por conta da nossa relação pessoal. Tudo
muda quando passamos a trabalhar diretamente um com o outro, é
diferente agora. Se quer que as pessoas mantenham nos
respeitando, precisa ser profissional. Eu não me importo com o que
dizem, mas sei que isso afeta você.
— Não tenho a menor condição de trabalhar — confessa se
sentando. — Por favor, cacto. Eu só estava confuso no momento da
boate, havia acontecido muitas coisas e... não pode ter sido o
suficiente para eu perder você.
— Ok. É o nosso último debate pessoal aqui, apenas porque
sinto que precisa disso. Vamos lá, você me pediu um tempo —
pontuo. — Só que, naquele momento, eu não imaginava que quem
precisava de um tempo era eu, Nicolas. Depois eu consegui
enxergar as coisas com mais clareza e percebi que era eu sendo
atropelada por um mar de acontecimentos num curto intervalo de
tempo, percebi que era eu jogando os problemas para debaixo do
tapete, tudo porque eu queria apenas viver o amor, viver a felicidade
com você. Não importava mais os problemas ou qualquer outra
coisa, eu queria você, queria transar com você, queria dormir com
você, e isso me bastava. Mas não é assim que a vida deve
caminhar. Empurrar os problemas para debaixo do tapete é a pior
coisa que eu poderia continuar fazendo. Você me disse algumas
verdades aquela noite, disse coisas que me fizeram enxergar alguns
pontos que estavam errados e que precisam ser corrigidos. Farei
isso, por mim, por Samuel, pelo bebê em meu ventre. Quero que
eles sintam orgulho da mãe, quero sentir orgulho de mim. Sinto que
estou em um processo de evolução. Preciso sentir a paz em meu
coração e no momento não sinto. Preciso que respeite isso.
— Sinto muito. Sei que estou agindo conforme a minha
idade e que talvez isso apenas contribua para que se afaste mais de
mim, mas eu nunca tive que lidar com algo assim antes e eu nunca
amei qualquer pessoa como eu amo você, então estou
desesperado, cacto, apenas não sei como agir ou reagir às suas
palavras, porque você é implacável. Saber que está grávida de um
filho meu e que estamos distantes está me matando. Não tive tempo
de raciocinar, de comemorar a notícia, só consigo pensar em como
eu queria que tudo estivesse sendo diferente. Você parece estar
lidando com tudo com uma facilidade e uma frieza imensa. Eu me
sinto tão pequeno agora, tão inferior a você.
— Você não é pequeno, não é inferior, Nicolas. Ao contrário
do que pensa, você tem sido o meu maior incentivador, mesmo que
seja difícil compreender isso agora. Você é responsável por muitas
das mudanças que tive nos últimos meses, aprendo muito com você
diariamente, acho que muito mais do que você aprende comigo. Eu
também queria estar vivendo essa notícia de uma outra maneira
bem diferente dessa. Não estou sendo fria com essa novidade, mas
estou sendo prática porque é o que preciso ser agora. Tudo o que
está acontecendo é a consequência de ter guardado todos os meus
problemas debaixo do tapete. Ele não suportou mais e o "lixo"
vazou. É necessário que eu faça uma limpeza bruta para que tudo
volte a brilhar. E, por mais que eu não tenha te citado por estar
extremamente magoada, eu também quero que sinta orgulho de
mim, afinal eu sou a mãe do seu filho ou filha. Quero pedir
desculpas também pela forma como te tratei ontem no consultório
da doutora Rovena. Eu só queria te machucar, queria que sentisse a
mágoa que eu estava sentindo e por isso disse sobre Enzo. Se quer
saber, o que aconteceu entre ele e eu foi insignificante e em um
momento em que eu me encontrava completava insana, instável
psicologicamente. E, apenas mais uma coisa...
— O quê?
— Eu vou pegar firme com você nesse estágio, Nicolas. Não
quero que pense que minhas ações são para diminuí-lo, mostrar o
meu poder. Não é absolutamente nada disso. Eu só estou te
preparando para ficar no meu lugar.
— Como? — Ele parece tonto diante de todas as
informações. Eu também estou um pouco.
— Foram mais de 13 anos exercendo a profissão. Teremos
um bebê, tem Samuel. Em breve eu pretendo me despedir desse
local e quero que seja você a ficar em meu lugar. Estou o treinando
para ocupar o meu lugar e posso ser muito firme, muito rigorosa
fazendo isso. Quero estar em casa cuidando dos meus filhos
pessoalmente, mas quero que você cumpra o meu legado. Agora,
mais uma dica valiosa, aprenda a deixar os problemas pessoais
para fora desse gabinete, Nicolas. Lidamos com decisões difíceis,
lidamos com vidas, e é extremamente importante deixarmos os
problemas do lado de fora para podermos dar o nosso melhor em
todos os julgamentos. Não podemos nos distrair em processos. Não
quero mais ouvir a frase "não tenho a menor condição de trabalhar".
Quando não estiver com cabeça, fique em casa e ignore o trabalho
até estar pronto para lidar de maneira responsável, sem
interferência de qualquer questão que não diz respeito ao trabalho.
— Não sou capaz hoje. Me desculpe por desapontá-la,
cacto.
— Cacto apenas fora do trabalho. Aqui deve me tratar como
vossa excelência ou meritíssima. — Sorrio, e vejo lágrimas
descerem pelos olhos dele. Dói em mim também, muito. Por mais
que eu tenha aprendido a mascarar sentimentos desde muito jovem,
vê-lo assim me abala de uma maneira diferente. Antes eu não
costumava me importar o bastante com a dor que eu causava nas
pessoas e agora, diretamente no olho do furacão, acabo de
perceber mais uma mudança. A dor de Nicolas me machuca. Me
machuca porque eu o amo de verdade. Só que não posso mais
esconder os problemas e simplesmente mergulhar na intensidade
que ele é novamente. Isso nos causará problemas futuros. É por
isso que mantenho minha postura, mesmo ficando de pé e fazendo
algo que não deveria fazer: — Venha aqui, garoto de açúcar — o
chamo, dando a volta e parando ao lado dele. Com um pouco de
relutância ele fica de pé e, assim que faz, eu o abraço.
Todo meu corpo responde. Até mesmo sinto calafrios
quando ele me abraça de volta.
— Eu não costumava me importar com qualquer pessoa,
Nicolas. O mundo inteiro girava em torno do meu umbigo. Eu
sempre estava acima de todos. Minhas vontades sobressaiam até
mesmo às necessidades e obrigações. Mas eu me importo com
você, por mais que estejamos passando por uma fase complicada,
eu amo você e vê-lo sofrer me dói de uma maneira que não sei
explicar. Sua dor é a minha dor, você me transformou. O que está
acontecendo pode não fazer sentido agora, porém, sei quem em
algum momento no futuro fará. Nos lembraremos disso com um
sorriso no rosto, tendo a compreensão total de que precisávamos
passar por isso para o nosso crescimento e amadurecimento.
Passar por problemas como esse, são considerados os momentos
da vida onde mais conseguimos obter aprendizado. A dor que nos
fere é a mesma que nos ensina, a mesma que nos faz crescer.
Aprenda isso, ok? — digo, me afastando para observar seu rosto
perfeito. Tão lindo, até mesmo quando está completamente sério.
— Não vou perdê-la, nem mesmo vou deixar que saia da
minha vida tão fácil assim. Você precisa saber, meritíssima, que eu
quero você, quero Samuel e quero esse bebê. Nós seremos uma
família e muito em breve você será a minha esposa — promete, e
sai da minha sala como um completo desesperado.
Estou contando os segundos para isso acontecer, Nico.
Contando os segundos...
No horário de almoço eu confirmo a gravidez após fazer um
exame de sangue.
NICOLAS
Hoje, sexta-feira, eu completo 22 anos de idade.
Ao invés de comemorar, estou sentado a um longo tempo de
frente para a piscina. É noite, está um pouco frio, e eu não faço ideia
do que fazer. Em minhas mãos há um copo de uísque e, a cada vez
que bebo um pouco, sinto minha garganta queimar. Muitos
pensamentos agora e eu pareço estar me dando conta de coisas
que eu não tive tempo de absorver quando estava em meio a toda
intensidade do meu relacionamento com Dandara.
Essa sensação de querer algo e saber que não pode ter
agora é um pouco desesperadora. Faz quatro dias desde a
conversa no fórum, quatro dias que não vou ao trabalho porque não
confio em mim para respeitar o momento que ela pediu. É difícil lidar
com o fato de que eu não posso tê-la agora porque ela não quer e
porque eu atropelei uma situação em um momento de pânico.
Nunca lidei com algo assim e não estou gostando dessa
experiência. Posso dizer que é a minha primeira grande desilusão
amorosa e espero que seja a última. Sei que tivemos problemas
antes, mas ela estava ali, disposta, entregue. Agora é totalmente
diferente, Dandara recuou e eu me sinto extremamente culpado por
afastá-la de mim.
É cedo para eu dizer que estou louco de saudades? Só de
pensar na hipótese de viver sem ela e sem Samuel... isso me
devasta. Me apeguei àquele garoto como se ele fosse meu filho,
mesmo sabendo que o pai dele é um dos homens mais fodas que
eu tive o prazer de conhecer. Eu e Samuel nos conectamos desde o
primeiro momento e o inclui em todos os planos da minha vida. E,
para completar, ele será irmão do meu filho ou filha. Dandara está
grávida.
Puta merda! Eu juro que tenho tentado acreditar, mas a ficha
não quer cair. Parece surreal que Dandara esteja grávida de um
filho meu, e, mais surreal ainda é a maneira como me sinto pronto
para ser pai. Não era para eu me sentir assim, mas não consigo
evitar. Talvez o fato de amar crianças esteja contribuindo para que
eu me sinta assim. Agora eu terei uma criança minha, um filho ou
filha, e isso é muito louco.
— Filho, que tal aproveitar esse momento para me contar o
que está acontecendo? — Meu tio surge se sentando em uma
cadeira próxima a mim. — Não tem ido à faculdade, não tem ido ao
fórum, voltou a frequentar a empresa. Como essa situação está se
prolongando, eu resolvi perguntar. O que há de errado? Por que
Dandara não está aqui? Sua mãe disse que ela viajou, mas não
estou acreditando. Conheço você, Nicolas.
— Eu e Dandara não estamos juntos. Tivemos problemas
em Búzios, e...
— E?
— E ela está grávida. Não estamos juntos e ela está grávida
de um filho meu. — Meu tio abre a boca em choque e o
compreendo. Parece mesmo chocante.
— Uow! Eu não estava esperando por uma notícia desse
porte.
— Nem eu, mas aconteceu e eu queria estar dando pulos de
felicidade, tio. É a notícia mais foda da vida de um homem, ao
menos eu penso assim, mas... eu a recebi de uma maneira fodida,
em meio a uma briga e... queria estar vivendo isso com Dandara de
uma maneira saudável, feliz. Ao invés disso estou fodido, inseguro,
receoso e a minha idade agora parece ter um peso diferente porque
sinto que a qualquer momento vai surgir alguém do patamar de
Dandara e eu irei perdê-la por completo... Ela quer um tempo.
— Oh, carinha, há muito negativismo aí, hein? Você está
agindo errado recuando. Não se recua, Nicolas. Problemas se
enfrentam. Se Dandara precisa de um tempo, dê isso a ela,
respeite, mas mantenha a sua presença, garoto. Vocês agora
trabalham juntos, vão ter que conviver e a convivência ajuda, pode
acreditar. Recuar é dar passos para trás, é o mesmo que mostrar
que está satisfeito com a situação e com a decisão dela. Não recue,
marque a sua presença, esteja atento e presente à gravidez.
— Isso eu estarei, tio. É meu filho, eu quero estar presente
em todos os momentos, mas tenho medo dela querer fazer isso
sozinha, porque ela já fez isso uma vez e não estamos bem. E
talvez eu esteja sendo um babaca portando esses medos, mas
estou assustado porque nós, seres humanos, somos idiotas por
natureza e só conseguimos ver a importância que uma pessoa tem
para nós em momentos ruins, quando estamos prestes a perder....
Por que é assim? Porque só conseguimos ter uma dimensão exata
do que uma pessoa significa para nós quando estamos correndo o
risco de perdê-la? — Meu tio sorri. Ele sorri, e eu me pergunto o
motivo.
— Você está passando por isso porque precisa passar. Lá
na frente vai compreender que tudo faz parte de um aprendizado, do
seu crescimento. Vou te dizer uma frase que ouvi um dia: "A vida é
uma grande universidade, mas pouco ensina a quem não sabe ser
um aluno...". Seja um bom aluno, Nicolas. — Ele fica de pé, dá dois
tapinhas no meu ombro e sai andando. — Ei, estou feliz que terei
um netinho ou netinha!
Quanto mais me esforço para entender, mais confuso fico.
Após alguns minutos, uma mão pequena surge em meus
olhos.
— Tio Nico, adivinha quem é? — Meu coração acelera
consideravelmente e me pego sorrindo.
— Eu não faço ideia de quem possa ser. E agora?
— É o Samuel, tio Nico! — diz rindo, e eu fico de pé para
pegá-lo em meus braços.
— Meu companheiro Samuca! Tio Nico estava com
saudades!
— Tio Nico, feliz aniversário.
— Obrigado, companheiro. Ver você é o melhor presente! —
Deixo um beijo em sua bochecha e encontro Dandara no gramado,
vestindo um roupão e carregando uma sacola.
— Me desculpe por aparecer assim. Eu só iria entregar o
presente à sua mãe ou aos seus tios, mas Samuel pulou a porra da
janela do carro e agora estou aqui, na sua casa, vestindo apenas
um roupão. — Eu quero rir, mas não faço. Samuel está dando voltas
na meritíssima, isso é impagável. O coloco no chão e ele sai
correndo rumo ao meu tio, que está parado na porta de vidro da
sala.
— Não há problema algum — digo, e ela suspira se
aproximando.
— Feliz aniversário, Nico — diz, me entregando uma sacola.
Eu a pego e coloco sobre o sofá. — Espero que goste, não fazia
ideia do que te dar.
— Eu ganhei meu presente antecipado, mas não poderei
pegá-lo agora. Terei que esperar alguns meses para fazer isso. Não
precisava se preocupar com outro presente, vossa excelência. Não
vai me dar um abraço? — Ela engole a seco e não diz nada.
É Dandara na versão fria. Isso me machuca. Não gosto
dessa versão, principalmente quando ela vira as costas e sai
apressada.
Esse é o segundo pior aniversário da minha vida.
Pego a sacola de presente e sigo para meu quarto. Vou
direto tomar banho, perder um tempo embaixo da ducha costumava
ser reconfortante, mas agora não é. Minutos depois me acomodo na
minha cama e abro o presente. É um malhete mediano, feito de ouro
— o famoso martelo de juiz — acompanhado de uma gravata preta
e abotoaduras de prata. Há também um pen drive, mas o que mais
atrai a minha atenção é uma carta:
"Li em algum lugar que antes de começarmos um
envolvimento com alguém é preciso se desfazer de algumas
bagagens do passado. Eu ignorei e mergulhei em você. É o que as
pessoas fazem quando encontram o melhor no meio da caminhada;
elas se encantam, se apaixonam e acabam deixando de lado tudo
que o possa atrapalhar ou desperdiçar o tempo que poderia passar
adorando e vivendo as maravilhas que apenas o melhor pode
oferecer. Mas, nenhum passado fica oculto para sempre,
principalmente quando você apenas tentou mantê-lo escondido.
Uma hora ele volta e destrói completamente a chance de uma
relação saudável. Talvez você não seja capaz de compreender,
confesso que muitas das vezes nem eu mesma entendo, mas se
tem algo que entendo bem é que você não merece receber todas as
minhas tralhas afetivas de um passado turbulento e sujo.
Nico, a maturidade nos ensina que às vezes é preciso
reordenar algumas prioridades e trabalhar forte para colocar todas
as coisas em seu devido lugar; fazer uma faxina em nossa vida e
em nosso emocional. Temos a terrível mania de iludir a nós mesmos
em relação às pessoas. Dizemos que amamos o lado feio, os
defeitos, acreditamos que podemos lidar com tudo sem sermos de
fato afetados. Mas, a grande verdade é que não somos imunes a
absolutamente nada disso e que chega um momento que o lado feio
das pessoas nos faz sangrar. Eu não quero vê-lo sangrar, porque...
se lembra o que disse acima sobre encontrar o melhor no meio da
caminhada? Então... o meu melhor encontro é você e é por saber
disso que eu preciso cuidar do meu "melhor" agora, mesmo que
você não compreenda. Estou reordenando as prioridades para que
os nossos filhos não recebam respingos de um passado que ainda
se encontra bastante vivo dentro de mim. E, sabe quem me fez
enxergar isso? Você. As suas palavras em Búzios foram difíceis de
serem ouvidas e compreendidas, mas também foram sábias e
resgatadoras. Elas provavelmente salvaram o nosso futuro como um
casal, mas talvez você não esteja pronto para compreender isso. Eu
sei que é difícil, foi difícil para mim também. Quando pensar que te
abandonei, que não o amo mais, lembre-se que estou cuidando de
você. Estou cuidando de protegê-lo de uma pessoa que ainda
carrega bagagens que não podem ser divididas. Meus espinhos
estão à mostra neste momento, mas em breve florescerei para você
e para a nossa família.
Eu te amo! Com todo o meu amor, cacto!
Ps: Não esqueça de ver o pen drive e não surte. Doutora
Rovena não vai conseguir lidar com mais um paciente maluco."
Com lágrimas nos olhos e o coração sangrando, pego o pen
drive e o encaixo em meu notebook.
Tudo passa a fazer sentido.
"Estou reordenando as prioridades para que os nossos
filhos não recebam respingos de um passado que ainda se encontra
bastante vivo dentro de mim."
Nossos filhos.
Filhos. No plural.
Dandara está grávida de gêmeos!
DANDARA
Estou me preparando para dormir quando o nome do Mário,
investigador, surge na tela do meu celular.
— Meritíssima, boa noite! Espero não tê-la acordado.
— Mário, para estar me ligando uma hora dessa deve ser
algo importante. Não me acordou — digo sentando-me. — A que
devo a honra?
— Eu fiz algumas descobertas, talvez você vá querer olhá-
las. Enviei no seu e-mail pessoal.
— Tudo bem, Mário. Agradeço por isso. Vou olhar e te
respondo no próprio e-mail. — Encerro a ligação e, ao invés de ir
dormir, desço até o meu escritório.
Abro o e-mail de Mário e começo a ler todas as informações.
Há muitos anexos de trocas de e-mails entre... Diógenes e a
promotora Lívia. Diógenes e Lívia... não entendo como faz sentido e
nem mesmo leio todos. O segundo que abro me faz tremer:
"Se você não depositar o dinheiro de Camila, nós teremos
um problema. Tem 24 horas para depositar os R$25.000,00 em
minha conta ou sua esposa meritíssima saberá quem é o homem
com que ela está casada."
DANDARA
Quanto mais e-mails leio, mais enojada me sinto. É como se
eu adoecesse só de ler àquelas palavras. Saio correndo e
felizmente chego a tempo no banheiro. Vomito tudo o que comi no
dia de hoje e meu estômago segue insistindo em colocar algo para
fora. Não há mais nada, de forma que uma dor aguda se forma.
Minha garganta está seca, áspera, dolorida por forçar e eu luto
contra as lágrimas em meus olhos.
Eu nunca imaginei ler algo daquele tipo. Não estava
preparada para lidar com informações daquele porte. Me sinto
doente e a ideia de pedir ajuda a alguém nunca pareceu tão
tentadora. A pior parte é que não cheguei nem na metade dos e-
mails e temo que obtenha informações ainda piores.
Reconhecer que preciso de ajuda nesse momento é
doloroso quando tudo o que quero é enfrentar meu passado
sozinha, mas ser orgulhosa, teimar e enfrentar uma turbulência
desse porte é arrisco, ainda mais estando grávida. Há ameaças
contra a minha vida naqueles e-mails, e já não sei mais do que Lívia
é capaz de fazer por dinheiro. O que ela fez com a própria filha é
doentio, e quem faz isso com alguém que porta o mesmo sangue,
deve ser capaz de fazer o pior com alguém que, sem querer, acabou
se tornando vilã de uma história que nem sabia existir.
Faz sentido o quanto Diógenes queria me manter em
cárcere privado. Ele é asqueroso, nojento, perverso. Eu me odeio
agora, me odeio por ter vivido por anos com aquele monstro, por ter
deixado minha ambição me conduzir para um ser humano
desprezível. Me odeio por todas às vezes que permiti que ele me
tocasse e por todas as minhas malditas escolhas.
E é extremamente doloroso odiar a si mesma.
Escovo meus dentes, lavo meu rosto e tento respirar. Mas
agora tudo está carregado por uma energia ruim. Levo as mãos em
meu ventre e peço perdão aos meus bebês por já está levando
parte do meu peso a eles. Acredito que eles sintam o que sinto, que
de alguma forma meus sentimentos ruins acabem passando para
eles. Tudo que eu nunca quis.
Meus gêmeos. Não era para eu ter descoberto ainda, mas
pensei em dar um vídeo de presente para Nicolas. Agora eu nem sei
como ele se sente com a notícia e, contrariando todos os planos que
fiz, preciso dele. Preciso de apoio emocional, preciso que ele segure
as minhas mãos e queira me ajudar. Na verdade, eu acho que
imploraria por isso.
É tarde da noite, mesmo assim eu pego meu celular e ligo
para ele, quando atende tão rápido, me surpreendo. É como se ele
estivesse esperando.
— Cacto, está tudo bem? — Sua voz está triste.
— Te deixei uma carta. Despejei todos os meus sentimentos
nela, tudo o que eu queria e que estava dentro do planejamento que
fiz. Tudo o que escrevi e tudo que planejei foi pensando em nós,
mas... eu preciso de você — digo, limpando minhas lágrimas. —
Acabo de descobrir coisas horríveis e eu não posso enfrentar mais
descobertas sozinha. Eu preciso de você, preciso que... preciso
dividir porque não serei capaz de lidar com tudo isso sozinha. É
extremamente pesado e nojento, eu me sinto péssima, tão nojenta
quanto tudo o que li...
— Estou indo. Apenas fique calma, ok? Pense nos nossos
bebês.
Nicolas não demora a chegar. Ouço o barulho do seu carro
estacionando em frente à minha casa poucos minutos após eu
encerrar a ligação.
Eu neguei um abraço a ele porque sabia que iria me afetar
imensamente e provavelmente abalaria meus planos. Mas, assim
que ele entra na sala, tudo o que eu faço é correr para seus braços.
Ao contrário do que fiz, ele não nega ou me afasta; simplesmente
me recebe e me dá o conforto momentâneo que eu precisava.
— Obrigada por ser infinitamente melhor que eu. Um
coração bom é a coisa mais bonita que uma pessoa pode ter. Você
é lindo.
— Ok, cacto, mas isso não combina com você. Você não é
de ficar falando essas frases assim, o que está acontecendo? Do
que tem medo? — Eu sinto um pouco de ódio dele agora, apenas
por me conhecer melhor que eu.
— Mário, aquele investigador que é amigo de Victor,
encontrou coisas absurdas sobre a promotora Lívia, Diógenes e
sobre Camila.
— Diógenes? Diógenes, Lívia e Camila?
— Sim.
— Deixe-me adivinhar, Diógenes teve um caso com Lívia, e
é pai de Camila? — ele pergunta.
— Antes fosse isso. Por tudo que li nos e-mails, estou
começando a acreditar que Camila é vítima da própria mãe. Não
posso afirmar porque não a conheço, não conheço a índole da
garota, mas... é repugnante, e eu não cheguei na metade dos e-
mails.
— Posso verificar?
— Eu estou passando mal, Nicolas. Não sou capaz de fazer
mais verificações hoje — confesso, sentando-me no sofá. —
Amanhã eu iria fazer uma pequena viagem até a cidade dos meus
pais. Iria fechar todas as feridas abertas com eles e voltaria para
seguir com a vida. Eu achava que o problema com Lívia era algo
banal, bobo, e o que eu descobri me assombrou imensamente. Não
sei como conduzir as coisas agora. Não consigo pensar, não
consegui processar nada do que li ainda. Costumo ser excelente em
ligar os pontos, mas não estou conseguindo dessa vez. Tudo o que
fiz foi vomitar enquanto dezenas de informações dançam em minha
mente. Há um conflito interno agora e somado aos hormônios
loucos... eu apenas não posso fazer isso sozinha, Nico.
— Eu sei que não pode, mas você parece insistir nisso o
tempo todo — ele diz suspirando. — Você é uma mulher do caralho,
Dandara. É capaz de vencer qualquer obstáculo que surja, mas, às
vezes precisa de ajuda, precisa também se permitir ser ajudada. Eu
entendi sua carta, entendi suas ações e as julguei certas. Acho que,
principalmente, o assunto com os seus pais é algo apenas seu.
Todo o restante você não precisa lidar sozinha. Você disse algo que
deu a entender que muitas vezes romantizamos os defeitos dos
outros, mas em algum momento sangramos com eles. Porém, há
um outro ponto de vista a respeito disso. Se uma pessoa não está
preparada para lidar com os momentos ruins, com o lado feio, ela
não vale à pena ter por perto. Conviver com o lado bonito é fácil
demais. Entende isso, cacto?
"Que espécie de casal seremos se não estivermos juntos
nos momentos difíceis? Que espécie de casal seremos se não
formos capazes de enfrentar o lado feio juntos? Eu não quero o
fácil, Dandara. Se eu quisesse, nem mesmo estaria com você.
Pense em uma mulher difícil? Puta merda! Você é extremamente
difícil, complexa, problemática e... incrível pra caralho. É tão real,
tão verdadeira, autêntica. É tão bonito ver seu lado feio, porque
você não o esconde, você simplesmente o mostra e as pessoas que
gostam de você, gostam sabendo exatamente quem é, sabendo
todos os defeitos que carrega, sabendo que suas qualidades são
completamente superiores a eles. Você, com toda complexidade,
com todos os erros e todos os acertos é uma mulher de verdade. E
eu sei que sempre irá cometer erros. Eu também irei. Todos
cometem. Mas não podemos nos afastar, cacto. Não podemos
deixar que nossos erros sejam maiores que os nossos acertos. Não
podemos nos distanciar a cada problema que surgir. Você pode
enfrentar o seu passado estando comigo, saberei respeitar suas
decisões, seus momentos. Só não diga que quer me proteger de
você, Dandara. Eu não quero ser protegido do amor."
— Eu tenho algo para você — digo, ficando de pé, mas fico
completamente tonta. Nicolas me segura. — Merda!
— Está tudo bem?
— Eu vomitei tudo que havia em meu estômago, me sinto
fraca, mas quero te dar algo.
— Eu vou preparar algo para você comer. Não precisa me
dar nada agora — ele fala, mas eu insisto. Após verificar se estou
mesmo bem, o deixo na sala, vou ao quarto, pego o que preciso e
retorno à sala. Entrego a caixa ele: — O que é isso?
— Me senti culpada pela forma como descobriu a gravidez.
Eu quis fazer algo, mas quando fiz não sabia que seriam 2 bebês.
— Ele abre a caixa e dá um sorriso lindo enquanto seus olhos se
enchem de lágrimas. — Eu nem sei se você está bem com essa
notícia. Mas eu quis tentar corrigir meu erro...
— São três corações dentro da mamãe — ele diz, brincando
com os sapatinhos. — Dois filhos de uma só vez. Acho que somos
potentes, vossa excelência.
— Acho que somos — concordo. — Eu não te disse sobre a
primeira consulta, mas não foi para ocultá-la e fazer isso sozinha, foi
porque eu queria preparar o seu presente de aniversário, queria um
vídeo da primeira confirmação da existência do nosso bebê para
unir a essa caixinha. Então eu descobri que eram dois e mudei os
planos da caixinha, levei apenas o pen drive... eu só quero saber, de
verdade, se está bem sendo pai de dois bebês de uma só vez.
— Está preocupada se estou bem? — pergunta e balanço a
cabeça positivamente. — Bem não é uma palavra para definir como
me sinto. Eu quero essas crianças com todas as minhas forças, e
quero a mãe deles também, e de quebra quero o Samuel, porque
ele é meu companheiro. — Desabo com força e o abraço forte,
implorando silenciosamente para que ele nunca me deixe e para
que ele ignore todas às vezes que eu surtar e mandá-lo se afastar.
Fazendo uma prece silenciosa para que ele seja forte por mim, por
nós, pela nossa família.
— Me perdoe por fazê-lo sofrer, garoto de açúcar. Por favor,
me perdoe por ser a sua mulher imperfeita.
— Minha mulher perfeitamente imperfeita, cacto. Você
aceita se casar comigo? — Não estava esperando por isso. — De
que outra forma eu saberia que é amor? É amor quando você se vai
e deixa um vazio repleto de saudade. É amor quando você tenta me
afastar e no fundo sabe que precisa de mim. É amor quando você
me segura forte como se nunca quisesse me soltar. É amor quando
eu sinto meu peito ser rasgado ao meio a cada vez que sua imagem
vem em minha mente. É você, cacto. E, depois de você tudo o que
sobra é ... apenas você. Sempre será você. — Ele sorri. — Se você
disser que sim, seremos eu, você, Samuca e os nossos filhos até o
fim dos tempos!
— Eu digo sim. Até o fim dos tempos, garoto de açúcar.
— Obrigado, cacto. Eu te amo.
— Eu te amo também. Muito. Imensamente. Você é a minha
chance de fazer tudo o que é certo. — Sorrio tocando seu rosto
perfeito. — Me desculpe.
— Sempre! Agora vou alimentá-la. Meus filhos precisam
comer.
Por um tempo Nico consegue apagar os problemas da
minha mente..., mas eu sei que eles estão aqui e eles são terríveis o
bastante. Eu preciso de Nico para me ajudar a lidar com eles.
Talvez eu precise de ajuda policial também.
DANDARA
"Saberá quem sou porquê eu vou desgraçar a sua vida com
um sorriso."
Acordo assustada após um sonho. Meu coração está
disparado, batendo em um ritmo apressado. Busco na Nicolas na
cama e ele não está, isso faz um medo se instalar em mim
rapidamente. Ainda é madrugada, mais precisamente quase cinco
da manhã, e estou me perguntando se ele foi embora.
Me levanto, vou até ao banheiro lavar meu rosto e em
seguida vou em busca de Nicolas. Não o encontro na sala, por isso
desço até o meu escritório e o encontro analisando os e-mails. Ele
está sério, centrado, tanto que não percebe a minha presença.
— Psiu! — digo, me aproximando. — Senti sua falta na
cama.
— Está melhor, cacto? — questiona, afastando a cadeira e
sinalizando para que me sente em suas pernas. Eu faço, me sento
virada de costas para ele e fixo meu olhar na tela do computador.
Ele está vendo os e-mails de Lívia.
— Sim. E você, o que está fazendo acordado uma hora
dessas lendo os e-mails?
— Não conseguia dormir. Eu já li uma quantidade absurda
de e-mails, estou tentando encaixar as peças e não consigo —
confessa suspirando. — Me recuso a acreditar que Camila tenha
concordado com algo assim. Ela era minha amiga, Dandara. Como
nunca desconfiei de nada? A Camila que era a minha amiga era
doce, carinhosa, alegre, espontânea. Isso seria impossível se... Não
faz sentido. Não faz. Ela foi forçada ou fez tudo por querer? Essa é
a questão. Tudo isso aqui é repugnante. Lívia aliciava a própria filha,
Lívia vendeu a virgindade da filha de 15 anos, além de ter se
envolvido com Diógenes também. As duas. Não estou entendendo,
Dandara. O teor desses e-mails...
— São enojantes, me fizeram passar mal.
— O que faremos? Eu não faço ideia. Lívia parece ter
sossegado, mas acho que você corre algum tipo de risco. O silêncio
dela pode simbolizar alguma armadilha. Ao que parece ela quer
dinheiro. Diógenes dava uma quantia generosa para ela
mensalmente — argumenta, demonstrando estar tão chocado
quanto eu.
— Eu ainda não consegui pensar em nada — confesso. —
Queria ter ao menos descoberto mais cedo. Como eu não amava
Diógenes, nunca me importei com absolutamente nada relacionado
a mulheres, traições, enfim. Eu festejava todas às vezes em que ele
não estava em casa e torcia fortemente para que ele tivesse
alguém.
— Essa parte da sua vida é extremamente fodida,
meritíssima.
— Quando me envolvi com ele, o admirava. Mas errei com
ele também, não posso negar. Só não esperava que ele pudesse se
transformar em monstro. Pagar para foder uma garota virgem de 15
anos? Isso é absurdo, Nico. Continuar fodendo uma menor de idade
e fodendo a mãe dela... e a performance sexual dele era
deprimente... nada faz sentido. Acho que talvez o melhor a ser feito
é fingir não saber de nada, vigiar os passos e as ações de Lívia,
tudo com muita cautela. Vamos pensar em algo, garoto de açúcar.
— Receio que de alguma forma Lívia represente algum tipo
de risco para a sua segurança. As pessoas são capazes de tudo por
dinheiro. Há alguns meses ela perdeu a fonte de renda extra, que
era Diógenes. — Balanço a cabeça em concordância.
— Acredito que seu receio faça sentido. Acho que não está
redondamente enganado sobre isso. Trabalho há anos vendo mais
diversos tipos de crimes, vinganças, armadilhas, muitas delas
encabeçadas por conta de dinheiro. É evidente que Lívia quer me
prejudicar de alguma forma, mas não sabemos ao certo o que ela
está fazendo sobre isso. É algo que precisamos investigar com
maior cuidado.
— Tenho a sensação de que há mais pessoas envolvidas
nisso — Nicolas diz pensativo.
— Por que diz isso?
— Eu não sei. É apenas uma sensação. Acho que a partir
de agora todos naquele fórum serão suspeitos para mim. Sou jovem
meritíssima, mas meus instintos são fortes, não costumo me
enganar muito quando desconfio de algo. Meu dever agora é
protegê-la, cuidar para que nada aconteça ou comprometa sua
gestação. É melhor tomarmos cuidado, cacto. Seu histórico no
fórum é um pouco ruim.
— Nunca fiz nada ilegal dentro daquele lugar, Nicolas
Magalhães — comento rindo. — Apenas não sou falsa. A maioria
das pessoas lá me irritam pelo fato de não gostaram umas das
outras, ainda assim, fingirem se amar. Eu não finjo amor ou
simpatia, apenas me porto com profissionalismo.
— Eu sei disso, mas nem todas as pessoas sabem.
— Você sabe para qual lugar eu gostaria de mandar a maior
parte daquelas pessoas? É claro que sabe. — Sorrio.
— Vamos precisar mudar isso, meritíssima. Você precisará
mudar um pouco seu comportamento para tentar descobrir algo.
Precisará ser mais maleável, menos "diante de mim as pessoas se
inclinam". — Volto a sorrir.
— Eu não posso deixar de ser essa mulher, há todo um
charme nisso, e não vou abrir mão do poder. Diante de mim as
pessoas se inclinam, Nicolas, e isso não vai mudar.
— Eu gostaria de discordar do seu jeito autoritário e essa
sua leve arrogância, mas é sexy como o inferno, meritíssima, e me
atrai como um desesperado — confessa.
— Me leve para a cama? Me sinto melhor e gostaria de ser
fodida pelo pai dos meus bebês agora.
— Uow! Isso que eu chamo de convite para o sexo! —
responde rindo. — Impossível recusar uma proposta dessa,
principalmente quando é feita pela mulher mais gata e gostosa que
eu já peguei e sigo pegando.
— Você acabou de dizer que está me pegando, Nicolas? —
pergunto chocada pela audácia.
— É bem isso.
— Só um garoto de 22 anos diria algo assim — provoco.
— Esses garotos de 22 anos são muito moleques,
meritíssima. Você ficaria surpresa. — Fico de pé e o puxo para mim.
Ele abaixa a tela do notebook antes de me puxar para um beijo que
faz todo meu corpo se aquecer. — Vou mostrá-la o que mais um
garoto de 22 anos é capaz de fazer.
— Eu sou uma filha da puta sortuda!
MESES DEPOIS
Não é fácil ter que me manter controlada por conta da
gestação. Adiei todos os planos, resoluções de situações que de
fato me incomodam, e estou tendo que ter uma tranquilidade que
nunca tive.
Como se não bastasse todas as transformações que vivi nos
últimos meses, eu tive que me transformar em um alguém que não
se encaixa a quem realmente sou. Manter o equilíbrio para passar
apenas coisas boas à Bruno e Kiara, meus gêmeos. Longe de
problemas, longe de resolver questões do meu passado, longe de
tudo que demande uma energia negativa.
De alguma maneira se parece com a gestação de Samuel.
Passava os dias isolada, lendo livros, caminhando, respirando o ar
puro da prisão luxuosa em que me encontrava. Por algum motivo,
era mais fácil me manter calma, acho que muito pelo fato de saber
que estava segura e protegendo meu bebê.
Agora, todas às vezes que tento dar uma surtada, Nicolas
vem com seu jeito pacificador e me controla como se controla uma
marionete. Para piorar, ele conta com a ajuda de todas as pessoas
do nosso círculo social.
Estou levemente estressada hoje. Irritada pelo excesso de
zelos que as pessoas estão tendo comigo. Não sou o tipo de mulher
muito carinhosa, que gosta de mimos e todo mimimi de babação de
ovo. Até gosto um pouco, mas tudo que é demais se torna
cansativo, enjoativo. E enjoei. Minha sogra, os tios de Nicolas, a
família de Lucca... todos resolveram me sufocar. Provavelmente
acham que sinto falta da minha família nesse momento, mas a
grande verdade é que não sinto. Não dá para sentir falta de algo
que nunca tive e sou bem resolvida com isso.
Dona Edna, minha sogra, até mesmo sai de casa agora
apenas para poder me visitar. Os tios de Nicolas me enchem de
presentes e comida, Victor e Melinda estão um saco só porque os
convidei para serem padrinhos dos meus filhos, Lucca e Paula são
retardados completos. Paula parece babar mais na minha gravidez
do que na gravidez dela e cismou que é minha melhor amiga. Pior é
quando aparecem aqui em casa todos juntos, de uma só vez, eu fico
sentada no sofá como uma orca encalhada e morrendo de vontade
de dar uma crise de choro. Até doutora Rovena tem sido um saco
me tratando como um bibelô. Que Deus me perdoe, mas eu sinto
vontade de mandar todos irem pra merda de vez em quando,
mesmo que eu os ame.
Certamente a culpa é da fúria dos hormônios. Eu tento me
manter como uma maconheira a maior parte do tempo, tentando
curtir as boas vibrações, mas nem sempre dá. Tipo agora.
— Dandara está com sérios problemas mentais. Há algo na
mente dela, ou "algos". — Nicolas joga sobre doutora Rovena,
enquanto eu tento não surtar.
— Gostaria que fosse algum tipo de problema mental
mesmo, mas é só a realidade. — Suspiro. — Estou observando que
meus seios estão enormes e minha barriga está maior que a barriga
da Paula que engravidou meses antes. Em pouco tempo eu estarei
imensa de todas as maneiras porque há dois bebês dentro de mim.
Tenho vivido em todas as clínicas de estética que encontro em
busca de uma melhora. Meu namorado é novinho, eu ficarei
destruída e desinteressante...
— Você vai seguir surtando a gravidez inteira ou é só no
primeiro semestre? Estou perguntando por que preciso me preparar
psicologicamente. Eu tentei me preparar meses atrás, mas não deu
certo. Talvez exista alguma medicação para mim!
— Não estou surtando, estou apenas sendo realista. Estou
bem perto dos quarenta, você está longe dos trinta. — Pensar assim
me deixa desesperada, tanto que me afasto dele. — Meu Deus! Isso
é muito chocante! Não deveríamos ter nos envolvido! Oh meu Deus!
Você está longe dos trinta!
— Pare!
— É a realidade!
— Isso é um preconceito idiota, além de falta de amor-
próprio e de confiança em si mesma, em nós como um casal. Já deu
essa merda de idade, Dandara. É sério. Chega disso, ok? Esqueça
idade!
— A minha bunda está enorme!
— Eu amo a sua bunda enorme, cacto. Pare de surtar — ele
diz, me puxando para seus braços. — Pare com tudo isso, ok?
Insegurança não combina com você.
— Eu preciso de outro personal trainer! — Nicolas suspira
acompanhado de doutora Rovena.
— Ela está surtando, doutora.
— Dandara, era mais fácil quando seu problema era outro,
lá no início. Porra, só piora! — doutora Rovena exclama.
— Não fazemos mais sexo como antigamente, doutora
Rovena. É horrível. Estamos resumidos a três posições sexuais;
papai e mamãe, de quatro ou eu por cima igual uma cowgirl
explosiva devido ao excesso de barriga.
— Você está mesmo contando sobre posições sexuais para
a nossa terapeuta? — Nicolas pergunta.
— Estou enorme e há muitas novinhas na faculdade que
podem praticar o Kama sutra com Nicolas.
— Então largue Nicolas, Dandara. Simples assim! —
doutora Rovena sugere. — Nada está bom, não é mesmo? Você
tem reclamado de tudo constantemente e está muito preocupada
com a idade do pai dos seus filhos. PAI DOS SEUS FILHOS! Por
que não foca nisso? Ele é jovem, mas escolheu você e é pai dos
seus filhos!
— Eu juro pelos nossos filhos, se você me largar porque
está agindo como louca, eu não volto nunca mais, Dandara. Estou
falando sério. Serei apenas pai dos meus filhos e não terei
maturidade para ter o tipo de relação que você tem com Lucca —
Nicolas ameaça.
— Não vou te largar — afirmo. — Eu só... estou sensível e
insegura.
— Vocês estão muito exaltados, para variar.
— Não estou exaltada, só quero que me compreendam!
Estou sensível, estou insegura, estou com duas crianças na barriga,
há Samuel que está evoluindo para se tornar a versão mirim do pai,
há Nico novinho... Há uma série de fatores. E médico toda semana,
exames, audiências... — Começo a chorar. — Eu amo os meus
bebês. Sempre quis ter mais filhos, mas odeio o período gestacional
porque sofro muitas transformações, quase perco minha identidade.
— Eu não sei mais o que fazer para tornar sua vida melhor e
fácil, Dandara. De coração? Nunca imaginei que um dia eu seria o
tipo de homem que sou com você. Sou muito bom, compreensivo,
paciente, tenho excesso de qualidades porque tento todos os dias
ser o melhor, dar o melhor de mim, porém, nada parece o suficiente
e eu não vejo a hora de nossos filhos nascerem e seus hormônios
se ajustarem — Nicolas faz sua confissão, que acaba fazendo
sentido. Pobre garoto de açúcar, eu tenho sido muito difícil na
gestação.
— Acho que deveriam passar um final de semana sozinhos
em algum lugar paradisíaco onde não tem qualquer vestígio de
civilização. Estão precisando disso.
— Dandara está fazendo com que eu me sinta
constantemente insuficiente — a declaração de Nicolas me pega
desprevenida. Ter uma personalidade muito forte às vezes é como
um auto boicote. Não me dei conta de que minhas ações e minha
instabilidade emocional estaria afetando Nicolas dessa maneira.
Mas, felizmente, estou tendo a chance de descobrir isso agora e
poder fazer algo para consertar.
Muitas pessoas do nosso círculo social devem pensar que
essa terapia de casal que inventei é perda de tempo ou
passatempo, algo assim. Porém, em momentos como esse, consigo
perceber o quão importante é tirarmos algumas horinhas semanais
para estar aqui, de frente para a doutora Rovena, debatendo a
nossa relação de uma maneira saudável, sem brigas, sem deixar
que as coisas atinjam o extremo. O extremo é quando não dá para
consertar.
Por mais que tenhamos nossas diferenças, elas sempre
ficam aqui, no consultório. Sempre saímos daqui mais leves e
dispostos. Sei que eu e Nicolas podemos ser insanos, mas a
vontade de ficar junto sempre prevalece. Nós dois estamos focados
nesse propósito e nós dois somos conscientes de que cometemos
erros como todos os demais seres humanos. Ele até comete menos
erros que eu, mas, ainda assim, comete e é importante debatermos,
importante expormos a maneira como nos sentimos. Nicolas acaba
de expor algo que precisa ser consertado e o mais incrível é
perceber que hoje em dia eu tenho condições de enxergar os meus
erros de uma maneira que eu não costumava fazer no passado.
Antes era muito difícil dar o braço a torcer, hoje não mais. Porém,
não é mérito meu ou apenas uma mudança minha. Nicolas parece
ser a única pessoa no mundo capaz de enumerar meus erros sem
fazer rodeios, de forma clara, sincera e objetiva. Quando a maioria
das pessoas me temem, ele não possui temor algum. Me encara de
frente, de igual para igual. Tem sido assim desde o primeiro contato
e acho que essa é uma das coisas que mais admiro nele: coragem!
— Você não é insuficiente. Me desculpe se minhas ações
fizeram você se sentir dessa maneira. O erro não está em você,
está em mim — confesso, até mesmo esquecendo da presença de
doutora Rovena. — Estou frustrada por ter adiado a resolução das
situações que eram importantes para mim, como ir resolver o meu
passado com os meus pais, como mergulhar no assunto Lívia
versus Diógenes. Estou frustrada por estar constantemente com
sono, parecendo um peso morto. Estou frustrada por saber que o
melhor a ser feito agora é entrar de licença e cuidar do restante da
gestação. Na gestação de Samuel eu parecia mais disposta. Nessa
eu me sinto constantemente indisposta e tendo que receber auxílio
até mesmo para calçar meus sapatos. Evito falar disso para não
parecer fútil ou...
— Não há futilidade. Essa gestação de fato é
completamente diferente da gestação de Samuel. São gêmeos, é
tudo bem diferente — Nicolas argumenta o que eu já sei.
— Eu sou tão independente, que entrar em uma fase em
que tenho que ser dependente me incomoda muito. É como se eu
não quisesse aceitar isso, embora eu esteja completamente radiante
com os bebês. É aquela coisa de querer muito os filhos, mas não
me sentir tão bem durante o processo de gerá-los. E é normal. Bom,
ao menos acredito que grande parte das mulheres se sintam assim,
levemente frustradas durante o período gestacional. O humor oscila
muito, sofre muitas variações ao longo do dia. Tem momentos em
que estou muito radiante, em outros já estou morrendo de
ansiedade para os dias passarem logo e parir, então, logo em
seguida, já estou desesperada de medo porque não sei como será a
rotina com dois bebês, e aí eu penso que também tenho Samuel e
que preciso dar toda a minha atenção a ele também. — Quando me
dou conta, estou chorando novamente. — Talvez seja eu com medo
de me sentir insuficiente.
— Dandara, eu compreendo você. Acho que agora também
ficou mais claro para Nicolas — doutora Rovena diz. — Estou
orgulhosa dos dois por estarem se abrindo. Analisando a situação,
acho que está comparando com sua primeira gestação. Esteve
sozinha com Samuel durante os dois primeiros anos e acredito que
tenha sido muito difícil para uma mulher que era inexperiente em
relação à maternidade.
— Muitos momentos foram aterrorizantes — comento.
— Imagino que sim. Porém, respire fundo e analise a
situação atual. Você agora terá a ajuda do pai dos seus bebês, terá
uma babá para auxiliá-la com as três crianças. Não precisa dar
conta de tudo sozinha, entende? Não deve se cobrar tanto. O início
será complicado devido à adaptação, mas logo conseguirá tirar de
letra. Há um pai disposto a ajudá-la em todos os momentos, é uma
outra perspectiva; uma completamente diferente da sua primeira
gestação. E, sobre resolver problemas do passado, deixe para
depois. O importante agora é se manter bem, saudável, cuidar de
Samuel, desses bebês em seu ventre. Todo o restante pode
esperar. Não é nada tão urgente que precisa ser resolvido agora.
Lívia está silenciosa no momento, te dando paz. Seus pais estão em
outra cidade alheios há tudo. Se preserve nessa fase, dedique-se ao
que realmente importa. Você, seus filhos, seu marido.
— Nicolas não é meu marido.
— Serei — afirma, apertando minha mão.
— Ela foca na única coisa que não deveria — doutora
Rovena diz rindo.
— Não. — Sorrio entre lágrimas. — Eu foquei em tudo e
você está coberta de razão. Acho que me encontro um pouco presa
na gestação de Samuel, revivendo uma perspectiva que não condiz
com a minha atual situação. Não foi fácil passar por tudo sozinha,
mesmo que tenha sido uma escolha que julguei correta no passado.
E, por mais que eu tenha sido uma sobrevivente de tudo o que
passei, existem marcas e lembranças que sempre estarão comigo.
Não é justo com Nicolas pagar por algo que não o diz respeito.
Enxergo que estou projetando isso nele. — Desvio do olhar de
doutora Rovena e me viro para Nicolas: — Me desculpe, mais uma
vez. Não vou permitir o meu passado entre nós. Sei que estará
comigo, que me dará suporte, ajuda, que será o melhor pai para os
nossos filhos e o melhor marido do mundo para mim. Você é mais
que suficiente.
— Você floresceu, cacto. — Ele sorri beijando a minha mão.
— Você é perfeitamente imperfeita, vossa excelência.
— Eu amo você demais, ok? — digo a ele.
— Eu sei. Também amo você demais!
— Perfeitos! — doutora Rovena fala radiante. — Qualquer
coisa que eu disser não será o suficiente. É lindo ver os dois
florescendo e aprendendo a resolver os problemas como pessoas
sensatas. Agora podem ir fazer as posições sexuais limitadas!
Doutora Rovena me entrega um lencinho para limpar as
lágrimas e saímos do consultório como dois completos
apaixonados.
Terapia de casal foi um tiro certeiro. Em pensar que tudo
começou com o propósito de enlouquecer a minha terapeuta...
NICOLAS
Dandara costuma dizer que a maternidade é capaz de
preparar uma mulher para tudo, mesmo que antes de ser mãe ela
não estivesse devidamente pronta para desempenhar esse papel.
Ela diz que vem como mágica; que uma vez que o bebê está nos
braços de uma mãe, essa mãe adquire uma competência de outro
mundo para lidar com o novo.
Durante toda a gestação descobri que todas essas palavras
se encaixavam em mim, na paternidade. Eu não me sentia pronto
quando Dandara anunciou a gravidez, mas, ao longo dos meses,
passei a me sentir o mais preparado possível para exercer essa
"função". Acho que as palavras dela se encaixam a qualquer
homem que esteja de fato ligado à paternidade e acompanhando
isso ao lado da mãe, independente de serem um casal ou não. Ser
pai é diferente de ser marido, definitivamente. E eu me sinto feliz por
ser as duas coisas: pai e marido, embora não tenha me casado
ainda.
Viver sob o mesmo teto é um casamento por si só, mas
viver sob o mesmo teto que Dandara grávido de gêmeos e mãe do
Samuca vai bem além disso. Requer paciência, determinação,
coragem, tolerância, uma dose de loucura e muito amor.
Definitivamente eu amo essa mulher, ou teria desaparecido no
mundo, obtido informações à distância e voltado apenas para
acompanhar o nascimento dos meus filhos.
Não foi fácil. A instabilidade emocional de Dandara quase
nos afetou negativamente. Por sorte eu tive muita paciência e
tolerância. Ao longo dos meses tive que lidar com suas crises de
choro por medo lidar com gêmeos, tive que lidar com sua
insegurança em relação ao próprio corpo, com a insegurança em
relação a minha pouca idade, com a carência excessiva, os
rompantes de raiva devido aos hormônios descontrolados. E, digo
com firmeza, que poucos homens aguentariam ou saberiam como
lidar com um tornado que ela se transformou.
Agora, sentado na sala de espera do hospital, devidamente
pronto para entrar no centro cirúrgico e acompanhar o nascimento
dos nossos filhos, sorrio e respiro aliviado por ter sido um vencedor.
É bem isso, mesmo que pareça exagerado. Se sem estar grávida
Dandara já era louca, grávida eu nem sei dizer o que ela se
transformou. Felizmente hoje acaba essa fase, ou começa uma
nova fase de insanidade.
Sinceramente? Espero que seja o fim e que a nova fase seja
de plena calmaria. Sei que cacto tem um lado bastante doce e estou
contando que esse lado vá assumir a partir de agora.
Meu coração nunca bateu tão acelerado antes. Minhas
mãos estão frias, há uma sensação de frio na barriga constante,
uma mistura de medo, esperança e ansiedade. Embora eu já me
sentisse como pai desde o momento em que descobri a novidade,
sei que é agora o momento em que desempenharei de fato o meu
papel paterno. Há dois seres humanos que vão exigir tudo de mim,
estão chegando ao mundo em alguns instantes e espero poder ser o
melhor pai que eu conseguir, dar a melhor educação, ensinar os
melhores valores, ser o melhor amigo dos dois. Sou bom em lidar
com crianças. Um exemplo disso é Samuca. O garoto me ama e me
respeita, nos divertimos juntos, aprendemos todos os dias alguma
coisa juntos. Mas, ele tem um pai que é um ser humano incrível e o
grande responsável (juntamente com Dandara) por educá-lo. Agora,
com os meus filhos, eu quem terei que ser o grande responsável
com a ajuda da minha mulher. É bem diferente e há uma certa
pressão sobre mim agora.
Na verdade, acho que é apenas o nervosismo pré-parto
enchendo a minha cabeça de pensamentos loucos. Me sinto pronto,
regido de coragem, determinação e amor.
— Nicolas Magalhães — um enfermeiro surge me
chamando, e fico de pé. Lucca disse algo sobre desmaios e acho
que ele pode estar certo. Minhas pernas estão bambas. Por obra do
destino, meus filhos vão nascer antes de Yasmin, devido a ser uma
gestação de gêmeos. Eu queria muito saber se ele vai desmaiar no
nascimento da filha. Assim, talvez eu ficaria mais seguro caso
desmaie ao ver meus filhos.
Respiro fundo e sigo para o centro cirúrgico onde minha
mulher já está devidamente preparada para o parto. Me posiciono
atrás dela e toco seu rosto perfeito.
— Oi, cacto!
— Estou com tanto medo — revela com os olhos cheios de
lágrimas.
— Medo do parto? Tem a melhor equipe te acompanhando
— digo sorrindo, tentando passar conforto a ela.
— Medo de algo acontecer aos meus filhos. Você sabe, meu
passado é um pouco sombrio. Tenho medo de pagar através dos
meus filhos, tenho medo de me tornar uma mãe consumida a ponto
de não conseguir dar conta de três crianças. Tenho medo de me
tornar ausente para Samuel, de ser consumida pelos bebês que vão
precisar de mim...
— Vamos conseguir conciliar tudo, cacto. Você segue
agindo como se fosse fazer tudo sozinha, mas dessa vez é
diferente. Eu estou com você. Não está sozinha mais. Samuel é um
garoto incrível, compreensivo, vai entender que os bebês precisarão
mais do seu tempo agora no início. E, como a mãe maravilhosa que
sei que é, você jamais permitirá que ele se sinta deixado de lado por
conta da chegada dos nossos pequenos. Vamos incluí-lo em tudo.
Estou me tornando repetitivo. — Ela suspira, parece frustrada
consigo mesma.
— Creio que estou chata, eu sei. Eu quem estou repetitiva,
focando muito em questões que não deveria focar. É difícil para mim
ceder um pouco do controle e não ajuda que esteja em uma das
fases mais sentimentais da minha vida. Não estou habituada a ser
sentimental, não tenho uma amizade forte com o medo ou qualquer
um dos sentimentos conflitantes que estou lidando. Estou chata,
mas prometo a você que irei melhorar, garoto de açúcar. É só... a
tensão pré-parto e o receio do pós. Duas crianças de uma só vez,
meu Deus! Eu me saí muito bem quando tive Samuel, agora não sei
como será com duas crianças. Mas vamos lá! Vamos em frente,
Nico! Eu sou capaz. Nós somos. Terei nossos bebês, irei resolver o
meu passado e seguirei como a mulher forte que sempre fui. Quero
ser exemplo para os meus três filhos.
— Será! — afirmo. — Então, a partir de agora, pense
apenas nas coisas boas e no quão abençoada é por ter sido
escolhida para gerar duas vidas de uma só vez. — Ela beija minha
mão e em alguns minutos a magia começa a acontecer.
Eu não observo o parto. Me tranco no olhar da minha mulher
e ela se tranca no meu. Ainda se parece um sonho que a mulher
que eu tanto admirava de longe é atualmente minha mulher e está
dando à luz aos meus filhos. A vida é mesmo aquele velho clichê da
caixinha de surpresas. Constantemente somos surpreendidos por
acontecimentos que modificam toda a nossa história.
O primeiro choro preenche todo o ambiente e só então
desconecto meu olhar de Dandara. É a nossa menina, Kiara, quem
vem ao mundo primeiro, gritando a plenos pulmões e mostrando sua
força logo nos primeiros momentos.
A médica a entrega para Dandara que a segura como se
não pudesse acreditar. Nem eu mesmo sou capaz de acreditar
agora. Sou pai de uma linda menina e nem preciso vê-la melhor
para saber que Kiara é uma mini versão da mãe. Todos os meus
instintos gritavam que seria exatamente assim.
O segundo choro surge tão alto quanto e eu sorrio
amplamente quando a médica me entrega o nosso menino Bruno,
tão pequeno e inofensivo, dono de um choro tão forte. Ele se
acalma em meus braços e eu o levo para Dandara que agora está
chorando rios de lágrimas. A vida acaba de mudar de sentido neste
momento, dentro desse centro cirúrgico. Não sei descrever a
sensação de ver Dandara segurando nossos dois filhos. Nem em
meus melhores sonhos eu fui capaz de vislumbrar algo tão bonito e
arrebatador, um momento que faz meu coração errar todas as
batidas. É mágico, surreal, indescritível, de uma pureza
incalculável.
Procuro palavras para dizer à mãe dos meus filhos, mas não
consigo. Há um nó em minha garganta que me impede de dizer
qualquer coisa. Certamente esse é o momento mais foda e mais
importante de toda a minha existência, algo que levarei comigo pelo
resto dos meus dias.
DANDARA
Todo receio que senti durante toda a gestação simplesmente
desapareceu. Ou, posso dizer que foi substituído pelo modo "mãe
leoa". Olhando para os meus pequenos, me sinto como se fosse
capaz de lidar com todas as coisas, incluindo as dificuldades.
Graças a Deus tive uma gestação saudável e meus bebês
estão incríveis. E como se natureza estivesse agindo, me sinto
abençoada pelos dois serem extremamente calmos e
surpreendentemente fáceis de lidar. Eles nunca choram no mesmo
tempo, isso facilita muito na hora da amamentação. Quando
descobri que eram gêmeos me imaginei sentada em uma cadeira de
amamentação com um filho em cada seio. Sei que acontece em
muitos casos, mas para mim foi assustador, tendo em vista meu
histórico de desorientada. Creio eu que ficaria louca, ou talvez não.
Todas essas coisas maternais parecem tão mágicas. É tão perfeito
como tudo parece se encaixar tão bem.
Neste momento estou babando em meus três filhos. Samuel
está nos visitando no hospital, conhecendo os irmãozinhos. Ele é
tão doce e carinhoso, dono de uma fofura perfeita. Estou
emocionada com a forma carinhosa que meu pequeno está tratando
os irmãos, mostrando que será amoroso e superprotetor, fruto de
uma educação exemplar tanto da minha parte quanto da parte de
Lucca.
Curiosamente, Yasmin decidiu vir ao mundo no mesmo dia
que meus gêmeos, mas ainda não consegui sair pelo hospital para
verificar Paula, Lucca ou a pequena. Samuel esteve com eles mais
cedo, acompanhado de Vic e Matheus. Ele chegou eufórico falando
de Yasmin, disse que ela tem os cabelos loiros como os da "tia
Paula". Yasmin nasceu com 41 semanas, meus gêmeos nasceram
com quase 37. Eu passei por uma cesariana e Paula, para
desespero de Lucca, teve parto normal.
Me sinto extremamente radiante e realizada nessa fase da
vida, e ainda mais apaixonada por Nicolas. Ele merece um prêmio,
um troféu, até mesmo ser homenageado com uma rua tendo seu
nome: RUA NICOLAS MAGALHÃES. Ele não me matou.
Tenho a consciência de que fui extremamente difícil nos
últimos meses. Me tornei chorona, cheia de paranoias, oscilava de
pessimista à otimista o tempo todo, me tornei insegura, imatura,
mimada. Em alguns dias queria ser consumida por Nicolas, em
outros eu não queria nem mesmo ser tocada. Tinha rompantes de
fúria e humor, e mais uma série de coisas que, se fosse em outra
pessoa, eu não teria o mínimo de paciência. Meu Deus! Se eu
tivesse que lidar com alguém ao menos parecida com a mulher que
me transformei na gestação, mandaria a pessoa para o inferno sem
nem mesmo ter piedade. É quase inacreditável que meu
relacionamento tenha se mantido firme. Na verdade, acho que
Nicolas ignorava meus surtos na maioria das vezes para evitar
discussões infundadas. Seja lá qual foi a técnica que ele usou,
preciso parabenizá-lo. Ele foi um parceiro incrível, paciente,
cuidadoso, protetor; foi além do que eu precisava que ele fosse.
Achei que não pudesse amá-lo mais, mas percebi que isso
aconteceu. Além do amor ter aumentado, a admiração também
cresceu. Observando-o ajudar Samuel a lidar com os nossos filhos,
meu peito se enche de amor e gratidão.
A felicidade bateu mesmo em minha porta e resolveu fazer
morada em minha vida. E, embora uma parte sombria em mim
insista em dizer que não merecia tanto, há uma parte repleta de luz
ofuscando todos os pensamentos negativos e pontuando o quanto
mereço toda felicidade que estou vivendo.
Eu achava que estar em um tribunal exercendo meu papel
de juíza era o que preenchia a minha vida e minha alma — que
clamava por justiça devido aos traumas da minha infância. Agora
percebo que o que preenche minha vida e a minha alma é a família
que construí: meus três filhos e meu garoto de açúcar. Ser mãe é o
que de fato me empodera!
DIAS DEPOIS
É incrível como existem mulheres que julgam mulheres.
Ok, não serei hipócrita do tipo que passa pano para
mulheres a qualquer custo. Serei autêntica como sempre fui. Sendo
bem sincera? Algumas até merecem ser julgadas mesmo porque
são filhas da puta, mas outras? Existem situações que não cabe
julgamento, como por exemplo a amamentação. Nenhum dos meus
dois bebês quer pegar meu peito e eu tive que lidar com a maldição
de uma aspirante a enfermeira dizendo que eu não estou forçando-
os devidamente. O que ela espera? Que eu mate meus bebês de
fome, faça pirraça até eles cederem aos meus seios? Não! Eles
definitivamente não querem pegar e minha dor se tornou não
apenas emocional.
Não sei se posso generalizar, mas acredito que toda mãe
que tenha o desejo de amamentar e não consegue acaba se
sentindo culpada, até mesmo ruim, levando em conta que o leite
materno é de grande importância para bebês. Estou sentindo uma
sensação de inutilidade por não conseguir amamentar meus bebês
e isso tem me deixado emotiva, sensível à flor da pele. O pediatra
passou uma fórmula e os bebês estão mamando na mamadeira
enquanto meus seios têm vazado leite constantemente, até mesmo
tenho sofrido com empedramento que tem me causado dores
horríveis e febre. Embora eu esteja sendo ordenhada e os bebês
estejam mamando também um pouco do meu leite, não diminui o
desconforto.
Por outro lado, o que estou vivendo é surreal o bastante
para uma mulher que batia no peito e se dizia autossuficiente. A
famosa frase "eu me basto" agora é vista por mim de uma maneira
bastante diferente. Acho que todos nós somos capazes de viver
sozinhos, principalmente se a "solidão" for devido às circunstâncias.
Porém, é muito melhor contar com o apoio, dividir a vida, dividir as
alegrias, as conquistas, dividir os problemas tornam o fardo mais
leve. Eu não me basto. Com propriedade posso dizer que se Nicolas
não estivesse ao meu lado neste momento, tudo seria bem
diferente, numa perspectiva bem ruim. Não é nada sobre
dependência emocional, mas é sobre precisar de ajudar e assumir
isso para si mesma.
A realidade de agora tem sido completamente diferente de
quando Samuel nasceu. Acho que com Samuel foi um pouco mais
fácil de conduzir devido ser um único filho; porém, ainda assim, os
momentos solitários eram dolorosos e houve vezes em que quis ter
Lucca ao meu lado. Não sei como teria sido a nossa relação.
Quando engravidei de Samuel eu era uma mulher completamente
diferente da mulher que sou hoje, provavelmente haveria
divergências, não seria um mar de rosas, mas, ainda assim, teria
sido melhor do que ter conduzido tudo sozinha.
Nicolas é o homem que está no controle quando eu mesma
não consigo controlar nada. E, voltando a questão da idade que
sempre será pauta, é surpreendente ver um garoto tão jovem
repleto de responsabilidade e conduzindo tudo como se tivesse feito
isso dezenas de vezes. Nem mesmo um relacionamento sério
Nicolas teve antes de mim. Agora ele é um homem praticamente
casado, pai de dois filhos e ainda lida com Samuel quando eu não
sou capaz de dar a atenção devida. Além disso, ele é paciente,
compreensivo e quase um terapeuta que fica me motivando, dando
conselhos, tentando compreender a complexidade da minha mente
que pode ser muito louca em algumas situações. Fora a capacidade
que ele teve de adiar todos os projetos da vida em prol de me ajudar
neste primeiro momento com as crianças. Tem sido tudo muito
diferente em minha vida e eu juro que tento pensar em milhares de
maneiras de agradecê-lo por tudo que tem feito, mas nada que eu
pense chega perto da grandiosidade de todas as ações e toda a
entrega do meu garoto de açúcar.
Algumas pessoas provavelmente iriam dizer que ele não
está fazendo mais que a obrigação. Mas, porra... ele é tão jovem,
está no meio de uma faculdade importante, temos condições
financeiras de terceirizar parte da ajuda que ele está me dando.
Porém, isso não o suficiente para Nicolas, e foi por escolha própria
que ele resolveu abdicar dos próprios compromissos e estar aqui
cem por cento do tempo, desempenhando lindamente seu papel de
pai.
Agora há uma pessoinha que precisa muito ser citada:
Samuel, o filho perfeito de Lucca Albuquerque. Eu sou tão grata por
ele ter puxado o pai em tantas coisas, que mal consigo descrever.
Ele é o Lucca miniatura e isso é fascinante, sinônimo de que será
um grande homem. Tão novinho, meu pequeno já se mostra um
gigante. É carinhoso com os bebês, compreensivo comigo,
cuidadoso, ele é tudo de melhor que possuo na vida, é aquela
pessoinha que faz com que eu me torne centrada e veja a vida
sempre com mais leveza, pelo melhor ponto de vista possível. Me
alegra imensamente saber que gerei um serzinho tão benevolente,
educado e repleto de qualidades admiráveis.
E agora há mais dois companheiros para esse serzinho,
mesmo com pouco tempo de nascido, os dois já vem mostrando que
são diferentes. Dos dois, Bruno é o mais calminho e dorminhoco, ele
é risonho do tipo que tem o riso frouxo, é sonhador ao ponto de
fazer caras e bocas dormindo. É cedo, mas eu poderia dizer que ele
é mais como o pai e terá o sorriso tão impactante quanto. Já Kiara...
todas às vezes que olho para ela me pego rindo. Eu vejo
nitidamente uma versão minha, até mesmo fisicamente. Algumas
poucas fotos de quando eu era bebê revelam isso. Além disso, ela
já se mostra uma bebê com personalidade forte. Ela tem o choro
alto, já demonstra um certo nível de exigência, não é tão fácil de ser
enrolada e tampouco possui o riso frouxo. Ela dá alguns sorrisos
furtivos, mas é mais avaliativa que Bruno. Se ela fosse um pouco
mais velha, eu poderia dizer que ela filtra cada uma das palavras
que ouve e desconfia de todos os nossos atos. E, sinceramente,
não sei dizer se ter puxado a mim é bom ou ruim. Depende do ponto
de vista.
Se permanecer assim, uma miniatura da mãe, ela será
determinada, batalhadora, forte, empoderada, didática, um pouco
como um trem desgovernado e não será enrolada muito facilmente
por qualquer pessoa. Tem coisas boas em ser assim, mas também
tem as ruins.
A parte ruim de ser como eu é que, por ser como sou,
acabei cometendo muitos erros na vida e deixei de viver histórias
significativas boicotando a minha própria existência durante anos. A
parte boa é decorrente da coragem e determinação; coragem até
mesmo de enfrentar os próprios erros. Sem modéstia, posso afirmar
que poucas pessoas no mundo são capazes de dar a cara a tapa e
assumir os erros como fiz e sigo fazendo. Acho que isso diz muito
sobre o caráter de uma pessoa, mesmo que esse caráter fique
oculto por uma parcela de tempo. Não somos perfeitos, mas nos
tornamos melhores quando reconhecemos as imperfeições e
assumimos os erros. Não existe nada mais delicioso que poder se
deitar em uma cama a noite com a consciência limpa de quem é
devidamente verdadeiro em suas imperfeições.
O que posso concluir com todos esses pensamentos e com
a visão que tenho sobre o meu passado, é que não devo julgar a
minha filha com base em quem fui. Devo apenas guiá-la para que
ela seja ao menos um pouco da mulher que me tornei e que tenho
orgulho de ser. Ao contrário da minha história, a dela será diferente.
Nunca, em hipótese alguma, serei uma mãe omissa ou permitirei
que minha filha se sujeite a determinadas questões. Jamais deixarei
que ela sofra mesmo que uma parcela mínima do que sofri, que
sofra os preconceitos que sofri. Pensar nisso me deixa muito
confiante com o futuro dela, de Bruno e de Samuca. Os três
possuem pais e mãe capazes de fazer qualquer coisa para
defenderem e dispostos a oferecer sempre a melhor educação
possível, criando-os como pessoas do bem, regados de valores e
qualidades que todos deveriam possuir.
Ter tido um passado fodido e regado de erros tem algumas
vantagens; usarei toda a bagagem que carrego comigo como
exemplo para educar meus filhos de forma que eles nunca cometem
os mesmos erros que eu e que se inspirem em todos os meus
acertos. Eu ressignifiquei a minha vida e a minha história, e carrego
comigo a certeza de que tentarei ser cada dia melhor por cada um
deles.
As manhãs ganharam um novo sentido nos últimos tempos.
Orgulhosa da família que construí, observo meus gêmeos
dorminhocos deitadinhos em seus carrinhos próximo a mesa do café
da manhã enquanto Nicolas e Samuel discutem sobre um jogo de
vídeo game. A discussão é acalorada e eu seguro a vontade de
gargalhar a cada vez que Samuel percebe que está falando alto
demais e diminui o tom. Nem mesmo precisamos chamar atenção,
ele mesmo tem consciência e isso me deixa ainda mais
apaixonada.
Hoje ele irá para a casa de Lucca. Ele tem se dividido entre
as casas e a guarda dele está mais compartilhada que nunca. É ele
quem tem feito a divisão, tudo com intuito de dar atenção igual aos
irmãos, já que Lucca e eu trabalhamos sobre isso com ele. Na casa
de Lucca há o agravante de, além de Yaya, tem Henrico, o fiel
escudeiro de Samuca. Aqui só há os gêmeos que não são capazes
de brincar ainda. Porém, Samuel se diverte da mesma maneira. Ele
está amando ser o irmão mais velho, inclusive está muito
autoconfiante e se achando um homenzinho.
O interfone toca e eu mesma vou atender, incapaz de
atrapalhar a conversa animada entre padrasto e enteado. É uma
entrega e eu visto meu robe para poder ir até a porta recebê-la.
Um entregador deposita em minhas mãos um enorme buquê
de rosas pretas. É um tipo exótico de flor que eu nunca havia visto
de perto, nem mesmo sei se esse tipo de rosa existe no Brasil,
digamos que não sou uma mulher ligada a flores. O cheiro das
rosas me enjoa como se tivesse algo mais além delas. Assino o
registro de recebimento e entro já sentindo um mal pressentimento.
Vou diretamente abrir o cartão e fico sem reação ao ler as palavras:
"Diógenes amaria saber que possui mais dois bebês.
São três ao todo. Incrível, não? Fico me perguntando se ele
seria capaz de matar os três. Não sei você, mas tenho a ligeira
impressão de que a diversão dele seria garantida, assim como
o seu sofrimento (mais que merecido). Concorda? Eu sei tudo
sobre você, Dandara Farai! Estou te acompanhando! Nem todo
passado pode ser enterrado. Com todo amor, L."
DANDARA
"Diógenes amaria saber que possui mais dois bebês.
São três ao todo. Incrível, não? Fico me perguntando se ele
seria capaz de matar os três. Não sei você, mas tenho a ligeira
impressão de que a diversão dele seria garantida, assim como
o seu sofrimento (mais que merecido). Concorda? Eu sei tudo
sobre você, Dandara Farai! Estou te acompanhando! Nem todo
passado pode ser enterrado. Com todo amor, L."
O impacto que sinto ao ler a mensagem é forte. Por um
minuto vejo o mundo inteiro girar bem diante dos meus olhos. Me
dou conta de que há muito mais problemas do que eu imaginava, há
mais coisas a serem enterradas.
Quando olho para a mesa onde Nicolas e meus filhos estão,
sinto medo. É tão "não eu", mas faz todo o sentido. Por todas as
coisas que já passei, pela maldade que já enfrentei, pelos erros que
cometi. É questão de honra proteger a minha família, o presente
perfeito que estou vivendo, defender a minha própria superação.
Trilhei caminhos difíceis, fiz muitas coisas das quais não me
orgulho, foi difícil atingir o patamar em que me encontro agora;
precisei pedir perdão e me perdoar. É por isso que respiro fundo e
decido resolver essa questão com Lívia de uma vez por todas. Sinto
que enquanto não tomar frente dos problemas do passado, me
manterei presa de alguma forma.
Munida de coragem e vestindo a velha armadura que
sempre faz parte de quem sou, vou rumo ao meu quarto.
No meu closet, escolho uma roupa decente e discreta; opto
por um terno feminino branco, scarpins combinando. Se é para
destruir com alguém, eu preciso estar confiante desde o meu estilo,
em cima de um salto digno. Não aceito sair por baixo.
Quando estou devidamente pronta, com a arma escondida
na minha calça e me sentindo confiante o bastante. Situações
caóticas pedem medidas extremas e eu irei até o fim, até onde for
necessário para obter paz e tranquilidade.
Estou saindo do quarto quando Nicolas surge, com um
semblante altamente estranho.
— Aonde vai, cacto? Que flores são aquelas na sala? —
pergunta. Eu poderia mentir, mas mentiras não podem mais fazer
parte da minha vida.
— Lívia me cumprimentando pelo nascimento dos nossos
filhos, de uma maneira um tanto quanto mórbida.
— Entendo, e por que está arrumada desta maneira? — A
preocupação está estampada em seu rosto.
— Nicolas, você sabe que eu tenho uma gama de
pendências para resolver; Lívia é uma delas. Preciso situá-la,
preciso tomar as rédeas ou serei refém do Diógenes, mesmo ele
estando morto, graças a essa mulher. Não quero que nossa vida
sofra interferências negativas.
— Não acho que seja prudente você sair de casa como uma
verdadeira justiceira, sozinha.
— Concordo com você, mas neste momento eu tenho que ir
sozinha e preciso que cuide dos nossos filhos. Ao menos um de nós
precisa ficar, e esse alguém é você, Nicolas. Eu prometo que serei
prudente, preciso que confie em mim, mesmo meu histórico
deixando muitos motivos para desconfiar. Não colocarei em risco o
que estamos construindo, os nossos filhos, a nossa relação. Preciso
que confie em mim e fique — peço, tocando seu rosto. — Eu amo
você, garoto de açúcar. Você mudou tudo.
— Não vá. Como acha que ficarei sabendo que a minha
mulher, mãe dos meus filhos, resolveu sair para fazer justiça
sozinha?
— Sempre fiz justiça — brinco. — Ao menos desde que me
tornei uma juíza, sempre que saio de casa é para fazer justiça. Em
breve será você, Nicolas. É uma profissão perigosa, mas com muito
preparo somos capazes de sair ilesos.
— Não estou brincando, Dandara. Você entendeu muito
bem o que eu quis dizer.
— Eu entendi, mas você parece não ter entendido tudo o
que estou dizendo de forma sútil. Então, para ser mais clara e
objetiva, estou indo destruir a Lívia antes que ela nos destrua,
Nicolas. Quer você queira ou não. Eu amo você, amo nossos filhos
e preciso fazer isso. Eu quero fazer isso. Há muito sobre Lívia em
minhas mãos. Se estou indo, é porque sei que serei capaz de atingi-
la. Não sou mulher de ficar só em ameaças e indiretas como ela. Eu
dou o recado pessoalmente e não temo.
— A sua impulsividade... — ele parece não saber o que
dizer. Parece estar em um daqueles raros momentos em que
demonstra ter a idade que tem, um pouco perdido, receoso,
inseguro. Eu, obviamente, o entendo. Só não posso deixar de
registrar como fico perdida quando ele age como um garoto de 22
anos diante de uma leoa de 38. É muito louco que eu tenha um
relacionamento como um alguém tão mais jovem, é engraçado, e
sei que muitas pessoas devem dizer o quão incompatíveis
parecemos ser. A Dandara combinaria com um homem mais velho,
maduro, dominador... um homem que a fizesse abaixar as rédeas e
o topete. Mas, ninguém sabe que o único homem que já me colocou
de joelhos algum dia é esse que está diante de mim, demonstrando
um misto de sentimentos bagunçados.
— Eu prometi a você meses atrás que não erraria mais,
Nicolas. Mantenho a minha promessa. Preciso ir e preciso que cuide
dos nossos filhos, mesmo que Samuel seja apenas meu, ele
também se encaixa nessa turma. — Sem permitir que ele diga mais
qualquer palavra, saio apressada, mas não sem antes descer ao
escritório e imprimir algumas folhas de algo que me será muito útil.
Não sou capaz de me despedir dos meus filhos. No fundo,
bem lá no fundo, há uma pitada de medo que me faz vacilar. Essas
crianças são tudo de mais precioso que possuo, simbolizam uma
nova era na minha vida. Sou incapaz de pontuar cada uma das
mudanças que sofri desde que engravidei de Samuel. Aprendo um
pouco a cada dia com eles, me transformo em uma versão melhor a
cada segundo. Só quero protegê-los, quero proteger Nicolas e
proteger a mim mesma. Meus filhos precisam da mãe viva e bem, e
eu devo isso a eles.
Dirijo tão centrada que mal sobra espaço para
pensamentos; só recobro a consciência quando estaciono o carro
no estacionamento do fórum. Mais uma forte respiração e eu desço,
sentindo a proximidade com a velha "eu", aquela que não temia e
que passava por cima de quem fosse necessário. Isso me faz dar
conta de que, por mais que passemos por transformações, nunca
conseguimos um distanciamento completo da pessoa que
costumávamos ser. Nossos demônios, nossos velhos costumes,
estão sempre por perto e ocupam o devido lugar quando
necessário.
"Diante de mim as pessoas se inclinam."
— Bom dia, meritíssima! — uma atendente me
cumprimenta, e dou um leve sorriso a ela.
— Bom dia! A promotora Lívia encontra-se presente? —
pergunto.
— Sim. Devo anunciá-la?
"À minha voz ocorrem."
— Não se quiser manter o seu emprego. — Sorrio com toda
a simpatia que não possuo e sigo rumo à sala de Lívia.
O barulho do meu salto no piso é possível ser ouvido por
todos e me causa uma leve sensação de mal-estar no dia de hoje.
Não bato na porta de Lívia para entrar. Eu chego com o pé direito e
ganho a chance de vê-la se assustar com a minha presença,
deixando uma pilha de papéis caírem ao chão. A secretária dela sai
apressada assim que lanço um olhar. No fundo, eu amo a sensação
de ser temida, isso faz com que eu sinta o poder correndo em
minhas veias.
Não me julgue, não há nada mais prazeroso que ser uma
mulher poderosa, mesmo que só dê para mostrar todo esse poder
ocasionalmente. Sim, ninguém é poderosa 24 horas por dia. Todos
possuímos fraquezas que fazem o poder vacilar, mas estar em uma
posição onde você é temida, respeitada e mais um montante de
coisas, é incrível!
Fecho a porta com chave e me viro de frente para a Lívia.
— Bom dia, promotora — a cumprimento com o melhor dos
meus sorrisos. — Recebi seu recado e achei melhor respondê-la
pessoalmente.
— O que está fazendo aqui?
— Eu não vou repetir o que estou fazendo aqui. Aliás,
obrigada pelas flores. As achei um tanto quanto exóticas,
diferenciadas — agradeço, tirando a arma da minha calça,
colocando-a sobre a mesa e me sentando logo em seguida. — Acho
que temos assuntos pendentes, ou estou enganada? — Lívia pega
o telefone e eu pego a arma no mesmo instante, destravando-a e
apontando para ela. — Você não será estúpida o bastante. — Eu
amo ver o medo estampado em seu rosto e suas ações. Amo que
ela esteja colocando o telefone de volta no lugar e engolindo a seco.
— Quem pensa que é para me mandar aquelas flores e falar sobre
os meus filhos?
— Eu quis assustá-la, porque você é repugnante e se acha.
— Talvez eu me ache, afinal, eu posso me achar. Pense...
sou bonita, gostosa, excelente na cama, sou temida e respeitada na
minha profissão, tenho um marido novinho cheio de gás, meus filhos
são apenas fantásticos, sou milionária, poderosa... Mil e um motivos
para eu me achar, não é mesmo? Amor-próprio é tudo! — Sorrio
ficando de pé. — Acho que ficará mais confortável se sentando,
promotora.
— Abaixa essa maldita arma!
— O quê? Acha que irei matá-la aqui? — pergunto, e dou
uma gargalhada. — Acha que eu destruiria a minha própria vida a
matando dentro do fórum? Oh, querida, você é mais estúpida do
que eu imaginava; além de ingênua e burra. A única vida que será
destruída aqui hoje é a sua, e não farei isso comprometendo a
minha felicidade e a minha liberdade. Tenho um marido bem jovem
e três filhos incríveis. Acha que eu arriscaria perdê-los por conta de
uma vagabunda inescrupulosa? — Ela se senta e eu travo a arma.
— Não é você quem dará a sentença final aqui, promotora. A juíza
sou eu, o veredicto é meu. Agora que tal conversarmos sobre o fato
de você vender a sua filha à Diógenes desde que ela era apenas
uma adolescente, menor de idade? — A vejo perder a cor bem
diante dos meus olhos.
— Você é louca! Eu não fiz isso!
— Como eu disse, além de inescrupulosa, você é ingênua e
burra. Até para cometer um crime é necessário usar a inteligência,
mas isso te falta. E, como se não bastasse ter deixado brechas,
você ainda decide entrar no meu caminho e brincar comigo. —
Sorrio. — O que todos dirão assim que eu espalhar todas as provas
que possuo, incluindo mensagens de texto e transações bancárias?
Você está arruinada, Lívia. Infelizmente não terei o gosto de julgá-la
em um tribunal, diante de dezenas de pessoas, mas, felizmente,
estou te julgando agora e a minha sentença é que junte as suas
coisas, mude de cidade ou país, desapareça do meu caminho e do
caminho da sua filha. Você irá deixá-la com estabilidade financeira,
mesmo que isso não pague o estrago psicológico que ela deve
possuir, e vai desaparecer da vida da garota; principalmente da
minha vida. Eu não quero mais ouvir qualquer pessoa falar de você,
seguirei seus passos até me certificar que está no inferno, a
quilômetros de distância de mim e de todas as pessoas para quem
já fez mal. Você tem até amanhã de manhã para fazer o que estou
mandando. — Ela escorrega da cadeira e cai de joelhos aos meus
pés. Sou eu quem engulo a seco agora.
— Por favor, me perdoe...
— Não existe nada mais prazeroso que vê-la nesse estado
e ouvir essas palavras saindo de sua boca. Sabe por quê?
— Não...
— Porque diante de mim as pessoas se inclinam, à minha
voz ocorrem; à minha palavra obedecem, ao meu mandado se
entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam.
Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do
condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. O meu
veredicto pode transformar a pobreza em abastança e a riqueza, em
miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas.
Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos
estão sujeitos, desde o nascimento até a morte, à Lei, que eu
represento, e à Justiça, que eu simbolizo. Já ouviu essa prece?
— A prece de um juiz.
— É. Exatamente. Eu amo que esteja inclinada, pedindo
clemência. Da minha decisão depende o destino da sua vida agora.
Você irá obedecer à minha palavra e escolherá sumir para o seu
próprio bem. Será livre, em um lugar bem distante. Eu poderia fodê-
la bem mais, mas, ao contrário disso, estou comprando a minha
paz, corrompendo o que poderia acabar de vez com a sua vida. Eu
quero paz, promotora e quero paz para a sua filha também, mesmo
que ela tenha demonstrado muito interesse em Nicolas. Mas isso é
outro assunto. Você vai desaparecer, porque embora eu seja juíza,
sei que as leis do nosso país são falhas e não vou correr riscos. Vai
desaparecer porque a única justiça que terá que enfrentar é a de
Deus, e com Ele não há falhas. Acredite, eu sei bem disso, já a
enfrentei e o preço que se paga é extremamente alto, de forma que
justiça alguma da terra conseguiria te cobrar — argumento. — Até
amanhã de manhã... caso não cumpra o meu mandato, antes do
almoço seu dossiê estará estampado em vários jornais e eu mesma
farei questão de distribuí-lo no Fórum. Você pode brincar comigo,
Lívia, mas jamais use os meus filhos para me atingir. Nunca duvide
do que sou capaz de fazer. Eu posso destrui-la ainda mais e eu não
medirei esforços caso não siga os meus comandos. Dá próxima vez
serei eu a mandar flores pretas, mas elas adornarão uma coroa de
flores e simbolizando as minhas condolências pela sua morte.
Guardo a arma em minha calça, deixo o envelope com
algumas das provas que possuo sobre a mesa dela, abro a sala e
saio, deixando uma Lívia devastada no chão.
"Julga-me como um Deus. Eu julguei como homem."
DANDARA
Saio do fórum e sigo diretamente para o consultório da
doutora Rovena. Não marquei horário, mas me arrisco e a
secretária, que já me conhece bem o bastante, apenas abre a porta
para que o furacão Dandara invada a sala da pobre terapeuta.
Doutora Rovena está em sua mesa, digitando algumas
coisas no notebook. É engraçado quando ela levanta a cabeça e me
encontra; a mulher quase dá um salto da cadeira e, para aterrorizá-
la mais, eu retiro a arma da minha calça e coloco sobre a mesa
dela, lutando fortemente contra o riso.
— Misericórdia, Dandara! — exclama, ficando de pé e
levando duas mãos ao peito. — Quem você matou?
— Infelizmente, não matei qualquer pessoa. Na verdade,
acho que nunca fui tão benevolente como precisei ser hoje. Mas, se
a senhora pensa que fiz o que fiz por ser boazinha, preciso dizer
que está completamente errada. Eu fiz porque a minha ficha é
completamente suja e eu não poderia ir tão longe. Não sou capaz
de matar uma pessoa, mas teria me transformado em um monstro
aterrorizante se o meu histórico não fosse tão ruim.
— O que houve?
— A promotora Lívia resolveu me mandar um buquê de
flores negras, com um bilhete ridículo em tom de ameaça, dizendo
até mesmo sobre os meus filhos. Eu não poderia deixar isso passar
batido, precisei ir resolver. Na verdade, no fundo, nem tão fundo, eu
queria matá-la ou surrá-la, descer do salto por completo, entende?
Mas ao que parece ela sabe muito de mim, mais do que deveria, e
eu não quis arriscar o meu nome. Por isso, precisei pegar leve com
ela, ao invés de massacrá-la por completo. Agora ela sabe que
tenho inúmeras cartas na manga, e que ela pode ser muito mais
prejudicada dessa brincadeira do que eu. Espero que ela siga
exatamente com o que mandei, ou...
— Ou...
— Ou terei que ir longe demais, mesmo não querendo ir —
confesso, sentando-me. — Sente-se, doutora. Estava com
saudades.
— Tem uma arma na minha mesa.
— Não tenho pretensão de utilizá-la. Só a trouxe por medida
de segurança. Sabe como é, muitos inimigos me assombrando...
mais que bandidos.
— E Nicolas? Ele está de acordo com as suas atitudes?
Preciso saber, visto que me elegeram como terapeuta de casal e
somente a senhorita está aqui, cacto. Digo, Dandara. — Doutora
Rovena se ajeita elegantemente em seu sofá e eu sorrio.
— Talvez ele não tenha ficado muito satisfeito. Acho que
posso ter o atropelado e talvez tenha feito com que ele se sentisse
um pouco inferior, mesmo não querendo isso e sabendo que se
existe alguém inferior, esse alguém sou eu. Acho que a diferença de
idade deu as caras hoje, mas pretendo espantá-la assim que chegar
em casa. Ou acha mesmo que devo esperar 40 dias para ter um
pouco de diversão com Nicolas?
— Não sou obstetra ou ginecologista, mas... você que sabe.
Você é uma grande coisa difícil, Dandara. Quando infiltra algo em
sua mente, ninguém é capaz de tirar. Não irei gastar minha saliva a
repreendendo.
— Doutora Rovena, eu acho que a senhora está precisando
de um pouco de diversão, talvez uma diversão com o sexo
masculino, feminino se for a sua opção. Tanto faz. O importante é
ter alguns orgasmos com um parceiro. Em todos esses meses de
terapia, cheguei a essa conclusão — comento, tamborilando os
dedos.
— Olha o abuso de poder. Meritíssima, seu poder fica lá fora
do meu consultório. Aqui, sou eu a pessoa quem detém o controle, a
profissional capacitada. E, a senhora está equivocada, talvez um
pouco louca após ter tido uma manhã turbulenta. Visto que não
tínhamos uma consulta marcada, estou te expulsando do meu
consultório. Fui pega desprevenida, nem pude me preparar
psicologicamente para te receber.
— É necessário um preparo psicológico para me receber?
— pergunto rindo.
— Com toda certeza sim. Você pode ser assustadora,
Dandara. Pobre Nicolas, que está seguindo seus passos e ficando
tão insano quanto. Agora, se me permite, queira se retirar, por
gentileza — ela diz ficando de pé, tentando manter sua postura de
mulher toda poderosa e dona do consultório. Fico de pé também e a
puxo para um abraço.
— Doutora Rovena, sei que é extremamente antiético esse
tipo de comportamento entre médico e paciente, mas eu gosto muito
da senhora, sou grata a tudo que fez e segue fazendo por mim.
Aqui, neste consultório, é onde consigo me libertar de tudo. Lá fora
daquela porta, a vida real está pronta para bater fortemente com
todas as verdades. Aqui eu posso me libertar do peso de ser quem
sou, do peso das minhas escolhas erradas, do poder, de tudo. Aqui
é como se eu pudesse ser pés no chão, deixar toda a carcaça de
mulher indomável e inalcançável lá fora, para ser quem realmente
sou, de alma e coração. Eu só vim porque queria agradecê-la. Se
não fosse todo o acompanhamento e suporte que me dá, talvez eu
teria agido de uma maneira muito ruim minutos atrás no fórum. Sabe
o que isso significa? Que está presente em minha vida mesmo
quando não estamos perto, que sigo seus ensinamentos e seus
conselhos. Nada é em vão, doutora. Muitas pessoas desistem da
terapia logo nas primeiras sessões, mas vale a pena persistir,
porque com o tempo tudo começa a fazer sentido e te transforma
em uma versão melhor. Você me faz querer ser um ser humano
melhor a cada dia, doutora. Torço muito para que seja imensamente
feliz.
Doutora Rovena está aos prantos agora e eu a abraço
novamente. Nunca fui uma mulher de distribuir abraços, mas tenho
uma gratidão enorme a ela e a todas as mudanças que seus
ensinamentos trouxeram para mim. Ela foi a primeira pessoa a me
acolher em um dos momentos mais difíceis da minha vida, quando
não havia ninguém e quando eu tinha acabado de destruir o que
havia sobrado da relação com o Lucca. Meu porto seguro, mesmo
que maneira profissional. Eu sempre via uma vontade dela de poder
me abraçar, consolar, e a luta para se manter firme e profissional em
respeito a ética. Enfim, hoje, após o susto matinal, estou me
sentindo grata até mesmo aos meus erros. Sim, foi através deles
que enxerguei muitas coisas na vida que não era capaz de
enxergar.
Me despeço de doutora Rovena e sigo direto para casa,
para encontrar Lucca e Nicolas conversando, portando semblantes
de seriedade. Nicolas parece uma mistura de alívio e apreensão
quando me vê. Lucca... Lucca apenas tem a palavra repreensão
estampada em seu rosto.
— Bom dia! — os cumprimentos sorridentes.
— Está tudo bem? — Lucca pergunta.
— Ao que parece sim — respondo sorrindo. — E por aqui?
— Não fez nenhuma estupidez? — Nicolas é quem pergunta
agora.
— Vocês pensam muito pouco da minha pessoa.
Sinceramente, tenho 3 filhos, o que pensaram que eu iria fazer?
Matar Lívia?
— Mãe! — Samuel surge correndo com uma mochila nas
costas e se joga em mim, quase me derrubando.
— Meu pinguim mais perfeito! Está indo passear com o
papai?
— Sim. Você cuida dos meus irmãos — diz simplesmente, e
eu me pego rindo.
— Cuidarei sim. E você, comporte-se, brinque muito com
Henrico e cuide de Yaya. Não preciso lembrá-lo de respeitar o papai
e a tia Paula, preciso?
— Não precisa. — Sorrio orgulhosa e o encho de beijos
antes de soltá-lo. Ele sai como um desesperado e mira em Lucca,
que o pega mais que rapidamente. Eu amo que sejamos assim, uma
grande família. Amo ver meu filho tão repleto de vida e felicidade por
estar cercado de pessoas que fariam qualquer coisa por ele.
Felizmente, Lucca desiste de me dar o sermão que sei que
iria dar, se despede e segue com meu pinguim. Eles se vão e eu
encaro Nicolas, que parece completamente atordoado.
— Onde estão nossos filhos? — pergunto curiosa.
— Dormindo. Dona Sueli está com eles — explica, se
referindo a nossa nova ajudante.
— Ei, eu não fiz nada estúpido, ok? — digo, me
aproximando e abraçando meu garoto de açúcar, que está me
encarando fixamente agora. — Apenas fui firme e exigi que ela
fosse embora do Rio de Janeiro, desaparecesse. Ainda fui
benevolente ao exigir que deixasse a tal Camila com o mínimo de
estabilidade, visto que a garota já deve ser sofrido o bastante nas
mãos daquela megera. Não sei como é a relação das duas, se
Camila tem qualquer admiração pela mãe, se eram parceiras no
crime, mas... segui meu coração. Poderia ter sido muito pior, mas
tenho teto de vidro e sei que essa mulher deve ter muito sobre mim
guardado.
— Você é tempestuosa e impulsiva, isso me assusta,
Dandara. Tem uma incrível mania de não ouvir a opinião dos outros
e sair atropelando tudo. Mas, pelo que parece, isso nunca vai
mudar, não é mesmo?
— Ela falou sobre os nossos filhos — comento me
afastando. — Eu posso ser o que for, Nicolas, mas meus filhos...
eles não devem pagar pelos meus erros, nunca. Nem que para isso
eu tenha que cometer novos erros, como fiz assim que descobri
sobre Samuel. Eu posso pagar, eles não. E, não aceito pagar por
erro algum vendo meus filhos sofrerem qualquer maldade. Sou
capaz de suportar passar até mesmo por torturas, sou capaz de
sangrar, desde que meus filhos estejam seguros, protegidos.
Entenda uma coisa desde já, por eles eu sempre irei atropelar tudo,
mesmo que isso acabe machucando outras pessoas. Sinto muito
que tenha ficado ressentido comigo, que eu tenha até mesmo te
atropelado um pouco essa manhã, o deixado confuso, mas havia
nossos filhos sendo citados e isso eu não permitiria. Faça qualquer
coisa comigo, menos com eles.
— Eu já a imagino brigando em colégios caso aconteça
qualquer coisa com os nossos filhos, incluindo Samuel. — Isso me
faz rir, porque é a minha cara brigar em colégios caso algo ocorra
com qualquer um deles. — Você desgraçou a minha vida mesmo,
vossa excelência — ele diz, me puxando abruptamente para os
seus braços. — Eu te amo muito, cacto. Me desculpe por pensar
pouco, mas seu histórico de impulsividade é extenso e...
— Está tudo bem. Mas, precisa saber que ainda há uma
grande batalha a ser enfrentada por mim e preciso de você, da sua
força, da sua responsabilidade e compreensão. Ainda não acabou,
Nicolas. O que temo ser a pior parte, ainda está por vir.
— O quê?
— Preciso enfrentar a minha família. Preciso voltar ao lugar
onde mais fui machucada para tentar curar algumas feridas. Não
será fácil, tampouco bonito, mas é necessário fazer isso antes que
meu passado volte a me aterrorizar. Não estou sozinha mais, não
quero que os meus problemas do passado afetem os meus, os
nossos filhos.
— Apenas não seja impulsiva, ok?
— Tentarei não ser. Acredite, essas crianças me salvaram
muito bravamente. Não dou um passo que não seja pensando
neles. Hoje eu tenho quatro grandes motivos que me impedem de
ser ou agir como louca. Um deles é você. — Sorrio.
— Você floresce um pouco a cada dia.
— Você me rega diariamente, garoto de açúcar. É
impossível não florescer tendo você e nossas crianças. Vocês me
fazem ser uma pessoa melhor. A propósito, há muitas pessoas que
contribuem para isso, mas vocês são os principais.
— Quando mesmo termina o resguardo? — Sorrio com a
pergunta repleta de segundas intenções.
— Acho que ele acaba de ser exterminado, garoto de
açúcar. Eu amaria tê-lo enterrado dentro de mim após todo período
de pausa.
DANDARA
Eu não saberia descrever o quanto aprendi e aprendo
diariamente com a maternidade. E, a última gestação parece ter
ocorrido com um propósito: me mostrar que nem tudo é como eu
quero, nem tudo pode ser devidamente controlado de acordo com
as minhas expectativas ou necessidades. Minhas necessidades,
que eu costumava colocar acima de tudo, deixaram de ser o centro
da minha vida. Agora há três pessoinhas que estão a frente de tudo
e, sendo bem sincera, esse processo não foi e nem mesmo está
sendo fácil. É difícil para uma mulher como eu se dar conta de que
perdeu o poder de controlar tudo, mais difícil ainda é aceitar isso
com sensatez e com a segurança de que está fazendo a coisa certa.
É assim que tem ocorrido, um processo longo, demorado, que
muitas das vezes causa até mesmo um pouco de sofrimento. Todos
os dias eu tenho aprendido a não me frustrar quando meus planos
precisam mudar, mas o maior desafio tem sido controlar a minha
mente e a minha personalidade forte e exigente. Definitivamente a
nossa mente é realmente o que chamam de nosso lar. Ela é morada
de tudo que nos compõe e é quase assustador parar e analisar isso;
é como se eu fosse a própria espectadora da minha vida. Acho que
devo isso à doutora Rovena. A terapia fez e tem feito com que eu
olhe mais para dentro de mim, que eu analise mais meus
pensamentos e minhas ações, que eu consiga controlar mais até
mesmo as frustrações. É por isso que precisei parar, diminuir o ritmo
e acalmar o furacão que posso ser.
É extremamente complicado para uma mulher como eu
planejar uma rotina e em questão de segundos ter que modificar
todos os projetos. É extremamente difícil controlar a auto cobrança
por querer dar conta de tudo e não conseguir; isso gera uma
frustração indescritível.
No início, essa transição foi extremamente complicada,
mesmo eu amando meus filhos com todas as forças. Em alguns
momentos eu sentia que me perdia de mim um pouco a cada dia, e
se não fosse o fato de fazer acompanhamento psicológico e ter um
mega marido ao meu lado, provavelmente eu teria embarcado em
uma depressão pós parto. Eu agora aprendi a conciliar meu tempo
de forma que eu consiga ser várias em uma. Eu preciso ser a mãe
para os meus filhos e separar isso da esposa para o meu marido e
da juíza para o tribunal; além de encaixar nesse bolo todo a amiga
dos meus amigos e a paciente da doutora Rovena.
Eu não sou a Dandara que vocês conheceram e,
sinceramente, em alguns momentos eu sinto falta de ser. Eu
gostava da imponência que eu tinha, do jeito inalcançável, de ver as
pessoas temerem a minha presença. Havia tanto poder em mim,
mas ... na verdade, eu não deixei de ser uma mulher poderosa; o
meu poder sofreu apenas algumas mudanças e eu demorei muito a
enxergar isso. Ressignifiquei o significado da palavra PODEROSA
para mim e hoje consigo me ver como a própria Mulher Maravilha,
afinal, só sendo uma Mulher Maravilha para dar conta de três filhos,
de um marido "ninfeto" cheio de gás e ainda conseguir trabalhar.
Inclusive, minha ginecologista é a principal responsável por eu estar
dando conta do recado. Pense em uma mulher que fez um
tratamento hormonal completo? Sou eu. Hormônios regulados é
tudo que uma mulher insana pode querer.
Incrível, né? Trocar a sede pelo poder, pela sede por
hormônios regulados. Eu mereço nota 10 por ter me tornado uma
alguém que eu mesma costumava julgar. Sim. Não vou mentir ou
me fingir de santa, todos sabem que não sou e que meu lugar talvez
esteja reservado ao lado do diabo. Desde que fui julgada
brutalmente na infância, adquiri o péssimo habito de julgar a tudo e
a todos. Talvez seja por isso o meu amor pela minha profissão. Ser
juíza se encaixa bem nas tendências que adquiri com esses
traumas, mesmo que eu não me orgulhe de parte disso.
O poder que eu buscava desde menininha nada mais era
que uma ilusão ou uma necessidade de se impor, talvez "retribuir" o
que faziam comigo. Essa sede insana e insaciável me levou a
lugares extremamente ruins. É engraçado olhar para trás. Sempre
que faço isso parece que estou vendo um filme que mistura ação,
terror, uma trama capaz de extrair de uma pessoa os mais diversos
tipos de sentimentos; certamente o primeiro deles é o sentimento de
pena e com certeza o último é o sentimento de nojo. Nojo por ter me
tornado a pessoa que a necessidade de se impor e de provar para
as pessoas que eu poderia ser muito mais que elas.
Eu era só uma criança. Eu só queria e precisava de
proteção. As pessoas que tinham a obrigação de me defender foram
as primeiras a colocar panos quentes em situações em que eu
precisava de defesa, foram as primeiras a fazerem com que eu me
sentisse fraca e as primeiras a calarem a minha voz para algo tão
forte como a discriminação. Ser oprimida pelos próprios pais faz um
estrago gigantesco na vida de uma criança. Essa opressão, em
alguns casos, pode afetar negativamente o caráter de uma pessoa
pelo resto da vida. Aquela frase que diz que caráter já nasce com a
pessoa e não se corrompe, não é tão real quanto dizem. Eu sou a
prova que, durante a maior parte da vida, tive meu caráter afetado
por todas as situações difíceis que passei. Eu não acredito que teria
sido a mesma Dandara se tivesse tido pais protetores e amorosos.
Todas as vezes em que olho para a minha filha brincando,
eu só consigo pensar em transforma-la ou impulsioná-la a ser uma
mulher forte, a se impor, a enxergar a força que habita dentro de si,
a ter orgulho da cor que tem, a lutar pelos seus ideais, a defender
sua raça, a respeitar as diferenças de todos os tipos... eu olho para
ela e me vejo perfeitamente. Kiara é a personificação de quem eu
costumava ser antes dos traumas. Se meus pais fizessem dez por
cento do que faço e farei pela minha filha, teriam evitado muitas
coisas, teriam me poupado de dezenas de situações dolorosas,
humilhantes e constrangedoras. É aquilo que dizem: "educação vem
de berço". É por seguir essa linha que sei que minha filha será uma
versão minha que foi arrancada na infância. Ao contrario do meu
passado, minha filha tem e sempre terá pais que são capazes de
tudo por ela, sempre se sentirá devidamente protegida e amparada
em qualquer situação. No primeiro sinal de inferioridade que eu ver
em Kiara, eu a mostrarei todos os motivos para ela se orgulhar de
ser exatamente quem é e farei disso uma atividade diária; farei
também com que ela aprenda a lutar e se defender.
Eu deveria ter essa preocupação com Bruno também, mas,
por algum motivo, todo meu receio é direcionado à Kiara; talvez por
eu ter sido criada sob um pouco de um machismo enraizado onde
me fizeram acreditar que garotos estão mais preparados, sabem se
defender melhor, independente das consequências. E talvez eu
esteja errada sobre isso, mas é o que sinto, é o que meu sexto
sentido de mãe grita forte. Algo me diz que Bruno será mais como
um lutador forte e determinado. E algo me diz que Kiara é a minha
própria versão e, se estou certa, se ela é mesmo uma versão minha,
significa que por trás de toda impetuosidade existe um ser humano
altamente sensível, que finge de cacto na maior parte do tempo e
que floresce nos momentos em que se sente segura para mostrar
quem realmente é. De qualquer forma, há três crianças por quem eu
daria meu sangue e mataria, porque, por mais que eu esteja vivendo
uma longa fase de pura paz, eu sei ser o terremoto, sei ser a mulher
que faz com que os demais mortais peçam piedade. Velhos hábitos
ainda estão aqui, guardados a sete chaves em algum lugar dentro
de mim. Sempre que precisar eles darão as caras, embora minha
principal meta seja apenas me manter sendo a versão melhorada e
pacífica, até que seja necessário trazer de volta a segunda versão.
E, parece que a segunda versão precisará ser utilizada.
A vida é bela! Sempre ouvi muito se falar sobre isso. Mas, por trás dessa
delicada frase, escondem o quanto ela pode ser cruel. Digo o mesmo
sobre os sentimentos; alguns deles podem ser maravilhosos e outros
impiedosos, dilacerantes.
A curta viagem até a cidade dos meus pais tem sido uma das mais
tortuosas. Curiosamente, chegamos sob uma forte tempestade. Raios e
trovões nunca me deixaram com medo antes, porém, por algum motivo,
estou amedrontada e receosa. Não sou mais a mulher que queria se vingar
a qualquer custo. Estou decepcionada por estar emocionalmente abalada
por estar prestes enfrentar o passado. Foi bem mais fácil quando cheguei
aqui e humilhei a todos diante de toda a população. Não me envergonho
por pensar assim. Deveria? Talvez sim.
Uma parte bem sombria dentro de mim está amaldiçoando por estar
chovendo. Eu adoraria ser o centro das atenções de toda a população.
Gostaria que me vissem chegar e que temessem a tempestade que
somente eu sou capaz de fazer. Eu costumava ser aquela tempestade de
inverno, que onde chega devasta tudo e todos, mesmo não querendo isso,
mesmo sabendo que essa tempestade é fruto do que fui obrigada a me
tornar para me auto afirmar, para ter voz e ser ouvida.
A parte de mim responsável pela minha sensatez, neste momento, está até
satisfeita, mesmo com medo, por estar chovendo torrencialmente e isso
evitar que a minha presença seja notada e chame o mínimo de atenção.
Diferente das outras vezes, não vim em busca de me vingar. Vim em busca
de começar a viver uma felicidade sincera. No meu presente, você pode
até me ver gargalhar e pensar que não há ninguém nesse mundo que
possa ser tão ou mais feliz que eu. Eu sou feliz a maior parte do tempo e
tenho todos os motivos para ser, mas há algo que impede que essa
felicidade seja completamente verdadeira, real: o passado.
O passado não é algo que se esquece com facilidade, por mais motivos e
distrações que tenhamos; digo isso em relação às situações mal resolvidas,
aos problemas que tentamos ignorar ou colocar "panos quentes". Nossa
mente, traiçoeira que só, hora ou outra faz questão de nos lembrar do
passado, principalmente quando há traumas, mágoas impossíveis de
serem ignoradas ou evitadas, marcas que acabaram sendo tão fortes que
acabaram por transformar a nossa personalidade.
É esse garoto, tão jovem, tão cheio de planos, que teve toda a paciência do
mundo, me tirou da zona de conforto e me resgatou de mim mesma, que
está ao meu lado e que parece conseguir captar tudo o que sinto.
— É tudo bem diferente agora. Sorrir na cara da morte não me causava dor
naquele momento, ou pelo menos a dor estava guardada num lugarzinho
bem escondido dentro de mim. Eu seria capaz de morrer para salvar Paula,
Lucca, meu filho. Seria capaz de tudo para mantê-los a salvo de um
passado fodido com Diógenes. Quando voltei aqui e fiz tudo o que fiz, eu
não dei espaço para que as pessoas pudessem falar. Eu queria causar a
mesma dor que eles me fizeram sentir e ponto final. Agora eu estou aqui
para ouvir e não sei o quão doloroso poderá ser. Isso faz de mim um pouco
patética. Não sou mulher de temores, nunca fui, e, de repente, encontro-me
temerosa. Estou temendo como me sentirei ouvindo verdades. Estou
cansada de sofrer, Nicolas. Não gosto de sofrer, não sou boa amiga da dor.
A dor transforma e não quero ser transformada. Não mais.
— Enfrente isso, Dandara. Antes você não tinha qualquer pessoa para
defendê-la e enfrentar a dor ao seu lado, agora é tudo diferente. Há
amparo, há amor, há Kiara, Bruno e, principalmente, há Samuca, o grande
responsável pela maior de todas as mudanças — diz, conseguindo até
mesmo arrancar um leve sorriso de mim. Meus filhos. Falar deles sempre
arranca o melhor de mim. E é pensando neles que desço do carro. Não
estou indo defender apenas o meu passado. Estou indo defender o meu
futuro, para que meus filhos um dia se orgulhem da mãe que enfrentou e
venceu preconceitos vindos da própria família.
— Ela é Dandara, filha deles. Eu sou Nicolas — meu marido diz, tomando
frente da situação. Vejo a garota abrir a boca em choque e então uma
senhora surgir atrás dela.
— Dandara? — pergunta.
— Sou eu.
Honrar pai e mãe. Não é isso que todos os filhos deveriam fazer? Mas, e
quando os pais não honram os filhos? Isso segue sendo um mandamento?
Ou será que posso ignorar essa crença? Não consigo honrá-los, nem
mesmo na morte. Que Deus possa perdoar-me, mas infelizmente não
consigo forçar. Tudo que eu sinto é ódio. Neste momento estou revoltada
pela morte deles unicamente pelo fato de não poder obter as respostas que
eu precisava. Eu PRECISAVA.
— Cacto, eu a entendo.
— Não foi um erro. Você fez as escolhas certas. No fundo você já tinha
todas as respostas que veio procurar. Você só queria confirmar tudo o que
já sabia, cacto. O tempo todo o silêncio gritou para você as respostas de
todas as perguntas que não fez diretamente aos seus pais. Agora é o
encerramento de um ciclo, Dandara. Você pode não ter ouvido respostas
deles, mas a vida está te respondendo agora que é o momento de olhar
para frente e deixar todo o seu passado para trás. Essa é a grande
resposta, eu tenho certeza disso. E, por mais que seja uma verdade
dolorosa, seus pais responderam a essas perguntas desde o primeiro
momento em que permitiram que você passasse por tudo o que passou.
Ações, na maioria das vezes, falam mais que milhares de palavras e
justificativas. As palavras mentem, as ações não.
— Você é a melhor para eles e a melhor para mim. Tenho orgulho de você,
cacto. Eu te amo.
MESES DEPOIS
— Esqueça essas bobeiras, Dandara. Sentir e querer jamais farão com que
você seja uma idiota ou uma tola. Isso te faz humana.
— Oh, doutora... você sabe que sou patética por trás de toda a pose.
— Eu amo vocês, meus pequenos! Amo meu pinguim grande, minha mini
cacto e meu carrapatinho.
Por falar em cacto, desde que ela me viu trajando uma toga na
cerimônia de posse, tudo que tem feito é usar isso como fetiche. Se
eu tenho fetiche nela quando está trajando uma toga, eu não sei
explicar o que ela sente ao me ver assim.
[...]
Sogro...
Sogro??????
— Por quê?
— Porque eu já desgracei a sua vida e você nem mesmo consegue
se dar conta.