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Copyright © 2021 Jussara Leal

Apelação

1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do
autor/editor.

Capa: Designer Tenório


Revisão: Bianca Bonoto
Diagramação: Veveta Miranda

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor(a).
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO


DA LÍNGUA PORTUGUESA.
Sumário

Introdução
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
DANDARA
Voltei para a antiga casa onde eu morei com Diógenes. Ela
agora está passando por algumas modificações, nada exorbitante,
apenas para mudar um pouco. Estou transformando um quarto em
brinquedoteca para Samuel, há também um quarto sendo
devidamente reformado para meu pequeno e estou modificando
meu antigo quarto por completo. É uma obra rápida, tem uma
equipe boa trabalhando para fazer os ajustes o mais rápido.
Enquanto isso, Samuel está passando uma semana com o pai,
porém o vejo todos os dias. Graças a Deus Lucca é um ser humano
maleável.
Por falar nele... me surpreendo quando, no início da noite, o
interfone toca e o vejo pela câmera de segurança. Ele está sozinho,
não está com nosso filho e isso me deixa ligeiramente curiosa.
Libero sua entrada e logo ele surge na sala.
— Olá! — me cumprimenta.
— Ei, está tudo bem com Samuel? — pergunto, e ele sorri.
— Sim. Ele está no meu apartamento com Melinda e as
crianças, brincando. Quis aproveitar para vir conversar com você.
Tem um tempinho?
— Tudo que mais tenho tido é tempo. — Sorrio. — Não
retornei ao trabalho, a casa está um caos devido as obras. Estou
entediada — explico, guiando-o até o sofá. — Sente-se. Quer algo?
Uma água? Um suco? Um banho?
— Oh! — exclama rindo. — Bem-humorada, meritíssima?
— Aprendi com o melhor. — Sorrio me acomodando no sofá
diante dele. — Bom, o que te traz aqui, Lucca Albuquerque?
— Samuel — informa. — É aniversário dele em breve. Ele já
teve alguma festa? Acredito que não.
— Não teve. Apenas um bolinho meu e dele — respondo.
— Então, estive pensando que seria interessante fazermos
uma festa. Quero muito comemorar o aniversário dele. Será o
primeiro que passo com ele, estou empolgado por isso. — Balanço
a cabeça em concordância. — Você está de acordo?
— Estou. Quero que ele saiba como é bom ter um
aniversário, quero tudo que o faça feliz. — Suspiro. — Pensei sobre
o que você falou em relação a escolinha. Também estou de acordo.
Acho que podemos começar as buscas. Será importante para o
crescimento dele. Podemos procurar juntos?
— É claro! Eu faço questão de estar com você na busca
pelo melhor para o nosso filho.
— Perfeito.
— Bom, sobre a festa, estava pensando em fazer na ilha. Lá
tem espaço para brinquedos infláveis, e tudo mais que uma criança
possa querer. Acho melhor do que alugar um salão de festas e
ficarmos trancados em um cômodo por quatro horas.
— Samuel vai se apaixonar pela ilha. Gosto da ideia, Lucca.
Podemos olhar decoração e tudo mais.
— Você poderia ficar com essa missão? Eu olho o restante,
Victor já é experiente nisso e vai me ajudar. Se quiser, Melinda
ficaria muito feliz em ajudá-la em busca da decoração perfeita. —
Balanço a cabeça em concordância.
— Perfeito. Vamos fazer acontecer.
— Obrigado por isso. Estou feliz por estarmos unidos por
nosso filho, Dandara. Feliz por tentarmos uma amizade.
— Eu continuo amando você, mas entendi que acabou. Já
disse. Todas às vezes que olhar para mim... não se esqueça. — Ele
sempre fica mudo quando eu digo isso. — Bom, quer ver como o
quarto de Samuel está ficando?
— Adoraria. — Ele fica de pé e o levo pela casa. Ele vai
olhando todas as modificações até chegarmos ao quarto do nosso
filho. — Uau!
— Essa parede será uma parede de escalada — explico.
— Isso é fantástico pra caralho! Quando fica pronto?
— Acho que em três dias. Estou com saudades do meu
bebê. — Ele me encara e dá um sorriso.
— Por falar nisso, não quero que ser intrometido nem nada,
entendo que vocês só tinham um ao outro, mas é importante ensiná-
lo a dormir no próprio quarto. Sabe disso, não sabe? Para o
crescimento dele.
— Sei. Ele irá dormir no quarto dele. É algo que tenho que
trabalhar em mim mesma. Ele está super bem com você, ou seja,
não é um apego tão grande dele em dormir comigo. A apegada no
caso sou eu e entendo que não é saudável.
— E a terapia?
— Sabe que tem sido até interessante? Apenas estou com
um pouco de dó da terapeuta por ter que ficar ouvindo minhas
tragédias — digo rindo. — Eu encho a cabeça da mulher. Temo ser
expulsa a qualquer momento.
— Mas é bom poder desabafar, não é?
— É, principalmente com uma pessoa que não tem qualquer
tipo de vínculo comigo, não me conhece e não vai me julgar. Acho
que é por isso que sempre saio do consultório me sentindo
infinitamente mais leve.
— Também me sinto assim. — Lucca também está fazendo
terapia. — A propósito... — Não o deixo terminar.
— Já encontrei a terapeuta para Samuel. Ele vai começar
em breve. Estou esperando apenas a rotina se ajustar.
— Precisamos conversar sobre todos os demais ajustes,
guarda e tudo mais.
— Eu acho que podemos discutir isso entre nós mesmos.
Acho que não precisamos estabelecer parâmetros. Confio em você,
acho que confia em mim como mãe. Nós dois temos uma boa
condição financeira, estamos tentando ter um bom relacionamento.
Acho que é bom para Samuel o arranjo que estamos tendo. Não vou
impedir de buscá-lo ou vê-lo, acredito que também não vá fazer
isso. Enxergo que o mais saudável para Samuel é uma criação
compartilhada. Se quiser, podemos até registrar esse acordo, mas
aí vai da sua vontade.
— Bom, você já paga um plano de saúde. Quero arcar com
os custos do colégio. Todo o restante vamos ajustando então.
Confio em você como mãe do meu filho. Sei que se arrependeu por
tê-lo escondido, assim como sei que quer o melhor para ele.
Podemos manter esse arranjo, Dandara. Vamos compartilhar a
criação do nosso filho. — Ele sorri e eu retribuo, mesmo arrasada
por dentro.
— Perfeito.
— Bom, vou nessa então. Vamos nos falando, ok? Obrigado
por tudo. — Ele me abraça e eu o levo de volta a sala, o seguindo
até a saída.
Como juíza eu deveria adotar uma postura diferente sobre a
questão da guarda, mas não quero complicar nada. Não mais.
Samuel merece apenas o melhor e sei que o melhor para ele é ter
os pais criando-o com harmonia e felicidade. É o mínimo.
Quando Lucca se vai, me pego chorando mais uma vez,
como sempre. Encho uma taça com vinho e me jogo no sofá,
consumida pela culpa e pela dor. A pior sensação é eu saber que só
o perdi por minha culpa e saber que ele seguiu em frente de uma
maneira bastante decidida.
Estou na metade da garrafa quando meu celular toca e o
nome de Enzo surge na tela. Respiro fundo e atendo.
— Alô...
— Meritíssima, já decidiu parar de me enrolar? — pergunta
direto e reto, como sempre.
— Enzo...
— Não estou no clima — diz imitando minha voz e até me
faz rir. — Abra a porta. Como eu sabia que diria isso, resolvi me
adiantar. Abra ou vou pular o muro. Tenho um preparado físico
invejável, sabia? Vamos lá, Dandara, vou contar até cinco para abrir.
Eu não me movo do sofá. Não gosto de facilitar as coisas
para ninguém e gosto de desafios. Encerro a ligação e espero. Eu
conto de um a cinco e ouço o barulho de um salto. Em poucos
segundos Enzo está na minha sala, dando um sorriso cafajeste.
— Gosta de desafios, Dandara? — pergunta. — Desafios
me deixam excitado.
SOLTEIRA.
SOZINHA.
DONA DA MINHA PRÓPRIA VIDA.
É o momento de deixar o passado para trás e viver a minha
atual realidade. É o momento de aceitar os fatos e fazer as pazes
comigo mesma. Existem pessoas que não foram criadas para serem
compreendidas e sim aceitas, eu faço parte desse time. Complexa
demais para ser compreendida, difícil para ser aceita. De qualquer
forma, tudo que uma pessoa precisa é entender que ela tem que ser
como ela é.
Mesmo que isso não seja muito bom...
Eu amo desafios!
Eu sou o próprio diabo!
DANDARA
Sentada no sofá examino friamente o homem parado a
alguns metros de distância, todo dono de si. Levo minha taça de
vinho até a boca e degusto um pouco mais do líquido, sem
desconectar meus olhos dos dele.
Ele é bonito. Esse estilo desleixado — embora eu não curta
muito —, é um pouco sexy, preciso confessar. Sempre fui fã
incondicional dos engravatados, principalmente pelo poder que
demonstram ter. Uma mulher poderosa gosta de homens
poderosos, sempre acreditei nisso.
Me pergunto o que ele quer de mim. Sexo? Sexo é a única
coisa que tenho a oferecer a quem quer que seja. Meu coração está
destroçado, de uma maneira que eu não consigo vislumbrar a
possibilidade de permitir que qualquer pessoa entre em minha vida.
Pelo menos não tão cedo.
Mesmo que eu saiba que preciso começar a me esforçar
para superá-lo, Lucca está infiltrado em meu coração e na minha
mente. Ele é um homem poderoso, mas ele é tantos outros homens
em um só. É humilde, humano, carinhoso, generoso, dono do
melhor sexo da minha vida e tudo mais. Encontrar alguém que
chegue à altura será uma missão complicada, mas, quem disse que
estou em busca de alguém que me coloque de joelhos?
É o que é. Agora estou completamente solteira, tendo que
começar a viver uma liberdade que eu deixei de querer desde que
conheci Lucca. E, pode ter certeza, minha liberdade será
devidamente aproveitada. Sem complicações, sem envolvimento
emocional, apenas vivendo um dia de cada vez com quem quer que
eu escolha para uma noitada de diversão. Uma mulher precisa de
sexo tanto quanto um homem, uma mulher pode ter sexo casual
tanto quanto ela estiver disposta a ter. E, é isso que quero: sexo
casual.
Não quero relacionamento sério, tão pouco o mínimo de
compromisso que seja. Mas sexo eu até topo... um bom sexo, sem
grandes expectativas, com o único propósito de gozar e ter um
pouco de prazer, bem descomplicado como estou dizendo.
Tudo bem, a situação aqui se trata do primo do meu ex, mas
não acho que ele seja um moleque que vai ter um momento de
diversão comigo e sairá espalhando isso. Ou será que ele é? É um
risco que quero correr? A mercadoria compensa o risco? Oh!
Compensa! Como ele bem disse, desafios o deixam excitado. É
notável que ele não mentiu em relação a isso. A excitação está
generosamente visível e não é nada ruim.
Confesso que não estava interessada nisso, mas estou aqui
entediada, sem meu filho, sem nada para fazer... Por que não?
Preciso exterminar o luto de sexo. Sinto necessidades.
Deixo meu copo sobre a mesa de centro e fico de pé. A
passos lentos e calculados estou diante de Enzo, vendo seus olhos
adquirirem ligeiramente tons mais escuros com a minha
proximidade. Gosto de sentir o quanto posso impactar um homem,
isso faz meu sangue fervilhar.
— O que você quer comigo? Sejamos honestos aqui, Enzo.
Aprecio a sinceridade. Certamente você não está atrás de mim para
um jantar. A não ser que eu seja a refeição. — Ele sorri e,
audaciosamente, traça um dedo entre meu pequeno decote.
— Uma refeição e tanto, meritíssima. Desculpe não ser
como um cavalheiro agora, mas eu comeria essa refeição e
lamberia o prato. — Nada cavalheiro mesmo. Isso quase me faz rir.
— O que espera de mim? Vejamos, Enzo, sou ex do seu
primo, eu o amo, estava chorando a poucos minutos atrás por ele.
— Excesso de sinceridade.
— Eu menti uma vida toda e a mentira arrancou de mim o
homem que eu amo. Continuar mentindo deixou de ser uma opção.
— Sorrio. — Verdades precisam ser ditas e principalmente aceitas.
O que espera de mim?
— Sinceramente?
— Sim, com certeza sim — afirmo. — Admiro sua
sinceridade.
— Tenho uma atração sexual por você desde quando ainda
estava com Lucca. Uma atração forte. É uma mulher madura,
acredito que seja descomplicada, sem frescuras e sem ilusões.
Acho que podemos nos divertir juntos, Dandara. Sem expectativas
de um futuro. Não estou em busca de um casamento, mas estou
sempre em busca de prazer. Prazer é o que envolve a minha
existência.
— É um libertino? — pergunto, tocando a gola de sua
camisa.
— Gosto de foder.
— Sem muito apego, não é mesmo? Talvez apenas uma
vez? — Sondo suas intenções.
— Não necessariamente. — Ele sorri tocando minha cintura.
— Há certas coisas na vida que merecem ser repetidas, concorda,
meritíssima?
— Preciso concordar.
— Não vai me convidar para tomar um vinho, um café, me
sentar? — pergunta.
— Não te convidei nem mesmo para entrar — digo, me
afastando dele, que tem um sorriso extremamente cafajeste em seu
rosto agora.
— Não sei se já te disseram isso, mas você é uma tirana do
caralho, Dandara.
— Acho que tirana é até um apelido carinhoso se tratando
de mim. — Ele ri e logo estou presa na parede, sentindo sua
protuberância em minha bunda. Temos aqui um espécime de
homem decidido e selvagem. É um bom começo.
Suas mãos correm pelos meus braços vagarosamente até
estarem em minhas mãos, ele as segura e as levam acima da minha
cabeça enquanto fico com a minha bochecha presa na parede. Não
gosto de estar nessa posição, mas permito apenas para ver o
desempenho do homem atrás de mim.
— Está presa, meritíssima.
— Eu sou ótima em defesa pessoal, investigador.
— Essa sua bunda é algo impressionante — ele sussurra
em meu ouvido, e vai deslizando seus lábios pelo meu pescoço. Eu
adoro a sensação de uma barba passando pelo meu corpo, isso me
deixa molhada e necessitada. Me desvencilho do seu aperto e me
viro de frente.
Sorrio antes de levar minha mão nos bolsos de sua calça.
Dou uma gargalhada ao encontrar o que eu procurava e perceber
que homens são seres muito óbvios.
— Bem equipado esse garoto. Não apenas de preservativo,
mas de segurança. Você é o tipo que confia em suas jogadas, não é
mesmo? Mas, apenas um preservativo?
— Com toda certeza sim. Um homem inteligente está
sempre preparado, principalmente quando tem a intenção de fazer
um jogo sujo — afirma sem titubear. — E, com a segurança que
possuo, posso dizer que está molhada e doida para ter um pouco de
diversão. Um preservativo acessível para emergências, há outros na
minha carteira.
— Não gosto de pouco, investigador. Comigo é tudo ou
nada, sem meios termos.
— Você não me intimida ou me dá medo, Dandara — diz, se
afastando e retirando sua jaqueta de couro. Acompanho com os
olhos a peça voar até meu sofá.
— Talvez faça parte da natureza dos Albuquerque’s não se
intimidar. Acredite, não estou com o mínimo de intenção de intimidá-
lo. Estou sendo o que sou, não estou fazendo jogos com você,
apenas sendo sincera. Talvez eu seja um tipo de mulher que você
não está acostumado a lidar.
— Pode ser isso, mas não gosto de comparações. Acho
infantil, principalmente para uma mulher como você. — Esse
homem é extremamente abusado. Está pegando minha taça de
vinho, enchendo e então bebendo o líquido sem tirar os olhos dos
meus. — Quanto a ser um tipo de mulher que não estou
acostumado a lidar, talvez esteja certa, meritíssima. Mas, gosto de
novidade; e, principalmente, gosto de decifrar enigmas. Você é
como um enigma muito interessante. — Ele sorri. — Quero decifrá-
la, desvendá-la. Algo me diz que será extremamente prazeroso para
ambos. — Arqueio as sobrancelhas em desafio e ele para de sorrir.
— Então, vai sair comigo ou vamos ficar por aqui mesmo?
— Não estou com o mínimo de vontade de sair. Quero tomar
um banho e relaxar.
— Você pode tomar seu banho, mas não creio que vá
relaxar. Cansei de jogos, meritíssima, principalmente vendo o
quanto você precisar gozar para melhorar esse humor — diz, se
acomodando no sofá. — Vá tomar seu banho.
— Homens são tão idiotas. Vocês têm a péssima mania de
achar que uma mulher precisa de pau para ter orgasmos, relaxar e
melhorar o humor. Mas, permita-me dizer, há brinquedos que podem
ser infinitamente mais prazerosos do que ter que lidar com homens
idiotas. — Sorrio. — Ninguém conhece meu corpo melhor que eu
mesma, Enzo. Ninguém pode me dar mais prazer do que eu
mesma. Não dependo de você para isso, embora seria interessante
ter seu toque, seu beijo, enquanto eu busco meu próprio prazer.
— Possui brinquedos, meritíssima? — Ele é um canalha
provocador. — Me mostra.
— Tanto possuo brinquedos quanto possuo a capacidade de
transformar homens em meus próprios brinquedos. — Sorrio
diabolicamente. — Quer?
— Com um imenso prazer — ele diz, relaxando sua postura
no sofá e levanta os braços. — Será um prazer ser seu brinquedo,
Dandara. Estou ao seu dispor.
Eu poderia dizer que estou frustrada com a facilidade de
lidar com ele, mas não estou. Um brinquedo humano é bem-vindo.
Jogo o preservativo em cima dele e vou tomar banho. Levo
meu tempo sob o chuveiro. Enzo possui muita tensão sexual, é meio
difícil ficar no mesmo ambiente que ele, principalmente se for
sozinha.
Gosto de pessoas difíceis. Elas se parecem comigo.
Saio do banho, me seco e visto apenas calcinha e um robe
vermelho. Quando surjo na sala, vejo os olhos luxuriosos de Enzo
varrer meu corpo, por um momento sinto que estou nua diante da
intensidade.
Noto que a garrafa de vinho está vazia, por isso vou até a
adega, escolho outra garrafa e pego duas taças novas. Abro a
garrafa com o profissionalismo de uma mulher que ama vinho e a
sirvo. Entrego uma taça a Enzo e me sento no mesmo sofá que ele.
— Então, meritíssima, quando volta aos tribunais?
— Em breve. Primeiro estou organizando minha nova vida.
Preciso organizar a casa e a rotina de Samuel é a minha prioridade
— explico-me. — E você?
— Volto a ativa na próxima semana, mas não por muito
tempo. Pretendo trabalhar apenas por pouco tempo, quero viajar o
mundo. Já trabalhei o suficiente. Quero novas aventuras, novos
lugares.
— Interessante. Na verdade, isso é realmente interessante.
É um atrativo e tanto para mulheres como eu. — Sorrio e o puxo
pela camisa, isso parece surpreendê-lo. — Tão atrativo quanto a
sua boca e sua barba. Consigo imaginá-lo beijando algumas partes
do meu corpo. — Ouço o barulho de uma taça se quebrando e
então sua boca está na minha.
O fogo explode e eu apenas sorrio a cada sensação. Talvez
eu não preste, mas adoro, não vou mentir.
"Diante de mim as pessoas se inclinam."
Enzo fica de joelhos no chão e me puxa para a ponta do
sofá, abrindo minhas pernas. Segura minha perna direita e distribui
beijos incontáveis pela minha panturrilha, subindo até a coxa. Ele
repete o ato com a perna esquerda e então sinto sua barba
passando pela parte interna das minhas coxas, dando a devida
atenção a cada uma delas.
"À minha voz acorrem."
— Você é tão maravilhosa que eu nem sei por onde
começar. — Pobrezinho, está perdido...
"À minha palavra obedecem."
— Comece retirando minha calcinha. — Um sorriso surge
em seu rosto e ele traz suas mãos em minha calcinha, a arrancando
abruptamente do meu corpo.
Ele desfaz o nó do meu robe e suspira alta ao ver meus
seios nus. Logo suas mãos estão neles, me permito relaxar e
entregar. Suas mãos estão quentes e seu aperto é firme, causando
uma leve dor em meus seios. Sua boca deliciosa envolve em cada
momento um dos meus mamilos e eu gemo de prazer, sentindo a
necessidade que estava adormecida surgir com força. Gosto
quando sua língua passeia firmemente sobre meus mamilos, mas
eu amo quando ele fecha seus lábios em torno de cada um deles,
sugando forte e em alguns momentos beijando como se fosse
minha própria boca. É uma tortura deliciosa, mas quero essa boca
trabalhando em outro lugar agora...
"Ao meu mandado se entregam."
— Quero sua cabeça enterrada entre minhas pernas,
investigador — ordeno, e isso parece deixá-lo louco. Ele arrasta sua
língua do vão entre meus seios até minha buceta, e, quando ele
encontra meu clitóris, sou incapaz de segurar o gemido alto que
escapa. Ele se afasta um pouco e retira a camisa, minha boca se
enche de água, doida para lamber cada pedaço desse homem. Mas,
agora, preciso apenas que ele volte ao seu serviço sujo. E ele faz...
novamente se ajoelha e inclina entre as minhas pernas. Suas mãos
apertam minhas coxas, forçando para que eu abra ainda mais as
pernas, e logo sua boca está de volta em minha intimidade,
lambendo, sugando, pressionando sua língua contra meu clitóris
delicado e sensível.
Meu corpo treme sem que eu possa controlar, explodindo
em um orgasmo quase capaz de me transformar em pequenas
partículas de destruição. Enzo se afasta e observa minhas reações
e eu dou isso a ele. Eu o deixo saber o quão bom é em práticas
orais. Sou justa... uma boa juíza precisa ser. Ele tem um talento nato
que deixa meu corpo contorcendo e o prazer estampado em meu
rosto.
"Ao meu gesto se unem."
— Quero sentir se você é bom em me fazer gozar estando
enterrado dentro de mim. — Sorrio, pegando sua mão e chupando
seu dedo médio. — Quero ver se nossa junção é prazerosa,
investigador.
— Você é um furacão de exigência, meritíssima.
— Hoje é tudo sobre mim, Enzo. Talvez tenhamos uma
segunda experiência em que cuidarei de você. — Sorrio e ele fica
de pé.
Ele chuta suas botas para longe, abre a calça e a desliza
para baixo junto com a cueca. Não quero comparar, mas talvez seja
da natureza dos Albuquerque’s serem bem-dotados. É bom abrir
meu período de solteirice com algo generoso, isso desperta em mim
um desejo louco, que me faz ficar de pé e jogá-lo sobre o sofá.
— Você levou a sério sobre eu ser seu brinquedo, não é
mesmo? — pergunta sorrindo, e pego o preservativo que está em
sua mão. Abro a embalagem metalizada e retiro o látex de dentro.
No primeiro contato da minha mão com o incrível objeto sexual,
Enzo ruge como um animal enjaulado. Sorrio deslizando o
preservativo pela sua incrível ereção e confiro meu trabalho
satisfeita.
— Muito bom, Enzo ALBUQUERQUE. Agora eu vou montá-
lo para o meu prazer. — Ele ri como se não estivesse acreditando
em minhas ações e eu começo a introduzi-lo em minha entrada que
parece ter se fechado ainda mais devido ao longo período sem
sexo. O riso morre quando o deslizo por completo e me ajusto com
uma simples rebolada.
— Puta merda, Dandara! — exclama. — Você é
extremamente gostosa.
— Guarde seus elogios e concentre-se em agir. Não quero
um boneco inflável. — Ele parece perder a paciência comigo,
porque ele se levanta me levando junto consigo e me joga na
primeira parede que encontra.
— Não sou um moleque para tolerar suas gracinhas,
meritíssima. Eu tenho um limite.
— O que é bastante bom. Me mostre que se transforma
quando alguém ultrapassa seus limites — peço, e ele mostra.
Com arremetidas rápidas, profundas e certeiras; com um
apetite sexual insano e uma capacidade incrível de suportar; com
um desempenho digno pra caralho onde ele usa mãos, boca e seu
pau magnânimo, Enzo me mostra em que ele se transforma quando
tem seus limites testados. Suas mãos se dividem em toques lentos
e tapas bem dados na minha bunda. Seus lábios ora estão dando
beijos delicados em minha pele e ora mordendo, seu quadril nunca
para de se mover e tão pouco muda o ritmo. Enzo é deliciosamente
implacável e desrespeitoso, porque ele não diminui nem mesmo
quando eu preciso de um tempo para me recuperar do orgasmo.
Mas, o que mais aprecio é ter sua boca na minha. Quando
ele me beija eu me torno uma louca. Agarro sua bunda, quase
exigindo que ele parta meu corpo ao meio. Mordo o lóbulo de sua
orelha e dou um gemido só para deixá-lo louco.
Funciona.
Ele goza, rugindo como um leão selvagem e morde meu
pescoço. Agarro seus cabelos com força e contraio em torno dele,
sorrindo de satisfação.
— Você é incrível — ele sussurra meu ouvido, e eu me
desvencilho dos seus braços.
"... Ou se separam, ou se despojam."
— Eu quero mais, investigador.
— Que bom, porque estou longe de terminar com você,
meritíssima.
O nosso sexo é louco, intenso, interessante o bastante para
repetirmos em outras posições. No meio da madrugada, após uma
rodada exaustiva, jogados no tapete da sala, eu decido que é o
momento dele ir embora.
— Enzo, meu querido, é hora de dar tchau — digo, ficando
de pé e ele agarra uma de minhas pernas, beijando minha
panturrilha.
— Me deixe ficar, apenas hoje. Estou um pouco destruído,
meritíssima.
— De forma alguma. Já para a sua casinha. Se quiser uma
segunda vez, acho bom que obedeça ao meu pedido. — Ele solta
minha perna, suspira frustrado e fica de pé. Como um garoto
pirracento, ele veste apenas a cueca, pega o restante das roupas e
caminha até a porta.
Visto meu robe e vou atrás dele sorrindo. Na porta principal
o puxo para um beijo, dou um tapa em sua bunda e ele se vai.
"Ao meu aceno as portas das prisões se fecham as
costas do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a
liberdade."
Ao fechar a porta e voltar para dentro de casa, decido algo:
nada disso aconteceu!
"Juro pela minha honra dizer toda a verdade e só a
verdade".
DANDARA
A perspectiva do consultório da minha terapeuta ser no
shopping sempre me encantou. Por quê? Porque desde a primeira
vez eu saio das consultas desestruturada e vou para a praça de
alimentação comprar todos os tipos de doce que encontro. Sim, eu
sou o tipo de mulher que em algumas ocasiões precisa se entupir de
doce pela própria sobrevivência e sanidade mental.
Porém, essa perspectiva acaba de ser arruinada. Esqueça
tudo que eu disse anteriormente. O fato do consultório da minha
terapeuta ser no shopping acaba de se transformar num pesadelo,
porque em shoppings sempre encontramos muitas pessoas,
inclusive a atual do ex acompanhada da ex-sogra e da ex-cunhada.
É como levar um soco no estômago. Minha sorte é que estou indo
para a terapia e poderei encher a cabeça da doutora Rovena.
Elas estão em uma mesa, reunidas com uma mulher que
não conheço, cercadas de revistas de... noivas.
Respiro fundo e luto para não ficar de joelhos no meio do
shopping e chorar à plenos pulmões. Lucca vai se casar. Meu
Lucca... o meu amor. Ele vai se casar. É isso. A realidade nua e
crua. Isso acaba com todas as esperanças que eu tinha sobre o
relacionamento dele ser apenas passageiro.
Deslizo os óculos escuros, cobrindo meus olhos, mas o pior
acontece:
— Dandara! — Victória me chama. Sou obrigada a dar um
sorriso forçado e me aproximar delas.
— Olá, Vic! — digo a cumprimentando, e olho para Ava, em
seguida para Paula. — Olá.
— Ei, Dandara — Paula me cumprimenta educadamente, e
eu quase vomito arco-íris.
— Bom revê-la, Dandara — Ava diz, dando um sorriso fraco.
— Você está mais linda que nunca.
— Não tanto quanto você, Ava. — Sorrio sentindo o veneno
escorrer em minha boca.
Ava me odeia, mas parece amar Paula. Eu quero odiar as
duas, então está tudo bem. Durante todo o período em que estive
com Lucca vi Ava se esforçar para ser legal comigo, mas a verdade
é que ela nunca foi com a minha cara. Se antes ela já não gostava
de mim, imagine agora? Ao menos agora não precisamos fingir.
— Samuel está pelo shopping com Lucca — Vic diz.
— Eu vim para a minha sessão de terapia. O consultório da
minha terapeuta é aqui — explico a ela. — Espero encontrar com
eles.
— Você está linda.
— Você também, Vic — digo a abraçando. — Foi bom vê-la.
Preciso ir.
— Não se distancie de nós, ok? Somos uma família, mesmo
que as coisas tenham dado errado entre você e Lucca. Você é mãe
do neto mais educado do planeta. — Ela sorri carinhosamente.
— Não vou me distanciar — afirmo sem qualquer convicção
e me despeço.
Estou subindo pela escada rolante quanto vejo Lucca e
Samuel descendo.
— MAMÃEEE! — meu pequeno grita e sorrio, lembrando
que existe vida após a "morte".
— Bebê! — Eles terminam de descer e eu de subir. Fico
parada no topo da escada e Lucca sobe com ele.
Agacho e recebo meu filho o enchendo de beijos e cócegas.
— Mamãeeee...
— Meu pinguim! — Sorrio. — Meu cheirinho preferido do
mundo inteiro. Mamãe está louca de saudades! — Fico de pé com
ele em meus braços e encontro os olhos avaliativos de Lucca. Não
entendo por que sempre que estou com Samuel ele fica me dando
olhares avaliativos. — Olá, noivo do ano.
— Dandara...
— Você não tem que me explicar nada — digo com os olhos
marejados. — Seja feliz. — Entrego Samuel e ele.
— Eu sinto muito.
— Você não sente. Eu sinto — afirmo. — Eu sinto muito,
Lucca, por todas as coisas, principalmente por ter perdido você.
Preciso ir. A terapia nunca foi tão necessária como agora. — Beijo
meu filho nos braços dele e os deixo.
Assim que doutora Rovena abre a porta, eu me lanço aos
braços dela num choro desesperado. Pobrezinha..., mas ela é a
única pessoa que tenho para desabafar agora.
Ela me deixa chorar livremente e nem se importa com o som
do meu desespero. E, quando me acalmo, ela me conduz até o
sofá, pega um copo de água e me faz beber todo o líquido.
— Obrigada — a agradeço.
— Ok, Dandara, me diga o que houve.
— Lucca vai se casar — digo, voltando a chorar. — Ele vai
se casar.... com outra mulher. — Admitir isso para mim mesma é
extremamente doloroso. Me pego olhando para o chão, sentindo
que terei que enfrentar a maior luta da minha vida tentando tirá-lo do
meu coração. — Todos os dias eu o esperava chegar em casa
ansiosa... e, quando ele chegava, nem mesmo me deixava dizer
qualquer palavra. Ele me beijava de uma maneira tão doce, como se
tivesse sentido a minha falta o dia inteiro e contado cada segundo
para poder estar comigo.
— Essas lembranças agora não são bem-vindas, Dandara.
— Eu era o centro do mundo dele. O centro de tudo que
envolvia Lucca. Ele me dava tanto e eu retribuía com tão pouco,
porque sou fria, mesmo quando amo alguém com todas as minhas
forças há em mim uma frieza. Com ele eu conseguia quebrar isso
muito, mas não o bastante, porque Lucca merece ser amado por
alguém que se entregue por total e eu... eu apenas nunca consegui.
Mas eu o amo, Rovena. Eu o amo. Por que ele vai se casar? Eu
fecho meus olhos e relembro de todas as coisas que eu nunca mais
serei capaz de ter. — Soluço. — Ele vai dar isso tudo a ela, porque
foi ela quem segurou a mão dele depois que eu soltei. E ela é uma
filha da mãe de uma mulher incrível... e ele a ama agora. Nunca
mais vou encontrar alguém que chegue ao menos perto de ser tudo
que Lucca é.
— Não busque Lucca nas pessoas, Dandara. É um erro
buscar uma pessoa em outras, além de ser frustrante. Quando
estiver disposta a se relacionar com alguém, busque alguém que se
encaixe em você e não alguém que seja o estereótipo do homem
que você perdeu. Não faça essa sabotagem consigo mesma. —
Limpo meu rosto com as mãos e tento respirar normal. Que dor
esmagadora, meu Deus do céu, não desejo isso para ninguém, para
ninguém mesmo. É claustrofóbico, doloroso, dá vontade de sair
correndo, agarrá-lo e implorar pelo amor de Deus para não se casar,
para me perdoar de todas as merdas...
— Ele fará o aniversário do nosso filho na ilha, juntamente
com toda a família e eu... — digo, ficando de pé. — Não posso ir
sozinha. Não quero desabar ao vê-lo sendo feliz com outra mulher.
Não quero mais sentir isso, mas não consigo, Rovena... quando
acho que estou caminhando, retrocedo ao receber uma pancada
dolorosa.
— Arrume uma companhia; uma amiga, um acompanhante.
— Transei com o primo dele ontem. — Volto a sentar após
ela abrir a boca em choque. — De tantos homens, eu transei com o
primo.
— E o amigo?
— Eu transaria. — Ela ri, completamente fugindo da terapia.
Eu rio também. — Eu preciso parar de fazer merda, não é mesmo?
— Com certeza, Dandara. Acho que tem que sair da zona
de amigos e parentes de Lucca. Você pode ser educada com todos,
mas acho que se relacionar mais intimamente com quem quer que
seja ligado a eles não fará bem. Tem que se afastar. Você e Lucca
possuem um vínculo que é Samuel, têm que estar juntos em tudo
que diz respeito ao garoto, apenas isso. Qualquer outra coisa não é
saudável no momento pelo fato do seu sentimento por ele ser algo
forte. Talvez no futuro vocês possam ser grandes amigos, quem irá
dizer? Mas, agora, é o momento de focar na superação. Precisa
superar Lucca e precisa superar todo o seu passado para poder
seguir em frente.
— Preciso contratar alguém ser meu acompanhante em
eventos que envolvam Lucca — digo, e a mulher arregala os olhos.
— Não precisa contratar um acompanhante, Dandara. É
uma mulher linda, poderosa, com muitos homens que dariam tudo
pela sua companhia.
— Mas isso poderia acarretar um envolvimento emocional.
Não estou disposta, Rovena. Preciso de alguém que saiba o seu
lugar, que saiba que nosso relacionamento será em torno de um
contrato. Não quero um namorado, tão pouco quero um amor. Aliás,
pensando bem, não vou precisar da pessoa apenas para um evento,
e sim para vários. Se eu arrisco levar um cara qualquer que conheci,
pode ser que o nosso envolvimento acabe e eu tenha que ficar
trocando de par a cada evento. Isso pegaria extremamente mal para
mim, sem contar que o cara que eu escolher vai acabar tendo que
lidar com meu filho.
— Olha, eu sou sua terapeuta, mas acho que terei que fazer
terapia para poder continuar auxiliando você. Estou ficando maluca,
Dandara. Você está querendo ser estilo aqueles sugar daddy's?
Talvez um psiquiatra seja a melhor indicação para lidar com você. —
Eu quase grito e fico de pé mais uma vez. A melhor ideia!
— Existe essa coisa para mulheres? Tipo um site onde
mulheres ricas tenham homens a disposição? O irmão do Lucca se
casou com uma sugar baby. Ele a conheceu através de um site de
patrocinadores e a contratou para ser acompanhante dele em um
evento familiar. Eu poderia fazer isso! Existe esse site para
mulheres? — questiono pensativa. — Meu Deus! Eu preciso ir
embora, Rovena! Preciso achar isso, porque o aniversário de
Samuel está se aproximando... — aviso, pegando minha bolsa.
— Dandara, eu terei que tomar calmante antes das nossas
consultas! — Rovena diz desorientada. — E a terapia? Você estava
chorando desesperada, merda! — Estou fazendo a mulher perder a
ética.
— Eu vou superar Lucca com um gostoso, ou ao menos vou
fingir ter superado. Você verá. Não vou em festa alguma sozinha!
Não vou sair por baixo, Rovena! Não sou mulher de sair por baixo...
— Pensei que estávamos tentando mudar alguns velhos
costumes, algumas impulsividades.
— Vamos mudar... depois. Não posso enfrentar o
aniversário do meu filho sozinha. Agora preciso ir.
Saio descontrolada do consultório e entro na primeira loja de
chocolates que encontro pela frente. Faço uma compra generosa e
vou para casa. Está anoitecendo, tomo um banho, visto uma roupa
confortável, pego uma taça de vinho, meu notebook e me acomodo
no sofá.
Uso o Google para localizar sites de acompanhantes.
Alguns deles são acompanhantes sexuais e foge do que estou
buscando. É necessária uma busca extensa até que eu ache um
site chamado SUGAR MOMMY, isso me faz rir. É necessário todo
um cadastro extenso. Faço e fico aguardando ser aceita.
Rodopio pela casa, como chocolates, choro um pouco,
stalkeio Lucca nas redes sociais, choro mais um pouco e ouço o
som de uma notificação. Meu cadastro foi ACEITO! Claro que seria,
eles não negariam alguém com um saldo bancário generoso, e isso
não tem absolutamente nada a ver com "egocentrismo" da minha
parte.
Eles liberam meu acesso a um catálogo e é quase
deprimente ver pessoas sendo tratadas como refeição. Por algum
motivo esses caras estão aí, disponíveis para fazer a alegria das
coroas, não que seja eu tão coroa..., mas, não sou uma jovem de
vinte anos.
Estou envolvida na busca quando o telefone toca e o nome
de Humberto brilha na tela:
— Humberto Salvatore. — Atendo.
— Meritíssima, daria a honra de se juntar a mim para um
jantar? — Simples e direto, me lembra alguém..., mas, jantar é
apenas uma desculpa e não estou para enrolação.
— Refaça seu convite de uma maneira mais direta e
sincera, Humberto.
— Daria a honra de se juntar a mim no meu clube para que
eu possa sentir o imenso prazer de chicotear sua bunda, beijar a
sua boca e fazer outras coisas mais? — Eu dou uma gargalhada e
ele ri também. Há apenas dois problemas: Enzo não tem metade da
ligação que Humberto tem com Lucca.
Humberto é melhor amigo do meu ex, tanto que se tornou
meu amigo também. Não vou negar que as últimas investidas dele
chamaram minha atenção e despertaram a minha curiosidade,
mas... ele é dominador de BDSM. Eu não sou o tipo que gosta de
ser dominada, tão pouco o tipo que abre concessões. Humberto
também não é o tipo que abre concessões. Ele sempre deixou muito
claro que sexo para ele é apenas com submissas do universo
BDSM. Não sou, nunca serei, a experiência não atrai minha
atenção. Se fosse numa outra perspectiva...
— Eu sairia com você, de verdade — digo, mordendo um
chocolate. — Mas não somos compatíveis sexualmente. Não gosto
de BDSM, não gosto de ser cem por cento dominada. Por isso,
acredito que seu convite é inviável para mim.
— Apenas saia comigo. Sem clube, sem costumes.
— Você é melhor amigo de Lucca. — Ele suspira.
— Eu sei.
— Acabou se tornando meu amigo também. Não vou negar,
você é um cara lindo, gostoso, atraente, quente, mas... foda-se,
talvez possamos sair uma vez. — Ele dá uma gargalhada e eu rio
também. — Preciso resolver algumas questões, entrarei em contato
em breve.
— Agora eu me senti um objeto, Dandara, ou talvez algo a
ser negociado — diz ainda rindo.
— Não se sinta. — Rio. — Lucca vai se casar. — Ele fica
mudo e eu começo a chorar. — Oh merda!
— Não fique assim.
— Por que ele vai se casar tão rápido? O namoro dele é
recente, não é? Tem apenas meses.
— Paula é uma mulher muito legal, por mais difícil que seja
ouvir isso, Dandara. O afastamento de vocês durante dois anos foi o
que o levou a seguir em frente. Como amigo pessoal, íntimo, eu
posso te dizer com propriedade que o garoto sofreu pra caralho e
custou a se reerguer. Lucca merece ser feliz, assim como você
merece também. Não fique chorando. Já te disse sobre ser uma
mulher linda, poderosa, incrível. Precisa enxergar isso e parar de
sofrer.
— Eu sei de tudo isso... me desculpe. Descobri hoje, sem
querer. Ela estava no shopping com Vic, Ava e uma mulher, olhando
várias revistas de casamento.
— Lucca quer se casar logo. Você precisa se preparar para
isso, aceitar os fatos — aconselha.
— Eu vou. É só... recente a minha descoberta.
— Cuide-se, meritíssima. Você tem meu telefone, me ligue
caso precise de qualquer coisa. Sou seu amigo, Dandara. — Engulo
a seco.
— Obrigada. — Encerro a ligação, e, fungando, volto ao
cardápio...
Eu curto morenos e negros. Nenhum preconceito com loiros,
mas eu prefiro sempre os morenos e negros. Busco por horas, mas
estou tão fodida que nenhum consegue despertar minha atenção.
Preciso de alguém que tenha algum atrativo que desperte meu
interesse, porque ao menos beijos eu terei que dar e não vou sair
beijando qualquer um.
Revoltada e quase desistindo, atualizo o site e sobe o
número de homens no cardápio. Coloco o filtro de busca de recém
adicionados e então encontro algo. Um alguém misterioso que tem
uma foto misteriosa. Dá para ver pouco do homem, mas o pouco me
atrai, principalmente o braço tatuado e a barba. Mordo meu lábio,
limpo minhas lágrimas e envio uma mensagem:
— Olá, recém-chegado. — Digito e aguardo uma resposta.
— Uow! Olá.
— Me diga mais sobre você — peço. — Por que não possui
uma foto com a visibilidade melhor? Por que todo mistério?
— Todos nós somos um mistério; para os outros e para nós
mesmos — responde. — Quer desvendar?
— Não sou investigadora para desvendar mistérios, meu
querido.
— Resposta nada inteligente. Se fez perguntas é porque
quer desvendar a minha real identidade. — Aff!!! Nada inteligente,
Dandara, idiota! — O mistério sempre traz consigo um pouco de
sedução, não concorda?
— E você quer me seduzir? — pergunto rindo.
— No caso foi você quem puxou assunto, acho que é você
quem está em busca de seduzir alguém aqui, neste site. Estou
errado? — Deus do céu! É por isso que pessoas matam pessoas!
— Você é sempre tão idiota?
— Nem sempre. Na verdade, não consigo enxergar onde fui
idiota. Sinceridade é sinônimo de idiotice para você? Que
decepcionante! — Ele coloca uma carinha sorridente. — Apenas
trato as pessoas de acordo com o que recebo delas. Por exemplo,
mulheres que me dão respostas atravessadas na tentativa de se
autoafirmar me deixam irritado. Felizmente é raro acontecer. Qual
seu nome?
— Digo se me disser o seu.
— Olha o que temos aqui! Uma mulher que parece possuir
um grau de complexidade fora do comum. Eu nem mesmo preciso
continuar essa conversa, já deu para notar que é uma mulher difícil.
— Digita e coloca emoticons de riso. — Talvez você não queira me
desvendar, mas, preciso confessar, estou ligeiramente curioso para
conhecer o rosto por trás de toda essa impetuosidade. Não sei você,
mas eu amo um bom desafio, amo desvendar mistérios e pessoas.
— Ele é interessante. Ok, eu sou sádica.
— Por que está neste site?
— Pelo mesmo motivo que você: interesse — responde. —
O que nos difere é o tipo de interesse.
— Ok. Já que o interesse é o que nos move, estou
interessada em você. Digo, nos seus serviços. — Ele coloca um
monte de caras de riso, eu quero jogar o notebook para o alto e
socar um saco de areia.
— O que você precisa?
— Preciso de um acompanhante que finja ser meu
namorado em algumas ocasiões. Dinheiro não é o problema. Me dê
seu preço.
— Não tão simples. Posso até ter entrado nesse site que
possui um cardápio de homens, mas não sou bem uma mercadoria.
Primeiro precisamos nos conhecer. Você parece exigente, eu
também sou. Quero saber quem é a mulher que precisa de um
acompanhante e todos os motivos por trás disso. O site oferece
segurança a você, pode me encontrar sem medo. Sou inofensivo na
maior parte do tempo. — Ele é sedutor, embora seja idiota.
— Onde?
— Amanhã, as 23 horas, na boate Miroir.
— O quê??? — Digito colocando uma infinidade de pontos
de interrogação. — Você está sugerindo que eu vá em uma boate?
— Estou. É mais seguro para ambos, vá por mim. — Faz
sentido.
— Ok. Amanhã. Mas, como você saberá quem sou?
— É você quem irá me encontrar, não o contrário —
responde. — Saberei identificá-la com o meu olhar. — Hum... isso
está muito poético. Talvez ele seja um sedutor barato.
— E como saberei quem você é?
— Simples. — Digita.
— Simples como?
— Você vai reagir a mim assim que me ver. — Que diabos
está acontecendo?
— Reagir a você sendo que não o conheço? Me diga
como...
— Saberá quem sou porque eu vou desgraçar a sua vida
com um sorriso — responde e encerra o chat.
DANDARA
"Vou desgraçar sua vida com um sorriso."
AH TÁÁÁ! IDIOTA, PREPOTENTE, EGOCÊNTRICO,
ARROGANTE... Esse imbecil se parece tanto com...
Comigo.
Ok. Que merda hein, Dandara? Você já esteve numa fase
melhor! Me recuso a acreditar que você se transformou nisso!!!
Eu vou nessa boate só para jogar um copo de bebida na
cara desse infeliz. Sugar baby do diabo!
Desvendar mistérios, sinceramente, não vou falar um
palavrão porque tenho classe, mas fiquei curiosa. Uma pessoa para
ser tão segura de si precisa ser no mínimo foda. Entro no bendito
site outra vez e analiso a foto dele novamente. O sujeito parece
bastante beijável, transável e parece fortinho. A cor dele é uma das
coisas que mais me atrai. Parece bronzeado. Quero ver se
conseguirei identificá-lo como ele disse. O tal sorriso... eu espero
que seja um sorriso de deixar uma mulher de joelhos, não aceito
menos que isso. Ele, sem querer, aumentou meu nível de exigência.
Isso me faz rir, porque serei impiedosa.
Senti falta desse lance de desafio, da adrenalina. Esse
garoto fez meu sangue ferver. Agora me encontro eufórica e sei que
não conseguirei dormir muito facilmente. Isso me leva a beber mais
vinho e vinho me traz uma nostalgia gigante.
Me lembro de um dia estar entre as pernas de Lucca,
estávamos sentados no tapete, conversando, bebendo vinho. Um
braço dele estava em torno da minha cintura. Eu estava vestindo
uma camisa enorme de dormir e ela deixava um dos meus ombros
de fora. Ele me deu tantos beijos no ombro direito esse dia, que eu
quase perdi a paciência. Mas foi fofo, doce, delicado. Ele me amava,
cuidava de mim, fazia todas as minhas vontades, as colocavam no
topo de suas prioridades, até mesmo na cama. Generosidade é a
palavra que mais o descreve e algo que nunca fui. Pensar nisso me
faz crer que tenho muito a mudar. Por ser como sou perdi um
partidão... meu Lucca. Tão meu.
Quando as lágrimas começam a descer, as mando para o
espaço. Não quero mais essa dor. Decido dormir, mas meu sono é
conturbado. Sonho com um sorriso capaz de desgraçar a minha
vida.
As obrinhas já estão acabando, graças a Deus! Passo a
manhã toda em casa e, no meio da tarde, vou ver meu filho no
apartamento de Lucca.
— Pinguim! — Sorrio quando ele vem correndo até mim. O
pego no colo e o encho de beijos. — Meu Deus! Estou delirando de
saudades de você.
— Mamãe, Henrico — ele diz, e eu franzo a testa sem
compreender.
— Henrico é o filho de Paula, eles se conheceram hoje, mas
foi complicado — Lucca explica sorrindo.
— Por que foi complicado? — pergunto ligeiramente
interessada.
— Henrico é grudado comigo, houve certo ciúme tanto dele
quanto de Samuel. Henrico é autista, tudo em relação a ele é mais
delicado. — Não entendo muito sobre autismo, mas a tal Paula deve
passar por muitos desafios. Não deve ser algo fácil de lidar.
— Hum. Entendi. Deve ser algo complicado e desafiador de
lidar — comento.
— É sim, mas ele é um garoto muito legal — responde
sorrindo. O que posso dizer? Nada. É apenas uma criança e eu não
o conheço. Espero que Samuel lide bem com o garoto e todas as
limitações que envolvem o autismo. O criei com muita educação e
carinho, ele tem boas referências.
— Bom, vou precisar que fique com Samuel mais uns dois
dias. A obra não terminou ainda, infelizmente — explico, indo direto
ao ponto, sem prolongar minha visita. É doloroso, há muitas
lembranças.
— Não precisar pedir duas vezes, não é mesmo, filhão?!
Estamos aprendendo a jogar jogos novos no vídeo game, mamãe —
Lucca diz sorridente.
— Sério, filho??? Vou querer que me ensine depois para
jogarmos juntos. Vou pedir ao papai uma lista com os melhores
jogos. — Sorrio cheirando seu pescoço. — Meu pequeno príncipe.
Agora preciso ir para a terapia — informo, colocando-o no chão e
ele sai correndo. — Terapia para superar o pai dele.
— Não é para isso que está fazendo terapia, Dandara.
— É também para isso. Você acha que é fácil? Amor de pica
é o que fica. Mas, disse apenas brincando dessa vez, relaxe. Sei
que nem mesmo se eu surgir cravejada de diamantes e oferecer
sexo anal eterno te terei de volta. — Sorrio e Lucca acaba sorrindo
também.
— Sexo anal não me derruba, meritíssima. Mas, fico feliz
por ver um pouco de humor em você. Está mais leve. Quero muito
que sejamos amigos.
— Talvez um dia... Bom, preciso ir, Lucca. Cuide do nosso
bebê.
— Com muito amor — responde.
Dou um abraço nele e demoro mais tempo que deveria. Ele
faz um carinho em meus cabelos e isso ativa as lágrimas nos meus
olhos. Não permito que ele me veja desestruturada. Apenas me
afasto e vou embora.
Quando chego no consultório, solto um suspiro frustrada e
me acomodo no sofá. É como se toda minha classe tivesse ido pelo
ralo, porque eu me jogo como se estivesse em casa.
Doutora Rovena fica me encarando de uma maneira
estranha. Ela está silenciosa, avaliativa e receosa. Arqueio as duas
sobrancelhas para ela, talvez compreenda que está na hora de
entrar em cena, porém, nada acontece.
— Ok doutora, vamos lá? — digo quebrando o gelo. —
Como me sinto hoje? — pergunto por ela. — Uma merda! Acabo de
sair da casa de Lucca, o abracei e não queria soltá-lo nem por um
maldito caralho. Por falar em caralho, eu quis cair de joelhos e matar
a saudade, porém, não vai rolar. Para completar, arrumei um
novinho sugar baby...
— Calma. Pelo amor de Deus! Você não pode estar normal!
— Eu realmente preciso falar e você precisa me ouvir. É
para isso que vim — argumento. — Enfim, eu quis pela primeira vez
entrar em uma tela de computador e bater em um homem. Aliás, ao
longo da minha vida eu já quis bater em muitos homens, mas nunca
através da tela de um computador. É inédito! Esse novinho é
irritante, grosseiro, petulante, despertou em mim uma vontade de
matar! ARGH! Talvez ele não tenha sido grosseiro, mas quero
acreditar nisso. Ele rebate tudo que eu digo, tem excesso de
confiança, e, no final da conversa, ele disse que vai me desgraçar
com um sorriso. Quem desgraça uma pessoa com o sorriso? O que
ele quis dizer com isso? Meu Deus, que misterioso! Vou encontrá-lo
hoje e jogar verdades que precisam ser ditas. Se o sorriso dele for
feio, vou socar a cara dele por ter desperto em mim expectativas
exageradas. Sou juíza, tenho porte de arma, defesa pessoal.
— Essa agressividade não faz bem, Dandara.
Principalmente quando é voltada a um completo desconhecido.
— Ele que lute. Fé nas malucas! — digo, e começo a rir. —
Meu Deus, isso é o fundo do poço. Olha bem aonde cheguei,
doutora Rovena. Você está olhando? — pergunto, vendo-a arregalar
os olhos. — Me tornei o que eu mais temia, a mulher que diz fé nas
malucas. Isso é de uma baixeza horrenda. Sou uma juíza! Daqui
uns dias ouvirei sertanejo e funk, porque eu me sinto tão fora de
controle, tão não eu. Odeio funk, odeio sertanejo. Gosto de músicas
interessantes, inteligentes. Gosto de pubs luxuosos e irei em uma
boate essa noite. Uma maldita boate que não combina em
absolutamente nada com os padrões criados por mim mesma. É o
cúmulo da autodestruição o que estou fazendo. Essa frase ficou
estranha, sem nexo, mas é o que é. Ultimamente tudo tem sido tão
redundante.
— Acho que você está mais descontrolada hoje do que
estava ontem. Mas, sobre padrões, fuja deles. Ser livre vale mais
que todo e qualquer padrão. Você está na fase perfeita para abrir
mão das crenças que você mesma criou, para abrir mão dos
padrões. Você não é uma estampa de roupa para seguir padrões. É
uma mulher. Abandone os velhos costumes, crie novos. Quebre
regras, espere menos das pessoas, desfaça conceitos, permita-se
mais, viva, Dandara.
— Sabe que seu conselho é bem louco para mim, não
sabe? Não se deve dizer isso a uma mulher no auge do descontrole
emocional — comento, brincando com um anel em meu dedo. — O
que devo fazer? Aloprar e tacar o foda-se? Radicalizar?
— Me conte sobre o tal sugar baby — pede.
— Não sei nada sobre ele. Absolutamente nada. O cara é
mesmo misterioso. Até a foto dele está escondendo tudo que ele
pode vir a ser, mas quero conhecê-lo. Que roupa eu devo usar em
uma balada? Graças a Deus estou no shopping! É isso! Vou às
compras! Até convidaria você, mas...
— Definitivamente eu não iria. Você já me enlouquece em
um consultório e é mais do que posso suportar.
— Você é bem sincera, hein, Rovena?! Acho que admiro. —
Ela pega um bloco de notas e faz algumas anotações. Em seguida
me entrega um papel contendo um nome e um número. — Que
isso?
— Uma indicação de psiquiatra. Não é brincadeira, não há
qualquer brincadeira nisso. Um psiquiatra irá receitar ansiolíticos
que ajudaram a mantê-la mais controlada. Nosso tratamento vai
continuar, não se preocupe, mas psicólogos e psiquiatras muitas
vezes necessitam trabalhar juntos, e é esse o caso. Embora tenham
muitas piadas sobre psiquiatras, não é algo para malucos. Mesmo
que você haja como maluca...
— Ok, então muito obrigada pela indicação. Talvez uns
tóxicos me ajudem realmente. — A mulher quase cai da cadeira e
eu decido que por hoje é só, estou precisando de roupas
descoladas. — Até segunda-feira, doutora. — Sorrio, pego minha
bolsa e me despeço.
— Pelo amor de Deus! — a ouço dizer, e bato a porta.
Por pelo menos três horas rodo diversas lojas no shopping e
até exagero um pouco. Compro até lingeries sem nem mesmo
precisar. Levei a sério os conselhos de doutora Rovena.
Até vou no salão fazer unhas e cabelo. Por fim, passo em
uma cafeteria e faço um lanche generoso. Saio do shopping quase
às dez da noite, completamente perdida no tempo.
Em casa tomo um banho não muito demorado e me arrumo.
Visto uma calça jeans que se gruda por completo no meu corpo,
uma blusa branca que cai pelos ombros, uma sandália prateada
básica de salto fino. Prendo meus cabelos em um coque frouxo,
coloco argolas prateadas e faço uma maquiagem leve, evidenciando
apenas meus olhos. Em meus lábios passo apenas um brilho labial
e sorrio, contente com o resultado. Pego uma bolsa combinando,
coloco meus documentos, minha arma e decido que estou pronta.
Já são quase onze da noite e eu estou ansiosa de um jeito louco.
Dirijo até a boate, estaciono meu carro em um local seguro e
desço. É engraçado, o sistema de segurança apita e sou obrigada a
ser revistada. Quando a segurança vê minha arma, só falta enfartar,
então retiro algo da minha bolsa que a faz retomar a compostura.
— Meritíssima, perdoe-me.
— Ok, apenas me deixe entrar e tudo ficará bem.
— A senhora veio em uma operação?
— O que uma juíza estaria fazendo em uma operação? —
questiono arqueando as sobrancelhas e a deixo. A boate é bonita,
não é tão assustadora quanto eu previa. Está bem vazia, talvez por
ser cedo. Cariocas costumam ir para baladas depois de uma da
manhã. Não sei se gosto desse vazio, de repente, me sinto exposta.
Talvez o cara misterioso esteja até mesmo me vendo.
Nervosa, caminho até o banheiro e confiro se estou bem. Eu
quase me arrependo dessa ideia estúpida, mas as palavras da
doutora Rovena estão surtindo um efeito. Tenho trinta e sete anos
de idade, não sou qualquer garotinha medrosa para temer. Se eu
vim até aqui, irei até o fim.
São onze horas em ponto quanto saio do banheiro decidida.
Pelo que vejo há três bares na boate e eu escolho um que
não tem ninguém. Peço duas doses de tequila que se transformam
em quatro. Na verdade, são doses de coragem. Quando sinto meu
corpo quente e a adrenalina surgir, vou em busca do tal sorriso
desgracento.
Há um homem no segundo bar, com uma blusa preta com a
escrita DAYDREAMER, que significa sonhador. Eu o devoro com o
olhar e noto uma tatuagem em seu braço esquerdo, como o do cara
da foto. Ele está sério, mas, quando recebe uma Coca-Cola, abre
um senhor sorriso...
Deus! Quando vejo o sorriso do sujeito, percebo que
desgraça pouca é bobagem. Definitivamente eu ficaria de joelhos
por esse sorriso.
EU O ODEIO tanto agora, que quero simplesmente sair
daqui. O odeio por estar completamente certo sobre eu reagir a ele.
O odeio porque sinto que minha vida está desgracenta agora,
principalmente quando ele leva a garrafa de Coca-Cola à boca. Eu
me pego passando a língua em meus próprios lábios, como uma
tarada. Quer mais desgraça que isso? É o fundo do poço em alta
resolução!
Caramba... ele é lindo. Possui os cabelos estilosos, uma
boca que eu lamberia, olhos marcantes, parece possuir um
bronzeado natural, é gostoso e tem uma barba marcada em seu
rosto que... dizem que quem perde o telhado ganha as estrelas... é
uma boa colocação.
Que homem é esse??? Há veias saltadas em seus braços, e
ele se senta com as pernas abertas, bem gostoso... Seus olhos me
encontram e eu ganho um tipo de sorriso diferenciado. Paro de
viajar, me viro de costas e decido ir embora, porque continuar aqui é
como assinar um passaporte para o inferno.
Não consigo dar três passos sem que ele me segure pelo
braço.
— Se você disser que é a mulher do site, eu estarei
extremamente chocado agora — diz em meu ouvido, e eu me
arrepio por completo ao sentir o cheiro do seu perfume. — Seu
silêncio serve como confirmação. Mas, sinceramente, o que uma
mulher como você está buscando em um site? É a pergunta que
vale um milhão de dólares. Era eu quem deveria pagar para sair
com alguém do seu padrão.
— Dispense os padrões. Fuja deles — digo do nada. Maldita
doutora Rovena.
— Vamos ficar conversando assim mesmo? Você na frente,
eu atrás? — pergunta. — Você pareceu mais corajosa no chat.
— Sou corajosa — digo, virando-me de frente e ele faz um
uau quando ficamos frente a frente. — Seu sorriso nem é tão
impactante, acho que deveria saber.
— Sério? — Ele sorri com as minhas palavras e um som
escapa da minha garganta. Que sorriso! — Eu gostaria de ver o seu
sorriso, mas você parece tensa demais. Que tal relaxar um pouco?
— Onde?
— No bar? Onde mais seria? — pergunta divertido, e eu me
sinto patética. Ele segura minha mão como se fossemos
namorados, e me conduz até o bar. Ele até puxa uma banqueta e
me ajuda a sentar.
— Duas doses de tequila, por favor — peço ao barman sob
o olhar avaliativo do sujeito. Aliás, vou chamá-lo apenas de sujeito.
— Vamos direto ao ponto. Qual seu nome?
— Sempre tão séria e direta?
— Sempre.
— Isso é chato — comenta e sorri novamente. Dessa vez
fecho os olhos e o ouço gargalhar. — Nicolas. Nicolas Magalhães —
ele termina dizer, e eu abro meus olhos. Ele ainda está sorrindo e eu
puxo pela camisa, grudando meus lábios nos lábios dele.
Que delícia!
Um psiquiatra nunca foi tão necessário!
DANDARA
O beijo desse sujeito é uma coisa incrível. A forma que eu
estou o beijando é quase inapropriada para o local, mas apenas não
consigo parar. Acabo de descobrir que tenho um fôlego invejável
inclusive.
Só me afasto dele quando alguém esbarra em mim sem
querer, e é aí que eu me dou conta do que acabei de fazer; puxei
um garoto do nada e o beijei como se não houvesse amanhã. Mas,
adivinha? Há um amanhã e ele começa agora.
— É uma boa maneira de começar — ele diz dando um
sorriso matador.
— Foi apenas um teste. Não se iluda. Como preciso de um
namorado, beijos irão acontecer, então, julguei importante testar seu
beijo. Caso fosse ruim eu estaria me levantando e indo embora. Não
gosto de perder tempo — me explico sob o olhar avaliativo do
garoto.
— Ah! Acho que entendi. Então você acha que esse beijo
que acabou de me roubar é incrível o bastante para deixar uma
pessoa iludida? — pergunta. — Me desculpe falar, mas não, seu
beijo não é bom o bastante para que eu possa renunciar meus
status de solteiro, quem dirá capaz de me despertar algo ilusório.
Esse beijo foi tipo de filme adolescente da sessão da tarde. Só ilude
jovens que estão iniciando a vida e não causou o mínimo de furor
em mim. — Minha boca se abre e se fecha repetidas vezes. Não
posso ter ouvido certo, posso? Esse idiota é um filho da puta
arrogante e indelicado. Não que eu curta delicadeza, mas... ele
acabou de dizer que meu beijo é ruim? O filho de uma abençoada
mãe sorri e bebe um pouco da sua Coca-Cola, e eu ainda
permaneço muda. — Não leve para o pessoal. Só preciso de muito
mais que um simples beijo sem graça para criar o mínimo de ilusão
e desejo.
— Você é um idiota — informo, ficando de pé. — Um idiota
completo e nada cavalheiro.
— Uma conversa no site e poucos minutos aqui, acho que
posso dizer que você não parece o tipo que procura cavalheiros.
Mas, se conforta seu ego, você é uma das mulheres mais lindas que
já tive o prazer de conhecer, e eu preciso de mais beijos para
começar a me convencer de que pode ser algo bom para ambos,
seja lá o que você quer comigo é importante ter química. Um único
beijo é superficial e irrelevante. Não gostei, acho que poderia ter
sido melhor. Esperava mais de uma mulher que aparenta
experiência. Gosto de beijos que arrancam gemidos e despertam
vontades de arrancar outras coisas, tipo roupas — argumenta como
um advogado. Mas, nesse jogo eu sou a juíza e o veredicto final é
meu.
— Excesso de sinceridade. Não sei se gosto disso —
confesso. — Bom, agora que já conseguiu me humilhar um pouco,
será que podemos ir direto ao ponto? Não tenhamos pressa, mas
não percamos tempo. — Nicolas fica de pé também e antes que eu
respire mais uma vez sua boca está na minha.
De pé as coisas são mais intensas...
Ele enlaça meu corpo com um braço e traz sua mão livre à
minha nuca enquanto sua boca me devora. Isso sim é um beijo que
arranca gemidos e... eu arrancaria minhas próprias roupas. Eu ouso
um pouco, mostrando a ele que também sei jogar esse jogo. Levo
minhas mãos por dentro da sua camisa e arranho suas costas
levemente. Brinco com a minha língua em sua boca e afasto nossos
lábios para sussurrar em seu ouvido:
— Pareço experiente o bastante agora?
— Está começando a melhorar. — Ele sorri e eu volto a
beijá-lo, dessa vez exigindo mais dele.
Qual a idade desse homem? Estou me atracando com ele
em uma boate como se eu fosse uma mulher de dezenove anos.
Mas, em minha defesa, independente da idade, o garoto irresistível
sabe beijar e parece desafiador o bastante para eu querer continuar.
Ele se afasta de repente, dando um sorriso presunçoso.
— Agora sim. Posso até dizer que acabei de criar uma leve
ilusão, Dandara. Mas, é uma ilusão que ainda não quero
compartilhar. De qualquer forma, esse beijo foi bom o bastante para
me deixar ligeiramente excitado. Não devemos continuar nos
beijando dessa maneira se você não estiver disposta a ir além,
porque eu estou.
Quanta prepotência e ousadia em uma só pessoa.
— Não me beije novamente sem que eu tenha autorizado —
informo me afastando dele e volto a me acomodar na banqueta.
— Você é muito engraçada. Chega do nada, me beija e está
tudo certo. Quando é a minha vez de mostrá-la como se deve beijar,
você vem dizer que precisa de autorização? — Ele está sorrindo
agora e se aproxima mais. Um dedo desliza pelo meu pescoço e
sou tomada por um leve arrepio. — Vamos colocar as peças
corretamente no tabuleiro? Comigo as coisas não funcionam como
você exige, como você quer que elas funcionem. Sua vontade não é
absoluta. Um jogo justo é jogado por duas pessoas. Se você me
beija, eu ganho o livre acesso de beijá-la novamente. O mesmo
vento que venta em você, venta em mim. Agora, deixemos de
conversa fiada e vamos direto ao ponto. O que uma mulher como
você procura naquele site? Não acho que precise pagar para sair
com um cara, não que aquele site seja apenas para mulheres que
precisem disso, mas... acho que entendeu o que eu quis dizer.
— Não preciso realmente. Mas, preciso de um
acompanhante que saiba seu lugar, por isso me cadastrei naquele
site. Quero alguém que possa me acompanhar em alguns eventos e
que se passe por meu namorado. Sem todo o apego emocional que
um envolvimento real traz consigo.
— Por que eu acho que é mais complexo com isso? —
pergunta, se acomodando na outra banqueta.
— Tenho um filho prestes a completar três anos. É uma
história complexa, mas escondi a gravidez do pai dele por questões
do meu passado. Voltei ao Rio recentemente. Meu filho agora está
convivendo constantemente com o pai. Tentei uma reaproximação,
mas é tarde demais. Meu ex seguiu com a vida dele, e eu não
consigo seguir com a minha. Teremos eventos em comum e eu não
quero estar sozinha em qualquer um deles, principalmente porque
sou uma mulher bastante sozinha, sem grandes amigos, sem
família. Não quero estar sozinha.
— Não superou seu ex — afirma.
— Talvez eu nunca vá superá-lo. — Dou um leve sorriso
amargo. — Mas, estou disposta a tentar. No momento você é tudo o
que eu preciso e busco. Você é o meu primeiro passo. Me chamou
atenção fisicamente, tem um bom beijo, mesmo que seja estúpido e
arrogante. — Pisco um olho. — Qual a sua idade?
— Não vai adiantar eu dizer. Você provavelmente não
acreditará. Digamos que sou muito maduro para a minha idade, a
vida exigiu de mim muito cedo. Não estou estúpido ou arrogante, só
não admito que tentem me intimidar, mas acho que já te falei sobre
isso — explica. — Não vou aceitar dinheiro para sair com você.
Achei que encontraria uma coroa na faixa de uns cinquentas e
muitos anos. — Um sorriso cresce em seu rosto. — E encontrei algo
que não esperava.
— Curioso. O que estava fazendo num site se não está
buscando dinheiro? Estou falando de um valor alto.
— Interesse em conhecer mulheres maduras — diz, mas
não levo fé.
— Por que eu acho que é mais complexo que isso? — Imito
sua pergunta e ganho um sorriso.
— Talvez seja, mas é complexo o bastante para eu não
querer dizer agora. Me conte mais sobre você. Preciso conhecer
minha namorada. — Por algum motivo me sinto corar como uma
idiota perfeita. Mas, desde que não tenho sido eu ultimamente, está
tudo bem.
— Sou juíza, tenho um filho de quase 3 anos, um passado
turbulento, tão desinteressante quanto é possível uma pessoa ter.
— Não creio que seja desinteressante, tão pouco que se
resuma a isso que acabou de dizer. Acho que é um pouco difícil se
descrever, descrições nos limitam. Talvez seja interessante sairmos
mais vezes para fazermos tipo um work shop um do outro — propõe
ignorando todas as demais coisas que falei. — Se você quer seguir
com isso, teremos que criar uma certa familiaridade para passar o
máximo de veracidade à atuação. Quando é o primeiro evento?
— Em três semanas, é aniversário do meu filho.
— Em três semanas eu consigo fazer você se apaixonar por
mim. Também posso me apaixonar por você nesse período. — Pela
primeira vez na noite me pego rindo. Enquanto rio, Nicolas fica sério
me observando.
— Ok, essa foi uma piada e tanto.
— Seu sorriso é lindo. Deveria rir com mais frequência. —
Meu sorriso vai diminuindo aos poucos e arranho minha garganta.
Esse sujeito é mesmo um sedutor barato.
— Não sei se você ouviu anteriormente, mas posso repetir.
Preciso de um acompanhante que saiba seu lugar, sem apego
emocional.
— Eu quis dizer no sentido de nos familiarizarmos e
passarmos mais realidade. Deveria abrir mais a guarda. Está
começando a imaginar romance onde não há. — Ódio dele! — Não
quero sua grana, mas estou dentro. Inclusive vou encerrar meu
cadastro no site. Será uma experiência interessante, estou ansioso
desde já. Qualquer coisa que me faça sair da rotina é bem-vinda,
sou um aventureiro. Algo me diz que será uma a ventura e tanto, um
desafio. — Mais um sorriso e eu quero beijá-lo porque estou
descontrolada. Pena que não vai rolar.
— Sem um preço definido não teremos nada. Preciso de
qualquer garantia de que isso vá ser algo estritamente profissional.
Quero um contrato ou algo assim.
— Ah sim, claro. Você está sugerindo então que terá
coragem de registrar esse nosso contrato em cartório? Como será
isso? Contrato de aluguel de namorado? E se eu burlar alguns
termos, terei que enfrentar uma audiência com a vossa excelência?
Digamos que não gosto muito de seguir regras ou ordens. — Eu
volto a rir, de ódio agora.
— Somos adultos. Não precisamos de um registro em
cartório. Quanto às regras; terá que segui-las, principalmente as que
estiverem relacionadas ao meu filho.
— Eu amo crianças — diz de um modo sedutor. — Qual o
nome dele?
— Samuel.
— Eu serei um excelente padrasto. — Isso não vai dar certo.
Não vai. Eu deveria simplesmente sair daqui... e, quando estou
ponderando isso seriamente, uma voz me chama:
— Aoooo Dandara! — É Victor Albuquerque.
— Você pode atuar? — peço à Nicolas, segundos antes de
Victor aparecer diante de mim com Melinda e a tropa de elite inteira,
incluindo Enzo, Humberto e Lucca. — Nossa, que maravilha
encontrar vocês — digo séria. — Estou muito feliz em vê-los. Nosso
filho? — pergunto, olhando diretamente para Lucca.
— Nosso filho está no acampamento na sala dos meus pais
— explica. — Ele tem dormido no acampamento com os primos
desde ontem. Esperei ele dormir para que pudesse sair.
— Ah, legal. Estou feliz que ele esteja brincando com os
primos. — Sorrio. — Bom, não parece, mas estávamos indo dançar
— minto, ficando de pé. — À propósito esse é Nicolas, meu
namorado.
— Namorado? — Enzo pergunta, e eu me pego sorrindo.
Isso é tão embaraçoso, mas é engraçado. Há três dias estava
transando com Enzo na sala da minha casa.
— É recente — explico.
— Namorado? — Agora é Humberto, e eu arqueio as
sobrancelhas para os dois, que estão acompanhados por duas
garotas. — Ok.
— É um prazer conhecer todos vocês, espero que
possamos nos conhecer melhor no aniversário de Samuel. —
Nicolas sorri.
Por sorte ele parece ter notado o embaraço. Ele fica de pé,
se despede e me puxa para a pista de dança. É a primeira bola
dentro dele, graças a Deus. Eu odeio estar em meio ao povão, não
que eu tenha preconceito pela pista principal de uma boate, mas eu
prefiro uma área mais seleta, sem muitas pessoas esbarrando em
mim.
Quando Nicolas para de andar, ele se vira de frente para
mim e me dá uma pegada forte pela cintura.
— Eu vou quebrar seu braço — sussurro em seu ouvido.
— Abrace meu pescoço e comece a fingir se quiser que seu
plano seja bem-sucedido. Houve desconfiança ali, principalmente do
seu ex. Ele ficou me olhando avaliativamente enquanto você trocava
palavras com aquela mulher e com os dois caras. E, para sua
alegria, eles estão se aproximando, ficarão na pista, próximos a nós.
— Você está falando sério?
— Se quiser conferir, fique à vontade. — Ele morde minha
orelha direita e eu dou um gemido. Não vou pagar para ver. — Se
vamos mesmo fazer isso, acho melhor fazermos de uma forma
prazerosa para ambos.
— Não terminamos de conversar. Há muito a ser debatido.
Não sei se vamos fazer isso — informo, e ele beija a parte exposta
do meu ombro.
— Eles já sabem que eu sou seu namorado. Se surgir com
outra pessoa ficará estranho. Você perdeu essa, vossa excelência
— sussurra com a voz rouca. — Me beija — pede, e eu não penso
sequer uma vez.
Suas mãos agora tocam minha cintura e ele levanta um
pouco minha blusa, expondo parte das minhas costas. Eu o beijo
como se estivesse faminta e me pego puxando tão forte, como se
pudesse fazê-lo entrar dentro de mim. Isso foge de tudo que
planejei, me irrita, me desconserta..., mas é tão bom. A sensação de
vários sentimentos duelando dentro de mim, mostrando que estou
viva e repleta de força. Me sinto um vulcão prestes a entrar em
ebulição, quase sou capaz de sentir o sangue correndo forte pelo
meu corpo. Eu esqueço do universo enquanto me perco no beijo
desse garoto e em seus toques. Quando ele corre uma mão até
perto do meu sutiã, eu me sinto como um sorvete exposto ao sol,
derretendo. Sua mão está tão quente e tão firme, assim como a
protuberância grudada na minha intimidade. Esse é um tipo de
tesão que não sinto a muito tempo; aquele que arranca arrepios e
faz todo o corpo ficar ao extremo da sensibilidade.
Sentindo a necessidade louca de obter mais, me afasto
buscando a racionalidade.
— Eu acho que isso não vai dar certo.
— Por quê? — pergunta.
— Porque há química entre nós. Não devemos misturar
prazer com negócios, estou falando com a experiência de quem já
fez isso e se deu mal. Se continuarmos, eu não serei capaz de
manter isso apenas em beijos. Eu estou quase o arrastando para
qualquer canto e pedindo algo que eu não deveria pedir. Vamos
embora.
— Peça.
— Não.
— Já desvendei você — diz sorrindo. — Mas vou jogar o
jogo conforme você quer. — Ele segura minha mão e assim que me
viro dou de cara com Lucca e o restante da turma. Não sei se fico
com vergonha ou satisfeita. Eles acabaram de presenciar algo
quente e isso foge da minha pretensão inicial.
De qualquer forma, mantenho minha cabeça erguida e deixo
Nicolas me guiar pela boate rumo a saída. Pagamos nosso
consumo e seguimos pelo estacionamento. Por obra do destino a
moto dele está bem próxima ao meu carro.
— Me dê seu telefone — pede, assim que paro diante do
meu carro.
— Para?
— Quero anotar meu número e pegar o seu.
— Não quero seu número — afirmo, ele sorri, vira as costas
e se vai. — Ok... me desculpe, me dê seu número. Eu só estava...
— Malditas palavras que saíram da minha boca! Eu deveria me dar
um soco agora.
— Brincando? — pergunta, subindo na moto. — É uma pena
que eu não goste de brincar. Aliás, até gosto, mas apenas com
crianças. Samuel gostaria de mim.
— Me dê seu número.
— Faltou algo aí nesse pedido.
— Por favor, me dê seu número — peço, e ele sorri.
— Não quero. Foi excelente conhecê-la, vossa excelência.
Melhore sua pegada. — Ele pisca um olho, coloca o capacete e
acelera.
DANDARA
O ódio e a frustração me deixam cega. Entro em meu carro
e acelero, fazendo uma nuvem de poeira se levantar atrás de mim.
Eu vejo a maldita moto na minha frente e acelero, o imbecil acelera
mais rápido e some. Eu soco o volante repetidas vezes, revoltada.
Por um lado, é bom que ele tenha sumido ou eu perderia a
compostura. Iria mesmo.
Entro em casa e a primeira coisa que faço é ir até a cozinha
pegar alguns pratos. Eu volto para a área externa e jogo um por um
na parede, vendo cacos voarem por todos os lados. Aquele
idiotaaa... Ele vai me pagar muito caro, com juros e correções
monetárias. Agora é questão de honra! Vou encontrá-lo ou não me
chamo Dandara Farai. E, quando o encontro acontecer, eu vou... eu
nem sei o que vou, mas farei algo, certamente.
— DESGRAÇADO!!! CRETINOOO!!! MOLEQUEEE!!! —
grito revoltada e entro, batendo a porta atrás de mim.
Pego meu computador, entro no maldito site e o canalha
está off-line. Leva tudo de mim para não enviar uma mensagem
amaldiçoando até a próxima encarnação dele. Uma ideia surge, mas
levando em conta que estou tentando mudar, decido não usar minha
influência e meu poder para descobrir dados pessoais do cidadão.
Seria fácil conseguir o telefone dele, só que isso faria o ego dele
atingir proporções gigantescas.
Ok, o que diabos ele importa? Estou perdendo minha mente!
É só um moleque insignificante atrás de dinheiro de mulheres ricas!
Só queria um acompanhante... e irei conseguir.
Tomo um banho frio, me ajeito na cama e fico olhando para
o teto. Me sinto em uma completa loucura de sentimentos: ódio por
Nicolas, dor por Lucca, inveja de Paula, nostalgia pela parte boa do
meu passado. Descontrolada é como eu me sinto agora. Ao menos
tenho a compreensão que preciso diminuir o ritmo e botar a mente
no lugar. É como se a cada momento eu me sentisse mais fodida,
arrumando mais confusão para a minha própria vida.
Fico quieta; primeiro me perco em lembranças, mas aos
poucos os pensamentos vão dissipando até não sobrar nenhum.
Consigo dormir após muita luta.

Quando acordo, abro a janela e permito que o sol me dê um


bom dia. O céu está de um tom de azul tão intenso, sem nuvens.
Definitivamente é um bom dia para ir à praia, por isso troco de
roupa. Visto um maiô, um vestido longo, rasteirinha e pego um
bolsa; colocando uma canga, protetor, e tudo mais que eu possa a
vir a precisar. Nem mesmo tomo café da manhã em casa, decido
comer qualquer besteira na praia.
Quando saio de casa, vejo os cacos de vidro da noite
passada. Sorrio e sigo direto para o meu carro. Vou dirigindo pela
orla, e, felizmente, noto que a praia está vazia, como gosto. Nada de
muvucas para mim.
Encontro a vaga ideal, estaciono e saio andando pelo
calçadão. Quando encontro um quiosque decente, decido comprar
uma água de coco. Me acomodo em uma mesa, fico observando o
mar e bebendo.
Parece o programa perfeito, mas ele deixa de ser quando
vejo Lucca, Paula, meu filho e outra criança. Não sei dizer o que
sinto ao vê-los andando de mãos dadas, os quatro, como uma
família perfeita. Meu filho está de mãos dadas com o pai e a
madrasta, já o filho de Paula está no colo de Lucca, que está o
segurando em um só braço. Os quatro estão sorridentes, mas o
sorriso que mais me chama atenção é o de Lucca, que parece
mesmo feliz, de uma maneira que eu nunca fui capaz de fazê-lo.
Abaixo meus óculos quando lágrimas queimam em meus
olhos. Há um nó atravessado em minha garganta agora, vendo algo
que poderia ser eu a viver se não tivesse atropelado o mundo.
A dor é esmagadora, principalmente porque, vendo-os
assim, é notável o quão perfeitos eles são juntos, em completa
sintonia. Não consigo evitar de olhá-los. É algo tão bonito e tão
doloroso, na mesma intensidade. Talvez eu não seja tão ruim quanto
acreditei ser uma vida inteira, porque, por mais difícil que seja e por
mais que eu queria estar ali, no lugar daquela mulher, eu consigo
sentir o mínimo de felicidade por ver o homem que amo feliz. O
mínimo. E todos imaginam que sou forte o bastante, uma pedra fria
de gelo, enquanto estou aqui, em plena revolução sentimental,
morrendo por vê-los juntos e enxergando que ele está tendo apenas
o que merece: o melhor. Lucca é tão incrível, tão bom, que a
felicidade dele é completamente merecida. E ele merece mais ainda
que isso... muito mais.
O que Lucca não sabe é que em todas as minhas orações
eu sempre pedi a Deus que o fizesse feliz... e minhas orações foram
atendidas. Mas, nessas mesmas orações, eu pedia a Deus também
para que Lucca pudesse me perdoar e para que um dia
pudéssemos viver o nosso amor em paz. Lucca está feliz, mas o
nosso amor acabou, de forma que parte da minha oração jamais
será atendida. Deus achou que o melhor para ele seria seguir em
frente, com outra mulher. E, o que me resta? Aceitar. É isso que
estou enxergando um pouco a cada dia, que é preciso aceitar,
respeitar, que qualquer ideia que eu tenha tido sobre lutar por ele
precisa ser aniquilada.
Eles pedem cadeiras e um guarda sol. Lucca coloca o filho
dela em uma e Samuel em outra. Meu filho parece no céu, sorrindo
em plena felicidade. Lucca provavelmente está fazendo graça,
porque sou capaz de ouvir as gargalhadas do nosso filho daqui. E,
mesmo chorando, eu sorrio ao ouvir o som que mais amo em toda a
minha vida.
Paula retira suas roupas e Lucca passa protetor pelo corpo
dela. Eu fecho meus olhos no momento exato em que ele aperta a
bunda dela disfarçadamente. Eles passam protetor nas crianças e
depois Lucca dá um mortal para trás, com seu espírito aventureiro e
sua mania de fazer graça o tempo todo. Eu me pego rindo quando
Samuel fica de pé e tenta fazer o mesmo, sorrio ainda mais quando
Lucca o gira no braço, fingindo que nosso filho está virando um
mortal. O melhor pai para o melhor filho.
Samuel tem tanto de Lucca, e sou grata a Deus por isso.
Quero que ele seja bem como o pai, leve, amoroso, feliz.
Paula pega o filho, Lucca pega Samuel, e eles caminham de
mãos dadas até o mar. Quando eles se beijam, um soluço escapa
de mim.
— Você é sádica? — Ouço a voz de Nicolas, e ele se
acomoda ao meu lado. Ele está de boné essa manhã, vestindo uma
camisa branca, uma bermuda.
— Você veio me afundar ainda mais? Se for, pode apenas
me deixar em paz? Já não basta ter me irritado ontem — digo
chorando.
— Não te irritei, apenas não sou um fantoche. Estou te
vendo desde o momento em que chegou. Isso que está fazendo
consigo mesma é tortura. Não sei qual sua intenção com aquele
cara, porém, não deve ficar se torturando com imagens que te
fazem sofrer. Se quer esquecê-lo, está fazendo errado. Está
guardando munição para a sua própria dor.
— Eu não quero esquecê-lo, eu apenas tenho que esquecê-
lo — confesso. — Existe uma diferença enorme entre ter e querer.
— Pelo fato de ter que esquecê-lo, você deveria querer isso
— argumenta. — Na verdade, você quer, mas está perdida em ficar
se torturando por ele ter seguido em frente. Não sei qual é a história
de vocês, mas ele está feliz com aquela mulher. Você deveria se
esforçar para ser feliz também. Aposto que está observando-os e
imaginando como seria se fosse você ali...
— Aquela mulher é o melhor para ele. Conseguir enxergar
isso é extremamente doloroso.
— Então os deixe e procure o que é melhor para você.
Acorde para a sua vida. Olhe para si mesma, você é absurdamente
linda, tem um corpo que dispensa qualquer palavra ou elogio, é
jovem, é uma juíza poderosa. O que quer para sua vida? Ficar
sentada num quiosque chorando enquanto vê pessoas sendo
felizes? Isso sim é fundo do poço, quer se manter nessa posição?
— É psicólogo?
— Não, nem perto. Mas verdades precisam ser ditas,
ouvidas e absorvidas. Se aquele cara seguiu em frente, é o
momento para você seguir também. Não fique lamentando o
passado. Sinceramente? Nenhuma pessoa precisa se sujeitar a
sofrer por um amor não correspondido. A vida é curta para ser
desperdiçada se culpando por erros que não podem ser corrigidos,
por amores que não podem ser correspondidos, por...
— Eu entendi, ok? Obrigada pelas palavras. — O corto. —
Essas duas coisas englobam tudo: culpar por erros, amores não
correspondidos...
— Me dê seu celular — pede, e dessa vez o entrego, nem
sei por quê. Eu deveria apenas afogá-lo no mar por ser um babaca.
Mas, estou tão exausta de relutar com tudo, com todos, com a
vida... Pela primeira vez eu queria receber um abraço e ter alguém
para me proteger, para juntar os meus caquinhos. Queria tanto que
acabo abraçando a mim mesma. — Sabe aquela história de que
todos nós possuímos o anjinho e o diabinho?
— Sim — digo, me libertando dos meus braços e pego meu
celular de volta.
— Acho que isso funciona muito em relação aos nossos
pensamentos. Ficamos numa batalha constante entre sentimentos.
O diabinho é aquela parte obscura da sua mente, aquela que te faz
lembrar o tempo todo dos erros, das perdas, de todas as coisas
ruins. O diabinho é aquele que te puxa para baixo, suga sua
energia, te faz querer deitar-se em uma cama e não sair dela tão
cedo. E, o anjinho, é aquela parte que te levanta. Ele diz: "você
errou, mas o erro não é o que vai guiar sua vida. O erro não é quem
você é. Você precisa seguir em frente". O anjinho quer te levantar
apesar de todos os porquês, de todos os erros. Porém, infelizmente,
o diabinho às vezes insiste em gritar mais alto e ignoramos o
anjinho. Acontece com a maioria das pessoas. Você só precisa
saber qual dos dois quer fortalecer, qual dos dois quer alimentar e
ouvir. Não deixe o diabinho tomar sua voz, não deixe que ele corte
suas asas, que acabe com suas esperanças. Não permita que ele
escolha por você, não o ouça, Dandara. Nunca o ouça! O anjinho
está dizendo que você é corajosa como um tornado, e que precisa
viver. A razão e a emoção sempre nem sempre estarão de acordo.
É preciso aprender a lidar com isso sem entrar em colapso.
— Qual a sua idade?
— Não vou falar — diz, dando o primeiro sorriso do dia. —
Precisei crescer cedo.
— Por quê?
— Porque minha mãe tem depressão e eu a encontrei
tentando se matar quando eu tinha apenas 14 anos, após o
falecimento do meu pai. — Engulo a seco. — Foram inúmeras as
noites que deixei de dormir por medo dela atentar contra a própria
vida. Eu ficava sentado em um tapete ao lado da cama dela todas
as madrugadas e, na manhã seguinte, eu ainda tinha que ir para
aula, porque tinha a consciência de precisar estudar para ser
alguém na vida. Eu precisei ouvir o anjinho um milhão de vezes,
mesmo quando o diabinho gritava mais alto tentando arrancar as
minhas forças.
— Eu sinto muito.
— Se continuar assim, será você em cima de uma cama em
breve. Não deixe isso acontecer. Não queira que Samuel tenha que
renunciar a juventude e crescer antes da hora. — Suas palavras me
tocam profundamente, principalmente porque passei por um estágio
depressivo anos atrás. — À propósito, ele é lindo como você.
— Ele é incrível. — Sorrio, olhando para meu filho que está
correndo na areia com o pai. — O privei disso por dois anos.
— Esqueça seus erros, porque você não poderá corrigi-los.
O passado deve ficar no passado. Tudo o que importa é daqui para
frente. Ele está feliz.
— Sim, graças a Deus.
— Mas, se ele perceber que a mãe está triste e doente, ele
ficará triste. Se quer que seu filho permaneça feliz, é o momento de
correr atrás da sua felicidade — diz. — Não podemos ser felizes
todos os dias, Dandara. Temos altos e baixos, dias de luta, dias de
glória, um vai e vem de intensidade. Há dias que estamos com raiva
da vida até mesmo sem motivo algum. Ninguém é feliz e satisfeito o
tempo todo. É normal você estar sofrendo, mas precisa equilibrar os
sentimentos bons com os ruins, e não deixar os ruins sobressaírem.
Olho para Lucca e o vejo literalmente correndo atrás da
felicidade dele, que está morrendo de rir. Quando ele a pega...
Nicolas vira minha cabeça e me beija inesperadamente. Quero me
afastar, mas também quero continuar. Dessa vez eu permito
continuar e até levo minhas mãos em seu pescoço.
Sem deixar de me beijar, ele puxa minha cadeira para mais
perto e aprofunda o beijo ainda mais. Magicamente, esqueço até
mesmo do local onde estamos. Gosto do beijo dele, de como seus
lábios são macios e sua língua esperta sob medida. Tão bommm...
tão bom que quase protesto quando ele se afasta. Mas, ao invés
disso, me recomponho.
— Eu não sei quem te deu autorização para me beijar como
se tivesse livro acesso a mim — digo, observando sua boca.
— Você estava prestes a chorar. Acredite, te beijar era a
última coisa que eu queria, mas preferi esse sacrifício do que ter
que lidar com uma mulher chorona.
— Que diabos você está fazendo aqui mesmo? — pergunto,
ficando de pé e pegando a minha bolsa.
— Eu moro aqui perto, estava passando e a vi parecendo
que estava quase indo cortar os pulsos. Por isso me aproximei.
Mas, se minhas palavras não valeram de nada, siga em frente,
vossa excelência. Você tem um mal humor extremo, puta merda!
— Porque você é irritante.
— Eu que sou irritante? — Ele ri exasperado. — Estou aqui
na maior paz, tentei uma aproximação pacífica e amigável e você dá
uma de louca do nada.
— E você me ofende.
— Te ofendi porque você pede por isso. Quando nossas
bocas estavam grudadas, a senhorita gostou, retribui, até segurou
em meu pescoço. Mas, quando o beijo terminou, você exterminou
tudo porque é incapaz de dar o braço a torcer que foi algo bom e
que gostaria de um pouco mais. Não dói ser verdadeira, sabia?
Custa zero reais também. — Suspiro porque ele está certo.
— Me desculpe.
— Oh, ela pediu desculpas! — diz, e eu saio andando.
Insolente!
Ele corre até mim e me puxa.
— Ok, agora sou eu quem preciso desculpas. Mas, em
minha defesa, a cara que fez foi muito engraçada — comenta
sorrindo. — Vamos selar a paz? Temos que fazer um treinamento de
namorados por três semanas.
— Por que eu escolheria você sendo que já estamos
praticamente nos odiando? — pergunto a ele.
— Porque nossa mistura de amor e ódio deixa tudo mais
interessante e realista. Somos tipo cão e gato, gato e rato, juíza e
réu. E, seu ex nos viu juntos. Vai querer correr riscos de arrumar um
outro garoto? — pergunta, enquanto brinca com um cordão em meu
pescoço.
Ele é sedutor, preciso confessar.
— Ok. Mas, preciso de um preço.
— Negociamos isso depois. Agora vamos fazer o que
namorados fazem aos domingos.
— Sexo? — pergunto.
— Não, mas se você quiser, eu topo — diz rindo, e eu acabo
sorrindo. — Vamos passear? Vou levá-la para almoçar em um lugar
que gosto muito.
— E acha que isso é uma boa ideia?
— Quais seus planos para hoje? Ir para casa, ficar sentada
no sofá assistindo TV ou lendo? Remoer o passado? — pergunta,
arqueando as sobrancelhas e logo em seguida sorri. — Não acha
que seria mais interessante voltar a viver, conhecer lugares novos,
se familiarizar com o seu novo namorado?
— E se você me irritar?
— Brigamos e ficará tudo certo depois. — Ele tem um ponto.
— Estou de carro — explico.
— Pegamos ele depois. Vamos no meu carro. Está com um
biquíni aí por baixo? Porque caso não esteja terá que nadar nua e
eu sofrerei a cada segundo.
— Sim, há uma roupa de banho, mas prefiro a segurança do
meu carro.
— Deixe de ser chata. O meu é mais divertido, você vai
gostar. Liberte-se, vossa excelência! — diz, segurando minha mão e
me levando até uma BMW conversível. Se esse cara tem uma
BMW, o que diabos ele estava fazendo num site de patrocínio?
Não importa. Ele retira o boné, a camisa e eu me pego com
vontade de lambê-lo todo. Arregalo os olhos quando ele pula para
dentro do carro, arruma os cabelos e coloca um Ray Ban.
Quando percebo que ele vai abrir a porta para mim, eu
quase desisto, porém, ele sorri e eu me pego dando a volta.
— Me diga, vossa excelência, você gosta de adrenalina ou
de calmaria? — pergunta.
— Uma dose de adrenalina, por favor. — Ele acelera o carro
e eu me apresso para colocar o cinto.
Não sei que merda estou fazendo, mas é melhor fazer algo
do que não fazer nada...
Esse garoto é um gato. Ele está de acordo com meu novo
padrão... o padrão "fuja dos padrões, abandone os velhos
costumes, crie novos. Quebre regras, espere menos das pessoas,
desfaça conceitos, permita-se mais... alopre".
Maldita seja doutora Rovena!
Nicolas coloca uma música eletrônica e eu me pego sorrindo
quando o forte vento bate contra meus cabelos, transformando-os
em uma bagunça perfeita.
DANDARA
— Acho que seria interessante avisá-lo que eu odeio mato
— digo à Nicolas, percebendo que ele está pegando uns caminhos
diferenciados onde tudo que se vê é mato e água. — Seria
interessante avisá-lo também que eu ando armada e que no
primeiro deslize irei matá-lo. — Ele me encara arqueando as
sobrancelhas e sorri.
— Acho que seria interessante eu avisá-la de que é
extremamente mal-humorada e que não tenho medo de suas
ameaças mortais. Seria interessante também que você relaxasse
um pouco e deixasse de ser um pé no saco. Esse estilo mal-amada
estraga qualquer programa.
— Mal-amada? Você me chamou de mal-amada? —
questiono, retirando o cinto.
— Só seu modus operandi. Deveria relaxar um pouco,
abaixar a guarda e curtir. Estou te levando para o paraíso, vossa
excelência. — Ele muda a música e aumenta o som. Talvez ele
pense que sou uma maldita adolescente que se empolga com esse
tipo de coisa.
Eu detesto, mas preciso admitir, a música é legal e ele
cantarola animado.
— Abra seus olhos e veja o nascer do sol, Dandara — diz,
traduzindo a letra e eu faço uma careta. — Eu não vou namorar uma
mulher chata como você. Na verdade, acho que por mais gostosa e
linda que você seja nenhum homem vai suportá-la. Desculpe a
franqueza, mas estou sendo seu amigo aqui. Você está sendo chata
e está com uma carranca bem esquisita no rosto. Vamos melhorar?
Tudo bem. Eu estou sendo mesmo chata. Na verdade, estou
bem insuportável. Fico calada o resto do trajeto e quando chegamos
sou surpreendida por uma praia paradisíaca e completamente
isolada da civilização.
Nico salta do carro como se ele não possuísse portas.
Dessa vez ele caminha até o meu lado e abre a porta para que eu
desça.
Ele segura a minha mão e me puxa até a areia. Seguimos
uma pequena trilha até estarmos diante de uma mega casa de praia
que faz minha boca ir ao chão.
Subimos um monte de degraus para entrarmos. Por dentro
parece ainda mais chocante. O imóvel é extremamente luxuoso.
— Nossa, que casa! — exclamo impactada. — Essa casa é
sua?
— Não. Mas eu tenho livre acesso a ela. — Sua explicação
é vaga e me deixa ainda mais curiosa sobre ele. — Fique à vontade,
vou pegar algo para beber. Que tipo de bebida gosta?
— Me surpreenda — digo, caminhando rumo à área externa
onde há uma piscina fantástica. Não sei o que mais me deixa
boquiaberta, a casa ou a vista. As duas coisas unidas são além da
perfeição.
Fico um pouco perdida observando a beleza do lugar, até
que Nicolas volta, usando agora uma bermuda, com os pés
descalços e trazendo duas latinhas de cerveja.
— Você disse que eu deveria te surpreender na bebida —
fala sorrindo, e me entrega uma latinha. — Vamos lá, está calor, o
que queria beber? Vinho debaixo desse sol?
— Ok, dessa vez eu vou aceitar a cerveja porque vinho e sol
não combinam muito, mas fique sabendo, isso não foi nada
surpreendente. — Ele sorri e me encara de um jeito quase
inapropriado.
— Acho que está muito vestida. Que tal um banho de
piscina? — Deixo minha cerveja em cima de uma mesinha,
juntamente com a minha bolsa, então desfaço o nó que prende o
vestido em meu corpo e o retiro. Arqueio as sobrancelhas quando
vejo Nico me olhar descaradamente, as bochechas dele estão até
mesmo ruborizadas.
— Nunca viu uma mulher de biquíni? — pergunto para irritá-
lo, e ele sobe o olhar até o meu.
— Vi, muitas. Mesmo acreditando que você é egocêntrica,
eu vou dizer o que vou dizer. — Isso soa confuso. — Já vi muitas
mulheres de biquíni, mas você deixa muito pouco para elas. Acho
que é por isso que é tão complicada e autoritária. Você sabe que é
mais gata que noventa por cento da população feminina mundial e
usa isso. — Acabo dando uma gargalhada.
— Você sabe como elevar a autoestima de uma mulher.
— É sério, talvez seja a primeira e última vez que eu
comento sobre isso, mas você é perfeita. Da cabeça aos pés. Me
pergunto se há qualquer coisa que seja feia ou desfavorecida. De
qualquer forma, não vou ficar elogiando muito. Seja lá qual o motivo
pelo qual seu ex te largou, ele perdeu um mulherão — comenta
entrando na piscina.
— Ele não me largou, eu o larguei e arrependi — explico,
me juntando a ele após fazer um coque frouxo em meu cabelo. —
Ele está com outra mulher, como você viu.
— Ela é muito bonita, pelo que vi, mas você está a alguns
níveis acima.
— Ok, o que você quer? — pergunto rindo.
— Nada. Aliás, é bem feio imaginar que estou te elogiando
com segundas intenções. Até tenho segundas, terceiras e quartas
intenções, mas não preciso elogiá-la para isso.
— Qual a sua idade, Nicolas? — pergunto movida pela
curiosidade, mais uma vez.
— Alguma, entre vinte e trinta — responde sorrindo.
— Por que não pode me dizer?
— Porque gosto de manter o mistério — explica, piscando
um olho. — Por que largou seu ex e se arrependeu?
— Meu passado é turbulento, por muitas vezes achei que
me afastar dele era a coisa certa a se fazer, mas apenas não era.
Ele me deu todo um suporte e eu ignorei. Sou realmente uma
mulher difícil de lidar. Meus pais ignoravam a minha voz, então,
assim que consegui o mínimo de liberdade e independência, passei
a gritar com a vida, de forma que passei a valorizar apenas a minha
voz e ignorar todo o restante. Era a minha palavra contra o resto.
Por ter sido ignorada dentro da minha própria casa, eu decidi que
nunca mais seria ignorado em qualquer outro lugar. Tomei as rédeas
por completo, cometi inúmeros erros, ignorei os sentimentos das
pessoas, deixei de me colocar no lugar dos outros, coloquei meus
desejos acima de tudo e de todos, perdi tudo o que realmente valia
à pena. Tudo, exceto o meu filho. Ele é meu mundo agora.
— Por que seus pais te ignoravam?
— Eu vim de uma família pobre — comento, bebendo um
pouco de cerveja. — Meus pais eram empregados de uma família
muito rica na cidade e eles tinham uma filha da mesma idade que
eu. Sempre herdei roupas e brinquedos da garota. Eles pagavam
meus estudos em um bom colégio, tinham total zelo comigo, mas
em determinado momento, a filha deles começou a me humilhar,
principalmente no colégio, pelo fato de eu ser negra, filha de
empregada, não ter os cabelos lisos, não ter dinheiro, ela fazia
questão de pontuar meu lugar diariamente, me humilhava em
conversas com as amigas dela, era um inferno. E eu contava para
os meus pais, contava tudo, e eles nunca quiseram acreditar em
mim, inclusive apanhei muitas vezes por relatar os fatos. Eles me
acusavam de estar mentindo, endeusavam toda a família e todo
suporte que me davam. Passei a sentir desprezo e nojo por tudo
que os patrões da minha mãe me davam. Abominava que eles
pagassem o colégio para mim, odiava ganhar roupas usadas,
detestava tudo que vinham deles, me tornei altamente orgulhosa. Eu
nunca tive voz com eles até completar a maioridade e me tornar
modelo. Eu os abandonei, e daí então atropelei o mundo com toda a
revolta que cultivei durante todos os anos em que fui humilhada.
"Existiam duas maneiras para eu lidar com o que passei: a
maneira boa, com virtudes, superação, e a maneira ruim; usando
tudo que eu tinha a oferecer para crescer na vida e poder me
vingar."
— Você escolheu a ruim — ele afirma.
— É. Eu escolhi me vingar. Infiltrei na minha mente que
precisava crescer a todo custo, que tinha que me tornar uma mulher
poderosa, porque acreditava que só assim conseguiria o respeito
das pessoas; já que quando eu era uma mera mortal ninguém me
respeitava ou se importava. E eu conquistei isso, as pessoas me
respeitam, me temem, puxam meu saco até demais. Mas, para
atingir isso eu fiz muitas coisas ruins e injustificáveis.
— Você deixou um trauma de infância moldar a sua vida.
— É, eu fiz. — Sorrio. — Mas, quero que tudo seja diferente
agora.
— Nunca é tarde — diz sorrindo. — Acho que temos algo
em comum.
— O quê?
— Eu e minha mãe moramos na casa dos patrões dela. Meu
pai morreu quando eu tinha quatro anos, então os patrões dela nos
acolheram. — Uau! — Eles também pagaram meus estudos uma
vida toda, me deram todo suporte. Eles tinham um filho, Gabriel o
nome dele. Tínhamos a mesma idade e éramos como irmãos. Aos
dezesseis anos, por conta de uma garota, ele pegou um dos carros
do pai dele e saiu. Encontraram o carro caído no mar no dia
seguinte.
— Nossa!
— Foi um momento muito difícil para todos. Ele era o único
filho porque tia Wanda tinha problemas para engravidar. Desde a
morte de Gabriel eu passei a ser muito além de um filho para eles.
Ela se chama Wanda e meu tio se chama Luís Cláudio. Os chamo
de tio desde pequeno, é algo que não consigo mudar. — Ele sorri.
— Essa casa é deles, o carro que tenho foi um presente deles, eu
trabalho na empresa da família e serei o herdeiro de tudo. Mas,
acredite, a última coisa que quero na vida é que eles morram e eu
nunca quis herdar absolutamente nada. Eles dão todo suporte à
minha mãe depressiva, dão todo suporte a mim, me tratam mesmo
como filho, tratam minha mãe como membro da família, não fazem
distinção de absolutamente nada e são seres humanos fantásticos.
E, Gabriel, era mesmo como um irmão, um garoto fantástico. Eles
costumavam dizer que éramos a dupla dinâmica. — Há lágrimas em
seus olhos agora. — Eu me sinto mal muitas vezes por achar que
roubei o lugar dele.
— Compreendo. Sinto muito que tenha o perdido.
— Desde os meus dezoito anos passei a trabalhar na
empresa deles. Não permito que me deem mais do que dão aos
demais funcionários. Não é por orgulho, mas eles já fazem muito por
mim e pela minha mãe. Insistiram até mesmo em me dar mesada, e
tudo mais. — Ele ri. — Eu optei pelo trabalho e eles respeitam
minha decisão. Se é para ganhar algo, que seja com o fruto do meu
trabalho. — O vejo desviar o olhar e em seguida se volta a mim. —
Sabe, não é vergonha ganhar as coisas ou usar roupas usadas, não
é vergonha receber ajuda.
— No início não era vergonhoso mesmo, mas se tornou
para mim. Sua realidade foi diferente da minha, felizmente. Menos
um ser humano traumatizado no mundo — argumento com um
sorriso amargo. Eu odeio lembrar de todos eles, e isso inclui meus
pais. — Sua mãe deve ser uma pessoa excelente, diferente da
minha. Eu acreditava que meus pais tinham que ser os meus super-
heróis, acreditava que eles iriam me defender de todos os males,
que iriam sempre me ouvir, me dar carinho, conforto e aconchego.
Eu quis muito isso, acredite. Eu rezava por isso, aliás. Todas as
noites antes de dormir eu rezava. Só queria a proteção,
compreensão, queria que eles acreditassem em mim, mas nunca
aconteceu e me tornei uma garota rebelde e revoltada, cheia de
ódio no coração.
— E a garota que cresceu com você? — Sua pergunta me
faz sorrir.
— Talvez você vá me achar um monstro agora.
— Por quê?
— Ela teve a má sorte de ser julgada por mim. Eu me
lembro até hoje do dia que ela entrou em um tribunal e deu de cara
comigo. Quando recebi o processo, não me toquei que era ela.
Tivemos a primeira audiência e quando a vi de pé, diante de mim,
senti o ódio correr pelas minhas veias. A pior parte foi fingir que eu
estava sendo impassível, quando na verdade eu queria estrangulá-
la — digo relembrando. — Eu estudei o processo dela a ponto de
nem mesmo dormir, busquei os mínimos detalhes, juntei um monte
de pequenos detalhes que poderiam prejudicá-la e dei uma
sentença bastante fodida para a mulher. Totalmente antiético, mas
eu estava cega por vingança.
— Qual foi o crime e a sentença? — pergunta curioso.
— Não vou dizer por que é aí que entra a parte onde você
possivelmente me achará um monstro, mas eu jamais esquecerei a
cara que ela fez ao me ver. Ela me olhou com repulsa, como se eu
não pudesse estar num cargo tão elevado pelo fato de eu ser negra
e ser filha de empregados. Me olhou da mesma forma que ela me
olhava todos os dias no colégio. A desgraçada não suportava nem
mesmo o fato de ter pessoas que gostavam de mim. Acredite, ela
mereceu a pena tanto pelo que ela fez como, quanto pelo ex dela,
que foi quem moveu a ação contra ela. Depois disso nunca mais a
vi. A pena não foi injusta, mas poderia ter sido mais branda. Os
advogados recorreram, e ela perdeu.
— Me lembre de nunca brincar com você ou cometer
qualquer crime que acabe caindo em suas mãos — diz rindo.
— Certamente não serei piedosa. Serei justa.
— Bom saber mais sobre você, Dandara. Acho que ainda
me surpreenderei mais com o seu passado. Estou certo? —
pergunta, me observando beber.
— Você só sabe a ponta do iceberg. Assim como tem os
seus segredos, tenho os meus. Nem mesmo te conheço para
revelar mais sobre minhas nuances e meu passado sombrio. —
Sorrio. — Mas, agora me diga, quem é você, Nicolas Magalhães? O
que estava buscando aquele site? Já me abri o bastante, é a sua
vez.
— Você nunca saberá o que eu estava buscando lá. Mas,
quem eu sou... acho que estou te falando um pouco sobre mim,
não?
— Você me falou de onde vem, não quem é.
— Há muito sobre você para eu descobrir, vossa excelência.
Já disse antes, gosto de manter o mistério. — Ele mergulha e volta
segundos depois.
— Você é uma espécie de hacker que estava monitorando
meus acessos?
— Sua imaginação foi longe agora, hein? — diz
gargalhando.
— Então me diga por que estava naquele site. Certamente
não parece ter sido em busca de alguma mulher milionária para
bancá-lo. Acredito que esse seja o motivo da maioria ali.
— Não sou a maioria. Nunca fui — afirma. — Quer mesmo
saber?
— Sim.
— Quanto você quer isso? — Ele se aproxima como um
predador, parando a uma curta distância. O cara é bem bonito e
gostoso, mas eu deveria não estar pensando nisso.
— O bastante para pensar em algumas maneiras de torturá-
lo até extrair as informações necessárias.
— Você me torturaria para extrair isso?
— Com certeza que sim. — Ele sorri.
— Quer saber de verdade o que eu estava fazendo naquele
site?
— Agora, por favor. Estou começando a perder a paciência
e não é legal quando isso acontece.
— Vai ficar querendo, vossa excelência! — Ele ri, joga água
em meu rosto e sai nadando.
Eu não sei se ele sabe, mas acabou de cruzar um limite
entre o céu e o inferno.
DANDARA
— Você jogou mesmo água em meu rosto? — questiono
incrédula.
— Estamos na piscina, vossa excelência. Já ouviu aquele
ditado famoso que diz: " quem está na chuva é para se molhar"?
Então. Está na água e quer permanecer seca? Qual a graça disso?
— Você é extremamente grosseiro, nada cavalheiro. Achei
interessante avisar para que fique sabendo e possa fazer algo para
mudar. Além disso, você pega intimidade rápido demais e eu não sei
se gosto disso — argumento, e jogo água em seu rosto bonito. —
Não jogue água em mim novamente.
— Estamos em uma situação que requer intimidade,
Dandara. Precisamos estar confortáveis um com o outro ou seu
plano não será muito convincente. Precisamos depositar um pouco
de realidade nessa relação.
— Se precisamos depositar um pouco de realidade nessa
relação, comece me tratando bem.
— Eu sou bom em fazer isso. Na verdade, recebo elogios
diários por ser um bom homem, por ter uma educação elevada e um
caráter inquestionável. A questão aqui é você; com todas essas
barreiras levantadas. Isso me deixa ligeiramente irritado, porque não
acho essa postura de mulher impenetrável muito saudável, tão
pouco agradável. Estamos na piscina, você aceitou vir comigo, por
que não pode apenas relaxar um pouco e curtir o momento? —
argumenta.
— Estou infeliz — confesso com todo excesso de
sinceridade que resolvi possuir de uns tempos pra cá. — Já viu uma
pessoa infeliz conseguir relaxar?
— Deveria. Se está tão infeliz, deveria ter força de vontade
para mudar isso. A não ser que queira se manter infeliz. Acha que
isso irá agregar algo bom em sua vida? Acha que seu filho ficará
feliz?
— Pare de usar meu filho contra mim.
— Não estou usando. Estou apenas te dando coisas para
pensar. Vamos lá, mais uma vez, está virando rotina dizer isso, mas
vou dizer, você é um mulherão. Eu nem acho que deveria buscar
companhia para eventos, mas estou muito feliz por ter sido o
escolhido.
— Você realmente não tem que achar nada, Nico — digo,
sorrindo sarcasticamente.
— Nico? Eu gostei de como isso soou, pode repetir? —
Repito jogando mais água na cara dele e decido sair da piscina
antes que eu resolva assassiná-lo a sangue frio.
— Há uma toalha?
— Não há. Acho que a senhorita terá que se deitar em uma
espreguiçadeira e deixar o sol secá-la. Ou, se preferir, eu posso
lamber todas as gotículas de água do seu corpo. — Eu não sei
porque diabos eu me pego imaginando esse garoto lambendo todo
meu corpo. É tão surreal. Ele diz as palavras e a cena
instantaneamente se forma em minha mente, como um filme.
Doutora Rovena está certa, eu preciso de psiquiatra e algo mais.
Ele decide sair da piscina também e eu entendo
perfeitamente que não presto. Não presto mesmo. Por que não
posso ter um pouco de diversão com esse "pirralho"? Seria errado,
eu sei, mas ele é um tesãozinho e agora sou eu quem gostaria de
lamber todas as gotículas de água do seu corpo.
Tão contraditória! A rainha da contraditoriedade sou eu
agora. Saí da piscina para não o matar, e agora quero montá-lo.
Não seja ridícula, Dandara. Você esteve com Enzo, um homem da
sua idade e maduro o bastante, que sabe muito bem como fazer
sexo e proporcionar orgasmos. O que um garoto de...
— Qual a sua idade? — pergunto.
— Novamente isso?
— Eu preciso saber. Estou tendo uma conversa interna e
preciso saber sua idade para prosseguir. — O infeliz começa a rir,
uma risada gostosa, capaz de desgraçar mesmo a vida de uma
mulher. Bem que ele disse, mas não quero dar o braço a torcer
sobre o sorriso dele ser o mais lindo, verdadeiro e charmoso que eu
já vi.
— Quantos anos acha que tenho? — pergunta.
— Vinte e cinco, talvez vinte e seis.
— Eu pareço ter mais do que tenho — diz sorrindo. — Sou
novinho, embora seja maduro fisicamente e psicologicamente.
— Você tem menos de vinte e cinco anos? — pergunto
embasbacada, e ele balança a cabeça positivamente. — Ah, puta
merda! Isso é mesmo sério?
— Vinte e um. Vinte e dois em breve.
— MALDIÇÃO! EU PODERIA SER SUA MÃE! — grito
revoltada. — Eu vou para o inferno por ter pensamentos libidinosos
com você! Era só isso que faltava para preencher meu passaporte!
— Preconceituosa, vossa excelência? — pergunta, se
aproximando. — Não esperava isso de você.
— Não sou uma mulher óbvia — afirmo. — Mas, vinte e um
anos abre um abismo gigantesco. É uma diferença gutural. Não é
questão de preconceito, é questão de não fazer sentido ou não
conseguir vislumbrar compatibilidade.
— É extremamente errado fazer pré-julgamentos. Como
juíza deveria saber isso. É preciso dar oportunidades, estudar
melhor o caso antes de chegar ao veredicto final. Você nem mesmo
está dando oportunidade de me conhecer melhor, de desbravarmos
um pouco um ao outro. Aliás, você me disse muito sobre si mesma,
sobre o seu passado, mas eu adoraria conhecer a Dandara do
presente, seria uma honra. Acho que podemos ser bons juntos.
Ignore a idade, foque em outro tipo de conexão, porque há. — Mãos
quentes tocam minha cintura enquanto meus olhos estão fixos nos
olhos dele. Eu arrisco descer para os lábios dele e me arrependo.
Meu nível de carência está acima do normal, talvez seja isso,
porque ele me beija e eu simplesmente me entrego ao ato.
Ele é novinho, mas sabe beijar e tem uma pegada firme. Eu
simplesmente me deixo levar pelo momento e me delicio com cada
movimento de sua língua e seus lábios. Ele também é esperto,
preciso dizer. Sabe criar todo um clima e envolver uma mulher,
levando-a a uma névoa de luxúria repentinamente.
É engraçado por não ser nada forçado. Apenas vai fluindo
até eu estar com as minhas costas contra uma parede e seu corpo
estar pressionando fortemente no meu. Não gostaria que as coisas
caminhassem dessa maneira, mas não sou capaz de deter o curso
natural. É bom, gostoso, excitante e proibido. Ambos deixando a
excitação surgir.
Suas mãos agora estão nas laterais das minhas pernas,
num toque suave que me faz ofegar. Não há nada desesperado e a
lentidão parece agoniante o bastante. Eu me sinto umedecendo por
um garoto de vinte e um anos, quase tomando as rédeas e o
explorando melhor em qualquer superfície plana desse lugar.
Quando nossos lábios se afastam e ele beija meu pescoço,
um radar apita em minha mente.
— Precisamos parar — digo ofegante, sentindo uma leve
mordida que quase me faz perder o controle.
— Você acha?
— É o certo. — Ele permanece beijando meu pescoço.
— Ok, vou parar — diz, mas não para. Meu bom Deus,
tenha piedade de mim! Sei que não mereço, mas, por favor...
Eu me descontrolo e inverto a posição. Agora é ele contra a
parede e eu o beijando desesperadamente. Ele está duro, excitado,
e sentir isso é como abrir as portas para o inferno. Ele estava me
respeitando, mas agora suas mãos estão em minha bunda e o som
que ele solta ao apertá-la é quase torturado.
— Nós precisamos mesmo parar — digo, mordendo sua
orelha. — Agora.
— Tem certeza?
— Absoluta. — Relutantemente me afasto e vou direto para
um enorme chuveiro que há próximo à piscina. Deixo a água fria
sobre meu corpo aliviar o fogo repentino. Era para matar, mas meu
corpo traidor quis trepar. Estou descontrolada. Como vou fingir ser
namorada desse ser humano? Ele tem idade para ser meu filho e eu
sinto tesão nele. Isso é absurdo!
Minutos depois me encontro mais dentro dos limites da
sanidade.
— Que tal irmos almoçar em um lugar aqui perto? — ele
propõe, e eu pondero bastante.
— Acho que o mais indicado é eu ir embora, Nicolas. Isso
entre nós dois se trata de um negócio. Inclusive, precisamos debater
alguns pontos importantes. Preciso estabelecer os pontos. Vamos
marcar nossos próximos encontros em locais públicos, tudo bem?
— sugiro, e ele começa a rir. Sua gargalhada ecoa pela casa e eu
permaneço séria até ele parar de rir.
— Não consegue se controlar?
— Não — confesso.
— Tudo bem, vamos dar tempo ao tempo. De qualquer
forma, foi um imenso prazer ficar um pouco com você, mesmo que a
proximidade sempre traga discussões e ofensas. — Eu acabo
sorrindo, porque é a mais pura realidade. — Quando iremos nos
encontrar para debatermos sobre seus pontos?
— Já trocamos nossos números, irei entrar em contato —
informo, vestindo meu vestido. Nicolas veste uma camisa, pega a
chave do carro e eu o sigo.
— Tem certeza de que não quer ficar? Consigo pensar em
muitas possibilidades para essa tarde. — Na minha mente eu vejo
algumas possibilidades, como ser arrastada até um quarto e fazer
um papai e mamãe bem gostoso com esse "bebê". Há também o
balcão da cozinha, que seria uma ótima opção para uma transa. O
sofá da sala também não seria algo ruim, mas... eu apago essas
ideias da mente muito rapidamente.
VINTE E UM ANOS!
— Deus! Sou quase capaz de ouvir seus pensamentos,
Dandara — fala sorrindo. — Mas, vamos no seu tempo.
— Não vai acontecer — afirmo com toda convicção e
certeza que possuo. — Obrigada pelo passeio e pela distração.
— Disponha. — Ele abre a porta do carro, eu me acomodo e
ele dá a volta.
O trajeto é mais silencioso dessa vez. Ele me deixa no
mesmo local onde nos encontramos e eu desço do carro.
— Entrarei em contato — aviso.
— Estou contando com isso. — Nicolas pisca um olho,
abaixo os óculos e acelera.
— Dandara? — É Paula... Barbie moda e magia!
— Virou rotina nos encontrarmos, não é mesmo? —
questiono, forçando um sorriso.
— Parece que sim. Samuel está ali na praia com Lucca, vim
buscar água de coco para ele.
— É? Ele ama mesmo água de coco. Obrigada por isso —
agradeço.
— Bom, se quiser se juntar a nós... Ouça, eu não tenho
nada contra você e eu sinto muito por todas as coisas que passou.
Não a odeio, não é minha inimiga. — Fico a observando e percebo
que ela é mesmo o meu oposto. Aqui há uma mulher boa, generosa,
humilde, até um pouco inocente. Ela se parece como Lucca, quando
ele tentar buscar bondade em todas as pessoas.
— Desculpa, mas não me sinto preparada para um passo
desse porte. — Sou sincera. — Eu ainda amo Lucca, Paula. Preciso
manter a distância para poder tirá-lo do meu sistema. Sei que não
existe mais qualquer possibilidade de ficarmos juntos, te dou a
minha palavra que jamais tentarei qualquer coisa com ele. Mas,
ainda não me sinto pronta para conviver com vocês. Isso exigiria
uma maturidade que não possuo. Acho que me entende.
— Com certeza entendo — ela diz, dando um sorriso fraco.
— A admiro pela sinceridade. Precisamos apenas nos respeitar.
— É isso. — Sorrio. — Bom, não vou lá mexer com Samuel,
não diga a ele que me viu, ok? A noite irei vê-lo. Estou esperando
que a reforma em minha casa termine entre amanhã ou depois.
— Está tudo bem. Bom, vou lá.
— Ok. — Ela faz menção de vir me abraçar, mas acho que
se conscientiza e afasta.
A bunda dela duela com a minha! Que ódio! Ela tinha que
ser tão bonita?
Com o humor em plena revolução, sigo para meu carro e
vou para casa.

Segunda-feira... eu sempre gostei desse dia. Segunda-feira


simboliza recomeço, mas não há nada recomeçando dessa vez.
Meus olhos estão inchados de chorar após ter visto Lucca com
Samuel na academia. Lucca estava brincando de ensiná-lo a malhar
e... meu Deus do céu... não há nada pior que saber que eu nunca
mais o terei.
É com óculos gigantes que entro no consultório da doutora
Rovena, que já me olha sabendo que algo está errado.
— Bem-vinda, Dandara! Como foi o final de semana?
— Foi uma oscilação louca.
— Não vai retirar os óculos? — indaga receosa.
— Não. Estou com os olhos inchados e perdida. Eu sinto
que é um beco sem saída, porque não há como não conviver o
mínimo com Lucca. Até tenho tentado suportar, mas quando vejo
momentos fofos dele com Samuel... isso me destrói de uma maneira
inexplicável.
— Sim. É normal. Você achou que o teria de volta, que
viveriam esses momentos juntos e não aconteceu. É doloroso.
— Muito doloroso. Não existe nenhum remédio para isso?
— pergunto, me sentindo estúpida.
— Se esforçar para superar. Aceitar a realidade. É preciso
aceitar o que não há possibilidade de mudar.
— Eu sei. Bom, no mais, estive com Nicolas, o garoto do
site de sugar mommy. E, por Deus, eu descobri que ele tem vinte e
um anos, mas ele parece ter vinte e seis. Ele é lindo, e o sorriso
dele é para desgraçar tudo mesmo. O beijo dele... Eu estive perto
de cometer uma loucura e talvez esteja precisando muito de sexo,
mais do que achei que estaria precisando. Eu quis transar com ele
algumas vezes e isso é absolutamente errado. Ele me deseja
sexualmente, e isso desperta o desejo em mim. Como pode ser
isso? Estou contratando-o para ser meu acompanhante. Sexo é a
última coisa que deveria acontecer entre nós.
— Você é uma mulher intensa, Dandara. Sexo é importante.
É importante saber que você possui desejos, que seu corpo está
aceso para isso. Nós possuímos um ciclo que começa pelo desejo,
avança até a excitação, busca a libertação, e então encontra a
sensação de saciedade, que é como a resolução do problema
inicial. Quando esse ciclo é interrompido, surge a sensação de
frustração que abala bastante nossa mente. Um bom sexo é
importante até para sua saúde psicológica. Acho que sexo é muito
indicado e seria bom você construir uma conexão, mesmo que
carnal, com outra pessoa. O fato de o garoto ter vinte e um anos é
apenas um detalhe quando há desejo entre os dois. Ele é maior de
idade, não há crime ceder. Ou, você pode ter um amigo para uma
troca sexual. Alguém em quem confie, que deixe estabelecido que é
apenas sexo, caso você não queira nada além disso. Não há mal
em fazer sexo. — Eu me sento abruptamente e já pego minha bolsa.
Essa mulher tem as melhores jogadas, as melhores ideias. — O que
você vai fazer? Oh merda!
— Você é uma santa milagrosa, doutora Rovena. Um bom
sexo com um bom amigo. — Sorrio. — Vale ser amigo do meu ex?
Vale! Essa ideia foi fantástica! — Fico de pé, a beijo na bochecha e
saio apressada.
— Dandara... não seja assim...
Não a ouço. Na escada rolante decido ligar para um bom
amigo. Alguns diriam que estou ligando para Enzo..., mas...
— Dandara? A que devo a honra dessa ligação?
— Onde você está?
— Neste momento estou em meu clube. — Fecho meus
olhos por alguns segundos e pondero.
— Pode me mandar o endereço por SMS?
DANDARA
É quando desço do carro e caminho até o clube que um tiro
de racionalidade invade minha mente. Eu me pego dando tapas na
testa e suspiro frustrada com minhas ideias "mirabolantes" e minha
falta de raciocínio lógico. É tão óbvio minha estupidez agora que
estou sentindo ódio de mim mesma. Como eu poderei ter qualquer
envolvimento com Humberto se, teoricamente, estou em
relacionamento sério e irei levar meu "namorado" ao aniversário do
meu filho? Seria feio por muitos motivos. Seria feio porque isso faria
diretamente Nicolas levar fama de corno, seria feio para mim, que já
estou suja até o pescoço de carregar o peso da infidelidade. Por
mais que talvez Humberto vá ignorar tudo isso, sei que em algum
lugar no fundinho dele haverá a consciência de que nosso
envolvimento foi um ato de infidelidade da minha parte. Me envolver
sexualmente com Humberto puramente pôr fogo seria cavar ainda
mais o poço em que me encontro. É por isso que viro as costas e
volto para o carro com a certeza de estar fazendo a coisa certa.
Aperto o volante com força e jogo minha cabeça contra o
encosto do assento. Quando foi que resolvi atropelar o mundo
mesmo? Está tudo errado, completamente. E, parece que estou em
busca de piorar ainda mais. Sexo não vai mudar a minha vida ou
meu humor. Eu só preciso me isolar do mundo por um tempo, botar
a mente no lugar, traçar novas metas, superar perdas...
Mas, novamente eu erro e percebo que estou dentro de um
ciclo constante de erros. Chego em casa, pego uma garrafa de
vinho, me acomodo no tapete da sala, pego algumas fotos de Lucca
e... mesmo sabendo que é um erro, mesmo sabendo que preciso
superar, eu acabo cedendo a dor. Chata, repetitiva, inconstante,
imatura, descontrolada..., mas dói tanto, tanto e a dor muda as
pessoas. A dor é tão poderosa que ela faz uma revolução
internamente e eu não consigo ser uma forte combatente, porque
me tornei fraca, me tornei algo que nunca fui. Eu sou a única pessoa
me humilhando agora e não é bom estar na posição que estou.
Estou me auto humilhando, me auto boicotando, me
autossabotando. Ser humilhada pelas pessoas parece muito mais
fácil que ser humilhada pela nossa mente. Perdi o controle de tudo...
Não sei quanto tempo fico miserável estirada na sala, mas
sei que já é noite quando decido levantar e recolher a merda toda.
Tomo um banho, visto uma camisola e me deito antes mesmo das
oito da noite. Tenho um apagão, como se não dormisse a muitos
dias. Acordo na manhã seguinte com o interfone tocando e sem
saber qual foi o caminhão que passou em cima de mim.
Quando chego na sala, verifico pela câmera de segurança
que é Lucca e Samuel. Esfrego meu rosto e libero a entrada deles.
Meu pinguim surge correndo como um desesperado e
agarra minhas pernas. Eu esqueço até mesmo da presença de
Lucca quando abaixo e o abraço.
— Meu pinguim mais perfeito do mundo! Estou morrendo de
saudades, do tamanho do céu — digo a ele.
— Eu também, mamãe. Te amo.
— Ai meu amor, você é o ar que eu respiro, você é a minha
vida, você é tudo e nem mesmo tem ideia disso. Eu amo você. —
Ele me abraça mais forte e eu sorrio.
— Papai! Eu também te amo — Samuel diz, e eu fico de pé.
Lucca está tão bonito, merda! Uma calça social cinza, uma camisa
social branca com três botões abertos e a gravata jogada em torno
do pescoço. Misericórdia... tão bonito, tão sexy sem saber que esse
estilo enlouquece mulheres.
— Papai ama você, demais! Do tamanho do céu, como
mamãe diz — ele fala sorrindo. — Olá! — Me cumprimenta com dois
beijos nas bochechas. — Está tudo bem?
— Sim — minto, inalando o cheiro do perfume dele. Sou
uma torturadora comigo mesma. — A que devo a honra da visita
matinal? — pergunto, enquanto bagunço os cabelos do nosso filho.
— Trouxe uma pasta com algumas possibilidades de
escolinhas para Samuel. Acho que vamos precisar visitá-las para
decidirmos qual irá nos atender melhor.
— Perfeito. — Pego uma pasta da mão dele e caminho até o
sofá.
— Sua camisola é transparente, só para constar —
comenta. — Seria interessante você vestir algo mais discreto. — Eu
olho para a minha camisola e percebo que ele está certo.
— Oh merda! Me desculpe, de verdade. Acordei com o
interfone, nem escovei os dentes ainda, vim meio tonta recebê-los,
não foi por mal.
— Tudo bem. Só avisei porque sou um cavalheiro. — Acabo
sorrindo.
— Ok, vou me trocar.
Corro até meu quarto e visto apenas um roupão que cubra
minha semi nudez. Escovo os dentes, lavo meu rosto e vou até a
cozinha pegar um copo de iogurte e alguns biscoitos. Até minha
alimentação tem sido desregrada. Me acomodo na sala, com eles, e
Samuel vem roubar meu lanche. Rimos quando ele fica com bigode
de iogurte.
— E a obra? — Lucca pergunta, quando Samuel sai
correndo pela casa.
— Daqui a pouco os empreiteiros chegam. Acho que deve
concluir ainda essa semana. Não aguento mais! — comento. — E a
festa de Samuel? Há qualquer coisa que eu possa fazer?
— Não precisa fazer nada. Contratei tudo. Mas, você é bem-
vinda se quiser se inteirar de tudo. Ava e minha mãe estão mais
engajadas nisso. Você pode falar com elas.
— Não. Obrigada — dispenso. — Eu quero me afastar de
todos. Eu gostaria até mesmo de me afastar de você, mas isso não
será possível. Lucca, eu ainda sinto muito... Conviver tão perto
requer uma maturidade e ao menos o mínimo de superação. Eu não
tenho qualquer uma dessas coisas no momento. Quero distância, o
máximo que puder. Sei que vamos estar sempre perto pelo nosso
filho, mas o que eu puder evitar, irei. — Ele fica sem palavras me
encarando e eu o compreendo. Lucca vê o mundo numa perspectiva
diferente da minha. Na mente dele nós poderíamos ter uma
proximidade e viveríamos como uma grande família; eu, ele, Paula,
Vic, Matheus... Não vai acontecer.
Eu sei que cometi erros, sei que estou pagando por eles,
mas eu o amo.
— Está indo na terapia? — é o que ele pergunta.
— Estou, mas acho que quem vai precisar de terapia é a
terapeuta. Sou uma paciente difícil e instável. Ao menos, se eu
precisar de uma internação, Samuel ficará em boas mãos.
— Esse seu humor sombrio não é muito legal. E seu
namorado?
— Meu namorado. — Sorrio. — Ele vai bem. É um bom
namorado.
— Não parece empolgada.
— Estou muito empolgada, na verdade, acho que estou
precisando conter a empolgação com ele. — Acabo rindo de mim
mesma, vinte e um anos... e eu faria sexo com ele em qualquer
lugar que quisesse. — É louco isso, na verdade.
— O quê?
— Não posso debater sobre minha crise interna com você.
Mas, o que posso dizer é que tudo isso é realmente louco — digo. É
louco porque o amo e porque mesmo o amando eu estou pensando
em sexo com um garoto novinho. É realmente louco!
— Bom, dê uma olhada nas possibilidades de escola, ok?
Eu vou embora. Vou deixar Samuel com meus pais para ir trabalhar.
— Deixe-o comigo. Quando eu for para a terapia o levo até
seus pais — peço.
— Tudo bem. Sendo assim, vou me despedir dele. Espero
que a obra demore, não estou preparado para tirá-lo do meu ninho
— comenta sorrindo. — Me acostumei com a presença constante
dele.
— É complicado, não é? Tenho sentido muito a ausência
dele, mas está sendo necessária. Eu preciso melhorar um pouco
meu psicológico, focar um pouco em minha saúde mental. É bom ter
você para ficar com o nosso filho.
— Sempre — diz, indo em busca do pinguim. O espertinho
está minha cama, vendo TV. Isso me faz rir.
Após Lucca se despedir, eu me junto a ele e ele acaba
dormindo grudado em meu corpo, como de costume. A presença do
meu pequeno pinguim é o que me acalma e faz minha mente ficar
mais centrada.
Os empreiteiros chegam, minha ajudante também e eu e
Samuel nos divertimos bastante na piscina até a hora do almoço.
Depois que comemos, o levo para Victória e sigo para o
consultório da doutora Rovena, que permanece me olhando
desconfiada.
— Não precisa me olhar dessa maneira, ok? Não fiz
absolutamente nada de errado. Um surto de consciência se apossou
de mim e fui para casa. Não fiz qualquer besteira.
— Precisa controlar a impulsividade. Precisa sempre dar
três passos para trás quando perceber que está indo longe demais e
ultrapassando os próprios limites.
— Eu enxergo isso — confesso. — E, a boa notícia é que
talvez essa seja a nossa primeira consulta normal. Só me ajude, por
favor. Me ajude a lidar com toda a merda dá minha mente. Está tudo
de pernas para o ar e você se tornou minha única confidente.
— Que tal me dizer como se vê daqui a um ano?
— Eu não me vejo. Não consigo pensar no futuro, nunca
consegui muito. Sempre fui uma mulher de focar no presente e
passado — digo com sinceridade.
— Então essa é a sua primeira atividade de casa. Essa
noite, quando estiver sozinha, se preparando para dormir, vai pegar
um caderninho que lhe darei e vai forçar sua mente a viajar até o
futuro. Vai escrever tudo o que você viu, tudo o que quer ser, como
quer estar. Se não conseguir muito, tente ao menos trazer para mim
três propósitos. Tudo bem?
— Tentarei. Esse me parece o momento ideal para respirar
e traçar metas. Preciso de o máximo de foco e esforço.
— Sim, e você vai conseguir. É uma mulher de fibra,
determinada, destemida. Vai conseguir. Só precisa começar a
acalmar o furacão dentro de si, controlar os pensamentos, os
impulsos. Essa atividade é para aprender a traçar metas, construir
um planejamento saudável para sua vida. Pode parecer bobeira,
mas é de extrema importância e é o que você precisa.
— Tentarei fazer.
— Agora me conte sobre o garoto do site. Já sabemos que
ele é bem jovem, mas ele se resume a isso?
— Não. — Sorrio. — Na verdade, ele é bem maduro. É
inteligente, tem conversas interessantes, já passou por momentos
ruins na vida. E, sabe o que acho? Acho que os momentos ruins são
o que mais impulsionam as pessoas a criarem maturidade. Estou
errada?
— Não. De certa forma os momentos ruins contribuem
positivamente para muitas questões em nossas vidas, mas isso
varia de pessoa para pessoa. Há pessoas que não sabem como
lidar com os momentos ruins, e há aquelas que sabem e o tiram
como aprendizado. Quem escolhe a segunda opção, amadurece,
fica mais forte, entre muitas outras coisas.
— É. Acho que tenho enxergado que nossa felicidade
depende apenas de nós mesmos, nossas ações, nossas escolhas.
O poder está em nossas mãos desde sempre e muitas vezes não
sabemos controlá-lo.
— A vida é complexa, nossa mente é complexa. Por isso é
preciso parar, rever os acontecimentos, avaliar os atos, traçar metas
de mudança — diz.
— Eu entendo isso agora. Mesmo assim, ainda acho que te
deixarei louca em muitas consultas. Sou iniciante — brinco.
— Estou esperando por isso. Eu bebo um copo de uísque
sempre dez minutos antes de você chegar. — Minha gargalhada é
alta e ela acaba rindo também. — Dandara, tem ideia do quão
bonita você é?
— Não sei. Às vezes acho que sim, outras acho que não.
— Você é uma das mulheres mais bonitas que já conheci e
possui um potencial incrível. Se esforce minha querida. Esforce para
encontrar o melhor dentro de si. — Balanço a cabeça positivamente.
Ficamos conversando por mais meia hora e saio do
consultório me sentindo infinitamente mais leve e mais decidida.
Eu passo o resto da semana sem fazer qualquer besteira,
consigo fazer minha atividade de casa e traço várias metas para o
meu futuro. As obras terminam, me sinto mais centrada e, na sexta-
feira à noite, estou cansada da solidão e me pego fazendo algo que
talvez eu vá me arrepender. Doutora Rovena disse que eu deveria
correr riscos e sair da zona de conforto... eu faço.
— Eu esperei por essa ligação a semana inteira. — Nicolas
nem mesmo diz um "alô". — Tudo bem, vossa excelência?
— Estive pensando.
— Esteve? Me conte sobre o quê. E, só para constar, já
desperdiçamos uma semana. Precisamos convencer as pessoas
que somos um casal apaixonado. — Me pego rindo disso.
— Eu acredito ter sido rude e dura com você desde o início.
— O céu está se abrindo! — Não queria rir, mas rio mesmo
assim.
— Ok, sem piadinhas ou vou me arrepender amargamente.
Você é um bebê para mim, mas entrei naquele site sabendo que
encontraria apenas garotos mais novos.
— Não sou um garoto. Sou um homem feito. — É, eu sei...
— Sim. Eu percebi isso. Enfim, gostaria de sair? —
Pressiono meus olhos fortemente, com receio de estar cometendo
uma estupidez. Piora porque ele fica em silêncio por um longo
tempo.
— Você está me convidando para sair? — pergunta, como
se não estivesse acreditando.
— Sim. Se vamos seguir com isso, eu gostaria de
recomeçar. Acha que podemos começar do zero?
— Tenho certeza de que podemos — afirma.
— Ok, vou mandar o endereço do local por mensagem.
— Estou esperando ansioso, Dandara. Será um prazer
conhecê-la novamente.
— Aposto que sim, há apenas um detalhe — informo.
— Qual?
— Eu quero saber a verdade. Quero saber o motivo de estar
naquele site. Você pode me dar isso? — peço.
— Se você quer a verdade, a verdade terá — avisa.
— Estou esperando por isso. Será interessante.
— Pode apostar. Nos vemos, Dandara. — Ele encerra a
ligação e eu definitivamente não estou segura o bastante. De
qualquer forma, já foi.
Envio para ele o endereço do pub e vou me arrumar.
Após um banho demorado, passo longos minutos em busca
de uma roupa. Opto por um vestido branco que possui um enorme
fecho atrás e é completamente grudado em meu corpo. Ele realça
cada uma das minhas curvas e a minha cor. Não é decotado, porém
é sexy o bastante e eu nem sei o motivo por querer estar sexy.
Calço uma sandália de salto agulha prateada, coloco alguns
acessórios, passo um rímel, lápis nos olhos e um batom claro. Será
apenas isso. Não sou uma amante de maquiagens marcantes e de
excessos.
Gosto do resultado. Estou elegante, sexy e muito bonita,
modéstia à parte.
Escolho uma bolsa para encaixar no look e sigo para o pub
de táxi. Como tenho pretensão de beber, prefiro deixar meu carro.
Estou um pouco nervosa ao descer do carro e recebo
bastante olhares. Endireito minha postura, ergo minha cabeça e sigo
para o interior do local.
Encontro Nicolas e ele abre um dos seus sorrisos
arrebatadores. Ele é realmente bonito e está o meu oposto no
visual. Estou toda de branco e ele todo vestido de preto. Está com
uma camisa social preta, calça preta, sapatos pretos, até o relógio
em seu pulso é preto. Preto combina com ele, definitivamente.
Me aproximo e ele fica de pé.
— Olá.
— Olá, qual seu nome? — pergunta, e eu compreendo seu
jogo. É sobre recomeçar, não é isso? É o que ele está fazendo.
— Dandara Farai.
— Prazer, Dandara Farai — diz, pegando minha mão e
depositando um beijo. — Nicolas Magalhães, o homem que vai
desgraçar a sua vida não apenas com um sorriso, mas com vários.
DANDARA
Quando ele diz essa maldita frase um arrepio frio percorre
toda a minha espinha, o que é bastante ridículo, pois não deveria
sentir tanto impacto com esse "vou desgraçar a sua vida". Na
verdade, deveria achar assustador, mas, ao contrário disso, acho
excitante, e, por isso, continuo sustentando o olhar dele sem me
intimidar.
— É um enorme prazer, Nicolas Magalhães — digo, e me
afasto para me acomodar no sofá onde ele estava sentado quando
cheguei.
— Uau! Você está mais linda que o normal — elogia, se
acomodando ao meu lado. — Sua presença causa sempre um
impacto. Estou dizendo apenas porque hoje parece estar com a
guarda baixa e acho que não serei ofendido. — Sorrio e me
pergunto se sou tão filha da puta quanto demonstro ser.
— Você está muito bonito também. Preto definitivamente é a
sua cor — elogio, pegando um cardápio. — Vou beber um dry
Martini e você?
— Estou bebendo um mojito — comenta, e eu peço ao
garçom.
— Aqui é um lugar legal. Um ambiente agradável — falo
analisando.
— Combina com você. Sofisticado, seletivo, agradável. —
Volto a olhar para ele e meus olhos traidores vão diretamente para
seus lábios. O infeliz perceber e sorri, ele até mesmo passa a língua
por eles, sabendo que é alvo da minha atenção.
— Então... — Desvio o foco. — Vamos começar novamente.
Tudo que eu disse a você sobre mim é verdade, mas acho que falta
você me dizer algumas verdades. — Sorrio.
— Direta ao ponto — diz sorrindo. — Ok, vamos lá.
Pergunte-me.
— A minha primeira curiosidade é sobre o site, você sabe. O
que estava fazendo lá? — O garçom entrega nossas bebidas, bebo
um gole enquanto o aguardo falar.
— Ok, correndo o risco de você me achar ridículo, vou dizer
— informa. — Nunca me envolvi com uma mulher mais experiente.
Só me envolvo com garotas de dezoito, dezenove, vinte. Não é algo
programado, mas é o que acontece. E, como eu posso dizer? Falta
algo. A inexperiência antes me atraía o bastante, mas com o passar
do tempo isso mudou. As garotas jovens não me saciam mais e não
me oferecem uma experiência mais intensa e profunda. Não estou
generalizando, obviamente, estou falando apenas das garotas com
quem já me envolvi. Me considero um homem inexperiente e é isso
que fui buscar naquele site, uma experiência com uma mulher
experiente.
— Mas, você sabe que aquele site não é para sexo, não é
mesmo?
— Absolutamente. Porém, quando digo experiência, não se
resume a sexo. Abrange muitas coisas, como por exemplo sentar-se
em um pub e ter uma conversa madura com alguém que tenha
muito a acrescentar e que saiba exatamente o que quer e o que
busca. Claro que sexo está na incluso na minha busca, não vou
mentir. Sinto vontade de transar com uma mulher mais madura e
experiente, vontade de descobrir como é o sexo em outra
perspectiva. Não sou tão experiente sexualmente, quero descobrir
mais, aprender mais, só que não é o ponto principal. — Balanço a
cabeça em compreensão. — Acontece que eu não esperava
encontrá-la. Esperava qualquer pessoa, menos você.
— Como assim?
— Sou estudante de direito. Escolhi essa faculdade após vê-
la em um noticiário anos atrás. — Minha boca se abre e se fecha
repetidas vezes. — Estranho, não?
— Totalmente.
— Acho que notou o impacto que senti quando a vi naquela
boate onde nos encontramos pela primeira vez. Posso não ter sido
muito bom em ocultá-lo. Foi o maior choque que já levei na vida. Era
a mulher que via na TV, a mulher que eu disse a minha mãe: "mãe,
eu quero ser como ela". Poderosa, profissional, com uma carreira
incrível. Quero ser juiz graças a você e estou estudando para isso.
— Você está mesmo falando sério? — pergunto incrédula.
— Isso não pode ser real.
— É real. Foi chocante para mim também. Mas, eu não quis
demonstrar que era como um fã quando a vi, tentei ignorar isso —
diz sorrindo.
— E agora? — questiono, completamente perdida e
desorientada.
— E agora eu descobri que é humana e minha admiração
subiu alguns níveis. Você parecia tão inalcançável, e eu descobri
que nem sempre as coisas são o que parecem ser. Você é
alcançável, é uma mulher extremamente difícil e complexa, irritante
às vezes, mas é incrível ver que possui defeitos como todos os
mortais.
— Devo agradecer? — pergunto, bebendo. Preciso beber
para processar isso.
— Não. Só estou dizendo que acho seus defeitos incríveis,
porque por trás da tela de TV e por todas as coisas que já ouvi, você
parecia absolutamente perfeita. Eu gostei muito do seu jeito, da sua
arrogância, sua falta de delicadeza. Mas, gostei também de quando
cedeu ao desejo em alguns beijos, quando me permitiu entrar. Uma
incógnita perfeitamente imperfeita. Uma mulher incrível que não vê
problema em revelar suas fraquezas, seus erros do passado, de
voltar atrás e pedir uma segunda chance. Isso a torna fantástica aos
meus olhos, principalmente quando a perfeição é tudo que nunca
busquei nas pessoas.
— Uau, Nicolas! Estou ligeiramente tonta com todas essas
informações e ao mesmo tempo agradecida por todas as
considerações. Uau...
— Entrei querendo uma experiência fora da minha zona de
conforto. Acho que teria sido fácil demais encontrar qualquer outra
mulher, então o destino cuidou de colocar um grande desafio, não
compreendi se é um castigo ou um prêmio. Mas, antes que pense
mal, o castigo seria apenas pela dificuldade de conquistá-la, nada
além disso. E o prêmio diz respeito a ser uma mulher que admiro e
que acho apenas a mais linda que já fui capaz de ver. Agora eu
quero saber se nosso acordo pode continuar.
— Agora estou um pouco confusa. Não quero ser tratada
como a Dandara juíza que você admira, quero ser tratada como a
Dandara mulher. Não sei se vamos conseguir isso.
— Eu tenho a tratado como a "Dandara mulher" desde o
primeiro momento. A juíza fica para os tribunais, que é o lugar onde
pertence. Ela é apenas uma inspiração. Quero a Dandara mulher, a
perfeitamente imperfeita que eu disse anteriormente. A Dandara que
rebato sempre que me deixa irritado.
— Como você me quer? — Pareço ridícula agora, mas
estou em um nível de embasbacamento surreal.
Ele dá um sorriso preguiçoso e charmoso, então seus olhos
correm diretamente para os meus.
— Como você quiser me dar.
— Misericórdia! — eu digo um pouco alto demais, e termino
de beber toda a bebida. Vou para o inferno por levar esse "dar" para
um outro sentido? Vou! Ele quer aprender mais sobre sexo, quer
experiência... Não vou ser hipócrita ou mentir dizendo que isso não
vai rolar, mesmo que eu relute e tente adiar. Se os planos
permanecerem, vai acontecer. Ele me atrai e é um homem tentador
o bastante. Mas, parece inexperiente em algo que domino e em algo
que sempre busquei bons "adversários". A experiência sexual é algo
que sempre contou para mim. Enfim, há uma batata quente em
minhas mãos agora e eu não sei como agir.
Entrei nessa buscando alguém para se passar por meu
namorado. Alguém que receberia uma grana boa, por isso e que
não tivesse qualquer outro interesse. E o que encontro? Um
admirador da minha carreira, do meu "modus operandi" e tudo
mais...
— Quero o que estiver disposta a me dar. Você me atrai, me
excita, testa meus nervos e coloca meu autocontrole em risco. Estou
interessado em você numa outra perspectiva que não está
buscando, mas foi inevitável. É uma mulher linda, atraente, e eu não
sou um bom mentiroso para ignorar isso. Porém, eu posso me
controlar e ser apenas a sua mentira. Me comprometo a ajudá-la
com o propósito inicial, só não quero dinheiro por isso. Embora eu
não seja rico, não preciso de dinheiro. Tenho tudo o que quero e o
que preciso.
— Vai me ajudar sem pedir nada em troca?
— Eu pediria, mas não vou — afirma.
— O que pediria?
— Eu pediria para me dar o que fui buscar naquele site. —
Novamente me pego balançando a cabeça em compreensão. É um
jogo arriscado.
— Preciso de um tempo para processar todas as
informações. Uma análise de caso para evitar um pré-julgamento ou
um julgamento errado.
— Se a sentença for negativa para mim, irei recorrer. — Isso
me faz sorrir.
— Espero que sim. — Peço mais uma bebida ao garçom e
tamborilo os dedos na mesa pensando em todas as coisas.
Tudo continua sendo realmente engraçado. Eu já fui muito
criticada pelos meus defeitos, mas receber um elogio por eles é
inédito.
"Uma incógnita perfeitamente imperfeita."
Bebemos mais algumas bebidas enquanto ele me fala mais
sobre a vida dele. É interessante que ele é como eu, não tem
problemas em falar abertamente sobre tudo. Quer dizer, eu nunca
fui muito aberta, porém desde que revelei meu passado para Lucca,
me sinto mais confortável para falar sobre isso, como uma mágica.
Fiz uma vez e foi como uma libertação de uma série de segredos
que me atormentavam.
Passam de uma da manhã quando resolvemos ir embora.
— Foi muito bom estar com você esta noite — digo, quando
estou prestes a me despedir. — Sinto que tenha transferido minha
infelicidade e despejado em você no início. Só não significa que eu
não vá surtar em alguns momentos. — Sorrio. — Sou um pouco
difícil, talvez muito, meu gênio é fortíssimo e acho que não existiu no
mundo alguém que pudesse lidar cem por cento com isso.
— Ou talvez você tenha dado oportunidade apenas para as
pessoas erradas. Já pensou nisso? — pergunta, enquanto o
observo. É uma boa pergunta, uma questão que nunca levantei. É
algo em que devo pensar e ele percebe isso. — Eu posso levá-la
em casa. Você bebeu, mas eu não bebi o suficiente — argumenta.
— Não precisa. Posso ir de táxi, numa boa.
— Faço questão — insiste, e eu acabo cedendo. Ele segura
minha mão e me conduz até seu carro. Gentilmente abre a porta
para eu me acomodar e a fecha em seguida.
Percebi muitas coisas essa noite, uma delas é que ele dá às
pessoas apenas o que recebe. Se você é rude com ele, ele será
rude com você. Se você é atenciosa, você terá toda a sua atenção.
Se é carinhosa, o carinho terá. É como aquela frase, você atrai o
que transmite. Estou sendo uma boa mulher e ele sendo um bom
homem, não sei até quando isso vai durar.
Eu passo o endereço para ele e o GPS vai nos guiando.
Não há pressa enquanto ele dirige, parece que há excesso de
lentidão.
Quando chegamos, eu desço antes que ele possa abrir a
porta para mim.
— Talvez eu possa usar o banheiro? — pergunta de um jeito
bastante engraçado.
— Você não quer usar o banheiro.
— Não quero — confirma sorrindo. — É cedo ainda... Hoje é
sexta-feira. Sabe, os jovens do Rio de Janeiro costumam sair para
as baladas meia noite, uma da manhã — explica.
— Esses jovens possuem muita disposição, não é mesmo?
— Ele entende e sorri se aproximando.
— Quero beijar sua boca — sussurra em meu ouvido. —
Quero ficar um pouco mais com você.
— Quer entrar e tomar um vinho? — Deus! Eu vou me
arrepender tanto disso! Ou não...
Nicolas fecha o carro e me segue até o interior da casa.
Acendo as luzes e retiro minhas sandálias ainda na sala.
— Fique à vontade. Preciso apenas vestir algo mais
confortável. Há garrafas de vinho na adega climatizada, basta
escolher uma. — Começo a caminha e ele me segura pelo braço.
— Precisa de ajuda com o vestido? — Engulo a seco,
sustentando firmemente seu olhar. Nossa troca dura alguns longos
segundos e eles parecem passar mais lento do que já são. Eu me
viro de costas para ele, Jogo meus cabelos para o lado e dou livre
acesso para que ele me ajude com o fecho. Quando seus dedos
tocam minha nuca, fecho os olhos e tento controlar minha libido que
anda à flor da pele nos últimos dias.
Conforme ele desliza o fecho lentamente, seu dedo vai
deslizando pelas minhas costas e eu vou pressionando minhas
pernas fortemente. O fecho é infinito, mas ele para de abrir quando
chega em meu cóccix, não satisfeito, deposita um beijo no vão do
meu pescoço que me faz deixar as sandálias caírem ao chão.
— Está feito — diz com a voz num tom diferente, me viro
para encará-lo. Em questão de segundos estou o prendendo contra
a parede e o beijando. Suas mãos deslizam pelas minhas costas
nuas e eu agarro sua camisa. Seu aperto aumenta conforme meu
corpo pressiona mais o dele, buscando sentir a excitação crescente.
Tão duro... por um momento o imagino nu e imagino uma cena
altamente inapropriada para isso que estamos "vivendo". Mesmo
assim continuo o beijando e permitindo que ele toque meu corpo.
Suas mãos são tão gostosas e quentes. Em cada parte que tocam
deixam rastro de calor e despertam a necessidade. Quando ele
afasta nossos lábios e beija meu pescoço, eu solto um gemido alto e
desavergonhado.
— Não faça esse som. Isso me deixa louco — sussurra em
meu ouvido. — Estou perto de perder o controle.
— Como seria se você perdesse? — pergunto, mordendo
sua orelha. — Eu gostaria de ver sua inexperiência. Não hoje, mas
em algum momento. Por enquanto quero apenas te beijar e testar
seu autocontrole.
— E o seu autocontrole? Como anda? É capaz de testar o
meu, parece até mesmo decidida a isso, mas me diga Dandara,
você é capaz de se controlar? Até onde consegue ir sem que acabe
cedendo ao desejo de mais? — Sorrio enquanto ele beija meu
pescoço. — Você resistiria se eu terminasse de retirar seu vestido?
Resistiria se eu retirasse minhas roupas e pressionasse...
— Shiu! — digo, levando um dedo em sua boca, para
silenciá-lo. — Vá escolher o vinho. Vou me trocar.
— Você não resistiria. — Ele sorri convencido. — Você é o
tipo que gosta de ouvir coisas sujas. Estou enganado?
— Eu sou o tipo que gosta de vestir algo mais confortável
em casa. Vá encontrar o vinho.
— Vou encontrar o vinho, mas em breve irei encontrar você,
vossa excelência. — Ele pisca um olho e se afasta.
Eu quero dar...
O que ele pediu.
DANDARA
Sempre fui boa em testar limites e pessoas. Na verdade,
acho que é uma especialidade que adquiri com os anos. Boa em
testar, ruim em ser testada. Porém, é algo que estou disposta a
enfrentar, preciso voltar a me sentir no controle da minha vida, em
todos os sentidos.
Quando eu era jovem, não posso considerar que fazia um
teste com a vida, eu simplesmente atropelava limites, atropelava a
moral e toda e qualquer coisa que surgisse no meu caminho. Hoje,
após sofrer perdas irreparáveis, eu decidi que posso testar. E eu
quero isso. Quero Testar a vida, testar pessoas, testar até onde é
seguro e saudável ir. Não sou hipócrita de afirmar que mudarei da
água para o vinho, isso seria uma grande mentira, mas posso
afirmar que meu lado desafiador é algo que não vai sair de mim
muito facilmente, tão pouco se extinguir. Quebrar as regras sempre
não é algo que deve ser feito, mas quebrar as regras em
determinadas situações pode ser perdoável e necessário. A
perfeição é chata, eu nunca a busquei e nunca quis que a
buscassem em mim. E a frase que aquele moleque gostoso disse
combina inteiramente comigo.
Nicolas está confiante sobre ter o poder de abalar minhas
estruturas, vejo isso sem ele precisar dizer ou fazer grandes
insinuações. Mas, eu sei exatamente o poder que tenho, até mesmo
quando o usava de maneira errada. A voz da experiência habita em
mim, em cada uma das minhas rachaduras.
Eu irei testá-lo e moldá-lo ao meu modo. Não me pergunte o
porquê, apenas acho que será bastante divertido e eu preciso de um
pouco de diversão.
Visto um vestido soltinho, prendo meus cabelos em um
coque frouxo, e volto para a sala, descalça e confiante. Nicolas
disse que iria me pegar, mas eu não espero por isso ao encontrá-lo
abrindo uma garrafa de vinho. Estamos na chuva, vamos nos
banhar dela.
Chego por trás dele e sinto seu corpo se retesar e enrijecer
com meu toque inesperado. Isso quase me faz sorrir, porque ele
está lutando para mostrar que é um homenzinho grande e maduro o
bastante para mim.
Ele serve o vinho em duas taças e eu passo minhas unhas
levemente pouco acima da sua calça e abaixo de seu umbigo, por
dentro da camisa. Ele pediu por uma experiência com uma mulher
madura, mas agora se parece com um pouco de medo.
Ok, Deus! Eu sei que fui ruim o bastante nessa vida e
preciso me redimir. Serei boazinha.
Ou não.
Há pessoas que apenas têm uma veia de maldade correndo
pelo corpo, talvez eu seja uma delas.
Liberto o garoto e ele se vira me entregando uma das taças
de Vinho. Sorrio o observando.
— Um brinde à experiência, Nico — proponho, levantando
minha taça e ele sorri.
— Um brinde ao seu recomeço, Dandara. Espero que
recomece e que enxergue que merece mais do que ficar chorando
pelos cantos.
— Você não sabe muito da minha vida — rebato.
— Eu não preciso saber muito.
— Apenas cale a boca agora, beba o vinho e deixe todos os
assuntos chatos para um outro momento. Faça isso antes que eu
me arrependa — sugiro, piscando um olho e ele dá um sorriso que
me faz virar todo o líquido de uma só vez.
Meu corpo queima conforme o vinho toma conta dele. Bebo
uma segunda e terceira taça. Sorrio maquiavelicamente para
Nicolas e grudo meu corpo ao dele, agora de frente. Me sinto como
o lobo mau e ele se parece muito com a branca de neve agora. Sou
a própria caçadora quando levo minhas mãos em cada um dos
botões de sua camisa e os abro encontrando um corpo quente, até
mesmo parecendo febril. Quando termino de retirar a camisa, a
deixo sobre o balcão e me afasto para analisá-lo. O corpo desse
garoto é um pecado. Há em mim uma vontade de lamber cada parte
dele.
Meus olhos descem até a protuberância em sua calça e eu
mordo meu lábio, contendo a vontade de levá-lo em minha boca.
— Não quer ficar mais à vontade? — pergunto, recebendo
um sorriso safado.
Ele retira os sapatos, as meias e fica descalço. Até os pés
dele são bonitos e isso me faz rir.
— Algo errado?
— Não — respondo. — Você é muito bonito. Gosto dos seus
pés e gosto das suas mãos. — Me aproximo dele, prendendo-o
contra o balcão e capturo seus lábios. Minhas mãos descem para o
botão da calça dele e eu o abro. Nicolas aperta minha cintura mais
forte conforme desço a calça lentamente pelo seu corpo.
Ele se desvencilha da peça e minha mão explora a
protuberância em sua cueca, fazendo-o soltar um som rouco. Sorrio
bastante satisfeita com o que sinto, levo minha boca até sua orelha.
— Gostei disso aqui — sussurro. — É grosso, pesado. Eu
gostei muito. — Ele ofega e traz suas mãos nas alças do meu
vestido. Gosto quando ele beija meu pescoço e meu ombro, faz meu
corpo se arrepiar, mesmo ele sendo doce de um jeito que não gosto
muito no sexo. Meu corpo está respondendo muito bem e muito fácil
a ele. — Quer que eu fique nua? — pergunto.
— Sim.
— Não sou as meninas que já viu nua. Sou uma mulher
madura e mãe.
— Você é perfeita e graças a Deus não é as meninas que já
vi nua — diz, abaixando mais as alças. — Você é incrível. — Eu
deixo o vestido escorregar até o chão, retiro minha calcinha e fico
completamente nua diante dele. Não sei explicar, mas quando seus
olhos descem pelo meu corpo tudo o que vejo é um olhar de
completa adoração. Uma adoração que nunca tive o prazer de ver
ninguém me olhar. Ele apenas me olha como se eu fosse a mulher
mais perfeita do mundo, a coisa mais linda que ele já teve o prazer
de ver, e isso me intimida ao invés de me encorajar. Por um
momento me sinto vulnerável diante de toda intensidade. Quando
seus olhos voltam aos meus, tudo que vejo é que ele parece se
sentir tão vulnerável quanto eu, completamente perdido. Ele não
sabe o que fazer e isso acaba sendo responsável por trazer toda
uma pureza e docilidade para algo que não há nada puro. Tão
novinho... merda! Eu deveria apenas ignorar isso, e é o que tento
fazer.
Meu corpo está grudado ao dele novamente e suas mãos
estão meio tímidas diante da minha nudez, como se ele me
respeitasse acima de muitas coisas.
— Você pode me tocar — digo, incentivando-o, e ele engole
a seco, balançando a cabeça positivamente. — Pode me tocar onde
quiser.
— Ok.
— Está nervoso?
— Não. — Sorrio da sua mentira e ele me beija. Sinto suas
mãos levemente trêmulas quando se arrisca a explorar meu corpo.
É uma experiência nova para mim, me pego em um conflito interno
absurdo agora. Parece que esse garoto está trazendo à tona um
lado meu que eu desconhecia. Um lado professora, carinhosa,
preocupada. Um lado que não combina em nada comigo, mas que
estou tendo a oportunidade de explorar pela primeira vez.
Em época de sair da zona de conforto, esse lado é bem-
vindo.
Nicolas toca meus seios de uma maneira suave, explorando
meus mamilos com as palmas das mãos.
— Prenda-os entre seus dedos — peço, grudando minha
testa à dele, observando o ato. Ele faz, delicado demais. — Mais
forte. Você pode apertar mais forte, eu gosto de sentir um pouco de
dor. Não se intimide ou fique preocupado. Apenas faça tudo que
sentir vontade, sem pudor. Ok?
— Ok. — Ele explora a lição que dei e faz exatamente da
forma como instruí e que amo. Meus mamilos ficam presos entre
seus dedos e ele aperta meus seios com vontade. Isso me faz soltar
um gemido. — Assim?
— Perfeito. Exatamente assim que eu gosto. Você tem
preservativos?
— Sim, na minha carteira. — Sorrio da sua tensão e beijo
seu pescoço. Para aumentar o desespero, deslizo minha língua
descendo por todo seu peitoral até a barra de elástico da sua cueca.
Me ajoelhando no chão pego sua calça, encontro sua carteira e
busco os preservativos. Encontro quatro, grudados um ao outro.
Com eles em minha mão fico de pé e destaco um observando o
olhar de Nicolas. — Você está fazendo isso de sacanagem, não é
mesmo? Apenas porque sabe que é como uma paixonite da minha
adolescência e que isso me deixa nervoso.
— Paixonite da sua adolescência foi encantador. — Sorrio.
— Eu pensei que você queria transar comigo quando sugeriu que
tomássemos um vinho.
— Não foi esse motivo que sugeri, mas eu não consigo
pensar em nada que eu queira mais do que transar com você. A
culpa é sua por eu estar nervoso. Exclusivamente sua. Quando na
vida eu iria adivinhar que você facilitaria as coisas para mim? Não
estava preparado. — Sorrio e deslizo minha mão até seu pau.
— Seu corpo mostra que está muito preparado.
— E... se eu falhar? Se for decepcionante? — Ele não tem
vergonha em dizer isso, e essa atitude mexe comigo mais do que
deveria.
— Eu vou ensiná-lo tudo, sem julgá-lo por nada. Não tenha
medo dos meus julgamentos, os deixarei para os tribunais. Não sou
uma juíza aqui. Há mil e um motivos para você estar nervoso,
compreendo, muitos desses motivos são por minha culpa. Nunca fui
essa mulher que estou sendo agora, então deveria apenas se
entregar, antes que a magia acabe. Quero transar com você
enquanto beijo essa sua boca que foi criada para desgraçar a vida
de uma mulher. Não há o que temer, você tem um excelente
instrumento de trabalho e eu vou ensiná-lo tudo o que gosto. Quer
ser meu aluno?
— Isso poderia facilmente fazer com que eu me sinta
insuficiente ou humilhado, mas quero isso.
— Ok. Eu vou transformá-lo Nicolas, mas apenas para o
meu prazer. Eu vou fazê-lo me dar tudo o que gosto. Vou
transformá-lo para MIM. — Espero que ele compreenda. — Não há
espaço para uma terceira pessoa enquanto estivermos fazendo
isso. Compreende?
— Compreendo.
— Não serei piedosa caso aconteça um erro mínimo da sua
parte. Estou te dando algo que nunca dei a qualquer pessoa porque
é o que quero, sair da zona de conforto e correr riscos diferentes.
Faça minha concessão valer à pena. — Ele parece querer fazer,
porque uma mão adentra em meus cabelos e sou puxada para um
beijo mais esfomeado agora.
Estou com tesão. Muito. Eu gosto muito de sexo, repetidas
vezes, demorado. Gosto do toque, de ter algo pulsando dentro de
mim, de me sentir queimando. Quero isso com esse garoto.
Enquanto ele me beija, eu abaixo sua cueca aos poucos. Seu
membro salta duro, ereto e me afasto para observá-lo nu. Sua
glande está brilhando do pré gozo, e eu percebo que ele vai gozar
muito facilmente. Isso ajuda que eu vá com menos expectativas
sobre ter um sexo demorado. Não o julgo. Sou a mulher que ele
admirava escondido, dezesseis anos mais velha, experiente. Talvez
eu seja muita pressão, ao menos agora no início dessa brincadeira.
Seguro sua mão e o conduzo até uma chaise que há na
sala.
O empurro até ele estar sentado e me acomodo sobre seu
corpo, me sentando sobre ele e deixando minhas pernas penderem
para fora da chaise. Estamos nus, com nossas partes íntimas uma
sobre a outra. Há um preservativo em minha mão, mas eu pretendo
fazer algumas coisas antes de chegarmos às vias de fato.
Nicolas deposita suas mãos em minha bunda, apertando-a
fortemente, e eu reivindico sua boca mais uma vez. Remexo meu
quadril causando uma fricção entre nós, deslizando minha
intimidade pelo seu membro. Sorrio quando o sinto ofegar e me
apertar mais forte, continuo o torturando. Deixo sua boca apenas
para testar se ele vai beijar uma outra parte do meu corpo e ele
parece compreender. Enquanto me remexo sobre o que mais
desejo, sua boca avança aos meus seios e tanto lambe quanto suga
cada um dos meus mamilos de uma forma deliciosa. Suas mãos
deixam minha bunda e ele aperta meus seios. Tão bom sentir que
mesmo em meio a timidez ele está se esforçando para perder o
pudor. Ele me faz querer mais e eu me pego abrindo o pacote
laminado e retirando o preservativo.
Me afasto ligeiramente dele e seguro seu pau com uma
mão, o bombeando lentamente e observando seus lábios
entreabertos, ofegando de tesão.
— Gosta disso? — pergunto.
— Bastante. — Deslizo o preservativo por toda extensão e
Nico parece ficar realmente nervoso quando o posiciono em minha
entrada. O torturo apenas brincando de esfregá-lo em mim, então
decido parar e deslizá-lo lentamente para dentro.
É tão bom, mas melhor de tudo é ver Nicolas puxando os
cabelos com força quando desço por completo voltando a sentar
agora com ele completamente enterrado dentro de mim. Não era
uma brincadeira quando disse que era grosso. Eu amo a sensação
de senti-lo me alargando bem, de forma que chega a ser até um
pouco doloroso.
— Não vou aguentar segurar... — ele diz meio desesperado.
— Porra... você é apenas a mulher mais gostosa e... tão apertada,
chega a ser doloroso estar dentro.
— Vou me mover agora. Não precisa se conter, eu vou
compreender se não conseguir durar muito.
— Vou controlar seus movimentos — avisa, colocando as
mãos em meu quadril e apenas me deixo ser controlada. É tão
erótico a forma como ele está movendo meu corpo para frente e
para trás, isso me deixa com um tesão mais intenso. Eu queria
transar beijando-o, mas agora simplesmente não consigo retirar
meus olhos do seu rosto, não quero perder nada.
Quando pega a confiança de que já encontrei o ritmo que
ele quer, suas mãos deixam meu quadril e vão para a minha bunda.
Então ele me faz pular lentamente e eu só consigo pensar que esse
garoto vai me levar mais rápido do que qualquer homem já levou,
apenas pela inexperiência que descobri ser um afrodisíaco para
mim.
Eu pego o controle quando se torna demais; deixo de olhar
seu rosto perfeito, pego suas mãos e as prendo acima de sua
cabeça, então eu me movo com força, sentindo-o crescer dentro de
mim. Os sons que ele faz me encorajam a ir mais. O gemido que ele
solta ao gozar é o bastante para eu gozar segundos depois. Solto
suas mãos e seus braços me envolvem em um abraço enquanto
sua cabeça se esconde no vão do meu pescoço e todo seu corpo
treme. Isso foi mais que sexo para mim, fez algum tipo de emoção
brotar após o orgasmo. Eu me pego ligeiramente emocionada,
abraçando-o de volta e fazendo carinho em seus cabelos. Há a
Dandara que eu sempre lutei para esconder vindo à tona, e isso me
irrita, porque essa Dandara costumava a ser a rainha da
vulnerabilidade.
A realidade surge, juntamente com todos os sentimentos
bagunçados. Eu poderia me apegar a esse garoto muito facilmente,
mas não posso. Ele é um jovem cheio de vida, cheio de coisas para
viver, experiências para se aventurar. Vinte e um anos de idade,
enquanto eu tenho trinta e sete e estou na fase de estabilidade.
Nicolas tem que ficar apenas no sexo. Todo esse carinho não pode
existir, embora eu esteja gostando e meu lado carente esteja
implorando por mais. É por isso que deixo a outra Dandara voltar
muito rápido. Tento me afastar dele, mas ele não deixa de forma
alguma.
— Eu preciso sair — argumento.
— Eu sei que o que você vai fazer quando eu a libertar.
— Não sabe não.
— Isso aqui vai ter acabado e você vai voltar a agir como se
eu fosse um pirralho só para ocultar o fato de que... de que foi bom,
mesmo com a inexperiência que possuo. Estou errado? — Não,
mas ele não precisa saber disso.
— Está errado. Eu vou me vestir e pegar mais um pouco de
vinho. Você pode ir retirar o preservativo e ir embora. É isso...
— É isso?
— Sim. O que esperava? Que ficássemos nus, abraçados,
namorando como um casal de apaixonados? Queria dormir de
conchinha comigo? É muito jovem, cheio de vitalidade e coisas
incríveis para viver. Foi apenas sexo e precisa ser assim, do meu
jeito. É uma troca, você me dá o que quero, eu te dou o que quer.
— Eu quero você — afirma, e eu sorrio.
— Você quer a experiência, e isso é tudo que terá de mim.
Foi realmente bom, eu estava muito afim e você me fez gozar, eu fiz
você gozar. Bacana e ponto final. Na próxima vamos explorar outras
coisas e tentar melhorar. — Ele levanta, vai até a cozinha, pega as
roupas e sai em busca do banheiro. Pego minhas roupas na
cozinha, visto e me acomodo no sofá esperando-o voltar. Quando
ele volta, é como eu tivesse destruído tudo. Ele apenas pega a
carteira e a chave no balcão, me dá um olhar que faz meu coração
de pedra se partir.
— Não foi apenas sexo e eu sou mais maduro que você. É
quase perfeita na arte de mentir, é quase uma mentirosa perfeita.
Cresça, Dandara. Encare os fatos como uma mulher de trinta e sete
anos. Não sei se haverá uma próxima vez. — É tudo que ele diz
antes de ir embora.
Eu me espanto com o impacto que sinto devido as palavras.
Abraço meu corpo e me sinto mais sozinha que nunca...
NICOLAS MAGALHÃES
Nunca nenhuma mulher me fez chorar, mas neste momento
estou gargalhando enquanto lágrimas escorrem dos meus olhos.
Gargalhando pelo simples fato de estar chorando de frustração por
conta de uma mulher que eu mal me envolvi.
Nunca me imaginei fazendo a caminhada da vergonha,
principalmente por nunca ter submetido qualquer garota a isso. Só
que é isso que estou fazendo agora após uma série de coisas que
não me agradaram. A culpa é exclusivamente minha por ter entrado
nesse jogo de xadrez onde apenas uma jogadora quer mover as
peças. Ela é a rainha, eu sou apenas um cara que ela quis contratar
como acompanhante. Estou certo de que se não tivéssemos
encontrado com o ex dela na boate, a nossa "história" teria ficado
ali. Agora é como se ela tivesse a obrigação de manter o plano
porque todos os envolvidos me conheceram e fui apresentado como
seu namorado.
E foda-se, talvez seja apenas minha mente me pregando
peças, estou um pouco sem norte agora, com a cabeça fervilhando.
Eu abri parte das minhas fraquezas, mostrei minha vulnerabilidade,
confiei que as coisas iriam evoluir. Não, não esperava um
relacionamento, mas esperava uma aproximação maior e ela me
descartou como se fosse um garoto de programa ou um objeto
sexual.
Talvez esse não seja o meu lance. Sou correto demais para
ter algo desse tipo. Quando fico com alguém, fico de coração
aberto, sem relutância, sem medo. E foi assim que fiquei com
Dandara, mas de alguma forma foi diferente. Ela mexe comigo de
uma maneira que ninguém jamais mexeu. Eu gosto do gênio forte,
da sua boca atrevida que tem sempre uma resposta na ponta da
língua, gosto quando ela erra e enxerga o erro, gosto do pacote
completo e quis muito tê-la. Muito. Acho que é por isso que estou
tão magoado agora. Uma mágoa crescente, que faz meu peito se
apertar e as lágrimas descerem.
E novamente eu rio de mim, em uma gargalhada alta para
me fazer acordar dessa merda, porque é ridículo chorar por um fora.
É ridículo chorar porque estou me sentindo humilhado e diminuído,
ridículo chorar por perceber que ela é mesmo inalcançável e que
talvez eu seja fraco demais para uma mulher como ela. Eu queria
muito alcançá-la, muito. Deus! É a mulher que eu vi na TV e que
virou minha maior inspiração. Nunca quis ou achei que um dia teria
o mínimo de troca com ela, e simplesmente aconteceu... não foi
bonito.
Limpo meu rosto e continuo dirigindo para casa. Quando
chego vou direto para o banheiro. Deixo a água quente cair sobre
minha cabeça e tento lavar do meu corpo do toque e de todos os
resquícios dessa noite. No final do banho decido que irei tirá-la do
meu sistema definitivamente.
Mas...
Ela me liga o sábado inteiro e eu ignoro todas as chamadas.
No final da noite contabilizo 54 chamadas e mais de 30 mensagens.
Ela me liga o domingo inteiro, onde contabilizo 43 chamadas e 15
mensagens. Enquanto ela faz todas as ligações, eu perambulo pela
casa, fico com a minha mãe, leio livros, malho. Eu dou o melhor de
mim para que a frustração me deixe e não acontece. Quando a
segunda-feira chega, eu agradeço a Deus por ter bastante
ocupação para preencher a mente.
SEGUNDA-FEIRA
— Posso entrar? — pergunto, ao bater na porta da sala do
meu tio.
— Claro, meu filho — responde sorridente, e eu entro.
— Tio, tenho novidades. Fui aprovado para a vaga de
estágio no Fórum da Barra, e eu não posso perdê-la. O senhor
pediu que eu avisasse quando acontecer, por isso vim prontamente.
Acabei de receber o e-mail.
— Isso é muito bom, meu filho! — diz, me puxando para um
abraço. — Fico feliz que tenha conseguido a grande vaga. Eu disse
que conseguiria, precisa aprender a acreditar mais no seu potencial.
— Eu acredito — afirmo.
— Que tal se acomodar ali no sofá para conversarmos um
pouco? Acho que está precisando de uma boa conversa, não?
— Está tudo bem, tio. — Ele não acredita nem um pouco.
Eu sou um mal mentiroso. Percebo que não tem escapatória. Ele faz
um único sinal e eu me acomodo no sofá, sem chance de fuga.
— Quem é a garota?
— Não há garota alguma — respondo.
— Vamos lá, Nicolas, eu te vi crescer. Quer esconder de
mim? Algo está errado. O seu celular tocou o final de semana inteiro
e você ignorou todas as chamadas. Passou o final de semana todo
como um zumbi dentro de casa, inquieto e visivelmente magoado
com algo. Se abra comigo. Tenho experiência, talvez eu possa
ajudá-lo de alguma maneira.
— Não há uma garota. Há uma mulher de trinta e sete anos.
— Ele arqueia as sobrancelhas sério e então ri.
— Eu sempre soube que seria uma mulher mais experiente
que o pegaria pelas bolas. Sempre soube que seu coração seria
entregue a alguém com uma diferença grande de idade. É muito
maduro, Nico. As meninas novas não combinam com você, filho. —
Suspiro.
— Nem as novas, nem as maduras, pelo jeito. — Ele sorri e
se acomoda ao meu lado.
— Me conte quem é e o que aconteceu?
— Se eu contar o senhor provavelmente não irá acreditar. É
inacreditável até mesmo para mim — digo, sorrindo pela primeira
vez. — É fodidamente inacreditável.
— Eu gosto de histórias assim. Sou todos ouvidos.
— Dandara Farai.
— Dandara Farai? Hum, esse nome não é muito estranho.
Deixe-me tentar lembrar — comenta pensando. — Dandara Farai...
— A famosa juíza. — Ele me encara sério agora. Eu disse
que ele não iria acreditar.
— Você está dizendo que saiu com a Dandara juíza? A juíza
casca grossa?
— É isso. Em carne, osso e coração de gelo. Algumas
poucas vezes, o suficiente para eu me foder. Nada demais. — Ele
sorri.
— E era ela te ligando o final de semana inteiro?
— Sim, discutimos na madrugada de sexta para sábado.
Estou magoado com algumas coisas, tentando evitá-la — confesso.
— Ela é uma mulher extremamente difícil e complexa, tem um gênio
muito forte e parece gostar de se auto boicotar. Ela quer mostrar
que pode estar no controle e não abre mão disso por nada desse
mundo. Isso é tão irritante, frustrante, e ela é a mulher mais linda
que eu já vi na vida. Insuportável.
— É... — ele diz se divertindo. — É irritantemente linda?
— É. Eu a odeio, ela é frustrante, não sei lidar com toda a
bagagem. Ela parece que quer afastar todos dela. Tento entendê-la,
mas é difícil.
— Não vai mais atendê-la? — pergunta.
— Acho que não. Vou sair fodido demais dessa história. Me
tornei um grande admirador dela quando ainda era adolescente. A
mulher é como uma deusa suprema para mim, alguém que eu sou
fã, uma grande inspiração, e transei com ela, ela me deixou entrar
um pouco no seu mundo e... Puta merda, tio. Tenho muito mais que
uma queda por ela. Não deveria ter deixado as coisas irem longe,
porque agora estou fodido e sei que vou me foder muito mais se
ceder aos caprichos dela. A tenho como ídolo, talvez o certo seja
nunca mais atendê-la, apenas para conservar em minha memória a
imagem da mulher que é uma grande inspiração para mim. Não
quero a memória de que ela quebrou meu coração.
— Fale mais. Desabafe.
— Ela tem um filho e um ex-namorado. Ela o ama e, mesmo
assim, eu quis entrar na jogada. Porém, ela me confunde pra
caralho, porque a forma como ela me olha é diferente. Dandara me
olha como se me quisesse de verdade, então parece que surge uma
maldição que a faz mudar da água para o vinho. Num minuto ela
está me olhando como se eu fosse a cura para todas as suas
feridas, no outro ela está me olhando com indiferença e com o olhar
de superioridade. Transamos uma vez e depois a abracei, ela
retribui, me abraçou de volta, seu coração estava batendo tão forte
quanto o meu. Aí, do nada, ela saltou de cima de mim como se
tivesse levado um choque e falou um monte de coisas que me
desagradaram.
— Talvez ela esteja apenas assustada. Como você disse, a
diferença de idade é realmente grande, isso pode ser um pouco
assustador. Ela pode ter gostado o bastante e pode estar com medo
de continuar se envolvendo com você e ter um apego emocional.
Acho que precisam se sentar e conversar. Deveria atender a ligação
dela.
— Ela ama outro cara, tio. Eu vou me apaixonar por ela se
continuarmos saindo. Já estou fodido com poucos dias, imagina
como estarei em mais algumas semanas? E, também não tenho a
experiência sexual que ela tem e precisa, talvez eu não a satisfaça
e...
— E calma, Nico. Ficar pensando em contras não vai levá-lo
a lugar algum.
— Só estou um pouco perdido, ansioso, nervoso, frustrado.
Queria alcançá-la. Por que diabos eu tenho vinte e um anos?
— Vinte e dois na próxima semana. — Ele sorri. — Me diga
por que está ansioso?
— Não sei dizer — confesso. — Apenas estou ansioso.
— Ouça, filho: respire, coloque a cabeça no lugar. Você
disse que ela tem um ex-namorado e um filho. Quando saímos de
relacionamentos é difícil voltar a se entregar por completo, requer
paciência.
— O cara está praticamente casado.
— Talvez para ela seja muito difícil. Pode ser que tenha
saído muito machucada de tudo e por isso está relutante. É sempre
bom uma boa conversa para tentar compreender melhor o que se
passa.
— Estou magoado. Quero tirá-la do meu sistema — digo
suspirando profundamente. Magoado e frustrado. Ela fez com que
eu me sentisse insuficiente.
— Vai passar. Você é um rapaz incrível, com um coração
puro e generoso. Logo isso vai passar — fala, segurando minha
mão. — Te tenho como um filho, não fique com vergonha de vir até
mim conversar, desabafar. É muito fechado, não deveria ser. Isso
faz mal.
— Tentarei me abrir mais, tio. E irei esquecê-la.
— É a sua decisão final?
— Acho que sim. Acho que é o melhor para mim.
— O melhor para você sempre tem o meu apoio. Siga seus
instintos, você é bom nisso. — O abraço forte. — Te amo, filho.
— Também amo o senhor. Agora preciso ir. Tenho um pouco
de trabalho ainda e aula. — Dou um sorriso fraco. — Obrigado pelos
conselhos.
— Sempre que precisar. Sabe, pensando bem, talvez você
precise mesmo deixá-la. Há pessoas que só aprendem com
tratamento de choque. Há pessoas que precisam sofrer um susto
para conseguir enxergar a grandiosidade do que estão indo perder.
— Não creio que esteja à altura dela, mas entendo o que
quer dizer, tio. Obrigado.
— Você é superior à maioria das pessoas que conheço.
Lembre-se disso. — Balanço a cabeça positivamente e deixo sua
sala.

DANDARA
— Dandara, querida, a consulta está acontecendo há exatos
doze minutos e você está calada, com esses óculos gigantes em
seu rosto, parecendo estar em outro planeta. Pode me dizer o que
foi que você fez dessa vez?
— Sexo — digo.
— Ok. Sexo é bom, não é mesmo?
— Eu daria nota 6 para o sexo que fiz. 6 pela performance,
porque ele é realmente inexperiente e estava muito sensível a mim,
mas daria nota máxima para a intensidade. Daria zero para o pós-
sexo, onde arruinei tudo. É o que faço de melhor, minha
especialidade. Não consigo vislumbrar uma vida onde eu consiga
conduzir todas as coisas sem arruiná-las com tempo.
— O que fez e com quem fez?
— Nicolas, o novinho. O procurei, sugeri uma aproximação.
Estou confusa com tudo que ele desperta em mim, mesmo com a
pouca idade e pouco tempo. Ele preenche uma parte de mim que
está carente de algo verdadeiro. Ele preenche porque é de verdade,
entende? Ele não se esconde, não se intimida, não tem vergonha de
se mostrar. Preenche minhas mentiras com sua verdade, mas
então... eu amo Lucca, não é?
— Eu acho que você está caminhando para deixar de amá-
lo e está com medo da carência que a falta desse sentimento pode
trazer. Acho que se acostumou com o sentimento, Dandara. Se
acostumou tanto, que permitiu que esse sentimento se apossasse
de você, fizesse parte de quem é e dominasse sua vida. Imagine
como se estivesse segurando uma corda de apoio. O que
aconteceria se a soltasse?
— Cairia.
— É isso. Mas, nem sempre a queda vai te levar para o
abismo, minha querida. Imagina se você solta a corda e cai em uma
cama elástica que vai impulsioná-la a ir além? Não precisa ter medo
de soltar a corda. No seu caso, é mais que necessário soltá-la.
Precisa fazer isso para seguir em frente.
— Mas se eu soltar a corda, eu vou abrir mão da única
pessoa que eu já possuí na vida — digo, começando a chorar. —
Quem eu irei amar? Quem vai estar por mim?
— A corda que está segurando já perdeu a força, Dandara.
Lucca seguiu com a vida dele. Você não o possui mais, mesmo que
saibamos que sempre que precisar ele estará aí para você. Ele
estará, mas em outra perspectiva. Uma perspectiva que jamais vai
preencher o vazio que sente.
— O que eu faço com um garoto de vinte e um anos,
doutora? É errado, não é? Porque veja só, tenho trinta e sete anos,
um filho, não sou jovem. Minha tendência agora é apenas
envelhecer, enquanto Nicolas está no auge da juventude, cercado
por mulheres mais novas, menos complicadas, que não possuem
uma bagagem. Ele vai enjoar de mim. Sou interessante por ser uma
experiência nova para ela, mas logo deixarei de ser. Vou me apegar
a ele, porque ele é tão fácil de se apegar, doutora. A senhora não
faz ideia de como ele parece desnudar a minha alma e preencher
todas as lacunas, e isso com pouca convivência, imagine com
muita? — Retiro meus óculos, abaixo minha cabeça e deixo as
lágrimas rolarem. — E se eu não for o suficiente?
— Da mesma maneira que você vai envelhecer, ele também
irá. Ou você acha que ele terá vinte e um anos para sempre? Você
está cometendo o mesmo defeito que cometeu com Lucca.
— Qual deles?
— Tomar frente da situação sem permitir que a pessoa
tenha opinião própria. Você simplesmente decide as coisas da forma
como quer e ignora todo o restante. Foi por isso que perdeu Lucca,
e será por isso que vai perder Nicolas. — Rio entre lágrimas.
— Eu nem possuo Nicolas, então nada que eu disse faz o
menor sentido. Íamos começar a trepar e ele seria meu namorado
falso. E só.
— Só porque você quer se enganar e não quer assumir que
um homem mais jovem foi capaz de mexer com você. É difícil
encarar isso? Por quê? Por que te tira da zona de conforto? Ou por
que parece ser humilhante namorar com um garotão? Tente
encontrar essas respostas.
— Porque me tira da zona de conforto e porque tenho medo
de ser trocada por uma garota mais jovem. Tenho medo de ser
tempestiva demais para um homem que pode ser tão doce quanto é
possível. Tenho medo de me apegar a ele e... acabar. Não quero
mais sofrer por amor, porque é a pior sensação do mundo.
— E por isso vai deixar de correr riscos? Onde está a
Dandara desafiadora e filha de uma boa mãe? Aquela Dandara
maluca nem sempre está errada, sabia? Ela tem uma garra
admirável, atropela o mundo quando quer algo, não cede ao medo,
nunca, vai e busca o que quer. Vamos ser bem sinceras? Quem não
queria um jovem cheio de testosterona e fogo? Misericórdia, você
não faz ideia de quantas vezes eu já quis separar do meu marido só
para pegar um novinho cheio de gás. Não é todo dia que aparece
uma benção dessa na vida. Foda-se Lucca, Dandara.
— Você sabe que é uma psicóloga?
— Sei, mas foda-se isso também. Taque o foda-se e vai
pegar o novinho cheio de fogo. Medo? O medo rouba sonhos e
oportunidades. Tudo o que você quer e precisa estar do outro lado
do medo. Pense nisso. Talvez ele seja o cara que vai amar o seu
desarrumado. — Ela me dá uma ideia e eu nem penso. Essa
psicóloga não é normal, eu acho que ela pode vir a ser mais louca
que eu. Apenas coloco meus óculos, pego minha bolsa e, mais uma
vez, para variar, saio do consultório como um tornado.
Eu me pego indo ao fórum e volto a sentir o poder quando
vejo que ainda sou respeitada aqui. Pessoas se levantam e me
cumprimentam discretamente enquanto caminho apressada.
— Meritíssima, é uma honra tê-la de volta — uma
funcionária que não me lembro o nome diz simpática.
— Obrigada, por favor, preciso do doutor Mauro. Ele ainda
está por aqui?
— Sim, senhora. Na mesma sala — informa, e eu caminho
decidida.
Doutor Mauro é um advogado especializado em arbitragem,
mas isso não tem absolutamente nada a ver com o meu caso. Estou
indo até ele porque ele tem bons contatos e sempre consegue os
melhores investigadores.
Nicolas não atende minhas ligações por meio convencional.
Eu vou encontrá-lo por meios não convencionais.
— Doutor Mauro.
— Uau! Meritíssima! É uma enorme honra!
— Muito bom revê-lo, mas vamos deixar para conversar
depois. Preciso que encontre uma pessoa, para ontem.
Doutora Rovena vai apoiar essa loucura? Alguém deveria
me impedir. Vamos à busca ao meu modo. Tropa de Elite é fichinha
para mim!
DANDARA
— Alguma novidade? — pergunto, tamborilando meus
dedos na mesa.
— Só tem três minutos que ele começou a fazer buscas,
meritíssima — doutor Mauro diz para a minha irritação.
— Há algo aqui — o investigador comenta. — Ele está para
ser aceito para a melhor vaga de estágio aqui no fórum. — Há ele e
um outro garoto disputando a vaga. Pelo que parece o histórico dele
é excelente.
— Imprima o perfil dele e o perfil do outro concorrente, por
favor. Vou retomar os trabalhos a partir de segunda-feira, tenho
certeza de que minha opinião irá contribuir para a escolha.
— Não é justo se a senhora tem algum envolvimento de
qualquer espécie que seja com o garoto — o investigador diz, e o
encaro com um semblante não muito bom.
— Serei justa em minha análise. Vamos, imprima e me dê.
— Duas folhas saem pela impressora e eu me levanto para pegá-
las. Comparo o perfil dos dois, notas, pretensões, área em que
querem atuar, tudo descrito detalhadamente nas folhas. O perfil do
outro garoto é bom, mas o do Nico... é perfeito e pode ser
comprovado por outras pessoas. — Verifique, doutor Mauro, diga-
me qual dos dois merece mais preencher essa vaga. Eu voto em
Nicolas porque, conforme descrito aí, o propósito dele é se tornar
um juiz. Sinto que posso ser mentora dele nisso.
— Mas, meritíssima, desculpe-me ser um pouco invasivo, a
senhora sempre detestou estagiários. Como dizia mesmo? "Não
tenho paciência para iniciantes".
— Sim, doutor Mauro, o senhor está correto. Mas, coisas
aconteceram em minha vida nos três últimos anos e percebi que
preciso de uma mudança comportamental. É por isso que estou
disposta a mentorar estagiários a partir de agora.
— Seu retorno estava anunciado para daqui um mês —
argumenta.
— Me sinto pronta para retornar na próxima semana e, com
todo respeito, doutor Mauro, as minhas decisões não são da sua
maldita conta. — Sorrio. — Agora, por gentileza, analise os perfis e
me diga se estou errada em relação ao aluno Nicolas.
— Ao aluno que está investigando. — Ele sorri. — Não,
meritíssima, a senhora não está errada.
— É o que é. Por isso irei no setor responsável dar minha
simbólica opinião. Agora já tenho o perfil acadêmico dele, sei a
universidade que estuda e o endereço onde ele reside. Acho que
tenho tudo o que preciso. Agradeço a ajuda dos dois e peço sigilo.
Não quero que tenhamos problemas futuros. — Pego minha bolsa,
pego a folha da mão de Mauro e dou um sorriso. — Obrigada pela
ajuda.
Ainda consigo ouvir doutor Mauro dizer:
— As portas do inferno se abrirão na próxima semana. Ela
está voltando.
Eu deveria voltar e brigar, mas, ao contrário disso, apenas
sorrio. Ele está com a razão.
Quando chego em casa, jogo meus sapatos longe, prendo
meus cabelos, pego meu notebook e vou em busca de todas as
informações sobre a faculdade de Nicolas. Pelo Google Maps, vejo
todas as imagens da rua e começo a rir ao perceber que estou
agindo como uma perseguidora.
Suspiro, bebo um pouco de água e tento novamente fazer
as coisas da maneira convencional. A cada ligação que Nicolas
ignora, meu nível de irritação aumenta. Me pego jogando o copo na
parede e chorando como uma criança pirracenta.
Estou com ódio de tudo agora e não sei lidar comigo
mesma. Não há nada pior que angústia de se sentir impotente. John
Lennon uma vez disse a seguinte frase: "A insegurança e a
frustração levam o homem à violência e à guerra". E é exatamente
essa a minha vontade, de simplesmente me armar de coragem e ir
guerrear. Não é possível que um garoto dezesseis anos mais jovem
está virando meu mundo do avesso. Ok, não é como se a minha
vida tivesse toda ajustada, mas parece apenas que desde que
Nicolas surgiu o que estava um caos, piorou, ganhou maior
proporção.
Estou tão cansada de me sentir assim. Cansada de saber
que eu sou a principal responsável por todo o caos. E é por isso que
preciso resolver. Preciso tentar consertar ao menos o que está ao
meu alcance.
Decido tomar banho e, assim que termino, visto uma roupa
qualquer e ignoro meu estômago protestando em fome. Desprovida
de vaidade e orgulho, vestida de uma maneira que jamais saí de
casa, me pego entrando no carro e indo até a faculdade. Acho que
nunca saí de calça de moletom e tênis, nunca saí com os cabelos
presos em um coque muito malfeito e bagunçado.
Passo em frente a faculdade e vejo centenas de carros
estacionados, por sorte encontro uma vaga bem próxima à entrada
e estaciono. Daqui visualizo a BMW de Nico e fico atenta. Isso é tão
ridículo que beira ao absurdo. Não sei nem dizer quanto tempo fico
trancada no carro até que os alunos começam a sair no final da
aula.
Nicolas no mínimo é daqueles quase nerds, porque é um
dos últimos a sair. A questão é que ele não está sozinho. Há uma
mulher morena ao lado dele, sorrindo amplamente. Isso me faz
apertar o volante.
Ele abre a porta do carro para ela entrar e dá a volta. Eu ligo
meu carro e decido segui-los, porque mente vazia é oficina do
diabo. Nunca fiz nada desse porte, nem estou na idade de agir
como uma louca. Mas eu faço, mesmo com a razão gritando
milhões de palavras desagradáveis em minha mente.
A velocidade que ele está dirigindo é quase irritante. Está a
70km/h e isso está quase me dando sono. O trajeto é curto. Ele para
diante de um condomínio, deixa o pisca alerta ligado e desce para
abrir a porta para a mulher.
— Desgraçado! Babaca! Como ele pode abrir a porta
assim? — falo sozinha, e o vejo dando dois beijos nela, um em cada
bochecha. A "princesa" fica o observando partir, ostentando um
sorriso. Enquanto é isso eu grito internamente e volto a seguir o
engraçadinho. Ele agora dirige mais rápido e eu vou acelerando
atrás. Acho estranho quando ele vai para um caminho deserto, pela
orla. Ele está indo sentido Grumari, no auge da escuridão. Só há
nós dois nessa estrada, é meio assustador. Estou tensa o bastante
para gritar quando ele freia de repente, me pegando de surpresa. Eu
não consigo frear a tempo e meu carro se choca na traseira dele
com uma certa violência que faz minha testa bater no volante. — Oh
meu Deus! Agora fodeu muito!!! — digo, e ouço batidas na janela.
Preciso encarar um ser humano que está com cara de assassino
agora. Aperto o botão e o vidro desce. — Olá!
— VOCÊ É MALUCA??? — Seu grito ecoa pela estrada
deserta. — Eu juro que não te entendo, Dandara, juro! — diz,
chutando o pneu do carro. — Tem ideia do que fez??? Estava
divertido testar sua coragem, mas me seguir por uma estrada
deserta, correndo risco de ser assaltada? Deixou de ser divertido.
— Há uma arma no meu carro.
— Por que está me seguindo? Você bateu em meu carro e
sua testa está sangrando. Tem ideia da merda que está fazendo?
— Eu preciso falar com você e você simplesmente rejeita
todas as ligações, ignora todas as mensagens — digo, e ele suspira
demonstrando uma tremenda insatisfação.
— Já pensou que não quero falar com você? — Lágrimas
queimam em meus olhos, mas me recuso a chorar. Não vou chorar
nem fodendo! — Se é sobre a festa do seu filho, eu irei. Não precisa
se preocupar, vou cumprir o que prometi. Basta me passar o horário
e local, ou talvez seja interessante chegarmos juntos. Sei que todos
nos viram juntos e que agora não faz sentido você surgir com outro
homem. Irei ajudá-la.
— Não precisa me ajudar. Irei sozinha ou inventarei uma
doença qualquer. Não é sobre a festa do meu filho.
— É capaz de não aparecer na festa do seu próprio filho? —
pergunta.
— Sim. Sou capaz. Não ir em uma festa onde só há um lado
da família do meu filho não significa que eu não o ame e seja capaz
de qualquer coisa por ele. Tenho certeza que ele quer ver a mãe
feliz e ir nessa festa talvez não me deixe feliz. Eu posso comemorar
sozinha com ele, como fizemos nos dois primeiros anos.
— O que quer comigo então?
— Vamos conversar numa estrada deserta? — questiono,
sentindo um pouco de sangue escorrer pelo meu rosto. Abro o porta
luvas em busca de algo para limpar, mas não há nada. — Teria algo
para limpar meu rosto?
— Você é impressionante! — diz, tirando a blusa. Ele se
aproxima mais da janela e pressiona o tecido em minha testa.
— Podemos conversar?
— Você não vai me dar sossego, não é mesmo?
— Não — confirmo, e ele solta um som abafado.
— Você destruiu a frente do seu carro e a traseira do meu.
— Pagarei pelos danos. — Ele fica me encarando um longo
tempo e se afasta, deixando a blusa cair. A pego e volto a
pressioná-la em minha testa.
Nem vejo ele dando a volta e entrando no meu carro, se
acomodando no banco do carona.
— O que quer tanto conversar comigo? Foram mais de 200
ligações — pergunta, e eu me viro de lado, para olhá-lo. — Espero
mesmo que tenha uma arma.
— Tenho. Você está seguro.
— Não sei não. Acho que estaria mais seguro na mira de
um bandido. — Quase rio dessa piadinha, mas não há muita graça.
— Me desculpe. Eu não queria ter dito todas aquelas coisas,
não queria ter sido tão rude e grosseira.
— Não queria? Então por que fez? Não existe essa de "não
queria", Dandara. Só fazemos o que queremos. E, naquele
momento, você fez exatamente o que quis. Eu entenderia melhor se
não tivéssemos tido uma conversa tão legal horas antes, que
inclusive foi proposta por você. Mas, tivemos uma boa conversa,
pontuamos muitas coisas, estávamos meio que conectados. Confiei
em você, em suas palavras. Foi um grande erro, porque fui
descartado como se fosse insignificante e acreditei em todas as
suas palavras.
— Não é insignificante e nem o que tivemos foi
insignificante.
— Não foi o que pareceu.
— Eu só me assustei. Talvez seja difícil para você
compreender toda a complexidade que se passa na minha mente,
mas o fato de ser bem mais jovem e ter me tocado de uma maneira
marcante me assustou. — E assim começo a desabafar como se
estivesse em um divã.
— Você me disse ter sofrido preconceitos na infância e
adolescência. Acho que deveria ter aprendido que preconceito é
algo que não deveria possuir. Você provou disso e sabe melhor que
muitas pessoas os danos que isso causa — argumenta. — Está
sendo preconceituosa em relação a nossa diferença de idade.
— Talvez. Mas, não é apenas isso. Não é apenas
preconceito, é insegurança. Eu estraguei tudo na minha vida, perdi e
magoei pessoas importantes, vivi uma grande mentira por tantos
anos e controlava tudo; ou ao menos achava que controlava. Sofrer
perdas me fez enxergar que eu não estou e nunca estive no controle
da minha própria vida. Isso é algo que estou aprendendo, estou
tendo que conviver e superar. Eu ainda tenho a péssima mania de
querer controlar tudo ao meu modo, porque na minha mente o
controle me traz segurança. Mas, que patético, eu não estou segura
de nada e nem mesmo blindada contra novos sentimentos. Achei
que te mandando embora, que apontando um lugar para você,
estaria no controle dessa coisa entre nós. Mas não há como
controlar e como conter o que é inevitável. Nessa de tentar
controlar, eu me descontrolei e magoei você. Sinto muito, Nico.
Sinto muito, de verdade. Estou assustada e com medo.
— Medo de quê?
— De tudo, principalmente de não ser o suficiente. — Eu
acho que nunca fui tão sincera em toda a minha vida. Há algo sobre
ele que me faz sentir confortável o bastante para me abrir.
— Você nunca será suficiente, Dandara. Nunca. Para mim
ou para qualquer outra pessoa. Está alguns degraus acima do que é
suficiente — diz, limpando minhas lágrimas. — Está passando por
uma fase difícil, por uma transição, muitas mudanças estão
acontecendo em sua vida, não é? Está com medo das mudanças,
porque elas são diferentes de tudo que estava acostumada. O novo
assusta pra caralho, eu sei bem disso. Essa insegurança não
combina com você. E, também, não me parece possuir o perfil de
quem não gosta de se arriscar. Estou enganado?
— Não. Na verdade, sempre fui aventureira o bastante,
tanto que não deu certo — digo com pesar. — Eu cansei de me
arriscar, Nico. Não quero mais correr riscos. Todas as minhas
aventuras tiveram um final trágico, e eu quero proteção, segurança.
— Eu sempre preferi proteção e segurança, mas não tenho
medo de me arriscar. Acho desafiador e um ato de coragem correr
riscos.
— É admirável. Eu também pensava assim tempos atrás.
Ainda é jovem e há tantas experiências pela frente, tantas
oportunidades para se arriscar. — Ele dá um sorriso fraco. — Não
quer novas experiências?
— Ainda quer que eu a ajude com a operação aniversário?
— questiona desconversando.
— Aquela noite mexeu comigo de uma maneira inesperada.
Me assustei, tive medo de permitir que ficasse. Porém, nunca quis
colocar um ponto final. Na verdade, quis muito mais, mas não soube
usar as palavras e deixei todos os receios levarem a melhor. Me
assustei com tudo o que me fez sentir, com a sua entrega, com sua
confiança, sua verdade e como todas essas coisas unidas
despertaram algo diferente em mim. Não queria afastá-lo por
completo, preciso que acredite em mim. Só queria me manter numa
situação em que estava no controle, onde estava protegendo meus
sentimentos, mantendo-os seguros. Então surgiu todas as
inseguranças por ser mais velha, por achar que um envolvimento
com você anularia sua vida, porque não sou uma mulher de meios
termos, e não acho que deva desperdiçar o auge da sua juventude...
— Pare! — Ele me impede de prosseguir. — Eu entendi bem
até a parte sobre proteger os seus sentimentos. É compreensível,
aliás. Só que depois daí, quando você começa com o lance de
querer dizer o que é certo para a minha vida, você perde toda a
razão. Gostaria de ter pessoas tomando decisões por você?
— Não, de forma alguma.
— Eu odeio que tomem decisões por mim e não vou permitir
que você faça isso. Não tem esse direito, não pode decidir o que é
melhor para as demais pessoas, apenas para si mesma. O que você
acha que tenho que fazer é muito diferente do que o que eu quero
fazer. Não vá por esse caminho. Eu quis você, quis o sexo, quis
mais que o sexo, e não há nada sobre juventude envolvido nisso. A
diferença de idade deixou de fazer parte naquele momento e nem
mesmo deveria ser um problema. O futuro não pode ser conduzido
e decidido de acordo com o que você acha certo.
— Entendo isso agora. Inclusive conversei sobre com a
minha terapeuta. É um erro que preciso corrigir e é por isso que
estou aqui. Pode me perdoar? — Ele suspira profundamente e
desvia o olhar do meu.
— Posso perdoá-la, mas não posso me envolver com você
mais. Não sei impedir que os sentimentos cresçam, não sei
transformar momentos incríveis em detalhes insignificantes, não sei
não me apaixonar por você, não sei não me envolver com você, não
quero sofrer ou ser vítima de ter um coração partido. Se
continuarmos, eu vou me apaixonar, já estou me apaixonando com
pouca convivência. Eu posso ser seu amigo, posso ser o garoto que
queria contratar para levar à festa, posso ser sua mentira. Mas, se
seguirmos transando, tendo mais intimidade do que deveríamos, eu
vou querer ser a sua verdade. Você não se está preparada para me
dar isso.
Engulo a seco e deito minha cabeça no banco,
completamente perdida. Ele é um garoto diferenciado, há nele
valores que poucos homens possuem. Ele não banaliza o sexo, tão
pouco um envolvimento que poderia ser casual. Leva tudo muito à
sério e não tem medo de sentir, de mergulhar de cabeça.
— Vá para casa, vossa excelência! — fala, pegando minha
mão e depositando um beijo sobre ela. — Não deixe de ir ao
aniversário do seu filho por medo. Irei com você, serei o que precisa
que eu seja.
— Seja o meu...
— Seja o seu? — pergunta, e eu não consigo completar a
frase. Não consigo. Estou no auge da confusão interna. — Ok. Vá
para casa. Irei segui-la até sair da zona de perigo — informa,
abrindo a porta e descendo.
— Sua camisa.
— Fique. Ainda há um pouco de sangue. Me ligue se ainda
precisa da minha ajuda, ok? — Ele se vai e eu não tenho alternativa
senão ir também.
Conduzo lentamente, com os olhos nublados em lágrimas.
Nem mesmo quis ver o estrago do meu carro ou do carro dele,
amanhã cuidarei disso. Me sinto tão confusa e perdida, me pego
parando diante de um lugar que eu não deveria ir.
Minha entrada é liberada e eu subo de elevador até a
cobertura. Lucca me recebe com cara de quem estava dormindo e
eu, portando a camisa de Nicolas na mão, simplesmente o abraço,
liberando o choro.
— O que houve? Se acalme. Está machucada. O que
aconteceu? — pergunta, sustentando meu corpo e me carregando
até o sofá.
— Estou com medo. Ninguém mais no mundo conseguiria
me entender, só você. É por isso que estou aqui, me desculpe por
isso também. Eu faço tudo errado, mas só você vai me entender.
— Medo de quê? Eu vou ajudá-la, apenas pare de chorar.
Está segura. Vou protegê-la. Alguém está te perseguindo?
— Estou com medo de deixar de te amar.
DANDARA
Posso sentir Lucca travando uma guerra com as palavras
que acabei de dizer, mas sei que ele é sábio e que saberá me
compreender.
— Me explique isso melhor. Não estou conseguindo
entender bem. Quer um pouco de água? — indaga preocupado.
— Sim, por favor. — Ele vai buscar um pouco de água e eu
a bebo rapidamente, assustada com o próprio tremor do meu corpo.
Por que estou me sentindo assim?
— Como machucou a testa? — questiona com a testa
franzida, me observando atenciosamente.
— Bati com força no carro de Nicolas.
— Nicolas? Seu namorado? — Eu quase rio disso. Nicolas
meu namorado... Nicolas é mais uma das minhas mentiras e eu
simplesmente cansei de mentir, mas preciso esperar o momento
ideal para revelar a verdade.
— Sim.
— Ele fez mal a você? O que está havendo? Preciso ir socá-
lo? — Como Lucca consegue ser assim? Mesmo com todas as
merdas que fiz, ele permanece com as mãos estendidas para mim.
Eu jamais conseguiria ser tão generosa como ele.
— Não. Ele não fez mal algum a mim, muito pelo contrário.
Fiz mal a ele. — Vejo algum tipo de emoção passar pelo seu rosto, e
compreendo. — Para variar, não é mesmo?
— Eu não ia dizer nada — diz, levantando as minhas mãos.
Um sorriso fraco cresce em meu rosto.
— É, você é um cavalheiro.
— Me conte o que está havendo — pede, e eu decido me
abrir por completo. Preciso dessa conversa, muito.
— Estou com medo de deixar de te amar — repito,
encarando-o fixamente.
— Por quê?
— Porque sinto que não me restará nada. Se esse
sentimento se for, o que vai restar?
— Você pode transformar esse amor em um outro tipo de
amor. — Eu adoro sua compreensão e sua capacidade de me
entender. — Dandara, posso ser bastante sincero com você? Não
quero que se sinta mal, então, se não quer minha sinceridade basta
dizer e eu me manterei calado.
— Por favor, diga.
— Você não me ama. Eu amei você, mas não recebi esse
amor de volta. Não estou diminuindo seus sentimentos, nem nada
do tipo, mas eu amei por nós dois, muito. Eu sofri como um
desgraçado durante dois anos, corri atrás de encontrá-la,
investiguei, eu te procurei como um dependente. Foi muito difícil
para mim viver sem você, muito. Para você foi fácil. — Eu o amei
muito, e sei que ele nunca irá acreditar, mas eu o amei e talvez
ainda o ame. Não sei. Há tanta confusão em mim.
— Não foi fácil.
— Foi fácil — afirma. — Acho que você sentiu a culpa por
ter ido, sentiu solidão, e sofreu porque eu tentava suprir toda essa
sua carência, eu preenchia os espaços vazios, te dava todo o meu
amor. Se você me amasse, não suportaria a distância por tanto
tempo, não suportaria, Dandara. Eu não suportei, quis morrer só
para parar de doer. — É tão ruim ouvi-lo dizer o quanto sofreu por
mim, faz meu coração ficar apertado. — Eu vivi dois anos de bebida
e sexo para tentar fazer parar de doer. Você estava bem com o
nosso filho, o protegendo. Poderia ter escolhido me proteger
também, sabe disso. Sabe que eu teria deixado tudo e teria lutado
junto com você. Se você me amasse nós estaríamos juntos hoje. O
que acontece com você, na minha humilde opinião, é que talvez eu
tenha sido o único cara que te deu toda a verdade, que se entregou,
que quis te dar o mundo. E é por isso que você acha que me ama.
Você sente falta do que eu te dava, mas não necessariamente me
ama. Está apenas carente. Acredito que tenha sim gostado de mim,
muito, mas não acredito que tenha me amado. — Quero argumentar
e dizer tudo sobre os meus sentimentos, mas isso nos levaria para
uma outra conversa; uma que tornaria as coisas mais complicadas.
Quero evitar de ficar dizendo que o amo, quero evitar os velhos
costumes.
— E como conseguiu superar? — pergunto. — Dizem que o
amor só se vive uma vez.
— Dizem um monte de coisas que não fazem o menor
sentido. — É verdade, até balanço minha cabeça em concordância.
Há tantas coisas que as pessoas levam a ferro e fogo que não
fazem o menor sentido. Acredito que podemos amar novamente, se
estivermos dispostos, é claro. — Encontrei Paula num saguão de
hotel em Las Vegas. Já estava caminhando para te tirar do sistema,
a única coisa que sentia era uma mágoa tremenda, mas não te
amava mais. O amor que eu sentia foi sofrendo mudanças, foi se
acabando com o tempo, mas a mágoa nunca mudou. Então conheci
a Paula de uma maneira muito inusitada e ela me cativou. Eu entrei
de cabeça, sem medo de ter meu coração despedaço mais uma
vez. Me abri, permiti que ela entrasse, mergulhei de cabeça e a
amo. A amo porque me permiti amar novamente, a amo porque eu
quis amar, a amo muito e ela retribui. A reciprocidade faz o
sentimento fortalecer a cada dia, Dandara. Sem reciprocidade, tudo
acaba.
— Ela é uma mulher incrível, não é mesmo?
— Ela é. — Ele sorri. — Mas você também é, e talvez seja
isso que esteja faltando em sua vida. Enxergar que é uma mulher
incrível e se abrir à possibilidade de um novo amor, sem medo. Você
não tem medo de deixar de me amar, você tem medo de se
desprender de algo que supria sua carência. Você não me ama de
verdade, você se apegou a essa crença porque ela te mantém
segurando em algo, entende? Você deve pensar que se libertar
disso vai deixá-la vazia, mas não vai. Vai apenas deixá-la livre para
se aventurar novamente. Eu só consegui quando soltei o nó que me
prendia a você. É o que precisa fazer também. Nos conhecemos
numa fase em que estava vulnerável, mergulhada no sofrimento, fui
a sua luz naquele momento e você se apegou a isso.
— Nicolas tem vinte e um anos. — Mais uma vez vejo a
surpresa em seu rosto.
— É esse o problema?
— Também — confesso. — Eu tenho trinta e sete, Lucca.
Ele tem uma vida inteira pela frente, e é um homem incrível. Sou
carente.
— Eu sei. Mas, o que Nicolas quer? Já perguntou isso a
ele? Sua opinião não deve ser a única a ser levada em conta. Tem
essa mania péssima de tomar decisões sozinha. Precisa aprender a
levar em consideração a opinião das demais pessoas. Já conversou
com ele?
— Nossa situação não é o que parece ser. — Doutora
Rovena amaria Lucca, merda. — E eu não sou capaz de te contar,
porque é algo absurdo e tem ligação com você.
— Não vou achar ridículo — afirma, me passando
segurança para seguir com a conversa. É o momento ideal para
revelar o que fiz. — Principalmente vindo da mestra da
impulsividade. Pode me dizer. Quero ser seu amigo.
— Eu... quis contratá-lo para ser meu acompanhante no
aniversário de Samuel. — Agora ele está verdadeiramente chocado
e, por algum motivo, eu quero rir.
— Uow!
— Eu não queria ir sozinha. Há você e Barbie, toda a sua
família. Como eu ficaria naquela situação? É algo difícil para mim,
por isso entrei em um site de sugar mommy, como Victor fez.
— Meu Deus! É real?
— É. Mas, ele não aceitou ser contratado. Ele não estava no
site para ganhar dinheiro, e sim para se aventurar com uma mulher
mais velha. Ele é maduro o bastante, mais que você se quer saber.
— Não é difícil ser mais maduro que eu — diz rindo, mas eu
sei que ele é maduro, por mais que leve a vida com a leveza de uma
criança. Quando Lucca precisa ser maduro, chega a dar medo. —
Eu levo a vida como um adolescente, sou maduro apenas quando é
extremamente necessário.
— É, como seu pai. — Sorrio constatando um fato. Lucca é
Matheus, por completo. Se parecem até fisicamente. — Vocês são
idênticos.
— É o que dizem.
— Então, nós saímos, mas... eu não esperava química
alguma. Só queria mesmo contratá-lo para fingir ser meu namorado.
Surpreendentemente, contrariando todas as leis, o garoto prometeu
que desgraçaria minha vida com um sorriso e virou um tormento.
— Aooo... hein? — Aooo, que saudade de ouvir isso. Quase
me pego rindo. — O que fará meritíssima digníssima
maravilhosíssima? Está me dizendo que o novinho te laçou?
— Não. — Definitivamente Nicolas não me laçou!
— Sim.
— Não estou. — Não estou o quê? Nem sei o que estou
falando mais.
— É por isso que está chorando e vivendo esse martírio. É
incapaz de dar o braço torcer. — A repreensão vem forte. — Pare
de ser assim. Não há vergonha em se entregar e assumir. Quanto
quer o garoto? — Talvez eu nem queira e seja apenas fogo.
Aquele sorriso.
É um sorriso digno mesmo.
E aquele corpo?
Nicolas é quente.
A inexperiência dele me deixa louca de tesão.
Talvez eu o queira. É isso. Quero. Nu de preferência. Quero
muito Nicolas nu. Ou apenas sorrindo. Nicolas sorrindo é uma
imagem a ser gravada na mente. Eu o manteria em cárcere privado,
com certeza. Seria professora com muito prazer, mesmo não tenho
paciência para principiantes. Ensinaria ele o Kama Sutra e tudo que
gosto na cama.
Que perdida, Dandara!
— Quero.
— Quanto.
— Eu o quero, isso basta. — Lucca agora está rindo e eu o
acompanho. Não posso acreditar que estou tendo uma conversa
desse porte com o meu ex.
— Pobrezinho. Tão jovem... — brinca, e eu paro de rir. —
Talvez eu deva conhecê-lo e dar uns conselhos.
— Não há graça, Lucca — repreendo, mas quero rir junto.
Estou lembrando da avó de Lucca neste momento. Queria ser igual
a ela. Vida louca. Acho que estou no caminho, mas minha loucura é
diferenciada.
— Há sim. — Ele sorri. — Não cometa os mesmos erros que
cometeu comigo. Tente ouvi-lo, pergunte, leve a opinião dele em
consideração. Se houver reciprocidade, mergulhe de cabeça. Se
não houver, você é linda pra caralho e tudo o que mais existe são
homens torcendo por uma chance. Ainda é jovem e há toda uma
vida pela frente. Faça diferente dessa vez.
— Ele não quer mais.
— Quer sim. — Como ele pode afirmar? Diabo! — Talvez
ele esteja assustado, como você também está. Um garoto de vinte e
um anos encontra um mulherão como você, como acha que ele se
sente, Dandara? Já parou para pensar nisso? Eu era mais velho
que ele e fiquei perdido quando te conheci. — E o perdi porque sou
idiota. — Pense nisso. Ele deve estar receoso, principalmente
porque sabe que tudo começou por conta de uma espécie de
contrato que tem relação direta com o seu ex. Na mente dele, você
me ama.
— Talvez seja porque eu disse a ele que te amo, no primeiro
encontro.
— Às vezes, ocasionalmente, em algumas situações, eu
sinto vontade de sacudi-la — diz, passando as mãos pelo rosto. Eu
quero rir mais uma vez. — Ok, Dandara, rainha da merda, converse
com ele de coração aberto. Pare de se boicotar e transforme seu
amor por mim em um amor de amigos. Ficarei feliz por receber esse
sentimento. Eu amo a Paula, espero que você encontre um amor
também. — Percebo que o amo muito de uma outra maneira
também. Eu amo o ser humano com o coração gigante que ele é.
Sempre irei amá-lo, de um jeito ou de outro.
— Eu te amo por me ouvir e por ser meu porto seguro
mesmo quando não estamos juntos. — Ele fica estranho, de
repente. Não sei interpretar o que se passa, por isso resolvo
encerrar a conversa. Ele está... estranho agora. — Vou deixá-lo
descansar. Amanhã posso pegar nosso filho?
— Claro. Quer ver como ele está agora? — oferece, e
segura minha mão. Meus olhos se enchem de lágrimas, de gratidão
e pesar.
— Uma tropa! — exclamo, tentando desviar meu foco da
dor.
— De elite.
— Obrigada por fazê-lo feliz, Lucca — agradeço, apertando
sua mão. Ver meu filho cercado pelos priminhos é extremamente
gratificante. É como deveria ter sido desde o início.
— Obrigado por me dar o melhor filho e tê-lo educado tão
bem. Você é incrível, meritíssima. — Ele beija o topo da minha
cabeça e é preciso uma luta grandiosa para eu não chorar.
— Obrigada por me receber. — Emocionado também, ele
me conduz até a porta. — Obrigada mesmo, irei deixar de te amar.
— O abraço e parece que essa é a real despedida entre nós. É o
encerramento definitivo de um ciclo. É então que a porta do
elevador se abre revelando a Barbie, e ela parece odiar o que vê,
tanto que me afasto rapidamente. — Ok, obrigada mais uma vez —
digo a Lucca, e decido cumprimentá-la. — Oi.
— Oi. — Ela está puta e eu nem sei o que fazer agora.
Talvez Lucca saiba conduzir melhor do que eu.
— Bom, vou deixá-los. Amanhã pego Samuel, Lucca.
— Tudo bem. — Entro no elevador e jogo minha cabeça no
vidro, levando a merda da camisa de Nicolas até o meu pescoço e
sentindo uma dor tremenda por ter batido a testa.
Merda!

NICOLAS MAGALHÃES
Estou focado em uma planilha da empresa quando meu
celular toca e o nome de Dandara surge. Um sorriso brota no meu
rosto e logo o espanto porque essa mulher é diabólica. Atendo antes
que ela coloque as forças armadas atrás de mim.
— Quem interrompe meu trabalho? — pergunto.
— Se você está dizendo isso para que eu me sinta culpada
pela interrupção, definitivamente perdeu seu tempo — diz, e aperto
a caneta em minha mão. — Há duas questões que preciso falar com
você, Nicolas.
— Vou verificar em minha agenda se posso abrir mão de
alguns minutos de trabalho para ouvi-la. — Fico alguns segundos
calado enquanto a ouço fazer um som de frustração. — Ok, tenho
exatamente oito minutos — minto.
— Preciso da localização do seu carro para levá-lo para
uma oficina autorizada da BMW.
— Não se preocupe com isso. Meu carro já foi para a
oficina.
— Então eu preciso que me passe o custo. Faço questão de
pagar — pede toda séria.
— Já resolvi isso.
— Eu vou no inferno e vou descobrir essa merda, é bom que
aceite por bem.
— Vá até o inferno. Se descobrir, eu permito que pague. —
Ela soca algo e eu sorrio.
— Você é irritante.
— Os minutos estão acabando, vossa excelência.
— Você disse que vai seguir com o plano inicial. Samuel
está comigo. Quero que o conheça e que possam criar algum tipo
de familiaridade até o dia do aniversário. Quer jantar conosco?
Precisamos passar realidade à nossa relação. Já imaginou se
descobrem que é tudo uma farsa? — Eu já vi tudo. Sou alucinado
por crianças, vou me apaixonar pelo garoto, o garoto vai gostar de
mim e isso vai dar uma merda absurda quando a mentira acabar.
Preciso fazer isso com o mínimo de responsabilidade, ou ficarei na
merda pela culpa.
— Com uma condição.
— Qual?
— Quando toda essa mentira acabar, se o garoto gostar ou
se apegar a mim, preciso que prometa que vai deixá-lo me ver
ocasionalmente. Não quero ser responsável por causar mágoa em
uma criança.
— Prometo. Não quero causar mágoa em meu filho, de
forma alguma — afirma.
— Ok, sairei mais cedo da faculdade e irei para a sua casa.
De acordo?
— De acordo. Obrigada.
— Por nada.
— Somos namorados? — pergunto.
— Sim, é o que direi ao meu filho e o que todos sabem. —
Ela parece nervosa. — Somos namorados de verdade.
— De verdade na mentira?
— É. — Sorrio.
— Ok, Dandara. Nos vemos. — Encerro a ligação e giro a
cadeira para observar o mar.
Ok, Dandara.

Não fui à faculdade. Ao invés disso, fui ao shopping comprar


um presente para meu enteado fake. Acho que essa é a maior
loucura que já fiz em minha vida. São oito e meia da noite quando
estaciono minha moto diante da casa de Dandara.
Quando a porta se abre, percebo que ela está jogando. Eu
me sinto como um peão em meio a um jogo de xadrez. Ela sabe que
é linda, sabe que é poderosa, e usa isso. Disse a ela que meu
sorriso desgraçaria sua vida, mas quando ela sorri, percebo que é a
minha vida que será devidamente fodida se eu não tomar cuidado.
Essa mulher tem um rosto que é algo surpreendente. É linda em
grandes proporções e essa boca... É difícil não querer beijá-la. O
fato de termos transado apenas complica ainda mais a minha
situação.
Dandara está com um vestido branco, daqueles que é preso
apenas por um nó na lateral com babados no seu decote, e puta
que pariu! Que mulher gostosa! Tem uma criança ali dentro e estou
ganhando de brinde da vida uma ereção.
Me aproximo e a puxo para um abraço.
— Olá, namorada. — Sorrio e a maldita vem quente me
beijar. — Ops. Nada disso, vossa excelência. Não precisamos
mentir quando não há ninguém olhando. Você está linda e isso é
para você. — Pego algo que estava guardado na sacola de presente
e entrego a ela. Vejo seus olhos se encherem de lágrimas. É um
cacto pequeno, que está guardado em um caixinha. — Você é
cacto, Dandara.
— Cheia de espinhos? — pergunta, ligeiramente magoada.
— Cheia de espinhos, mas dá flores lindas. É linda e
perigosa, na mesma proporção. É uma flor, diferente de todas que
estou acostumado. Quero tocá-la, mas tenho medo de me machucar
em seus espinhos. — Sorrio. — Você é assim, metade flor, metade
cacto. Metade céu, metade inferno. Você é para os fortes, para
aqueles que sabem aguentar todos os seus espinhos porque
acreditam e sabem que vai nascer uma linda flor. — Ela limpa as
lágrimas e eu sorrio. — Passou anos tentando se esconder do
mundo por trás dos espinhos, não é mesmo? Bem ou mal, certo ou
errado, foi se escondendo através dos espinhos que achava estar
segura e protegida de tudo. Acho que agora é o momento perfeito
para florescer, Dandara. Abaixe as barreiras e permita-se. — Ela
tenta me beijar novamente e eu não permito. Não permito pois
quero isso mais do que qualquer coisa. Talvez nem eu mesmo
entenda essa minha relutância, mas estou contendo algo que quer
explodir em mim.
— Nicolas...
— Está perdendo a compostura? — indago, deslizando um
dedo por seu decote.
— Vá se foder! — grita, e eu dou uma gargalhada antes de
afastá-la e entrar.
Ela é cacto e eu sou um botão de rosa cravejado de
espinhos.
DANDARA

Eu juro que fico ao menos cinco minutos parada na porta,


processando tudo o que Nicolas disse. É um turbilhão e eu não
consigo tirar os olhos do pequeno cacto em minhas mãos. Ainda
acho bastante assustador a forma com algumas palavras que ele diz
tocam em minha alma profundamente e me levam as lágrimas.
Nunca fui o tipo que chora facilmente, mas ele consegue isso. Suas
palavras têm o poder de me conduzir a uma avaliação interna
profunda, e, quase nunca gosto do que vejo em meu interior.
"Cheia de espinhos, mas dá flores lindas."
"Quero tocá-la, mas tenho medo de me machucar em seus
espinhos."
"Você é assim, metade flor, metade cacto. Metade céu,
metade inferno."
"Está perdendo a compostura?"
Ele desperta muitos sentimentos dentro de mim em questão
de segundos. Eu vou da admiração ao ódio muito rápido, e sabe
perfeitamente que tem a capacidade de me fazer perder a maldita
compostura. Volto a sentir raiva e decido entrar, logo na sala já
abaixo as armas ao ver meu filho rindo com ele. Pelo amor de Deus!
Certas coisas deveriam parar de me impactar!
O impacto vem, porque há dois sorrisos ali que são perfeitos
demais para a minha vida. O do meu filho e do novinho sugar baby.
Começo a rir percebendo o grande caos acontecendo no meu
interior.
Nicolas trouxe para Samuel blocos de montar que formam
um robô. Não são blocos grandes, são blocos pequenos que exigem
dedicação e atenção.
Samuel levanta o seu olhar e encontra o meu. Um sorriso
cresce em meu rosto quando ele fica de pé e vem correndo até mim.
— Mamãe, tio Nico — diz, apontando para Nicolas, que
sorri.
— Tio Nico é muito legal, não é mesmo? Já agradeceu a ele
o presente? — pergunto.
— Tio Nico, brigado. — Sorrio.
— Obrigado. — Ensino a ele. — Diga com a mamãe.
— O BRIGADO. — Nico se diverte com a cara de sapeca do
meu pequeno. — Robô.
— É. Tem que encaixar as peças para transformar em um
grande robô — Nicolas explica. — Vamos montar?
— Sim. — Samuel volta para ele.
Os deixo e vou até meu quarto em busca de um lugar ideal
para o cacto. Retiro da embalagem e o posiciono em uma pequena
mesinha ao lado da minha cama, em seguida, volto à cozinha e
arrumo a mesa de jantar. Preparei uma lasanha porque é a única
refeição que sei fazer realmente bem e me garanto cem por cento.
Ela está borbulhando no forno quando o desligo, retiro a travessa e
coloco sobre a mesa, pego uma jarra de suco para Samuel e
escolho um bom vinho.
Volto a sala para chamá-los, mas quase desisto. Estão tão
concentrados na montagem do Robô. Samuel está deitado de
bruços no carpete, com os pés para o alto, balançando. Nico está
igual e isso é extremamente engraçado, fofo também. Acabo me
juntando a eles, porque eu sou uma viciada em brincar com meu
filho.
— Vocês estão muito fracotes nessa montagem — digo,
sentando-me e Nicolas tenta olhar por baixo do meu vestido, sem
que Samuel perceba. Sorrio e ajeito, cobrindo tudo que pode ser
visto. Ficamos uns quinze minutos brincando de montar os blocos,
até que eu decido que precisamos mesmo jantar ou tudo ficará frio.
Eu me pego vivendo coisas que nunca vivi, tipo disputar a
pia do banheiro para lavar as mãos. Nicolas me empurra e eu o
empurro de volta enquanto Samuel ri e tenta arrumar um espaço
para lavar as mãozinhas. Por fim, Nicolas o levanta e o ajuda a
lavar.
Deus do céu, que espécie de deslumbre é esse? Meu lado
ruim quer vir e acabar com a graça; ele não aceita que eu esteja
com os muros de proteção baixos. Já o meu lado bom, ele está
saltitando no paraíso, em plena satisfação; implorando para eu
continuar sendo essa pessoa amável que nunca fui. Essa recém-
descoberta me deixa quase louca, porque metade de mim é mesmo
o céu e a outra metade é o inferno. Estou com medo dessa minha
estada no céu, porque estou gostando da presença de Nicolas muito
mais do que deveria, e estou imaginando centenas de cenas num
futuro próximo. Nunca fui de pensar no futuro, de planejar, de deixar
a imaginação fluir, então estar dessa maneira me tira da zona do
conforto a qual estava acostumada.
Novamente a idade de Nicolas volta a me assombrar, pois
na minha mente o imagino morando comigo e dividindo momentos
como esse diariamente. O que é bastante absurdo, porque eu mal
tive qualquer coisa com ele para estar pensando dessa maneira.
Talvez seja fruto da carência, mas pensar dessa maneira me deixa
ligeiramente triste. Por um momento eu não queria que essa
possibilidade de carência existisse. Queria estar convicta e certa.
Queria viver essa situação, transformá-la em real.
— O que está acontecendo? — ele pergunta, me distraindo
dos pensamentos.
— Nada — respondo, secando minhas mãos. — Vamos
jantar? — Samuel sai correndo e Nicolas fica me encarando.
— Não vai fugir disso.
— De quê?
— Você ficou um tempo perdida, fechada dentro de si. Não
pode fugir, Dandara. — Suspiro e dou um sorriso que certamente
não atinge meus olhos.
— Acredite, eu não estou fugindo. Mas, isso não me impede
de ficar um pouco perdida dentro de mim — digo.
— Falaremos mais tarde. — Ele sai andando rumo a
cozinha e eu vou atrás. Samuel já está sentadinho em sua
cadeirinha ao lado da minha. É Nicolas quem nos serve. — Isso
está com uma cara ótima.
— É minha especialidade. Em todo o resto sou um fracasso.
Bom, não é que não dê para comer a comida que faço, mas
definitivamente não é ótima — explico rindo.
— Sou bom apenas com massas — Nico comenta sorrindo.
— Somos dois! — pontuo rindo, e vou cortar a lasanha de
Samuel em pedaços pequeninos.
Nicolas fica me observando e interfere em determinado
momento.
— Posso dar uma sugestão? — pede.
— Sim.
— Esse garoto já é um homenzinho, não é mesmo Samuca?
— Samuca, gostei disso.
— Sim — Samuel responde.
— Acho que já deve saber comer sozinho, não?
— Papai deixa — Samuel responde, e eu percebo que estou
um pouco atrasada. Entrego a colher para ele e me surpreendo ao
vê-lo comer direitinho, deixando apenas um pouco cair.
— Ok! — digo rindo. — Éramos apenas eu e ele, acostumei
a dar todas as refeições. Acho que Lucca já está fazendo sua magia
com ele. Estou um pouco surpresa por ele comer sozinho.
— É importante para ele criar um pouco de independência.
Não disse por mal, ok? — Nicolas diz sem graça.
— Eu sei que não foi por mal. Não se preocupe. — Não
entendo porque diabos ele fica me encarando o jantar inteiro e
porque fica observando minha troca com Samuel. Ele não fala
grande parte do jantar, apenas sorri e observa. Quando terminamos,
eles voltam a brincar na sala e eu ocupo minha mente com a louça.
A noite passa rápido. Quando dá onze horas, percebo que
Samuel já fugiu muito do horário que está acostumado a dormir. O
levo para tomar banho, escovar os dentes e quando saímos do
banheiro ele vai direto para os braços de Nicolas, e eu me torno a
observadora.
No teto do quarto do meu filho estrelinhas passeiam de um
lado para o outro. Elas são as únicas iluminarem o ambiente que
será inaugurado pelo meu filho essa noite. Ele está com sua cabeça
deitada no ombro de Nicolas, e Nicolas está andando de um lado
para o outro, cantando algum tipo de canção e fazendo carinho nos
cabelos do meu filho. Em alguns momentos ele me olha e abre seu
sorriso desgracento. Se torna demais e eu decido esperá-lo na sala,
tomando um pouco de vinho.
Estou atormentada por todos os acontecimentos da noite,
definitivamente preciso mesmo de terapia.
Demora, mas logo Nicolas volta e se acomoda ao meu lado.
Ele enche sua taça com vinho e me encara.
— Samuel é incrível pra caralho! — diz. — Que garoto doce,
carinhoso, educado, amoroso. Nem parece seu filho. — Ele começa
a rir e pega minha mão. — É brincadeira. Você fez um excelente
trabalho com o garoto, sério. É uma mãe surreal. Parece que se
transforma na presença dele. É incrível, Dandara. Parabéns, de
verdade. É uma mãezona!
— Obrigada. Pelo elogio, por ter vindo, pelos presentes,
pelo carinho com o meu filho e por ter esforçado.
— Não foi esforço algum — afirma. — Estou apaixonado
pelo garoto, como previ que aconteceria. Amo crianças. Ter filhos
está no topo dos meus sonhos. Mas enquanto não tenho, me divirto
com os filhos dos outros — fala sorrindo.
— Isso significa muito para mim. — Sorrio.
— Quer ter mais filhos?
— Gostaria de ter mais um futuramente — comento,
analisando a bebida em meu copo. — Samuel gostaria de um
irmãozinho para brincar. Ele já disse sobre isso.
— É um pouco chato ser filho único.
— É, realmente. O que me conta de novo? — pergunto,
colocando meus pés para cima do sofá. Os olhos de Nicolas correm
pelos meus pés e vai subindo até estarem em meus olhos.
— Gostei do esmalte vermelho — elogia sorrindo. — Seus
pés são lindos. — Ele deixa a taça de lado e pega meus pés. Isso
ganha meu coração tão fácil. Eu sou uma alucinada por massagem
nos pés.
— Eu sou uma maníaca por massagem nos pés —
comento, enquanto ele massageia meu pé esquerdo. — Amo com
todas as minhas forças.
— Fui aprovado para uma vaga concorrida de estágio no
Fórum da Barra. — O ouço e bebo um pouco do vinho.
— Fico feliz que tenha sido aprovado. Realmente
determinadas vagas lá são bastante concorridas. Parabéns, de
verdade. Se conseguiu é porque é competente e esforçado o
bastante nos estudos. Certamente o estágio vai contribuir muito
para a sua carreira. Tente absorver o máximo de aprendizado
possível.
— É o que quero.
— Volto ao trabalho na próxima segunda. Isso significa que
iremos nos encontrar bastante pelos corredores do Fórum — digo.
— Caramba! Isso é tão louco! — diz rindo. — Trabalhar no
mesmo local de trabalho da juíza que me fez querer ser juiz é um
pouco surpreendente. Confesso que não tinha pensado nisso até
agora, mas ouvi-la dizer que está voltando fez esse pensamento
surgir.
— Já se imaginou sendo mentorado por mim?
— É uma possibilidade? — questiona, parando com a
massagem.
— Acredito que sim. E, se isso acontecer, é bom que saiba
que não será algo fácil. Irei treiná-lo para ser um juiz, isso significa
muito trabalho. Sou extremamente exigente no trabalho. — É a
verdade. Por ser assim nunca quis ser mentora de qualquer pessoa.
Paciência não é uma virtude que possuo, mas já sei que serei a
mentora dele, porque eu quis, pedi por isso. Irei prepará-lo para ser
o juiz mais foda que o Rio de Janeiro já teve.
— Você sabia do meu estágio?
— Não — minto, e entrego meu pé esquerdo a ele. — Mas
conte comigo para o que precisar. Pense que futuramente será você
no lugar da juíza que foi o motivo por escolher essa profissão.
Absorva todo aprendizado que puder — aconselho.
— Há um escritório aqui com todos os livros mais incríveis
sobre o código penal? — pergunta, e um sorriso cresce em meu
rosto.
— Há. Está um pouco suja devido a uma obra que estou
fazendo. As paredes de livros estão cobertas por plásticos para não
os danificar. Quer ver?
— Por favor — pede, e eu fico de pé, seguro sua mão e o
levo até ao subsolo, onde é meu escritório. Acendo as luzes e ele
começa a rir. — Isso é como imaginei. Tons escuros, bom gosto,
sofisticação.
Puxo os plásticos das três estantes que contornam a sala e
ele parece surpreso o bastante. Há muitos livros, não apenas de
Direito, mas eles são a maioria.
— Isso é fantástico!
— Quando comecei o curso, sonhava com algo assim. Morei
nessa casa no passado, com meu ex-marido. Ele era
desembargador, possuía muitos livros também. Uni o útil ao
agradável, consegui minha tão sonhada biblioteca particular.
— E vocês divorciaram? Ele deixou tudo? — O sorriso some
do meu rosto.
— Ele foi assassinado recentemente — digo. — É uma
longa história, Nicolas. E não é nada bonito, de forma que poderia
piorar ainda mais sua visão sobre mim. Não quero que piore. Você
já me acha...
— Foda — diz, me cortando. — Uma mulher complexa e
incrível, ao mesmo tempo. Uma mulher com centenas de nuances.
A cada dia que encontro você eu consigo ver uma parte nova, tipo
essa noite. A mulher que estava lá em cima minutos atrás é a
melhor versão até o momento, mas gosto da mulher difícil de lidar.
Na verdade, acho que o mais incrível em você é que nunca sei o
que esperar, isso é desafiador e excitante. Nunca se sabe o
momento que você irá mudar da água para o vinho, mas a mudança
sempre acontece, o tempo todo. Não há nada óbvio sobre você,
nada que possa parecer esperado. Suas reações mudam o tempo
inteiro, é tão intrigante.
— Queira calar a boca — peço, quase chorando novamente.
— Me conte sobre o seu passado.
— Não sou capaz de contar agora. Já há muitos conflitos
internos e não estou preparada para ver uma mudança da visão que
tem sobre mim — confesso. — Não é bonito, Nicolas. Eu não me
orgulho. Perdi muitas coisas, muitas pessoas, perdi a mim mesma e
não posso voltar atrás, porque a vida não dá chances. Você só
precisa saber que eu não sou a mulher que fui. Estou mudando, me
esforçando para uma melhor versão, porque não quero mais perder
pessoas, não quero mais ficar sozinha. Estou farta da minha versão
ruim porque ela afasta as pessoas de mim.
— A mulher que estava lidando com o filho ali em cima é
maravilhosa e eu jamais diria que ela tem um passado fodido.
— Ela tem. Um passado que não é motivo de orgulho algum
— afirmo.
— Você vai superar isso.
— É tudo o que quero na vida.
— Agora eu consigo enxergar isso — diz sorrindo e se
aproxima. — Já é tarde, preciso ir. Obrigado pelo jantar, obrigado
por me mostrar sua biblioteca e, principalmente, obrigado por ter me
apresentado seu filho.
— Não há o que agradecer. Quando quiser vir e estudar
aqui, ou levar algum livro, fique à vontade.
— É bom saber. — Subimos até o andar principal. Ele está
indo embora, mas eu não quero que ele vá, porém não sei pedir
para que fique. O levo até a porta e ele me dá dois beijos na
bochecha e se vai. Ele pega o capacete e quando vai subir na moto
eu fecho meus olhos e o chamo:
— Nicolas...
— Sim?
— Fique — peço, enquanto lágrimas escorrem dos meus
olhos, abrindo minha vulnerabilidade de uma forma que odeio.
Odeio por não conseguir controlar ou evitar, odeio por me expor
tanto, por me colocar em uma posição de dependência. — Fique
comigo?
DANDARA
Há quem diga que quem tem medo da rejeição não está
pronto para enfrentar uma aceitação. É como Lucca falou, dizem
tantas coisas, mas nem todas fazem tanto sentido. Sinto meu
sangue drenar a cada segundo que Nicolas passa sem responder.
Ele está apenas me olhando e eu estou quase entrando só para não
ouvir um NÃO em alto e bom tom. Aliás, se arrependimento
matasse... misericórdia, eu estaria muito morta agora.
O vejo relutar e lutar consigo mesmo. Desvia o olhar dos
meus para o capacete, olha para a moto, olha para mim novamente.
Eu só volto a respirar normalmente quando ele coloca o capacete de
volta no guidão. Decidido, caminha até mim e eu mal tenho tempo
de respirar antes que sua boca invada a minha e ele decida me
empurrar para dentro.
O baque da porta batendo me faz saltar em seus braços.
Nossos lábios se desconectam e ficamos perdidos nos olhos um do
outro, ambos respirando com dificuldade.
— Você pediu para que eu ficasse — diz, grudando sua
testa na minha e fechando os olhos. — Está certa sobre isso?
— Estou.
— Não gosto de metades — fala, abrindo os olhos. — Eu
não aceito metades porque eu não dou a minha metade a ninguém.
Comigo é tudo ou nada. Não aceito metades, não aceito mentiras.
Topei ajudá-la em uma missão, mas isso não simbolizava um
envolvimento. A partir do momento que se torna um envolvimento,
me torno exigente em relação à reciprocidade.
— Compreendo.
— Se quiser mesmo que eu fique, precisa saber que quero
tudo e que vou mergulhar de cabeça nisso. É o que espero que faça
também. Não gostei de como as coisas terminaram na primeira vez
e até minutos atrás eu estava disposto a tirá-la do meu sistema.
Sem mentiras, sem metades. Não sei se está pronta para me dar o
que quero — diz em tom de confissão. — Não sei o que está
movendo você.
— Quero seguir em frente — afirmo. — Esqueça o motivo
pelo qual nos conhecemos. Aquilo deixou de fazer sentido. Me sinto
pronta para enfrentar a festa do meu filho sozinha, estou segura
disso. — Preciso ser verdadeira com ele. — O chamei aqui porque
queria qualquer motivo para você vir. Lucca sabe sobre você, então
um jantar para conhecer meu filho foi apenas uma desculpa para tê-
lo perto.
— Como?
— Eu contei a ele ontem. Contei a verdade sobre você.
Tudo. Não é mais sobre a festa, sobre ser meu acompanhante. É
sobre a maneira como me faz sentir e como consegue ver além de
tudo que demonstro ser. É sobre como faz com que eu me sinta
uma adolescente cheia de borboletas no estômago, porque eu
nunca tive essa fase e isso é algo novo — confesso. — Ontem
fechei um ciclo com Lucca, definitivo. Fui até a casa dele assim que
a perseguição a você terminou e tivemos uma boa conversa. Talvez
tenha sido a conversa mais importante da minha vida, ainda não
decidi sobre isso. Então, acho que precisa saber que você não é
mais uma mentira para mim.
— Sou uma verdade?
— Confesso que há uma grande insegurança em mim,
Nicolas. Você é muito jovem, mesmo com toda a maturidade. Estou
certa de que há dezenas de diferenças entre nós. Eu sou uma
mulher que gosta de programas discretos, seletivos, você é jovem e
gosta de baladas e todas as coisas de jovens. Há milhares de
garotas lindas, jovens, sem grandes cargas como as que eu
carrego. Milhares de garotas descomplicadas e leves. Sou mãe, sou
complexa, sou cheia de responsabilidades, sou dezesseis anos
mais velha. Não sei se podemos fazer isso dar certo, não sei se
serei o suficiente, se em algum momento você vai acordar e
perceber que é jovem demais e que há um mundo de possibilidades
te esperando lá fora. Estou em dúvida sobre a compatibilidade, mas
gostaria de tentar. Sem metades.
— Isso é engraçado — fala, se afastando. — Em uma
conversa com meu tio, eu disse a ele minha insegurança sobre
você. O medo de não ser suficiente, o receio de você perceber que
não tenho experiência o bastante para lidar com uma mulher do seu
porte, o medo de não a satisfazer sexualmente. Estamos com medo
das mesmas coisas, porém, em perspectivas diferentes.
— Parece que sim — concordo, e ele se senta no sofá,
colocando os cotovelos nas pernas e abaixando a cabeça,
pensativo.
— Em uma conversa, disse a você que não deveríamos nos
envolver. Disse que perdoava você por ter me tratado como um
garoto de programa, mas que não me envolveria mais. Eu quis dizer
aquilo, Dandara. Não sei impedir que os sentimentos cresçam e
nem quero ficar travando uma batalha para eles não crescerem. A
minha situação em relação a você me deixa totalmente
desfavorecido. Me procurou porque precisava de um acompanhante
para ir à festa que seu ex está preparando para o filho de vocês.
Você disse algumas vezes que o ama, têm um filho, uma ligação
gigantesca. Eu pareço ser o único a sair fodido dessa história se
acabar.
— Não sei se o amo. Na verdade, estou confusa sobre
muitas coisas em relação à Lucca e irei entendê-las em breve. Não
sou capaz de assimilar tudo em um curto intervalo de tempo — digo
com a mais pura sinceridade e me sento ao lado dele. — Minha
conversa com ele ontem foi muito sobre isso. Muito sobre o amor
que eu sempre acreditei e disse sentir. Depois do nosso encontro
explosivo, eu estava confusa o bastante e somente ele saberia
compreender, me ajudar, expandir a minha visão. E ele fez isso com
a maestria de sempre. Entendo sua insegurança e não tiro sua
razão. Sei também que é muito injusto exigir que acredite em mim,
mas estou dizendo a você que meu passado deixou de existir e
estou aberta ao novo, literalmente. — Sorrio. — Isso foi péssimo,
esqueça. Apenas não quero mais travar batalhas internas,
impedindo novas possibilidades. Não quero me boicotar como tenho
feito há um longo período. Cansei de ferrar com a minha própria
vida, cansei da infelicidade e de me sentir vazia. Pedi para ficar
porque quero que fique, estou segura disso, mesmo relutando
internamente. Não estou em uma posição boa, sendo bem sincera.
Não combina comigo pedir algo. Mas, já que estou em busca de
mudanças, estou pedindo para ficar porque isso é exatamente o que
quero. Não esperava uma conversa difícil agora.
— Se eu vou ficar, essa conversa é extremamente
necessária e importante — afirma, voltando o olhar a mim. — Tudo
isso foi bastante inesperado para mim.
— Para mim também, acredite. — Sorrio. — Você não faz
ideia da dimensão de todas as ações que acabei de fa... — Sua
boca cala a minha e eu termino de abaixar todas as guardas, de
forma que até mesmo meu corpo fica bambo. Não sei, mas parece
que acabou de sair um peso gigantesco de minhas costas e estou
completamente entregue.
Nico tem uma pegada excelente. Pelo amor de Deus! A
boca dele é tão gostosa e o beijo tão exigente. Me torno uma poça
diante das sensações incríveis que me faz sentir.
Quando está esquentando o bastante, ele se afasta e fica de
pé.
— Eu vou ficar, mas não ficarei — diz, e eu arqueio as
sobrancelhas sem compreender. Ele ri. — Não passarei a noite aqui,
mas quero você, quero ficar com você. Eu só preciso absorver
nossa conversa, e acho que você precisa disso também. Não fique
decepcionada, sou apenas um novinho sendo atropelado por um
mulherão. — Isso me faz rir e ele me acompanha. — É muita
responsabilidade sobre mim agora. Um envolvimento com você é
algo gigante e preciso organizar os pensamentos agora.
— Entendo. — Entendo de verdade, mesmo querendo muito
que ele passe a noite, não posso ignorar que a razão está com ele
agora, e a emoção está comigo.
— Ok. Então... nos falamos.
— Nos falamos — concordo, ficando de pé e o levo
novamente até a porta. Agora é ligeiramente engraçado se despedir.
Ele fica perdido entre beijar minha boca e meu rosto, mas acaba
optando por um beijo casto na boca.
Ele realmente se vai, eu fecho a porta e fico encostada nela
alguns minutos, tentando respirar e colocar as ideias no lugar.
Tentando compreender a linha tênue entre "impulsividade" e
"segurança" das minhas ações. Por fim, percebo que não foi
absolutamente nada impulsivo e que, mesmo temendo receber um
não, minha tentativa foi com a segurança de quem sabe exatamente
o que quer.
A parte realmente engraçada disso tudo é que no passado,
eu costumava lutar por tudo que eu queria, saía realmente
atropelando o mundo sem medir as consequências e sem pensar no
que meus atos trariam. Agora, no presente, há em mim muitos
receios sobre correr atrás das coisas que quero. Isso já significa
uma mudança muito drástica, acredite. A Dandara de meses atrás é
bem diferente dessa que estou sendo agora.
Dou quatro passos rumo ao meu quarto e o interfone toca.
Não confiro as câmeras de segurança, simplesmente volto e abro a
porta. Nicolas está de volta, dessa vez parece mais decidido. Ele
envolve um braço em torno da minha cintura e me empurra para
dentro de casa. O barulho da porta batendo fortemente me faz saltar
em seus braços e estou um pouco surpresa, sem ação.
— Eu não sou um menino medroso — diz, levantando uma
mão e me entregando uma embalagem de preservativo. A seguro e
ele me pega, fazendo com que eu enrole as pernas em torno de si.
Está um pouco perdido para onde deve me levar e eu simplesmente
digo:
— Última porta do corredor, à esquerda. — Ele dá um de
seus sorrisos e me carrega até o meu quarto. Fecha a porta com
chave e me coloca no chão. O beijo e suas mãos deslizam pelo meu
vestido, encontrando o laço que o prende ao meu corpo e
desfazendo o nó. Abaixo meus braços e deixo que a seda
escorregue por eles e caia ao chão. Nico afasta nossos lábios e me
olha com total adoração, fazendo com que eu me sinta a mulher
mais sexy do planeta. Eu gosto de como ele fica nervoso e perdido
comigo. Ele desliza um dedo no vão entre meus seios e eu retiro
meu sutiã, vendo seus olhos ganharem um tom mais escuro. Me
olhando, como se estivesse pedindo permissão ou fazendo um
teste, suas mãos envolvem meus seios e ele começa apertá-los. Sei
que ele quer que o guie, mas dessa vez quero que ser parte do seu
teste, então apenas permito. Ainda falta um pouco de aperto e ele
vai testando até encontrar a maneira que amo ser tocada. Confirmo
isso gemendo de prazer e amo muito quando um som rouco escapa
de sua garganta. — Perfeito — elogio, e ele volta a me beijar.
Com o preservativo na minha mão, trabalho em retirar sua
camisa. Tão logo a peça sai, ele chuta o tênis para longe e eu abro
sua calça, deslizando-a até o chão. Retiro também sua cueca, e o
nervosismo de Nicolas não passa despercebido.
— Está com medo? — questiono, voltando a ficar de pé.
— Não. — Sorrio e beijo sua bochecha.
— Não tenha medo. Ok?
— Ok. — Isso é tão doce, merda! Não quero acreditar que
esse garoto está fodendo meu psicológico!
O beijo novamente, grudando meu corpo ao seu, febril,
sentindo algo necessitado e vivo grudado em mim. Suas mãos
descem até minha cintura enquanto deixo sua boca e beijo seu
pescoço.
— Você demora a se recuperar após gozar? — pergunto em
seu ouvido.
— Não.
— Isso é realmente bom, Nico — sussurro, mordendo sua
orelha. — Porque estou indo fazer algo, mas eu também quero
receber algo de você — aviso, antes de deslizar minha língua pelo
seu pomo de adão enquanto o empurro até ter suas costas contra a
parede. Beijo seu peitoral lentamente e vou descendo pela sua
barriga. Suas mãos deixam minha cintura conforme vou descendo e
paralisam na parede, fechadas em punhos. É tão louco ver seu
corpo inteiro tremer e sua respiração ficar além de descontrolada. É
como se ele estivesse perdendo o fôlego. Quando caio de joelhos
diante dele, fixo meus olhos em seu rosto e o vejo engolir a seco.
Logo que envolvo seu membro em minha mão, ele soca a cabeça
na parede, sentindo que é um caminho sem volta. E é.
Passo a língua provocativamente por toda sua extensão
antes de levá-lo em minha boca. Nicolas parece rugir e esse simples
som me faz aprofundar. O provoco até que suas mãos envolvam
meus cabelos.
— É assim que eu gosto — digo a ele. — Se mantenha
assim, pode perder o controle comigo, ok? Não sou uma rosa
delicada. Sou cacto, resistente. — Ele sorri e eu volto a chupá-lo.
Aos poucos o aperto em meus cabelos vai aumentando. Gosto
quando começa a impulsionar seu corpo em busca de mais. É tão
quente vê-lo desesperado. Ele está muito perto de explodir quando
me afasta de uma só vez.
— Não quero gozar assim — diz ofegante. — Puta merda...
você é incrível. Mas eu não quero.
— O que quer? — pergunto, ficando de pé.
— Quero que coloque o preservativo em mim, porque eu
gostei. — Ok. Isso quer dizer que nunca qualquer mulher havia
colocado o preservativo nele. Eu fui a primeira e ele gostou.
Sorrindo, abro o pacotinho laminado e tiro o preservativo.
Não preciso olhar para colocar nele. Meu foco fica em seu rosto,
observando a maneira como ele está olhando para o que estou
fazendo. Quando termino, o manipulo um pouco e ele geme.
— E agora? — pergunto, e vejo seu olhar encontrar o meu.
— O que quer fazer?
Suas mãos vão até as laterais da minha calcinha e ele
desce a peça pelas minhas pernas. Novamente seu braço está
contornando minha cintura, sua boca está na minha e ele está me
conduzindo para a cama. Gosto que ele venha por cima agora. É
tão perfeito vê-lo assim, nesse ângulo, entre minhas pernas que
estão abertas ao máximo sustentando seu corpo e esperando pela
invasão. E ele vem, timidamente, mas vem. Aos poucos sua ereção
roça em minha entrada, provocando um aumento surreal da minha
necessidade de tê-lo dentro de mim. Quando ele impulsiona a
entrada, sou eu quem ofego, sentindo cada parte me invadir.
— Eu... isso me fode — diz sorrindo. — Estar por completo
dentro de você é... demais para mim.
— É tudo questão de trabalhar o seu psicológico. Não ligo
que não consiga durar muito agora no início. É algo novo para você
estar com uma mulher mais experiente, acho que isso mexe
bastante com a sua mente, mas vou ensiná-lo a trabalhar o
psicológico. Há como controlar e durar muito.
— Eu sei durar muito. Sei fazer isso, mas não com você.
— Sou uma mulher como todas as outras.
— Não. Você não é — afirma. — Nem de longe.
— Então. Se eu não sou como todas as outras, me
surpreenda — digo, tocando seu rosto. — Sua missão de hoje é me
fazer gozar. Coloque em sua mente que o meu prazer precisa vir
antes do seu, um bom amante é generoso na cama e pensa em
proporcionar prazer à mulher antes de obter o seu.
— Quero te dar prazer.
— Já está dando. Não pense diferente disso. Você me deixa
com tesão, muito. Me beije e esqueça de todos os medos — peço, e
ele faz.
Não exijo nada, apenas me doo.
Seu corpo se move em completa sincronia com o meu e
nossos lábios nunca se desconectam. Eu percebo que quando está
me beijando é quando ele fica mais calmo e consegue se controlar
melhor. Esse garoto inexperiente sabe me dar prazer, mesmo que
não perceba isso. Ele se move tão bem dentro de mim e nossos
corpos estão tão grudados, essa junção perfeita me faz gozar, e é
só quando meu orgasmo explode que ele afasta sua boca da minha
para observar o feito. Ele me olha com a sensação de dever
cumprido e eu começo a rir.
— Não sei se o riso simboliza algo bom ou ruim — diz.
— Simboliza algo muito bom. Você é incrível, Nico novinho
— digo, levando minha mão em seu rosto. — Você me faz gozar tão
bom... — Ele apenas sorri. — Agora continue. Eu quero mais disso
pelo resto da noite. — O sorriso morre no mesmo instante e eu volto
a rir. — Sua missão era me fazer gozar. Minha missão é fazer sexo
a noite inteira — aviso, empurrando-o e invertendo nossa posição.
Agora sou eu por cima.
Arranho seu peitoral, mordo meu lábio inferior e sorrio
maquiavelicamente.
— Meu Deus! E agora? — pergunta, passando as mãos
pelos cabelos enquanto me observa atentamente.
— E agora? Agora eu vou desgraçar a sua vida com os
meus gemidos.
DANDARA
Acabo de descobrir que a maternidade me mudou mais do
que imaginava. Agora há um grande problema em relação a isso.
Adquiri o hábito de cuidar; algo que eu não possuía antes de
Samuel nascer e que só está sendo devidamente testado agora. Há
anos não durmo com um homem e, após essa longa temporada, é a
primeira vez que há um alguém dividindo a cama comigo, e não sei
como agir.
A noite foi incrível e exigi o bastante de Nicolas. Preciso
dizer que ele é um bom aprendiz, mas no final, o garoto apenas
agarrou um travesseiro, virou para o lado e desmaiou e se encontra
assim até agora. Isso é no mínimo engraçado.
A questão toda é que... quero levar o café da manhã na
cama para ele e estou com receio de que isso pareça muito
"maternal". Talvez seja apenas uma idiotice da minha mente estar
com esse tipo de pensamento, mas não consigo me controlar.
Por fim, após travar uma grande batalha interna, decido que
ainda é cedo para levar café na cama para Nicolas. É isso.
Levanto-me, faço minha higiene matinal e vou direto conferir
meu filho. O sono dele é pesado e ele definitivamente não gosta de
acordar muito cedo. Por isso, arrumo sua coberta direito, fecho a
porta e sigo para a cozinha.
Enquanto preparo o café, faço uma anotação mental sobre ir
em busca de uma academia ou talvez contratar um personal.
Preciso me exercitar. Quando eu fazia atividades físicas me
mantinha mais sob controle e conseguia descarregar um pouco da
energia absurda que carrego comigo, e descarregar a raiva também.
Além disso, não sou mais uma jovenzinha, preciso me cuidar com
mais afinco se quiser permanecer bem fisicamente; além de
questões de saúde.
O fato de estar pensando isso se deve também à Nicolas.
Não consigo ignorar a nossa diferença de idade, que não é muito
pequena. Cheguei a um nível que estou começando a pensar em
todas as garotas com quem ele já esteve. Para complicar o que já é
complicado, ele é universitário e eu já fui também, isso é o suficiente
para eu saber exatamente o que acontece nas universidades. A
insegurança está fazendo sua morada em mim, eu quero me sentir
bem comigo mesma, quero continuar sendo um atrativo. O garoto
tem um corpo do pecado, um tanquinho que me faz querer lambê-lo
por completo. Ele é gostoso e eu sinto a extrema necessidade de
ser gostosa também. Que patético! Logo eu... quem diria. A genética
é extremamente generosa comigo. Estou com trinta e sete anos de
idade e posso muito facilmente comparar meu corpo à quando eu
tinha apenas vinte. A única mudança fica por conta dos meus seios,
que ganharam um pouco de volume após a gravidez. Mas, nem isso
se tornou feio, muito pelo contrário. Definitivamente não há motivos
para insegurança, mesmo assim eu não consigo deixar de ter.
Nunca na vida imaginei que um dia me envolveria com um garoto
dezesseis anos mais jovem, então, todo meu desespero faz um
pouco de sentido. É algo inusitado.
Estou bem distraída quando sou pega por trás. Por um
momento sinto inveja de Nico por conseguir ser tão entregue assim.
Meu corpo se retesa por completo com o carinho inesperado e ele
parece sentir isso, tanto que ameaça se afastar. Eu apenas sou
rápida e coloco minhas mãos acima das dele, impedindo que ele se
afaste.
— Está tudo bem. Apenas não estava esperando — digo,
sentindo-o relaxar prontamente. Ele beija meu ombro e me mantém
presa em um aperto forte. Eu gosto desse carinho, na verdade,
posso quase dizer que estava mesmo precisando disso.
Foda-me!
Ele acordou e está aqui.
Eu sou um festival de bagunça agora!
Me viro de frente e agora suas mãos descansam na minha
cintura. Vejo um sorriso preguiçoso nascer em seu rosto. Seus
cabelos estão levemente molhados e ele está vestindo apenas sua
calça jeans. Gosto da sensação de tê-lo à vontade em minha
cozinha pela manhã, gosto também de que ele esteja com os pés
descalços.
— Você é linda ao acordar.
— Eu acho que posso dizer o mesmo sobre você —
comento sorrindo. — Sou um pouco fria em relação à carinho, acho
que pode me ajudar a mudar isso. Teria interesse?
— Com toda certeza sim. Vamos mudar isso. Vou ensiná-la
a ser quente em relação a dar e receber carinho. É fria apenas para
o carinho, já em outras situações você é como um vulcão. Essa
madrugada foi tórrida, vossa excelência.
— Foi — concordo, tocando em seu rosto. — Me diga se eu
estiver agindo como uma mãe.
— Como? — pergunta divertido.
— Eu posso até ser fria, mas adquiri o hábito de cuidar.
Talvez eu vá ser um pouco cuidadosa com você, de uma maneira
maternal. Apenas me avise quando eu estiver excedendo. Não ria,
estou falando sério.
— Tenho certeza que sabe bem diferenciar esse cuidado
maternal, Dandara. Talvez você só esteja querendo ser uma mulher
que gosta de cuidar do novinho que dormiu, e está tudo bem nisso.
Eu gosto de ser cuidado, não vou negar ou achar maternal. A
maneira como cuida do seu filho é bastante diferente. Acho que está
um pouco perdida, não?
— Pouco? — pergunto rindo. — Estou completamente
perdida — confesso.
— Eu cuido de você e você cuida de mim, assim fica bom?
— Assim fica... bem diferente, não é mesmo? — Bem
diferente mesmo.
— Gosto do diferente — diz, antes de capturar meus lábios
em um beijo que faz um calor se espalhar pelo meu corpo muito
rapidamente. Eu sou um caso totalmente perdido!
Nicolas é inexperiente, mas ele aprende rápido e tem uma
disposição que combina mesmo com a idade que possui. Ele está
com tudo em cima, cheio de testosterona e vontade. Acredito que
em pouco tempo seja eu tendo que me esforçar para acompanhar o
ritmo dele. O garoto está com fome de aprendizado, e estou sendo
empurrada para a dispensa.
— Não tenho mais preservativos, mas eu quero transar com
você. Nunca fiz sexo sem proteção. — As palavras fluem de sua
boca com uma naturalidade incrível. Tão verdadeiro e exposto como
eu jamais conseguirei ser. Estou limpa, embora eu não esteja
fazendo uso de qualquer método contraceptivo, eu quero senti-lo e
saberei o que fazer para evitar uma gravidez. É tentador o bastante
senti-lo pele na pele, não posso e não quero ignorar o quanto isso
me deixa com tesão.
— Vou senti-lo sem barreiras dentro de mim? — pergunto,
mordendo sua orelha. — Quer isso?
— Sim. — Agora sou eu quem roubo um beijo enquanto
abro sua calça e liberto seu membro duro. Suas mãos invadem
minha camisola e ele afasta minha calcinha para o lado antes de me
penetrar fortemente. É melhor do que todas às vezes que transamos
na cama, porque agora ele parece estar bem mais decidido e menos
medroso.
Abraço seu pescoço e fecho meus olhos, sentindo que
estamos jogando um jogo perigoso. Parece um caminho sem volta
para o vício. A cada movimento do seu corpo, sinto um choque de
eletricidade percorrendo meu corpo. Ele faz isso tão bem, ele vai tão
fundo e é tão lento em alguns momentos, isso apenas mexe comigo
de uma maneira insana. Eu vejo relutância e inexperiência, mas
também vejo sede de aprendizado e esforço. Isso funciona como
um Viagra feminino para mim, é louco.
— Você é tão gostosa — ele sussurra em meu ouvido. —
Merda, eu quero isso o tempo todo agora. — Minha mente fértil viaja
para uma realidade onde eu poderia facilmente levá-lo dentro de
mim todos os dias, o tempo todo. Embora eu queira ignorar essa
atração crescente, eu também quero me entregar a isso por
completo e apenas deixar as coisas acontecerem.
— Eu sou capaz de te dar isso o tempo todo — digo de
volta, sentindo-o se movimentar mais desesperado. — Você vai me
fazer gozar assim... Nico.
— Eu quero que se toque para mim essa noite — pede. —
Quero que se toque enquanto eu provo sua doce buceta com a
minha boca.
Leva apenas questão de segundos para que todo meu corpo
se descontrua em um orgasmo delicioso, ele apenas continua
arremetendo enquanto fogos de artifícios explodem na minha
mente. Ele bombeia seu pau em mim com mais força e eu deito
minha testa em seu ombro, me preparando para o momento em que
ele explode dentro de mim, soltando sons roucos em sua garganta e
ofegando mais forte.
Sorrio escondida, satisfeita pela refeição matinal. Nenhum
de nós se move por um tempo. Parecemos perdidos, mais que
antes.
Quando seus braços cedem, meus pés tocam o chão e eu
levanto meu rosto para encará-lo. Tão lindo e tão perdido em mim.
Por um momento lembro de Lucca dizendo "pobrezinho". Porque é
exatamente isso, pobrezinho. Eu o quero tanto, e talvez eu exija
dele mais do que posso exigir.
Ele sorri para mim, há um brilho malicioso em seus
expressivos olhos castanhos.
— Bom dia, vossa excelência.
— Você pode dormir aqui mais vezes se quiser, desde que
me dê isso todas as manhãs.
— Cuidado, eu levarei isso a sério — fala, tocando meu
lábio inferior com seu polegar. Eu o seguro e o chupo, deslizando
minha língua pelo seu dedo. Nico solta um som rouco. — Deus! Eu
quero levá-la para a cama novamente e apenas não posso. Samuel
vai acordar.
— É... ele vai. Eu preciso me limpar e voltar para preparar o
café da manhã.
— Gostei da experiência pele na pele. Podemos repeti-la?
— Marcarei uma consulta ginecológica e então poderemos
fazer isso — digo sorridente. — Vou tomar banho.
— Acho que eu também preciso tomar banho. Posso
acompanhá-la? — Eu criei um monstro ou é impressão minha?
Criei!
O banho demora mais que o previsto e, quando saio do
quarto, há um pequeno ser humano já na sala, sentado no sofá,
mexendo no meu celular.
— Pequeno meliante atrevido! Mamãe consegue pensar em
algumas condenações para você! — brinco, pegando-o no colo. —
Meu pimpiiii pinguim pequenino!
— Mamãe, eu te amo.
— Espelho, espelho meu, existe alguma mãe mais sortuda
que eu? — pergunto, e ele ri. — Quem é o amor da minha vida?
— Sou euuu!!! — Samuel grita.
— É você, pequeno homem! O que quer comer?
— Pão — responde sorridente.
— Olá, meu amigo Samuca! — Nicolas surge, e Samuel
desce dos meus braços para ir diretamente para ele. — E aí,
companheiro?
— Quer brincar tio Nico?
— Com certeza! — Nicolas concorda, e eu os deixo para
terminar os preparativos para o café.
Samuel ama piquenique, por isso invento um no meio da
sala. Passamos um longo período comendo e brincando.
Quando terminamos de comer, Nicolas me ajuda a levar
todas as coisas para a cozinha e volta para ficar com Samuel. É
então que o interfone toca e eu vejo Lucca pela câmera de
segurança. Libero a entrada e vou abrir a porta, é então que o
drama começa assim que ele vê Samuel nos ombros de Nicolas.
— Aooo Dandara, você me segura porque eu não estou
vendo isso não, DEMÔNIO! — ele diz, e uma gargalhada escapa de
mim. — Não ria! Dandara, Dandara, Dandara aê... esse ninfeto está
com meu filho!
— Vamos entrar nesse mérito? Porque se formos, eu vou
dizer sobre a tia Paula, Barbie moda e magia versão HD.
— Eu sou o melhor pai! — ele avisa, antes de entrar como
um rompante e pegar Samuel. — Filho do papai. — Ele está
achando que Nicolas será pai de Samuel? É isso? É claro que ele é
o melhor pai! Ele é o único pai do meu filho.
— Papaiii! Tio Nico!
— Aooo, Nico — Lucca diz, e eu me pego rindo novamente.
Ele está muito sério e, mesmo assim, não abandona o AOOO.
— Oi. — Nicolas fica de pé e o cumprimenta com um aperto
de mãos, tão sério quanto Lucca está.
— Eu vim buscar Samuel para vermos fantasias — Lucca
me explica. — Tudo bem?
— Sim. Vou apenas arrumá-lo.
— Ok, irei com você — avisa, olhando para Nicolas, que
logo fica visivelmente desconfortável.
— Já volto — digo, puxando-o para um beijo, apenas para
passar o mínimo de segurança.
— Beijo — Samuel diz tapando os olhos e me fazendo rir.
No quarto de Samuel, Lucca se liberta.
— Então, você e o garoto de açúcar estão juntos?
— Sim. E, não o chame de garoto de açúcar — aviso.
— Então não chame minha noiva de Barbie. De qualquer
forma, Samuel gostou dele?
— Muito. Acho que deu para perceber, não? Lucca, apenas
pare de ser ciumento. Você é o pai de Samuel e ninguém é capaz
de substitui-lo.
— Há muitas coisas na minha mente agora, estou sob
tensão em relação à Samuel. Eu e Paula vamos nos casar —
anuncia. — E ela está grávida. — Os sapatos de Samuel caem das
minhas mãos com o choque. Eu acabo de levar um soco no
estômago e não posso demonstrar o impacto que acabei de sentir.
— Uau! — digo, pegando os sapatos e abaixando até meu
filho. — Uau, Lucca.
— Eu preciso que me ajude a lidar com isso, em relação à
Samuel. Você o conhece infinitamente melhor que eu, acha que ele
vai reagir bem? — Graças a Deus meu filho não entende direito toda
essa conversa. Ele está brincando com dois blocos de montar
enquanto eu calço os sapatos nele. — Acha que ele vai se sentir
estranho por ver o pai morando com outra mulher que tem um filho e
está grávida de um bebê meu? Será que ele vai gostar da ideia de
ter um irmão ou irmã?
— Não sei dizer sobre isso, Lucca — digo com toda
sinceridade. — Nunca estive nessa situação. As coisas
simplesmente vão acontecer, não há como qualquer pessoa fugir
disso. Só saberemos quando tudo estiver acontecendo, então
analisaremos a reação do nosso filho e tomaremos providências se
for necessário.
— Você vai morar com o garoto de açúcar?
— Eu não sei, Lucca. Acabamos de nos entender há menos
de doze horas isso. Não sei de nada. Mas não se preocupe, você é
o pai de Samuel e ninguém é capaz de mudar isso, ok?
— Não quero magoar nosso filho, Dandara — diz
completamente perdido, e eu fico de pé. Samuel vai correndo para a
sala e nos deixa a sós. — Eu recebi a segunda notícia mais foda da
minha vida ontem e ainda não consegui ficar cem por cento feliz
porque há uma certa insegurança sobre Samuel. Não tenho a quem
recorrer dessa vez. Todos os membros da minha família são
devidamente casados, não há casos de separação. Não sei como
agir.
— Vai ficar tudo bem. Curta a notícia, Lucca. Samuel ficará
bem. Todos ficaremos bem, ok? Agora eu preciso que vá. — Sim,
estou o expulsando porque essa notícia foi um baque fodido e
modificou o meu humor matinal.
— Está me expulsando?
— Sim.
— Podemos conversar depois? — Um dia sou eu a perdida,
no outro é ele. E, eu simplesmente tenho que mascara o que estou
sentindo e ser para ele o que ele foi para mim: amigo.
— Sim.
— Ok. Só estou um pouco perdido. — Solto um suspiro e o
abraço.
— Vamos todos ficar bem. Curta a novidade. Você será pai,
dessa vez da forma correta. É um grande motivo para comemorar.
Verá sua mulher grávida, estará no nascimento do seu filho. É
incrível, Lucca. Comemore. — Meu peito está se rasgando ao meio
agora.
É uma dor apenas por saber que tudo o que tirei dele, ele
terá com Paula. A ligação dele com esse bebê será maior, porque
ele vai acompanhar cada momento. E eu espero do fundo do meu
coração que meu filho não me culpe e não sofra. Deus há de me
ajudar, mesmo eu sendo toda e completamente errada.
Ele se vai e eu volto a sala para me despedir de Samuel.
Quando eles se vão, Nicolas está sentado no sofá, me observando.
— Você está bem? — pergunta, e eu me acomodo ao lado
dele no sofá.
— Não estou. Eu prometi a você que não mentiria mais,
então não vou mentir. Não estou nada bem, mas sei que irei
melhorar. Só preciso absorver algumas novidades. Eu fodi com a
vida do meu filho.
— Não parece ter fodido com nada. Samuel é uma criança
fantástica.
— Lucca será pai novamente. Numa perspectiva
completamente diferente — digo. — Eu escondi Samuel dele por
dois anos. Ele nunca soube que eu estive grávida. Cometi uma série
de erros. Samuel vai me odiar quando crescer, porque eu fui uma
grande merda de mãe privando-o da convivência com o pai.
— Que tal conversarmos isso melhor? Acho que está tendo
uma visão fodida demais sobre o futuro. Vamos tentar buscar todos
os motivos pelos quais ele jamais te odiaria? Eu consigo listar
dezenas com pouco tempo de convivência. As coisas boas são
maiores, Dandara, sempre melhores. Vou ensiná-la a ver o mundo
com outros olhos. Quer? — Isso é tão doce que me faz sorrir.
Nicolas é a doçura que eu precisava, definitivamente. Ele me
desarma com a facilidade de um mestre.
— Quero.
— Você é perfeitamente imperfeita, cacto.
DANDARA
— Ok, Dandara! Por que está novamente com esses óculos
escuros que cobrem o seu rosto quase todo? Isso te deixa parecida
com uma mosca — doutora Rovena diz na lata. Ela sabe como
levantar o astral de uma mulher! Só que não! — Qual foi o
problema? Aliás, preciso dizer, sua vida é um tumulto fodido. Eu
nem consigo chegar na raiz do seu problema, porque sempre que
estou indo nesse caminho, você surge com uma novidade do
presente e eu fico tremendamente louca. Já questionei se estou
mesmo na profissão certa algumas vezes desde que a conheci.
— A senhora está nervosa? — pergunto, encarando-a por
trás dos meus óculos gigantes.
— Não. Apenas vá direto ao problema dessa vez, para
podermos encontrar a melhor maneira de lidar com a situação. —
Suspiro desanimada e me jogo no sofá. Dessa vez eu me deito real,
e me encolho quase em posição fetal. — O que houve?
— Há muitas coisas. Lucca simplesmente surgiu jogando
em cima de mim um casamento e uma gravidez. E, por mais que eu
esteja tentando superá-lo, isso mexeu comigo. Acho que nem tanto
pelo casamento, mas pela gravidez em si. É quase um pouco
angustiante compreender que ele terá com outra mulher algo que
não fui capaz de dar, a senhora entende o que quero dizer? É um
pouco...
— Desperta a culpa em você, o que é normal nesse caso.
— É isso. Eu já estava lidando bem com a culpa, então
retrocedi após receber essa notícia. Lucca está preocupado com a
aceitação de Samuel, e obviamente estou também. Porque ele está
construindo uma família com outra mulher e tememos que Samuel
sinta algum tipo de desgosto, talvez um pouco de revolta, por ver o
pai morando com outras crianças e ele não fazer parte inteiramente
disso. Vou lidar com essa situação como uma separação, apenas
para conseguir explicá-la. Samuel é filho de pais separados, e eu e
Lucca estamos perdidos sobre como lidar com isso, sobre o quanto
isso pode vir a afetar nosso filho.
— Não é uma situação fácil, sendo bem prática, Samuel
nunca convivei cem por cento com Lucca. Isso já é algo. Samuel
está acostumado a viver apenas com você, ele está sempre com o
pai? Sim. Mas, ele já vê, mesmo que não seja capaz de
compreender ainda, que sempre volta para você e que vocês não
são um casal. Ele já sabe que existe uma rotina. Isso já é muito bom
nesse caso.
— É, eu não pensei por esse lado. Samuel é uma criança
muito fácil de lidar, ele se adapta muito fácil à todas as situações.
Isso já faz parte dele, felizmente. Mas, o temor é sobre ele ver o pai
com mais crianças e se sentir diferente; ou ele crescer um pouco
mais e ficar um pouco revoltado quando compreender que é filho de
pais separados. A senhora sabe, em escolas há bullying's o tempo
todo, há em mim um receio de que ele veja todas as crianças tendo
suas respectivas famílias unidas...
— Seu pensamento está um pouco errado sobre família
unida. Você não precisa estar em uma relação amorosa com Lucca,
vocês são uma família, querendo ou não. Você, Lucca e Samuel são
uma família e precisarão estar sempre unidos, independente de
qualquer outro relacionamento que tenham por fora. Não estarem
em uma relação amorosa não muda nada em relação a isso. Ao
menos, pelo que tenho acompanhado, vocês estão se relacionando
bem por Samuel. E é isso que Samuel precisa, Dandara. É melhor
ser filho de pais separados que se respeitam e estão dispostos a
darem o melhor, do que ser filho de pais que moram juntos e vivem
em guerra. Isso sim não seria saudável para Samuel. Todo o
restante pode ser ajustado. Samuel ainda é muito novinho, super
adaptável às situações. Vocês podem conduzir isso da melhor
maneira para que ele não sofra no futuro. Por mais que eu não
esteja vendo de perto, acredito que você e Lucca estão no caminho
certo. Mesmo abalada psicologicamente, mesmo doendo ver
determinadas situações, você está ignorando tudo isso e pensando
no que é o melhor para seu filho. Essa é uma atitude altruísta e
linda, Dandara. Precisa começar a enxergar as coisas boas. — Eu
sorrio ao ouvir essas palavras.
"Vou ensiná-la a ver o mundo com outros olhos. Quer?"
— É, um ser humano disse que estou mesmo precisando
disso — digo a ela, retiro meus óculos e me sento. — E o pior
aconteceu, doutora.
— O que é o pior?
— Talvez não seja o pior. — Sorrio. — Tenho que focar na
parte boa, como ele tem tentado infiltrar em minha mente. Então,
acho que dessa vez, apenas dessa vez, vou conduzir como algo
bom. Enfim. Eu e Nicolas estamos muito próximos. Nos
aproximamos muito, está acontecendo uma compatibilidade
inesperada e uma ligação forte, além da química que já existia.
— Isso é muito bom, Dandara. Não pode ser considerado
como "o pior".
— Eu quero estar perto dele constantemente, Samuel
também está apaixonado.
— Também.
— Não, ouça, vamos ter uma conversa bem madura,
doutora — digo, respirando fundo. — Eu não posso conduzir isso
como estar apaixonada. Sou uma mulher experiente, já vivi muitas
situações. Todas as relações no início são fantásticas e o fantástico
ilude — comento. — O fantástico desperto em nós uma certa ilusão,
por isso dizer que estou apaixonada agora seria um tremendo erro.
O que posso dizer é que estou realmente gostando de Nicolas,
estou gostando de dividir meu tempo com ele, estou gostando da
nossa conexão, de todos os momentos que passamos juntos. É
preciso um tempo de convivência para se ter certeza sobre os
sentimentos, sobre uma possível paixão. Não acredito muito em
amor à primeira vista. Acredito em conexões, em química. Acho que
um sentimento só é capaz de crescer com o tempo. Mas, é o que eu
acho, isso não significa que eu esteja certa sobre isso.
— Isso é muito maduro e consciente, Dandara.
— Não quero cometer os mesmos erros do passado, achei
interessante te contar que estou deixando fluir, estou deixando
acontecer, deixando as coisas seguirem o curso natural. Não quero
mais boicotar relações e Nicolas está me fazendo muito bem. Sabe,
doutora, em alguns momentos eu penso que ele é um garoto de
sorte por ter me conhecido numa fase em que me livrei das mentiras
do meu passado, me libertei de todas as coisas que me mantinham
presas. Lucca não teve essa sorte. Eu acredito que posso ser uma
parceira legal. Sofri mudanças radicais na vida, há em mim mais pés
no chão, eu não preciso mais fugir do passado ou temê-lo. Encerrei
um ciclo muito ruim e sou livre para dar início a um novo ciclo. Um
onde há um universo de possibilidades, onde posso fazer e ser
quem eu quiser. Eu quero continuar com aquele garoto, mesmo
possuindo receios e uma certa insegurança. E, se não der certo, sei
que ao menos terei tido momentos incríveis para guardar. Não terá
sido um tempo perdido.
— Até o tal do "tempo perdido" carrega consigo coisas boas.
Estou realmente encantada com a sua percepção. Em alguns
momentos você chegava aqui como uma jovem inconsequente, em
outros como uma mulher autodestrutiva. Eu já me peguei
perguntando onde estava a Dandara juíza, porque seu
comportamento não se encaixava com o que eu esperava de uma
mulher que parecia sinônimo de força. É normal, todos nós
escondemos muitas coisas por trás do que deixamos as pessoas
verem. Foi um pouco assustador, sei que ainda a encontrarei assim
algumas vezes — ela diz sorrindo. — Mas, vamos trabalhar em
torno dessa mulher que está sendo hoje. Ela é incrível, madura,
consciente. Vamos trabalhar para mantê-la, tudo bem?
— Eu quero muito — digo. — E sei que a Dandara louca
ainda dará as caras, doutora. Mas, desde já, eu quero agradecê-la
pela paciência e por estar me oferecendo muito mais que um
tratamento psicológico. Se tornou uma amiga, confidente, a pessoa
que não tenho medo de me abrir e expor meu lado feio, minhas
fraquezas. Sou bem solitária, porque escolhi ser assim no passado,
desde que perdi a fé nas pessoas. Porém, estou muito feliz e
agradecida por tê-la como uma amiga, mesmo que isso seja restrito
ao consultório. A senhora me faz um bem enorme e eu jamais
poderei agradecer o suficiente. Saiba que qualquer coisa que venha
a precisar e que esteja ao meu alcance ajudar, eu a ajudarei. Tem a
minha gratidão eterna. É a grande responsável pela transformação
que estou passando, uma grande incentivadora, mesmo quando
deixa toda a ética de lado. Eu a agradeço por isso.
— Você é incrível e me tira da zona de conforto em todas as
consultas. É uma paciente desafiadora e estou imensamente feliz
por ser considerada sua amiga — fala sorrindo, e eu seguro suas
mãos.
— Muito obrigada.
— Saia daqui! — diz chorando. — Pelo amor de Deus,
Dandara! — Começo a rir.
— Eu realmente preciso ir. Combinei de levar Nicolas na
faculdade. Aliás, você acha que isso é meio maternal? — Ela
começa a rir quase caindo da cadeira. É uma dúvida séria, mas ela
está não está levando a sério. Talvez doutora Rovena precise de
terapia.
— Oh meu Deus! Eu não estou ouvindo isso não! —
comenta, tentando se recuperar. — Isso é muito... deixa eu
encontrar a palavra certa, só um momento. — Ela pensa, pensa e
pensa, então sorri. — Isso é muito fofo, Dandara. Apenas vá e leve
o garoto na faculdade, não se limite pensando que será maternal
pelo fato da diferença de idade. Faça o que seu coração mandar,
acredite, dará certo.
— Meu coração tá mandando umas coisas muito loucas —
digo. — Acha mesmo que eu devo segui-lo?
— Sem freio, Dandara. — Levanto abruptamente e ela
arregala os olhos. — Ah meu Deus!
— A senhora quem mandou! — Sorrio e saio apressada do
consultório. Meu coração é meio louco, ela deveria saber disso.

NICOLAS
— Filho, você está ansioso? Estou percebendo isso —
minha mãe diz quase me matando de susto.
— Dona Edna, por acaso a senhora está querendo me
matar? — pergunto, levando a mão ao peito. — Não estou ansioso,
estou apenas lendo.
— E não acha que tem nada para me contar não? Como por
exemplo, o fato de você estar dormindo fora de casa há dois dias. —
Ela puxa uma cadeira e se acomoda ao meu lado. Sorrio e seguro
mão. — Está namorando, filho?
— Conheci uma mulher — comento. — A senhora se lembra
de anos atrás, quando uma juíza imponente apareceu na TV dando
uma entrevista no jornal e eu disse que queria ser como ela?
— Claro que lembro. — Ela sorri. — Você ficou todo
empolgado, disse que queria ser poderoso como ela e decidiu pelo
curso de direito.
— É. Ela é a mulher que conheci. — Minha mãe me encara
de um jeito muito engraçado.
— Aquela juíza da TV?
— A própria. Há uma diferença de idade grande entre nós,
ela tem trinta e sete anos, mãe, mas estamos juntos. Não somos
namorados, nem nada do tipo, estamos nos conhecendo melhor. Ela
é uma mulher incrível, dona Edna. É mais incrível do que parecia
ser pela TV, e digo mais, depois da senhora, ela é a mulher mais
linda que eu já conheci.
— Oh, meu filho! Você é sempre tão doce com a mamãe.
— Porque a senhora é o amor da minha vida, não é
mesmo? — Sorrio, abraçando-a.
— E aquela mulher é o segundo amor da sua vida?
— Não sei. Estou gostando muito dela, mãe. Muito mesmo.
E eu quero dizer isso. É muito. Estou ansioso porque estou com
saudades.
— Mas passaram a noite juntos, chegou em casa de manhã.
— Isso me faz rir.
— Pois é. Para a senhora ver a situação em que me
encontro — falo rindo. — Enfim, dona Edna, um misto de ansiedade,
apreensão, receio, vontade de se jogar. Coisas muito complexas
que só eu mesmo tenho o poder de resolver internamente.
— Eu me lembro da beleza dela.
— A senhora não faz ideia do que é aquela mulher
pessoalmente. Eu nunca vi nada igual. — Ela sorri.
— Quando irei conhecê-la?
— Oh, não tão cedo. Ela até virá me buscar para me levar
até a faculdade, mas...
— Mas eu irei vê-la no portão, você querendo ou não! Não
tende me impedir, moleque! — ela diz fugindo de repente.
— Mãe...
— Nada disso. LALALALALALALA, NÃO ESTOU OUVINDO
— grita, com as mãos nos ouvidos e desaparece do meu campo de
visão.
Conforme o prometido, assim que Dandara surge para me
buscar, dona Edna passa batido na minha frente e eu nem tento
impedi-la. Quando ela infiltra algo na mente, fodeu!
Dandara está dentro do carro, com a janela aberta olhando
para nós. Ela desce do carro e meus olhos varrem seu corpo. Porra,
o corpo dessa mulher foi devidamente desenhado. Não é possível!
Ela está de calça jeans cintura alta, um cinto largo, uma camiseta
justa e sandálias de salto fino que a deixa ainda mais alta. Seus
cabelos estão soltos e ela é mesmo a mulher mais linda.
— Olá! — diz simpática.
— Realmente, essa mulher é mais bonita pessoalmente,
como você disse, filho — minha mãe fala me encarando. — Você é
lindo, meu amor, mas essa mulher não é muita areia para o seu
caminhãozinho?
— Oh! — Dandara exclama dando uma gargalhada. — Eu
acho que amo a sua mãe.
— Eu serei a melhor sogra. Me chamo Edna, prazer. — Se
eu disser que estou envergonhado mentirei. Estou além da
vergonha. Por que mães são assim?
— Prazer, senhora Edna. Dandara Farai. — Dandara a
cumprimenta com um abraço. — Nicolas fala muito bem da
senhora.
— É bom que ele fale mesmo.
— Ok, dona Edna, já conseguiu o que queria — digo rindo.
— Por que não entra para tomar um café? — ela convida
Dandara. — Seria uma honra.
— Mãe, eu não posso perder aula e Dandara está indo me
levar.
— Isso é ser estraga prazeres, filho — minha mãe diz,
fazendo uma cara engraçada. — Mas ela é um mulherão, hein?
Olhe para essa pele, essa cor, esse corpo, esse rosto? Já pensou
em ser modelo?
— Já fui modelo quando era mais jovem, dona Edna. Não
gosto muito do universo da moda, por isso sou juíza. Me sinto bem
mesmo nos tribunais. Não me imagino fazendo outra coisa —
Dandara explica sorrindo. — Mas, agradeço o elogio, e, temo que
seja seu filho muita areia para o meu caminhãozinho. Parabéns pela
linda criação. Nicolas é encantador, educado, um ser humano
incrível que estou tendo o enorme prazer de conviver.
— Olhe para ela, Nicolas! — minha mãe exclama, e volta a
abraçá-la. — Meu filho é mesmo um garoto de ouro.
— É, eu tenho percebido isso. — Dandara está tão...
diferente.
Meu Deus do céu. Eu sabia que era um perigo me envolver
com ela. Estou num estado decadente por essa mulher, ouso dizer
que estou apaixonado de verdade. Eu não sei, mas o jeito que ela
desgraça a minha vida é bem diferente.
Nos despedimos da minha mãe e entramos no carro. Ela
pede que eu vá dirigindo e saímos do carro novamente para trocar
de lugar.
— Vossa excelência, me conte melhor sobre ter sido modelo
— peço, atento ao trânsito.
— Sim, eu fui. Mas você não vai querer saber sobre isso.
— Por quê? Eu quero saber tudo sobre você. Por que eu
não iria querer saber? — pergunto intrigado.
— Porque posei nua. — O impacto da notícia é tão grande
que não freio o carro quando necessário e acabo o batendo na
traseira de uma viatura policial!
DANDARA
— Meu Deus, Nicolas! — exclamo, dando graças a Deus por
estar de cinto. Não é o momento, mas eu simplesmente começo a
gargalhar. É um riso que parece não ter fim e que faz meus olhos
encherem de lágrimas.
— Me desculpa, merda, mas porra... puta merda. — O
menino está desorientado e eu não paro de rir. É então que os
policiais batem na janela e somos obrigados a descer. Eu desço e
luto muito fortemente para não rir da cara de Nicolas agora, mas
não consigo.
— Ok, vamos resolver isso — digo, limpando minhas
lágrimas. — Foi só uma batidinha. Como devemos proceder?
— Os senhores avançaram o sinal e baterem em uma
viatura policial — um dos policiais diz. — Documento do carro e
habilitação, por favor — pede. Nicolas pega a habilitação e eu vou
em busca do documento.
— Há fotos suas nua? É isso?
— Você está falando como se isso fosse algo absurdo! —
digo, tentando ficar séria e os policiais ficam atentos.
— Eu não esperava algo desse porte vindo de você. Quem
imagina que você posou nua? É absurdo! — Meu Deus, ele está
fazendo um dramalhão que combina bem com uma pessoa que
conheço.
— Não é absurdo! Há centenas de mulheres que fazem
isso. São apenas fotos nua! Nu artístico! Está com ciúmes? É isso?
Me diga, sugar baby, você está com ciúmes? — Eu esqueço que há
pessoas presenciando e dou um sorriso safado.
— Não estou com ciúmes! Estou apenas... perplexo?
Chocado? Talvez. Por que está me chamando de sugar baby? Isso
é inapropriado!
— Pense pelo lado positivo, você está dormindo com a
mulher que posou nua. Muitos queriam estar no seu lugar, sugar
baby.
— Não sou seu sugar baby. Sou seu... O que nós somos?
— Com certeza muitos homens gostariam de "dormir" com a
mulher da revista — o policial diz, e Nicolas parece querer explodir.
Eu até entro na frente para detê-lo e seguro seu braço, impedindo
que um soco dispare até o rosto do policial que já não é muito bonito
e poderia vir a ficar levemente mais feio. Também não quero ter que
ir parar em uma delegacia, isso faria Nicolas perder a aula e eu
perderia meu precioso tempo.
— Já bateram em uma viatura, teremos que lidar com
desacato? — Isso me faz abrir um outro tipo de sorriso agora,
porque o único a cometer desacato é ele. Olho para Nicolas e o
solto antes de voltar meu olhar ao policial.
— É uma ameaça? — pergunto.
— Talvez seja — responde, olhando para o meu decote.
— Acabou de entrar em uma conversa que não lhe diz
respeito. O seu trabalho é verificar os documentos e não o meu
decote. Cuide de resolver a questão do pequeno incidente, nada
além disso — digo.
— Quem a senhora pensa que é? — pergunta, cruzando os
braços.
— Eu? Sou Dandara Farai, juíza criminalista. — Pego meu
distintivo na bolsa e o entrego. A graça acaba no mesmo instante.
— Como vamos resolver essa questão? Não tenho a noite toda e
não quero que o meu namorado perca a aula na faculdade porque
um policial está mais atento em uma discussão entre um casal do
que no problema que precisa ser solucionado.

Em vinte minutos estamos liberados após eu me encarregar


do pequeno prejuízo.
— Me desculpe por isso. Me encarregarei do prejuízo.
— Não precisa se desculpar, acidentes acontecem. Não se
preocupe, cuidarei dos reparos, foram mínimos — digo, com a
cabeça encostada na janela do carro enquanto Nicolas dirige. Uma
vontade de chamá-lo de garoto de açúcar... meu Deus, eu acho que
meu amor por Lucca está se transformando em ódio, por que diabos
ele inventa esses apelidos que fixam na mente das pessoas?
Garoto de açúcar foi o auge. E desde quando eu falo "auge" e
converso utilizando gírias? Estou tão perdida e nem mesmo sei
dizer se quero ser encontrada. Estar perdida está sendo bem
divertido.
— Aquilo foi quente pra caralho! Eu perdi até a fala, parecia
um idiota sem ação apenas observando a situação e tentando
controlar uma ereção. — Sorrio ao ouvi-lo. — Sou Dandara Farai,
juíza criminalista! De repente, ir para a faculdade deixou de ser
interessante.
— É? Mas, nesse momento terei que agir como uma mãe,
Nicolas. Eu amaria que você faltasse de aula e me comesse na
primeira rua deserta que encontrar, mas...
— Você faria sexo na rua?
— Sim. É para aloprar, não é mesmo?
— Acho que vossa excelência está gostando de aloprar,
tenho percebido isso — fala sorridente. — Estou adorando você,
Dandara. Nunca imaginei que pudesse ser tão louca. Sem contar,
que... sendo um pouco tiete, eu sou seu fã.
— Não sei se isso é um elogio ou uma afronta — digo rindo.
— De qualquer forma, me deixe prosseguir: Eu amaria ir contra
todas as leis com você, cometer um ato de atentado ao pudor e tudo
mais, mas não indico que falte às aulas, principalmente quando está
estudando para ser um juiz.
— Não tenho culpa de estar vivendo um vício. Meus
pecados podem ser perdoados. Você é perfeita, cacto. — Sorrio. —
Devo esperar que me busque no final da aula?
— Você quer que eu te busque? — pergunto sorrindo. Isso é
tão... mãe! Ou não? Foda-se! Esse garoto está revolucionando uma
mulher extremamente filha da puta, que sou eu. Daqui uns dias
buscarei Samuel na aula à tarde e Nicolas à noite. Farei tarefa de
casa com meu filho e orientando o garoto de açúcar. Que situação é
essa que estou vivendo e não quero sair?
— Posso dormir com você?
— Pode se deitar na minha cama, Nicolas. Dormir já é pedi
demais — respondo, enquanto ele estaciona o carro. Descemos
para eu poder assumir o volante e ele me prende contra o carro. —
Hummm... — gemo em seus lábios, e ele enfia uma mão entre meus
cabelos. O menino Nico está acordado e eu quase quero chorar por
ele ser um jovem universitário. Estou quase pegando em algo
quando alguém tosse próximo a nós fazendo com que nos
afastemos depressa. — Meu Deus!
— Meritíssima?
— Ah! Maravilha! — digo, quase me escondendo no peitoral
de Nicolas. Mas, não faça isso. — Promotora Lívia!
— Que prazer revê-la, fiquei sabendo que está voltando na
segunda-feira — ela diz, vindo me abraçar. — Nicolas?
— Professora — Nicolas diz, e ela me encara boquiaberta.
— Nicolas? — ela pergunta a mim.
— É esse o nome dele. — Sorrio mais falsa que nota de 3
reais. — Alguma objeção?
— Você e Nicolas?
— Eu te devo satisfações? — Nicolas está chocado e eu
também, porque simplesmente fluiu.
— Meu Deus! Só de pensar que você estará de volta
segunda-feira me sobe um calafrio — ela comenta. — Nicolas
poderia ser seu filho, não? Qual a diferença de idade? — Ela é uma
vaca!
— Ele não é meu filho. Aliás, acho que a senhora tem cerca
de trinta e dois, ou estou enganada?
— Trinta e um — responde.
— Está péssima! Deveria fazer Botox, ou qualquer merda.
Tenho trinta e sete e estou infinitamente mais conservada e mais
gostosa que você. Aliás, já tem essa cara de limão azedo e ainda é
amargurada a ponto de ficar julgando diferença de idade porque
deve ter um cara da sua faixa etária tão entediante quanto você é.
De qualquer forma, não fique com inveja por eu estar me dando
muito bem com um homem mais novo. Ele não tem idade para ser
meu filho, mas tem idade para me dar um filho, se é que isso te diz
respeito. Acho que ele não tem do que reclamar. Na verdade, está
se dando muito bem. Tenho o sangue quente para tudo, promotora.
Cuidado! — A mulher me olha como o diabo e sai apressada em
direção a entrada. Já meu garoto de açúcar está me olhando
assustado.
— Quer fazer um filho comigo?
— Quem sabe quando seus estudos acabarem? Primeiro
precisamos fazer isso entre nós durar — digo, dando dois tapinhas
em sua bochecha. — Já para a aula, garoto de... Nicolas! Quer que
eu te leve até a porta? Não, né? Seria muito maternal.
— Eu temo que em algum momento você passe por cima de
mim como o trator desgovernado que é. Estamos em paz, Dandara,
mas eu sei guerrear como você, ok? — Sorrio amplamente.
— É por isso que nos damos bem. Você está à minha
altura.
— Sobre esse lance de maternal, continue com isso e eu
viverei agarrado, mamando seus seios — fala, me dando um beijo
na testa e se vai.
O vejo entrar na universidade e entro em meu carro, rindo,
pois de repente tudo que sei fazer é rir. Meu celular toca e o nome
de Lucca aparece na tela. Aperto o viva voz.
— Se você soubesse o quanto eu quero te matar! — digo a
ele.
— Por quê?
— Porque eu estou praticamente chamando Nicolas de
garoto de açúcar. Você fez da minha vida um inferno. Vim trazê-lo
na faculdade e na hora de me despedir, o garoto de açúcar quase
saiu.
— Você foi fazer o quê? — pergunta gargalhando.
— Vá se foder, Lucca! Você também é mais novo que eu e
isso não era um problema.
— Uma diferença pequena, mas não há mal algum nisso,
apenas... como imaginá-la levando o namoradinho na faculdade?
Conte isso para qualquer pessoa e ninguém irá acreditar. Aooo
Dandara, o garoto de açúcar tem o pau doce. Gotas de mel!
— Por que está me ligando? Para me encher o saco ou para
falar do sequestro do nosso filho? Sim, você o sequestrou e está
pensando que está passando despercebido, Lucca. Eu só estou
deixando porque me sinto culpada por ter mantido vocês dois
afastados por quase três anos e porque estou tendo entretenimento.
Mas, saiba, quando minha culpa diminuir, você não vai sequestrar o
nosso filho não!
— Aooo Dandara, conte seus segredos sujos para mim!
Está tendo entretenimento com o novinho, hein? Me diz o que ele de
oferece? Uma chicotada no lombo? Eu te imagino vestida de
professora, ensinando as leis e tirando uma peça de roupa a cada
acerto do garoto. Ou imagino você dando uma martelada e
decretando a sentença final. Esse ninfeto vai ficar louco! Pobre
coitado!
— Às vezes eu me pergunto como um ser humano pode
defecar tanto pela boca como você faz.
— Os novinhos tão sensacionais! — cantarola. — Sério,
Dandara, mate minha curiosidade sobre o garoto de açúcar. Somos
amigos, pode se abrir. Rola umas algemadas e umas marteladas?
Você tá ensinando as paradas ou ele tá te dando um baile de
desempenho sexual? Aooo.
— Lucca, para quê está me ligando?
— Oh novinho eu quero te ver contente, não abandona o
bonde da gente, que no Helipa, confesso, tu tem moral, venha aqui
na Dandara para sentar o pau...
— LUCCA!
— Ok, Dandara! Eu esqueci o que ia dizer. Te ligo assim que
lembrar. — Desligo na cara dele.
Mas... 5 minutos depois o infeliz liga.
— Aooo, meritíssima excelentíssima, me perdoe. Prometo
falar sério.
— Ok.
— Samuel poderia por favorzinho dormir comigo essa noite?
Eu nunca pedi nada a você. Dandara, eu não sou vagabundo, não
sou delinquente, sou um cara carente, só quero dormir com meu
filho, isso é pedir muito? É uma boa oportunidade para você dar
umas marteladas com o novinho, decretar a sentença...
— Eu busco Samuel amanhã de manhã, quando eu for
deixar Nicolas em casa.
— Posso fazer só uma pergunta? — pede.
— Faça.
— Ele tem carro?
— Ele tem, porém eu bati no carro dele aquele dia que fui
até o seu apartamento. Ele tem moto também, mas eu quis levá-lo
até a faculdade. Nicolas não é uma criança, na verdade, posso te
dizer algo?
— Vai. Enfia a faca no meu peito e me rasga. Aposto que
será algo que ir causar uma ferida em meu ego. — Nossa! Lucca
hoje superou todas as expectativas da dramaturgia brasileira.
— Ele é muito mais maduro que nós dois juntos, Lucca.
— Não é difícil. Samuel é mais maduro que nós, Dandis.
— Dandis é a puta que te pariu, Lucca. Ligarei em alguns
minutos para falar com o nosso filho. — Desligo novamente na cara
dele.

Chego vinte minutos antes do fim da aula e soco minha


cabeça no volante. Por um minuto penso em ligar para a doutora
Rovena, mas temo. Ela pode ser mais louca que eu em algumas
situações e eu tenho uma tremenda mania de seguir à risca os
mandamentos dela (ao menos da forma que eu entendo). O que
estou fazendo da minha vida? Não sei. Mas, há algo que sei,
quando os alunos começam a sair e eu localizo Nicolas ao lado da
garota que ele costuma deixar em casa, desço do carro sem pensar
em nada. O garoto de... O GAROTO nem é meu namorado, então
por que eu me encontro indo como uma maníaca ciumenta até ele?
Meus passos estão tão firmes e pesados que o barulho dos
meus saltos batendo ao chão chamam uma atenção absurda. Agora
estou usando um vestido, meus cabelos estão presos em um rabo
de cavalo e estou com sandálias de salto agulha. Sou alta, tenho a
postura imponente e viro a espécie de celebridade quando passo
entre centenas de jovens estudantes.
— Uow, ela não é a juíza aqui do fórum da Barra? — Ouço
uma garota dizer e, sinceramente, não vou mentir, eu gosto do
poder, gosto de ter as pessoas me olhando, temendo, se inspirando.
Sei que isso tem ligação com o meu psicológico, com traumas do
passado. Anos atrás eu era uma sombra e as pessoas só me
olhavam com olhar de desprezo. Hoje elas me olham com respeito,
admiração, medo e qualquer uma dessas coisas e muito melhor do
que receber olhar de nojo e desprezo.
Nicolas sorri ao me ver e age como se todas as pessoas
acabassem de sumir. Ele nem mesmo se importa com a garota que
está perguntando algo para ele, apenas estende sua mão quando
eu me aproximo e me puxa para seus braços.
— Você está linda!
— Vamos?
— Claro. Antes, deixe eu apresentar, essa é Camila, uma
amiga da faculdade — diz, e eu encaro a garota.
— Dandara.
— A juíza?
— Vocês falam como se eu fosse uma estrela
hollywoodiana. — Sorrio.
— Ela é a mulher que você está saindo? — pergunta a
Nicolas.
— Sou eu — respondo. — Bom, se não se importa, estamos
indo. Foi bom conhecê-la, Camila.
— Uau, Nicolas! — Saio puxando-o até o carro e entrego a
chave para ele dirigir. Eu gosto quando ele me puxa para um beijo
assim que nos acomodamos. No fundo queria ir devagar com ele,
mas, ao invés disso, eu estou indo como um avião à jato.
Minutos depois estacionamos o carro na garagem da minha
casa, desço e ele me pega em seus braços.
— Você está mesmo linda, cacto. — O beijo
carinhosamente, vendo seu sorriso perfeito crescer após meu ato.
— Você me faz tão bem, garoto. Eu adoro estar com você.
— Ele vai responder e eu calo sua boca com um beijo casto.
Sorrio e entramos em casa rindo após eu mordê-lo na
bochecha. Agindo como um adolescente apaixonada, ao invés de
alimentar o estudante com comida, o alimento de sexo no sofá.
Estou louca com esse garoto de açúcar, inferno!
EU PRECISO DE UM PSIQUIATRA!
É apenas uma pena que todas as coisas boas da vida
costumam durar tão pouco.
DANDARA
Minhas manhãs nunca mais foram as mesmas desde que o
pequeno aprendiz surgiu em minha vida. Esse garoto de açúcar
sabe ser bem apimentado e é ávido por aprendizado. Também pode
ser um doce, o que combina bastante com seu apelido carinhoso.
Que bosta, Dandara! Melhore! Meu subconsciente me
repreende por esse pensamento tão "não eu".
Conforme os dias vão passando a intimidade entre nós vai
aumentado e deixando quase espaço algum para situações
vergonhosas. Nicolas está cada dia mais seguro, mais entregue e
mais esperto na cama. Está sendo delicioso passar um tempo com
ele, prazeroso também. Eu tinha uma pré-conceito sobre me
envolver com garotos jovens, agora estou percebendo muitas
vantagens; uma delas é moldá-lo exclusivamente para o meu
prazer. É bem diferente de se envolver com um cara experiente, que
tem suas próprias manias e seu próprio jeito de agir na cama.
Nicolas entrou naquele site em busca de experiência, aprendizado,
e isso está sendo magnífico de se colocar em prática. Eu o ensino
todos os dias a me dar prazer, ensino sobre toques, intensidade,
movimentos, falar uma série de coisas sujas, até mesmo sobre os
sons másculos que as mulheres gostam de ouvir. Não que ele fosse
um cara calado no sexo, mas ele era inseguro, parecia ter medo de
parecer ofensivo e estou ensinando a ele que não há nada ofensivo
em dizer boas safadezas e soltar uns sons orgásticos. Na verdade,
eu nem sei dizer se essa palavra existe, mas é basicamente isso.
Por exemplo: agora ele está indo testar coisas novas.
Embora, tenhamos tido sexo o bastante, ele ainda não seguiu pelo
caminho do sexo oral. Talvez, a demora tenha sido por não se sentir
seguro o bastante para explorar outras possibilidades. Preciso
admitir, fui uma boa mulher/mentora tendo paciência e o deixando
confortável o bastante, passando a segurança que ele precisava
para poder ousar em suas ações e explorar todas as possibilidades
do sexo.
Estou sorrindo enquanto sua boca desliza entre meus seios
rumo às partes baixas do meu corpo. Minhas mãos estão em seus
cabelos, que estão deliciosamente bagunçados essa manhã.
Sinto sua língua descer até meu umbigo e ofego fortemente
quando ele desliza mais para baixo. Nicolas me faz contorcer
quando deixa um beijo gostoso na minha pélvis. E, quando ele
finalmente chega aonde quero, me pego abrindo as pernas para
facilitar seu trabalho. Há uma certa timidez na sua ação, e é
exatamente isso que quebra meu coração de pedra em milhares de
pedacinhos nada distintos. De repente, o apelido que Lucca deu a
ele combina muito bem. Nicolas é doce, completamente doce e
apaixonante.
Meu garoto de açúcar tem um jeito único de ser. Eu sempre
comparo muitas das suas ações com uma frase: "Vai. E, se der
medo, vai com medo mesmo.", ele nunca desiste do que quer,
ignora os receios, os medos, e segue indo. É tão corajoso e
inspirador. Eu não sei enumerar a quantidade de vezes que deixei
de fazer as coisas por medo de arriscar. Ter um garoto de 21 anos
me dando uma aula sobre coragem é algo que jamais esperei. Aliás,
coragem não é nada perto de todas as coisas que estou
aprendendo com ele. É tão incomum isso, no meu ponto de vista, se
tratando exclusivamente sobre mim. Quando eu iria esperar
aprender algo com um garoto mais jovem? Logo eu? É
surpreendente e amplia minha visão sobre muitas coisas.
Passei anos acreditando ser a dona da verdade, fazendo a
minha verdade ser a absoluta. E, de repente, surge um jovem em
minha vida e me mostra tantas coisas num curto intervalo de tempo.
Nicolas está me ensinando até mesmo ser maleável, algo que
nunca fui em qualquer situação. Ele está extraindo uma nova
Dandara, embora eu saiba que a velha Dandara ainda habita em
mim, sou mais apaixonada por essa nova versão.
Gosto de estar me tornando uma pessoa leve, paciente,
centrada, verdadeira, um pouco insana. Gosto dessa sensação de
me sentir bem o tempo todo e ela só surgiu após Nicolas entrar na
minha vida. Entrar naquele site em busca de um sugar baby
provavelmente foi a minha melhor atitude em anos, foi a melhor
coisa que me aconteceu.
Eu dou um impulso na cama assim que ele me surpreende
com uma lambida que pega toda a extremidade da minha
intimidade. É surpreendentemente bom e inesperadamente também.
Sua língua foi firme e... por Deus...
— Faça mais isso... — imploro ofegando e ele repete o ato,
me deixando ainda mais afoita. — Nicolas... onde aprendeu essa
merda?
— Não sou virgem, Dandara — diz, como se eu tivesse o
ofendido.
— Eu sei que não, mas... você é maravilhoso! — Ele sorri e
decide me destruir de vez, levando seu polegar até meu clitóris,
fazendo movimentos circulares leves e me lambendo como se eu
fosse uma sobremesa saborosa. É incrível... esse é o meu garoto e
estou viciada nele.
— Você tem um gosto tão bom — sussurra no intervalo de
suas lambidas. — É tão gostosa, vossa excelência.
— Estou viciada em você, Nico... apenas me dê mais disso
— imploro, e ele dá. Ele faz isso tão bem e tão bom, que me deixa
mole, trêmula sobre a cama, após me proporcionar um orgasmo
delicioso.
Ele vem sobre meu corpo, se encaixando entre as minhas
pernas, traz uma mão até meus cabelos, os agarra com força e me
puxa para um beijo. Está tão excitado quanto é possível estar e eu
dou livre acesso para que ele nos satisfaça. Ele nunca para de me
beijar e isso mexe comigo, isso faz meu coração querer sair do
corpo. Eu me sinto vulnerável de repente e inverto a posição,
buscando estar em um controle que é meio impossível agora.
Apoio as mãos no peitoral dele e observo seus olhos
correndo pelos meus seios. Não é apenas o sorriso dele que é
capaz de desgraçar a vida de uma mulher; o olhar é tão poderoso
quanto e eu fujo dele o máximo que consigo, focando apenas na
parte sexual.
Ele é um ótimo amante....
— Cacto, você florescendo é linda. — Sua frase após
gozarmos juntos me faz rolar para o lado e encarar o teto. Esse
garoto conseguiu encontrar seu lugar em meu coração rápido
demais.
— Vamos tomar banho?
— Com certeza sim.

— Está entregue, senhor Nicolas — digo, ao parar diante da


casa dele.
— Por que está parecendo triste?
— Não estou triste. Estou pensativa — explico, tirando meu
cinto e virando de lado para encará-lo. — Não há motivos para
tristeza. — Sorrio.
— Eu... — ele diz e olha para o lado, meio perdido. Demora
alguns segundos para que me encare de volta. — Estou gostando
de você. Muito.
— É? Eu acho isso incrível. Nas últimas semanas aprendi
muito sobre reciprocidade. É bom saber que estou recebendo
reciprocidade pelo que estou sentindo. É inesperado e incomum
para mim, estou gostando de você. Muito. Estou gostando muito de
você, Nicolas — digo, pegando sua mão e a beijando.
— Podemos firmar o que estamos tendo? Rotular? Estou
inseguro sem saber o que somos. — Sua confissão me faz sorrir. É
cedo para rotular, mas será que existe esse lance de esperar o
momento certo ou será que somos nós quem temos que fazer o
momento certo acontecer?
— Namorados? — pergunto sorrindo, e o ouço suspirar
aliviado antes de me puxar para um beijo. — Isso parece ter deixado
alguém feliz — sussurro em seus lábios. — É o que quer ser? Meu
namorado?
— Eu quero namorar com você, vossa excelência. Quero
mais do que isso que estamos tendo, cacto. Por favor?
— Não há favor nenhum nisso — afirmo. — É o que somos,
então. Você é meu namorado e eu sou possessiva, já fique
sabendo. — Dou um grito quando alguém bate na janela ao meu
lado. — Puta merda!
— Já peço desculpas com antecedência — Nicolas diz, e eu
viro para encontrar a mãe dele. Isso me faz começar a rir.
— Ok, vamos ver o que ela quer — informo, e desço do
carro. Entendo de quem ele herdou a doçura quando ela me abraça
fortemente, me espremendo em seus braços.
— Você é muito maravilhosa sem maquiagem! — me
elogia.
— Obrigada, dona Edna. A senhora é uma graça também.
— Por favor, entre, vamos tomar um café? Que tal almoçar
conosco? — Jesus abençoado, como lidar com esse tipo de
situação?
— Mãe, talvez Dandara tenha compromissos — Nicolas
argumenta.
— Mas saco vazio não para em pé, meu filho. É preciso se
alimentar. Ou você é daquelas que só come salada? É finites que
fala?
— Fitness — digo rindo. — Não, eu não sou muito fitness,
dona Edna. Porém, eu tenho hora marcada com a minha psicóloga
e, para a senhora não pensar que estou fazendo desfeita ou
fugindo, quero convidá-la para jantar em minha casa. O que acha?
Ficarei feliz em testar minhas habilidades culinárias e preparar algo
bom para nós.
— Não gosto de sair de casa, minha filha. Sabe, sou muito
deprimida — ela fala de um jeito que parte meu coração. Me recordo
de Nicolas dizendo que passava as noites ao lado da cama dela.
— Eu também já estive num quadro de depressão, dona
Edna, sabia? Era horrível sair de casa, mas eu me esforçava. Acho
que ainda possuo um pouco e que não há fim para essa temida
doença, mas é importante se esforçar. Que tal se esforçar um
pouquinho e ir jantar com a sua nora?
— Então você já é a minha nora? — pergunta, juntando as
mãos em oração, esbanjando felicidade. Queria que todas as mães
fossem assim, participativas, interessadas nos assuntos que dizem
respeito aos filhos. É algo bonito e singelo.
— Acho que sou. Não sou, Nicolas?
— Eu não perderia essa oportunidade por nada — fala, me
puxando para seus braços e beija o topo da minha cabeça. —
Então, dona Edna, após muitos anos sem sair de casa, aceita ir
jantar na casa da minha namorada?
— Não sei se consigo. — A sinceridade dela toca a minha
alma e eu me pego segurando suas duas mãos.
— A senhora consegue sim, basta querer. O segredo está
na força de vontade.
— Você não pode vir e jantar conosco? — pergunta, quase
pedindo clemência.
— Ok, vamos fazer assim, eu venho jantar com a senhora,
mas tem que me prometer que da próxima vez vai se esforçar para
ir jantar em minha casa. O que acha?
— Ok, da próxima vez então. — Ela sorri amplamente e
volta a me abraçar. — Você é muito cheirosa.
— Ah, meu Deus, eu queria ter uma mãe como a senhora.
— Sorrio quase emocionada.
— Posso ser sua mãe. Meu coração é gigante.
— Vou guardar isso, dona Edna.
— Tudo bem, agora vou deixar vocês se despedirem porque
não quero ver intimidade — informa. — Hoje, após a aula de
Nicolas, tudo bem? É tarde, então...
— Está perfeito. Após a aula de Nicolas. — Ela se vai e
Nicolas volta a me puxar.
— Isso foi incrível, sabia? — fala. — Obrigado por tratá-la
bem. Ela é a minha vida.
— Ela é um amor, Nicolas. Como poderia tratá-la diferente?
— Eu estou cada dia mais apaixonado por você. — A
revelação me faz engolir à seco, apenas beijo sua boca porque não
tenho palavras para dizer agora.
— Te busco para levá-lo na faculdade, baby!
— Ok, sugar mommy. — Dou uma risada e entro no carro,
fugindo diretamente para o consultório da doutora Rovena.

— Misericórdia, Dandara, você mata uma pessoa de susto!


— ela exclama quando entro feito um tornado.
— Nicolas está apaixonado por mim. Ele disse que se
apaixona um pouco a cada dia mais. Não, um pouco mais a cada
dia, foi isso, exatamente isso que ele disse. E a mãe dele quer que
eu vá jantar com ela essa noite, e eu disse a ele que somos
namorados. Eu disse isso dentro do carro. Eu estou louca por
aquele garoto, irei levá-lo novamente à faculdade, como uma mãe
leva um filho na escola. E, no final da aula, estarei lá, esperando-o
para levar para a casa dele essa noite, ao invés de levá-lo para a
minha. Isso está ficando sério. Estou surtada, doutora Rovena? ME
DIGA!
— Meu bom Jesus!
— É isso que a senhora tem a me dizer? Porque eu sinto
meu coração quase sair da boca a cada vez que encontro com
aquele garoto, e adivinhe? Ele é mestre no sexo oral, e eu senti um
ódio por isso, fiquei com ciúmes. Queria que ele fosse inexperiente
nisso, mas ele é muito bom e tem uma língua potente.
— NÃO SENHORA!
— SIM SENHORA... A senhora não tem ideia do que estou
falando. O homem é muito bonito, muito perfeito, muito... gostoso
pra caralho, doutora Rovena. Me diga algo! Me diga que estou
completamente apaixonada por ele, por favor! Apenas me diga!
— Você está completamente apaixonada por ele.
— Não! Eu não estou! Como poderia estar? Ele só tem vinte
e um aninhos de idade, é um bebê.
— Foi você quem mandou eu dizer. Sei que anda armada.
— O que eu faço da minha vida? — pergunto, finalmente me
sentando e apoiando minha cabeça nas mãos, desorientada.
— Pare de relutar. Por que diabos você está relutante? Não
era você a pessoa que estava seguindo meus mandamentos? Eu
mandei você se jogar.
— E se eu tomar no cu, doutora Rovena? Me desculpe o
palavreado, isso nem combina comigo, mas é o que é, em
português bem claro.
— Misericórdia, Dandara! Se acalme! Se o garoto está
apaixonado por você, por que tomaria no cu? — A risada escapa de
mim bem escandalosa. Doutora Rovena falando cu é ótima.
Por que eu tomaria no cu?

HORAS MAIS TARDE


Acabo de deixar Nicolas na faculdade, quando estou
entrando em meu carro, promotora Lívia surge com um sorriso
gigante no rosto.
— Meritíssima! — fala, se apoiando no meu carro. — Então
o relacionamento é sério mesmo?
— Lívia, há algum problema em relação ao meu
relacionamento com Nicolas? Por que está incomodada com isso?
— Minha filha gosta muito de Nicolas. Ela tem estado triste
recentemente, diz que Nicolas não tem dado mais abertura a ela. A
pobrezinha até mesmo chorou. Nicolas costumava levá-la para casa
todas as noites, e agora isso acabou — comenta. Ela é mãe da tal
Camila? Inferno!
— Que pena, não é mesmo? Não há absolutamente nada
que eu possa fazer em relação a isso, essa história nem mesmo me
interessa.
— Ele é muito jovem para você, Dandara. Se situe! — Dou
um sorriso nervoso e bato a mão no teto do carro, fazendo com que
Lívia dê um salto.
— Se situe você. Não entre no meu caminho, ou teremos
um grande problema. Não sabe do que sou capaz!
— Sei sim. — Ela sorri. — O que Nicolas vai achar quando
ficar sabendo que você burlou a escolha do estagiário?
— Eu não fiz isso — informo rindo. — Está louca?
— Não é o que fiquei sabendo. Há rumores de que usou sua
influência para ele ser escolhido.
— Não usei. Basta ver a ficha dele. Está bem claro que
Nicolas é o mais bem preparado para a vaga. Ele mereceu ser
escolhido. A única coisa que fiz foi pedir para ser mentora dele,
nada além disso. — E é verdade, tanto que pedi pessoas para
analisarem o perfil dele.
— Segunda-feira saberemos se foi isso mesmo. Vamos ver
se ele ficará feliz ou não. — Ela pisca um olho e sai andando, eu a
pego pelo braço.
— Eu acabo com você, Lívia! E eu quero dizer isso! Acabo
com a sua carreira!
— Já estou sonhando com a aposentadoria mesmo —
responde, soltando seu braço do meu aperto. — Vamos ver quem
acaba com quem!
DANDARA
— Olá, meu pinguim! — Cumprimento meu filho com um
abraço apertado. Eu precisava disso para sobreviver essa noite, por
isso vim até o prédio de Lucca e pedi que ele descesse com nosso
filho, apenas para eu roubar um pouco do meu oxigênio.
— Mamãe, você é bonita.
— Você acha mesmo? Sou bonita e você é a cara da
mamãe — brinco.
— É uma grande mentira. Ele se parece comigo, eles
disseram — Lucca rebate.
— Eles quem?
— Eles. — Sorrio com a resposta e volto a cheirar meu
bebê.
— Quando vai voltar para casa? — pergunto ao meu filho.
— Estou com saudades.
— Mamãe, o tio Nico está em casa?
— Não. Tio Nico está estudando agora, mas quando você
voltar para casa ele estará lá para brincar com você.
— Mas, o papai é mais legal. Eles disseram. — Lucca...
impossível.
— Eles quem, Lucca?
— Ninguém, mas eu estou dizendo isso — fala se
divertindo. — Mentira, filho. Se o tal tio Nico é um amigo legal, ele
merece que você seja um amigo legal para ele também. É sempre
bom ter muitos amigos.
— Exatamente isso, filho! E, tio Nico é um bom amigo, não é
mesmo? — pergunto arrumando seus cabelos.
— Tio Nico é legal — Samuel concorda sorrindo.
— O garoto de açúcar está mesmo sendo um docinho. —
Encaro Lucca com meu olhar assassino.
— Isso é um inferno, Lucca. Porque eu simplesmente só
consigo pensar que Nicolas é um garoto de açúcar.
— Eu sou o melhor do melhor do mundo em criar os
apelidos mais incríveis. Agora, por que não entra?
— Porque preciso ir me arrumar melhor. Vou jantar com a
mãe de Nicolas pela primeira vez, estou um pouco ansiosa. Sei que
já jantei com sogras inúmeras vezes, mas é a primeira vez que
estou em busca de uma aprovação. Em todas as outras ocasiões eu
me garantia bem, porque... porque meu jeito superior de ser me
passava total segurança. Agora, é diferente. Eu quero mesmo que
ela goste de mim.
— Está gostando mesmo do garoto. — Lucca dá um sorriso.
— Isso é muito bom, Dandara. É um grande passo, uma grande
mudança. Você está indo para impressionar dessa vez, mas
impressionar de uma maneira mais verdadeira e bonita.
— É isso — concordo.
— Leve flores. É apenas uma dica. Passe em um desses
mercados 24 horas que vendem flores e compre algo. Ela ficará
feliz. É uma atitude doce. — Lucca dá a dica preciosa.
— Farei isso. Obrigada pela dica. Sou inexperiente — digo
rindo. — Pinguim, a mamãe precisa ir. Eu quero você logo em casa,
ok?
— Tá bem, mamãe. — O coloco no chão, me despeço de
Lucca e vou para casa.
Meu humor está ligeiramente modificado. Aquela idiota da
Lívia testou minha paciência e está colocando minhas qualidades
recém adquiridas à prova. Estou tentando ser a pessoa mais correta
possível, mas quando surge uma ameaça eu simplesmente quero
atropelar impiedosamente. É assim que me sinto. De qualquer
forma, respiro fundo, tomo um bom banho na banheira de
hidromassagem, escolho uma roupa não muito luxuosa e até desço
decido descer do salto essa noite.
Estou vestindo um vestido longo preto, uma rasteirinha
preta, meus cabelos estão soltos. Em meu rosto há apenas um
pouco de rímel e um lápis nos olhos; nas minhas orelhas
descansam argolas prateadas delicadas. E, fim! Estou bem e
satisfeita com o resultado.
Passo no mercado e compro para dona Edna um lindo
girassol. Nunca liguei muito para significados de flores, mas desde
que ganhei um cacto, passei a me interessar. O girassol representa
vitalidade, criatividade, otimismo e alegria. Por esse motivo, ela é
uma excelente opção para desejar boa sorte, muitas alegrias,
energias positivas, felicidades e outras coisas incríveis. Acho que é
um bom presente para uma senhora que possui depressão.
Vou buscar Nicolas, mas dessa vez fico apenas encostada
no carro ao invés de ir até ele. Tem em mim um pouco de tensão,
fico analisando todas as coisas e, por isso, o vejo sair da
universidade novamente com a tal Camila. Não fico satisfeita, nem
um pouco. Acho Nicolas extremamente maduro para muitas
questões, mas é inocente e inexperiente para outras.
Ele se despede dela e vem sorridente até mim. Eu tenho
que fingir alegria, mas me tornei transparente o bastante.
— Você está linda! — ele fala me puxando para um beijo, e
eu não descruzo meus braços. — O que há?
— Camila é filha da promotora Lívia, não é mesmo? — Ele
franze a testa.
— Sim. Por quê?
— Você sabe que ela gosta de você? Já se deu conta
disso? — pergunto.
— Está com ciúmes?
— Estou — confirmo. — Mas, é apenas uma pergunta. Você
sabe disso?
— Desconfio. — Balanço a cabeça.
— Nunca se interessou por ela? É uma garota jovem,
bonita, da sua faixa etária.
— Nunca me interessei, Dandara. Por que está fazendo
isso?
— Não estou fazendo nada demais. São apenas perguntas
— digo, descendo meus braços. — Desculpa.
— Camila parece gostar de mim muito antes de você surgir,
Dandara. Muito antes. Se eu quisesse qualquer coisa com ela, eu
não estaria aqui hoje, ansioso para levá-la para jantar com a minha
mãe. Não quero ninguém da minha faixa etária, esse lance de idade
está ridículo. Seja o que for que está passando nessa cabecinha,
esqueça. Não há espaço para uma terceira pessoa aqui. Não gaste
energia com coisas que não fazem sentido e que não irão agregar
coisas boas ao nosso relacionamento. Relaxe, cacto. Não há
motivos para ficar receosa.
— Ok.
— Quer que eu dirija?
— Por favor. — Entrego as chaves a ele e sou puxada para
um beijo que faz minha mente desanuviar. Um beijo com
familiaridade e gosto de lar. — Sua mãe que me desculpe, mas eu
daria muitas coisas para seguirmos direto para o caminho do sexo.
Estou carente.
— Estou percebendo. O que há mais nessa cabecinha?
— Nada — afirmo, sabendo que minha afirmação é ridícula.
— Vamos?
Estou ligeiramente nervosa quando paramos diante da
casa.
— O seus... tios, estão aí? — pergunto receosa, e ganho um
sorriso.
— Não. Eles estão em São Paulo, mas se estivessem aqui
você estaria ferrada. Minha tia consegue ser pior que minha mãe —
explica, e eu pego o pequeno vaso com girassol. — Ei, não
precisava disso.
— Eu sei que não precisava, mas quis fazer isso. Gostei
bastante da sua mãe, Nicolas.
— Tudo bem, desculpe. — Dou um beijo em sua bochecha e
ele sorri.
Quando abre a porta e eu já levo um impacto grandioso com
o local. É uma enorme casa, luxuosa, com um lindo paisagismo e
uma enorme piscina. É intrigante que há um espelho d'água que
vem do segundo andar da casa e cai diretamente na piscina.
— Uau, Nicolas! Esse lugar é lindo! — elogio.
— Há muito luxo aqui, mas eles são pessoas extremamente
simples e fáceis de lidar. Espero que em breve possa conhecê-los.
São como pais para mim. — Acho tão bonito a consideração dele.
— Vocês chegaram! — Dona Edna surge sorridente e eu
entrego o girassol a ela. — Não precisava, meu amor.
— Uma certa pessoa despertou minha curiosidade por
significados das flores. — Sorrio. — Fiquei sabendo que o girassol
simboliza vitalidade, criatividade, otimismo e alegria. Portanto,
trouxe porque desejo tudo isso à senhora. Quero muita vitalidade
para que um dia vá almoçar e jantar em minha casa.
— Muito obrigada, filha. — Ela sorri. — Nicolas, vá lavar as
mãos e guardar essa mochila, garoto!
— Mãe, não me envergonhe. Não sou uma criança. — Dou
uma gargalhada, achando o máximo essa situação. Dona Edna sai
me arrastando para dentro de casa e percebo que o interior é ainda
mais incrível. Pareço estar no céu, diante de todos os móveis
brancos e o piso reluzente no chão, mas o que mais me chama
atenção é o cheiro delicioso de comida.
— Eu nem sabia que estava com fome até entrar aqui —
comento.
— Então vamos encher o pança! — ela comenta radiante, e
novamente me encontro sorrindo.
— Mãe, vou mostrar o restante da casa para Dandara.
— Deixe isso para depois, afinal, eu sei que vocês vão
trocar saliva e que isso pode ser demorado. Você sabe, uma coisa
leva a outra e...
— Mãe!
— Eu amei sua mãe, Nico — digo rindo. — Estou de acordo
com ela. Deixe o tour pela casa para depois. Estou faminta!
Dona Edna fez um incrível bife à parmegiana, com arroz
branco e fritas! Meu Deus, nem sei dizer a quantos anos eu não
comia isso. Eu nem mesmo converso, apenas ouço dona Edna
contando detalhes sobre a infância de Nicolas.
— Estou com vergonha, mas posso comer um pouco mais?
— Nicolas começa a rir do meu pedido e dona Edna simplesmente
deve estar achando que eu passo fome em casa, porque ela enche
meu prato. — Oh! Isso é demais! — digo rindo.
— Dandara come como um passarinho. Se ela está
repetindo é porque a senhora arrasa, dona Edna — Nicolas fala,
fazendo um carinho no rosto dela.
— Me conte sobre seus pais, Dandara — dona Edna pede
sorrindo, e eu paro de rir no mesmo instante. Não há como mentir
muito sobre isso, então eu opto pela sinceridade.
— Não tenho uma boa relação com meus pais desde muito
jovem. O que posso dizer é que eles foram pais omissos quando eu
mais precisava de apoio e de alguém para me defender. Meu
passado não é muito bonito, isso inclui diretamente o meu
relacionamento com os meus pais. Nicolas é um garoto de sorte por
ter uma mãe maravilhosa como a senhora, e o meu filho também é
um garoto de sorte. Quero ser para ele o mesmo que a senhora é
para Nicolas.
— Oh, querida! Sinto muito que tenha passado maus
momentos com os seus pais. Deve ter sido difícil. Não vamos falar
mais sobre isso. É um momento de alegria tê-la aqui.
— Sim. Foi muito difícil e transformador. Não me orgulho de
nada — confesso. — Mas, concordo em não falarmos mais sobre
isso.
— E Samuel? Nicolas me falou sobre ele — pede
sorridente.
— Samuel é uma criança linda — digo orgulhosa. — Ele
está passando uns dias com o pai. Espero que a senhora possa
conhecê-lo.
— Meu sonho é ter netos. Eu peço a Nicolas todos os dias
para que me dê netos logo. Pensa em ter mais filhos? —
Misericórdia. Nicolas até se engasga com o suco e eu começo a rir.
— Netos — digo rindo. — É claro que sim. Não quero que
Samuel seja filho único. Como sempre fui muito sozinha, quero
poder dar a ele uma família mais numerosa. Penso em mais um ou
dois filhos. Três filhos é o meu limite. Sei que ele terá irmãozinhos
da parte do pai também.
— Vocês poderiam fazer isso logo? Porque eu já não sou
tão jovem, penso que posso morrer a qualquer momento e quero
poder conhecer e brincar com os meus netos. — Ahhhh, ela é tão
linda sendo assim, tão natural e verdadeira. É admirável de uma
forma que nem tem como ficar um pouco incomodada com o
pedido.
— Mãe, eu e Dandara começamos a namorar hoje. Não
acha cedo demais? — Nicolas pergunta com as bochechas
completamente vermelhas de vergonha.
— Não existe esse negócio de cedo demais — ela nem
titubeia para falar. — É só ir lá e fazer! Vocês devem fazer muito
sexo, é só ir em frente.
— Ok, dona Edna. Eu e Nicolas iremos conversar sobre isso
em breve — minto, apenas para ela mudar de assunto e Nicolas
deixar de ficar mortificado.
— É sério? É a segunda vez que rola esse assunto de filho.
Você quer fazer um filho? — ele pergunta me encarando de uma
forma intensa o bastante.
— Nicolas, é deselegante tratar disso na frente da sua mãe.
— Eu acho muito elegante — dona Edna defende. —
Continuem.
— Vamos discutir em um outro momento. — Ele nos salva e
eu volto a respirar com tranquilidade.
Não tenho muito tempo. Já estou com 37 anos de idade e
preciso ter filhos logo, enquanto minha saúde ainda está impecável
e antes de entrar na menopausa, mas acabei de conhecer Nicolas,
então é um pouco engraçado estar debatendo sobre filhos com um
garoto de 21 anos de idade com quem eu comecei um
relacionamento agora. Isso também traz uma leve preocupação.
Temos sido cuidadosos 90% das vezes, mas há algumas, como
essa manhã, onde não lembramos de nada. A intensidade nubla a
razão em alguns momentos. Agora me encontro ligeiramente
preocupada por ter lembrado disso.
— Você ficaria feliz sendo pai tão jovem? — pergunto a ele,
ignorando a presença de dona Edna sem querer.
— Não é algo que planejo, mas se acontecesse seria o mais
feliz dos homens. Gosto muito de crianças e o grande sonho da
minha vida é ter filhos. — Uau! Nunca tínhamos conversado sobre
isso. É surpreendente! Preciso falar com doutora Rovena.
Quando terminamos de comer, dona Edna me obriga a
comer pudim e eu me pego repetindo. Não sobra espaço para uma
rapidinha no quarto de Nicolas e eu só aceito conhecer toda a casa
na esperança de me sentir menos "empanzinada".
É uma noite tranquila, com muita harmonia e risadas.
Conheci até o caseiro que também mora no mesmo terreno da casa.
Brinquei que dona Edna deveria namorar com ele e levei dois tapas
na bunda: um dela e um de Nicolas.
— Bom, pessoal, a noite foi incrível, mas preciso ir.
— Dorme aqui, minha filha. Não ligo de dormir com Nicolas.
Sei que jovens transam. — Não sei se rio dela ou de Nicolas. Acabo
rindo dos dois.
— Mãe, pelo amor de Deus! É sério! Eu amo a senhora,
mas tenha o mínimo de filtro.
— Já é tarde, menino. Vai deixá-la ir embora?
— Dona Edna, eu pre...
— Fique — Nicolas pede.
— Não trouxe roupas, não trouxe nada — explico, sobre o
olhar de quase súplica dos dois. São mãe e filho, realmente.
— Eu tenho tudo que você precisa. — Minha mente safada
já começa a trabalhar assim que Nicolas diz essas estimadas
palavras. Ele realmente tem tudo que eu preciso e eu nem penso
duas vezes antes de aceitar.
— Ok.
— Ainda bem que eu durmo na casa de fora. Bem longe do
quarto do meu menino! Misericórdia escutar coisas
constrangedoras. Fiquem à vontade, meus meninos. Amanhã nos
vemos. Vou preparar um banquete de café da manhã. — Dona Edna
me dá um beijo na testa, beija Nicolas e se vai. Não demora cinco
segundos para eu estar sobre o garoto.
— Já trouxe alguma garota aqui? — pergunto, mordendo
sua orelha. — Já trepou em sua cama?
— Nunca — responde, apertando minha bunda.
— Me leve para o seu quarto, agora. Quero fazer sexo em
cima da sua cama de solteiro. — Ele me carrega, e eu faço
exatamente o que falei.
Passo o final de semana todo vestindo as camisas gigantes
de Nicolas, comendo todos os quitutes de dona Edna e dividindo
uma cama de solteiro com ele.
Não me recordo se algum dia fui tão feliz assim. Esse garoto
de açúcar adoçou a minha vida e ampliou todos os horizontes.

Encaro minha imagem diante do enorme espelho do meu


quarto, refletida nele está a meritíssima, no auge do seu poder como
mulher. Estou voltando ao trabalho, voltando a ocupar o posto que
sempre significou muito para mim e que fiz por merecer.
Meritocracia, de um jeito ou de outro. Me encontro devidamente
preparada e com a velha e boa fome de justiça, porém há algumas
mudanças em mim. No espelho vejo a velha Dandara refletida, só
que no meu interior há uma nova mulher; uma que provavelmente
lidará com a justiça de uma forma diferente agora. Antes eu não
possuía nada além da vaidade. Hoje eu possuo um coração e um
filho, e quero que ele se orgulhe da mãe, que ele saiba que todos os
dias em que eu sair para trabalhar e deixá-lo, lutarei pela justiça de
uma maneira limpa e bonita.
Eu fui embora sendo uma pessoa e estou voltando outra.
Durante muitos anos eu evitava julgar a mim mesma, mas todos os
acontecimentos me levaram a isso e trouxeram um aprendizado
gigantesco. Tenho um enorme caminho para percorrer e hoje me
sinto devidamente preparada para continuar a caminhada.
Estou vestindo um vestido estilo secretária verde musgo,
elegante e completamente grudado ao meu corpo, de mangas
compridas e sem decote algum. Ele bate uns dois dedos acima dos
joelhos e tem um fecho entre as pernas que dá um toque incrível e
sensual. Em meus pés há uma sandália de salto fino, simples, bege.
Nas minhas mãos uma bolsa bege combinando com a sandália.
Meus cabelos estão presos em um rabo de cavalo perfeito e há uma
maquiagem mais bem trabalhada no meu rosto. Tudo em mim grita
poder e eu gosto da sensação de me sentir poderosa.
Saio de casa sentindo um leve frio na barriga, mas isso
termina quando desço do carro no estacionamento do Fórum.
Coloco meu distintivo e meus olhos se enchem de lágrimas por
relembrar de toda a luta que travei para chegar nesse posto, para
mostrar que eu podia, que a garota que todos debochavam por ser
negra e filha da empregada estava no poder. Inúmeras noites sem
dormir, nada de festas, nada de diversão, horas e horas de estudo
em busca de concretizar o tão almejado sonho de me tornar Juíza
de Direito. Tudo isso valeu à pena.
Ignoro os pensamentos frenéticos, levanto minha cabeça e
caminho decidida. Quando adentro no local, tudo parece voltar há
anos, é como se absolutamente nada tivesse mudado.
“Diante de mim as pessoas se inclinam.”
— Bom dia, meritíssima!
— Bom dia!
“À minha voz ocorrem”
— Meritíssima, posso ajudá-la em algo? Aceita um café?
— Um café seria bom — digo. — Leve até a minha sala, por
gentileza.
“À minha palavra obedecem, ao meu mandado se
entregam.”
Funcionários me olham com respeito, alguns com medo,
outros com admiração. Estudantes engravatados só faltam prestar
continência para mim...
“Ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se
despojam.”
— Meritíssima! — A primeira pessoa que encontro é Victor
Albuquerque.
— Victor. — Sorrio e o abraço.
— Você está linda, Dandara. Está retornando hoje?
— Sim. Uma nova fase começa hoje. Melinda e as
crianças?
— Estão todos ótimos, graças a Deus. É bem-vinda para
jantar em nossa casa. Precisa conhecer melhor a projeto de
Melinda, mais conhecida como Sophie.
— Quero muito conhecê-la e conhecer Luiz Miguel também.
Vamos marcar algo sim. Bom, agora preciso ir. Nos encontramos em
breve, em uma das audiências da vida — digo, abraçando-o
novamente e me afasto.
— Dandara, boa sorte! Que a nova fase seja incrível e
diferente! — ele diz segurando minha mão, e eu balanço a cabeça
em agradecimento.
Continuo caminhando rumo à minha sala, mas, vejo algo
que me faz parar uma sala antes: Lívia. Ela está sentada sobre sua
mesa e Nicolas sentado em uma cadeira ao lado dela, de costas
para mim. Os olhos dela encontram os meus e vejo um sorriso
crescer amplamente em seu rosto antes de dizer:
— Eu sinto muito por isso, Nicolas. Dandara não deveria ter
agido dessa maneira com você.
"E, quando um dia, finalmente eu sucumbir e já então,
como ré, comparecer à Tua Augustia Presença para o último
Juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua
sentença. Julga-me como um Deus."
DANDARA
Meus olhos ainda estão fixos nos olhos dela quando Nicolas
se levanta. Quando ele se dá conta da minha presença, se vira e me
encara com um olhar completamente diferente de todos que já
foram dirigidos a mim. Não vejo raiva, mas vejo uma espécie de
desolação que me fere, que toca profundamente em minha alma.
Ele está magoado, decepcionado; é tão transparente.
— O que essa mulher te disse, Nicolas? — pergunto. —
Seja lá o que tenha sido, é mentira e você não pode ouvi-la.
— Não é um bom momento para conversarmos — diz,
abaixando seu olhar. — Preciso ir agora.
— Para onde?
— Para casa — responde. — Até logo, Lívia. — Ele se
despede dela com dois beijinhos e passa por mim. — Até mais,
Dandara.
— Nicolas, eu acho que precisamos conversar. Seja lá o que
ela tenha dito, eu tenho uma explicação verdadeira para te dar —
argumento, seguindo-o. — Não pode sair assim, sem deixar que eu
fale com você. É o seu primeiro dia e esse estágio é importante para
o seu futuro.
— Vou deixar você falar, Dandara. Juro que vou. Não sou
um moleque. Mas, preciso processar todas as coisas que acabei de
ouvir. Aqui não é o local e tão pouco agora é o momento. Eu não
tenho mais um estágio, porque não fui aprovado. Nos falamos mais
tarde. — Ele se vai e eu fico parada no corredor, vendo-o partir.
Ele foi aprovado, merda! Eu não tive absolutamente nada a
ver com a essa aprovação. Apenas solicitei para ser mentora dele.
Eu só queria ajudá-lo, ensinar tudo o que sei, contribuir para o
crescimento dele...
Tudo isso parece tão injusto agora. É a primeira vez que
estou tentando fazendo todas as coisas certas, mas parece que o
certo não é para mim.
— É ruim vê-lo triste, não é mesmo? — Lívia surge ao meu
lado, cruzando os braços e o observando ir. — Você acha que pode
comprar tudo, Dandara. Se acha a soberana e inalcançável. Acha
que todos devem sempre se submeter aos seus caprichos, às suas
vontades. Foi assim desde o primeiro dia que entrou nesse fórum, e
ainda será no último. Algo que me diz que você tem ligação direta
com a morte de Diógenes. O que tem a me dizer sobre isso?
Herdou uma herança milionária, está saindo com jovens, está tendo
uma vida incrível que não tinha quando estava casada com um
homem bem mais velho que você. — A pego pelo pescoço,
esquecendo onde estou e quem sou. Ela parece prestes a perder o
fôlego para valer e eu pareço prestes a fazer isso acontecer quando
a empurro até a parede.
— Eu me lembro de ter dito para não entrar no meu
caminho, promotora. Não matei Diógenes, mas sou capaz de matar
você.
— Me solta, está me sufocando. — A aperto mais forte,
vendo seu rosto ficar vermelho e sentindo prazer com isso.
— Você vai preferir esse sufocamento a receber tudo que
irei fazer com você a partir de agora. Não queira ser minha inimiga,
Lívia. Eu sei descer tão baixo como você jamais imaginou. Você
acha que me conhece, mas não sabe 1% do que sou capaz. Não sei
o motivo por trás desse seu comportamento, mas vou descobrir e
depois que isso acontecer, farei com que implore por piedade,
vagabunda de quinta categoria. Se eu perder Nicolas por conta de
uma mentira, eu vou tirar tudo de você. — A solto e ela cai sentada
no chão.
Há muitas pessoas nos olhando agora, e eu as ignoro indo
diretamente para a minha sala. Tenho certeza que a batida da porta
pôde ser ouvida por todo fórum.
Meu dia é um inferno. Recebo processos de um juiz que
está afastado, tento me atualizar de todas as coisas que
aconteceram na minha ausência, ligo para todas as escolinhas que
Lucca me passou, não lembro de comer, tento focar toda a minha
energia no trabalho. Quando chega o momento de ir para casa, é
quando me dou conta do estrago em meu interior. Tentei me manter
forte durante todo o dia, mas é quando todos os compromissos
desaparecem que eu me sinto golpeada pelo destino. A sensação
de nadar e morrer na praia é nova para mim, não possuo
familiaridade com um monte de sentimentos que estão duelando
dentro de mim. Não há como estar no controle de algo que não sei
lidar e isso traz uma frustração esmagadora.
Sigo para a casa, mas me porto como um robô. Sigo direto
para o banho, visto uma roupa confortável, como uma fruta por ser a
única coisa que meu estômago que aceitar hoje, e decido ir à luta.
Pego meu celular e faço inúmeras ligações para Nicolas.
Vou até a universidade e descubro que ele não foi à aula, eu me
pego batendo na porta da casa dele e dona Edna me atende.
— Minha filha! — Ela me abraça.
— Dona Edna, me desculpe por incomodá-la. Nicolas está?
— Não. Está tudo bem entre vocês? Ele chegou cabisbaixo,
não quis comentar o que aconteceu, trocou de roupa e saiu.
— Houve um mal-entendido e eu quero muito resolver, dona
Edna. Preciso encontrá-lo, Nicolas é muito importante para mim e
eu não quero perdê-lo. — Abro todas as minhas barreiras nessa
confissão. — Dona Edna, se a senhora sabe de algum lugar onde
ele possa estar, me diga, por favor?
— Eu acho que ele pode estar na casa de praia, mas eu não
sei explicar onde é, minha filha. Nunca fui até lá. Só sei que é no
Grumari.
— Eu sei onde é. Já estive lá — digo. — Muito obrigada,
dona Edna. Serei eternamente grata por essa informação.
— Dandara, eu espero que se resolvam, seja lá o que tenha
acontecido, minha filha. Gostei muito de você. Trouxe alegria para o
meu menino.
— Também espero resolver, dona Edna. Eu me apaixonei
pelo seu filho, não quero que isso acabe. A senhora pode ficar daqui
torcendo?
— Irei orar e torcer por vocês. Vá com Deus, minha filha.
Volto ao carro e devido ao desespero pareço estar em uma
corrida contra o tempo. Quanto mais demoro a chegar mais pressa
tenho. A sorte é que a estrada é pouco movimentada,
principalmente à noite. As curvas sinuosas são o que exigem mais
da minha atenção, por isso, demoro mais tempo do que gostaria.
Quando chego diante da entradinha que leva até a casa já
avisto a moto de Nicolas. Desço do carro e me pego até fazendo
sinal da cruz. É como se todos os medos do mundo tivessem em
mim agora.
Caminho decidida, vendo tudo aberto e iluminado. Encontro
Nicolas de primeira, sentado no sofá, bebendo cerveja e com uma
manete de vídeo game na mão. Não gosto nada do olhar que
recebo, talvez seja esse tipo de olhar que mereço receber mesmo.
Não posso julgá-lo agora.
— Estou ligando para você há um tempo, fui até sua casa,
sua mãe disse que poderia estar aqui — falo receosa.
— Eu queria ficar sozinho e pensar. Quando quero me isolar
venho ficar aqui por um tempo — explica. — Não me sinto pronto
para conversar, Dandara. Me desculpe. — Sua voz é calma, porém
triste.
Forço meus pés a se moverem e me sento na mesa de
centro diante dele.
— Só me deixe explicar, então eu deixarei que você pense
bem. Preciso dizer, preciso falar, preciso expulsar isso de dentro de
mim, porque está me sufocando. — Ele suspira com as minhas
palavras, deixa a manete e a cerveja de lado e cruza as mãos,
permitindo que eu fale. — O que ela disse a você?
— Que eu só fui aprovado no estágio porque você usou sua
forte influência para isso. Que todos ali já sabiam que eu fui
aprovado porque você influenciou diretamente nisso. E, foi o que
pareceu. Desde o primeiro instante que entrei no Fórum passei a ver
as pessoas cochichando, me olhando até mesmo com repulsa. Eu
não fiz nada para receber isso, e recebi. Então, a explicação de
Lívia me mostrou o real motivo — diz. — Era um grande sonho estar
ali, Dandara. E eu sei do meu potencial, sei que poderia ter sido
aceito por merecimento, por ser um bom aluno.
— E foi por isso que foi aceito, Nicolas. Eu não usei minha
influência. Vou te contar tudo, desde o início.
— Por favor.
— Quando nos afastamos e não atendia minhas ligações, fui
até o Fórum. Lá há uma pessoa que sempre me ajuda com
investigações, doutor Mauro. E eu queria muito encontrar você.
Passei seu nome e tudo mais, então, enquanto ele e um
investigador buscavam informações, apareceu seu nome no
cadastro de estagiários. O seu e de um outro garoto. A vaga estava
sendo disputada pelos dois. Naquele momento pedi que eles
imprimissem a ficha dos dois para fazer uma análise, e eu fiz. De
longe sua ficha era infinitamente melhor, Nicolas. E, doutor Mauro
concordou. Eu disse realmente a eles que iria mostrar isso aos
responsáveis pela escolha, mas não fiz. Não fiz porque sabia que
você seria escolhido de toda maneira. Era o mais bem capacitado,
então você foi escolhido, a informação chegou até mim e aí sim eu
fiz algo. Como seu sonho é ser juiz, pedi a eles que me colocasse
como sua mentora. Foi apenas nisso que usei minha influência e
nunca foi para o mal, Nicolas. A maneira como você se esforça e
como sonha com isso, me remete ao passado. Não tive muitas
pessoas para me dar conselhos, para me guiar, mas sei que posso
fazer isso por você. Sei que posso treiná-lo para estar em meu lugar
em breve. Posso te preparar para isso. Sei muito sobre a minha
profissão, é algo que domino por completo, e teria muito a agregar a
você.
— Ok, mas eu deveria ter ficado sabendo disso desde o
início. Houve erro de comunicação entre nós Dandara, e está me
custando o meu estágio. Essa é a sua versão, mas por que o doutor
Mauro deu a mesma versão de Lívia?
— O quê? — pergunto incrédula.
— Doutor Mauro disse que você parecia louca investigando
sobre mim e que parecia disposta a tudo para me fazer ser aceito no
estágio.
— Isso é mentira! Meu Deus! Nicolas, eu nem posso
acreditar num absurdo desses. Não fiz isso.
— Estou confuso agora, Dandara. Não a conheço o
suficiente e não posso mais voltar ao estágio. O comentário é de
que só fui aceito por ser o jovem garoto que está fodendo com a
juíza viúva. Não tive tempo para absorver e pensar. É o que preciso
agora. Preciso muito pensar e traçar novos planos.
— Eu me afasto do cargo — digo. — Se o problema foi
causado por mim, eu me afasto, mas não desista dos seus sonhos.
Eu vejo um futuro incrível para você, Nicolas. Sinto muito que
tenham dito tudo isso e que esteja duvidando da minha conduta.
Nem posso exigir que seja diferente, porque errar com as pessoas é
a minha especialidade, apenas saiba que não fiz isso. Não sou uma
mulher de juramentos, mas dessa vez farei isso. Juro a você que
não foi escolhido por interferência minha e prometo que provarei a
quem quer que seja. Você não será conhecido como o garoto que
fodeu com a juíza. Tem a minha palavra. Apenas não desista.
— Não se afaste. Eu quem sou o inexperiente aqui e me
senti em um jogo de xadrez onde você é a rainha e eu sou apenas
um peão. Só é tudo muito novo para mim, preciso absorver melhor o
ocorrido. Não sou bom para ter essa conversa agora, mas agradeço
seu esclarecimento.
Eu nunca fui uma mulher chorona. Na verdade, sou
conhecida por ser fria na maioria das situações. Fria, calculista, Elsa
como Lucca dizia, mas neste momento também enxergo que nunca
conheci a dor de verdade. Todos os conceitos que eu tinha sobre
dor foram subestimados. O que eu estou sentindo agora é algo
novo. Não preciso que soletre as palavras para eu saber que o
perdi. Está explicito em cada olhar, em cada gesto. Sou muito
fechada em relação aos sentimentos, mas Deus é minha
testemunha do quanto eu não queria perdê-lo, do quanto ele me fez
tão bem nos últimos dias. É como a música do Lulu Santos numa
outra versão: "Ele me faz tão bem, que eu também quero fazer isso
por ele". Era assim que eu estava conduzindo tudo, abrindo
barreiras, quebrando tabus que eu mesma possuía, "aloprando"
como doutora Rovena me disse para fazer.
— Nico... eu não teria feito qualquer coisa se soubesse que
iria te magoar — digo, permitindo as lágrimas caírem. — Eu juro.
Nunca faria nada para afastá-lo de mim, porque eu nunca fui tão
feliz como tenho sido todos esses dias com você. Se eu sou a
Rainha, você é o Rei, mas peão? Nunca. Não vou mentir que me
assusta a diferença de idade, mas há outra questão que me assusta
também: sua maturidade. Às vezes me sinto imatura perto de você,
mas eu venço esses receios todos os dias, porque você me faz um
bem enorme.
— Me sinto desigual — confessa. — Tentei alcançá-la, mas
a maneira como estou me sentindo agora não é legal, Dandara. É
uma mulher extremamente poderosa, sabe como ser assim, sabe
como conduzir as situações, sabe exigir das pessoas. O que
ocorreu hoje fez com que eu me sentisse como uma mercadoria,
mas não estou, nunca estive e não estarei à venda. Estou
decepcionado porque você disse que não mentiria para mim. Eu fui
o último a saber de algo que me envolvia diretamente. Estava feliz
essa manhã quando saí da sua casa, estava radiante por começar
um novo ciclo e estar perto da mulher que sempre foi a minha
inspiração. Eu só queria estar preparado, talvez eu não teria me
sentindo tão diminuído quanto me senti. Sonhei por aquele posto,
por estagiar naquele local, por vê-la em ação de perto. Você
mentiu.
— Eu omiti.
— As duas coisas são erradas. Confiei em você e fui claro
sobre mentiras. Suporto muitas coisas, mas mentira está no topo
das coisas que mais odeio e menosprezo na vida. Você é um
labirinto Dandara, e estou perdido agora. Tinha todo um
planejamento, e agora não tenho coragem de voltar ao Fórum e
encarar todas as pessoas que pensam que estou ali por ser amante
da temida meritíssima. — Consigo compreendê-lo muito bem.
— Não vou exigir que acredite em mim, mas irei provar que
estou falando a verdade. Você foi escolhido porque mereceu. Me
desculpe, de verdade, Nicolas. Errei a minha vida toda com todas as
pessoas, até mesmo com o meu próprio filho. Fui egocêntrica,
egoísta, fria, má. Mas com você eu fui diferente o tempo todo. Eu te
dei uma parte minha que eu nem mesmo era familiarizada e que
nunca havia dado a qualquer pessoa, nem mesmo ao pai do meu
filho, quis te dar o melhor de mim — argumento, limpando meus
olhos. — Não queria vê-lo assim, faria tudo para não receber o seu
desprezo e não ser a responsável pelas suas dúvidas. Eu também
me apaixonei por você, Nicolas. Ignorei o medo, diferença de idade,
receios, ignorei a parte de mim que insistia em me manter na zona
de conforto e mergulhei em tudo que você é e me ofereceu. Só
queria o melhor, queria repassar a você todo meu aprendizado,
queria... queria você perto de mim, queria que ficasse. Me desculpe,
ok? Não desista dos seus sonhos. Vou consertar tudo isso. — Ele
também está chorando quando o deixo.
A temida solidão está de volta. A dor está de volta. Mas,
dessa vez, tudo parece amplificado. Uma vez uma pessoa me disse
que a maior dor é provocada por alguém que amamos de verdade...
...e eu achava que sabia o que era sentir dor...
"Você é assim, metade flor, metade cacto. Metade céu,
metade inferno."
DANDARA
Eu passo o resto da semana sem ir ao Fórum, sem ir às
consultas com doutora Rovena, sem ver ou saber qualquer notícia
relacionada à Nicolas.
Samuel ficou a semana inteira com Lucca, envolvido nos
preparativos da festa. Aproveitei a solidão para fazer um balanço
sobre a minha vida todos esses dias, não cheguei a qualquer
conclusão, obviamente, e tive que fazer um esforço gigantesco para
ir ao aniversário do meu próprio filho. Isso me torna uma mãe ruim?
Espero que não!
Os últimos dias foram difíceis o bastante à ponto de eu não
conseguir reagir aos acontecimentos. Eu me dei conta de que levei
uma grande rasteira do destino e dos cretinos do Fórum. Também
me dei conta de que preciso agir, preciso usar a justiça ao meu favor
e farei isso.
O aniversário do meu filho foi infinitamente melhor do que
imaginei. Samuel conseguiu me distrair de todos os problemas,
porém acho que criei um novo problema sem querer, porque assim
que assopramos a velinha, o semblante de Lucca se muda por
completo ao ver Paula ir embora.
— Você se importa de ficar com Samuel e dar atenção aos
convidados? — ele pede com o rosto sem cor.
— Claro que não. O que houve?
— Eu acho que a minha noiva acaba de me abandonar —
diz de uma maneira tão desolada que faz meu coração se apertar
no peito.
— Ela não faria isso, Lucca. Respire, ok? Às vezes nossa
mente prega peças.
— O que tenho de errado para todas as mulheres me
abandonarem? — pergunta com os olhos cheios de lágrimas.
— Não há nada errado com você. Nós mulheres que somos
complicadas demais. O erro não está em você. Vá atrás dela,
converse, tente entender o que houve. Não sofra por antecipação —
aconselho. — Cuidarei de tudo. Apenas vá e não a perca. — Ele
balança a cabeça positivamente e sai como um desesperado.
Não consigo evitar de sentir culpa. Lucca, mesmo indo vê-la
muitas vezes, se dedicou ao nosso filho, em fazer todas as vontades
do nosso pequeno e eu estive incluída em todas as atividades, sem
nem mesmo ter qualquer pensamento maldoso. Me apeguei às
brincadeiras com Samuel porque elas me distraíram da merda
completa em que me encontro.
— Está tudo bem, Dandara? — Victor percebe que estou um
pouco perdida e se aproxima.
— Paula foi embora sem se despedir de Lucca, acredito que
tenha algo relacionado a mim. Na verdade, meu sexto sentido está
gritando isso e ele nunca falha. Fiz algo errado? — pergunto,
movida pela insegurança.
— Não. Não entendo muito sobre separação, Dandara, mas
creio que você e Lucca estão fazendo o que é melhor para Samuel.
Paula está grávida, os hormônios ficam uma grande confusão,
talvez tenha ficado com ciúmes, não sei dizer, mas acredite, vocês
foram exclusivamente pais no dia de hoje e não vejo motivos para
se preocupar. Não teria como se manterem afastados no aniversário
do filho de vocês.
— Eu acho que preciso conversar com Paula e explicar
algumas coisas. Victor, eu não sou uma ameaça e não quero ser um
problema para os dois. Já errei muito com Lucca no passado e só
quero que ele seja muito feliz com a mulher que ele ama.
— Seja o que for, Lucca saberá como conduzir. Apenas
relaxe.
— Olhe Samuel para mim? Preciso ir ao banheiro. — Ele
balança a cabeça em concordância e eu me afasto.
Antes de ir ao banheiro, sou parada por alguns convidados
que não me conheciam. É horrível você estar se sentindo uma
merda e ter que ficar sorrindo, fingindo plenitude. Eu costumava ser
boa em fingir, mas hoje essa máscara não me serve mais, ao invés
de me sentir confortável, me sinto sufocada tendo que mostrar uma
realidade que não condiz com a maneira como me sinto.
Quando finalmente entro no banheiro, agradeço a Deus por
ele estar vazio e me sento no sanitário. É como se eu acabasse de
apertar um botão interno, porque as lágrimas simplesmente
começam a cair. Eu choro por diversos motivos, principalmente,
choro por ter entrado naquele maldito site buscando um
acompanhante para o dia de hoje. Além de ter me apaixonado pelo
garoto de açúcar, o perdi e meu plano de vir acompanhada foi falho.
Ou seja, entrei naquele site e encontrei, ao invés de arrumar a
solução para os meus problemas, encontrei um problemão para as
minhas soluções. Uma tragédia! Pior de tudo é me pegar desejando
que ele surja aqui, do nada, e esqueça toda a merda que aquela
vadia da Lívia inventou.
Respiro fundo, tentando a todo custo superar todas as
questões, e saio para encontrar com Paula. Maravilha!
— Você está bem? Precisa de ajuda? — ela pergunta, e
noto que seus olhos também estão vermelhos. Isso me deixa em
desespero, por medo de algo ter dado errado.
— Não perca Lucca, por favor. Ele ama você. Eu não quero
ser o motivo para destruir mais uma relação. Não aguento mais
destruir pessoas. Não o deixe. Eu irei me afastar.
— Calma... — pede.
— Ele te ama — afirmo, com toda certeza que possuo.
— Quer um pouco de água? — ela oferece, e eu
simplesmente apoio as mãos na pia, abaixo a cabeça e choro.
Choro e começo a rir, tudo ao mesmo tempo. Nunca vi pessoa mais
parecida com o Lucca como essa mulher.
— Meu Deus! Você é mesmo a alma gêmea de Lucca, só
isso justifica — digo, e decido limpar meu rosto. O que deu em mim
que eu só choro? — Não enxerga isso? — pergunto.
— Enxergo.
— Vocês são perfeitos juntos, Paula. Você é a versão
feminina dele. Foi embora minutos atrás porque se sentiu ameaçada
por mim e está aqui, no banheiro, perguntando se preciso de ajuda.
Típico do Lucca fazer isso, basta ver todo o mal que causei a ele e
tudo que ele fez para me manter segura naquela situação terrível
que passamos.
— Lucca é incrível.
— Você é incrível, Paula. Nem preciso conviver muito para
saber disso. É bastante visível. Sei que quando retornei, você foi a
grande mulher por trás de Lucca. Aquela que o incentivou a ser
maleável, a conduzir as coisas com calma. Ele não é tolo Paula,
acredito que se não fosse por você, ele teria me atropelado com
força, mesmo carregando uma quantia generosa de benevolência e
atitudes honráveis. O que eu fiz com Lucca e com meu próprio filho
foi muito grave. Não são todas as pessoas que seriam capazes de
perdoar algo dessa dimensão. Tudo na vida tem um limite, até a
mesmo a bondade.
— Eu sei.
— Acho que chegou o momento de termos uma conversa
definitiva. Eu me sinto pronta para isso. E você? — pergunto.
— Eu acho que pode ser bom, desde que haja respeito e
cuidado ao conduzir a conversa.
— Me acompanhe, por favor — peço, e ela me segue rumo
ao escritório da casa.
Quando chegamos, abro a porta e dou passagem a ela.
Paula se acomoda em uma cadeira e eu me sento de frente para
ela. É o momento de deixar meu coração dizer por mim. Devo isso a
ela e a Lucca.
— Bom. Primeiramente, quero deixar claro que eu e Lucca
não estávamos juntos hoje. Aí você vai dizer "eu vi vocês juntos", e
eu vou te dizer, não, não estávamos. Sei que está grávida, que há
hormônios bagunçados e que eles são capazes de nos transformar
em mulheres fragilizadas, entendo você, Paula. Sei que você não
deve aceitar tudo e todas as coisas, mas hoje, especialmente hoje,
você cometeu um erro. É normal errar, é humano. Eu, por exemplo,
não consigo nem calcular todos os erros que já cometi na vida; erros
realmente graves que nem se comparam ao que você fez. Paula, eu
abandonei Lucca duas vezes, sem dizer nada a ele. Lucca
certamente possui um trauma em relação a abandono e a culpa é
inteiramente minha. Então, a partir do momento que você
desaparece sem deixar rastros, sem dizer nada, para ele é como se
estivesse sendo abandonado e talvez você nem tenha se dado
conta disso.
— Eu enxergo sim que errei nisso. Não pensei no momento.
Foi uma fraqueza que não cabia, sendo que Lucca fez tudo por mim
e pela acessibilidade do meu filho nessa festa. Ele se preocupou
com cada detalhe, porém estou passando por um conflito interno,
venho de muitos acontecimentos e não consegui processar tudo,
além de estar grávida e temendo... Preciso apenas me abrir para o
meu noivo, porque se não fizer isso, não há como ele adivinhar
como tenho me sentido. Tenho a péssima mania de guardar tudo
para mim.
— Entendo. — Entendo mesmo. — Enfim, Paula, sou
mulher, determinadas situações me fariam sentir ameaçada, mas
tudo depende do contexto. Sabe o quanto o dia de hoje é importante
para Lucca e para Samuel? Eu vou ser bem sincera com você, não
queria estar aqui, mas eu vim pelo meu filho, porque uma mãe é
capaz de tudo, assim como um paizão como Lucca também é. Você
certamente viu Lucca, eu e Samuel brincando, mas ali não éramos
ex amantes, ali éramos pais fazendo a alegria de um filho. O nosso
filho pediu que brincássemos com ele, Paula. Como iríamos negar
isso a ele? Na verdade, sendo sincera novamente, não pensei em
você, não pensei em ex, não pensei em merda alguma. Meu único
pensamento foi "meu filho quer brincar com os pais, e ele terá isso".
Não pensei que causaria um mal-estar a ponto de você ir embora.
Outra cena que deve ter visto foi o parabéns. Paula, como não
iríamos cantar juntos o parabéns do nosso filho? Você é mãe, é
separada do pai do seu filho. Não sei o tipo de relação que
possuem, mas eu e Lucca estamos construindo algo grande pelo
nosso filho e eu acho que todos os casais que se separam deveriam
saber conduzir essa situação da melhor forma para a criança.
"Minha intenção aqui não é fazer com que se sinta mal, mas
preciso falar todas essas coisas para chegar onde quero. Quantas
vezes já agi por impulso? Embora eu seja juíza, meus julgamentos
ficam para os tribunais. Não vou julgá-la, mas preciso que
compreenda o tipo de relação que há entre Lucca e eu, e que saiba
que não sou uma ameaça. Sei que já disse na sua frente algumas
vezes sobre amar Lucca e foi ele mesmo quem me mostrou que eu
estava enganada sobre isso. Você, recentemente, me encontrou
saindo da casa dele. Talvez tenha sido horrível para você lidar com
essa situação, mas sabia que aquela conversa foi uma das mais
importantes da minha vida e talvez até da vida de Lucca?"
— Ele me disse.
— Eu descobri que amo Lucca, Paula. Mas eu o amo de
uma maneira diferente da que você ama. Eu amo o ser humano
Lucca, o amigo Lucca, não amo o Lucca como um homem em
potencial para mim. Descobri isso graças àquela conversa, desde
então a minha vida mudou por completo e a minha relação com ele
também. Ele agora se sente mais seguro para fazer as brincadeiras
que faz, para ser meu amigo, porque ele sabe que eu não o quero,
que não vou insistir em uma relação diferente. Depois daquela
conversa, eu me tornei uma pessoa até mesmo mais leve e me
entreguei a um garoto que... um garoto... ele tem o meu coração e o
melhor de mim. Ele tem tudo que nunca fui capaz de dar a outra
pessoa. E eu o perdi. — Ai meu Deus! Que bosta perder o garoto de
açúcar, eu sinto falta dele, falta de acordar ao lado dele, falta de dar
gargalhadas. Apenas sinto falta de cada detalhe sobre ele. — Me
desculpe.
— Não fique assim — ela diz, e eu tento me acalmar
novamente.
— Entendo sua reação, Paula. De verdade, mas não se
sinta ameaçada mais, porque eu não senti por Lucca dez por cento
do que eu sinto por Nicolas. Eu não sofri por Lucca dez por cento do
que estou sofrendo por perder Nicolas. Um garoto de vinte e um
anos... — Sorrio entre lágrimas. — Sabe, eu te apelidei de Barbie,
mas é porque você era a pessoa perfeita e o excesso de perfeição
diante do erro ambulante que sou, me incomodava. É tão bom ver
que você também é falha, que Lucca também é falho, que cada um
de nós cometemos erros. Eu amo Lucca, Paula. Eu o amo mesmo,
como pai do meu filho e como amigo que sempre me estendeu a
mão, sempre me ouviu e que me deu uma nova visão em relação a
que eu achava sentir. Tenho uma gratidão imensa por ele, um
respeito imenso, mas se te magoa essa proximidade, eu me afasto
e passo a lidar com ele apenas como a mãe de Samuel.
— Não precisa disso. Por favor, não se afaste, de verdade.
Eu só... não me abri tanto com ele, talvez eu teria entendido melhor
a situação. Os vendo juntos, eu me senti como se tivesse destruído
a família de Samuel. Sabe por que me senti assim? Porque o meu
sonho era que o meu filho tivesse uma linda família e não pude dar
isso a ele; o pai de Henrico não é dez por cento do que Lucca é
para Samuel e para você. Lucca dá um suporte gigante não apenas
para o filho, mas para você também. Eu nunca tive esse suporte,
nem mesmo quando ainda tinha um relacionamento com Pablo. Eu
queria tanto que meu filho tivesse uma família, que me sinto mal
vendo que Samuel poderia ter tido isso se não fosse...
— Se não fosse o meu grande erro, Paula. Não pense que
não estamos juntos porque você está na jogada. Tenho certeza que
se tivesse que ser, você não seria impedimento. Lucca tem excesso
de lealdade e verdade; se ele ao menos se sentisse balançado por
mim, certamente teria dito a você. Transparência é o ponto alto de
Lucca. Não estamos juntos porque eu fugi, eu tomei as decisões
erradas no passado. Meu filho tem sim uma família, mas uma
família diferente, de pais separados. O importante é que todos nós
tenhamos um bom relacionamento, que Samuel consiga perceber
que é um privilegiado por ter uma madrasta incrível, um pai incrível,
uma mãe incrível... Você não atrapalhou nada, muito pelo contrário.
Não estarmos juntos não é sua culpa. Tenho certeza que mesmo
que você não estivesse com Lucca, nós dois nunca teríamos
chances, porque somos diferentes demais e porque determinados
erros não podem ser reparados. Agora, se posso te dar uma dica,
se abra com ele, ok? Exponha tudo, ele vai te ouvir, vai te
compreender. Não sei se conversaram, mas tente conversar um
pouco mais quando a festa terminar, quando Lucca não estiver
temendo um abandono. Por mais que ele não vai dizer isso a você,
eu sei que essa ideia passou na cabeça dele, pela forma como tudo
foi conduzida. Conversem, se abra, vocês são incríveis juntos. Estou
feliz por ter ido e então voltado, Paula. Ao menos essa atitude nos
levou a ter uma conversa que era mais que necessária. Espero que
seja a primeira de muitas. — Paula sorri e segura minhas mãos.
Como ela pode ser assim, tão boa?
— Obrigada por isso. Não se afaste, ok? Em breve eu e
Lucca moraremos juntos e quero que faça parte da nossa vida,
juntamente com Samuel.
— Quem sabe em alguns meses podemos nos tornar
amigas e eu acabe sendo madrinha do seu bebê? Sou tão fodida
que nem afilhados tenho! — Ok, isso é demais, mas vai que
acontece? Ninguém precisa saber que a juíza durona é alucinada
por bebês!
— Vamos trabalhar nisso — diz sorrindo, e eu consigo de
verdade enxergar esperança de dias melhores entre nós. Vamos
precisar disso. Ela é a futura esposa do pai do meu filho.
— Apenas me deixe chamá-la de Barbie e me perdoe por
todas às vezes que fui rude ou ameaçadora.
— Perdoo você. Espero que se entenda com o tal Nicolas.
Você merece ser feliz e viver um grande amor.
— Eu vou atropelar algumas cabeças para tê-lo de volta —
digo, de repente, sentindo sangue nos meus olhos. — Enfim, essa
sou eu, Paula.
— Atropele e resgate o que te faz bem.
— Farei isso. Obrigada pela conversa, de verdade. Quero
que seja feliz com Lucca, do fundo do meu coração. Eu descobri
que o amor pode ser reinventado, transformado. Aconteceu isso. Eu
amo Lucca com um grande amigo e espero amá-la futuramente.
— Vamos fazer acontecer, Dandara.
— Vamos! — Sorrio.

Samuel vem para casa comigo. Meu carro está lotado de


presentes, bolo, doces e salgados. Victor está trazendo o restante
dos presentes no carro dele também.
Leva pelo menos quinze minutos para que eu, Victor e
Melinda descarregarmos os carros e então eles se vão, deixando
um mar de comida e brinquedos na minha sala. Samuel está êxtase,
e eu só me pergunto qual espécie de bateria ele possui para estar
ligado após ter brincado o dia todo.
Quando estou indo fechar a porta, encontro Nicolas com
uma enorme caixa nas mãos e meu coração parece perder o ritmo
das batidas.
— Tio Nico!!! — Meu filho me atropela, e me encontro tonta,
observando Nicolas colocar a caixa no chão e pegar Samuel em
seus braços.
— Olá, Samuca!
— Tio Nico, você veio brincar comigo?
— Sim. Posso? — Nicolas pergunta para mim e só assim eu
acordo do transe, saindo da frente da porta e dando acesso a ele.
Por que diabos eu estou lembrando de uma música de igreja? Entra
na minha casa, entra na minha vida... Eu vou para o inferno
mesmo!
— Entre, fique à vontade — digo, já pensando em uma
forma de persuadi-lo e fazê-lo entrar em outros lugares.
Não disse quais...
DANDARA
Nicolas coloca Samuel no chão e pega a enorme caixa que
trouxe. Sou apenas uma mera observadora impactada nesse
momento, vendo-o transportar a caixa para o interior da casa e meu
filho pular de alegria.
Eu faço o que qualquer mulher que eu julgo normal faria:
vou até meu quarto, tomo um banho rápido e visto uma roupa sexy
sem ser vulgar. Aquele tipo de roupa que você veste sabendo que
causa um impacto e ao mesmo tempo consegue demonstrar que
não quis causar impacto algum. Recentemente descobri que sou o
tipo de mulher que transborda, em todos os diversos sentidos.
Descobri também que posso ser encaixada no grupo das mulheres
de fases, aquelas que vivem em constante metamorfose. É assim
que tenho me sentido desde que reapareci; tendo que mudar,
conhecendo uma nova "eu", passando por mudanças diversas. Ser
mulher me dá o direito de ser quem eu quiser ser. E, agora, eu
quero ser a falsa santa, porque sim, e ninguém tem absolutamente
nada a ver com a minha escolha.
Caminho de volta à sala e dou um sorriso leve assim que
dois olhares curiosos encontram o meu. Um é a personificação da
pureza, enquanto outro não consegue evitar de correr os olhos por
cada parte do meu corpo. Ele desvia o quanto antes, mas não tão
rápido para não ser pego em flagrante.
— Bom, fiquem à vontade, vou começar a guardar ao
menos as coisas de comer — aviso. — Quer comer algo, Nicolas?
— pergunto dando um sorriso tendencioso. Algo tipo eu...
— Você... é louca! — Nicolas afirma.
— Mamãe é maluca! — Samuel diz gargalhando e eu
gargalho junto. O que eu tenho a perder? Nada!
— Você que é muito maluquinho, pinguim! — digo, pegando-
o e enchendo de beijos. — Eu amo você, príncipe.
— Mamãe, você é linda! — ele diz segurando meu rosto, e
eu brinco de narizinho com ele.
— Você é lindo! O mais lindo do universo todo! — O coloco
no chão e começo a recolher tudo de comer que trouxe. Dá para
pelo menos 5 dias de pura gordice e eu não me importo. Estou
numa fase que nunca imaginei estar, assistindo série, chorando
enquanto devoro potes de doces. Não combina comigo, eu sei, mas
vou sair dessa, mesmo que eu tenha que destruir pessoas.
Guardo todas as coisas na geladeira, exceto o bolo. Parto
uma fatia para mim, me acomodo em uma banqueta próximo ao
balcão da cozinha e me delicio com o recheio que envolve uma
mistura perfeita de morango com leite ninho.
— Mamãe, quero bolo! — Samuel pede. — Tio nico, come
com eu?
— Filho, é "tio Nico, come comigo", ok? — Corrijo meu filho
mesmo achando lindo quando ele erra palavras.
— Comigo. Tio Nico, come comigo? — Nicolas sorri e eu
deixo a colher cair da minha mão. É verdade mesmo sobre
desgraçar a vida das pessoas com um sorriso. Eu reafirmo isso a
cada vez que ele sorri com vontade.
— Vou comer um pedacinho. — Nicolas aceita dando um
toque diferenciado na mão do meu filho, me levanto para pegar dois
pratos e servir os bolos. Eles se juntam a mim. Nicolas coloca
Samuel sentado em cima do balcão e se senta em uma banqueta
próxima. Eu me derreto um pouco mais quando vejo meu filho
dando bolo de aviãozinho para ele e ele retribuindo.
Eu começo a tentar ignorar o que está se passando diante
dos meus olhos e foco apenas em terminar de comer meu bolo, com
os olhos fixos no meu prato. Ficar babando na imagem à minha
frente só vai servir de combustível para eu me sentir uma merda
quando Nicolas for embora. Eu até mesmo mudei meu
comportamento, ficando mais séria. Samuel gostou de Nicolas,
portanto ele é bem-vindo na nossa casa, não irei impedir as visitas,
mesmo achando que talvez elas não vão durar por muito tempo.
Tento também ignorar esses pensamentos ridículos que tomam
conta de mim e os deixo comendo quando termino.
Vou lavar o meu prato e sigo para a sala, para começar a
abrir todos os presentes que Samuel ganhou; logo eles se juntam a
mim e ficamos os três descobrindo brinquedos divertidos, roupas e
tudo mais. Fazemos isso até Samuel sentir sono. Ele tomou banho
na ilha antes de virmos embora, portanto basta escovar os dentes e
vestir um pijama.
— Nicolas, irei apenas arrumá-lo para dormir — aviso.
— Ok. Ficarei esperando, quero falar com você. — Meu
coração dá um leve tropeço enquanto sigo com meu filho para o
quarto.
Não demora quinze minutos para Samuel escovar os
dentes, trocar de roupa e apagar. E eu retorno mais vacilante que
nunca até à sala.
— Ele já dormiu?
— Ele estava exausto, por mais que tenha tentado relutar e
se manter acordado brincando — explico.
— Eu trouxe algo para ele, mas há tantos brinquedos aqui e
eu até mesmo esqueci de dizer a ele. É um carro elétrico nessa
caixa, espero que não tenha problemas. Se não gostar, eu posso
levar de volta.
— Não há problema algum. Não precisava ter se
preocupado. — Ele se levanta e vai abrir a caixa. É uma BMW igual
a dele, porém branca e versão miniatura. Sorrio, encantada com o
carro. — Estou fodida. Samuel não vai querer sair disso!
— Acha que ele vai gostar?
— Com certeza. Obrigada, Nicolas. Isso é caro, não
precisava ter se preocupado mesmo.
— Gosto dele. Eu iria ao aniversário, mas minha mãe não
tem estado muito bem nos últimos dias. Meus tios chegaram de
viagem agora a noite e então eu consegui vir. Não sabia se iria
encontrá-los, aí fiquei esperando no carro.
— O que sua mãe tem? Há algo em que eu possa ajudar?
Você gosta de Samuel, eu gosto de sua mãe.
— Há períodos em que ela se isola, fica muito deprimida,
apenas deitada. É difícil, porque ela deixa de comer, não quer tomar
banho. A boa notícia é que passa. Sempre passa. — Não há muita
animação em sua voz quando diz isso. — Obrigado por oferecer
ajuda, mas até o momento estou fazendo tudo o que dá para ser
feito.
— Houve uma época em que estive em um estágio
depressivo. Não é muito fácil lidar com essa doença, é preciso muita
teimosia para ser mais forte do que o que insiste em querer nos
derrubar em cima de uma cama. Sua mãe convive com isso há
muitos anos, é uma guerreira, Nicolas. Se precisar de qualquer
coisa que seja, não hesite mesmo em me dizer.
— Como estão as coisas no fórum? — Sua pergunta
significa que não tem ido ao fórum.
— Não fui trabalhar essa semana, mas pretendo retornar na
segunda-feira — comento.
— Retorno na segunda-feira também, se tudo der certo.
Consegui ir para outro setor. — Balanço a cabeça, decepcionada. —
Eu acredito em você. Acredito em mim também. Mereci a vaga. No
calor do momento, fui pego de surpresa, não conseguir assimilar
todas as coisas bem.
— O mais importante é reconhecer que conseguiu por
merecer. Acreditar em si mesmo é o melhor a fazer, Nico.
— Só me incomoda ouvir piadas e receber olhares
discriminativos como se a minha vaga fosse algo comprado, por isso
pedi que encaminhassem a outro setor.
— Entendo você. Em uma outra perspectiva também já
recebi esse tipo de olhar e sempre foi algo que me incomodou
muito. Eu tive que lutar bastante para ter o respeito das pessoas,
Nicolas. É apenas triste que tenha escolhido ir para outro setor. Não
precisava trabalhar diretamente comigo, mas trabalhar diretamente
com qualquer outro juiz agregaria muito a você — argumento. —
Quando pedi para ser sua mentora, foi com a intenção de mergulhá-
lo no universo por trás dos tribunais. Iria te mostrar um lado da
profissão que não é ensinado em uma universidade e que você só
passa a conhecer a exercendo dia a dia. Queria apenas te dar um
conteúdo completo, justamente por achar que você merece chegar
longe. Nunca foi para seduzi-lo, para mantê-lo mais próximo a mim.
Meu pedido foi pensando de forma estritamente profissional. Pensei
em agregar, somar, jamais diminuí-lo. Sinto muito que esteja
recebendo esses tipos de olhares. Gosto de você, Nicolas.
— Gosto muito de você também. Muito. — Meus olhos me
traem se enchendo de lágrimas. — Sou inexperiente, Dandara. Em
muitos aspectos. Sou maduro para lidar com muitas situações, mas
há outras onde eu me torno perdido. Nunca namorei uma mulher tão
poderosa e experiente, nunca trabalhei em outro local diferente da
empresa do meu tio, nunca tive grandes relacionamentos na vida.
Sempre fui muito fechado em meu mundo, nesse momento, estou
um pouco confuso, precisando pensar em muitas coisas e envolvido
com a crise da minha mãe. Para completar, na segunda começam
as provas e não estou conseguindo concentrar a atenção nos
estudos. — Isso é tão kids e tão bonitinho. Me encanta que ele seja
um jovem universitário.
Ok, Dandara, conseguiu ultrapassar o fundo do poço,
querida?
Me pego rindo e esfregando meu rosto. Misericórdia, eu até
perguntaria o que fiz da minha vida para merecer essa provação,
mas não iria gostar da resposta e talvez minha pergunta levaria a
uma consulta sobre meus delitos e Deus aumentaria o castigo em
grandes proporções.
— Eu disse algo engraçado? — pergunta, me encarando de
uma maneira séria.
— Não. Eu só achei bonitinho você falar sobre os estudos.
Achei doce. — Combina com o apelido garoto de açúcar.
— Como foi na festa? Eu realmente sinto muito. Me
comprometi a ajudá-la.
— Não foi tão difícil. Samuel me distraiu. Houve apenas um
pequeno problema no final, mas depois deu tudo certo — explico.
— Qual problema?
— Samuel quis minha atenção e de Lucca. Ele pouco se
importou com o fato de que havia crianças para brincar com ele, só
quis brincar conosco. A noiva de Lucca acompanhou a trajetória de
brincadeiras entre nós e acreditou que estivesse destruindo uma
família feliz. É complicado e compreensível, não sei dizer como eu
me sentiria estando no lugar dela, certamente deve sim dar uma
insegurança vendo o passado do seu noivo tão perto. Meu sangue é
muito mais quente que o sangue de Paula, ela é muito
compreensiva pelo que parece, já eu... não seria bonito. — Sorrio.
— Ela achou que estava impedindo Samuel de ter a família unida,
algo assim. Então, resolveu ir embora. Lucca a convenceu a voltar e
eu acabei tendo uma boa conversa com ela. Senti um pouco de
culpa pela insegurança dela, porque quando eu acreditava amar
Lucca, eu dizia isso muito abertamente a todas as pessoas,
inclusive a ela. Mas, a tranquilizei. Disse a ela que meu amor por ele
foi transformado em um amor de amigos, uma admiração pelo pai,
amigo, pela pessoa que ele é. Me abri e expliquei que não é por
Lucca que estou apaixonada. Acho que ela compreendeu,
terminamos a conversa bem, de maneira saudável.
— Não é por ele que você está apaixonada — diz pensativo,
de cabeça baixa, olhando para as próprias mãos.
— Não — reafirmo.
— Bom, preciso ir. Tentarei estudar durante a madrugada —
fala, se levantando e entendo que esse é o momento em que devo
agir como se sua ida não me causasse um certo desespero. É
necessário engolir a seco e ficar de pé, com aquela velha postura
impenetrável que costumava ser a minha armadura diária.
Confiante, caminho até a porta e a abro para que ele possa
sair. Parte de mim está implorando internamente para que ele
decida ficar, e a outra parte entende que ele é só um garoto jovem,
perdido no turbilhão que uma mulher como eu oferece. A parte boa
de ser uma mulher difícil e complexa é que é muito mais fácil
compreender e respeitar a complexidade das demais pessoas. Eu o
respeito, mas...
...sempre fui uma boa jogadora.
— Até mais — fala, meio perdido entre me abraçar ou não.
Eu resolvo o problema puxando-o e suspiro quando seus lábios
tocam meu ombro direito. — Boa noite, vossa excelência.
— É por você — digo, me afastando e espero que ele
compreenda.
Quando ele se vai, fecho a porta e solto todo ar que estava
prendendo, solto as lágrimas também porque me tornei o que mais
temia: sensível. Eu não estou no controle mais e é preciso paciência
para lidar com isso.
Eu quero o meu garoto de açúcar de volta. Quero as
gargalhadas que ele me fazia dar, quero a companhia que preenchia
toda a minha solidão.
Paciência é uma virtude que não possuo muito.

Na segunda-feira de manhã, deixo Samuel na casa de


Melinda e Victor. Combinamos isso até encontrarmos a babá ideal e
confiável para o meu filho.
Às nove em ponto estaciono meu carro no fórum e desço
mais disposta que nunca. Hoje não há desânimo, estou com uma
descarga de adrenalina que pode resultar em algo muito ruim para
determinadas pessoas.
Subo os degraus, ergo minha cabeça e toda a cena volta a
se repetir, fazendo o poder vibrar em meu interior.
"Diante de mim as pessoas se inclinam!"
"Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças, os jovens, os loucos, e os moribundos,
todos estão sujeitos, desde o nascimento até à morte, à Lei, que eu
represento, e à Justiça, que eu simbolizo."
— Bom dia, meritíssima! — Ouço isso de algumas pessoas
e apenas dou um sorriso não muito aberto. Hoje estou aqui como a
velha e boa Dandara, aquela que atropela pessoas
impiedosamente.
Caminho decidida até o ninho de cobras que descobri existir
nesse fórum. Eu irei acabar com todos eles, custe o que custar.
Eu não bato na porta da sala de Lívia. Simplesmente entro
ignorando a secretária e encontro um Nicolas muito sério, cercado
por Mauro e Lívia.
— Olha! Reunião? — pergunto sorrindo diabolicamente.
— Você não pode entrar em minha sala dessa maneira —
Lívia cospe as palavras.
— Eu posso, acredite — afirmo, e encaro Nicolas. —
Nicolas, meu amor, se pretende manter uma imagem boa sobre a
minha pessoa, vou pedir que se retire da sala. Agora, se não se
importa com o pior de mim, apenas fique e escute o que tenho a
dizer a esses vermes. — Ele parece receoso, mas não se move. —
Ok! Mauro, querido, que desprazer vê-lo tão cedo. Lívia, sua
biscate, é bom ter as duas cabeças juntas em um só local. Apenas
vim informar que abrirei uma sindicância para apurarmos
adequadamente a acusação que fizeram onde afirmam que minha
influência foi utilizada para beneficiar o aluno Nicolas Magalhães em
relação à vaga de estágio. Há muito mais que isso vindo, mas
prefiro pegá-los de surpresa. Quero ver quão honestos os dois são.
Será que vocês têm muitos podres escondidos? Estou ansiosa para
poder me divertir com a desgraça dos dois, quando acontecer. No
mais, quero apenas dizer a você, Lívia, mantenha sua filha distante
do que me pertence, porque galinha que acompanha pato nunca
tem um final bom. Dizem que as galinhas acabam morrendo
afogadas, será? — Sorrio. — Tenham um excelente dia! — Saio da
sala pronta para ir ao inferno se for necessário.
Eu vou descobrir todos os podres da vida dos dois e eles
vão se arrepender de cada palavra que usaram para dizer a mentira
que afastou Nicolas de mim.
NICOLAS
Eu fico longos segundos olhando o furacão sair da sala, mas
parecem horas. Ela sai e eu descubro que tenho um grande
problema para lidar: uma ereção dolorosamente insuportável. Talvez
esse seja mesmo o meu tipo de mulher, porque as mulheres
"fofinhas e delicadas" nunca conseguiram me deixar duro dessa
maneira, principalmente estando numa posição onde estou cercado
por pessoas. Me arrependo do dia que disse que iria desgraçar a
vida de Dandara com um sorriso. Acredito que, ter ouvido aquela
afirmação tão convicta, serviu de grande combustível para que ela
decidisse desgraçar a minha vida. Aquele lance onde o feitiço vira
contra o feiticeiro talvez exista. Estou devidamente fodido para essa
mulher e isso tem sido assombroso, tanto que mal consigo respirar
sem que a imagem dela surja na minha mente.
Essa mulher, meu Deus! Ela me desgraça um pouco a cada
vez que abre sua linda boca. Mas agora? Agora ela desgraçou foi
com força mesmo! Chego a estar tonto diante do rompante de fúria
que ela jogou para cima de Lívia e Mauro. E, por falar neles...
— Você me colocou nessa e agora vai me tirar. Não importa
o que tenha que fazer, promotora. — Mauro chega a estar tremendo
e transpirando, e Lívia? Ela simplesmente parece irada e
descompensada. Tudo que vejo são duas pessoas querendo
destruir Dandara, por algum motivo que desconheço. Eu quero
descobrir o que há por trás dessa perseguição gratuita e o grande
motivo por trás de terem inventado sobre o meu estágio. De
repente, parece que a minha excelentíssima juíza não é a única
interessada e descobrir os podres desses dois. Talvez eu esteja
enganado, mas acredito que Mauro seja apenas coadjuvante dessa
armadilha descabida. Quero descobrir e talvez eu tenha que jogar
para isso.
Mas, no momento, meu foco está em algo pulsando em
minha virilha. Até mesmo abaixo minha cabeça e fecho os olhos,
buscando uma maneira de aliviar a tensão instalada. A soma de
vários dias sem sexo e uma mulher letalmente quente fizeram um
estrago em um jovem homem desacostumado a lidar com furacões.
— Está se sentindo bem? Eu sinto muito que tenha ouvido
tudo aquilo. Dandara está equivocada. Ela é ardilosa e o
passatempo preferido é controlar as pessoas. Espero que você
consiga enxergar que tudo que ela faz é manipular pessoas para
conseguir o que quer. — Essa mulher deve ter no mínimo um
problema para continuar com essa história. Não é possível que
Dandara não tenha a intimidado o mínimo. Até eu que estou por fora
dessa situação me amedrontei com a maneira como ela deixou claro
que vai destruí-los. — Só precisamos arrumar uma maneira de
destruímos ela antes que ela consiga nos destruir — diz à Mauro
agora.
— Qual a finalidade disso? — pergunto. — Por que quer
destrui-la? O que tão mal Dandara fez a você? Até onde sei ela
esteve afastada por três anos.
— Deveria ter se mantido afastada. Dandara não é uma boa
pessoa, Nicolas. Ela é temida por ser o verdadeiro diabo no corpo
de uma mulher.
— E mesmo assim você quer continuar com esse plano
estúpido de destrui-la? — questiono movido pela curiosidade,
tentando extrair algo, qualquer coisa que seja.
— Você deveria me agradecer. Nicolas, você é muito jovem
e inexperiente para lidar com uma mulher como ela. Se conhecesse
Dandara como eu conheço, não estaria nem mesmo estagiando
nesse fórum. Iria procurar se afastar ao máximo — Lívia diz, e eu
observo Mauro, silencioso, misterioso, analisando o diálogo. — Te
aconselho a seguir meus conselhos se quiser sair bem de toda essa
situação, garoto.
— Isso é uma ameaça? — pergunto.
— É um aviso amigável — responde com um sorriso cínico
no rosto.
— Vocês poderiam me deixar sozinho um pouco? — Estou
ficando maluco com essa confusão, tanto que me pego expulsando
Lívia de sua própria sala. Fico aliviado quando eles se vão e irado
quando percebo que nem a conversa tensa fez meu pau desistir de
se manter acordado.
Demora alguns bons minutos até que eu crio coragem para
deixar a sala. Saio pelo corredor e percebo que hoje a vida resolveu
me foder. Encontro Dandara acompanhada de uma mulher,
ajustando a maldita toga de juíza, e porra... essa mulher de toga me
faz ter um milhão de pensamentos inapropriados. Estou quase
paralisado quando ela levanta a cabeça e me encontra. Ela é
diabólica o suficiente para parecer entender todas as coisas sujas
que estão se passando em minha mente agora.
— Obrigada, Roberta. Ficou perfeita com os ajustes, você é
a melhor — fala sorrindo e caminha em minha direção. É a mulher
mais linda, sexy e poderosa que já conheci. Eu ainda não cheguei à
conclusão se estar perto dela é como estar perto do céu ou do
inferno. — Nicolas! Acabou a conversa com a sua sogra?
— Ela não é a minha sogra — digo, analisando a capa preta
em seu corpo. — Acho que preciso falar com você, mas no
momento preciso muito ir ao banheiro. — Quão estúpido sou para
dizer isso? No mínimo ela vai achar que estou com uma tremenda
dor de barriga, porque tenho certeza de que meu semblante é de
um homem que está sofrendo. — Você é linda demais, mas de
toga... isso é... não tenho palavras.
— Sei que é altamente invasivo perguntar isso, mas, por
qual motivo você precisa ir ao banheiro? — questiona, segurando
um sorriso e se aproxima mais, o suficiente para estar próxima à
minha orelha. — Você está duro e excitado? Essa toga é como um
fetiche? Você está indo até o banheiro para se aliviar? É um
desperdício fazer isso, ao mesmo tempo em que é uma pena ter
rompido comigo, Nico. Eu ficaria feliz em vesti-la para você,
portando apenas uma lingerie preta, de couro, por baixo. — Um
gemido escapa de mim imaginando-a exatamente como falou. — Eu
deixaria você decretar a minha sentença muito facilmente na cama,
entregaria todo poder a você, Nicolas. — Estou ligeiramente
arrepiado e prestes a puxá-la para o meu corpo, então me lembro
onde estamos e como estamos. Isso me faz afastar e eu apenas me
pego caminhando até o banheiro. Foda-se o fato de que ela sabe o
que estou indo fazer. Preciso gozar para conseguir focar no meu
trabalho, ou estarei fodido não apenas no campo sentimental, mas
no profissional também.
Chego ao banheiro, abro minha calça, apoio uma mão na
parede, envolvo meu pau duro e penso em todas as coisas que
quero fazer com aquela mulher. No fim, o alívio físico vem, mas eu
me sinto miserável enquanto tento controlar minha respiração. Me
pego chorando por Dandara mais uma vez. De tantas mulheres, eu
me apaixonei pela mais complexa e poderosa. Me apaixonei pela
que desperta o maior medo de todos em mim; o medo de ser
insuficiente, o mesmo tipo de medo que sentia quando tinha
quatorze anos e temia não ser bom o bastante para cuidar da minha
mãe. São situações diferentes, mas o medo se parece tanto.
Estou apaixonado por ela, apaixonado por Samuel, e eu
gostaria que não houvesse tantas pessoas dispostas a foderem com
os avanços que estávamos dando, gostaria de coisas que nem
mesmo me achava maduro o suficiente para viver.
Saio do banheiro como um rompante de decisão e encaro
algo que me deixa extremamente desconfortável. Só espero não me
arrepender depois.
Chego na faculdade um pouco atrasado.
— Nicolas! — Ouço a voz de Camila e paro. Ela surge
correndo, sorridente, mas eu apenas não consigo mais lidar com
isso de maneira natural como lidava antes. Éramos bons amigos,
mas agora já não me sinto mais confortável com a presença dela.
Camila é filha da promotora Lívia, a mulher que quer destruir a
mulher que eu amo por algum motivo obscuro, e talvez Camila
esteja nesse jogo também. Tudo em mim grita para que eu
mantenha a distância, mesmo querendo jogar esse jogo sujo para
obter o máximo de informações.
Sei que Dandara tem um passado complexo, sombrio, e que
há muitas coisas que ela ainda não foi capaz de me contar, mas
meu foco não está no passado dela e sim no presente, na pessoa
que ela tem sido comigo desde quando nos conhecemos. A mulher
atual é a que me interessa de verdade, não a mulher que ela foi no
passado. O que de tão ruim eu posso descobrir sobre o passado
dela? Não consigo pensar.
— Nicolas?
— O quê?
— Estou falando com você e parece perdido em outra
dimensão.
— Preciso ir fazer a prova, Camila. Não tenho tempo agora
— digo me afastando, mas...
...tudo que eu não faço é a maldita prova.
É bizarro como nós, seres humanos, temos a capacidade de
impactar a vida das pessoas sem nem mesmo nos darmos conta
disso. Não creio que Dandara faça ideia de que estou fodido, de que
não consigo mais estudar como antes, não consigo mais dormir
como antes, não consigo não pensar em tê-la a cada segundo.
Quando cogitei um afastamento, foi também para tentar me
controlar, controlar os meus sentimentos, os meus rompantes, a
maneira como eu permitia ser afetado por ela, mas parece que tudo
piorou e que a minha vida mudou drasticamente na última semana.
Fui de um jovem homem exemplar à um jovem homem fodido que
perdeu o controle de si mesmo.
Eu deixo a prova e a sala, e deixo também meu professor
boquiaberto. Aquela mulher...
...ela precisa voltar a ser minha e, assim que saio da
faculdade, ela está ali; linda, imponente, sendo banhada por uma
chuva torrencial, esperando por mim.

DANDARA
— Me mata de susto, Dandara! — doutora Rovena exclama
quando entro em seu consultório mais parecendo uma psicopata
que uma paciente.
— Doutora Rovena, estou virada nas artes marciais hoje, só
para constar — aviso, jogando minha bolsa no sofá e andando pelo
consultório enquanto ela se mantém sentada, segurando fortemente
as laterais de sua cadeira e me olhando como se eu realmente
fosse fazer um estrago no local. — Armaram para afastar Nicolas de
mim e conseguiram. Não o julgo mal por ter se afastado, ele é
inexperiente e jovem demais, é aceitável e compreensível que o
garoto esteja um pouco perdido. Certamente a vida dele era mais
controlada antes do descontrole, no caso eu, surgir. Mas a questão
é, doutora, eu gosto daquele garoto mais do que achei que poderia
gostar e não estou satisfeita, nem mesmo um pouco em tê-lo
perdido. Estávamos indo bem, até mesmo construindo uma rotina
juntos. O garoto estava praticamente morando comigo. — Dizer isso
em voz alta me desperta uma emoção que me faz sentar. Eu sorrio,
mas começo a chorar junto.
— Você fica ainda mais admirável quando revela suas
fraquezas — doutora Rovena fala, enquanto mantenho minha
cabeça baixa.
— Eu perdi a coisa mais pura que já tive, doutora — faço
minha confissão dolorosa. — Começamos de uma maneira nada
bonita, mas foi puro, verdadeiro. Todas às vezes em que eu olhava
para Nico eu via a esperança crescer em mim; esperança de um
futuro, esperança de conseguir ser uma mulher boa e honrável,
esperança de mudar, porque, indiretamente, eu sinto que ele já me
mudou tanto, sabe? E eu queria tanto mudar mais, queria tanto a
versão que ele estava se apaixonando. Talvez tudo isso que eu te
digo, tudo que tenho feito, seja um grande exagero. Eu não deveria
estar assim, tão miserável, tão destruída. Eu não forçava ser forte,
doutora. Sempre fui forte, sempre fui decidida, sempre atropelei tudo
que surgisse em meu caminho. Eu era o centro do meu mundo e
minhas vontades sempre estiveram acima das vontades de todas as
demais pessoas. Eu dominava ter essa postura, dominava estar no
controle, dominava a minha própria vida. Agora tudo que tenho feito
é forçar, é fingir possuir uma força que está falha, fingir que não
estou dilacerada e que não choro todas as malditas noites com
saudade de um garoto de vinte e um anos de idade.
"Essa é a versão em que fui transformada. É tão novo para
mim ser assim, ter me tornado essa pessoa. Não consigo obter
domínio sobre nada e nem consigo atropelar as pessoas para
conquistar o que almejo. Os dias estão passando, e eu fiquei uma
semana inteira trancafiada dentro de casa aguardando a
misericórdia divina ao invés de ir em busca de acabar com as
pessoas que me fizeram mal. Sim, doutora, porque a velha
Dandara, antes de ir atrás do que perdeu, iria atrás de destruir quem
a fez mal. A velha Dandara dava mais valor em destruir as pessoas
que lhe faziam mal, do que reconquistar as pessoas que eram de
fato importantes. A nova... é tão perdida. Ela ora por clemência, por
piedade, ora para que o garoto de açúcar esteja completa e
perdidamente apaixonado por ela, e que isso o faça voltar. A velha
Dandara quer voltar e atropelar quem lhe fez mal, ela quer jogar e
reconquistar o garoto de uma maneira que não é bonita, usando da
sedução que sabe que possui e que sabe ser um jogo baixo demais;
um jogo de quem não tem nada além do físico e do sexo para
oferecer. Mas, eu, a nova Dandara, quando estou consciente e
sozinha, só consigo ver que isso tudo é pequeno demais. Que
conquistar alguém por sexo é um jogo tão baixo e tão incerto. Até
quando vou sustentar Nicolas com sexo? Entende, doutora? Não
tem que ser por sexo, tem que ser pela pessoa que me tornei, por
todas as outras coisas que sexo algum é capaz de comprar. Eu
costumava ser a rainha em um jogo de xadrez, mas eu não quero
mais fazer da minha vida um jogo, uma competição. Quero... quero
que Nicolas me ame e ignore todas as mentiras, quero dar a ele a
minha verdade, quero entregá-lo o meu lado bom, quero que ele
volte para a minha casa após a faculdade, me abrace forte e durma
me tendo em seus braços, quero cozinhar enquanto o vejo
brincando com meu filho, quero..."
— Oh, meu amor! — Ela se coloca de joelhos aos meus pés
e me abraça, deixando que eu chore em seu ombro.
— Existe alguma receita para tê-lo de volta? Por favor! Diga
que existe, doutora Rovena.
— Continue sendo a nova Dandara. Essa receita é infalível,
Dandara. Esqueça quem quer o seu mal e foque em quem te faz
verdadeiramente bem. — Balanço a cabeça em concordância,
sorvendo o que ela quis dizer em tão poucas palavras.
[...]
Meu coração me leva à faculdade. Está chovendo
excessivamente, mas minhas lágrimas parecem capazes de molhar
mais que a chuva. Foco meu olhar no espelho do carro e percebo
que minha maquiagem está bem parecida com a de um artista
circense. Pego em minha bolsa minha necessaire e limpo todo meu
rosto. Me encaro de cara limpa, olhos vermelhos e inchados. Retiro
minhas joias, meus sapatos e desço do carro para respirar, sem me
importar com a chuva. Faltam mais de 3 horas para a aula de
Nicolas terminar, mas quem se importa? Eu avisei à Victor que
chegaria tarde, então, apenas me restam algumas horas para
esperar.
Fico longos minutos, parecendo uma maluca, descalça sob
a chuva torrencial e fria. Ao mesmo tempo em que me encontro
completamente decidida, me sinto perdida. Não sei se é o certo a
ser feito ou se é só a velha Dandara querendo atropelar o garoto de
açúcar. Por fim, acabado rindo de mim mesma e me pego pedindo a
Deus um sinal, qualquer sinal que seja, para que eu siga a diante
com meus planos. Por fim, decido que estou fazendo uma estupidez
gigante e que certamente pegarei uma pneumonia se ficar durante
mais de três horas molhada ou embaixo dessa chuva.
Caminho de volta para o meu carro, mas antes de entrar
algo me faz olhar para trás. É então que o vejo, surgindo nas
escadarias e paralisando seus pés ao me ver sob a chuva.
Levo isso com o sinal que pedi à Deus, talvez os pecadores
possam ser perdoados.
DANDARA
É ridículo que minhas pernas tenham acabado de se
transformar em gelatinas? Para mim tudo isso é bastante ridículo,
mas não consigo conter todas essas novas sensações. Elas
simplesmente acontecem com toda naturalidade.
Me mantenho parada e é ele quem vem até mim, a passos
firmes e apressado. Consigo pensar em alguns filmes com essa
temática, onde o casal apaixonado se reencontra sob a chuva e dão
um beijo de amor, selando assim o destino, mas não sei se será
assim conosco. Somos tão perdidos, cada um ao seu modo.
Nicolas para diante de mim, quando nossos olhares colidem,
eu tento engolir, mas minha garganta está apertada, seca e me sinto
sendo sufocada. Tento controlar minha respiração, nada em mim
parece funcionar corretamente. Minhas mãos estão trêmulas e meu
coração parece ter parado de bater. Ele só volta a funcionar quando
Nicolas se aproxima ainda mais e consigo sentir o cheiro masculino
de seu perfume. É um vício.
Os olhos dele deixam os meus e paralisam em minha boca,
ele traz uma de suas mãos em meu rosto e toca tão delicadamente
que fecho meus olhos, absorvendo a suavidade e me dando conta
do quanto senti falta desse carinho que só ele sabe dar.
— Por quem está apaixonada, Dandara? — pergunta com a
voz vacilante. Meu estômago de repente dá um nó. Respiro fundo,
umedeço meus lábios e abro meus olhos, encontrando os dele.
Nunca fui de dar o braço a torcer muito facilmente, mas de alguma
forma sinto que preciso ser verdadeira ou não sairemos da situação
em que nos encontramos. Nicolas quer a minha verdade e eu darei
a ele, simplesmente não há motivos para continuar ocultando o que
sinto.
— Por você — confesso. — A ideia de não o ver todas as
manhãs quando eu acordar, de não ter seus braços em volta de mim
na hora de dormir, de não te trazer e então buscar na faculdade, não
ter o seu sorriso lindo colorindo os meus dias, tudo isso somado a
mais um monte de coisas que fazem toda a diferença, me deixa
fraca, vazia e triste. E eu odeio me sentir triste, odeio a sensação de
vazio que se instalou em mim desde que você se foi, odeio ser fraca
porque a fraqueza nunca fez parte de quem sou. Ficou muito de
você em mim, Nico; em tudo que eu olho e em todas as coisas que
sinto, há muito de você, como se você insistisse em ficar comigo
mesmo estando longe, mesmo tudo tendo acabado. Em pouco
tempo você fez sua morada em mim, mesmo que tenha ido,
permanece vivo e muito forte em minha vida. O fato de você estar
vivo em mim, mesmo que não tenha sido o seu intuito, me mata um
pouco a cada dia e eu não quero morrer de tristeza. A única morte
que aceito é de amor.
"Preciso de você, preciso que o que eu sinto seja recíproco,
então, por favor, diga que é. Diga que não se importa por eu ser
uma grande complexidade, um desastre ambulante e ter quase o
dobro da sua idade. Acho que passei a vida inteira procurando um
lugar onde eu caberia, e eu me encaixo tão bem em você. Você
parece ser o meu lugar Nico, e é por isso que vim, porque nunca me
senti de ninguém antes, mas eu me sinto sua. Sinto que pertenço a
você."
— Você se sente assim porque é minha — fala, e suas
palavras parecem destrancar todas as portas que estavam fechadas
para nós. Uma mistura de alívio, orgulho, excitação, euforia...
Coisas que apenas ele me faz sentir. — Você sabe que é minha,
não sabe? — Isso soa tão quente, mesmo eu conseguindo sentir a
insegurança dele.
— Eu sou sua. Sou sua porque quero ser sua, Nico —
murmuro, quebrando o resto da distância de poucos centímetros
que nos separava. O calor abrasador de seu corpo faz com a chuva
seja um mero detalhe. Nós dois juntos transbordamos. — Me tornei
sua ainda naquela boate e tentei fugir disso ao máximo.
— Você não pode fugir de mim — diz, com os lábios quase
tocando os meus.
— Não. Eu não posso. — Antes que ele possa respirar uma
última vez, meus lábios reivindicam os lábios dele e todos os
problemas desaparecem diante de todo desespero e fome. Beijá-lo
assim chega a doer; nossas respirações viram uma bagunça
completa enquanto tentamos nos conectar ainda mais nesse beijo.
Nicolas me empurra até que minhas costas estejam contra o carro e
pressiona seu corpo ao meu, fazendo com que eu sinta seu desejo
evidente. Eu quase seria capaz de deixá-lo levantar meu vestido e
me tomar aqui, sob a tempestade e em público.
— Estamos no meio da rua — digo com o mínimo de
racionalidade que me resta.
— Vou dormir com você essa noite, vossa excelência — fala
em um tom promissor em meu ouvido e eu volto a beijá-lo, sedenta
por isso. Quando afastamos nossos lábios novamente, nossas
testas permanecem grudadas. — Me leve da faculdade? Senti falta
de tê-la vindo me buscar. — Sorrio e o abraço apertado. Eu senti
falta de vir buscá-lo. — Eu te amo.
É como se o chão se abrisse aos meus pés após essa
revelação. Ele disse que me ama e eu não sei dizer isso de volta,
mas eu sinto. Eu... é tão difícil, porque ele tem tanta facilidade em
fazer isso. Ele faz o amor parecer fácil e simples. Talvez seja. Talvez
seja eu quem o torno difícil demais e isso nunca deu certo.
— É recíproco. — Espero que ele entenda e que aceite isso
até eu me sentir capaz de dizer as palavras.
Ele se afasta, pega a chave do meu carro e o abre. Dou a
volta a me acomodo no lado do carona, deixo que ele nos conduza
onde quer que seja, e ele escolhe a minha casa.
Nós descemos do carro e corremos para o interior da casa,
tentando fugir da chuva sendo que minutos atrás estávamos sendo
banhados por ela. Estou gargalhando quando entramos, mas tudo
muda muito rápido quando Nicolas resolve retirar suas roupas.
Meu sorriso vai aos poucos morrendo enquanto o observo
retirar a camisa e expor seu peitoral impecável. Sinto uma vontade
insana de lamber cada parte desse garoto de açúcar, mas, no
momento, não quero perder o espetáculo. Ele acaba de chutar os
sapatos para longe e retirar as meias, então está indo retirar a calça
enquanto eu faço uma torcida interior gritando "tira, tira". E ele faz,
ele retira a calça e eu descubro que ele está com uma cueca boxer
branca, quase transparente por estar um pouco úmida pela chuva.
Fico hipnotizada observando a grandiosidade da beleza física desse
garoto. Nicolas é lindo, perfeito, zero defeitos. Seu corpo é tão lindo,
tão generosamente belo. Observo ele traçar os dedos pelo cós da
cueca, de forma provocativa. Subo meu olhar para encontrar um
sorriso em seu rosto e quase me sinto patética por ter sido pega em
flagrante, cobiçando-o. Ele para de sorrir e termina de retirar a
última peça de roupa, expondo seu pau completamente duro.
Automaticamente me pego passando a língua em meus lábios e
ansiando por chupá-lo. Me aproximo e caio de joelhos aos pés dele,
deixando a minha vontade falar por mim. Olho para ele, como se
precisasse de uma permissão para seguir em frente, recebo um
sorriso e um levo aceno positivo de cabeça. Recebo também suas
mãos envolvendo meus cabelos num aperto quase doloroso.
— Diante de mim as pessoas inclinam... — Um arrepio
percorre meu corpo ao ouvir essas palavras que andam diariamente
em minha mente. Até mesmo sorrio com a coincidência. Estou
mesmo inclinada aos pés dele. — Me chupe, vossa excelência, por
favor. — Eu chupo. O levo em minha boca e o chupo com uma fome
incontrolável, deixando o desejo me consumir. Lambo e chupo cada
parte de seu membro, enquanto ele solta sons deliciosamente
desconexos. — À minha voz acorrem, à minha palavra obedecem.
— Deus, Nicolas!
— Gosta dessa prece? — pergunta com a voz levemente
rouca.
— Eu vou para o inferno por transformá-la em algo
totalmente inadequado — digo, e volto a lambê-lo. — Você é tão
gostoso.
— Fique de pé — ordena, e eu fico. Sua boca captura a
minha e ele me beija novamente com vontade, enquanto leva suas
mãos ao fecho do meu vestido e o desliza até embaixo,
transformando-o em uma poça sobre meus pés. Volto a me arrepiar
quando ele retira meu sutiã tomara que caia e meus seios
pressionam seu peitoral. A sensação é tão boa que eu mal consigo
raciocinar. Paramos de nos beijar quando ele abaixa para retirar
minha calcinha. Ele a joga longe e me toca com seus dedos. Apoio
em seus braços, sorvendo a sensação angustiando de tê-lo
massageando meu clitóris. — Ao meu comando se entregam.
— Sim. Eu me entrego — sussurro.
— Ao meu gesto se unem ou se separam, ou se despojam
— diz, me empurrando até a parede e fazendo com que eu rodeie
minhas pernas em torno de seu quadril. — Ao meu aceno as portas
das prisões se fecham às costas do condenado ou se lhe abrem, um
dia, para a liberdade. — Meus lábios tentam capturar os dele, e ele
apenas sorri, vendo a necessidade de tê-lo tomar conta de mim.
Meu corpo passa a se mover por conta própria, pedindo, implorando
para tê-lo dentro de mim.
— Por favor!
— Da minha decisão depende o destino de muitas vidas —
sussurra. — Eu quero ser suficiente para você. Me ensina?
— Você já é, mas eu sou capaz de ensiná-lo qualquer coisa
que quiser. Basta me dizer, basta me pedir.
— Que eu seja implacável com o erro, mas compreensivo
com os que erram. — Tê-lo recitando essa merda é quase capaz de
me causar um orgasmo.
— Me leva para a cama? — peço, e ele faz. — À minha
palavra obedecem, garoto de açúcar! — digo sorrindo assim que ele
me deita sobre a cama. — Me foda agora. Me foda bem forte. — Ele
me penetra de uma só vez, fazendo meu corpo arquear e eu soltar
um gemido alto, desesperador. É tão bom, tão gostoso, tão voraz.
Todo seu corpo está tremendo agora, seu rosto é perfeito quando
tomado pelo tesão.
— Eu sou capaz de gozar agora.
— Mas você não vai — informo. — Primeiro o meu prazer,
depois o seu. — Ensino. — Você só vai gozar quando eu mandar,
Nicolas! — Ele balança a cabeça em obediência e começa a se
mover. Meu aprendiz é perfeito e eu sou uma filha da puta sortuda,
porque se eu fui transformada por ele enquanto ele também está
sendo transformado por mim. Ele está sendo tudo o que gosto, tudo
o que preciso, tudo o que quero. Estou transformando-o para me dar
prazer de todas as maneiras que gosto e ele faz isso com
excelência. Estou tão molhada, tão escorregadia, é possível ouvir o
som a cada arremetida que ele dá. Embora eu queira muito que isso
dure, meu corpo traidor e necessitado se prepara para explodir num
orgasmo delicioso que eu tanto preciso. Ele percebe isso, porque
passa a fazer todas as coisas que me levam mais rápido. Ele beija a
minha boca, morde meu lábio inferior, minha orelha, meu queixo e
desliza sua língua no vão entre meus seios. Eu fico desesperada
quando suas mãos apertam cada um deles e quando ele prende
meus mamilos entre seus dedos. — Deus... Nico... — Meus
gemidos estão altos, e aumentam ainda mais quando seus lábios se
fecham em meu mamilo direito. — Eu vou gozar, garoto de açúcar e
você pode gozar comigo, juntinho — digo ofegante. — Goza
comigo?
— Eu sou louco por você.
— Então me faz gozar e goza comigo — imploro, e ele faz.
Ele deixa meus seios e se concentra em arremeter bem forte, da
maneira como sabe que eu gosto e que me faz atingir o orgasmo
muito rápido. O agarro forte quando meu corpo se desfaz e sorrio
quando o sinto se unir a mim, despejando todo o seu desejo dentro
de mim. Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas
do condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. — Sente-
se liberto agora, Nicolas Magalhães? — pergunto em seu ouvido,
apreciando seu corpo sobre o meu.
— Eu me sinto mais preso que nunca — confessa, tocando
meu rosto. — Estou preso a você, vossa excelência. E pior, eu
quero isso.
— Vá se acostumando então. Farei tudo o que estiver ao
meu alcance para mantê-lo preso a mim. — Roubo mais um beijo e
ficamos deitados, silenciosos, por alguns longos minutos. Ficamos
assim até eu empurrá-lo...
— Por que fez isso??? Merda, Dandara!
— Eu esqueci minha bolsa no carro e esqueci meu filho na
casa do tio! Misericórdia! Meu filho! Como se esquece um filho???
— pergunto, correndo até o banheiro. Nicolas se junta a mim
embaixo da ducha, sorrindo do desespero. — Não ria! Eu nunca
esqueci meu filho antes, Nicolas.
— Ele está bem, Dandara. Está na casa do tio, não precisa
se desesperar. Não é como se você tivesse o esquecido na
escolinha. Vamos tomar banho e buscá-lo. — Ele me acalma e eu o
abraço.
— Você vai ficar com a gente?
— Não existe outro lugar que eu queira estar. Ficarei com
vocês e, assim que Samuel dormir, eu vou chupar cada parte do seu
corpo — responde. — Só preciso avisar a minha mãe. — O que era
quente, se transforma em engraçado. Estava prestes a ficar úmida
após a promessa de ser chupada, mas esse "preciso avisar a minha
mãe" exterminou o momento sexual e eu quero rir forte. Isso é tão
kids! Me pego gargalhando internamente, porque além de kids, é
fofo também. — Pare de rir, Dandara.
— É apenas bonitinho — justifico meu sorriso, mas acabo
gargalhando alto agora. — Oh meu Deus! Isso é tão engraçado.
— Só porque eu sou um novinho que precisa dar
satisfações à mãe?
— É. Um novinho muito gostoso e quente que precisa dar
satisfações. Um novinho que eu amo — respondo, e ele fica me
encarando sério. — O que há de errado?
— Você nem se dá conta sobre as coisas que diz —
comenta, levando meus cabelos para trás. — Vou banhá-la,
meritíssima, e iremos buscar o nosso Samuca. Mas, antes disso, me
diga de onde surgiu esse "garoto de açúcar" — pede e... acho que
fodeu. Como explicar a ele que isso é obra de Lucca?
DANDARA
— Irei explicá-lo sobre o apelido, mas não agora. Preciso
que esse banho seja rápido, Nico. Meu psicológico está afetado.
Sinto que estou vendo uma cena daquele filme Esqueceram de
Mim, e isso é assombroso. — Nicolas começa a rir e eu me lavo no
desespero mesmo.
A ideia de tê-lo me banhando, como havia dito, é tentadora,
mas não é bem-vinda agora. Um banho exige toque, toque nos leva
a um beijo, beijo nos leva uma pegada mais forte, uma pegada mais
forte me faria escorregar e cair em cima de certas partes do corpo
dele, e isso faria com que nem mesmo um guindaste me tirasse de
cima dele. Pensar em todas essas coisas me faz suspirar de
frustração.
Após me sentir devidamente limpa, saio apressada e vou
me enxugar. Nicolas fica se lavando e me observando com seu
olhar enigmático. Propositalmente, deixo minha toalha cair e saio
andando rumo ao quarto. Sorrio quando o ouço gemer.
Escolho um vestidinho alegre para combinar com a maneira
como me sinto agora. Mesmo estando molhados, prendo meus
cabelos num coque bagunçado, pego Havaianas brancas que
combinam com o vestido e decido que estou devidamente pronta.
Quão louco é uma pessoa se sentir desconfortável com Havaianas e
altamente confortável em sapatos com saltos gigantescos?
Volto ao banheiro e há um ser humano nu, já
completamente seco, arrumando os cabelos.
— Eu poderia me acostumar muito facilmente com a ideia
de dividir meu banheiro com você — digo, abraçando-o por trás e
beijando suas tatuagens de asa. — Você é lindo, garoto de...
Nicolas.
— Eu vi bem o que a senhorita iria falar. Não vai fugir da
explicação.
— Preciso mesmo ir buscar Samuel. Você vem? —
pergunto.
— Não tenho roupas aqui. Preciso pegar algumas em casa.
— Vá de roupão.
— Ok, só não vou poder descer do carro — avisa, e eu
aperto sua bunda.
— Ainda não matei toda a minha vontade de você.
— Eu tão pouco matei a minha de você, vossa excelência.
Mas acho melhor se afastar agora ou não sairemos daqui. — Sorrio
e me afasto.
Em poucos minutos estamos diante da casa de Victor e
Melinda. Eu desço e deixo Nico no carro. É Paula quem me atende.
— Olá! — ela diz sorridente, e eu fico perdida entre abraçá-
la ou dizer apenas um olá. Como estou de bom humor, faço as duas
coisas: a abraço e digo "olá".
— Vim buscar meu pequeno. Me desculpem pelo atraso,
mas estava resolvendo um problema — explico.
— Aooo meritíssima! — Lucca grita, e eu reviro os olhos.
— Aooo Dandara, pega na minha vara! — Agora é Victor. —
Mentira! É da Melindinha!
— Olá, Dandara! — Melinda vem e sai me puxando para o
interior da casa. — Venha jantar conosco. Está quase pronto.
— Não posso. É... Há alguém me esperando no carro —
explico. — Vim apenas buscar Samuel. Por falar nele, onde está?
— Destruindo algum cômodo com Miguelito e Soso —
Melinda diz com naturalidade.
— É o garoto de açúcar? — Lucca pergunta, e eu balanço a
cabeça positivamente. — Ahhh!!! É hoje que conheço o garoto de
açúcar melhor! — o filho da puta avisa ficando de pé.
— É o garoto da boate? — Victor indaga, e novamente
balanço a cabeça positivamente. É um inferno que ele se junta com
Lucca e os dois saem pela porta em busca de Nicolas.
— LUCCA!!! — grito, mas ele ignora. Olho para Paula, a
única salvação. — Pelo amor de Deus, Nicolas está usando apenas
um roupão! Você precisa controlar Lucca, e Melinda precisa
controlar Victor, que resolveu ser tão louco quanto o irmão.
— Por que ele está de roupão? — Paula questiona rindo. —
Isso será divertido.
— Claro, eu deveria saber que você é a versão feminina de
Lucca, Barbie e Ken, o casal moda e magia! Ele está de roupão
porque... porque ele tomou banho em minha casa e não havia
roupas limpas. Eu estava um pouco desesperada por esquecer meu
próprio filho na casa do tio e sugeri que ele vestisse um maldito
roupão com a certeza de que não sairia do carro, mas Lucca fodeu
tudo! — Me viro para porta quando Nicolas entra acompanhado de
Victor e Lucca. O detalhe é que os dois irmãos estão abraçando o
meu garoto de açúcar, que está visivelmente perdido.
— Uauuu!!! — Melinda e Paula gritam juntas, isso faz a
dupla dinâmica soltar o meu namorado.
— Aooo Paula, você ficará uma semana sem sentir o prazer
por conta desse delito! — Lucca avisa.
— Se eu for castigar Melinda a cada delito, eu fico sem sexo
pelo resto da vida — Victor argumenta rindo. — Mas hoje ela vai
levar uma no lombo para aprender.
— Aooo garoto de açúcar, Dandara disse que demorou
porque estava resolvendo um problema — Lucca fala rindo. — O
chuveiro dela queimou?
— Foi trocar a resistência? — Victor é quem pergunta
agora.
— Não é da maldita conta de vocês — informo, puxando
Nicolas.
— Agora você vai me explicar o porquê desse garoto de
açúcar, Dandara. Todos estão me chamando assim, há algo que eu
perdi? — Eu quero tacar um copo na cabeça de Lucca, porque
agora virei a atração da noite e todos estão me esperando explicar a
Nicolas o motivo do apelido.
— Lucca inventou essa merda infernal após eu ter revelado
a ele a maneira como te conheci. Sugar baby, garoto de açúcar,
tudo a ver, não acha? Eu acho ridículo, sendo bem sincera, mas
essa merda não sai mais da minha mente e eu só consigo chamá-lo
de garoto de açúcar. Sinto muito, vou arrumar outro apelido. —
Nicolas ri, felizmente. — Esse sorriso desgraça uma vida. — Eu
nem noto que disse em alto e bom tom, mas é a verdade.
— Espera! Ele era um sugar baby como eu? — Melinda
pergunta se divertindo.
— Aooo Dandara, você tem um secret? — Victor pergunta
rindo. — Sugar mommy!
— Mas foi numa perspectiva diferente da sua — explico. —
Bem diferente, Melinda.
— Você foi sugar baby? — Nicolas pergunta a ela.
— Sim, e Victor foi meu sugar daddy! Deus! Eu amo como
isso soa! — Melinda diz sorrindo. — Por que se tornou sugar baby?
Necessidade financeira?
— Não...
— Ele queria experiência com as tias maduras! — Lucca
responde, e eu pego a primeira coisa que encontro para tacar nele.
No caso, é uma vela decorativa.
— Eu não sou uma tia! — esbravejo com toda minha fúria,
enquanto Paula e Melinda se acabam de rir. — Você é um babaca,
Lucca Albuquerque!
— Conte, garoto de açúcar. Queremos sua versão dos fatos
— Lucca pede rindo.
— Queria experiência com uma mulher madura, realmente.
Estava cansado de experiências fracassadas com garotas
desmioladas. Sempre fui muito maduro, então havia um
distanciamento gigante entre meus pensamentos e os pensamentos
das garotas da minha idade. Entrei no site e encontrei Dandara, mas
há muitas coincidências nesse encontro — ele diz, me abraçando
por trás. — Eu já a admirava antes mesmo de ter o privilégio de
conhecê-la pessoalmente, antes mesmo de descobrir quem era a
minha sugar mommy. — Isso faz meu coração acelerar e eu coloco
minhas mãos sobre as mãos dele. — Foi uma tremenda
coincidência e uma tremenda sorte. Não esperava conhecer alguém
desse porte.
— Bom, eu queria um acompanhante para o aniversário de
Samuel. Isso se parece um pouco com a história de Victor, que
queria uma acompanhante para a renovação de votos dos pais. —
Relembro. — Devido a todos os acontecimentos entre Lucca e eu,
não me achava capacitada para enfrentar o evento sozinha, ainda
estava na fase em que parecia que estava usando alucinógenos. Me
lembrei da história de Victor e Melinda, e resolvi arriscar no site.
Queria alguém que eu pudesse contratar apenas para exercer o
papel de namorado, alguém que estivesse interessado apenas na
grana. Não foi o que aconteceu, Nicolas não queria dinheiro, queria
uma experiência com uma mulher madura e então... as coisas foram
fluindo rápido demais, preciso dizer. — Sorrio.
— E o garoto de açúcar laçou a meritíssima
maravilhosíssima! — Victor diz sorridente. — Bom, preciso pontuar
que nunca vi Dandara com o semblante tão leve. A conheço há
muitos anos, sou advogado, já estive em muitas audiências com ela,
estivemos juntos em muitos momentos. Estou feliz por vocês. O
inexplicável se explica em algum momento.
— Fico muito feliz que tenham se entendido — Paula é
quem diz agora. — De verdade. E, Nicolas, não dê ouvidos à Lucca.
Ele é maluco, mas tem um coração do tamanho do mundo.
— Ao Paula, magoa meus sentimentos.
— Eu não fazia ideia de que eram tão amigos — Nicolas
comenta.
— Não éramos — digo. — Acho que preciso contar muitas
coisas a você, Nico. Apenas não tivemos tempo de ter uma boa
conversa ainda — explico sorrindo. — No aniversário de Samuel, eu
e Paula tivemos uma boa conversa, onde pude esclarecer muitas
coisas e onde acabei confessando outras. Enfim, no momento
pareceu confuso, mas agora, vendo as coisas com mais clareza,
acho que estamos caminhando para uma relação melhor.
— Com certeza, se depender de mim — ela diz.
— Já que estamos na fase da amizade, Nicolas, novinho,
garoto de açúcar, você tem a honra de ser o primeiro convidado da
minha despedida de solteiro — Lucca avisa. — Acho que estaremos
sempre próximos, devido à Samuel. Vamos ser bons amigos, cara.
— Que despedida de solteiro, Lucca? — Paula pergunta, e
eu começo a rir.
— Todo mundo que casa precisa de uma despedida de
solteiro, Paula. Vamos nos casar — ele explica.
— Ok. Vai haver uma maldição de uma despedida de
solteiro e eu sou a última a saber?
— Na verdade, você está sendo uma das primeiras, meu
amor. Jacinta que eu te respeito, bebê. É tudo em família, relaxa.
Eu, Victor, piroca baby, garoto de açúcar...
— Por cima do meu cadáver — aviso. — Deixa o meu
garoto de açúcar quietinho, pelo amor de Deus.
— Então vai mesmo haver uma despedida de solteiro? —
Paula pergunta de uma maneira intrigante, quase maquiavélica.
— É claro que sim, bebê Paula.
— Isso me dá o direito de ter uma despedida de solteira
também.
— E, eu quero deixar bem claro desde já, se o meu sugar
daddy for em qualquer despedida de solteiro que seja, eu irei para
qualquer balada, SOZINHA — Melinda anuncia.
— Não haverá balada, Melinda. Eles estarão na festinha
deles, nós estaremos na nossa.
— Nada disso! — Lucca avisa.
— Oh, deixe de ser patético, Lucca! Se você terá uma
despedida de solteiro, eu também terei, e em grande estilo.
— Bom, eu e meu namorado não temos absolutamente
nada com isso. Só vim buscar meu filho que, muito provavelmente,
está fazendo alguma merda silenciosa — argumento.
— Nada disso, o garoto de açúcar vai conosco! Vamos
mostrá-lo o lado insano da vida! — Victor afirma rindo, e Melinda dá
um puxão na orelha dele. — Porra, Melindaaa.
— Você vai???
— Não sei, merda, solta a minha orelha!
— Agora você vai!!! Filho da mãe!!! Porque eu também vou
na despedida da Paula! E Dandara vem junto. Eu vou matar, roubar,
vou destruir!!! — Melinda avisa e solta a orelha de Victor.
— Nem fodendo, Melinda! Não faço parte da família,
definitivamente. Acabo de iniciar um relacionamento sério, é tudo
muito novo, estou em lua de mel — aviso. — E você não vai, garoto
de açúcar.
— Calma! Não é assim que as coisas funcionam — Nicolas
argumenta.
— Você quer ir nessa merda? Você nem mesmo os conhece
bem. Já aviso, Albuquerque’s são umas pragas, você não irá gostar
deles, principalmente porque se juntaram com os Salvatore’s. Há
todos os tipos de loucos nessa família, Nicolas.
— Eu preciso ser amigo do pai do seu filho, Dandara.
— VOCÊ NÃO VAI! — aviso.
— Eu não ia, mas agora vou só porque você falou assim
comigo.
— Nicolas!
— Dandara Farai!
— Aooo que eu vivi para ver esse dia chegar!!! Chão
moiado!!! — Lucca diz rindo. — Saia dessa, meritíssima magnífica!
— Isso é culpa sua, Lucca Albuquerque! — Paula
repreende. — Você está causando confusão em relações alheias
porque decidiu ter uma despedida de solteiro, assim, do nada.
— Estou de acordo com Paula, mas nem vou brigar com o
sugar daddy mais. De repente, tudo que quero é essa despedida de
solteira na minha mesa agora! — Melinda provoca.
— Você vai nessa merda? — pergunto, me virando de frente
para Nicolas.
— Vou — ele afirma de uma maneira desafiadora.
— Tem certeza?
— Absoluta. — Eu odeio que ele seja um ser humano filho
da puta como eu.
— Ok, você pode ir! — digo, me virando de frente e encaro
Lucca. — Você vai querer nunca ter convidado o meu namorado
para essa merda! — aviso. — Farei todos vocês se arrependerem!
Paula, Jacinta minha parceria chegando para a organizar a sua
despedida de solteira! Melinda, se sente pronta para uma noite de
diversão?
— NEM FODENDO! — Victor, Lucca e até Nicolas dizem
juntos!
DANDARA
— Estou ligeiramente arrependido de ter dito sobre a
despedida de solteiro — Lucca confessa. — Dandara vai botar no
meu cu, usando minha futura esposa contra mim. Ela é o diabo, e
eu...
— E você é o homem que mexeu com o diabo. — Completo
a frase. — Estava quieta, Lucca. Você envolveu meu namorado
nessa brincadeira, agora vai aguentar. Sua noiva terá a melhor
despedida de solteira da história do Rio de Janeiro. E, olha que nem
decidi se faremos isso aqui no Rio mesmo, talvez uma viagem até
algum lugar aqui por perto seja bem-vinda. — Sorrio
maquiavelicamente. — O que acha, Paula? Me lembro de um filme
bem interessante, nacional, ele se chama Muita calma nessa hora.
Vou inspirar sua despedida de solteira nesse filme.
— Pera aí! Mas esse filme não é aquele que as mulheres
vão solteiras após uma delas descobrir a traição do noivo dias antes
do casamento? — Lucca questiona.
— É, exatamente! — confirmo.
— Mas Paula não é solteira, nem fodendo!
— Quem se importa? — pergunto, cruzando meus braços.
— Amo viajar — Paula diz sorrindo. — Não posso beber,
mas quem disse que eu preciso de bebidas para ser louca?
— E eu? Eu posso beber e sou fraquinha para bebidas. Vou
perder a alma! — Melinda provoca olhando para Victor.
— Sinceramente Melinda, não queira que eu diga em voz
alta o que você está indo perder!
— As pregas? Eu já perdi todas! — A cara que Nicolas faz é
impagável. As bochechas dele chegam a ficar coradas enquanto
todos riem de Victor.
— Ela quis dizer o que estou pensando? — Nicolas
pergunta para mim, e eu aperto suas bochechas.
— Você é uma coisa muito fofa, Nico — digo, beijando-o. —
Vamos chegar lá... — sussurro em seu ouvido.
— Você está querendo dizer o que estou pensando? —
Sorrio e volto a prestar atenção nas demais pessoas.
— Victor, você agora terá que tatuar meu nome em seu
corpo, filho da mãe! Não vai me comprar com Simba algum depois
dessa despedida de solteiro. — Melina está o veneno.
— Olha, eu sei que sou um jovem rapaz, que meu apelido é
garoto de açúcar, mas não pense que é solteira, vossa excelência!
Pode ir abaixando o seu topete. Acredito que saiba que posso ser
tão ruim quanto você é. Deixaremos o topete empinado para os
tribunais. Na nossa vida conjugal, minhas ações dependem
totalmente das suas ações. Me lembro de ter dito isso — Nicolas
avisa, e Lucca começa a rir.
— Aooo Dandaraaa!!! Esse te sentou na vara!!! Os novinhos
tão sensacionais!
— Sem saco para você, Lucca. E para você também Victor!
— aviso, e encaro Nicolas. — Acho que temos mais questões a
serem discutidas do que imaginava!
— Eu também acho — responde, me encarando fixamente.
Eu havia me esquecido que ele pode muito bem bater de frente
comigo. Me envolvi nessa docilidade e esqueci que ele pode ser
difícil quando necessário. A briga será de cachorro grande. A
inocência e a docilidade dele é reservada apenas para alguns
momentos. Em outros ele é o próprio diabinho.
— Eu sou fã desse garoto de açúcar, já — Victor comenta
se divertindo. — Esse é brabo!
— Isso é porque você não me viu no auge da fúria, sugar
daddy — Melinda rebate, fazendo o sorriso desaparecer do rosto
dele.
— Ao Melinda, faz assim não, benzinho. Vamos fazer as
pazes. Nem fui para a despedida de solteiro ainda e você já está
ferindo a minha alma.
— Aqui em casa o sofrimento começa com antecedência —
ela argumenta.
— Lucca também nunca me viu no auge da fúria. Sou
conhecida por ser a mulher compreensiva, amável, levemente louca.
Ele desconhece meu lado furiosa e acho que precisa conhecer
antes de nos casarmos. Na verdade, eu não acho, estou certa sobre
isso. Você vai conhecer minha versão dark, Lucca Albuquerque!
Quer pagar para ver? — Paula diz ameaçadora.
— Paula, Jacinto suas ameaças! Estou arrependido! Não
teremos mais despedida de solteiro, eu juro. Vamos assistir Meteflix!
La casa da piroca, Sex Education, a Anatomia do meu pau... —
Misericórdia!
— Você pode ter decidido não ter, mas eu estou com a ideia
fixa de que a minha despedida será perfeita! Inclusive, vou ligar para
o restante das mulheres da família. Ava, Luma, sua mãe, minhas
amigas. Será em grande estilo. E, antes que eu me esqueça, já
conheço a anatomia do seu pau muito bem. — O modo decisivo
dela quase me assusta. Estou começando a temer essa situação,
mas agora preciso conduzir até o fim. Estou precisando de um
pouco de diversão, é a chance perfeita. Nunca tive muitas amigas
para levar para o mal caminho.
Só sei que me encontro sorrindo, vendo o tiro entrar pela
culatra dos três mosqueteiros.
A discussão acaba quando as crianças surgem como três
anjinhos. Sinceramente, nunca fui uma mulher apaixonada por
crianças, mas, desde que me tornei mãe não posso ver uma criança
que fico alucinada. Por exemplo, olhar Sophie me faz querer ter uma
menina com todas as forças que possuo.
— Tio Nico!!! — meu filho exclama de maneira exagerada e
sai correndo para os braços de Nicolas, que sorri amplamente. Eu
queria não ser má, mas sou, e por isso acabo olhando para Lucca,
rindo da cara que ele está fazendo. O drama vem, se não for agora,
será em alguns minutos.
— Caralho! — o ouço dizer. — Meu coração foi massacrado
agora. Não esperava uma traição desse porte. — Reviro meus olhos
e vou pegar Sophie.
— Meu Deus do céu! Melinda, essa garota é a cópia de
Victor. Pelo amor de Deus, olhe para ela! Estou tão apaixonada! —
comento sorrindo. — Olá, Soso.
— Olá — ela responde me observando e coloca as duas
mãozinhas em meu rosto. Ela abre um sorriso tão incrível, que me
pego suspirando.
— Ai meu Deus! Eu quero uma filha!
— O quê? — Nicolas pergunta, e eu me pergunto como ele
escutou eu dizendo essa besteira.
— Os homens possuem uma audição bem seletiva, não é
mesmo? — Paula diz rindo, e Samuel vem agarrar minhas pernas.
— Meu pinguim — falo sorridente. — Mamãe estava louca
de saudades! — Coloco Soso no chão e o pego. — Meu cheirinho
de amor mais gostoso!
— Mamãe, você é muito linda. — Ele sempre diz isso, e eu
sempre reajo da mesma maneira: sorrindo amplamente.
— Eu tenho que concordar Samuca — Nicolas diz, me
abraçando por trás.
— E o papai? — Lucca pergunta, e todos começam a rir.
Coloco Samuel no chão e ele vai direto para o pai.
— Não estou boa com você, garoto de açúcar! — aviso para
Nicolas.
— Também não estou bom com você. Sou um menino
inocente, você é uma mulher diabólica.
— Sua inocência, neste momento, é de caráter duvidoso. —
Sorrio e pego Victor conversando com Miguelito. É tão bonito, como
Lucca está sendo com Samuel. Ao mesmo tempo que esses
homens são loucos, eles são tão amorosos.
Deixo Nico e vou conversar um pouco com Miguelito. Ele é
tão doce e educado, é bem como um anjo como Melinda costuma
dizer. Mas, a minha distração com ele dura pouco, porque eu vejo
Sophie e Nicolas conversando, e isso atrai mais atenção do que eu
gostaria.
— Ok, hora de ir embora! — anuncio, tentando fugir dos
meus próprios pensamentos.
— Fique para jantar conosco — Melinda insiste.
— Infelizmente não há como, vamos deixar para a próxima.
Nico está de roupão, temos que passar na casa dele para verificar
minha sogra e para ele pegar roupas. Eu quero ficar um pouco com
Samuel também, temos ficado pouco tempo juntos, porque Lucca
sequestrou o meu filho — brinco. — Mentira, ele merecia um tempo
com o filho — digo, observando-o. — Enfim, prometo voltar,
Melinda. Muito obrigada por ter cuidado de Samuel, amanhã ele
está de volta. Prometo que será por pouco tempo.
— É um enorme prazer. Samuel é um amor de criança. As
crianças nem são tão terríveis quanto digo. A convivência com
Victor me ensinou a dramatizar. Eles passam parte do dia brincando
na brinquedoteca, assistindo desenho. Não há trabalho algum — ela
explica sorrindo.
— Obrigada mesmo! — A abraço e vou me despedir dos
demais. — Paula, pegue meu número com Lucca. Vamos fazer a
despedida acontecer.
— Mas iremos mesmo! — ela exclama muito decidida. Me
despeço de Victor, de Lucca e das crianças. Acho fofo quando
Samuel vai nos braços de Nico até o carro, e mais fofo ainda
quando Nico o prende na cadeirinha.
Não demora muito para pararmos diante da casa de Nicolas.
Eu e Samuel ficamos o aguardando no carro, mas dura pouco.
Quase solto um grito ao ouvir batidas na janela e, quando olho, vejo
dona Edna e uma outra mulher esperando que eu desça.
Sorrio completamente sem graça e desço. Não estou
acostumada com esse tipo de situação em que preciso ser toda
amores e simpatia. Samuel me grita, achando que o deixarei preso,
e vou pegá-lo antes de cumprimentá-las.
— Olá! — digo sorridente, indo dar um abraço em dona
Edna enquanto seguro meu filho em um só braço.
— Essa é Solange, a tia que Nico tanto fala. — Dona Edna
apresenta, e eu vou cumprimentar Solange.
— É um prazer conhecê-la, Solange. Nicolas fala muito bem
de você. — Merda, a mulher parece pouco mais velha que eu,
apenas. — Esse é meu filho, Samuel. Diga olá, filho!
— Olá! — ele diz, e as duas se pegam rindo.
— Entre, venham! — Dona Edna sai me arrastando e
percebo que não tenho escapatória. — Graças a Deus você e meu
menino se entenderam. Eu não aguentava mais ficar em cima da
cama! — ela diz, fazendo com que eu abra a boca em choque.
— Como assim, dona Edna? — pergunto impactada.
— Nicolas esteve muito tristinho e dona Edna teve que fazer
um drama para tocar no coração do menino — Solange explica.
— Oh Meu Deu, dona Edna! Não sei se rio ou choro.
— Mas, em minha defesa, eu fiquei muito triste com a
separação de vocês, minha filha. Muito triste mesmo. Meu menino
estava desolado, sem lugar, ficava vagando pela casa como um
fantasma. Deus há de me perdoar! — Eu quero rir, e é exatamente o
que faço. — Eu ficava tentando extrair as coisas dele, mas ele se
manteve fechado.
— Compreendo. Coisas de mãe — falo, tentando amenizar
a culpa dela. — É o nosso segredinho.
— Pensando por outro lado, quando eu tiver uma crise de
verdade talvez você não vá acreditar — ela diz pensativa. — Não
vou mais fingir, prometo.
— Oh! A senhora é muito doce, dona Edna — comento
sorridente, e ela pega Samuel de meus braços. — Já tive em um
estágio depressivo, acho que saberei distinguir uma crise
verdadeira. Não se preocupe.
— Sente-se Dandara, preciso te dizer que você é ainda mais
bonita pessoalmente. Nicolas disse muito sobre você também. É um
imenso prazer recebê-la em nossa casa. — Solange é tão doce
quanto dona Edna. Eu acho imensamente incrível o fato dela se
referir à própria casa como se fosse de todos. Isso diz muito sobre
sua personalidade e seu caráter, explica também o fato de Nicolas
sempre falar com muito carinho sobre ela e o marido. — Seu filho é
um amor de criança. Ele se parece muito com você — fala, dirigindo
o olhar à Samuel, que está fazendo carinho no rosto de dona Edna.
— Ele é muito carinhoso, um grande orgulho. Sim, ele tem
meus traços, mas possui características do pai também — digo,
satisfeita com o ser humaninho que é a minha metade.
— Foi impressão minha ou Nicolas chegou mesmo vestindo
um roupão? — um homem surge perguntando, e então paralisa
assim que me vê. — Olá! Que honra tê-la em nossa casa! — Me
levanto quando ele me puxa para um abraço de urso. Isso não
combina comigo, mas não há mesmo como fugir e me pego
retribuindo. — Sou Marcos, tio de Nicolas.
— Sou Dandara, a...
— A temida juíza e namorada do meu menino! Ele me falou
bastante sobre você. Acho que agora consigo entender o roupão,
estavam namorando, né? — Isso me deixaria mortificada, mas acho
que já estou acostumada com esse tipo de situação, afinal, os
Albuquerque’s são mestres em deixar as pessoas envergonhadas.
— Ele tomou banho na minha casa, mas não há roupas dele
lá. Apenas as que estava usando e elas estão molhadas porque
tomamos chuva. Vesti-las não era uma opção — me explico,
tentando soar o mais sútil possível.
— Vejam só! Esses jovens gostam de aventuras na chuva!
— dona Edna diz. — Você e esse menino bonito vão jantar conosco.
Precisa se alimentar bem para dar conta do meu menino!
Meu Deus, eu sei que fui ruim, bem diabólica, grande parte
da minha vida, mas sinto que esse jantar será altamente insano e eu
ainda estou me adaptando ao meu novo eu. Me ajude, Senhor!
— Eu... — vou argumentar, mas ela me interrompe. É então
que Nicolas chega e eu o olho quase que suplicando.
— Sem desculpas, Dandara! — dona Edna anuncia, ficando
de pé e o traidor do meu filho sai saltitante de mãos dadas com ela.
— Nico...
— Ela disse sem desculpas. Quer conhecer o meu quarto
novamente?
— Esses jovens são muito dispostos ao sexo! — Marcos diz
para a minha mortificação final.

NICOLAS
Dandara está extremamente engraçada. É divertido ver seus
muros desabando e deixando-a sem graça. Ela é o tipo de mulher
que gosta de estar no controle e quando o perde é quase cômico.
Ela não sabe lidar com desconforto, com situações embaraçosas
que retiram todo controle que possui. Mas cômico ainda é vê-la
forçando fortemente simpatia quando tudo que queria é desaparecer
do lugar. Isso não me deixa chateado, nem mesmo um pouco. Ela
parece ansiosa para ir para casa, e é um direito dela estar, então ela
encontra a minha família louca e eles praticamente a obrigam a
ficar. Eu poderia relutar, explicar que precisamos mesmo ir para
casa dela, pois os últimos dias foram fodidos para ambos, mas
quero mesmo ver como ela se sai diante deles, diante do embaraço
e da perca de controle, quero que ela frequente minha casa, que se
familiarize com os meus familiares. Sem contar que estamos com
Samuel e minha mãe é completamente apaixonada por crianças.
Seguro sua mão e a conduzo rumo ao meu quarto. Ela está
levemente tensa por estar desconfortável e eu já sei tudo o que me
espera; é quase como um script. Uma vez que tranco a porta, ela
solta seu suspiro.
— Eu não quero que me leve a mal, de verdade, Nico, eu
amo sua mãe e é um imenso prazer conhecer seus tios, porém, é
perceptível a minha agonia para ir casa. Eu gostaria de ficar sozinha
com você e com o meu filho. Eu senti sua falta. — Passo meus
braços por sua cintura e a puxo para mim.
— Eu senti sua falta também e compreendo sua ansiedade.
Há um tempo perdido a ser recuperado e você está ansiosa por
isso.
— Embora eu esteja ligeiramente revoltada com você, o
quero muito, o quero só para mim. Não me sinto pronta para dividi-lo
com outras pessoas ainda. Quero ficar com você essa noite, sem
desgrudar. Você e meu filho. Preciso dos dois só para mim. — Isso
é muito surpreendente, muito. Esse carinho me pega sempre de
surpresa e até mesmo me dar a sensação de estar em meio a um
sonho. Ela nem mesmo se parece com a mulher que conheci. É
outra pessoa, uma que me faz quase cair de joelhos aos seus pés.
Não sei como aplacar essa carência. Não tivemos muito
tempo essa noite e eu sinto que também não tive o bastante dela.
— Minha mãe me ensinou que às vezes precisamos nos
adequar a determinadas situações, mesmo que elas não sejam
exatamente o que queremos. Estou ansioso para estar com você e
Samuca, nós ainda faremos isso hoje, amanhã, enquanto não
tivermos tido o suficiente um do outro. Não vamos demorar, cacto. É
apenas um jantar e então iremos embora. Seremos apenas nós três,
até que Samuel durma. E, quando ele dormir, seremos nós dois.
— Nós dois... — ela quase geme ao dizer as palavras, e
isso desperta meu corpo no mesmo instante.
— Sabe, durante o período em que estávamos afastados
encontrei algo — digo, apertando-a.
— O quê? — pergunta, e eu me afasto dela para ir pegar
meu laptop. Digito minha senha e abro a posta que contém algumas
fotos. Isso a faz soltar um suspiro. — Isso é uma merda, Nicolas.
— É uma merda que muitos homens tenham visto a minha
namorada assim. Apenas isso é uma merda, todo o restante é
perfeito pra caralho. Você é perfeita e essas fotos foram como um
tormento. — Descobrir fotos da minha namorada nua não é algo
agradável. Dandara ultrapassou alguns níveis em relação a ser
gostosa. As fotos não são tão explícitas, não mostram sua
intimidade tão abertamente. São sexys, nada vulgares. Um nu
artístico perfeito que revelou em mim uma possessividade que
desconhecia. Embora eu tenha um monte de elogios a fazer, não
consigo esconder um desconforto.
— Isso foi há muitos anos.
— Nem mesmo parece. Os anos estão sendo generosos
com você, vossa excelência. Você conseguiu o impossível, ficar
ainda mais bonita e ainda mais gostosa do que está nessas
fotografias.
— Por que salvou essas fotos? — pergunta de uma maneira
avaliativa, e um leve sorriso cruza meu rosto antes de eu puxá-la
novamente para mim. Afasto seus cabelos e me aproximo se sua
orelha:
— Talvez eu não seja tão puro e inocente quanto você acha
que sou.
— Me mostre — pede. — Me mostre que é um garoto
pervertido. Me mostre o que fez enquanto observava essas fotos.
Não tenha vergonha ou medo, eu vou amar ver. Vou amar cada
segundo. Vou desejar você em mim a cada movimento. Seja um
garoto corajoso para mim. — Ela está sugerindo que eu me
masturbe sob seu olhar? É algo normal, eu sei, mas não é muito
normal quando se namora uma mulher como Dandara. Quer dizer, é
normal, mas é intimidante, principalmente porque o olhar dela é
capaz de aterrorizar uma pessoa. Ela se parece como uma juíza em
todos os momentos e tenho medo de receber um julgamento ruim
pela minha performance. Quão ridículo eu sou por pensar nisso? Eu
odeio que em alguns momentos consiga ser tão maduro e em outros
eu me pareça como um garoto amedrontado.
— Mamãe!!!! — Samuel me salva do julgamento final
batendo na porta. Dandara começa a rir, me encarando e eu me dou
conta de que seu riso é porque soltei todo o ar que estava
prendendo.
— Vamos conversar sobre isso mais tarde — ela avisa.
— Sobre o quê?
— Sobre seus receios em relação a mim. Nico, você é
bastante transparente em determinados momentos. Eu vi o medo ou
qualquer merda que não cabe entre nós, mas não se preocupe, eu
terei o maior de todos os prazeres ensinando a você — diz
promissora e se vira, indo até a porta e a abrindo.
Samuel vai direto para os braços dela e eu quase vou junto,
pedindo um colo. Saudades de quando não tínhamos sexo e não
havia sentimentos, eu podia usar toda minha petulância com ela,
sem medo. Não quero me submeter a ela no quarto, preciso
melhorar e vou, em pouco tempo será ela se submetendo. Tenho
meus momentos, mas só os tenho quando ela me dá total poder.
Aooo Dandara!
Merda, eu estou dizendo "aooo" e isso é algo que o ex dela
dizia. Preciso de terapia, intensiva.

Minha mãe está comendo com Samuel sentado em sua


perna. Enquanto Dandara conversa com meus tios, meu foco está
no pequeno, que parece ter se apaixonado perdidamente por dona
Edna. A cada vez que ele a chama vovó, vejo os olhos da minha
mãe brilharem de contentamento, isso me faz esfregar a testa,
pensativo. Completo vinte e dois anos nos próximos dias, ainda sou
um universitário e acabo de começar um relacionamento com uma
mulher que já tem sua vida feita e toda uma estabilidade. Enquanto
Dandara não pode esperar mais tanto tempo para ter uma nova
gestação, eu tenho anos e anos pela frente. Eu nem mesmo deveria
estar ponderando isso, mas pensar nisso traz à tona um fato
importante que sai da minha boca antes mesmo que eu possa
processar:
— Eu não me recordo da última vez usamos preservativo. —
O silêncio reina e Dandara se engasga com o suco.
Fico de pé o mais rápido que consigo e dou batidas em suas
costas. Vejo minha mãe se contorcendo para não rir, enquanto meus
tios apenas nos avaliam, como se tivessem total interesse na
conversa. Felizmente Samuel parece alheio às minhas palavras.
Dandara fica de pé e começa a se abanar, me dando um
olhar que exprime uma grande confusão interna.
— Isso é assunto para ser debatido assim? — ela pergunta,
pegando o copo de suco na mesa e bebendo um pouco mais. A
diferença é que agora ela está nervosa e trêmula.
— Não é. Me desculpe, isso apenas bateu em minha mente
e eu falei. Pode se sentar e terminar o jantar.
— Se você não se recorda, imagine eu? Nicolas! Eu sou a
surtada da relação. A última coisa que penso na hora do sexo é em
ter que dar uma pausa para encontrar um maldito preservativo. O
desespero cega as pessoas, Nicolas, você precisa saber disso. —
Ela se esquece das demais pessoas e eu tento a todo custo não rir.
— Estou adorando isso, Nicolas! — minha tia diz rindo, e
Dandara arregala os olhos, me pedindo socorro através deles.
— Foi você quem expôs ainda mais — falo, levantando as
mãos e a vejo suspirar em completa vergonha. — Nos desculpem
por isso.
— Não há nada a ser desculpado. Vocês dois estão fazendo
essa noite ser ainda mais incrível — meu tio diz rindo. — Estou me
divertindo.
— Que bom que servimos ao menos para diverti-los, porque
amanhã eu preciso de terapia — Dandara diz, voltando a se sentar.
— Ficarei ao menos duas horas na terapia por conta dessa pauta.
— É antiético termos a mesma terapeuta? Porque,
sinceramente, estou ponderando buscar ajuda psicológica. Acho
que é engrandecedor — comento.
— Podemos fazer terapia de casal — Dandara sugere e
começa a rir. — Doutora Rovena ficaria louca. Aliás, acho que essa
é a melhor ideia que tive nos últimos tempos. Ela mal me aguenta,
imagina nós dois, juntos? O que acha, garoto de açúcar?
— Garoto de açúcar? Isso fica bom a cada minuto — é a
vez da minha tia dizer.
— Acha que precisamos de terapia de casal? — pergunto.
— Acho.
— E a sua terapeuta oferece esse tipo de atendimento? —
indago, e como um pouco de lasanha.
— Oferece. — Ela resolveu ser monossilábica.
— Podemos tentar. — Dandara quase dá um grito,
empolgada. Todos à mesa riem. — O que há de tão empolgante?
— Doutora Rovena precisa de tratamento psiquiátrico para
lidar comigo — ela explica com naturalidade e volta o olhar aos
meus tios. — Eu sou um pouco complexa.
— Um pouco? — questiono rindo.
— Muito complexa. Uma grande complexidade ambulante.
— E é bipolar também — comento.
— Em minha defesa, nunca fui assim. Sempre fui uma pedra
de gelo, um iceberg gigante para ser mais sincera. Minha
complexidade era diferente. Eu tinha muitos segredos, era
misteriosa, fechada. Atualmente, desde que conheci Nicolas, eu já
nem sei quem sou e o que me tornei. A psicóloga me ajuda bastante
a entender todas as mudanças — explica com seriedade. — Em
alguns momentos interpreto errado alguns conselhos que ela me dá,
e isso a deixa um pouco surtada. Ela me ajudou muito a entender
sobre Nico, mas sinto que a cada consulta tenho o poder de deixá-la
mais louca.
— Eu acredito veemente nisso — afirmo, observando-a.
— Mas, tenho um bom coração às vezes. Sou uma mãe
excelente e pretendo ser uma boa namorada para Nicolas, até que a
morte nos separe. — Agora sou eu quem engasgo e todos riem.
Dandara tem uma maneira desgracenta de fazer humor. Se
é que ela está brincando. Mas, fico admirado pela forma como ela
tem conversado com tanta leveza e despudor, se mostrando uma
versão melhorada e mais humana. Eu até esqueço sobre uma
possível gravidez e apenas observo como ela consegue envolver
todos em seus assuntos malucos e arrancar gargalhadas.
— Você foi casada com o desembargador Diógenes, não é
mesmo? — meu tio pergunta, e a noto ficar desconfortável no
mesmo instante. — Ele era meu conhecido. Nos conhecemos há
muitos anos, antes mesmo de vocês se casarem, em um coquetel.
Ele era muito amigo de um amigo meu.
— Sim. Fui casada com ele — responde.
— Fiquei sabendo do ocorrido entre vocês. Não deve ter
sido muito fácil passar por tudo aquilo. — Isso atrai minha atenção.
Não faço ideia do que houve.
— É. Embora não tenha sido noticiado, muitas pessoas
ficaram sabendo — Dandara diz. — Foi um momento difícil,
arriscado e extremamente delicado, mas não é algo que gosto muito
de falar. Diógenes está morto e todo o meu passado foi enterrado
junto com ele — responde educadamente.
— O que importa é que você está salva, bem e feliz — tio
Marcos diz sorrindo. — É uma mulher forte e admirável.
— Obrigada. Obrigada por me receberem, receberem meu
filho. Confesso que estava ansiosa para ir para casa, mas ficar foi
uma boa escolha. Vocês são todos muito acolhedores, isso explica
muito o fato de Nicolas ser esse ser humano fantástico. Ele parece
cercado pelas melhores pessoas.
— Nicolas é como um filho para nós, dona Edna é como
uma irmã. São a nossa família — minha tia diz com brilho nos olhos
e um sorriso estampado no rosto. — Se não fosse esse garoto, eu
não estaria aqui hoje, sorrindo e feliz. Nicolas é o nosso garoto de
ouro. Ele transforma positivamente a vida de todas as pessoas que
se aproximam dele. Você é uma mulher de sorte, Dandara.
— Eu sou — Dandara concorda. — Não quero desperdiçar a
minha sorte. Não vou.
— Não vou deixar — afirmo, segurando sua mão por cima
da mesa.

Após o jantar, pego algumas roupas e seguimos para a casa


dela.
Assistimos um filme no quarto, com Samuel entre nós.
Descubro que ele é uma criança inquieta; em alguns momentos ele
se joga para cima de Dandara, em outros para cima de mim. Ele
nunca fica quieto e, quando faz, eu encontro uma cena que faz meu
coração se expandir no peito.
Ele está dormindo abraçado à Dandara, que também pegou
no sono. Sem sono, desligo a TV, vou até ao escritório, escolho um
livro e me acomodo no sofá da sala. Minha mente está fervilhando
com a história do ex-marido de Dandara, por isso não consigo me
concentrar na leitura. Sinto que há muitas coisas que não sei e não
me sinto confortável com isso.
São duas da manhã quando ela surge na sala, linda pra
caralho, e dá um sorriso.
— Vem pra cama... já coloquei Samuel no quarto dele —
diz, me puxando pela bermuda.
— O que houve entre você e seu ex? — Ela me solta e o
sorriso desaparece do seu rosto. É a minha vez de puxá-la para se
sentar em minhas pernas. — Eu preciso saber. Preciso saber de
tudo. Me conte tudo sobre seu passado. Me deixe preparado para
lidar com todas as coisas que dizem respeito a você.
— Meu passado é tão feio — fala com lágrimas nos olhos.
— Eu não quero que me ache um monstro, não quero que mude o
que pensa e o que sente por mim, não quero perder o seu respeito e
sua admiração, não quero perdê-lo quando perceber que eu sou
feia.
— Você não é feia. Não importa o que tenha feito Dandara,
você é humana e humanos cometem erros. Os seus erros não
definem quem você é. Não irei julgá-la pelo passado, conheço uma
nova versão de você. Eu só quero saber tudo para nunca ser pego
despreparado ou desinformado, quero saber tudo sobre a mulher
que eu amo.
— Não posso perdê-lo. Depois de Samuel, você é a melhor
coisa que me aconteceu. Você me pede para ensiná-lo, mas a cada
dia que ficamos juntos sou eu quem aprendo com você. Eu perdi
você durante uma semana inteira...
— Estou aqui agora e vou permanecer. Ainda estarei aqui
de manhã — digo, afastando seus cabelos e beijando seu ombro. —
Confia em mim?
— Eu quero confiar...
— Quem está com medo agora? — pergunto, e ela dá um
sorriso fraco. — Confie em mim, confie em nós. Vai me contar?
— Sim. Promete que não vai embora quando ver o meu lado
feio? — pede, demonstrando uma vulnerabilidade que é algo novo
para mim.
DANDARA
— Prometo! — Nicolas diz, enquanto encaro seus olhos
castanhos tão expressivos eles me passam a segurança necessária
e decido falar tudo. Tudo mesmo.
— Eu vou voltar no início, mesmo que eu já tenha te dito
algumas poucas coisas — aviso, saindo de suas pernas e me
acomodando no sofá.
— Ok. Estou aqui — fala, pegando uma de minhas mãos e a
segurando. Espero que ele ainda esteja mesmo aqui quando tudo
terminar.
— Tudo começou na minha infância. — Engulo a seco,
odiando relembrar de todas as merdas que passei. — Nasci em uma
família relativamente pobre. Nunca nos faltou comida, mas nunca
tivemos regalias ou fartura. Minha mãe era empregada de uma
família muito rica e eles diziam que gostavam muito de mim. O casal
tinha uma filha da mesma idade que a minha e nós duas vivíamos
brincando. Enquanto eu mal tinha brinquedos, ela tinha tudo, em
excesso. Como o casal gostava muito da minha mãe, eles me
colocaram para estudar no mesmo colégio que a filha deles. E foi lá
que o grande inferno começou. — Suspiro.
"Eu não cabia naquele ambiente. O fato de ser negra já era
o suficiente para sofrer com piadas, mas o fato de eu ser filha da
empregada... era terrível. Eu não tinha vergonha das minhas
origens, mas era terrível ver como as pessoas me diminuíam por
conta delas. A filha dos patrões dos meus pais foi se transformando
por ser a mais popular do colégio, sempre que podia esfregava na
cara de todos que eu era a filha negra da empregada da casa dela,
que o pai dela pagava o colégio para mim porque eles tinham dó. Eu
contava aos meus pais, mas eles não ouviam minhas reclamações,
diziam que era bobeira e que eu deveria agradecê-los pela
oportunidade de estudar no melhor colégio. Acontece que aquilo me
fez cultivar um ódio gigante dentro de mim e eu fui obrigada a
aceitar até a minha adolescência. O ódio geral, porque meus
próprios pais, as pessoas que deveriam me proteger, ignoravam o
meu desespero, as minhas reclamações. A situação tornou-se tão
insustentável, que fixei em minha mente que um dia eu seria tão
poderosa ou mais poderosa que cada um deles, que os faria engolir
todas as humilhações que me fizeram passar.
Se tornou a minha missão na vida provar que eu não era um
lixo humano. Só queria chegar no mais alto patamar do poder para
poder dizer a todos eles que a negrinha, a filha da empregada, era
muito mais do que qualquer um deles. Era apenas esse o meu
propósito. Meus pais não tinham mesmo condições financeiras e,
sinceramente Nico, acho que mesmo que tivessem um pouco a
mais do que tinham, eles não investiriam em mim. Por isso precisei
batalhar. Eu fui aprovada em uma universidade pública, mas eles
não tinham como me sustentar, como comprar os livros que eu iria
precisar. Então me tornei modelo, sempre fui muito bonita
fisicamente e convites surgiram. Entrei para o universo da moda e
com o dinheiro que ganhava, investia nos estudos. Agora vem a
parte que não me orgulho — digo temerosa, até mesmo solto a mão
dele. — O início da história onde talvez você me veja com outros
olhos."
— Estou preparado — fala, pegando minha mão de volta. —
Eu quero tudo. — Balanço a cabeça em compreensão, respiro fundo
e continuo:
— Quando percebi que minha beleza podia ser usada para
me levar a um outro patamar, passei a usá-la de uma forma menos
honrável. Descobri que eu tinha poder com os homens, passei a
jogar com isso. Comecei a sair com muitos homens puramente por
interesse. Juntei a beleza, o meu corpo perfeito, a sensualidade,
passei a usar tudo isso para seduzir homens com alto poder
aquisitivo. Tudo pela fome de poder, vingança e de me autoafirmar.
Foi nesse meu jogo doentio que conheci Diógenes. Ele estava
sempre na universidade dando palestras e eu notava a maneira que
ele me olhava com desejo e tudo mais. Me aproximei fingindo
admirar sua carreira, afinal ele era um desembargador famoso,
passamos a ter encontros fora da universidade. Ele não me cantava,
mas eu, sempre que podia, fazia insinuações. Foi assim até ele
ceder ao desejo e eu dei o meu melhor para mantê-lo.
— Uau! — Nicolas exclama. — Acho que preciso de um
copo de água antes de você continuar — comenta, ficando de pé, e
eu percebo que talvez as coisas desandem. Só não posso parar
agora, preciso que ele saiba tudo, só assim conseguiremos seguir à
diante ou não. Aguardo ele voltar e ele respira fundo antes de voltar
a segurar minha mão. — Pode continuar, cacto. — Dou um leve
sorriso e retomo de onde parei:
— Diógenes era muito mais velho. Então imagine uma
mulher cheia de vida e desejo? Ele apenas ficou louco,
deslumbrado, apaixonado e não demorou muito a me pedir em
casamento. Nesse período, eu já não morava mais com meus pais,
mas fiz questão de ir até eles, de voltar ao lugar onde tantas
pessoas falavam de mim e diziam que eu jamais seria algo na vida.
Fui para esfregar na cara deles mesmo Nico, queria humilhá-los,
como todos fizeram comigo.
"Eu cheguei em um carro incrível, com um anel de diamante
no dedo e esfreguei na cara de todos que eu estava indo me casar
com um desembargador famoso. Meus pais não aceitaram de forma
alguma, porque Diógenes tinha idade para ser meu pai. Mas, eu
disse a eles que nada e nem ninguém iria me impedir,
principalmente eles que sempre foram pais omissos. Eu me casei
com ele, nosso casamento saiu em várias notinhas em jornais e foi
o primeiro passo para eu me sentir no poder e me tornar respeitada.
Me formei, passei três meses estudando dia e noite, me tornei juíza
com uma das notas mais altas. Aí sim, foi minha ascensão social. A
negra, filha da empregada, virou juíza e, como o destino não brinca,
a filha dos patrões dos meus pais passou por um problema conjugal
que caiu em minhas mãos. Não sei o que você vai pensar de mim
agora, Nico."
— Você me disse que fez algo relacionado a uma vingança
na justiça. Apenas prossiga.
— O ex-marido dela entrou com um pedido de guarda do
filho. — Nicolas fica apreensivo. — Mas você precisa saber, se não
houvesse brechas ou razões, eu jamais teria conseguido ter feito o
que fiz.
— Você deu a guarda ao marido dela?
— Ela passou a beber muito após a separação, não lidou
muito bem com a situação, passou a deixar a criança de lado. Nos
autos processuais havia todos os relatos do ex-marido dela e tudo
se casou bem no momento. A vingança se tornou o propósito da
minha vida, Nicolas. Eu vivia e respirava pensando em me vingar, e
eu fui até o fim. Me lembro do intervalo da audiência final, ela estava
desesperada e eu praticamente a fiz se ajoelhar aos meus pés e
implorar por clemência.
"Diante de mim as pessoas se inclinam."
— Ela fez, mas não fui clemente. Naquele momento eu agi
como se estivesse fazendo um favor para a criança, livrando-a de
uma mãe tóxica e doentia. O pai parecia estar muito mais bem
preparado para criar o filho, e eu dei a sentença final. O pai ficou
com a guarda, ela só podia ficar com a criança de quinze em quinze
dias e ela ainda ficou detida por 24 horas por me desacatar.
"Da minha decisão depende o destino de muitas vidas.
Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças[...]"
— Porra!
— Naquele dia eu saí do fórum chorando, fui para uma praia
deserta e gritei com todas as forças que eu possuía, tentando
acabar com o ódio que carregava tão profundamente dentro de mim.
Depois, ainda julguei outras pessoas que também me humilharam,
mas não fui tão vingativa. Acho que meu foco maior era ela. Não sei
dizer se ela recorreu, porque eu saí do caso. Só quis me vingar uma
vez, não queria fazer disso uma perseguição. Passei dias sem
dormir estudando o processo, buscando todas as brechas para
embasar a minha sentença. Me vinguei dela, mas isso não é tudo.
— Não?
— Não. Agora vem o pior — afirmo. — Por favor, eu não sou
aquela mulher, Nicolas. Eu sou essa aqui. Não sou ela.
— Eu sei, é por isso que estou aqui, pela mulher que você é
hoje, Dandara. — O abraço forte e uma de suas mãos deslizam até
meus cabelos, num carinho gostoso. — Não vou deixá-la por conta
do seu passado. Confie em mim. — Me afasto e resolvo seguir
contando.
— Agora entra novamente o meu casamento com Diógenes.
Ele não satisfazia sexualmente, era velho o bastante, nunca havia
sentido desejo sexual por ele, sempre fui boa em fingir que sentia
tesão. Então, conheci um advogado da minha idade, sempre fui uma
mulher muito sexual, com muitos desejos. Esse advogado era
casado, porém, sedutor o bastante e canalha, fomos nos
aproximando. De repente, estávamos envolvidos num romance
tórrido, vivíamos transando, queríamos sexo em todos os lugares
diferentes e em grande quantidade, foi aí que engravidei.
— Meu Deus, Dandara.
— Eu engravidei e disse que o filho era de Diógenes. — Vou
direto ao ponto, mesmo vendo os olhos de Nicolas arregalados. —
Eu só não sabia que ele era estéril.
— Que porra!
— E ele nunca foi capaz de me contar. Ele simplesmente se
fingiu radiante com a notícia, contratou uma equipe de detetives
para descobrir quem era o meu amante e eles nos pegaram em
flagrante. Diógenes os ordenou a fazer os mais diversos tipos de
vídeos e fotos enquanto eu transava com o advogado, há inúmeros
registros da minha traição. Quando Diógenes passou a nos ameaçar
com isso, o advogado se mudou de país com a família e eu passei a
viver sob ameaça.
— Puta merda, Dandara! — Ele está boquiaberto.
— Diógenes ameaçou a minha reputação durante anos. Eu
deveria ter deixado que ele espalhasse tudo, mas eu simplesmente
não conseguia porque isso iria queimar a imagem que custei a
construir e iria me tirar do papel da mulher poderosa, me levar direto
para o caminho da humilhação. Eu não suporto sofrer qualquer tipo
de humilhação, é como pânico, só de pensar nisso, eu me
desespero. E, depois disso, minha vida foi um caos. Um certo dia,
fui devidamente dopada e passei por um procedimento de aborto
sem saber. Quando eu acordei, Diógenes estava ao meu lado com
um sorriso presunçoso, foi a primeira vez que ele me deu um tapa
na cara e eu me lembro da sua frase todos os dias: "Sua negrinha
piranha e suja, eu não posso ser pai e você nunca será mãe. Ao
menos enquanto eu estiver vivo. Se você engravidar um dia, seja de
quem for, eu vou matar seu filho. Eu vou deixá-la viva para sentir a
dor e vou matar o seu filho".
— Você matou Diógenes para proteger Samuel? — Ele
agora está com o rosto quase sem cor.
— Não, mas teria matado — afirmo. — Desde aquele aborto
as humilhações pioraram. Ele me fazia alisar o cabelo, me fazia
andar vestida da maneira que ele julgava correta, andava cravejada
de joias caras porque ele dizia que eu era uma prostituta de luxo,
que eu só estava com ele por dinheiro e que então eu teria todo o
dinheiro que fui buscar, foi um inferno. Ele me humilhava todos os
dias e eu aceitava apenas para não ter o meu poder quebrado, para
não sofrer mais qualquer humilhação na vida. Eu conheci Lucca e
me apaixonei. Pela primeira vez na vida criei coragem para colocar
um ponto final na história, mas descobri que não dava. O meu medo
de ter a reputação queimada era maior que o sentimento que eu
tinha por Lucca, era doentio, eu possuía fixação em poder. Me
afastei de Lucca e tentei encontrar os vídeos, as provas, tudo que
poderia destruir a minha reputação, e não encontrei de forma
alguma. Então, no casamento de Victor e Melinda, eu decidi que ia
mandar a minha reputação para o inferno e ficar com ele,
independente de vídeos, de ameaças. Ficamos juntos por alguns
meses e engravidei de Samuel.
— E Lucca?
— Lucca nunca soube de nada que passei. Assim que
descobri estar grávida, cheguei em casa, peguei as minhas coisas e
fui embora sem dar qualquer satisfação a ele. Ainda me recordo do
rosto dele quando me viu deixando o apartamento. Não pensei em
nada, não pensei em Lucca nem mesmo por um segundo, só
pensava no fato de que Diógenes iria matar o meu filho. Pedi
proteção à justiça e estive escondida por mais de dois anos, com
total proteção, com seguranças me rondando vinte e quatro horas
por dia. Fraudei a certidão de nascimento de Samuel porque eu
queria que ele soubesse caso algo ruim acontecesse comigo que
tem um pai. Fui estúpida, a família de Lucca tem muito poder e
muito dinheiro, Lucca teria feito qualquer coisa por mim, até mesmo
mudado para China se fosse necessário. Eles iriam nos proteger e
lidar com Diógenes, mas eu sempre fui egoísta, sempre. Infiltrei em
minha mente que tinha poder o bastante para salvar meu filho sem
precisar de qualquer pessoa, infiltrei na mente que era apenas MEU
FILHO e ignorei que Lucca tinha o mesmo direito que eu sobre a
criança. Me tornei Juíza porque é uma profissão que emana poder e
que me coloca no topo, e usei isso. Meu plano foi perfeito até um
dos seguranças aceitar suborno de Diógenes, que parece nunca ter
deixado de me perseguir, e me delatar.
" Diógenes descobriu onde eu e Samuel estávamos. Resolvi
fugir com Samuel e na fuga sofremos um acidente de carro.
Enquanto eu fugia com meu filho, a inteligência da polícia tentava
resgatar Diógenes. Eu estava dirigindo em alta velocidade, falando
ao telefone, gritando, ditando regras, fazendo mil e uma coisas,
então eu perdi o controle. É sorte estarmos vivos hoje. Fiquei
apagada por um tempo provavelmente por nervoso, não sei dizer,
quando acordei, Lucca estava lá, revoltado da vida, mesmo assim
querendo me ouvir. Me lembro do olhar de ódio que ele dirigiu a
mim, com toda razão, afinal, eu escondi um filho dele por mais de
dois anos.
Eu me lembrei daquela sentença que dei à vaca da filha dos
meus patrões quando Lucca avisou que iria pedir a guarda do meu
filho. Nada doeu tanto, por um momento, eu me arrependi, por mais
que ela estivesse errada com o filho, ela era mãe e ser mãe é a
coisa mais louca do mundo. Eu tive tanto medo de perder Samuel,
tanto medo de Lucca insistir em pegar a guarda, porque sabia que
ele conseguiria. Lucca é um homem íntegro, de uma família incrível
e conhecida pela bondade, pela integridade, eu perderia Samuel
para ele muito fácil, pois nunca fui muito íntegra e se vasculhassem
o meu passado iriam ver. Perdi a razão quando decidi agir numa
espécie de "alienação parental" privando meu filho do convívio
paterno. Mesmo que eu tenha mostrado fotos de Lucca para Samuel
desde que ele passou a compreender as coisas, minha atitude
estava completamente errada, principalmente porque Lucca teria
feito tudo para nos proteger. Iria perder feio para ele, mas por pura
sorte, Lucca tem um coração gigante e ele jamais teria ido até o fim,
graças a Deus.
Ele moveu toda sua família para salvar nosso filho e até
mesmo salvar a mim. Por mais que ele estivesse me odiando no
momento, a compaixão dele desconhece limites. Ele nos levou para
Minas Gerais, toda uma investigação começou, ficamos lá por dias,
até a namorada dele ser sequestrada e feita de refém. Não quis
pensar em nada. Por mais que na época doesse, eu conseguia ver
o amor que ele sente por Paula, e eu não poderia destruir a
felicidade dele mais uma vez. Fui para o Rio, todos foram também, e
entrei naquela casa como uma louca. Paula já estava quase
conseguindo fugir, então eu tentei ajudá-la, escapamos pela janela,
mas no jardim Diógenes nos achou. Fiquei cara a cara com ele, tive
a chance de matá-lo, e apenas não conseguia. Minha mente estava
tão pesada, havia tanta culpa em mim. Porque aquela situação só
estava acontecendo por conta dos meus erros, por conta da fome
de poder que me cegava. Ele iria me matar, vi isso no olhar dele.
Porém, antes que ele pudesse apertar o gatilho, Paula deu um tiro
nele e conseguimos fugir. Havia uma megaoperação fora da casa.
Diógenes foi para o hospital e lá, o advogado que foi meu
amante, o matou. Diógenes o mantinha sob ameaças e esteve
destruindo a vida dele durante todos esses anos sem eu saber."
— Caralho! Há mais? Ou isso é tudo? Pelo amor de Deus!
— Ele parece desnorteado e eu o compreendo.
— Há mais. Há a parte referente à minha família. A primeira
vez que abandonei Lucca foi para me vingar dos meus familiares,
dos meus próprios pais. Você quer saber o que fiz?

"JULGA-ME COMO UM DEUS. EU JULGUEI COMO


HOMEM."
DANDARA
— Como eu disse antes, eu quero tudo. Quero até o fim,
que não exista qualquer segredo entre nós após essa conversa —
Nicolas incentiva.
— Então eu direi. Mas, estou com medo.
— Apenas siga em frente, cacto.

ANOS ATRÁS
Eu vejo Victor fugindo para casa com Melinda e os olhos de
Lucca encontram o meu. Por alguns minutos estive curiosa sobre o
tanto que eles me olhavam e conversavam, mas não vem ao caso
agora. Distancio meu olhar do dele e caminho decidida pelo deck,
sem despedidas. Há várias lanchas ancoradas, para conduzir os
convidados por toda ilha e eu estou quase entrando em uma quando
Lucca me puxa pelo braço.
— Aonde você está indo?
— Resolver alguns problemas — digo. — Eu voltarei.
— Hoje?
— Não. Amanhã tenho que resolver o problema com
Diógenes, e logo irei até a minha família. Tenho algumas férias
atrasadas e vou precisar delas agora. Não posso afirmar quando
voltarei, mas voltarei — explico.
— Não compreendo. — Seu olhar é atordoado.
— Eu quero você, demais.
— Eu também quero você demais, então por que está indo
embora? — pergunta, visivelmente frustrado.
— Não estou indo embora da sua vida. Estou indo resolver a
minha própria vida para poder entrar na sua sem trazer problemas,
de coração e mente abertos — explico. — Lucca, a minha relação
familiar é algo que me afeta muito, estou com problemas com
Diógenes. Enquanto eu não resolver isso, não é certo ficarmos
juntos. Há uma carga enorme de peso na consciência sobre mim
neste momento, eu estou angustiada e olho para você, para a sua
família, e percebo que algo infinitamente bom está esperando por
mim. Só que eu não posso deixar todos os problemas de lado para
embarcar num romance com você agora. Preciso resolver tudo o
que me deixa angustiada, todo o meu passado, para poder viver
bem o meu presente. — Na verdade, não acredito que meu passado
tenha solução, mas é isso que quero dizer à Lucca. Ele não pode
saber que meu passado é terrível de todas as maneiras e que não
sou a pessoa que ele acredita que sou.
— Dandara, para mim tudo isso é bastante complicado.
— Imagino. Agora imagine para mim? Eu preciso resolver a
minha vida antes de compartilhá-la com você — digo, tentando
passar toda a minha verdade para ele, para que consiga
compreender. — Você pode me esperar?
— Não vá ou me deixa ir com você — implora com os olhos
repletos de lágrimas.
— Eu preciso enfrentar a minha família, e isso tem que ser
sozinha. Lucca, eles não são como os seus familiares. A minha
perspectiva é diferente da sua. Eu só peço que me dê um tempo de
consertar as coisas. Me espere, ok?
— Eu já esperei tempo demais, Dandara — diz chateado.
— Sei disso, mas estou fazendo isso por nós, para termos
algo bonito, começarmos bem. Me espere, Lucca. Eu quero você —
peço, com lágrimas em meus olhos, e ele faz um carinho em meu
rosto. — Por favor, me espere.
— Por que eu sinto que você não vai voltar? Por que eu
sinto que sou o único a amar aqui? — Não tenho o que responder.
Não sei o que responder. Ele respira fundo, magoado, com toda a
razão, e então diz: — Vá. Vá antes que eu desista de deixá-la ir,
Dandara. — O vejo me dar as costas e sair andando de volta para a
festa. Por que eu sinto que ele merece algo que eu nunca serei
capaz de dar?
— Lucca...
— Quando voltar, esteja com os meus cachinhos, eu os amo
— é tudo o que diz, enquanto lágrimas escorrem de seus olhos. —
Eu sou completamente apaixonado por você, merda! — Ele passa
as mãos pelos cabelos. — Vá logo, Dandara. Entre nessa merda de
lancha e vá. — Balanço a cabeça em concordância e entro na
lancha.

PRESENTE
— Eu não fui resolver qualquer questão com Diógenes, meu
foco era a minha família, precisava vê-los, saber que eles não
seriam fantasmas em minha vida.
— Por que eles seriam fantasmas? — Nico pergunta.
— Pouco tempo depois que me casei, eles procuraram
Diógenes pedindo dinheiro, e ele passou a dar uma mesada para
eles, para que eles se mantivessem afastados de mim. E, uma vez
que eu estava prestes a me separar de Diógenes, esse dinheiro iria
parar de chegar até eles, precisava garantir que eles nunca me
procurariam, se aproximariam de mim e de Lucca, porque eles
sabem algumas poucas coisas do meu passado e eu não queria que
chegasse aos ouvidos de Lucca.
— Então você foi até eles buscando mantê-los calados e
afastados?
— Exatamente. Nico, sei que é extremamente triste
visualizar essa cena, é triste para mim lidar e dizer isso, mas eu
desenvolvi um certo pânico dos meus pais. Eles nunca foram uma
base de apoio para mim, mas tiveram a coragem de ir pedir dinheiro
ao meu marido, ao homem que eles nem mesmo queriam que eu
me casasse. Isso só aumentou o meu nojo. Meus pais foderam com
a minha vida. Eu era uma criança tão boa, recebia centenas de
elogios pelo meu comportamento, minha inteligência, todos
enxergavam em mim um potencial que eles nunca foram capazes
de enxergar. A única pessoa que me defendia era uma professora,
eu não podia contar com os meus próprios pais.
— Entendo...
— Diógenes dava a eles 2 mil reais por mês. Um total de 24
mil reais anualmente. Fui até o meu banco com duas malas
enormes e solicitei 48 mil reais, que pagaria duas anuidades.
— Isso é absurdo.
— Sim. Depois que retirei esse dinheiro, voltei às origens e
fui até os meus pais. Fui recebida como se fosse um bandido, eles
nem mesmo abriram a porta para me receber.

PASSADO
— Vocês não me deixarão entrar? — pergunto, movida pela
curiosidade.
— Você não é bem-vinda aqui, Dandara. Volte para o seu
palácio, com aquele velho.
— Eu nunca fui bem-vinda. Na verdade, eu gostaria de
saber porque vocês me trouxeram ao mundo quando não tinham
nem mesmo a intenção de serem pais. A senhora, querida mamãe,
deveria ter abortado!
— Não fale assim com a sua mãe! — meu pai repreende.
— Eu não tenho mãe. Essa desgraçada não é a minha mãe,
e você tão pouco é meu pai. Sou órfã de pai e mãe! — grito
revoltada. — Vocês vão pagar caro, ou eu não me chamo Dandara
Farai! Sabe o que trouxe, queridos papais? Duas malas cheias de
dinheiro para os dois. — Eles se entreolham e eu seguro a vontade
de esganar um por um. — Mas, não os entregarei. Vocês merecem
viver na miséria, merecem ficar catando lixo da casa dos ricaços,
vivendo de sobras com um salário que não sobra nem mesmo para
fazer um passeio até Seropédica, para nadarem no mar de lama
que merecem — digo rindo com lágrimas nos olhos. — Sabe o
dinheiro que recebem todos os meses vindo do idiota do Diógenes?
Ele acabou!
— Não pode fazer isso! Dependemos desse dinheiro! Seu
pai está fazendo um tratamento importante — minha mãe
argumenta, perdendo até a cor do rosto.
— Eu quero que vocês dois morram! Vocês são uns
monstros, renegaram a própria filha, foram omissos, só pensam em
dinheiro. Peça a seus lindos patrões para bancarem o que quer que
seja. O meu dinheiro vocês não terão nem mesmo para pagar o
caixão quando morrerem. Quem será que morre primeiro? Eu
aposto na senhora, mamãe!

PRESENTE
— Meu Deus! Eu não sei o que dizer e o que pensar — Nico
diz, esfregando o rosto. — Isso tudo é pesado demais, Dandara.
Ele vai me deixar.
Nico é jovem demais, inexperiente demais, para conseguir
compreender minhas ações. Muitas das vezes nem eu mesma
entendia. É tão injusto que me libertar do meu passado me faz
perder o garoto que se tornou o motivo para que eu querer apagar
tudo aquilo e começar uma nova vida. Ele não consegue me encarar
agora, por isso apenas abaixo a minha cabeça e decido prosseguir.
Relembro de como saí da "casa" deles após amaldiçoá-los e
fui direto para um hotel e bebi pelo resto da noite.
— Sentindo o peso da rejeição, passei em um boteco,
comprei duas garrafas de bebida e decidi dormir em um hotel bem
próximo à casa. Me embebedei a noite inteira, mas, incrivelmente,
na manhã seguinte eu estava bem. Acho que meu ódio era muito
mais forte que os efeitos do álcool. Eu saí para tomar café em uma
padaria e descobri que haveria uma festa na igreja que meus pais
frequentavam, com show e tudo mais. Então minha mente começou
a trabalhar em um plano diabólico. Descobri que a festa começaria
às oito da noite e, às oito e meia estacionei meu carro no local,
desci carregando as duas malas de dinheiro.

PASSADO
Carregando duas malas de dinheiro, ando pelo salão de
festas e vejo todos os olhares se voltarem para mim, como se fosse
uma assombração. Não me intimido, encaro todos que consigo e até
mesmo dou um sorriso. Há sangue em meus olhos e fome de
vingança, o suficiente para me deixar cega.
Passo pelos patrões dos meus pais e os encaro fixamente.
Eles me odeiam desde que tirei a guarda do filho da linda filhinha
deles.
Há um palco onde o padre está dando um sermão e o vejo
gaguejar ao me ver se aproximar. Subo os degraus até o palco,
coloco as duas bolsas de dinheiro no chão e, com toda educação
que possuo, peço para que o sacerdote dê o microfone a mim. Com
as mãos trêmulas ele me entrega e eu agradeço.
— Boa noite! Só há pessoas lindas e com o coração puro
aqui essa noite, hein? — digo sorridente, enquanto todos os olhares
estão sobre mim. — Consigo ver meus amados pais, os patrões
queridos deles, alguns amigos amáveis da época da escola. Se
lembram de mim? Oh, é claro que se lembram! A negrinha fedida,
filha da empregada, a garota do cabelo ruim que comia sobras dos
patrões dos pais. Era o que todos vocês diziam, não é mesmo? A
fedorenta, a suja, a leprosa, a "Isaura", consigo lembrar de mais
alguns apelidos dóceis.
— Dandara, está maluca? — meu pai questiona
visivelmente desesperado.
— NÃO OUSE SE APROXIMAR! — grito, impedindo-o de
subir ao palco. — Esse homem aqui, é o desgraçado responsável
pela minha existência, juntamente com aquela senhora ali — falo,
apontando para a minha mãe. — Meus amados pais, pessoas de
bem, como a maioria de vocês. Já eu, sou conhecida como a
vigarista, já ouvi rumores até de que me prostituía. Mas, sabe o
quê? Eu realmente transei com muitos homens.
— Oh!
— Muitos. Todos milionários. Dizem que negras têm o
sangue quente, não é assim que vocês falam? Era o que eu ouvia
dizer. Meu sangue é muito quente e isso sempre atraiu muito os
homens — digo sorrindo. — Bom, como posso ver aqui, todos
continuam os mesmos, fechados nessa vidinha pequena, nesse
lugar tóxico, onde o fato de possuir um pouquinho de dinheiro e ser
branco dá superpoderes para humilhar as pessoas. Enquanto vocês
permanecem aqui. Onde estará a Dandara? A prostituta? Oh! Vocês
querem mesmo saber? Pois bem! Sabe o superpoder que cada um
de vocês acham possuir? Então, o poder está comigo agora. E
vocês? Onde estar o poder de cada um? — pergunto. — Estudei e
agora sou uma JUÍZA, inclusive julguei a filha da puta. Digo, a filha
da patroa da minha mãe. Eu sou a lei, e vocês? Quem são vocês?
O que são vocês?
— Você está perdendo a mente!
— Vocês não sabem, mas a linda filha deles, a princesinha,
me humilhava todos os dias na escola. Reunia todas as patricinhas
para ficar me humilhando e dizendo que eu não merecia estar ali.
Eu ouvi todos os xingamentos possíveis, coisas desumanas para
uma adolescente que nunca havia feito mal a qualquer pessoa. E,
todos os dias, TODOS OS MALDITOS DIAS, eu contava aos meus
pais e eles diziam que era FRESCURA. — Sorrio entre lágrimas. —
Eles diminuíam todas as minhas dores, porque parece que
FRESCURA é sempre a palavra que as pessoas ruins usam para
justificar e diminuir o problema dos outros. Depressão? É frescura!
Racismo? É frescura. Bullying? É frescura! Tudo é frescura, não é
assim que vocês dizem? — questiono entre lágrimas. — Eu sofri
bullying por anos e meus pais, as pessoas que deveriam me
proteger ou lutar por mim, apenas diziam: É FRESCURA, MENINA.
AGRADEÇA POR ESTAR EM UMA ESCOLA BOA. Mas, a escola
não é boa! A escola é uma merda e todos os alunos também eram.
A escola não queria saber se os alunos sofriam bullying ou não, eles
só se interessavam em receber o dinheiro das mensalidades. Todos
me tratavam como um lixo por conta da cor da minha pele, por conta
dos meus cabelos, por conta de ser filha dos empregados. Desde
quando ser filha de empregados é vergonha? Que espécie de
valores vocês possuem? — questiono a todos. — NUNCA meus
pais me apoiaram, NUNCA meus pais me ouviram, eles NUNCA me
confortaram ou sequer se importaram com as minhas lágrimas. —
Eu os encaro e balanço a minha cabeça negativamente.
Vocês deveriam sentir vergonha de frequentar uma igreja.
Que espécie de fiéis vocês são? Como têm a coragem de vir na
casa de Deus, ajoelhar no chão e pedir bençãos? Dizem que filhos
são presentes de Deus. Se vocês são fiéis tão fervorosos como
aparentam ser deveriam saber disso, deveriam seguir isso. Por que
foram omissos? Por que renegaram a própria filha? Por que sempre
diminuíram as minhas dores? Por que fizeram tudo o que fizeram?
Sempre, tudo na vida dos dois foi em função de um maldito dinheiro.
O dinheiro corrompeu vocês ao ponto de abandonarem a própria
filha, ao ponto de me jogarem no meio dos lobos. Eu era só uma
adolescente, era só uma garota que tinha um coração puro, que
queria ter orgulho da própria história. E, por causa de vocês hoje eu
odeio quem me tornei, odeio todas as coisas que fiz. Vocês
moldaram uma mulher ruim, uma mulher vingativa, vocês destruíram
a minha vida com a omissão. E, cada uma das pessoas que estão
presentes aqui, contribuíram um pouco para a minha destruição. É
dinheiro que vocês queriam? — pergunto, abrindo uma das malas.
— É o dinheiro que move todos vocês que estão aqui? Será que
agora, eu sendo juíza e rica, tenho o respeito e empatia de todos
vocês? Será que agora eu me encaixo no círculo social de vocês?
— Sorrio, pegando bolos de dinheiros nas mãos. — Vocês são
todos POBRES. Dinheiro algum no mundo é capaz de diminuir a
pobreza que cada um de vocês carrega. São seres humanos pobres
de caráter, pobres de empatia, pobres de honra, pobres de tudo.
Vocês são tão pobres, que a única coisa que possuem na vida é o
dinheiro. POBRES, NOJENTOS, DESGRAÇADOS! TODOS
VOCÊS!!! — Começo a tacar o dinheiro para o alto enquanto as
pessoas parecem chocadas. Começo a rir quando vejo meus pais
desesperados tentando pegar todas as notas no chão e isso me
motiva a continuar jogando dinheiro até esvaziar as duas malas.
Quando termino, desço do palco e vejo a maioria das
pessoas lutando pelo dinheiro caído ao chão. Quarenta e oito mil
reais para alimentar a fome de dinheiro de um bando de pobres.
Eu paro diante dos meus pais e eles levantam a cabeça
para me encarar:
"Diante de mim as pessoas se inclinam..."
— Eles são pobres, mas vocês... vocês são miseráveis!
— Estou livre de todos os segredos e todos os erros —
digo chorando, observando lágrimas correndo dos olhos do
meu garoto de açúcar. — Eu acho que o perdi, porém, nesse
momento, eu acabo de me reencontrar. Obrigada por isso...
você conseguiu o impossível. Você me libertou.
NICOLAS
Eu não entendo o motivo pelo qual Dandara está agora
sentada ao chão, com a cabeça deitada em meus joelhos, me
agradecendo. Ou talvez eu entenda. Não sei, é tudo tão louco.
Nunca havia escutado uma história em que eu conseguisse
enxergar todas as cenas como se fizesse parte daquilo. Também
nunca havia conseguido sentir a dor de outra pessoa de uma
maneira tão profunda e tocante. Nunca havia conseguido sentir em
uma conversa tanta verdade, tantos sentimentos, tanta
complexidade. Vislumbrei as cenas como se eu estivesse dentro
delas, eu fui capaz de escutar cada um dos gritos de revolta que
Dandara deu no passado.
É tudo pesado demais. Um fardo pesado demais para
qualquer pessoa lidar sozinha. Tudo que ela me contou justifica
muito algumas atitudes. Estou completamente impressionado, ainda
há algumas dúvidas em minha mente, questões que quero saber
para fechar a minha opinião sobre tudo isso.
— Posso te fazer algumas perguntas? — Indago, limpando
meu rosto.
— Sim.
— Nunca contou isso a qualquer pessoa?
— Nunca. Nem mesmo à minha terapeuta — responde. —
Nunca tive coragem.
— Nunca contou essa parte da história à Lucca?
— Nunca — diz suspirando. — Depois que deixei meus
pais, me perdi por um tempo. Demorei a retornar para Lucca. Menti
para ele sobre o que estive fazendo — confessa. — Na mente dele
eu estive me entendendo com os meus familiares por meses.
— E onde você estava?
— Em um lugar onde ninguém me conhecia, onde eu não
era a juíza ou até mesmo a própria Dandara. Não possuía estrutura
mental para lidar com Lucca, com a família dele e com Diógenes.
Não possuía estrutura mental para voltar rápido e continuar
mentindo. Eu me perdi por um tempo e então, quando percebi que
estava me transformando em tudo que nunca quis ser, voltei para
ele. Dei uma desculpa qualquer e ficamos juntos. Lucca me amava.
— E você não contou a ele? Por que não contou a ele e
contou a mim? — Ela dá um sorriso vazio e limpa as lágrimas.
— Porque eu acho que nunca senti por ele metade do que
sinto por você. Nunca tive medo de perder Lucca porque sabia do
amor que ele sentia por mim. Mas, tenho medo de perder você —
confessa. — Eu sou terrível, não é mesmo? Amo Lucca, o amo
demais, mas o amo de uma forma diferente. O amo pelo fato de ser
um dos melhores seres humanos que tive o prazer de conhecer, o
amor pelo caráter, pela generosidade, por sempre ter uma mão
estendida para quem quer que precise, por ser o melhor amigo que
uma pessoa pode ter. Mas o que eu sinto por você é bastante
diferente, é aquele tipo de sentimento insano, incontrolável, que dá
vontade de atropelar as pessoas, que dá vontade de lutar, guerrear
com o mundo, furar os olhos de todas as mulheres e mais um monte
de coisas. Me sinto tremendamente mal por ter enganado a mim
mesma, por ter sido confusa e pela minha confusão ter iludido
Lucca. O fiz sofrer, Nico. O fiz sofrer demais, o fiz ficar perdido por
um tempo. Tudo porque eu fui egoísta, confusa, orgulhosa e por me
achar a pessoa mais autossuficiente do mundo. Agora estou aqui,
sentada nesse chão, enxergando que não sou autossuficiente, sabe
por quê? Porque sinto que sou um fardo pesado demais para você,
sinto que todas as revelações que fiz podem ter acabado de tirá-lo
de mim e se você se for, eu serei infeliz. Não sou autossuficiente
porque minha felicidade não depende só de mim e porque
sentimentos não podem ser comprados. Não existe autossuficiência
quando o coração está em jogo.
Revelações.
São quase quatro da manhã e continuo recebendo uma
quantidade generosa de revelações. Ela levanta a cabeça, olha para
mim e volta abaixá-la, iniciando um choro profundo. As lágrimas
queimam em meus olhos, porque eu não faço ideia do que fazer
para aliviar a dor que ela está sentindo. E, pior, quando afasto as
mãos dela das minhas pernas para poder ficar de pé, ela
simplesmente aperta mais forte.
— Eu nunca imaginei que imploraria um homem. Você
deveria saber que mulher nenhuma deve implorar para um homem
ficar. Mulher nenhuma. Isso que estou fazendo foge da lei das
mulheres. — Ela está falando um monte de baboseiras. — Você
entende o que está acontecendo? É uma revolução. Uma grande
revolução. Sempre fui eu no poder e as pessoas aos meus pés.
Sempre. Eu sempre fui dona de mim, fui inalcançável, sempre dei
todas as cartas. Sempre levei a sério aquela frase: "Diante de mim
as pessoas se inclinam", eu fiz dela o meu mantra, algo que eu
recitava internamente diariamente quando entrava no fórum ou em
qualquer lugar onde eu via pessoas me temendo. E agora? Estou
inclinada aos pés de um garoto de vinte e um anos!
— Ainda está nessa de idade?
— É a realidade — diz chorando. — Você é um bebê. —
Maldição, eu estou desolado, mas agora eu me pego querendo rir.
Como ela consegue essa proeza de me fazer querer rir quando o
caos acaba de ser feito? — Sou muito desgracenta, não sou?
— Pra caralho! O jeito que você desgraçou a minha vida é
bastante singular e diferenciado.
— Nunca quis desgraçar a sua vida — comenta cabisbaixa.
Eu não tenho estrutura emocional para lidar com uma Dandara triste
e medrosa.
— Mas foi o que fez.
— Me desculpa?
— Não posso perdoá-la, Dandara. Não existe perdão para o
que você está fazendo comigo. — Ela engole a seco e solta minhas
pernas, finalmente. Fico de pé e me sento ao chão, bem ao lado
dela. — Por que está duvidando da minha palavra? Por que está
afirmando que nós dois acabamos e que estou indo embora?
— Você não vai?
— Cacto, posso te contar uma história? — pergunto,
pegando suas mãos.
— Sim.
— Conhece a simbologia da Fênix? — Ela nega com a
cabeça. — Fênix é um pássaro lendário da mitologia grega, que
morria, só que depois de algum tempo renascia das próprias cinzas.
Essa ave possuía uma grande força, capaz de transportar pesadas
cargas durante seu voo, chegando ao ponto de carregar até mesmo
elefantes. Segundo a mitologia, as lágrimas da fênix possuíam até
mesmo características curativas. A fênix também tem o poder de se
transformar em uma ave de fogo muito parecida com uma águia.
Pela sua morte diferente, a fênix se tornou um símbolo de força, da
imortalidade e do renascimento. Ela também simboliza o fogo, o sol,
a vida, renovação, ressurreição, imortalidade, longevidade,
divindade e invencibilidade. Ela simboliza você e sua história. Uma
das simbologias é demonstrar a capacidade que as pessoas
possuem de superar os problemas e obstáculos, um conflito interno
ou entre pessoas.
— E o que quer dizer com tudo isso?
— Não posso aplaudir todas as coisas que fez Dandara,
mas, também não posso afirmar que eu teria feito diferente estando
na sua pele. Só quem está vivenciando a situação sabe suas dores.
Nada disso é bonito, principalmente quando diz respeito a época
que saiu da dependência dos seus pais. Você não buscou os meios
mais bonitos de superação, não sei se estou sendo tolo, porém suas
ações são justificáveis. Você teve pais omissos durante toda sua
vida, em uma fase em que precisava de todo apoio. A juventude é
quando estamos em plena transformação e até mesmo em
formação. A atitude dos seus pais é inaceitável, revoltante. Você
errou mocinha, em muitas coisas. Mas não sou um juiz Dandara,
não estou aqui para julgar os seus erros, quero poder julgar seus
acertos. Há uma lista de coisas na minha mente agora.
"O primeiro tópico dessa lista é a coragem de abrir todos os
seus erros, sem perder um único detalhe. No mundo onde as
pessoas só sabem julgar umas às outras impiedosamente, assumir
erros requer muita coragem. E você foi corajosa. Não imaginava um
passado tão fodido e complexo, você nunca omitiu sobre ter tido um
passado difícil onde cometeu dezenas de erros. É uma mulher de
caráter, aliás eu acho que nunca vi tanto caráter em alguém antes.
Você errou, sabe que errou, assumiu para si mesma, assumiu para
mim e já faz um tempo que vem mudando gradativamente sua
postura. Isso a torna a mulher mais incrível que eu conheci.
O segundo tópico é a sua força. Passar por tudo que
passou, guardar segredos fortes para si mesma, ter enfrentado tudo
de cabeça erguida e conquistado um posto de juíza... não chegou
tão longe por ter saído com um monte de caras. Não foram eles
passando noites em claro estudando, foi você. Você é uma juíza
porque é inteligente, porque se doou, persistiu, estudou, porque
mereceu ser. É uma juíza porque foi forte, quando inúmeras forças
tentavam te puxar você remou contra a maré. Não deixou
julgamentos de pessoas pequenas te atingirem. Foi e mostrou que
poderia ser maior e melhor que todos eles. Quando as pessoas que
deveriam ter sido sua base de apoio soltaram a sua mão, você lutou
sozinha por si mesma e chegou longe demais. Chegou aonde
nenhum deles jamais chegará.
O terceiro tópico é sobre a Dandara mãe. Não concordo
com o fato de ter omitido a gravidez de Lucca, provavelmente eu
nunca teria te perdoado por isso se fosse eu no lugar dele. Sendo
sincero — digo a ela. — Você não foi uma boa mulher para Lucca e
parece que não apenas por ter omitido a gravidez. Mas, caralho
Dandara! Você descobriu a gravidez, escondeu isso, enfrentou nove
meses de insegurança, de confusões hormonais, de carência, de
desconfortos. Maldição! Você nunca havia lidado com bebês e
aprendeu sozinha tudo sobre um recém-nascido; você não teve
base familiar, Dandara, tinha tudo para renegar seu filho, já que foi
renegada. E o que você fez? Se tornou a melhor mãe que seu filho
poderia ter. Eu nunca vi uma criança tão doce, educada, amorosa
como Samuel. E, Lucca provavelmente enxerga esse fato, e vou
dizer que isso é mérito seu. O criou sozinha por mais de dois anos e
fez isso com maestria. Como você fez isso?"
— Eu não sei...
— Eu sei. E agora entendo de verdade que talvez você
nunca tenha amado Lucca de verdade, porque a Dandara quando
ama ela é capaz de tudo. Ela inventa, se reinventa, ela luta,
persiste, atropela o mundo, atropela as próprias convicções, ela
abaixa o topete, inclina, ela se torna a melhor mãe, a melhor mulher,
a melhor amante. A Dandara quando ama revela a um garoto
novinho todo o seu passado, mesmo com medo, mesmo sabendo
que ele pode se assustar e sair correndo. Ela faz isso porque sabe
que se quiser um futuro com ele precisa se desfazer do passado,
dos segredos; faz porque teme que esse passado volta a assombrá-
la e respingue no garoto. A Dandara quando ama é sincera,
carinhosa, alcançável, admirável. Eu havia dito que não te deixaria,
e não sou louco. Não sou louco de perder uma mulher como você,
vossa excelência. Sou novinho, dezesseis anos mais novo que
você, sou inexperiente em muitas questões, me sinto perdido em
outras, mas eu tenho maturidade o bastante para saber que o
passado é passado. Maturidade o bastante para enxergar a mulher
que eu amo, a Dandara do presente é tudo o que me interessa,
tudo.
"E, se eu te amava antes de toda essa conversa e de todas
essas revelações, agora eu te amo muito mais, de uma maneira que
eu nem mesmo sei descrever. Você é uma fortaleza e confiou em
mim para abrir todos os seus erros e todos os seus segredos. Você
renasceu diante dos meus olhos, Fênix, e foi a coisa mais
dolorosamente bonita que já vi. Seus segredos estão a salvo
comigo, cacto. Você finalmente floresceu e eu sou o seu fã número
um. — Enquanto ela chora, eu a abraço forte. — Eu nunca vou
permitir que te diminuam, nunca vou permitir que sofra qualquer
mal. Você nunca mais estará sozinha, porque eu sempre estarei
com você. Todas as suas batalhas agora são minhas. Perdoo você
por ter tido dúvidas se eu ficaria como havia prometido."
— Isso soa como uma absolvição. — Sorrio.
— Sinta-se absolvida, vossa excelência — digo, mexendo
em seus cabelos. — Sua dor é a minha. Estou imensamente triste
por você ter passado tudo o que passou. Não vamos deixar mais
nada de ruim acontecer. Sou seu parceiro no crime. O fardo é
pesado demais, mas se o dividir comigo ficará mais fácil. Obrigado
por confiar em mim.
— Garoto de açúcar, você é a melhor coisa que aconteceu
em toda a minha vida, após Samuel. Você é o único que chegou tão
longe sem nem mesmo se esforçar. Você chegou até o meu
coração, num lugar onde ninguém jamais esteve.
— Não vai dizer as palavras mágicas? — pergunto sorrindo.
— Faça amor comigo?
— Essas são as palavras mágicas? — questiono, me
afastando e olhando seu rosto perfeito.
— Eu...
— Você?
— Eu...
— Você?? É simples e indolor.
— Eu amo você. — Ela volta a me abraçar, mas agindo
como uma criança fujona que está ligeiramente mortificada por ter
dito. Isso me faz sorrir amplamente. Parece que alguém age como
uma novinha às vezes. Talvez ela nunca tenha enfrentado o amor
de verdade. Dizer as coisas de maneira superficial é fácil demais,
mas fazer uma confissão real... é só para os fortes. É para a Fênix,
a mulher que se reinventou e tornou-se minha.
— Amo você, cacto.
Amo muito você...
DANDARA
Acordo sobressaltada, com a certeza de que perdi a hora. A
pontualidade é algo que preso muito, por isso perder a hora é quase
como cometer um crime para mim.
Pego meu celular na mesa de cabeceira e quase grito
quando vejo que são onze da manhã. Onze da manhã, merda! Há
quanto tempo não durmo até esse horário? Nem sexo eu fiz para
usar como desculpa por ter perdido a hora.
Por falar em sexo, não encontro Nicolas na cama, mas
encontro uma bandeja de café da manhã, um botão de rosa branca
e um bilhete. É incrível que até a caligrafia dele seja impecável!

"Vossa excelência, ter confessado todos os seus


pecados a mim, provavelmente, retirou uma carga pesada dos
seus ombros. Já dormimos muitas vezes juntos, mas nunca a vi
envolvida em um sono tão pesado. Eu e meu amigo Samuca
decidimos deixá-la descansar no dia de hoje. O levarei até
Victor e em seguida irei para o estágio. Agendarei um
compromisso para você no dia de hoje, em breve receberá
orientações. Eu amo você, cacto! Beijos do homem que está
inclinado aos seus pés. Nicolas Magalhães."
Me vejo sorrindo e pego um morango antes de voltar a
deitar e ficar fitando o teto. Nicolas está certo, sinto que tirei uma
enorme carga pesada dos ombros e que agora minha vida será
muito melhor, livre de todos os segredos que me consumiam. É
quase engraçado a forma como carregar segredos, mentiras e viver
de aparências pesa em nossa vida. Minha vida era uma mentira até
a noite passada e, posso falar com propriedade, a mentira pode até
nos salvar em algum momento no presente, mas ela condena todo o
nosso futuro. Mentir em determinadas situações pode parecer o
caminho mais fácil, mas desonra nossa vida e a sensação é
sufocadora. Dignidade é uma das coisas mais importantes da vida,
assim como ser verdadeiro, não importa se a verdade vá machucar
pessoas. Nada compra a sensação de ter a consciência limpa e a
satisfação de saber que todas as mentiras foram abandonadas.
Essa madrugada, após a longa conversa, Nicolas
simplesmente me carregou para o quarto, me abraçou e ficou
mexendo em meus cabelos até eu pegar no sono. Não houve sexo
ou qualquer menção a isso, e foi bom saber que somos muito mais
do que sexo. É gostoso descobrir que não é apenas o sexo que
pode nos trazer a sensação de prazer e saciedade, o carinho
também traz isso, mesmo que de forma diferente. Eu me senti
saciada, amada e devidamente cuidada nos braços dele. Apenas
não sei dizer como ele conseguiu acordar cedo e ir para o estágio,
além de cuidar do meu filho. Pensar nele cuidando de Samuel faz
meu coração disparar. Nicolas me faz ter tantos pensamentos,
tantos desejos e sabe o que é pior? Ele nunca se esforçou e nosso
encontro é recente demais. Não deveria ser tão arrebatador e ele
não deveria ter tocado minha alma tão profundamente; não faz
sentido, mas, também, descobri recentemente que "não fazer muito
sentido" pode ser algo bom. Eu não tenho feito sentido e minha vida
está entrando nos trilhos, melhorando a cada dia. É como uma frase
que eu gosto bastante: "Se faz sentir, faz sentido", eu acrescentaria:
"faz sentido mesmo que não faça sentido", porque essa sou eu, não
faço sentido nem mesmo nos acréscimos às frases.
Ainda estou deitada quando ele me liga. Atendo no segundo
toque:
— Garoto de açúcar!
— Cacto, você dormiu mais que a cama? — pergunta.
— Acho que sim. Ainda estou nela, inclusive. Gostaria que
estivesse aqui também, nós poderíamos agir fora da lei, tenho um
amigo médico que poderia ter fornecido um atestado.
— Que belo exemplo de boa conduta, senhora meritíssima!
— Sorrio. — Está mesmo dentro da lei, parabéns! Anos de
experiência fizeram algo positivo. — Solto um suspiro preguiço e me
viro de lado.
— Não quero pensar que estou fodida deixando o trabalho
acumular hoje. Só por hoje. Eu também queria que você tivesse não
ido a lugar algum por hoje, só por hoje.
— Só por hoje, eu entendo, cacto. Seria maravilhoso.
Porém, sou um novinho responsável, estudante, estagiário, não
acho que seja adequado fugir das obrigações.
— Pode sim, só uma obrigação que você não pode fugir; a
obrigação de me satisfazer em todos os sentidos da palavra.
Preciso voltar a me sentir satisfeita, o prazo da satisfação que tive já
venceu. Preciso restabelecer meu nível de satisfação.
— Quero satisfazê-la muito, você não faz ideia do quanto.
Estou duro, digo, louco para satisfazê-la. — Só foco na dureza.
— Você está duro no fórum?
— Não foque nisso.
— Foco sim. Nicolas Magalhães, onde você está? Quem
pode vê-lo duro? Eu sei que suas calças marcam. — Meu Deus do
céu, Dandara! Você está mesmo fazendo isso? Tenha dignidade,
mulher!
— Ninguém pode me ver, fique tranquila — responde
gargalhando. — Meu pênis está a salvo.
— Venha para casa e eu o manterei a salvo, bem
guardadinho dentro de mim. — Ele solta um som engraçado.
— Está querendo me conduzir para caminhos errados,
vossa excelência?
— O que parece errado para você, não precisa parecer
errado para mim. Na verdade, eu acho que é bem certo você vir e
me foder até os miolos, Nicolas. — Estou mesmo perdendo a
paciência! Como uma psicopata perfeita eu me pego ficando de pé e
vestindo um robe. Saio desesperada pela casa em busca da chave
do meu carro.
— Você é muito fora da lei, não é mesmo? — Por que eu
sinto que ele está tentando me deixar excitada? Em pouco tempo
estou me acomodando e colocando o cinto de segurança. Cubro o
volume para que ele não consiga ouvir eu ligar o carro.
— Totalmente! Venha e me mostre o caminho da boa
conduta, futuro meritíssimo!
— Infelizmente estou no estágio, agora é tarde demais, a
não ser que eu invente uma tremenda dor de cabeça, daquelas que
mal conseguimos abrir os olhos. Uma enxaqueca seria perfeita, não
acha?
— Essa seria uma ideia perfeita. Meu amigo médico poderia
nos fornecer um atestado de enxaqueca. — Nicolas começa a rir, e
eu percebo que sou realmente boa em conduzir as pessoas para
caminhos errados.
— Eu acredito que possa atuar um pouco por aqui agora.
Podemos cometer alguns crimes juntos hoje, vossa excelência, mas
amanhã temos um assunto sério para lidar. Estive pensando em
algumas questões importantes sobre Lívia — ele diz com bastante
seriedade, enquanto eu foco no trânsito. Felizmente não há
engarrafamentos e não moro tão distante do fórum da Barra.
— Não pode me dizer agora? — peço.
— Há alguma possibilidade dela ter tido qualquer mínimo
envolvimento com Diógenes ou alguém da família dos patrões do
seus pais e essa perseguição ser fruto de uma vingança? — Uma
luz se acende em minha mente e eu me pego freando rapidamente;
a sorte é que o sinal se fecha no mesmo instante, mostrando que eu
nem mesmo estava prestando atenção na sinalização antes. Não
havia pensado em qualquer uma das possibilidades, mas, de
repente, faz sentido.
— Você é incrível, Nico! Eu nem mesmo havia levantado
essas possibilidades, mas elas fazem total sentido. Só precisamos
ter certeza.
— Lívia não sabe que estamos juntos. Preferi ocultar até
falar com você. Ela hoje está inconveniente atrás de mim desde que
cheguei, está me enchendo com assuntos de Camila e falando
alguns absurdos sobre você. Não sei qual a melhor maneira de lidar
com isso. Algumas ideias já passaram em minha cabeça, mas não
sei.
— Nós não estamos juntos, na verdade nos odiamos.
Conduza dessa maneira, como um jovem garoto solteiro que se
iludiu pelo poder de uma mulher madura.
— Isso é meio absurdo.
— Mas a única forma dela ganhar sua confiança e
descobrirmos a real intenção dela, é ela achando que você
enxergou que sou detestável e agora nutre um semi ódio por mim —
explico. — Aguente ela sendo inconveniente, dê atenção aos
assuntos de Camila, mas não deixe ir muito além. Se aquela garota
tocar em você eu irei atropelá-la de uma maneira que você não vai
querer estar vivo para ver.
— Violenta, vossa excelência? — ele pergunta rindo.
— Bastante. Apenas atue para que possamos conseguir
distrai-la e descobrir qual o motivo por trás dessa perseguição. Não
permita que ela vá longe demais e nós ficaremos bem. Pode fazer
isso?
— Não sou bom em atuar, mas posso tentar. Eu devo te
amar muito para aceitar fazer algo assim. Ter que aturar aquela
mulher é um tremendo castigo.
— Irei recompensá-lo, prometo — digo sorrindo.
— Como?
— Me diga o que você quer e eu darei. Qualquer coisa.
— Qualquer coisa... isso deixa as coisas mais atrativas —
ele quase sussurra ao telefone, e eu sinto meu ventre se contrair em
desejo.
— Qualquer coisa que quiser.
— Vou pensar em todas as possibilidades. Debateremos
isso mais atarde, quando eu chegar da faculdade. — Há um tom de
promessa em sua voz.
— Debateremos isso agora. Pegue suas coisas e saia logo,
estou te aguardando dentro do carro e não posso descer. Estou
usando trajes inadequados.
— Você está falando sério? Está mesmo aqui? — Ele é tão
fofo quando fica desorientado. Talvez eu deva fazê-lo ficar assim
mais vezes.
— Absolutamente sério! Venha garoto de açúcar, estou
louca por um doce. Nesse momento estou pouco importando para
todas as consequências da alta ingestão de açúcar.
— Eu espero que isso seja verdade. Estou indo, cacto. Se
você não se importa com uma alta ingestão de açúcar, eu não me
importo com o quanto seus espinhos vão me ferir, quero tocá-la de
todas as maneiras possíveis, mesmo que sangre com eles!
Quinze minutos e nada de Nicolas aparecer. Algo
provavelmente saiu fora dos planos, porque ele nem mesmo atende
minha ligação. Respiro fundo e decido esperar por mais cinco
minutos, mas assim que esses minutos se passam, recebo uma
mensagem dele:
"Lívia está me mantendo praticamente preso. Já tentei sair,
já disse sobre enxaqueca..." — Não termino de ler o restante da
mensagem. Quem Lívia pensa que é? É apenas promotora, não tem
qualquer direito de manter Nicolas preso.
Eu saio do carro como um furacão e nem mesmo me
importo com a maneira como estou vestida. Antiético,
principalmente para uma juíza, mas não vou deixar que Lívia tome
frente de situações que não são da competência dela.
De cabeça erguida e com toda elegância que possuo, entro
no fórum. Dezenas de olhares se viram para mim e eu tento retribui-
los ao máximo, olhos nos olhos. Os olhares hoje se dividem em
avaliativos e chocados, porém, ainda assim, eu cabeças se curvam
conforme vou passando, em um cumprimento silencioso. Meu robe
é chique, meus chinelos de pelúcia são de extremo luxo, estou puro
glamour e foda-se quem disser o contrário!
Invado diversas salas até encontrar Nicolas. A cara que ele
faz ao me ver é impagável. Simplesmente me encara sério e parece
estar brincando de múmia, porque nem mesmo se move.
Eu observo seu visual e leva tudo de mim para não sorrir e
gemer. Ele está vestindo uma calça social grafite, uma camisa social
branca e um suspensório combinando. Meu garoto de açúcar gosta
de se vestir bem, mas reprovo completamente o fato de sua camisa
estar com ao menos três botões abertos.
— O que você está fazendo no fórum vestida dessa
maneira? — Lívia pergunta desviando meu foco. A encontro de
braços cruzados, me encarando como se eu devesse qualquer
mínima satisfação a ela.
Endireito minha postura e agradeço aos céus pela minha
altura generosa. Eu intimido as pessoas e gosto disso. É por isso
que começo me aproximar dela com passos lentos, devidamente
bem calculados. Ela descruza os braços e começa a andar de
costas até bater em um armário do escritório.
— Está louca? — pergunta, quase tremendo diante dos
meus olhos.
— Sim. Não tomei meu remedinho essa manhã, promotora.
Acho que você não vai querer ficar aqui, vai? — indago, prendendo-
a contra a mesa. — Assim como acho que a forma como estou
vestida não é da sua maldita conta, assim como Nicolas também
não é.
— Vocês estão juntos, Nicolas? — pergunta a ele, tentando
cruzar os braços e eu a prendo mais forte.
— Não estamos. Aliás, não sei o que você está fazendo aqui
Dandara, principalmente vestida dessa maneira. — Nicolas é um
bom ator! Esse menino me mata de orgulho!
— Nicolas, você não atende as minhas ligações. Há algo
importante que preciso conversar com você — informo, me
afastando da vadia. — Não pode ser aqui.
— Por quê? Fará algum tipo de escândalo se conversarmos
aqui? — ele pergunta cruzando os malditos braços para imitar Lívia,
e eu quero rir disso. Quero muito rir e não posso.
— Farei!
— Ouça, Dandara, eu não tenho absolutamente nada a falar
com você. Minha cabeça está explodindo, eu nem mesmo vou
conseguir ficar no estágio hoje. Deveria ir embora.
— Eu não saio daqui enquanto não aceitar falar comigo,
Nicolas! E, você me conhece o bastante para saber do que sou
capaz.
— Não pode vir aqui vestida dessa maneira e pressionar um
funcionário — Lívia intervém.
— Acho que deveria estar trabalhando, Lívia. Provavelmente
você está aqui debatendo sobre assuntos pessoais, como por
exemplo, servir de cafetina para a sua filha. Porém, devo te adiantar,
é bem provável que ela não dê conta de Nicolas. O garoto tem um
atrativo e tanto, é por isso que estou tentando reconquistá-lo. Um
dia sem ter esse homem fodendo meu corpo e minha mente é um
dia perdido. — A mulher arregala os olhos e eu dou um último olhar
que a faz sair da sala.
— Ok, você não quer que eu mostre o volume em minhas
calças, mas vem ao fórum vestida dessa maneira. Eu não consigo
enxergar onde o meu direito acaba e seu começa. Pode por favor
me explicar? — Ulala! Eu gostei disso!
— Nicolas, eu vim apenas salvá-lo das garras da bruxa má.
Deveria me agradecer ao invés de se importar com a minha roupa.
— Com a ausência de roupa, você quer dizer?! — Suspira.
— Ouça, eu não gostei ok? Tudo bem, não tenho que opinar ou
controlá-la, mas eu tenho o direito de expor o que sinto e, nesse
momento, o desagrado é enorme.
— Tudo bem. Podemos resolver isso da melhor forma. Pode
por favor pegar as suas coisas e me acompanhar?
— Você precisa ir antes. Me aguarde no carro — pede, e eu
me aproximo, puxando-o pelo suspensório. — Dandara... —
adverte, quando passo a língua pelo seu pescoço. — Dandara... eu
sairei duro daqui.
Me afasto rapidamente e dou uma conferida no pacote do
meu namorado. Até suspiro vendo a imagem da perfeição. Encaro
seu rosto uma última vez e o deixo.
Novamente me sujeito ao olhar curioso das pessoas e uma
vez fora do fórum corro para o carro. Demora ao menos dez
minutos, mas Nico surge apressado, se acomoda ao meu lado e eu
volto a puxá-lo pelo suspensório, roubando um beijo desesperado.
— Para casa, vossa excelência! — ele exige, ainda me
beijando e eu me afasto para me tornar uma pilota de fuga. Estou
realmente fora da lei, nem mesmo coloco cinto de segurança. Conto
com a ajuda divina.
Em poucos minutos estaciono diante da minha casa. Eu e
Nicolas descemos como dois desesperados, uma vez que a porta se
fecha atrás dele, eu percebo que talvez coloquemos a casa em
chamas. É a primeira grande vez que Nicolas rouba o controle da
situação. Na verdade, o menino parece desesperado.
Ele se aproxima e traz suas mãos no laço do meu robe,
desfazendo o nó e retirando a peça do meu corpo. Em seguida vai
me empurrando até eu sentir a mesa de jantar bater em minhas
costas. Mordo meu lábio quando ele traz uma mão em meu peito e
impulsiona até eu estar deitada de costas sobre a mesa. Mordo meu
dedo quando suas mãos deslizam pelas minhas pernas e chegam
até a minha calcinha, delicadamente ele a puxa para baixo e a retira
do meu corpo, estou completamente arrepiada e necessitada. Ele
puxa meu corpo mais para frente e coloca meus pés sobre a mesa,
mantendo minhas pernas devidamente separadas. Estou ofegante,
meu peito está subindo e descendo descompassadamente, um
misto de adrenalina e ansiedade que me fazem arfar quando
Nicolas começa beijar a parte interna das minhas coxas.
Meu garoto de açúcar está aprendendo rápido demais todas
as minhas fraquezas. Ele me faz gemer quando toca meu clitóris, e
quase me faz gritar quando enfia sua cabeça entre minhas pernas e
desliza sua língua por toda a minha intimidade. Minhas mãos voam
diretamente aos seus cabelos e eu os puxo como se pudessem
conter meu desespero. O filho de uma boa faz movimentos
circulares com a língua e fecha seus lábios em meu clitóris, sugando
e beijando.
— Nicolas Magalhães... — chamo seu nome enquanto meu
corpo ganha vida própria, impulsionando por completo contra a boca
perfeita do meu garoto de açúcar. Eu odeio que ele tenha
experiência em sexo oral! Mas eu amo! Não tente me entender!
Nada é tão gostoso quanto isso que ele está fazendo e, quando ele
introduz dois dedos na brincadeira, tudo fica ainda melhor.
Estou quase no ápice quando ele se afasta, deixando-me
ofegante e necessitada sobre a mesa. Sento e apoio as duas mãos
sobre a mesa, o observo se desfazer das suas roupas. Me sinto tão
ridícula agora, o olhando como se fosse todo o centro do meu
mundo e a coisa mais gostosa da minha vida. Ele fica nu e mais que
depressa eu arranco a camisola para fora meu corpo. Ele ri, retira
meus pés de cima da mesa e se encaixa entre minhas pernas. Sua
mão se perde entre meus cabelos e sua boca toma a minha, em
mais um beijo alucinante eu quase desmorono, implorando para que
ele entre logo em mim e acalme meu corpo. Agarro sua bunda, o
puxando, e ele ri.
— Desesperada, vossa excelência?
— Sim, garoto de açúcar. O que vai fazer em relação a isso?
— pergunto, e ele usa sua mão livre para mostrar exatamente o que
fará, me provocando com a ponta de seu pênis. — Por favor, não
me torture assim. Eu tenho sido uma boa pessoa, não?
— Nem de perto. Tem ideia de tudo que desperta em mim?
Tem ideia de que está fodendo até mesmo meu bom
comportamento e meu lado responsável? Você está fodendo tudo,
meritíssima. Eu costumava ser responsável antes de você,
costumava ser um novinho bonzinho, costumava ser contido. E
agora?
— E agora? — pergunto, mordendo sua orelha enquanto ele
continua esfregando seu membro duro contra a minha intimidade. —
Meu Deus... por favor...
— Agora eu tenho pensamentos que não deveria ter,
desejos que não deveria possuir e responsabilidade nem mesmo
está na minha lista de prioridades — sussurra, mordendo meu
pescoço. — Me ensina?
— Acredito que não preciso mais ensiná-lo absolutamente
nada. Apenas... me dê isso... por favor. Estou implorando. — Ele
pega um impulso e me penetra de uma só vez. Uma leve dor
atravessa meu corpo enquanto tento me ajustar à invasão.
— Era isso que queria?
— Era tudo isso, era você inteiro — confesso, apoiando
minhas mãos em seus ombros. — O que fez comigo, garoto de
açúcar? Você mudou a minha vida. Você me transformou em um
curto tempo. — Ele afasta seu rosto e me encara. Eu não sei nem
mesmo explicar o que sinto a cada vez que olho para ele, é tão
louco, tão forte, tão real, tão intenso. Não consigo nem mesmo
fechar meus olhos quando ele move seu corpo, arremetendo
lentamente dentro de mim sem retirar os olhos dos meus. Engulo a
seco, sentindo uma emoção que não deveria sentir num momento
como esse, mesmo assim, sinto lágrimas queimando em meus
olhos e me envergonho. Tento deitar meu rosto em seu ombro, para
que ele não veja que me afeta mais do que imagina, mas ele me
impede, trazendo uma mão até meu pescoço e mantendo meus
olhos focados nos olhos dele. — Por favor, Nico... não consigo ...
— Consegue. Não há nada nesse mundo que você não seja
capaz de conseguir — afirma. — Você é imperfeitamente perfeita,
cacto. Você mudou a minha vida e eu te amo. — As lágrimas me
vencem e novamente eu tento desviar, em vão. Ele se move mais
forte, sem retirar a mão do meu pescoço; solto gemidos e lágrimas,
viro uma bagunça que nunca virei e sinto vontade de arrancar meus
cabelos fora. — Você consegue... — Eu entendo. E preciso
conseguir. Ele quer muito isso e ele merece ter o que quer. É o que
sinto e é verdadeiro. Três palavras, sete letras. Eu posso dar isso a
ele. Posso dar isso a ele.
— Eu... eu te amo.
— É isso, cacto! — exclama, soltando meu pescoço e me
pegando em seus braços, sem desconectar nossos corpos.
Começo a rir conforme ele me carrega para o quarto, mas
meu riso morre quando ele me coloca sobre a cama e decide liberar
a adrenalina sobre mim. Ele me bagunça ainda mais, só que dessa
vez eu me torno "gemidos altos, desespero, paixão e prazer".
Eu o amo durante todo o restante do dia, da noite e da
madrugada.
Mas...
NICOLAS
Eu queria muito não dramatizar sobre a atual situação em
que me encontro, porém é um tanto quanto impossível não fazer
isso.
Eu estava quieto, indo diretamente para aula, quando recebi
notificações no celular e vi que fui colocado e um grupo "AOOO
BEBÊ". Só pelo nome, já estava bastante evidente que aquele
grupo não era um grupo sério. Lucca, ex-namorado da minha
namorada e pai do filho dela, foi o primeiro nome que vi, e então
surgiram vários outros. O assunto principal era uma reunião do
clube do bolinha em relação à despedida de solteiro de Lucca. Aí eu
te pergunto, que merda eu tinha a ver com aquilo? Obviamente
expressei essa situação, mas sofri ameaças. Caso eu não topasse ir
ao maldito encontro, Victor prometeu que me buscaria dentro da
sala de aula.
Não sou um monge ou um santo, só que se há algo que
detesto é passar vergonha em público. Pensando nisso, eu aceitei ir
ao tal encontro em um boteco à beira-mar, onde descobri que a
loucura de algumas pessoas ultrapassa limites. Os membros
presentes eram bem ecléticos; um dominador de BDSM, um
investigador da polícia federal, advogados com piercings no pau e
tatuagens na bunda, e eu: um jovem garoto assustado com a
quantidade de loucura que saiu na tal reunião.
Desde o início soube que sairia dali fodido e, por isso,
comecei a beber para acompanhá-los. Não sou de beber muito, mas
acabei indo além do que estou acostumado. Além de concordar com
todo o esquema de investigação que Lucca armou, eu concordei
também em abrir mão da minha dignidade, fazendo uma maldita
tatuagem na bunda e agindo como um moleque inconsequente.
Agora, que estou vendo todos os idiotas recebendo ligações
de suas mulheres, estou conseguindo enxergar a grandiosidade do
estrago que fizemos. Talvez eu tenha pegado um pouco da
dramaturgia de Lucca, afinal, será que foi tão grave? Só falamos
das nossas respectivas mulheres, bebemos e tatuamos, não houve
traição, não houve assuntos de mulheres aleatórias e... É, nem foi
tão grave.
Foi? Parece ter sido.
Lucca acaba de ter uma conversa insana com Paula. E
Victor está conversando com Melinda em completo tom de
desespero:
— Aooo Melinda, pelo amor da Santa Josefina, eu não vi
suas ligações, Senhor da Glória, me perdoe... Só vem com emoção,
não, não vem não, princesinha. Me espera que eu tô chegando, tô
voltando. Seja no tempo que for, eu só quero esse amor. — Não sou
um garoto que curte muito músicas sertanejas, porém, de tanto ouvir
rádio, acabo compreendendo que tanto Lucca, quanto ele, estão
dialogando com letras de músicas e talvez isso seja uma tática que
dê certo.
Passo as mãos no meu rosto e tento dissipar a bebedeira
para fora da mente; em vão. Certamente eu não estou em meu
estado normal, porque já estou pensando em como será lidar com
Dandara caso ela decida me ligar. Porra! Já é madrugada! A mulher
vai me matar! Ela nem mesmo sabe onde estou. Imagino todas as
coisas que estão passando pela cabeça maquiavélica dela.
— Que porra de música eu terei que cantar quando Dandara
me ligar? — No auge do meu desespero, tenho a infeliz ideia de
pergunta à Lucca. Ele dá um sorriso que deixa explícito o perigo e
coloca uma mão em meu ombro:
— Vem com o pai, vou te ensinar o que dizer... — responde,
me puxando para o sofá. — Manja dos sertanejos? Sempre
funciona!
— Não manjo.
— Os clássicos? Os clássicos você tem que saber, porra.
Quem não sabe? — Ele pega seu celular e sai em busca da música
perfeita. Eu deveria sair de perto dele, mas estou bêbado e acabo
embarcando na loucura.
Cinco minutos se passam e então meu celular vibra com
mais uma ligação de Dandara. Quando atendo, já fecho os olhos,
fodido de todas as maneiras:
— NICOLAS MAGALHÃES!
— Aooo Dandara! Sei que sou um preso, preso em
liberdade. Confesso, não sou um covarde. Sempre fiz meu papel de
homem. Não matei e nem roubei. Só sei que estou condenado, eu
pretendo ser julgado, pelo tribunal do amor.
— Nicolas, não queira me ver nervosa, não queira me ver
morrendo de sono, não queira me ver com ciúmes ou insegurança,
não queira testar os meus limites. Nem mesmo vou ficar discutindo
por telefone, se em uma hora você não aparecer em casa, nós
teremos um grande problema! — Ela encerra a ligação e eu afasto o
celular. Fico alguns longos segundos olhando para a parede,
tentando assimilar toda desgraceira.
— Dandara é fodona mesmo. Colocou no cu do novinho
pelo telefone! — Humberto diz rindo, e isso me faz voltar ao normal.
— Antes de rir de mim, olhe sua bunda no espelho! Um cara
com uma tatuagem dessa não pode debochar de ninguém! — Todos
começam a rir.
— Se Dandara te der um chute na bunda, me avise. Tenho
interesse — ele diz, e Victor me segura quando vou para cima dele.
Humberto da dois de mim, mas foda-se! Bêbado não tem noção do
perigo mesmo.
— Ela é MINHA mulher! — aviso, e Victor me solta.
— É... é mais sério do que imaginava. — Esse Enzo é um
babaca. De todos aqui, ele é o único que não gostei. De qualquer
forma, não o respondo. Decido ir embora.
— Vou nessa! Dandara está revoltada comigo. Se eu
demorar mais dez minutos, uma guerra vai acontecer.
— Vai como? — Lucca pergunta.
— De Uber. Amanhã busco minha moto onde quer que eu
tenha a deixado.

Vinte minutos depois, me encontro dentro do Uber, quando


o carro para diante da casa dela, pondero não descer, mas acabo
criando coragem. Graças a Deus não preciso contar dinheiro para
pagar o motorista, a corrida é debitada diretamente em meu cartão.
Desço e caminho cautelosamente até a porta, nem mesmo
preciso tocar o interfone. Dandara parece sentir a minha presença,
porque ela abre e eu quase tenho um infarto de susto.
— Puta merda, Dandara!
— Onde esteve, Nicolas? — pergunta, abrindo passagem
para mim.
— Estive com Lucca e com os meninos.
— VOCÊ ESTEVE COM QUEM, NICOLAS
MAGALHÃES??? — ela grita quase estourando meus tímpanos.
— Aooo Dandara, se acalme! — peço, cobrindo meus
ouvidos com as mãos e me jogando no sofá. — Ai... minha bunda.
— Que merda você fez para estar com dor na bunda?
— O que você acha que fiz? Que tive relações sexuais
invertidas? — pergunto rindo. — Aooo...
— Não! Você não! Nada de aooo, Nicolas! Pelo amor de
Deus! O que estava fazendo com o meu ex? Você está visivelmente
bêbado! Eu vou matar Lucca e então matarei você!
— Mata-me de prazer! — provoco minha excelentíssima. —
Nós só estávamos num barzinho. Todos estavam. Eu odeio Enzo. E
eu não o quero por perto.
— O que diabos Enzo fez? Eu também irei matá-lo! Não
seja por isso...
— Vem aqui, cacto...
— Não vou! Tem ideia de toda baboseira que me disse pelo
telefone? Você agora sai com meu ex e com a tropa de elite que
anda com ele, bebe, mata aula, não atende o maldito celular, canta
música sertaneja, e diz AOOO! NÃO SENHOR, NICOLAS. Você se
comportou muito mal!
— Você está me escondendo coisas, Dandara. Não sou o
único se comportar mal. Pensa que eu não sei sobre o grupo de
despedida de solteira? — Ela fica sem palavras e eu arqueio as
sobrancelhas. — O que está tramando, vossa excelência? — A
puxo pelo laço do robe que está usando, e ela cai sobre minhas
pernas. — Me diga.
— Estou ajudando a organizar a despedida de solteiro de
Paula. As meninas me pediram ajuda e...
— Tem certeza que é exatamente assim que as coisas estão
se desenvolvendo? Porque eu acho que você é a grande cabeça
por trás disso e que não foram as meninas que te pediram ajuda —
afirmo. — Você vai nessa maldição e ainda por cima é a grande
organizadora. O que devo esperar?
— Você vai à despedida de Lucca, portanto não tem o
direito de fazer qualquer protesto sobre eu estar organizando essa
despedida.
— Então confessa ser a cabeça por trás da despedida de
solteira de Paula? — Ela suspira demonstrando desconforto.
— Eu e Melinda — confirma, e a retiro de cima das minhas
pernas.
— Preciso de um banho, Dandara. Um banho e cama.
— Ok, mas você não me escapa amanhã, Nicolas! Você não
me escapa! Não quero essa amizade! Você é só um bebê, Lucca é
maquiavélico, ainda acrescenta na brincadeira Victor e companhia
limitada... Oh meu Deus! Eles são seres humanos incríveis, mas são
loucos, Nicolas! Eu vou botar tão forte no cu de Lucca, que ele vai
se arrepender de ter mexido com você! — A puxo com força para
meus braços, agora de pé.
Suas duas mãos batem contra meu peito enquanto a prendo
contra mim.
— Sabe o que mais descobri hoje, além de ter descoberto
que está agindo pelas minhas costas?
— Não?!
— Que eu tenho muito ciúmes de você e que odeio que
tenham homens de olho no que é meu — digo, observando seus
olhos perfeitos. Essa mulher chega a ser uma afronta tamanha a
beleza. Não há um único defeito, porra! — Havia dois homens lá
interessados em você.
— O que está falando, Nicolas?
— Humberto e Enzo. Eles sabem que é minha, mas eles
desejam você mesmo assim.
— Você não precisa se importar com eles — diz com
firmeza. — Eles não oferecem risco.
— Eu sei. — Levo uma mão em seu rosto e deslizo meu
polegar pelos lábios carnudos. É incrível sentir um tremor
atravessando o corpo dela. — Ninguém me oferece risco, porque eu
sou o único homem que você já amou na vida, o único que você
ama. Ainda assim, eu não gosto que eles desejem o que é meu.
Entende? — Ela balança a cabeça afirmativamente. — Eu posso ser
tão perigoso quanto você, cacto. Também tenho meus espinhos —
comento, deslizando um dedo pelo seu decote e fechando minha
mão em um dos seus seios. — Eu posso machucar as pessoas que
tocarem no que é meu.
— Ninguém vai me tocar — diz ofegante.
— Sou capaz de sentir o cheiro de sua excitação. Se eu
descer minha mão, vou encontrar sua calcinha molhada, cacto.
Você me quer agora.
— Sim, mas você bebeu.
— Eu bebi e agora estou arrependido pra caralho, porque
não vou poder tê-la — confesso, colando minha testa na dela e
soltando um suspiro pesado. — Não me decepcione nessa
despedida, Dandara.
— Não ire decepcioná-lo. — Balanço a cabeça em
concordância e a solto.
— Vou tomar banho, ficarei bom para você, cacto. Me
espere na cama.

DANDARA
Meu Deus do céu! Nicolas é daqueles que bebe e fica
ligeiramente safado. De repente, já nem estou brava com Lucca, até
estou, mas deixa para depois.
Meu garoto de açúcar sai do banho completamente nu, com
seu membro rijo e se junta a mim na cama, apago a luz da luminária
e me surpreendo com ele pedindo passagem entre minhas pernas.
— Estou bem — comenta, antes de descer sua boca até a
minha e roubar por completo a minha racionalidade.
Se eu já estava com tesão, tudo agora parece amplificado.
Eu gosto de tê-lo me desejando dessa maneira insana, gosto de tê-
lo esfregando o corpo contra a meu e ofegando na minha boca.
Gosto quando ele esquece todo o pudor e se torna ousado nos
movimentos e toques. Eu simplesmente precisava dele aqui, nessa
cama, comigo, para eu poder ter minha dose diária e conseguir
dormir em paz. Estou viciada, o que posso fazer?
Ele deixa minha boca e vem deslizando seus lábios rumo
aos meus seios. Suas mãos rasgam minha camisola ao meio e eu
nem mesmo protesto, porque fico insana quando seus lábios se
fecham em um dos meus mamilos, sugando-o fortemente. Enquanto
ele faz essa maravilha, uma de suas mãos desliza até a minha
calcinha e afasta para o lado. Dois dedos escorregam entre minhas
dobras fazendo com que solte um som em apreciação. Estou além
de molhada, principalmente com ele me tocando dessa forma mais
bruta.
Nico afasta nossos lábios e sussurra em meu ouvido:
— Quero entrar em você.
— Eu quero que entre — incito, mordendo sua orelha. —
Entre... por favor — peço, e ele se move, deixando seu membro no
local ideal. Desesperada eu começo a me remexer sob seu corpo,
incitando-o a apenas ir logo, e ele se encaixa em mim, de um jeito
bruto, de um jeito que me faz gritar.
É bruto, primitivo, rústico. Não há carinho algum enquanto
ele arremete forte, buscando seu próprio prazer em meu corpo.
Apenas agarro suas costas e permito que ele siga seu ritmo
punitivo. Não demora muito para que meu corpo acabe explodindo
como fogos de artifícios, respondendo à brutalidade recém adquirida
do meu namorado. Eu viajo com a sensação gostosa de prazer e
abro meus olhos quando Nico resolve se soltar e começa a falar
coisas sujas para mim.
— Gostosa... eu fico louco quando você goza para mim. Eu
faço você gozar muito, não faço?
— Muito mesmo. Você é tudo.
— Prometo fazer melhor amanhã, mas agora eu vou gozar e
você vai dormir cheia com a minha porra. — Só essas palavras
serviriam para me dar outro orgasmo. O álcool parece trazer uma
versão diferenciada das pessoas, porque é isso que está
acontecendo e eu não sei qual versão eu amo mais.
Com mais algumas arremetidas ele goza, e eu me sinto
sendo inundada pelo seu esperma.
— Deus! Eu amo você, Dandara! Você é perfeito pra
caralho, meu cacto!
— Isso não vai me convencer — digo, mordendo sua
bochecha. — Garoto de açúcar, você está encrencado comigo, e
será preciso mais que sexo e elogios para que eu me incline aos
seus pés.
— Prometo mudar sua mente amanhã de manhã — diz, se
afastando e se deitando ao meu lado. — Agora apenas se vire e
permita que eu te abrace para dormirmos.
— Vou me limpar...
— Não vai não, meritíssima. Amanhã... — Causa perdida.
Ele me abraça, fica mexendo em meus cabelos e, provavelmente,
eu pego no sono antes dele.
Assim que abro meus olhos, relembro que dormir
completamente "espermeada". Não há aquele meu jeito sonolento
de rolar na cama, ficar babando em Nicolas, e só depois de alguns
minutos levantar. Hoje eu simplesmente salto da cama no
desespero por um banho e eu faço isso antes mesmo de escovar os
dentes.
Levo meu tempo sob o chuveiro, lavo meus cabelos, me
seco, escovo os dentes e então volto ao quarto. Nicolas agora está
deitado de bruços e há algo incomum em sua bunda que chama
minha atenção.
A passos lentos, vou me aproximando e rezando para não
ser o que estou pensando. Se for, eu vou quebrar o escritório de
Lucca essa manhã e não será bonito. Fecho os olhos e começo a
tatear, até estar diante do corpo do meu namorado. Vou apalpando-
o até chegar em sua bunda incrível e, quando chego, abro meus
olhos de uma só vez. Eles vão se arregalando juntamente com a
minha boca, até eu soltar o maior grito que eu já dei em toda a
minha existência!
— NICOLASSS!!!
Meu filho surge no quarto no momento exato em que
Nicolas cai da cama completamente nu!
— Tio Nico tá pelado!!! — Samuel diz rindo.
Lucca está morto... e Nicolas? Eu não sei que diabos eu
farei, mas sei que farei algo!
DANDARA
— Oh merda! — Nicolas grita, tentando cobrir seu objeto
sexual com as mãos.
— Tio Nico tá peladão! Tio Nico tá peladão! — Esse garoto
está começando a mostrar que é filho do Lucca mesmo! Não sei o
que fazer!
— Filho! Você vai constranger tio Nico. Não que ele tenha
algo para ficar constrangido, de forma alguma... enfim! Samuel
Farai! Ai, ai, ai! Bora deixar o tio Nico vestir uma cueca para cobrir o
piu piu? — sugiro, colocando as mãos nos ombros do meu filho e o
conduzindo para fora do quarto.
— Mamãe! Bom dia! — meu pequeno diz, e toda minha
raiva se esvai por alguns minutos.
— Bom dia, meu pinguinzinho mais gostoso! É hora de
tomar banho, encher o barrigão e ir para a casa do tio Victor.
— Ebaaa!
— Eba nada! Seus dias de bagunça estão por um fim,
senhorzinho. Mamãe está quase conseguindo alguém de confiança
para trabalhar aqui e você vai para a escolinha! — Ele fica rindo e
começa a retirar as próprias roupas. Orgulho preenche meu peito.
Três aninhos e tão inteligente, tão esperto, tão "querendo" ser
independente. Samuel muitas vezes age como um garoto de cinco
anos de idade. Acho que isso é devido ao fato de ter convivido
apenas comigo. Acredito que isso vá sofrer mudanças agora que
está no convívio familiar.
Dou um banho nele, o visto e caminhamos rumo à cozinha.
Ele corre para o sofá da sala e liga TV, enquanto isso preparo o café
da manhã. Samuel ama misto quente, eu preparo alguns porque o
lindo padrasto dele parece concordar com a ideia de que misto
quente é a melhor pedida para o café da manhã.
Por falar no diabo, ele surge gostoso para caralho, vestindo
uma camiseta branca, bermuda preta e boné, portando em suas
mãos um laptop e em sua cueca a razão da minha felicidade. Ele
deixa o laptop sobre a mesa e vai brincar com Samuel, porém a
brincadeira dura pouco, quando entrego ao meu filho o lanchinho da
manhã, Nico deixa de existir. Ele se afasta e se acomoda na mesa
para fazer o que quer que seja no bendito laptop.
Eu volto para atrás do balcão da cozinha e continuo
preparando o restante das coisas para o café. Quando arrisco olhar
para Nicolas, seu olhar está fixo em mim, de uma forma que faz
meu ventre se contorcer.

Começo a cortar algumas frutas, mas meus olhos estão


sobre ele, em especial nas mãos. Mordo meu lábio inferior com
força enquanto observo os dedos longos, as veias saltadas. Balanço
a minha cabeça, tentando mudar o foco, mas é apenas em vão.
Meus olhos vão subindo pelos braços e paralisam na boca que
destrói a minha sanidade. Ele parece perceber, pois passa a língua
pelos lábios, fazendo com que eu sinta uma inveja maldita. É então
que a faca escorrega e eu corto meu dedo indicador.
— Merda! — grito com a dor, e Nicolas vem apressado em
minha direção.
— O que houve?
— Cortei o dedo — digo, indo lavar o sangue na pia.
— Onde há curativos?
— No banheiro do meu quarto — informo, e ele vai pegar.
Minutos depois, estou sentada no sofá. Nicolas é meu
enfermeiro e Samuel é o ajudante dele. É tão lindo acompanhar a
troca dos dois que eu quase esqueço a merda que vi na bunda do
meu namorado.
Eles limpam a ferida direitinho e colocam um curativo, além
disso, Samuel me dá ao menos cinco beijos em cima do machucado
e faz carinho em meu rosto, dizendo o tempo todo que papai do céu
vai me curar.
— Você é o ar que a mamãe respira, pinguim! — digo,
agarrada a ele. — Você é a minha esperança.
— Te amo, mamãe, você é linda. — Ele ainda está fazendo
suas declarações fofas quando o interfone toca.
Nicolas vai atender e volta dizendo que é Melinda. Pego as
coisas de Samuel, e o levo até a porta para ela.
— Prometo que está terminando — falo a ela.
— Não diga um absurdo desses! Não sei como serão meus
dias sem esse pequeno lá em casa. Nicolas chegou bem?
— Sem comentários, Melinda!
— Victor dormiu com Lucca. Não o deixei entrar em casa —
comenta rindo. — Ele está desesperado.
— E você está rindo?
— Claro que estou. — Seu tom maquiavélico não passa
despercebido. — Bom, depois entra no grupo e me conta sobre seu
novinho. Deixei as crianças com a Ana para poder vir malhar e
buscar Samuel.
Nos despedimos e eu volto para dentro de casa. Nicolas
está de pé, apoiado no balcão...
— Eu posso explicar.
— Não pode, Nicolas! Que merda é essa em sua bunda?
Quando vi a tatuagem na bunda de Lucca, pensei que ele havia se
superado, que aquela era a coisa mais insana que já tinha visto,
mas vendo a sua percebi que não. O que é a tatuagem de Lucca
perto da sua? Nada!
— Você está comparando nossas tatuagens?
— É claro que sim. Principalmente porque sei que há dedo
dele nisso. Nicolas, você ultrapassou todos os limites!
— Pensei que você iria gostar.
— Você não pode estar falando sério! — digo. — Apenas
me explique o motivo pelo qual fez isso?
— Todos fizeram, até mesmo Lucca e Victor que já
possuíam tatuagem na bunda.
— Como todas as mães dizem: "VOCÊ NÃO É TODO
MUNDO", Nicolas! Se fosse só o cacto, estaria até bom. O que
diabos tem o ursinho Pooh a ver com um cacto? — Agora eu quero
rir, mas não irei. Preciso de uma explicação.
— Ursinho Pooh representa um garoto de açúcar. O
desenho original era ele segurando um pote de mel, eu troquei por
um cacto. Um garoto de açúcar segurando um vasinho com um
cacto — ele me explica isso sério e, quando lágrimas começam a
descer dos meus olhos, percebo que cheguei no meu limite e
começo a rir desesperadamente. — Há seu nome no vasinho. —
Nem essa informação me faz parar de rir.
Eu estou chorando de rir, chorando tanto que minha barriga
está doendo pelo riso. Isso parece deixar Nicolas magoado, ele
simplesmente se afasta e caminha rumo ao quarto. Eu me encontro
numa cena do tipo "perco o namorado, mas não perco a piada".
Aliás, eu estou rindo, mas vou matar Lucca por ter levado Nicolas
para esse mundo de insanidade que ele vive. Meu Deus do céu,
ursinho Pooh é o auge da minha vida. Coincidentemente, quando eu
era criança, amava esse personagem, até mesmo tinha materiais
escolares dele. Tatuá-lo na bunda... Meu Deus do céu, Nicolas
deveria estar mesmo muito alcoolizado. Um ursinho Pooh
segurando um vasinho com um cacto é até fofo, mas... Misericórdia,
Deus! Não me mande para o inferno por estar rindo disso.
Nicolas volta à sala carregando sua mochila e eu ainda
estou rindo. Nem mesmo consigo pedir para que ele não vá, não
tenho forças. Ele pega seu laptop sobre a mesa e simplesmente sai.
Eu sigo rindo por longos minutos, mas depois de um tempo
tomo vergonha na cara e encaro a realidade: há roupas de cama
que precisam ser trocadas, uma camisola que precisa ser jogada no
lixo, preciso me arrumar para o trabalho e comer meu misto quente
que, nesta altura do campeonato, já está devidamente frio e precisa
ser requentado.

Chego no fórum e paro na recepção para pegar algumas


correspondências. Noto a demora da atendente em me responder e
logo percebo o motivo. Subindo a rampa de acesso está Nicolas,
com seu estilo magnífico de sempre e óculos de sol. Dessa vez não
sinto vontade de rir da tatuagem, a única coisa que sinto é uma
vontade louca de puxá-lo pela gravata e beijá-lo.
Ele passa por mim e dá apenas um bom dia de maneira
geral. Vou seguindo-o com os olhos e reparando que ele é a mais
nova distração de todas as mulheres que trabalham nesse fórum.
Eu não gosto disso, e não gosto da maneira como ele sorri
educadamente para todas. O sorriso que desgraça uma vida é meu
e não gosto muito de dividi-lo com qualquer pessoa.
— Querida, quanto tempo eu terei que ficar esperando até
que decida executar seu trabalho e me entregue o que eu pedi?
— Desculpa, meritíssima.
— Isso aqui não é uma boate ou qualquer outra coisa que
deve estar acostumada, é o seu local de trabalho — informo, e ela
logo me entrega as correspondências. Não agradeço, apenas sigo
para a minha sala e me concentro no trabalho.
Pego mais um processo de pedido de guarda e entro de
cabeça no estudo do caso. Ser juíza me faz ir contra muitas coisas
que já ouvi. Dizem que nunca devemos tirar um filho de uma mãe,
mas não sabem como há mulheres ruins disfarçadas de mãe. Por
ter sido filha de pais omissos, tenho muito cuidado em julgar casos
que envolvem crianças. Meu julgamento pode mudar a vida de um
ser humano inocente, para melhor ou para pior. Eu me dedico para
fazer o correto e o que é melhor para criança.
Em minhas mãos há mais um processo enorme onde, de
maneira crua e no português bom e claro, uma mãe está usando a
própria filha para conseguir extorquir o pai da garota. Eu me perco
estudando o caso e só paro quando meu celular toca. É o diabo
mor!
— O que foi Lucca?
— Calma, meritíssima! — diz engraçadinho.
— Não me irrite hoje! Estou prestes a ir até o seu escritório
e quebrar tudo que encontrar pela frente, incluindo você.
— Foi sem querer.
— Teu cu, Lucca! O que você quer?
— Minha mulher me abandonou. Estou num estado
decadente, largado às traças.
— Bem-feito. Me lembre de enviar as felicitações à Paula.
Há coisas na vida que a gente não perde, a gente se livra. Não é
assim a música?
— Lançou um Joelmão aí, hein? — Esse idiota sempre me
faz rir. Paula está fodida para conseguir se manter séria e firme
diante de Lucca.
— Ok, Lucca, agora vamos conversar. Apenas me diga o
que eu tenho a ver com o fato de sua mulher ter te abandonado?
Acho que você ligou para a pessoa completamente errada, porque
você está jurado de morte desde o momento em que descobri que o
meu namorado estava com você!
— Só preciso do meu filho. Será que é pedir muito? Só
quero ficar com o meu garoto hoje, dormir de conchinha. —
Misericórdia! — Você deixa?
— Eu vou entrar na justiça contra você, idiota!
— Por favorzinho?
— Ok, Lucca. Você pode dormir com Samuel, mas por favor,
essa criança está ficando impossível, igualzinho você. Ele está
tocando o terror e está virando um mini você! Tente controlá-lo, por
gentileza, ou o assassinato será por mais motivos.
— Prometo me comportar com meu filho. — Ele está
extremamente engraçado hoje, porque a dramaturgia está até
mesmo em sua voz que exprime puro sofrimento. — Ele está com
Melinda, a tirana? Porra! Eu tive que aturar Victor chorando na
merda da minha cabeça a manhã toda! Melinda não vai querer me
dar nosso filho. Terei que pedir minha mãe para pegá-lo.
— Melinda é de fato uma mulher sensata. Ligarei mais tarde
para falar com Samuel. Não o leve para o caminho da loucura,
Lucca Albuquerque!
— E o garoto de açúcar? Ele ainda está vivo?
— Ele está, mas acredito que não esteja falando comigo —
comento, brincando com uma caneta.
— Você não o matou? Como assim é ele quem não está
falando com você?
— Não o matei. Resolvi gastar minha energia com o seu
assassinato, Lucca. E sim, é ele quem não está falando comigo
porque dei uma crise de riso essa manhã. Ei, preciso de um favor
seu.
— Qual?
— Me ajude a encontrar uma ou duas ajudantes, com
urgência. Precisam ser pessoas de confiança, para arrumarem a
casa e cuidarem de Samuel nos momentos em que eu não puder
estar presente. Preciso focar mais no trabalho e não consigo muito,
fico preocupada em estar dando trabalho para Melinda, além disso,
não estou dando muito conta de cuidar da casa. Seus pais devem
conhecer pessoas confiáveis para isso.
— Já sei o que fazer. Confio em Zilda para cuidar de
Samuel. Vou conseguir alguém para substituí-la aqui em casa e
arrumar uma outra pessoa para ficar por conta da arrumação da sua
casa. Zilda ficará responsável por ele, porque sei que podemos
confiar de olhos fechados.
— Não negarei a oferta. Aliás, me sinto absolutamente
melhor por saber que será Zilda. Posso ir dando conta da casa
enquanto não encontramos outra pessoa, mas só de ter alguém
confiável para cuidar do nosso filho, já significa muito. Te agradeço
por isso, acho que posso até adiar seu assassinato, Lucca —
brinco.
— Vou buscar Samuel e conversar com Zildinha. Te
mantenho informada.
— Obrigada, Lucca. Você é ruim, mas é bom! — Ele ri e eu
encerro a ligação.
Fico um tempo olhando para o celular, pensando em como
as relações e os sentimentos podem ser reinventados, modificados.
Eu e Lucca nos damos muito melhor sendo amigos do que nos
dávamos quando éramos um casal. Eu o amo, muito, mas é um tipo
de amor tão diferente. Ele é um maluquinho que eu amo ter me
tornado amiga e um amigo que merece ser completamente feliz.
Por falar em amor, me levanto e decido ir em busca do meu
amor. O encontro encostado em uma parede, rindo enquanto
conversa com outro homem, que deve ser um amigo.

— Olá! — digo educadamente. — Nicolas, será que tem


alguns minutos para mim?
— Sim — responde. — Licença, Diego. Nos falamos depois,
cara.
Caminhamos até um lugar mais privado.
— É fofa — digo.
— O quê?
— A tatuagem, é fofa. Me desculpe por rir, mas é tão
incomum, Nicolas. Não esperava isso vindo de você. Foi
surpreendente e é engraçado, porém, obrigada pela homenagem,
meu garoto de açúcar. Meu nome agora está em seu bumbum,
juntamente com o meu apelido. — Pego uma das mãos dele e beijo
todos os dedos. Vou me aconchegando contra seu corpo, sentindo
uma necessidade repentina de ter os braços dele em torno de mim.
— Nico, você está se tornando meu oxigênio, como eu disse que
meu filho simboliza essa manhã. Eu preciso que me abrace e que
diga que me perdoa.
— Quero trabalhar ao seu lado — diz, me surpreendendo.
— Me ensina?
— Te ensino. — Sorrio, e ele envolve os braços em torno de
mim, num abraço que parece capaz de juntar todas as peças soltas
dentro de mim. — Eu te ensino, meu amor.
— Cacto, não ria mais do meu amor.
— Tentarei não rir — digo. — Ei, quer ir em um lugar
comigo?
— Onde?
— Na terapeuta. Acho que doutora Rovena vai gostar de
conhecê-lo.
— Talvez eu fique por lá, para uma sessão de terapia ou
quem sabe uma internação? — diz, beijando minha testa. — Quero
conhecer a famosa doutora Rovena.
— Iremos por voltas das cinco da tarde — informo. — Bom,
garoto de açúcar, se quer mesmo trabalhar comigo, consiga isso o
quanto antes. Há um caso interessante para você acompanhar ao
meu lado — falo me afastando. — Será um prazer ensiná-lo. Se
precisar que eu faça uso do meu poder para mudá-lo de setor, basta
dizer. Não acredito que dentro desse fórum tenha alguém corajoso o
bastante para negar um pedido meu.
— Talvez exista, meritíssima. — Ele pisca um olho e dá
aquele sorriso de desgraçar a minha vida.
DANDARA
Às cinco horas em ponto, eu e Nicolas, nos encontramos no
estacionamento do shopping para irmos à consulta com doutora
Rovena. Ele estaciona seu carro ao lado do meu, e desço bastante
empolgada com a linda visão. Parece que hoje é oficialmente o
primeiro dia que viemos juntos ao shopping, e eu me sinto como
uma adolescente repleta de borboletas no estômago e ansiosa.
Tecnicamente deveríamos fingir que nos odiamos, mas na
prática é bem diferente e talvez esse plano de fingir distanciamento
por conta de Lívia seja estúpido o bastante. Não consigo manter
minhas mãos longe dele e atuar fingindo que sua simples presença
mexe comigo. Sempre foi tão fácil mentir e fingir, mas, de repente,
com Nicolas em meio à situação, mentir é uma das coisas mais
difíceis. Esse garoto afetou até a minha forma de conduzir situações
caóticas, e nem sei se devemos manter o plano de descobrir o que
há por trás das intenções de Lívia. Isso demandará um tempo ao
qual poderíamos estar vivendo momentos incríveis. Porém, se
deixarmos passar batido agora, pode ser que ela volte a agir e algo
dê errado.
Sim, infelizmente existem pessoas que aproveitam do
silêncio dos outros para crescer. Talvez Lívia faça parte desse time,
e, se eu estiver certa sobre isso, tomar atitudes é o mais correto a
ser feito.
Deixo de pensar nela assim que ele surge diante de mim e
descubro que estou viciada. Por alguns segundos sinto ódio de mim
mesma por estar desesperada por esse garoto de uma maneira que
nunca estive por qualquer outro homem, mas quando ele sorri,
todos esses questionamentos malucos deixam de ter importância e
eu passo a querer mergulhar fundo no que sinto.
— Ei, vossa excelência! — diz, me puxando pela cintura.
— Eu queria você comigo vinte e quatro horas por dia,
garoto de açúcar — confesso, puxando-o pela gravata. — Você é
meu vício — sussurro em seu ouvido, sentindo suas mãos
apertarem mais minha cintura.
— Como será trabalhar ao lado do seu vício?
— Será excessivamente viciante, mas duvido que vá ter
uma overdose — respondo sorrindo. — Estou ansiosa por isso.
— Você precisará usar o poder para eu conseguir. Sua
amiga Lívia está por trás do setor dando ordens, talvez não seja fácil
conseguir.
— Nada é difícil para mim, garoto de açúcar. Vou colocá-la
no devido lugar, não se preocupe — afirmo, tocando em seu rosto
perfeito. — Agora vamos, estou ansiosa para a consulta.

Chegamos ao consultório com seis minutos de atraso e


doutora Rovena já está nos aguardando. Ela vem com tudo me
receber, mas para ao ver Nicolas surgindo ao meu lado. Por um
minuto eu quero rir da maneira como ela abaixa os óculos de grau e
analisa meu namorado. Há alguns momentos que eu penso estar
fazendo terapia com a terapeuta errada, às vezes ela parece muito
mais surtada do que eu, como por exemplo agora... medindo
Nicolas de cima à baixo e inclusive observando o volume que meu
garotinho carrega dentro da calça.
Olho para Nicolas e ele abre um sorriso para mim, então ela
solta:
— Desgraça mesmo, Dandara! Agora eu compreendo você.
Faz todo sentido, você sabe. Sentido é algo que faz aqui, hein?
— Doutora Rovena, é um enorme prazer revê-la também —
digo sarcástica, puxando-a para um abraço e decido apresentar
Nicolas. — Esse é Nicolas, meu namorado.
— É um enorme prazer conhecê-lo, Nicolas. — Ela o
cumprimenta com um aperto de mãos. — Mãos firmes, hein,
Dandara? — diz rindo, e eu me pego rindo junto. — Oh meu Deus,
você é uma filha da puta sortuda, não é mesmo? Nicolas vai esperá-
la?
— Não...
— Tudo bem, mas se ele não vai esperá-la, o que vocês
dois estão fazendo aqui? — pergunta.
— O que a senhora acha que estamos fazendo aqui? É tão
óbvio! Terapia de casal! O que mais estaríamos fazendo em um
consultório de terapia? — Nicolas aperta minha mão, enquanto
doutora Rovena começa a rir e se acomoda em sua cadeira.
— Tem certeza que ela é sua terapeuta? — pergunta em
meu ouvido, enquanto a mulher se acaba de rir.
Não respondo. Apenas o puxo para sentarmo-nos no sofá
diante dela.
— Espere, isso é realmente sério? — ela questiona
limpando as lágrimas.
— Doutora Rovena, nosso relacionamento está sofrendo
influências, creio que a melhor forma de lidar com as adversidades e
mudanças seja fazendo terapia de casal. Tenho um filho, não acho
que seja bom ter discussões em casa sob os olhos e ouvidos dele.
Aqui é o lugar onde podemos debater, ter um ponto de vista por
parte de uma psicóloga.
— Ah! Claro!
— Teremos as consultas apenas minha e as consultas em
casal. Pense pelo lado positivo, você receberá mais dinheiro por
isso.
— Tudo bem — ela concorda. — Mas, porra! Vocês mal
começaram e já precisam de terapia de casal? Que diabos! Com
todo respeito, é claro. Já pensei em encaminhá-la para algo mais
pesado, um tratamento mais hardcore, Dandara. Cada dia que
passa isso parece fazer mais sentido.
— Me desculpe interromper, mas acredito que a senhora
seja a melhor para lidar com Dandara. Com todo respeito, é claro,
você parece tão louca quanto ela. Acredito que duas pessoas loucas
possam obter sucesso.
— Calma! Não é bem assim, Nico — argumento. — Doutora
Rovena e eu temos muitas consultas produtivas. Ela é louca sim,
mas ela é extremamente sábia, compreensiva, me dá ótimos
conselhos. Por mais que eu brinque, doutora Rovena é uma ótima
profissional e responsável por muitos dos meus avanços.
— Compreendo isso. Não disse de maneira ofensiva. Você é
louca e eu a amo, então chamá-la de louca não foi uma ofensa —
ele se explica.
— Ele é muito bonito. Já que terei que lidar com loucura, é
bom que eu tenha uma bela visão — Doutora Rovena diz. — Ele é
realmente lindo, mas falaremos disso em uma consulta particular. A
ética não me permite trazer a essa consulta de casal assuntos
tratados de forma privada e individualmente.
— Confuso isso aí, mas estamos de acordo — concordo.
— Ok, bom... — ela diz pegando seu Ipad e relaxando em
sua cadeira. — O relacionamento de vocês é recente — fala o que
já sabemos. — Como estão se relacionando? Há muitas
discussões? Há diálogo na relação? Como tem sido esse início?
Eu paro para pensar em nosso relacionamento... realmente
paro. Tem sido tudo tão intenso, repleto de acontecimentos que mal
temos tido tempo para respirar. Não consigo pensar em um
momento calmo, exceto quando estamos dormindo. Mas, eu e Nico
conversamos muito, principalmente quando foi preciso que eu me
abrisse e contasse a ele sobre o meu passado.
— Nosso relacionamento tem sido intenso — ele diz. — Na
verdade, em alguns momentos eu me sinto dentro de uma máquina
de roupas ligada, trabalhando incansavelmente. Há muitos
acontecimentos e minha vida costumava ser muito, muito, muito
calma antes de conhecer Dandara. Eu estava inclusive vivendo uma
fase entediante, que me fez entrar no site que Dandara deve ter
dito. Ainda assim, eu não esperava um furacão quando entrei
naquele site, espera apenas uma experiência com uma mulher
madura, mais experiente que eu. Surgiu essa mulher aqui, e eu não
posso dizer que o que estamos construindo é ruim. Na verdade,
ainda estou um pouco tonto com tantas informações, mas estou
feliz. Acho que em breve essa fase turbulenta irá se acalmar. Só
precisamos de alguns ajustes, o que é super compreensível já que
estamos nos conhecendo ainda.
— Incrível! — Doutora Rovena elogia, e eu posso jurar que
há brilho nos olhos dela.
— E você, Dandara, o que tem a dizer?
— É o que ele disse. Estamos nos conhecendo, eu acredito
também ter jogado uma forte bagagem de informações sobre ele.
Meu passado é um caos completo, cheio de acontecimentos, cheio
de falhas terríveis, e eu me abri, contei tudo a ele, todos os meus
erros. Nico é muito novinho e inexperiente, acredito que absorver
todas as informações demande tempo. Mesmo com a pouca idade,
acho que a senhora percebeu que ele é bastante maduro, então tem
sido bem legal conviver com ele e eu tenho aprendido muito, mesmo
com a pouca experiência de vida. Nico tem me ensinado até mesmo
valores importantes que me faltava.
— Estamos aprendendo muito um com outro — ele
comenta.
— Então devo presumir que está tudo perfeito? — Dou uma
risada e encaro meu namorado.
— NÃO! — Nós dois dizemos juntos, e eu abro a boca em
espanto.
— Você não pode dizer que não está tudo perfeito — digo a
ele. — Da minha parte está, da sua que não!
— Ok, da minha parte? Quem está organizando uma maldita
despedida de solteira pelas minhas costas?
— Quem está saindo com o meu ex e virando best friend
dele? Quem voltou para casa bêbado e com uma tatuagem na
bunda após passar a noite com Lucca?
— COMO? — doutora Rovena pergunta visivelmente
chocada.
— Explique a ela, GAROTO DE AÇÚCAR! — peço,
cruzando meus braços. — Mas explique desde o início.
— Lucca, como a senhora também deve conhecer, me
convidou para a despedida de solteiro dele. Eu disse que iria, então
a noiva de Lucca se uniu com Dandara para organizar a despedida
de solteiro dela. Eu não estou ajudando em merda alguma nessa
despedida, mas a minha mulher resolveu se tornar organizadora e
está agindo pelas minhas costas, inclusive possui um grupo de
WhatsApp sigiloso o bastante, e eu só fiquei sabendo dessa
informação ontem.
— Ok, Dandara, quando foi que se tornou amiga da atual do
seu ex? Eu creio ter perdido essa informação — doutora Rovena
pergunta.
— Não me tornei amiga dela, mas Nicolas se tornou amigo
de Lucca, e Lucca quer me foder. Se Lucca quer me foder, eu irei
foder com ele.
— Defina esse "foder", por favor, Dandara — Nicolas pede.
— Foder no sentido de prejudicar. O outro tipo de foda eu só
faço com você. Com todo respeito, doutora Rovena.
— Muito respeito, com certeza — ela diz suspirando. —
Como eu posso auxiliá-los nisso? Eu simplesmente não posso! —
exclama. — Há muitas misturas agora; ex de Dandara, atual de
Lucca, misericórdia, despedida de solteira? É o caos. Agora eu
entendo que esteja sendo mesmo um relacionamento estilo tornado.
Há até tatuagem na bunda, é isso mesmo?
— Eu só não irei pedir para ele mostrar porque a bunda dele
é a coisa mais fantástica e a senhora vai querer morder.
— Eu apenas acho que deveriam... ir embora. É isso. Certos
assuntos não cabem a mim. Como terapeuta eu só posso auxiliá-los
em dificuldades sérias no relacionamento, a lidar com as diferenças,
encontrarem a melhor forma de fazer o relacionamento dar certo.
Agora, discutir sobre uma loucura desse porte? Isso não cabe a
mim. O que eu poderia dizer? Taca o foda-se e alopre por que um
pouco de loucura faz bem e deixas as coisas quentes? Óbvio que
não!
— Eu já disse que doutora Rovena dá as melhores ideias?
— pergunto a Nicolas sorrindo.
— Não dei ideia alguma, Dandara. Não coloque palavras em
minha boca!
— Eu captei a mensagem, da mesma forma que captei em
outras consultas. Parece que o termo "aloprar" está constantemente
sendo utilizado pela senhora, doutora. Da última vez que me disse
isso, eu segui e deu certo. — Ela quase perde a cor do rosto, e eu
decido que a terapia terminou por hoje.
Não sei o motivo, mas assim que eu fico de pé, Nicolas
permanece sentado e me olha como se eu fosse uma aberração.
— Vamos, criança... — o chamo, puxando-o pela gravata.
— É sério? Assim que você faz terapia?
— Ela está até calma. Você tem feito bem a ela — doutora
Rovena o responde.
— Voltamos na semana que vem, doutora. — Sorrio ao me
despedir. Nicolas também se despede e vamos.
Ele vem rindo...
— É sério que é assim mesmo?
— Há um propósito — comento. — Doutora Rovena é uma
mulher que vive em função de tratar a mente das pessoas, de
ajudar, auxiliar. E ela fez um excelente trabalho comigo. É visível.
Mas ela é solitária, e as minhas maluquices preenchem alguns
poucos dias dela. Parece que trago até ela um pouco de adrenalina
a cada consulta, por mais louco que pareça. Acredita que ela
começou até a se vestir de forma mais animada? Quando a conheci
ela só usava preto.
— Se estou entendendo bem, você se faz de louca para
animá-la.
— Eu até sou louca mesmo, meu amor. Mas, sim, eu gosto
de pesar um pouco na loucura para deixá-la animada, mais
acordada para a vida. Porém, é um segredo meu e seu, garoto de
açúcar. Acho que podemos animá-la em nossa terapia de casal.
— Agora que eu sei o propósito, talvez possamos dar um
bom entretenimento a ela. — O abraço no meio do corredor do
shopping.
— Não quero me desgrudar de você.
— Mas precisa, amor. Eu preciso ir para a aula e talvez eu
não volte para a sua casa. Preciso ficar um pouco com a minha
mãe, não tenho tido muito tempo.
— Você está certo — concordo com ele. — Porém, ficarei
solitária sem Samuca e sem você. Pode me ligar depois que fizer
tudo? Não esqueça de mandar um beijo para todos em sua casa.
— Posso sim, vossa excelência. Não me esquecerei. — Ele
beija a minha testa e caminhamos rumo aos nossos carros.
É surreal como tudo parece vazio quando não há Samuel ou
Nicolas, e mais surreal ainda a maneira como cada canto da minha
própria casa pode lembrar alguém que entrou em minha vida em tão
pouco tempo.
Eu tomo um banho relaxante, janto, pego uma garrafa de
vinho, uma taça e vou estudar um processo. Há um nome nele que
atrai minha atenção: Paula Jacinta. Não é comum ter tantas Paulas
Jacintas no mundo, então fico em estado de alerta. Por um
momento penso em pegar meu celular e ligar para Lucca, mas
ignoro essa ideia. Não posso de forma alguma misturar a minha
obrigação como juíza com uma amizade. Preciso estudar o caso
como se eu não soubesse quem é a autora do processo. O nome
Henrico surge confirmando que se trata mesmo da noiva de Lucca,
e eu solto um suspiro frustrado. Talvez eu deva apenas repassar
esse caso para um outro juiz..., mas não farei isso sem ler as
acusações e todo teor do processo.
Conforme vou lendo, descubro que o babaca tentou estuprar
Paula, e que possui uma ordem de restrição, uma medida protetiva
que se encaixa na Lei Maria da Penha e que também o proíbe de se
aproximar do próprio filho. Se torna impossível não pensar em
Lucca e Paula. Quem os vê sorrindo e brincando jamais imaginaria
que enfrentam algo desse tipo. Ela é tão alto-astral quanto ele e
parece passar por situações bastante difíceis com o ex. Além disso,
há o fato do filho dela ter autismo, algo me diz que ela lida com isso
sozinha, sem apoio do tal Pablo.
Só a petição inicial já me enoja o bastante, mas, novamente,
fixo em minha mente que preciso separar o profissional do
emocional. Tenho tudo em minhas mãos para foder o tal Pablo,
mas... eu não deveria mesmo me envolver. Ou deveria? Até onde eu
posso fazer parte da vida de Paula e de Lucca? E se outro juiz não
julgar da forma correta e isso acabar impactando negativamente a
vida dos dois?
Esfrego meu rosto me sentindo tonta e revoltada com o
destino. Com tantos processos nesse mundo, por que logo esse
caiu em minhas mãos? Não posso ser antiética e falar com Lucca
sobre isso, tão pouco discutir com Paula. Meu Deus do céu! Que
inferno! Eu só queria paz e não ter minha vida pessoal misturada
com a profissional. Uma coisa é eu mentorar Nicolas no estágio,
outra é julgar um caso que diz respeito ao pai do meu filho e a atual
mulher dele. As duas coisas nem mesmo podem ser comparadas.
Fecho o laptop, termino de beber o vinho e fico
perambulando pela casa. Nem mesmo olho o grupo da despedida
de solteira da Paula essa noite. Aos poucos a tensão vai se
dissipando. Tédio me define agora. Entro no quarto de Samuel e fico
um tempo sentada na cama dele, olhando os brinquedos e sentindo
seu cheirinho. Houve um tempo em que eu gostava de ficar sozinha;
agora, ficar sozinha é aterrorizante.
Vou para o meu quarto e me aconchego na cama, mas,
novamente, eu me pego sentindo um cheirinho, agora de Nicolas.
Talvez seja a coisa mais absurda que pensei nos últimos tempos,
mas eu queria ser casada com ele e não tenho vergonha de sentir
ou pensar isso. Queria ser casada com Nicolas. Queria dormir ao
lado dele todas as noites, acordar em seus braços todas as manhãs.
Se existe algo que abomino é a dependência emocional, só que,
nesse momento, eu ignoro esse fato, porque me sinto
completamente dependente do meu filho e do meu namorado.
Quando um não está, o outro preenche o espaço que fica vazio, e
essa noite não há nenhum deles comigo.
Passam onze, meia noite... e então meu celular vibra com
uma mensagem:
"Ei, está acordada? Eu não consigo dormir sem você". Isso
me faz sorrir.
"Ei, garoto de açúcar, eu também não consigo dormir sem
você. O que faremos?" respondo e fico aguardando...
"Pode abrir a porta para mim?". Eu salto da cama como uma
louca ao ler a mensagem. Me sinto patética, mas quem nunca? Não
importa. O amor nos faz virar uma bagunça, lutar contra isso é
perda de tempo.
Abro a porta e me jogo nos braços dele, que ri.
— Achei que era apenas eu como saudades e agindo como
um viciado, meritíssima — ele fala beijando meu pescoço, enquanto
rodeio minhas pernas em torno dele.
— Eu sou louca por você... Nico... completamente.
— E eu sou louco por você, cacto. Muito louco.
— Quer casar comigo?
DANDARA
Meu Deus! Eu acho que a recente amizade com Lucca está
afetando Nicolas! O garoto parece que vai desmaiar a qualquer
momento e eu já estou firme e forte, me preparando para segurá-lo.
Talvez eu tenha sido precipitada, porém, em minha defesa,
desde que conheci Nicolas perdi a noção do que é ir devagar. Há
tanta pressa em mim quando diz respeito a ele. Eu quero tudo,
quero muito e nada parece o suficiente.
Não é ele quem tem que se apressar. Sou eu quem tenho
que diminuir os passos, me conscientizar de que Nicolas, por mais
maduro que possa ser, é apenas um jovem garoto que ainda estuda
e que provavelmente não está preparado para atropelar o mundo.
Isso não é nada demais, na verdade. Nicolas tem que seguir o fluxo
correto para atingir os objetivos, e ele está indo bem, no caminho
certo. Não tenho o direito de desviá-lo disso, principalmente por já
ter uma carreira e uma vida estabilizada.
Diminuir os passos... eu posso fazer isso. Eu tenho que
fazer isso.
Deus do céu, doutora Rovena que me ajude!
— Respire, Nicolas! Ok, não precisa levar a sério, tudo
bem? — Eu até disse sério, mas agora quero fingir que tudo não
passou de uma brincadeira apenas para que ele possa voltar ao
normal. — Nicolas?
— Não se brinca com algo assim — seu tom repreensivo me
faz arquear as sobrancelhas. — Não se brinca com isso, Dandara —
repete.
— Ok, então eu devo te pedir desculpas? Você parecia
prestes a desmaiar diante de mim — argumento, enquanto ele entra
e fecha a porta. — O que queria que eu fizesse?
— Em primeiro lugar, eu gostaria que não recuasse. Não
combina com você recuar. — Gente! Não é possível que estamos
indo brigar!
— Eu recuo quando meu namorado parece prestes a ter um
ataque diante dos meus olhos. Não é você quem decide se eu
posso ou não recuar, Nicolas! Aliás, que porra está acontecendo
aqui? Não estou entendendo absolutamente nada.
— Então você está recuando? Suas palavras finais
são: "Respire, Nicolas! Ok, não precisa levar a sério, tudo bem?".
— Deus do céu! Eu disse realmente o que quis dizer, mas
você pareceu se assustar e eu voltei atrás. Pronto. Era a verdade
que queria?
— Sempre a verdade, meritíssima. E não.
— Não o quê?
— Eu não aceito me casar com você. — Meu coração quase
falha uma batida ao ouvir as palavras de maneira tão direta.
— Ok. Está tudo bem, de verdade. Você é muito jovem, há a
faculdade, uma vida inteira esperando por você. Sou uma mulher
madura, com um filho. É tudo bastante diferente e... — Eu
simplesmente faço algo absurdo que definitivamente não combina
comigo: começo a chorar.
Tomada por milhares de sentimentos conflitantes,
simplesmente abaixo a minha cabeça e choro. Eu nunca quis
alguém na vida como quero Nicolas. Eu nunca me apeguei a
qualquer pessoa como me apeguei a ele, e eu... eu o amo tanto que
nem mesmo faz sentido. Simplesmente sinto e sinto, e o sentimento
parece crescer a cada dia.
— Caramba, você está chorando de verdade, cacto! — ele
comenta, me puxando para os seus braços. — Não foi a minha
intenção, meu amor.
— Poderia ter dito de uma forma mais delicada! Não que eu
seja delicada, Nicolas, mas eu me sinto delicada agora. Você
também nem é obrigado a adivinhar os momentos em que estarei
delicada, então... simplesmente ignore tudo que estou dizendo.
— Acho que é melhor ignorar mesmo. Você está uma
bagunça completa, meu amor, enfim, não quis fazê-la chorar. Eu
disse aquilo porque não quero ser pedido em casamento por você,
sou eu quem quero pedi-la para se casar comigo. — Engulo um
soluço enquanto levanto minha cabeça e o encaro. — Cacto, não
me olhe assim.
— Eu... nem sei.
— Tem sido difícil me manter afastado. Fiz uma tentativa
essa noite, após passar várias outras noites com você, não fui bem-
sucedido. Olha onde estou? Aqui, ao seu lado, ansioso para irmos
para cama e nem mesmo é pelo sexo, é apenas para tê-la em meus
braços na hora de dormir. Quero me casar com você, mas não
quero que seja assim, Dandara. Tenha apenas um pouco mais de
paciência, não vou pedi-la em casamento quando está chorando e o
clima está levemente abalado. E, se continuar com essa merda de
idade, nós teremos um problema.
O puxo para um beijo e foda-se o choro, foda-se o
casamento, foda-se o mundo inteiro. Quando sua língua desliza
para encontrar a minha, um calor percorre todo meu corpo e tudo,
além desse momento, deixa de ser importante.
Me afasto dele para ficar de pé e o puxo, sou surpreendida
quando ele me puxa pela cintura e então me empurra até a parede.
Um sorriso cresce em meu rosto enquanto levo minhas mãos para o
interior de sua camisa.
— Você está quente, garoto de açúcar... — sussurro em seu
ouvido, e puxo a camisa para cima, para retirá-la de seu corpo
perfeito. Surpreendendo-me novamente, Nicolas decide retirar todas
as roupas, demonstrando sua completa ansiedade. Meu novinho
cheio de apetite sexual é tudo que eu posso querer para terminar o
dia bem.
Observo cada parte de seu corpo enquanto seus olhos
seguem os meus. Os gominhos incríveis, o V perfeito, seu pênis rijo,
empinado para cima e pronto para a ação.
Um passo nos separa e eu quebro a distância. Levo meus
lábios em seu pescoço e vou lambendo-o, descendo pelo seu
peitoral. Cada ofego que Nicolas dá, eu sinto meu ventre se contrair,
eu o amo tão afetado pelo tesão. Ele apoia as mãos na parede e
abaixa seu rosto para me observar assim que caio de joelhos. Minha
língua agora explora seu membro duro, lentamente, e o levo em
minha boca, chupando com vontade.
— Puta Merda, Dandara! — Sorrio vitoriosa até ele me
puxar pelos cabelos, parecendo um insano. Sempre acreditei em
seu potencial... sempre.
Tudo em mim vibra quando ele me carrega diretamente para
a cama e arranca minhas roupas sem qualquer resquício de
delicadeza. Assim como ele, não estou com paciência para perder
tempo com sexo oral, e quando ele faz menção de ir por esse
caminho, simplesmente o puxo, da mesma forma como fui puxada.
Ele sorri se encaixando entre minhas pernas.
— Cacto, eu queria seu gosto em minha boca.
— Qualquer dia desses. Agora me coma, por favor. Eu
imploro por você, Nicolas.
— Eu te amo, cacto — declara, me preenchendo por
completo.

NICOLAS

2 SEMANAS DEPOIS
— Ei, eu vi isso! — Meu tio surge sorridente e nem me dá
tempo para fechar a tela do notebook. — Quer me contar alguma
coisa?
— É cedo?
— Esse negócio de tempo é balela, Nicolas. Não existe um
tempo correto para as coisas acontecerem. Na verdade, as
melhores coisas acontecem de repente. Tem sido assim desde que
você a conheceu, não é mesmo?
— É verdade. — Sorrio. — Eu tenho condições de dar esse
passo, sabe? Psicologicamente e financeiramente...
— Você está preocupado pelo fato de ser estudante e pelo
que as pessoas vão dizer sobre se casar com uma juíza mais
madura e rica. — Não é uma pergunta, ele me conhece, sabe
exatamente o que se passa em minha cabeça. — As pessoas
costumam julgar umas às outras sem ao menos procurar saber o
que realmente se passa, sem buscar por mais versões. A verdade é
que existe pessoas maldosas Nicolas, que acreditam no que
querem acreditar, no que vai gerar mais conteúdo para preencher a
vida vazia que elas levam. Elas não se importam se o que estão
dizendo é a verdade ou a mentira; só querem destilar maldade. Isso
é mais comum do que imagina, cabe a você escolher a melhor
maneira de lidar com isso. É um garoto maduro, trabalha comigo
desde muito jovem, é centrado, tem sua vida financeira estabilizada
por conta da empresa, em breve será um juiz. Você tem tudo, meu
filho. Precisa aprender a filtrar o que as pessoas falam, só você e
Dandara podem dizer o que se passa dentro da relação dos dois,
ninguém mais. Ignore julgamentos, o que as pessoas dizem, não é o
que você é, não é a verdade. A verdade só você sabe. Ninguém tem
absolutamente nada a ver com a sua vida, meu filho. Se você acha
que é o momento certo, se é isso que quer para sua vida, vá em
frente e não tema.
— Obrigado, tio! Era exatamente o que eu precisava ouvir.
— Você é um filho para mim, garoto. Qualquer decisão que
tome na vida, eu sempre estarei ao seu lado. Tenho um orgulho
imenso de você, Nicolas.
— Não seria metade do que sou sem a sua ajuda. Sempre
serei grato por tudo que deram a mim e a minha mãe, por fazer de
nós parte da sua família — o agradeço dando um abraço.
— Sabe, todas às vezes que olho para você sinto que posso
morrer em paz.
— Que merda, tio! — Ele dá uma gargalhada.
— É verdade. Se eu morrer hoje, sei que tomará frente dos
negócios e dará o amparo necessário à sua tia e sua mãe. Tudo o
que construí é seu, Nicolas. Isso significa que toda a minha batalha
não foi em vão e estará em boas mãos quando eu não estiver mais
nesse mundo. Enxergue seu poder e todas as suas dúvidas
desaparecerão — é a última coisa que ele diz antes de sair do meu
quarto.
Fico alguns minutos pensativo e sigo para o trabalho.
Estou distraído lendo alguns processos quando sinto um
perfume bastante conhecido. Levanto a cabeça e o impacto vem
com força.
— Porra! — Talvez eu tenha dito alto demais, mas... porra...
mil vezes porra! Até fico de pé.
— Gostou?
— Se é que é possível, agora ultrapassou todos os limites,
vossa excelência! — digo, fixado em seu rosto e seus cabelos agora
cacheados. — Puta merda... — Ela está rindo de mim agora, mas
eu fico impactado constantemente com a beleza excessiva que ela
possui. Se existe mesmo esse negócio de fila de distribuição de
atributos, eu nem sei dizer quantas vezes ela passou. — Cacto,
você é muito além de perfeita.
— Mesmo indo para a despedida de solteira da Paula?
— Não! — exclamo, voltando-me a sentar.
— Você é irritante, Nicolas! Eu preciso transar! — diz quase
alto demais. — Você pode dormir comigo essa noite?
— Não posso. Estou estudando, Dandara.
— Você está fazendo isso por conta da despedida, Nicolas.
Eu não sou uma principiante aqui! A propósito, acabo de chegar da
casa do seu amiguinho Lucca.
— Interessante. O que foi fazer lá?
— Fui falar sobre o processo deles. Na verdade, fui informar
que o processo seria julgado por mim e tomei a decisão de não
julgá-lo. Não conseguiria ser imparcial, você sabe. — Novamente
fico de pé e me aproximo.
— Escolha sensata, meu amor. Estou orgulhoso de você e
de todos os avanços que têm dado.
— Mesmo eu indo para a despedida de solteira? —
pergunta, arrumando minha gravata.
— Já disse que não. Você está enganada se pensa que será
tão fácil assim, meritíssima.
— Quem disse que eu gosto das coisas fáceis?
Temos isso em comum. Está sendo difícil pra caralho invadir
o WhatsApp dela, mas vou conseguir. Não teria tanta emoção se
fosse fácil. Talvez eu pare de fazer greve e vá dormir com ela
alguma noite durante essa semana. Não apenas pelo celular, mas
essa mulher parece ter uma espécie de feitiço; eu me sinto como
um dependente completo. Tem sido uma verdadeira luta me manter
firme.
A primeira coisa que descubro é o dia da viagem, a segunda
é o local, e, um dia antes, encerro a greve e derrubo a minha
meritíssima no sexo.
— Estou indo, garoto de açúcar. — Dandara se despede de
mim rumo à despedida de solteira.
— Não vai mesmo me dizer aonde estão indo?
— Nicolas, o que acha que estou indo fazer? Estou até
mesmo levando meu filho. Precisa confiar em mim, sei que meu
passado me condena, porém é visível que hoje sou outra mulher e
que amo você. Eu amo você, amo e amo você. — Eu também a
amo e não estou conseguindo controlar a maldita possessividade.
Eu nem mesmo era possessivo, então isso me deixa frustrado, me
faz sentir como se estivesse perdendo o controle dos meus
sentimentos.
— Ok — digo, e vou me despedir de Samuca. — Meu
moleque! Comporte-se, viu? Cuida da mamãe para o tio Nico,
beleza? Você é o homenzinho da casa.
— Te amo, tio Nico.
— Também amo você, pequeno. — Sorrio e deposito um
beijo em sua testa.
— Não seja dramático, ok? — Dandara pede enquanto leva
as malas para fora. — Não se esqueça de fechar a casa.
— Não vou me esquecer. Comporte-se, vossa excelência.
Não se esqueça que é minha.
— Nunca quis pertencer a qualquer pessoa, mas eu amo
pertencer a você. — Ela sorri me abraçando. — Ainda sou capaz de
senti-lo dentro de mim — sussurra em meu ouvido. — Comporte-se,
tenho tendências psicopatas.
Ela se vai e eu espero quinze minutos para garantir que ela
não vai voltar. Fecho toda a casa e sigo para encontrar o pessoal.
Serei um homem louco se não for atrás da minha meritíssima!
— Foi mal. Dandara hoje está diabólica — informo ansioso.
— Onde está o ônibus?
— Aqui. — Victor aponta para o iate e minha boca se abre e
fecha repetidas vezes. Ok, estou acostumado com luxo, meu tio é
bastante rico, mas... isso aqui é meio surreal. — Vamos? Não falta
ninguém?
— Porra! Melissa quer fazer sexo virtual! — Arthurzinho diz.
Sim, eu já estou familiarizado com todos. Tivemos uma reunião para
combinarmos tudo. — Calma! É apenas para provar que estou em
casa... Eu disse que não vai rolar porque ela está de castigo.
— O que mais está tomando no cu nessa brincadeira sou eu
— Victor protesta. — Não sei quantos dias não faço sexo. Já até
perdi a prática.
— Estamos juntos nessa, amigo — Joseph diz rindo. —
Maria Flor me fodeu sem foder há duas semanas.
— Já a minha delegada... — Heitor diz mostrando os pulsos
machucados. Esses caras parecem lunáticos, malucos, só isso
justifica. Não existe um que eu possa dizer que é ao menos um
pouco normal.
— Que porra é essa? — Bruce pergunta.
— Algemas. A noite passado foi do caralho — Heitor
responde rindo.
— Isis esteve insana também. Não há o que reclamar aqui,
meus caros — Agora é Bruce quem diz, e Victor dá um soco no
braço dele. — Eu fiz filhos orando, babaca! Não queira que eu te
devolva o soco, Victor!
— Isso será assim o final de semana inteiro? — pergunto
seriamente preocupado.
— Vamos, camarada! Vou te mostrar o caminho, a verdade,
a luz!

Quando chegamos a Búzios, noto que não há caminho,


verdade ou luz nessa merda. Heitor teve a excelente ideia de
contratar caras aleatórios para tentar a sorte com as nossas
mulheres e um bando de loucos achou que seria divertido. Agora,
estamos aqui, tomando no cu enquanto assistimos as mais diversas
imagens e escutamos nossas mulheres diabólicas inventando
histórias absurdas para os caras contratados. Certamente seremos
motivo de chacota entre eles.
Estou ligeiramente mal-humorado e, para ajudar, Enzo
resolve fazer um maldito comentário infeliz sobre a minha mulher:
— Olha o tamanho da bunda da Dandara! Sinceramente, se
juntar todas as mulheres ali não chegam no patamar daquele cor...
— Não espero ele terminar de falar, o empurro longe e ele volta para
me empurrar também, porém duvido muito que ele vá conseguir me
derrubar. Antes que ele tente a sorte novamente, meu punho se
choca no rosto dele fortemente. Sou um cara super pacífico, evito
brigas a todo custo, mas ele tem me irritado a dias e hoje
simplesmente me encontrou nervoso o bastante para não ignorar.
— Fale assim da minha mulher mais uma vez, babaca!
Moleque! Foda-se se você a acha gostosa. Guarde essa merda pra
você, imbecil!
— Era para ela estar comigo — ele grita, e eu compreendo
que ele já dormiu com Dandara. Isso me deixa mais puto ainda e é
preciso três homens para impedirem que eu avance novamente
sobre ele.
— Era? — Matheus pergunta.
— Você está sendo um idiota, cara. — Agora é Lucca quem
diz, e ele parece tão perdido quanto eu, afinal, Enzo é primo dele. —
Um belo idiota. Não é porque está bêbado que tem o direito de falar
coisas assim. Se fosse sobre Paula você estaria no mar agora,
imbecil.
— Está puto por que fiquei com sua ex? — Enzo provoca, e
eu não gosto da maneira que essa história está desembolando.
— Foda-se o que você e ela fizeram, Enzo. Não venha
estragar a porra da minha despedida de solteiro. Respeite a mãe do
meu filho! Isso que você está fazendo é coisa de moleque! Não
acha que está velho demais para isso? Está agindo como babaca!
— Enzo, acho que você precisa ir dar uma descansada,
camarada. — Matheus o pega fortemente e ele não tenta nem
mesmo se soltar.
— Porra tio, esse idiota me deu um soco.
— Enzo, bora descansar? — Matheus propõe mais uma
vez. Os caras me soltam e Lucca se aproxima.
— Relaxa, cara. Ele está bêbado. Não justifica, mas releve
dessa vez, ok? — diz me abraçando.
— Estou aguentando piadinhas desse idiota já tem um
tempo. Não vou permitir, não sou um moleque e Dandara é minha
mulher.
— Sei disso, apenas relaxe. Não vamos permitir que
qualquer pessoa aqui falte com respeito com qualquer mulher que
seja — avisa, e eu tento me acalmar.
Durante os próximos minutos se torna impossível não rir.
Está evidente que as meninas sabem que estamos aqui, mas
ninguém parece entender isso.
— Milena disse uma grande verdade. — Heitor se levanta
após ouvir as declarações que a mulher dele acabou de fazer. Ela
disse que ele tem o pênis grande e não sabe usá-lo. — 25
centímetros de piroca, porra!!! Eu sou o mais dotado da família,
parceiros! Se cortar meu pau, dá para complementar o do Piroca
Baby!
— E sobre não saber usar? — pergunto rindo.
— O cu dela que eu não sei! Essa tirana! Ela não disse isso
ontem à noite! Vai ter troco esse merda! — avisa, estou indo zoá-lo
um pouco mais quando Lucca grita:
— AOOO MERITÍSSIMA! — Olho para o laptop e a minha
meritíssima está dançando grudada com um cara. Seria legal se
fosse um dos caras que pagamos, mas não é. Ela não irá jogar
limpo. A conheço o suficiente para saber que de todos aqui talvez
eu seja o que mais vai se foder.
— Se ele descer as mãos um pouco mais, nós vamos
terminar a noite em uma delegacia — ameaço quase quebrando a
merda do copo em minha mão. Por sorte, Maria Flor rouba a cena:
— Vamos lá! Eu procuro caras interessados em foder meu
marido e isso é tão raro... Por favorzinho. Pago em dólar! — ela diz,
e se torna impossível não rir. Joseph chega a estar vermelho de
raiva.
— CHEGA DESSA MERDA! — Joseph avisa, e não há
quem consiga segurá-lo. Maria Flor parece estar fodida.
— NÃO ACHO QUE DEVERIA IR, JOSEPH! — Lucca grita,
fazendo-o parar. — Elas certamente perceberam nossos planos de
hoje, mas tenho grandes planos para amanhã! Hoje elas ganharam
a noite, mas amanhã ganharemos o dia!
— O que faremos? — pergunta voltando. — Eu espero que
seja algo realmente grandioso, porque elas precisam pagar por toda
merda que falaram. Maria Flor não faz ideia do que espera por ela.
— Vem com o pai, galera! Preparados para contra-atacar?
Amanhã é o dia! Heitor nos salvou hoje com seu talento de
cinegrafista amador. Se não fosse por ele, não saberíamos de toda
essa merda. Agora é hora de botar pra foder!
— Qual o plano? — pergunto, interessado em uma
revanche.
— O plano é levar ao menos uns três tapas na cara. Se
Paula não me bater amanhã, eu não terei feito isso direito! — Lucca
decreta, e começamos a debater.
Espero que elas não sejam muito ciumentas ou
possessivas....
DANDARA
Ótimo, Dandara! Você tem a porra do dom de reverter a paz!
Tudo parecia perfeito, as coisas estavam entrando nos eixos, a vida
se ajustando, mas acho que nasci predestinada a viver em meio a
confusões, só isso justifica.
Uma noite de bebedeira foi algo incrível, mas o que estou
sentindo após essa noite é que está devidamente errado. Estou
passando mal, mas é um tipo de mal que só passei em uma fase da
minha vida: quando estava grávida. Já levei outros porres, mas
foram completamente diferentes. Por conta disso, é como se a
viagem tivesse acabado.
Com tantas coisas acontecendo de uma só vez, eu deixei de
me preocupar com a minha própria saúde, com o funcionamento do
meu corpo, e eu não sei dizer se menstruei. Tudo bem, isso é
péssimo para uma mulher. Uma mulher de verdade sabe tudo sobre
si mesma, o tempo todo. Eu costumava saber bem o bastante, mas
não sei o que se passa comigo agora e estou com medo; não por
mim, mas por Nicolas.
No auge dos 37 anos de idade, eu posso ter trigêmeos e
isso não me abalaria. Tenho condições financeiras, psicológicas
para lidar com isso. Ok, talvez não tenha tanta condição psicológica,
principalmente porque me sinto cada dia mais louca, mas eu sei que
serei uma boa mãe, porque se existe algo que faço bem é
desempenhar meu papel materno. Enfim, estou pronta para tudo.
Tenho uma vida toda estabilizada, mas e meu garoto de açúcar?
Como ele se sentirá caso minha suspeita se confirme? Bom,
eu consigo vislumbrar. Ele ficará feliz no início, principalmente
porque ama crianças e porque sua mãe ficará extremamente
eufórica. Então, quando a ficha cair, ele vai começar a se sentir
inferior pelo fato de ainda estar na faculdade, e mais um monte de
coisas que não vem ao caso.
Foi com a cabeça tumultuada que fui até a delegacia tentar
ajudar Victor e Melinda que quase foram presos. Achei que um
pouco de distração ajudaria, mas não aconteceu. Agora, estou
voltando para casa, e sigo aérea, tanto que erro o caminho.
— Dandara, acho que passou da casa. — A voz de Joseph
surge fazendo com que eu acorde dos devaneios.
— Obrigada.
— Está tudo bem? Precisa de algo? Parece... magoada —
ele diz visivelmente preocupado.
— Está tudo bem. Obrigada pela preocupação. — Sei que
estou me sentindo mal, mas não consigo ignorar o fato de que
Joseph Vincenzo está no topo dos homens mais lindos que já vi na
vida. A beleza dele é impactante, não é à toa que ele se casou com
a mulher mais linda que já conheci. Maria Flor beira à falta de
educação de tão linda. Enfim, por que estou pensando na beleza
dos dois agora? Não faz sentido, mas quanto mais velho, mais gato
o homem fica. Eu nunca serei capaz de compreender.
— Tudão! — Maria Flor grita assim que o vê.
— Não venha não, Maria Flor! É melhor desaparecer da
minha frente até eu estar calmo o bastante para termos uma
conversa séria! — Como mulher eu deveria defendê-la, mas ela
pegou pesado com Joseph. Ela pegou pesado pra caralho, por mais
engraçado que tenha sido.
—Você está muito bravo?
— Muito bravo não chega nem perto de como estou, Maria
Florzinha. Além de ter homens desconhecidos achando que sou
bissexual, há Heitor enchendo o meu saco. Virei chacota de todos e
você não vai sair impune dessa vez. E EU ESTOU FALANDO
REALMENTE SÉRIO — Joseph responde. — Passar bem,
senhorita.
Maria Flor faz um enorme bico e Milena a abraça.
Todos estão acordados e o sol está quase nascendo. Esse
povo é no mínimo louco e eu não me sinto disposta para
acompanhá-los agora. Sigo direto para o quarto, abraço meu filho e
adormeço rapidamente.

Quando acordo, ainda estou me sentindo mal e Samuel não


está mais na cama. Meu Deus do céu, ele está tão filho do Lucca
que eu nem sei descrever essa merda. Samuel, de repente, parece
portar de uma formiga constante na bunda e não consegue ficar
quieto. Prova disso é sua fuga do quarto.
Ainda estou me sentindo mal, por isso tomo um banho frio.
Após vestir um biquíni, desço e viro alvo dos olhares de todos.
— Que porra está acontecendo? — pergunto.
— É uma maldição acordar com uma mulher como você.
Sério, você acorda bonita todas as manhãs? Não é possível! — Lili,
amiga de Paula, diz revoltada. Eu até sorrio dessa bobeira.
— Sim, ela acorda dessa maneira todos os dias — Melinda
diz.
— Eu me sinto como um grande pedaço de merda hoje, se
querem mesmo saber — confesso, pegando um pouco de salada de
frutas. — Onde estão as crianças?
— Com minha mãe, Vic, Bia e as babás, na piscina — Paula
responde. — Henrico e Samuel não se desgrudam. — Sorrio,
orgulhosa do meu filho e da amizade que ele tem com Henrico.
— Já houve algum debate sobre a fuga de Melinda? —
pergunto.
— Não houve, mas foi bom lembrar — Paula diz. — Eu acho
isso uma puta safadagem conosco. Somos um time.
— Só que você não ficou um longo período sem sexo, e eu
fiquei. Sem contar que Victor também está na merda da despedida
de solteiro de Lucca, e ele é pouco chamativo. Já pensaram que há
dezenas de mulheres secando nossos homens? Precisei marcar
território — a justifica de Melinda é um pouco plausível, porém,
engraçada.
De repente, começo a pensar em Nicolas. Não gosto dos
meus pensamentos agora. Meu garoto de açúcar cheio de vitalidade
e energia solto em Búzios...
— Deus! Faz todo sentido! Meu príncipe Davi é apenas o
mais lindo e está solto — Luma dramatiza.
— Tudão está tão puto comigo, que nem vai rolar uma foda.
— Nem fico triste. Piroca Baby nunca nega as minhas
vontades — Ava argumenta sorrindo. — A propósito, acho que essa
despedida vai sair melhor que encomenda.
— Só consigo pensar na minha próxima sessão de terapia
— confesso. — Acho que depois de hoje à noite ficaremos solteiras.
Noite das mulheres significa muitos stripers, pirocas, toques e
divórcio.
— Não seremos trouxas. É óbvio que eles vão descobrir
tudo sobre os nossos planos — Isis comenta. — Estamos falando
dos homens mais possessivos e loucos.
— O pior é que meu namorado foi contaminado. Nicolas era
uma pessoa tranquila antes de conhecer Lucca.
— Com todo respeito, Nicolas é a coisa mais linda desse
mundo — Larissa comenta sorrindo. — Sério, ele não parece ter a
idade que tem. É muito bonito.
— Realmente, Dandara. Nicolas é lindo — Maria Flor diz.
— Vamos ser sinceras aqui, não há um único homem que
seja "mais ou menos" nessa família. E, Nicolas, mesmo não sendo
da família, agora é parte do grupo e é tão lindo quanto os demais.
Fico feliz que achem ele lindo, mas eu corto o seu pescoço, Larissa.
Sei que é solteira, embora esteja com Enzo.
— Ela é tão doce — Lili diz rindo.
— Ok! Não sei vocês, mas eu estou indo para a praia. Tenho
certeza que nossos homens estarão por perto. É melhor ficarmos
por perto, tê-los sob o alcance dos nossos olhos — Melinda
comunica.
— Vocês podem ir. Irei logo em seguida. Preciso ir até uma
farmácia — informo.
— Vou com você — Ava anuncia para a minha surpresa.
Não tenho coragem de dizer que não, nosso histórico já é ruim o
bastante, então apenas concordo com a cabeça.
Todas se vão e eu vou ver as crianças antes de ir pegar a
minha bolsa. Há uma cena muito linda. Henrico, Sophie e Samuel
estão sentados no gramado brincando, do outro lado há Théo,
Aurora e Tiago, numa brincadeira mais selvagem. Meu coração
falha algumas batidas quando Sophie dá um beijo na bochecha de
Henrico e outro na bochecha de Samuel. Ela é tão doce que
desperta minha vontade de ser mãe de menina. Eu acho mais lindo
ainda como ela tenta encaixar um brinquedo na mãozinha da
Henrico, que tem problemas de coordenação motora. Crianças são
tão puras e capazes de ensinar tantas lições. Basta observá-las um
pouco.
Dez minutos depois, estou saindo de casa com Ava a
tiracolo.
— Você vindo comigo é no mínimo estranho — confesso.
— Bastante, eu sei. Porém, ainda sinto um distanciamento
entre nós e tem me incomodado. Você é mãe do meu sobrinho,
amiga íntima de toda a família, eu quero acabar com essa diferença
entre nós de uma vez por todas, é por isso que quis vir com você.
Sei que não teremos uma relação como a que você tem com
Melinda, por exemplo, mas acho que podemos ser amigas,
Dandara. Sem mais ressentimentos. — Tento conter um sorriso ao
ouvir. Ava é um pouco parecida comigo em alguns quesitos, por isso
nós desentendemos.
— Estou mesmo em uma nova fase da vida, Ava. Eu ficarei
feliz em ser sua amiga, embora eu não seja muito desse lance de
amizades. Mudar está sendo bom, minha vida está ganhando um
pouco mais de cor desde que resolvi mudar. Na verdade, resolvi
não, precisei mudar. Para selar nosso compromisso de amiga, saiba
de um possível segredo, estou indo na farmácia comprar um teste
de gravidez.
— ISSO É REALMENTE SÉRIO? — pergunta gritando.
— Ficarei feliz se puder falar baixo e manter isso apenas
entre nós. Se esse teste der positivo, eu terei um surto épico.
Preciso que fique entre nós.
— Ok, tudo bem, mas não vai esconder isso de Nicolas, não
é mesmo? — pergunta receosa.
— Não vou cometer esse erro novamente, Ava. Mas, ele é
jovem demais e sei que precisarei usar bem as palavras caso o
resultado seja positivo. É cedo demais para eu estar grávida, e cedo
demais para ele ser pai. Terei que trabalhar em uma maneira de
dizer isso a ele.
— Meu Deus! Estou em choque agora. Isso que chamo de
começar uma amizade bem. — Ela parece surpresa mesmo. Eu
estou me cagando.
Quando chegamos na farmácia, vou direto pedir quatro
testes para garantir e pago. Na saída é que ela começa a me
torturar.
— Você vai fazer esses testes agora né? Diga que sim!
— Sendo bem sincera, não me sinto corajosa o bastante
para enfrentar isso agora. Estou pensando em fazer à noite, talvez
amanhã.
— Então por que diabos você veio comprar esses testes?
Eu não vou conseguir viver com essa dúvida me corroendo! —diz,
como se fosse ela na expectativa para descobrir se está grávida.
— Por que você e Gabriel não tiveram mais filhos?
— Não sinto vontade, Théo é o suficiente. Já possuo
sobrinhos fofos, então é perfeito. Não é como se só tivéssemos o
Théo — explica. — Luma também só quer Tiago, temos isso em
comum, além de sermos gêmeas. Agora, não fuja do meu
questionamento.
— Farei agora.
— Ai meu Deus!
— Você vai acabar soltando essa merda e aí eu te
enforcarei, seremos inimigas para sempre.
— Ok, mas você quer estar grávida? Seja sincera —
pergunta.
— Quero mais filhos sim, só não sei se é o momento. Mas
se eu estiver grávida, ficarei oscilando entre explodir de felicidade e
morrer de preocupação pela reação do Nicolas. Agora, por favor,
estamos chegando em casa, não diga nada, ok? Vou subir e fazer o
teste.
— E eu ficarei esperando no seu quarto. Você não é louca
de me privar de saber disso. Agora estou me corroendo de
curiosidade.
Ela me segue mesmo até o meu quarto. Eu deveria ficar
irritada, mas estou tão viajando neste momento que ao invés de
ficar irritada me sinto com a mente anuviada.
Eu entro no banheiro, realizo o primeiro teste e fico sentada
no vaso aguardando o resultado que aparece em questão de
segundos. Arregalo meus olhos e decido que não confiarei, então
faço os outros três e caio sentada no vaso novamente quando todos
apontam o mesmo resultado...
— Dandara? Você está bem? — Ava pergunta quando
passam minutos e eu permaneço trancada no banheiro.
— Sim. Já estou saindo.
— Deu positivo?
— Não — digo, jogando os testes no lixo e abro a porta. Ela
me encara de um jeito estranho, demonstrando bastante que não
está acreditando em minhas palavras. E eu, simplesmente estou
impactada o bastante para reagir.
— Onde estão os testes? — pergunta, invadindo o banheiro.
Ela vai quente no lixo e eu dou a má sorte de um dos testes ter
caído virado para cima. — Ok, Dandara. Não tenho o direito de
meter.
— Não tem, mas é isso que está fazendo.
— Não repita o erro novamente. Não faça isso. Se você ama
aquele garoto, você não vai omitir isso a ele. Não importa que ele
seja novo ou esteja com medo, Dandara. Uma vez que fizeram sexo
sem proteção, sabiam que estavam suscetíveis a isso. Talvez você
esteja imaginando uma reação ruim da parte dele e isso nem
aconteça.
— O fato de eu ter omitido de você não significa que eu vá
omitir dele. Eu só acabo de ser pega de surpresa e preciso pensar,
preciso digerir a notícia, entende?
— Fiquei louca quando descobri que estava grávida de Théo
— comenta suspirando. — Então eu entendo você, me desculpe se
fui invasiva. Eu só... eu vi o meu irmão sofrer por não ter
acompanhado Samuel desde o início. Isso mexeu comigo,
principalmente porque minha mãe precisou ocultar Isis do eu pai e
de toda a família durante sete anos. Esse tipo de situação mexe
muito comigo.
— Perdi Lucca por conta de todos os meus erros, Ava. Acha
mesmo que vou arriscar perder Nicolas por ser omissa? Acha que
mesmo eu estando apaixonada por Nicolas eu não sinto o impacto
de todas as coisas que fiz com Lucca? Ava, Lucca não deveria nem
mesmo olhar na minha cara. Ele é um anjo por ter se tornado meu
amigo, por ter acolhido até mesmo o meu namorado. Não há um dia
na vida que em algum momento eu não me sinta miserável por
todos os erros do passado.
— Imagino que seja um fardo pesado, mas vamos falar das
coisas boas como, por exemplo, você driblar qualquer obstáculo que
surja? Você é mestre nisso, Dandara. É mestre em corrigir erros,
driblar obstáculos, superar traumas. Sei que está repleta de receios,
mas confio muito que vá se sair bem. Você é mulher extremamente
poderosa, é madura, aquele garoto mudou muito você. Levante a
sua cabeça e encare isso do modo DANDARA de atropelar a tudo e
todos os problemas, então tudo estará bem.
— Esse modo aí está um pouco adormecido. Preciso
recuperá-lo — confesso cabisbaixa me aproximando da janela.
Daqui do alto vejo Samuel brincando e abro um sorriso. — Quem
me vê jamais diria que tenho um dom natural para a maternidade,
não é mesmo?
— Concordo absolutamente. Se existe alguém que parece
não ter dom maternal, esse alguém é você. Esse simples detalhe
torna tudo mais interessante do que realmente é. Veja meu
sobrinho, ele é um garoto fantástico, inteligente, amoroso,
carinhoso. E, que meu irmão me desculpe, mas como mãe, posso
dizer com propriedade, os dois primeiros anos de uma criança são
fundamentais para serem moldados. Você moldou Samuel, foram os
seus exemplos que ele seguiu. Ele até está virando um mini Lucca
agora, mas a essência, o jeitinho dele ser, é mérito da educação e
do amor que deu a ele. — Fico ligeiramente tocada com as
palavras. — Bom, acho que você deve querer ficar um pouco
sozinha.
— Não. Vamos encontrar com as meninas. A tarde terei um
tempo para ficar sozinha.

Encontramos com a turma em um quiosque na praia. Muitos


metros à frente estão nossos respectivos homens.
— Esses homens juntos... isso é um crime, deveria se
enquadrar como atentado ao pudor — Paula comenta.
— Posso dizer algo com todo respeito? — a tal Lari pede.
Não demora muito para que eu a afogue na areia da praia. Embora
ela seja legal, acho que Enzo deveria firmar uma relação com ela.
Talvez, assim, ela pare de falar dos demais homens.
— Sim. — Paula dá o aval e eu fico atenta:
— Se eles fossem solteiros, eu faria um gangbang fácil
demais. Abriria as pernas e diria: faz a fila e vem! Olhem para todos
eles! Com todo respeito mesmo, de coração.
Faria... imagine aguentar sexo com toda aquela tropa ali?
Você sairia do ato diretamente para sepultamento.
— Eu estou vendo certo? — Paula pergunta mortificada pelo
ciúme.
— Calma. Vai ver elas só queriam um fotógrafo mesmo —
Melinda diz quase roendo as unhas. — Meu Deus, é uma puta
mentira. Não há como ser plena quando estamos no olho do
furacão. Que diabos!
É então que mais mulheres começam a se aproximar e eu
começo a ficar ligeiramente desconfortável.
— Eu não estou vendo isso não! — Paula exclama. —
Definitivamente! Meu Deus do céu!
— Respire — aconselho. — Eu tenho uma arma. — Ao dizer
as palavras, viro centro da atenção de todas. Por um momento me
sinto como uma aberração. — O quê? Vocês acham que vou atirar
nas meninas? — pergunto gargalhando. Elas me levam muito à
sério. São inteligentes. Espere até que uma daquelas garotas se
aproxime de Nicolas... — Não mato nem uma barata, queridas, mas
existe um tipo de tiro que se chama "espanta galinha". Imagina,
surge uma mulher dando tiro para o alto como louca, vai voar pena
para todo lado. Rapidinho elas encontram o lugar delas.
— Você veio armada? — Paula pergunta.
— Você não? — pergunto de volta. Ela tem porte de arma,
deveria andar armada. É o certo.
A situação fica descontrolada quando uma das garotas
tocam o braço de Lucca. Eu seguro a vontade de rir no mesmo
instante.
— Paula, você vai estragar a espionagem! — Ava esbraveja.
— Por via das dúvidas, eu estou sozinha. Mantenham-se aí
— avisa, e sai feito louca atrás de Lucca.
— Sério, Melinda e Paula são muito cunhadas mesmo. Uma
foge e acaba quase sendo presa, a outra certamente está indo para
o mesmo caminho. Conheço Lucca, ele pode ser persuasivo —
comento, e fica evidente essa persuasão quando ele foge com
Paula. — Eu disse...
— Acha legal ficar insinuando sobre seu passado com
Lucca?
— Acha legal ver maldade em coisas que não lhe dizem
respeito? — retribuo a pergunta a Lari. — Qualquer uma aqui sabe
que Lucca, Victor, são extremamente persuasivos.
— Bota persuasivos nisso — Ava diz rindo. — Sem brigas
crianças.
Eu foco o olhar em Nicolas e o vejo se afastar do grupo. Ele
caminha até a calçada e para diante de uma mureta, pega o celular,
parece digitar coisas e logo meu celular apita.
"Eu me sinto perdido quando não a tenho por perto, cacto.
Quando vi Paula, tive esperanças de que você surgiria. Sinto sua
falta. É cedo?"
Meus olhos se enchem de lágrimas quando volto a observá-
lo. Essa pureza de sentimentos é tão nova para mim. Ver com meus
próprios olhos um garoto tão jovem sentindo falta de mim é
assustador, mas ele demonstra tanta verdade. Nunca agradecerei o
suficiente por tudo que ele me oferece diariamente. Tão novo e tão
seguro de si e de seus sentimentos. Quando eu tinha 21 anos era
uma completa perdida, uma garota que eu jamais me orgulharia.
Nicolas é um exemplo, um garoto exemplar e um exemplo de ser
humano.
Nem despeço das meninas. Simplesmente caminho até ele,
que agora tem suas mãos apoiadas na pequena mureta e está
perdido olhando o mar. A tatuagem de asas nas costas dele faz
tanto sentido... ele é como um verdadeiro anjo. Ele me resgatou de
toda escuridão.
O abraço por trás e deixo um beijo em sua nuca.
— É aqui que há um garoto cheio de saudade? — pergunto,
vendo-o sorrir. Ele se vira de frente para mim e eu me aconchego
em seus braços.
— Olá, cacto.
— Olá, garoto de açúcar.
— Você pode passar a tarde toda em meus braços?
— Estou aqui para isso. O que faremos?
— Vamos para alguma praia diferente? — propõe.
— Vamos!
— Vamos levar Samuca?
— Ele está com Henrico. Como Paula não está, acho que é
importante que ele fique para distraí-lo — explico.
— Então vamos fugir por algumas horas. Eu amo você,
cacto! Eu amo muito você!
— Eu amo você mais...
Já é noite quando Nicolas me deixa em casa. Ele tem um
encontro com os garotos, eu tenho um encontro com as meninas.
Agora há em mim um pouco de adrenalina pela noite que nos
reserva. Certamente a possessividade dos Albuquerque’s vai vencer
e eles farão o inferno para nos encontrar.
É como animação que entro dentro da casa e vejo todas
reunidas.
— Dandara, faltava só você! — Victória exclama sorridente.
— Faltava eu? Para?
— Lucca se casa amanhã — Victória comunica animada, e
eu sinto o mundo inteiro girar bem diante dos meus olhos.
Um rio de lágrimas passa a escorrer dos meus olhos sem
que eu possa conter. Eu me envergonho diante de todos e
simplesmente saio correndo para o meu quarto, não demora muito
para que Victória irrompa pela porta e veja a catástrofe em que me
transformei.
— Milhões de desculpas! Por favor, me perdoe por tamanha
insensibilidade. Eu apenas achei que tudo havia ficado no
passado... eu não esperava... me perdoe — ela diz, sentando-se no
chão de frente para mim.
— Me desculpe você. Eu só... não estava preparada para
isso agora. Estava me preparando para o próximo final de semana,
fui pega de surpresa. Ninguém será capaz de entender a minha
reação agora, porque... porque nem eu entendo. Só veio um filme
inteiro na minha cabeça, todas as coisas que eu estava empurrando
para o passado, e veio meu filho também... — Soluço a abraçando.
— Eu amo Nicolas, estou feliz por Lucca, acredite em mim, Vic.
Mas... eu fiz tantas coisas ruins, e eu impedi que meu filho tivesse
uma família normal, como Victor tem com Melinda, Ava tem com
Gabriel... eu não posso ir ao casamento, mas estou feliz, do fundo
do meu coração. Lucca merece Paula, Paula merece Lucca. Eu não
consigo esquecer o passado, e temo que nunca vá conseguir.
Sempre serei assombrada pelos meus erros. E eu nunca pedi
perdão a você por ter feito tão mal a ele.
— Não tem que me pedir perdão.
— Mas eu peço, Victória. Como mãe, sabendo a dimensão
do sentimento de uma mãe, eu te peço que me perdoe por todo mal
que eu fiz ao seu filho. Me perdoe, Vic.
— Eu perdoo você do fundo do meu coração, Dandara —
ela diz, me abraçando mais forte.
— Você é capaz de entender o meu choro? É capaz de
entender o motivo da minha dor agora? — pergunto, precisando que
alguém nesse mundo seja capaz de dizer que me compreende.
— Perfeitamente. Não está chorando porque não quer que
ele se casa ou porque o queria para ser seu. Está chorando pela
família que acabou deixando de seguir o modelo tradicional mais
bem aceito pela sociedade. Está chorando porque está com medo
de que Samuel vá sentir. — Ela me entende perfeitamente. É isso.
— Você acha que meu filho vai me odiar por ter destruído
tudo? Acha que ele vai sofrer vendo o pai se casando?
— Ele nunca vai odiá-lo. Samuel é a criança mais fantástica
que eu conheço Dandara, ele só tem amor naquele coraçãozinho.
Não acho que ele vá sofrer. Ele gosta muito de Paula, ama o pai
com todas as forças, ele ficará feliz.
— Eu não tive tempo de preparar meu filho, de ter uma
conversa com ele e dizer que o papai dele vai se casar. Esperava
fazer isso durante a semana, mas... fui pega de surpresa.
— Amanhã de manhã, com a mente mais relaxada, saia
para fazer um passeio com ele e converse, explique, peça a Nicolas
para explicar também. Acho que vocês dois conversando aqui,
Lucca e Paula conversando com ele lá, tudo ficará bem. Vocês são
sim uma família. Samuel é um privilegiado por ter uma madrasta
incrível, um padrasto incrível, pais incríveis. Ele vai compreender,
Dandara. Confie.
— Farei isso. Obrigada por me abraçar.
— Se precisar de uma mãe, estou aqui, meu amor — ela
diz, fazendo um carinho em meus cabelos. — Por que está tão
fragilizada? Nunca a vi assim.
— Estou grávida. — Assumir isso em voz alta é uma
surpresa para mim mesma. Eu nunca disse essas palavras antes,
nem mesmo quando estava grávida de Samuel. Eu estou grávida.
Meu Deus! Eu estou grávida!
DANDARA
— Você está grávida? — Victória está boquiaberta. — Oh
meu Deus!
— Descobri hoje cedo.
— Você não queria? Não está feliz? — pergunta, com o
receio aparente em sua voz.
Eu não sei dizer como me sinto. Ter Samuel avivou em mim
um lado maternal, sinto vontade de ter mais filhos, sonho com uma
menininha. Não é o momento para chorar o leite derramado,
principalmente porque não fomos cuidadosos, mas... eu não sei...
— Eu queria e estou feliz, mas não foi planejado. Nicolas é
muito jovem, Vic, não faço ideia de como ele irá reagir a isso. — Ela
suspira com o meu desabafo.
— Dandara, quando eu era mais jovem, tinha a péssima
mania de sofrer antecipadamente, sabe de uma coisa? Isso não nos
leva a lugar algum, muito pelo contrário, sofrer antecipadamente nos
amarra, nos prende, nos impede de enxergar as coisas por um
ponto de vista mais positivo. Porque que ao invés de pensar no fato
de que Nicolas é jovem, você não pensa que hoje você é muito mais
experiente e preparada para lidar com um bebê? Você tem tudo,
Dandara, não há motivo para temer. Acredito que Nicolas vá gostar
da novidade, mas suponhamos que ele não goste... ok, essa é uma
perspectiva muito cruel, mas não precisa da aprovação de ninguém,
tão pouco da ajuda. Eu sei que você sabe muito bem se virar
sozinha, prova disso é o meu neto. Não concordo com o que fez,
não concordo com o que eu fiz no passado, mas nosso dom
maternal é algo que ninguém pode colocar à prova. Criei Isis
durante 7 anos sozinha, mesmo em meio a um mar de dificuldades
e sendo extremamente jovem. Você criou Samuel durante dois
anos, sozinha. Escolhemos isso. Eu fui capaz, você foi capaz, nós
somos capazes. É claro que é muito melhor criar um filho ao lado do
pai. A diferença é gigantesca, Dandara. Porém, se nada der certo,
você precisa saber que é capaz, não somos o sexo frágil, meu
amor.
— É só... sabe quando você encontra alguém que muda
tudo e sente um tremendo medo de perdê-lo e voltar a ser vazia? É
apenas isso. Sei que possuo um potencial gigantesco como mãe e
que atualmente sou muito mais preparada psicologicamente do que
era quando engravidei de Samuel, mas...
— Mas você não quer perder Nicolas. Não vai, Dandara. É
só um bebê. Bebês só trazem alegria. Nicolas vai gostar de saber,
precisa confiar. Agora, tome um banho relaxante, se arrume linda e
vá se divertir com as meninas. Paula não estará na despedida de
solteira, mas a festa continua, ok? Não transforme algo tão lindo
como uma gravidez em um problema. Sempre mantenha em sua
mente que se nada der certo, tudo bem — ela aconselha. — Você
pode sofrer, mas nenhuma dor é eterna, querida. Talvez até seja,
mas aprendemos a conviver, sobreviver e viver.
— Obrigada, Vic!
— Fique bem!
Quando Vic se vai, eu tento retomar a compostura. Eu não
deveria ter descoberto sobre a gravidez agora, deveria ter adiado
essa descoberta para depois desse final de semana. Isso está
mexendo comigo, abalou meu emocional, e não estou me
reconhecendo. Quando fui uma mulher tão fragilizada e tão
passional? Victória está certa sobre não precisarmos de qualquer
pessoa, mas tudo em mim precisa de Nicolas e eu não estou
disposta a deixá-lo ir.
Que viagem! Talvez ele nem queira ir! É a minha maldita
mente fodida pregando peças!
Não há nada que um bom banho não amenize, e eu me
sinto bem após ter um tempo sob o chuveiro.
Me arrumo e desço para encontrar com todas as meninas já
prontas. Não demoramos muito para ir até a famosa boate. Isis,
Maria Flor e Melissa parecem ter passado o dia bebendo, pois as
três estão alcoolizadas o bastante. Provavelmente hoje serei a única
careta, porque nem mesmo estou muito animada.
Faz muitos anos desde que estive em uma boate. Quer
dizer, estive em uma com Nicolas, mas era de um estilo bastante
diferente dessa aqui. Aqui é tudo mais escuro, e a escuridão não é
muito bem-vinda agora.
Logo de cara, Melissa e Maria Flor encontram um pole
dance e resolvem sensualizar. Isis logo se junta a elas e Ava
começa a protestar:
— Esses demônios darão trabalho esta noite! Custava
deixar para beber apenas aqui? Estou rezando para que Joseph
Vincenzo surja e atole um rojão no cu de Maria Flor!
— Bruce e Arthurzinho são infinitamente mais maleáveis
que Joseph — comento sorrindo.
— Bruce nem tanto, mas Arthurzinho... Melissa o enrola com
muita facilidade — Luma diz. — Ela começa com aquela coisa de
real oficial, meu sonho de princesa, tutuzinho, ele logo se joga no
chão e a deixa tripudiar em cima dele. Nicolas é mais estilo Tudão
ou Arthurzinho?
— Ainda estou o conhecendo. — Puta merda! Estou grávida
dele e nem o conheço completamente. — Mas não acho que ele
seja estilo Arthurzinho. Acho que ele está mais para Joseph, embora
seja um homem muito amoroso. Ele tem um pouco de algumas
características que possuo.
— Isso é interessante. — Ava sorri.
— Acho que sim. Bom, vou pegar uma bebida. — Oculto o
fato de que é uma bebida sem álcool. — Por favor, um coquetel sem
álcool — peço ao barman e, enquanto espero, observo o ambiente.
Noite das mulheres. Tirando os barman’s, o DJ e os seguranças, só
há mulheres nesse local, mas isso logo muda. Arregalo os olhos
quando vejo homens sarados surgindo no palco para dançar. Dois
deles vão diretamente ao pole dance onde as três mosqueteiras
estão dançando como loucas. Minha pouca experiência com os
Albuquerque’s me diz que essa noite não será tão calma como está
sendo e que Maria Flor, Isis e Melissa estão fodidas.
Fico encostada no balcão do bar só vendo todas as cenas
desembolarem. Os homens ousam se aproximando das mulheres e
eu quero rir da cara de Ava. Bom, testar nossos homens pareceu
legal, mas na prática parece que a situação muda. Ava está
desconfortável, Luma também. As três mosqueteiras só estão leves
porque estão embriagadas.
— Por que não está bebendo? — Larissa surge
perguntando. Meu Deus, eu não consigo ir com a cara dela!
— Até onde sei isso aqui é uma bebida — respondo,
mostrando meu coquetel.
— Você não é uma boa atriz — diz, virando uma dose de
tequila.
— Por que eu iria querer ser uma atriz?
— Para disfarçar a dor e o sofrimento por ter perdido Lucca.
— Ela sorri. — Deveria ter o mínimo de senso, Dandara. Foi ridículo
chorar assim que soube do casamento surpresa. O que você pensa
da vida?
— Eu quem deveria fazer essa pergunta. O que você pensa
da vida? — pergunto a ela. — Não faço parte de qualquer escola
para atores, tão pouco atuo. Sou uma juíza e as minhas ações só
dizem respeito a mim — aviso. — Não vou perder meu tempo
argumentando com você sobre o motivo pelo qual eu chorei. Não
faz ideia do motivo, não fará e o que eu faço ou deixei de fazer não
é da sua maldita conta. Quem você pensa que é?
— Sou amiga da mulher que vai se casar com seu ex
amanhã e não vou permitir que atrapalhe.
— Você deve estar brincando com a minha cara. Acha que
eu quero atrapalhar a felicidade de Lucca e de Paula?
— Eu deveria ter filmado a sua reação assim que Victória
comunicou sobre o casamento. Foi ridículo, nem mesmo conseguiu
disfarçar a dor. Acabou com a diversão se ainda não percebeu.
Essa era para ser uma noite divertida, mas, por sua causa, as
pessoas estão preocupadas com o seu bem-estar — rebate, e eu
começo a rir, sentindo a adrenalina começar a fazer efeito.
— Não estou vendo ninguém aqui preocupada comigo.
Aliás, estou. Você. Mas posso te dar um conselho? Não deveria
brincar comigo, Larissa. Você não me conhece, portanto não faz
ideia do que sou capaz de fazer com quem defeca palavras sobre
mim. Eu fui gentil até hoje cedo, mesmo te achando uma vadia que
não pode ver macho e que morre de inveja da Paula e de todas as
demais integrantes da turma. É isso que penso de você. Está com
inveja porque Paula vai se casar com um homem fantástico, está
com inveja porque todas ali são casadas com homens
extremamente bem-sucedidos, lindos, ricos. Enquanto você...
coitadinha... precisa se contentar com as migalhas que Enzo te dá.
Ele só a usa para o sexo, tanto que ontem nenhum homem foi pago
para se aproximar de você. Acha mesmo que Enzo vai levá-la a
sério? — pergunto sorrindo. — Ele não se importa. Nem se você
esforçar mais irá conseguir um partido desse porte, meu amor.
Desde que a conheci tudo o que faz é usar a frase "com todo
respeito" para tecer elogios a homens comprometidos. No fundo,
não sou eu quem quero atrapalhar Lucca e Paula. Deve ser terrível
ser consumida pelo bichinho da inveja, não é mesmo? Esse seu
"com todo respeito" não me convence, querida. Brincou com a
pessoa errada. — Os olhos dela estão repletos de lágrimas, mas,
ainda assim, vejo um sorriso crescer em seu rosto.
— Acho que Nicolas vai gostar de saber sobre algumas
coisas — diz, esticando o braço e logo Nicolas está diante de nós.
— Nicolas, você é um garoto tão jovem que nem mesmo percebe
que está sendo feito de idiota por essa mulher. — Nicolas me
encara e volta a olhar para ela. Estou rindo porque irei matá-la. —
Acho que você vai gostar de saber que sua namorada foi aos
prantos assim que Victória anunciou que Lucca vai se casar
amanhã. Deve ser horrível namorar com uma mulher que ama outro
homem e chora por ele. Como se sente sabendo que está sendo
enganado e que ela ainda ama o ex?
— Você tem algum tipo de problema? — pergunto, jogando
a bebida em meu copo diretamente na cara dela. Nicolas tenta me
segurar, mas eu agarro os cabelos dela. — O que pensa que está
fazendo?
— Me solta! — a filha da mãe grita, e minha mão estala em
seu rosto. Ela começa a chorar e eu passo a enxergar vermelho.
— O que está acontecendo? — a voz de Enzo surge, e ele
tenta me afastar de Larissa. — Solte ela, Dandara. Seja o que for,
vamos resolver de uma maneira mais prudente.
— Você deveria tirar a sua namoradinha daqui se não quiser
que eu a jogue no mar — digo, soltando-a e empurrando-a longe.
Busco Nicolas com o olhar e o vejo saindo da boate. Eu me
apresso e caminho decidida rumo a saída.
— Nicolas! — o chamo quando o encontro andando pela
rua. Ele para de andar, mas parece nervoso o bastante. O alcanço e
o faço me encarar. — Você não acreditou naquela merda, não é
mesmo?
— Não sei o que pensar. Você parecia triste essa tarde, fez
todo um esforço para uma despedida de solteira da Paula, esteve
em torno deles... eu não sei o que pensar. Preciso de um tempo.
— Eu chorei, mas não foi pelo motivo que ela disse. Há
Samuel, eu... eu me sinto culpada ainda e fui pega de surpresa.
— Você sabia que eles vão se casar, Dandara. Não foi pega
de surpresa.
— Eles iriam se casar semana que vem. Eu teria uma
semana para preparar meu filho para o casamento. Ele é criança,
tem sentimentos, precisa de explicações. Agora eu terei que fazer
isso amanhã, horas antes do casamento. Eu nem sei como fazer
isso, nem sei como explicar. Foram muitos acontecimentos.
— Sabe qual é o problema, Dandara? Você se importa muito
mais do que Samuel. O garoto está feliz, está sempre com o pai,
ama Paula, ama você, tem uma família excelente como base. É
você quem se importa, é você quem coloca a culpa pelo passado
acima de tudo. Você afirma que virou a página, mas é mentira.
Sempre que pode se pega revivendo a merda do passado e, me
desculpe, mas estou de saco cheio do seu passado. Enquanto você
não virar a página, não teremos um futuro. Não percebe isso?
— Eu não estou entendendo aonde quer chegar.
— Não? Então eu serei mais claro. Eu te amo, Dandara. Eu
te amo muito mesmo, amo seu filho, sou um maldito viciado em
você, mas o seu passado está sempre entre nós e eu não quero
isso. Você se livrou dos segredos, mas não se livrou do passado.
Enquanto não fizer isso, não vamos funcionar. Estou te dando um
tempo a partir de agora.
— Um tempo? — pergunto incrédula, sentindo as lágrimas
correrem livremente pelo meu rosto. — Você está terminando
comigo?
— Não. Estou te dando a oportunidade de enterrar seu
passado. — Balanço a cabeça em compreensão, rindo e chorando.
— Ok. Eu farei isso — aviso. — Bom, já que estamos
falando do passado, então você deve saber que errei com Lucca,
não é mesmo?
— Sim.
— Eu não vou errar com você — informo. — Vou deixá-lo ir,
Nicolas, mas, antes disso, merece saber que eu estou grávida de
um filho seu. — O vejo engolir a seco e limpo meu rosto.
— O quê?
— Estou grávida. Você será pai — informo. — Não vou
correr atrás de você dessa vez. — Saio andando e entro no primeiro
táxi que encontro.

MANHÃ SEGUINTE
— Filho, pode vir aqui um pouco? — chamo Samuel, após
ficar um longo tempo treinando na frente do espelho. Não posso
chorar, não posso demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade. Preciso
sorrir, ser feliz, mostrar ao meu filho que a algo lindo prestes a
acontecer.
O pego em meus braços e subo para o quarto.
— Mamãe, você é linda, hein? — Isso me faz sorrir de
verdade. Ele está mudando a forma de dizer, ficando muito
"Luccanizado".
O coloco sentado na cama e me sento no chão, para ficar
da sua altura.
— Você que é muito lindo, hein?! Bom, precisamos ter uma
conversa de homem para mulher. — Ele sorri e bate os pés para
fora da cama. — A tia Paula é muito legal, não é mesmo?
— Muito legalll! Ela é mãe do Henrico, meu irmão.
— É isso! Henrico é seu irmão — digo orgulhosa. — Bom, e
você sabe que o papai e a mamãe são muito amigos, não sabe?
— Sim, mamãe.
— Isso é legal, não é mesmo? Você tem uma família
grandona, repleta de pessoas incríveis.
— Théo é bagunceiro.
— Théo é — concordo rindo. — Bom, filho, hoje vai haver
um casamento. Você nunca foi em um, não é mesmo?
— Nunca, mas a vovó me mostrou fotos outro dia.
— Sim. O papai Lucca e a tia Paula vão se casar. Isso não é
maravilhoso?
— Uaaauuu!
— É muito uauuuu mesmo! Eles vão se casar, você terá
irmãozinhos, em breve haverá um monte de crianças bagunceiras e
você será o irmão mais velho! — Ele parece animado, graças a
Deus!
— Eu vou mandar?
— Mandar é um pouco feio, não acha? Você vai comandar a
turma toda, será o responsável. — Ele sorri, salta da cama e cai
direto em meus braços. Eu ganho tantos beijos no rosto que chego
a ficar tonta. — Você está feliz, filho?
— Muito feliz, mamãe.
— Então a mamãe está feliz também — digo, abraçando-o.
— A mamãe terá que ir para casa, então obedeça seus avós, dê
infinitos beijos no papai e na tia Paula, e não esqueça de dizer que
você os ama muitão do tamanho do universo inteiro. É o seu
presente de casamento, combinado?
— Combinado, mamãe.
— Eu te amo e tenho muito orgulho do garoto incrível que
é.
— Eu te amo, mamãe. Amo o tio Nico.
— Tio Nico te ama muito grande também. — Sorrio,
sentindo meu coração rasgar o peito. — Agora vá e comporte-se
como um principezinho.
Ele obedece aos meus comandos e sai festejando a notícia.
Isso significa que a minha missão nesse lugar foi
devidamente cumprida.
DANDARA
Embora eu não tenha ido ao casamento, fiz questão de
enviar flores e uma carta à Lucca e Paula. Eu não conseguiria ir
sem Nicolas e fingir uma plenitude que não sou capaz agora. Estou
magoada, emotiva, levemente despedaçada e isso faria com que
pessoas como a tal Larissa tivessem uma imagem errada sobre o
meu comportamento.
O que essa vadia não entende é que é extremamente difícil
ter que lidar com o medo das reações e dos sentimentos de um
filho, principalmente quando se é a principal culpada pela situação
ser como é. Pensar que as minhas escolhas do passado podem
causar sofrimento ao meu filho, me abala extremamente. Uma mãe
que se preze não quer fazer o filho sofrer, tão pouco quer que o
passado respingue nele. Não ajuda o fato de que meus hormônios
estão em ebulição, que há centenas de medos em mim.
Porém, nesse exato momento, estou disposta a reencontrar
a Dandara que tem estado apagada e se mantido em uma plenitude
que não possuo. Minha mudança foi muito radical, desde que venho
me fodendo, decidir que é mais seguro resgatar alguns velhos
hábitos.
Nicolas foi correto em algumas colocações, sou mulher para
assumir isso. Realmente abri sobre os meus erros, mas o passado
ainda é algo que me assombra, algo com o que me torturo sempre
que possível. Mas, isso não apaga o fato de que ele pecou ao
simplesmente me dar as costas e sair da boate. Eu fui atrás dele,
ele jogou verdades sobre mim, porém, enquanto ele fazia aquilo, eu
me dei conta de que o tempo todo eu sempre corri atrás dele. Fiquei
tão apaixonada, que abri todas as minhas verdades e passei a me
esforçar para ser uma melhor versão. Ele me deixou naquela boate
no meio de uma briga onde, embora não tenha ocorrido, eu poderia
até mesmo ser ferida. O mínimo que ele deveria fazer era ao menos
separar a situação, me tirar de lá, independente de ir embora
depois. Éramos um casal, não ficantes que se envolviam
ocasionalmente. Entendo que não posso cobrar maturidade cem por
cento do tempo, afinal ele é bastante jovem e é até muito maduro
para a idade; logo, ele tem o direito de agir de acordo com a idade
que possui. Porém, se eu não posso cobrar, posso ensiná-lo. É na
dor que adquirimos maior sabedoria e eu espero que ele aprenda.
Pode ser que eu esteja errada, talvez ele nem se importe
com o afastamento, não sei dizer, mas estou fazendo o que acho
certo, mesmo sabendo que está doendo em mim também. Não se
lidar com as situações fugindo. Eu aprendi isso após inúmeras fugas
que resultaram em algo bastante ruim. Devemos enfrentar sempre,
fugir nunca deve ser uma opção. Ele deveria ter ficado, deveria ter
perguntado o que de fato aconteceu, ouvido a minha versão ao
invés de ser influenciado pelas palavras de uma pessoa que ele
nem mesmo conhece. Poderíamos até mesmo brigar. Qualquer
merda seria mais interessante do que ele virar as costas sem me
dar uma oportunidade de argumentar.
É incrível a capacidade que as pessoas têm de ouvir um
único lado da história e julgar uma outra pessoa sem nem mesmo
procurar saber a versão dela. Uma vez li uma frase que diz que
todas as histórias têm 3 lados, o seu, o dos outros e a verdade.
Essa é uma das maiores lições que aprendi ao longo dos anos. Para
pessoas pequenas, é mais fácil acreditar no primeiro lado que
escuta, o lado que mais faz barulho. Deve dar uma preguiça do
caralho ir em busca de ouvir a opinião do outro envolvido.
Vá para a merda!
Cansei de bancar a fada sensata, cansei de tudo agora.
Estou no auge da revolta, de verdade. Nada parece suficiente. Se
dou o meu pior, me fodo. Se dou o meu melhor, me fodo também.
Que porra? Não dá para ter um meio termo nesse caralho?
De qualquer forma, é segunda-feira e eu acabo de acordar
mais azeda que o normal. Me visto da melhor forma que consigo,
como uma fruta e sigo para o fórum. Não há bom dia para qualquer
pessoa enquanto ando pelo corredor rumo ao meu gabinete.
— Meritíssima, posso ajudá-la em algo?
— Quero um café expresso duplo e Nicolas Magalhães na
minha sala em 5 minutos — ordeno, e a secretária sai correndo para
realizar o que solicitei. Mas, olha que incrível! Ela tem menos um
trabalho, porque assim que abro a porta me deparo com Nicolas
sentado diante da minha mesa.
— Precisamos conversar.
— Não, nós não precisamos conversar. Aqui eu sou a juíza
e você é apenas um estagiário. Deixe nossos dramas pessoais para
o fim do expediente. Há cerca de 7 intimações para serem
devidamente impressas e repassadas ao Bryan, oficial de justiça.
Antes de entregar a ele, precisa trazer a mim para que eu as assine.
Em breve teremos um julgamento de um crime culposo. Quem irá
julgar esse crime, Nicolas?
— Você.
— Perfeito. Porém, também tem um crime doloso de
assassinato. Quem irá julgar esse crime?
— Um júri popular — responde.
— Exatamente. E como faremos para escolher os jurados?
— Para garantir a imparcialidade na seleção, essa escolha é
feita por representantes do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados e da Defensoria Pública.
— Falta algo.
— São 25 pessoas escolhidas. Esses 25 nomes são
depositados em uma urna e sete deles são aleatoriamente
selecionados pelo juiz em frente do advogado de defesa e do
promotor. Tanto a defesa quanto a acusação podem rejeitar até três
desses nomes, havendo sorteio de substituição, até que sejam
definidos os sete jurados finais. Esses sete indivíduos comporão o
conselho de sentença.
— Ótimo. É o júri popular que irá determinar se o réu é
culpado ou não. E quem dará a sentença final? — pergunto.
— Você.
— Exatamente. Eu darei a sentença final, visto que envolve
um cálculo mais técnico para dosar a pena do condenado, onde
terei que levar em consideração todas as questões específicas do
caso. Entendeu?
— Sim?
— É uma pergunta ou uma afirmação?
— Afirmação.
— Seja mais firme então. Está aqui porque quer se tornar
um juiz. Precisa ser firme em suas palavras, respostas e decisões,
não pode haver dúvidas, Nicolas. Há muitas coisas em jogo nas
mãos de um juiz. Precisa ter presença, postura, mãos firmes, voz
ativa, sabedoria, entre outras coisas. Agora, por gentileza, faça o
que solicitei. No seu e-mail tem tudo o que precisa ser feito. Quero
que todas as intimações sejam executadas hoje.
— Por favor, eu preciso mesmo conversar com você. Sei
que está magoada, mas... você está mesmo grávida? Por favor,
preciso saber, não durmo desde sábado.
— Agora me dê licença porque há muito trabalho
acumulado. Há algumas petições esperando por mim. — Sorrio,
abrindo a porta para que ele possa sair.
Contra a vontade, ele fica de pé e se vai.
Não demora muito para que ele volte com as benditas
intimações. Eu simplesmente as pego de suas mãos, as assino e
volto a entregá-lo.
— Ouça...
— Ouça você, eu preciso que sejam executadas hoje,
Nicolas. Acho que fui clara antes.
— Não é porque está brava que vai me diminuir.
— Não quero te diminuir. Minutos atrás te dei dicas
preciosas que jamais dei a qualquer pessoa. Você está aqui porque
quer aprender, Nicolas. Estou te dando isso sem que seja
necessário misturar a vida pessoal. É necessário saber treinar isso,
saber separar o pessoal do profissional. Não reclame. Costumava
lidar de uma maneira muito menos educada com as demais
pessoas, considere-se tendo um tratamento VIP, diferenciado.
Talvez seja interessante ter um caderno para anotar todas as dicas.
— Tenho uma boa memória.
— Espero que tenha — informo.
— Você está grávida? Apenas diga sim ou não.
— Eu não inventaria algo desse porte, Nicolas. Se eu disse
que estou grávida, é porque de fato estou. — Ele parece não
acreditar ainda e eu entendo que é um assunto delicado para
alguém tão jovem. — Por favor, deixe isso para depois, ok?
Quando ele sai da minha sala, eu respiro fundo e decido
mergulhar de cabeça no trabalho.
No final da tarde, entro no consultório de doutora Rovena
parecendo um furacão. A coitada até cai sentada na cadeira.
— Meu Deus do céu! — exclama, levando a mão ao peito.
— Qual o drama da vez?
— Estou grávida, terminei com Nicolas, Lucca se casou. Ok,
Lucca se casar tudo bem, Samuel foi super compreensível, mas
houve a despedida de solteira da Paula e foi lá que descobri a
gravidez e me desentendi com Nicolas.
— Por que se desentendeu com Nicolas?
— Eu havia acabado de descobrir a gravidez, então
descubro sobre o casamento surpresa do Lucca. Eu já estava uma
bagunça emocional e acabei chorando, porque em minha mente eu
ainda teria uma semana para trabalhar esse casamento na
cabecinha de Samuel. Como fui pega de surpresa, simplesmente a
notícia bateu muito forte e eu comecei a chorar. Uma imbecil
entendeu que eu estava chorando por Lucca, por amá-lo, e foi me
provocar na boate, então jogou esse assunto sobre Nicolas. Ele agiu
como um garoto de 21 anos...
— Ele tem 21 anos.
— Sim, mas ele nunca age como um garoto de 21 anos,
enfim... me deixou sozinha na boate, no meio de uma briga. Ao
invés de contar sobre a gravidez a ele de uma maneira mais bonita,
gritei no meio da rua, cansada de ter que ficar lutando batalhas.
— Eu errei. — Nicolas surge do nada e se senta ao meu
lado. — Ok, agi sim como a porra de um garoto de 21 anos, mas há
muitas coisas por trás da minha ação.
— Olha... que merda! — doutora Rovena diz atordoada.
— Ter entrado nessa onda de despedida de solteiro foi um
erro. Estive num ambiente onde um homem é ex da minha mulher, e
outros dois são apaixonados por ela. Eu era o único abaixo dos 30
anos de idade, que ainda não construiu nada na vida, um mero
estudante de direito. Enquanto os dois homens interessados na
minha mulher são maduros, tem suas profissões estabelecidas, são
maduros, donos de si. Um é sei lá o que da polícia federal, o outro é
médico e dono de um clube de sexo. Enzo, o da polícia federal,
dormiu com Dandara.
— Eu não dormi com Enzo. Eu trepei com Enzo. Há uma
diferença enorme nisso.
— Misericórdia, Dandara.
— É a verdade, doutora Rovena. Quer que eu volte a
mentir? Eu transei com Enzo, uma só vez, ou duas. Eu nem sei, foi
coisa de momento, insignificante o bastante para nem mesmo
repetir — explico a ela, e olho para Nicolas. — Eu apenas transei
com Enzo, ele nunca foi um risco para você. Humberto seria mais,
ele é um cara incrível, mas, ainda assim, eu não me envolvi com ele
e ele não seria um maldito risco.
— Eu e Enzo brigamos na lancha. Já estava de saco cheio
de todas as piadinhas que ele estava fazendo sobre você. Fui
infantil, mas acha que é fácil ter um relacionamento com uma
mulher do seu porte? Acha que não pesa no meu psicológico? Você
é muito para mim, mas sou um filho da puta egoísta e não suporto a
ideia de qualquer outro homem ter a mulher que eu amo. Vendo
todos aqueles homens bem-sucedidos reunidos, eu me senti inferior,
como um peixinho pequeno em um mar de tubarões. Tanto eu
quanto você já não estávamos no nosso melhor momento no
passeio de sábado à tarde, para piorar, errei ao te deixar naquela
merda de boate no meio de uma discussão, mas eu não estava em
uma boa situação. Piorou quando aquela mulher veio dizer que
esteve chorando por conta de Lucca.
— Se confiasse o mínimo no que sinto por você, não teria
ao menos cogitado a ideia de eu estar chorando por Lucca. Eu abri
a minha vida para você, eu digo que te amo o tempo inteiro, não
apenas isso; eu mostro que te amo, Nicolas.
— Estou assumindo meu erro, Dandara. Eu errei. Nem
mesmo deveria ter dito tudo o que disse no meio da rua, como um
adolescente consumido pela raiva e pelo medo. Não tenho como
voltar lá e mudar as minhas ações, já foram feitas. Preciso saber do
meu filho ou filha.
— A única coisa que sei é que fiz um teste de farmácia e
deu positivo. Farei exame de sangue amanhã e em seguida
marcarei uma consulta, caso venha a se confirmar. Satisfeito?
— Não estou satisfeito. Você poderia ter guardado essa
informação para me dizer num momento mais oportuno. Você gritou
a notícia no meio de uma discussão e foi embora.
— Faria tudo novamente — digo a ele. — Ao contrário de
você, não estou arrependida, mas como tudo na vida há um lado
bom no acontecimento. Você me fez pensar em algo, ainda sou
muito carregada pelo meu passado, me livrei dos segredos, das
mentiras, mas não me perdoei, não consegui superar. Enquanto eu
não fizer isso, não poderemos ter um futuro. — Pego a minha bolsa
e fico de pé, pronta para ir embora.
— Você está grávida de um filho meu.
— Estou. Seremos pais, mas isso não muda nada.
— Muda tudo, Dandara.
— Não muda. Acha que o fato de eu estar grávida encobre
os problemas que estamos tendo? Não encobre. Estou grávida e
seguimos com problemas. Uma coisa não está para a outra.
Enquanto eu não superar o passado, nada vai mudar. Suas palavras
nunca fizeram tanto sentido, garoto de açúcar. — Dou um sorriso
fraco e o deixo com doutora Rovena.
DANDARA
Após uma noite mal dormida, acordo e me arrumo para o
trabalho. Me sinto péssima por dizer isso, mas, felizmente, Samuel
ainda está em Búzios com os avós. Odeio ficar triste na presença do
meu filho, até ele voltar, certamente estarei ao menos um pouco
animada. Talvez ele tenha que ficar um pouco mais com os avós. Se
preciso resolver o meu passado, me livrar de todas as coisas que
mantém paralisada, preciso enfrentar os meus pais ao menos uma
última vez na vida e não estou disposta a enfiar meu filho nesse rolo
louco. Creio que enquanto eu não desabafar, não jogar todas as
minhas dores para fora, não conseguirei ser feliz ou seguir em
frente, por isso, acho que a melhor opção é enfrentar tudo de uma
vez por todas e colocar um ponto final.
Há tantos problemas que eu estava apenas deixando de
lado. Ainda tenho que lidar com Lívia, a promotora que irei colocar
em seu devido lugar. Talvez eu a faça perder o poder de exercer a
profissão, quem sabe? Irei descobrir cada um dos podres que
aquela mulher esconde, ou não me chamo Dandara Farai.
Eu tentei manter meu lado ruim escondido. Acredite, todas
as pessoas possuem um lado bom e um lado ruim. Durante muitos
anos sabemos que meu lado ruim esteve em evidência, o deixei
comandar a minha vida e as minhas ações. Doutora Rovena diz que
isso tem ligação direta com o meu passado e que preciso superar
de alguma forma. Depois de todo o mal que fiz à Lucca, ao meu
filho, e quando vi que esse lado afastaria Nicolas de mim, eu passei
por uma mudança um tanto quanto radical, onde deixei meu lado
ruim tirar férias e meu lado bom passou a exercer domínio sobre
mim. Acontece que deixar o lado bonzinho ficar de frente da minha
vida tem suas desvantagens, e eu descobri que de um jeito ou de
outro não estamos imunes à dor e ao sofrimento.
Fazendo uma análise fria da minha atual situação, cheguei à
conclusão que preciso de um equilíbrio entre os dois lados. Eu acho
que posso e devo fazer isso. Nem fria, nem quente, morna no
mínimo. Bondade e blush devem ser usados na medida certa ou
acabamos virando palhaços. Embora respeite bastante, não tenho
vocação para atividades circenses.
Pensar de maneira determinada e prática faz meu humor
melhor ao menos um pouco. Eu preciso retomar a rédea da minha
própria vida e aprender a contar os sentimentos, farei isso, custe o
que custar.
Quando chego no fórum, sigo diretamente para a minha
sala. Ao abrir a porta a primeira pessoa que encontro é Nicolas, já
me aguardando. Ele fica de pé ao me ver e não parece nada bem.
Suspiro, coloco minha bolsa sobre a mesa e me acomodo em minha
cadeira.
— Já animado para o trabalho? — pergunto, cruzando
minhas mãos sobre a mesa.
— Por favor, não faça isso comigo. Nós vamos ter um bebê
e você simplesmente ignorou todas as minhas ligações. Eu sei que
estava em casa à noite, por que não me atendeu?
— Eu já disse que aqui não é local.
— Nós já tivemos inúmeros debates pessoais aqui. Você
invadiu o fórum vestindo um robe, Dandara — argumenta.
— Você está tão desesperado que sua mente não está
permitindo um raciocínio lógico, então terei paciência e irei explicar.
Não é mais como antes, quando eu invadi o fórum usando um robe,
você não trabalhava diretamente comigo. Agora você trabalha
Nicolas, você sabe que odeia burburinhos sobre nós, que isso te
incomoda, que incomoda que as pessoas pensem que está sendo
privilegiado no trabalho por conta da nossa relação pessoal. Tudo
muda quando passamos a trabalhar diretamente um com o outro, é
diferente agora. Se quer que as pessoas mantenham nos
respeitando, precisa ser profissional. Eu não me importo com o que
dizem, mas sei que isso afeta você.
— Não tenho a menor condição de trabalhar — confessa se
sentando. — Por favor, cacto. Eu só estava confuso no momento da
boate, havia acontecido muitas coisas e... não pode ter sido o
suficiente para eu perder você.
— Ok. É o nosso último debate pessoal aqui, apenas porque
sinto que precisa disso. Vamos lá, você me pediu um tempo —
pontuo. — Só que, naquele momento, eu não imaginava que quem
precisava de um tempo era eu, Nicolas. Depois eu consegui
enxergar as coisas com mais clareza e percebi que era eu sendo
atropelada por um mar de acontecimentos num curto intervalo de
tempo, percebi que era eu jogando os problemas para debaixo do
tapete, tudo porque eu queria apenas viver o amor, viver a felicidade
com você. Não importava mais os problemas ou qualquer outra
coisa, eu queria você, queria transar com você, queria dormir com
você, e isso me bastava. Mas não é assim que a vida deve
caminhar. Empurrar os problemas para debaixo do tapete é a pior
coisa que eu poderia continuar fazendo. Você me disse algumas
verdades aquela noite, disse coisas que me fizeram enxergar alguns
pontos que estavam errados e que precisam ser corrigidos. Farei
isso, por mim, por Samuel, pelo bebê em meu ventre. Quero que
eles sintam orgulho da mãe, quero sentir orgulho de mim. Sinto que
estou em um processo de evolução. Preciso sentir a paz em meu
coração e no momento não sinto. Preciso que respeite isso.
— Sinto muito. Sei que estou agindo conforme a minha
idade e que talvez isso apenas contribua para que se afaste mais de
mim, mas eu nunca tive que lidar com algo assim antes e eu nunca
amei qualquer pessoa como eu amo você, então estou
desesperado, cacto, apenas não sei como agir ou reagir às suas
palavras, porque você é implacável. Saber que está grávida de um
filho meu e que estamos distantes está me matando. Não tive tempo
de raciocinar, de comemorar a notícia, só consigo pensar em como
eu queria que tudo estivesse sendo diferente. Você parece estar
lidando com tudo com uma facilidade e uma frieza imensa. Eu me
sinto tão pequeno agora, tão inferior a você.
— Você não é pequeno, não é inferior, Nicolas. Ao contrário
do que pensa, você tem sido o meu maior incentivador, mesmo que
seja difícil compreender isso agora. Você é responsável por muitas
das mudanças que tive nos últimos meses, aprendo muito com você
diariamente, acho que muito mais do que você aprende comigo. Eu
também queria estar vivendo essa notícia de uma outra maneira
bem diferente dessa. Não estou sendo fria com essa novidade, mas
estou sendo prática porque é o que preciso ser agora. Tudo o que
está acontecendo é a consequência de ter guardado todos os meus
problemas debaixo do tapete. Ele não suportou mais e o "lixo"
vazou. É necessário que eu faça uma limpeza bruta para que tudo
volte a brilhar. E, por mais que eu não tenha te citado por estar
extremamente magoada, eu também quero que sinta orgulho de
mim, afinal eu sou a mãe do seu filho ou filha. Quero pedir
desculpas também pela forma como te tratei ontem no consultório
da doutora Rovena. Eu só queria te machucar, queria que sentisse a
mágoa que eu estava sentindo e por isso disse sobre Enzo. Se quer
saber, o que aconteceu entre ele e eu foi insignificante e em um
momento em que eu me encontrava completava insana, instável
psicologicamente. E, apenas mais uma coisa...
— O quê?
— Eu vou pegar firme com você nesse estágio, Nicolas. Não
quero que pense que minhas ações são para diminuí-lo, mostrar o
meu poder. Não é absolutamente nada disso. Eu só estou te
preparando para ficar no meu lugar.
— Como? — Ele parece tonto diante de todas as
informações. Eu também estou um pouco.
— Foram mais de 13 anos exercendo a profissão. Teremos
um bebê, tem Samuel. Em breve eu pretendo me despedir desse
local e quero que seja você a ficar em meu lugar. Estou o treinando
para ocupar o meu lugar e posso ser muito firme, muito rigorosa
fazendo isso. Quero estar em casa cuidando dos meus filhos
pessoalmente, mas quero que você cumpra o meu legado. Agora,
mais uma dica valiosa, aprenda a deixar os problemas pessoais
para fora desse gabinete, Nicolas. Lidamos com decisões difíceis,
lidamos com vidas, e é extremamente importante deixarmos os
problemas do lado de fora para podermos dar o nosso melhor em
todos os julgamentos. Não podemos nos distrair em processos. Não
quero mais ouvir a frase "não tenho a menor condição de trabalhar".
Quando não estiver com cabeça, fique em casa e ignore o trabalho
até estar pronto para lidar de maneira responsável, sem
interferência de qualquer questão que não diz respeito ao trabalho.
— Não sou capaz hoje. Me desculpe por desapontá-la,
cacto.
— Cacto apenas fora do trabalho. Aqui deve me tratar como
vossa excelência ou meritíssima. — Sorrio, e vejo lágrimas
descerem pelos olhos dele. Dói em mim também, muito. Por mais
que eu tenha aprendido a mascarar sentimentos desde muito jovem,
vê-lo assim me abala de uma maneira diferente. Antes eu não
costumava me importar o bastante com a dor que eu causava nas
pessoas e agora, diretamente no olho do furacão, acabo de
perceber mais uma mudança. A dor de Nicolas me machuca. Me
machuca porque eu o amo de verdade. Só que não posso mais
esconder os problemas e simplesmente mergulhar na intensidade
que ele é novamente. Isso nos causará problemas futuros. É por
isso que mantenho minha postura, mesmo ficando de pé e fazendo
algo que não deveria fazer: — Venha aqui, garoto de açúcar — o
chamo, dando a volta e parando ao lado dele. Com um pouco de
relutância ele fica de pé e, assim que faz, eu o abraço.
Todo meu corpo responde. Até mesmo sinto calafrios
quando ele me abraça de volta.
— Eu não costumava me importar com qualquer pessoa,
Nicolas. O mundo inteiro girava em torno do meu umbigo. Eu
sempre estava acima de todos. Minhas vontades sobressaiam até
mesmo às necessidades e obrigações. Mas eu me importo com
você, por mais que estejamos passando por uma fase complicada,
eu amo você e vê-lo sofrer me dói de uma maneira que não sei
explicar. Sua dor é a minha dor, você me transformou. O que está
acontecendo pode não fazer sentido agora, porém, sei quem em
algum momento no futuro fará. Nos lembraremos disso com um
sorriso no rosto, tendo a compreensão total de que precisávamos
passar por isso para o nosso crescimento e amadurecimento.
Passar por problemas como esse, são considerados os momentos
da vida onde mais conseguimos obter aprendizado. A dor que nos
fere é a mesma que nos ensina, a mesma que nos faz crescer.
Aprenda isso, ok? — digo, me afastando para observar seu rosto
perfeito. Tão lindo, até mesmo quando está completamente sério.
— Não vou perdê-la, nem mesmo vou deixar que saia da
minha vida tão fácil assim. Você precisa saber, meritíssima, que eu
quero você, quero Samuel e quero esse bebê. Nós seremos uma
família e muito em breve você será a minha esposa — promete, e
sai da minha sala como um completo desesperado.
Estou contando os segundos para isso acontecer, Nico.
Contando os segundos...
No horário de almoço eu confirmo a gravidez após fazer um
exame de sangue.

NICOLAS
Hoje, sexta-feira, eu completo 22 anos de idade.
Ao invés de comemorar, estou sentado a um longo tempo de
frente para a piscina. É noite, está um pouco frio, e eu não faço ideia
do que fazer. Em minhas mãos há um copo de uísque e, a cada vez
que bebo um pouco, sinto minha garganta queimar. Muitos
pensamentos agora e eu pareço estar me dando conta de coisas
que eu não tive tempo de absorver quando estava em meio a toda
intensidade do meu relacionamento com Dandara.
Essa sensação de querer algo e saber que não pode ter
agora é um pouco desesperadora. Faz quatro dias desde a
conversa no fórum, quatro dias que não vou ao trabalho porque não
confio em mim para respeitar o momento que ela pediu. É difícil lidar
com o fato de que eu não posso tê-la agora porque ela não quer e
porque eu atropelei uma situação em um momento de pânico.
Nunca lidei com algo assim e não estou gostando dessa
experiência. Posso dizer que é a minha primeira grande desilusão
amorosa e espero que seja a última. Sei que tivemos problemas
antes, mas ela estava ali, disposta, entregue. Agora é totalmente
diferente, Dandara recuou e eu me sinto extremamente culpado por
afastá-la de mim.
É cedo para eu dizer que estou louco de saudades? Só de
pensar na hipótese de viver sem ela e sem Samuel... isso me
devasta. Me apeguei àquele garoto como se ele fosse meu filho,
mesmo sabendo que o pai dele é um dos homens mais fodas que
eu tive o prazer de conhecer. Eu e Samuel nos conectamos desde o
primeiro momento e o inclui em todos os planos da minha vida. E,
para completar, ele será irmão do meu filho ou filha. Dandara está
grávida.
Puta merda! Eu juro que tenho tentado acreditar, mas a ficha
não quer cair. Parece surreal que Dandara esteja grávida de um
filho meu, e, mais surreal ainda é a maneira como me sinto pronto
para ser pai. Não era para eu me sentir assim, mas não consigo
evitar. Talvez o fato de amar crianças esteja contribuindo para que
eu me sinta assim. Agora eu terei uma criança minha, um filho ou
filha, e isso é muito louco.
— Filho, que tal aproveitar esse momento para me contar o
que está acontecendo? — Meu tio surge se sentando em uma
cadeira próxima a mim. — Não tem ido à faculdade, não tem ido ao
fórum, voltou a frequentar a empresa. Como essa situação está se
prolongando, eu resolvi perguntar. O que há de errado? Por que
Dandara não está aqui? Sua mãe disse que ela viajou, mas não
estou acreditando. Conheço você, Nicolas.
— Eu e Dandara não estamos juntos. Tivemos problemas
em Búzios, e...
— E?
— E ela está grávida. Não estamos juntos e ela está grávida
de um filho meu. — Meu tio abre a boca em choque e o
compreendo. Parece mesmo chocante.
— Uow! Eu não estava esperando por uma notícia desse
porte.
— Nem eu, mas aconteceu e eu queria estar dando pulos de
felicidade, tio. É a notícia mais foda da vida de um homem, ao
menos eu penso assim, mas... eu a recebi de uma maneira fodida,
em meio a uma briga e... queria estar vivendo isso com Dandara de
uma maneira saudável, feliz. Ao invés disso estou fodido, inseguro,
receoso e a minha idade agora parece ter um peso diferente porque
sinto que a qualquer momento vai surgir alguém do patamar de
Dandara e eu irei perdê-la por completo... Ela quer um tempo.
— Oh, carinha, há muito negativismo aí, hein? Você está
agindo errado recuando. Não se recua, Nicolas. Problemas se
enfrentam. Se Dandara precisa de um tempo, dê isso a ela,
respeite, mas mantenha a sua presença, garoto. Vocês agora
trabalham juntos, vão ter que conviver e a convivência ajuda, pode
acreditar. Recuar é dar passos para trás, é o mesmo que mostrar
que está satisfeito com a situação e com a decisão dela. Não recue,
marque a sua presença, esteja atento e presente à gravidez.
— Isso eu estarei, tio. É meu filho, eu quero estar presente
em todos os momentos, mas tenho medo dela querer fazer isso
sozinha, porque ela já fez isso uma vez e não estamos bem. E
talvez eu esteja sendo um babaca portando esses medos, mas
estou assustado porque nós, seres humanos, somos idiotas por
natureza e só conseguimos ver a importância que uma pessoa tem
para nós em momentos ruins, quando estamos prestes a perder....
Por que é assim? Porque só conseguimos ter uma dimensão exata
do que uma pessoa significa para nós quando estamos correndo o
risco de perdê-la? — Meu tio sorri. Ele sorri, e eu me pergunto o
motivo.
— Você está passando por isso porque precisa passar. Lá
na frente vai compreender que tudo faz parte de um aprendizado, do
seu crescimento. Vou te dizer uma frase que ouvi um dia: "A vida é
uma grande universidade, mas pouco ensina a quem não sabe ser
um aluno...". Seja um bom aluno, Nicolas. — Ele fica de pé, dá dois
tapinhas no meu ombro e sai andando. — Ei, estou feliz que terei
um netinho ou netinha!
Quanto mais me esforço para entender, mais confuso fico.
Após alguns minutos, uma mão pequena surge em meus
olhos.
— Tio Nico, adivinha quem é? — Meu coração acelera
consideravelmente e me pego sorrindo.
— Eu não faço ideia de quem possa ser. E agora?
— É o Samuel, tio Nico! — diz rindo, e eu fico de pé para
pegá-lo em meus braços.
— Meu companheiro Samuca! Tio Nico estava com
saudades!
— Tio Nico, feliz aniversário.
— Obrigado, companheiro. Ver você é o melhor presente! —
Deixo um beijo em sua bochecha e encontro Dandara no gramado,
vestindo um roupão e carregando uma sacola.
— Me desculpe por aparecer assim. Eu só iria entregar o
presente à sua mãe ou aos seus tios, mas Samuel pulou a porra da
janela do carro e agora estou aqui, na sua casa, vestindo apenas
um roupão. — Eu quero rir, mas não faço. Samuel está dando voltas
na meritíssima, isso é impagável. O coloco no chão e ele sai
correndo rumo ao meu tio, que está parado na porta de vidro da
sala.
— Não há problema algum — digo, e ela suspira se
aproximando.
— Feliz aniversário, Nico — diz, me entregando uma sacola.
Eu a pego e coloco sobre o sofá. — Espero que goste, não fazia
ideia do que te dar.
— Eu ganhei meu presente antecipado, mas não poderei
pegá-lo agora. Terei que esperar alguns meses para fazer isso. Não
precisava se preocupar com outro presente, vossa excelência. Não
vai me dar um abraço? — Ela engole a seco e não diz nada.
É Dandara na versão fria. Isso me machuca. Não gosto
dessa versão, principalmente quando ela vira as costas e sai
apressada.
Esse é o segundo pior aniversário da minha vida.
Pego a sacola de presente e sigo para meu quarto. Vou
direto tomar banho, perder um tempo embaixo da ducha costumava
ser reconfortante, mas agora não é. Minutos depois me acomodo na
minha cama e abro o presente. É um malhete mediano, feito de ouro
— o famoso martelo de juiz — acompanhado de uma gravata preta
e abotoaduras de prata. Há também um pen drive, mas o que mais
atrai a minha atenção é uma carta:
"Li em algum lugar que antes de começarmos um
envolvimento com alguém é preciso se desfazer de algumas
bagagens do passado. Eu ignorei e mergulhei em você. É o que as
pessoas fazem quando encontram o melhor no meio da caminhada;
elas se encantam, se apaixonam e acabam deixando de lado tudo
que o possa atrapalhar ou desperdiçar o tempo que poderia passar
adorando e vivendo as maravilhas que apenas o melhor pode
oferecer. Mas, nenhum passado fica oculto para sempre,
principalmente quando você apenas tentou mantê-lo escondido.
Uma hora ele volta e destrói completamente a chance de uma
relação saudável. Talvez você não seja capaz de compreender,
confesso que muitas das vezes nem eu mesma entendo, mas se
tem algo que entendo bem é que você não merece receber todas as
minhas tralhas afetivas de um passado turbulento e sujo.
Nico, a maturidade nos ensina que às vezes é preciso
reordenar algumas prioridades e trabalhar forte para colocar todas
as coisas em seu devido lugar; fazer uma faxina em nossa vida e
em nosso emocional. Temos a terrível mania de iludir a nós mesmos
em relação às pessoas. Dizemos que amamos o lado feio, os
defeitos, acreditamos que podemos lidar com tudo sem sermos de
fato afetados. Mas, a grande verdade é que não somos imunes a
absolutamente nada disso e que chega um momento que o lado feio
das pessoas nos faz sangrar. Eu não quero vê-lo sangrar, porque...
se lembra o que disse acima sobre encontrar o melhor no meio da
caminhada? Então... o meu melhor encontro é você e é por saber
disso que eu preciso cuidar do meu "melhor" agora, mesmo que
você não compreenda. Estou reordenando as prioridades para que
os nossos filhos não recebam respingos de um passado que ainda
se encontra bastante vivo dentro de mim. E, sabe quem me fez
enxergar isso? Você. As suas palavras em Búzios foram difíceis de
serem ouvidas e compreendidas, mas também foram sábias e
resgatadoras. Elas provavelmente salvaram o nosso futuro como um
casal, mas talvez você não esteja pronto para compreender isso. Eu
sei que é difícil, foi difícil para mim também. Quando pensar que te
abandonei, que não o amo mais, lembre-se que estou cuidando de
você. Estou cuidando de protegê-lo de uma pessoa que ainda
carrega bagagens que não podem ser divididas. Meus espinhos
estão à mostra neste momento, mas em breve florescerei para você
e para a nossa família.
Eu te amo! Com todo o meu amor, cacto!
Ps: Não esqueça de ver o pen drive e não surte. Doutora
Rovena não vai conseguir lidar com mais um paciente maluco."
Com lágrimas nos olhos e o coração sangrando, pego o pen
drive e o encaixo em meu notebook.
Tudo passa a fazer sentido.
"Estou reordenando as prioridades para que os nossos
filhos não recebam respingos de um passado que ainda se encontra
bastante vivo dentro de mim."
Nossos filhos.
Filhos. No plural.
Dandara está grávida de gêmeos!
DANDARA
Estou me preparando para dormir quando o nome do Mário,
investigador, surge na tela do meu celular.
— Meritíssima, boa noite! Espero não tê-la acordado.
— Mário, para estar me ligando uma hora dessa deve ser
algo importante. Não me acordou — digo sentando-me. — A que
devo a honra?
— Eu fiz algumas descobertas, talvez você vá querer olhá-
las. Enviei no seu e-mail pessoal.
— Tudo bem, Mário. Agradeço por isso. Vou olhar e te
respondo no próprio e-mail. — Encerro a ligação e, ao invés de ir
dormir, desço até o meu escritório.
Abro o e-mail de Mário e começo a ler todas as informações.
Há muitos anexos de trocas de e-mails entre... Diógenes e a
promotora Lívia. Diógenes e Lívia... não entendo como faz sentido e
nem mesmo leio todos. O segundo que abro me faz tremer:
"Se você não depositar o dinheiro de Camila, nós teremos
um problema. Tem 24 horas para depositar os R$25.000,00 em
minha conta ou sua esposa meritíssima saberá quem é o homem
com que ela está casada."
DANDARA
Quanto mais e-mails leio, mais enojada me sinto. É como se
eu adoecesse só de ler àquelas palavras. Saio correndo e
felizmente chego a tempo no banheiro. Vomito tudo o que comi no
dia de hoje e meu estômago segue insistindo em colocar algo para
fora. Não há mais nada, de forma que uma dor aguda se forma.
Minha garganta está seca, áspera, dolorida por forçar e eu luto
contra as lágrimas em meus olhos.
Eu nunca imaginei ler algo daquele tipo. Não estava
preparada para lidar com informações daquele porte. Me sinto
doente e a ideia de pedir ajuda a alguém nunca pareceu tão
tentadora. A pior parte é que não cheguei nem na metade dos e-
mails e temo que obtenha informações ainda piores.
Reconhecer que preciso de ajuda nesse momento é
doloroso quando tudo o que quero é enfrentar meu passado
sozinha, mas ser orgulhosa, teimar e enfrentar uma turbulência
desse porte é arrisco, ainda mais estando grávida. Há ameaças
contra a minha vida naqueles e-mails, e já não sei mais do que Lívia
é capaz de fazer por dinheiro. O que ela fez com a própria filha é
doentio, e quem faz isso com alguém que porta o mesmo sangue,
deve ser capaz de fazer o pior com alguém que, sem querer, acabou
se tornando vilã de uma história que nem sabia existir.
Faz sentido o quanto Diógenes queria me manter em
cárcere privado. Ele é asqueroso, nojento, perverso. Eu me odeio
agora, me odeio por ter vivido por anos com aquele monstro, por ter
deixado minha ambição me conduzir para um ser humano
desprezível. Me odeio por todas às vezes que permiti que ele me
tocasse e por todas as minhas malditas escolhas.
E é extremamente doloroso odiar a si mesma.
Escovo meus dentes, lavo meu rosto e tento respirar. Mas
agora tudo está carregado por uma energia ruim. Levo as mãos em
meu ventre e peço perdão aos meus bebês por já está levando
parte do meu peso a eles. Acredito que eles sintam o que sinto, que
de alguma forma meus sentimentos ruins acabem passando para
eles. Tudo que eu nunca quis.
Meus gêmeos. Não era para eu ter descoberto ainda, mas
pensei em dar um vídeo de presente para Nicolas. Agora eu nem sei
como ele se sente com a notícia e, contrariando todos os planos que
fiz, preciso dele. Preciso de apoio emocional, preciso que ele segure
as minhas mãos e queira me ajudar. Na verdade, eu acho que
imploraria por isso.
É tarde da noite, mesmo assim eu pego meu celular e ligo
para ele, quando atende tão rápido, me surpreendo. É como se ele
estivesse esperando.
— Cacto, está tudo bem? — Sua voz está triste.
— Te deixei uma carta. Despejei todos os meus sentimentos
nela, tudo o que eu queria e que estava dentro do planejamento que
fiz. Tudo o que escrevi e tudo que planejei foi pensando em nós,
mas... eu preciso de você — digo, limpando minhas lágrimas. —
Acabo de descobrir coisas horríveis e eu não posso enfrentar mais
descobertas sozinha. Eu preciso de você, preciso que... preciso
dividir porque não serei capaz de lidar com tudo isso sozinha. É
extremamente pesado e nojento, eu me sinto péssima, tão nojenta
quanto tudo o que li...
— Estou indo. Apenas fique calma, ok? Pense nos nossos
bebês.
Nicolas não demora a chegar. Ouço o barulho do seu carro
estacionando em frente à minha casa poucos minutos após eu
encerrar a ligação.
Eu neguei um abraço a ele porque sabia que iria me afetar
imensamente e provavelmente abalaria meus planos. Mas, assim
que ele entra na sala, tudo o que eu faço é correr para seus braços.
Ao contrário do que fiz, ele não nega ou me afasta; simplesmente
me recebe e me dá o conforto momentâneo que eu precisava.
— Obrigada por ser infinitamente melhor que eu. Um
coração bom é a coisa mais bonita que uma pessoa pode ter. Você
é lindo.
— Ok, cacto, mas isso não combina com você. Você não é
de ficar falando essas frases assim, o que está acontecendo? Do
que tem medo? — Eu sinto um pouco de ódio dele agora, apenas
por me conhecer melhor que eu.
— Mário, aquele investigador que é amigo de Victor,
encontrou coisas absurdas sobre a promotora Lívia, Diógenes e
sobre Camila.
— Diógenes? Diógenes, Lívia e Camila?
— Sim.
— Deixe-me adivinhar, Diógenes teve um caso com Lívia, e
é pai de Camila? — ele pergunta.
— Antes fosse isso. Por tudo que li nos e-mails, estou
começando a acreditar que Camila é vítima da própria mãe. Não
posso afirmar porque não a conheço, não conheço a índole da
garota, mas... é repugnante, e eu não cheguei na metade dos e-
mails.
— Posso verificar?
— Eu estou passando mal, Nicolas. Não sou capaz de fazer
mais verificações hoje — confesso, sentando-me no sofá. —
Amanhã eu iria fazer uma pequena viagem até a cidade dos meus
pais. Iria fechar todas as feridas abertas com eles e voltaria para
seguir com a vida. Eu achava que o problema com Lívia era algo
banal, bobo, e o que eu descobri me assombrou imensamente. Não
sei como conduzir as coisas agora. Não consigo pensar, não
consegui processar nada do que li ainda. Costumo ser excelente em
ligar os pontos, mas não estou conseguindo dessa vez. Tudo o que
fiz foi vomitar enquanto dezenas de informações dançam em minha
mente. Há um conflito interno agora e somado aos hormônios
loucos... eu apenas não posso fazer isso sozinha, Nico.
— Eu sei que não pode, mas você parece insistir nisso o
tempo todo — ele diz suspirando. — Você é uma mulher do caralho,
Dandara. É capaz de vencer qualquer obstáculo que surja, mas, às
vezes precisa de ajuda, precisa também se permitir ser ajudada. Eu
entendi sua carta, entendi suas ações e as julguei certas. Acho que,
principalmente, o assunto com os seus pais é algo apenas seu.
Todo o restante você não precisa lidar sozinha. Você disse algo que
deu a entender que muitas vezes romantizamos os defeitos dos
outros, mas em algum momento sangramos com eles. Porém, há
um outro ponto de vista a respeito disso. Se uma pessoa não está
preparada para lidar com os momentos ruins, com o lado feio, ela
não vale à pena ter por perto. Conviver com o lado bonito é fácil
demais. Entende isso, cacto?
"Que espécie de casal seremos se não estivermos juntos
nos momentos difíceis? Que espécie de casal seremos se não
formos capazes de enfrentar o lado feio juntos? Eu não quero o
fácil, Dandara. Se eu quisesse, nem mesmo estaria com você.
Pense em uma mulher difícil? Puta merda! Você é extremamente
difícil, complexa, problemática e... incrível pra caralho. É tão real,
tão verdadeira, autêntica. É tão bonito ver seu lado feio, porque
você não o esconde, você simplesmente o mostra e as pessoas que
gostam de você, gostam sabendo exatamente quem é, sabendo
todos os defeitos que carrega, sabendo que suas qualidades são
completamente superiores a eles. Você, com toda complexidade,
com todos os erros e todos os acertos é uma mulher de verdade. E
eu sei que sempre irá cometer erros. Eu também irei. Todos
cometem. Mas não podemos nos afastar, cacto. Não podemos
deixar que nossos erros sejam maiores que os nossos acertos. Não
podemos nos distanciar a cada problema que surgir. Você pode
enfrentar o seu passado estando comigo, saberei respeitar suas
decisões, seus momentos. Só não diga que quer me proteger de
você, Dandara. Eu não quero ser protegido do amor."
— Eu tenho algo para você — digo, ficando de pé, mas fico
completamente tonta. Nicolas me segura. — Merda!
— Está tudo bem?
— Eu vomitei tudo que havia em meu estômago, me sinto
fraca, mas quero te dar algo.
— Eu vou preparar algo para você comer. Não precisa me
dar nada agora — ele fala, mas eu insisto. Após verificar se estou
mesmo bem, o deixo na sala, vou ao quarto, pego o que preciso e
retorno à sala. Entrego a caixa ele: — O que é isso?
— Me senti culpada pela forma como descobriu a gravidez.
Eu quis fazer algo, mas quando fiz não sabia que seriam 2 bebês.
— Ele abre a caixa e dá um sorriso lindo enquanto seus olhos se
enchem de lágrimas. — Eu nem sei se você está bem com essa
notícia. Mas eu quis tentar corrigir meu erro...
— São três corações dentro da mamãe — ele diz, brincando
com os sapatinhos. — Dois filhos de uma só vez. Acho que somos
potentes, vossa excelência.
— Acho que somos — concordo. — Eu não te disse sobre a
primeira consulta, mas não foi para ocultá-la e fazer isso sozinha, foi
porque eu queria preparar o seu presente de aniversário, queria um
vídeo da primeira confirmação da existência do nosso bebê para
unir a essa caixinha. Então eu descobri que eram dois e mudei os
planos da caixinha, levei apenas o pen drive... eu só quero saber, de
verdade, se está bem sendo pai de dois bebês de uma só vez.
— Está preocupada se estou bem? — pergunta e balanço a
cabeça positivamente. — Bem não é uma palavra para definir como
me sinto. Eu quero essas crianças com todas as minhas forças, e
quero a mãe deles também, e de quebra quero o Samuel, porque
ele é meu companheiro. — Desabo com força e o abraço forte,
implorando silenciosamente para que ele nunca me deixe e para
que ele ignore todas às vezes que eu surtar e mandá-lo se afastar.
Fazendo uma prece silenciosa para que ele seja forte por mim, por
nós, pela nossa família.
— Me perdoe por fazê-lo sofrer, garoto de açúcar. Por favor,
me perdoe por ser a sua mulher imperfeita.
— Minha mulher perfeitamente imperfeita, cacto. Você
aceita se casar comigo? — Não estava esperando por isso. — De
que outra forma eu saberia que é amor? É amor quando você se vai
e deixa um vazio repleto de saudade. É amor quando você tenta me
afastar e no fundo sabe que precisa de mim. É amor quando você
me segura forte como se nunca quisesse me soltar. É amor quando
eu sinto meu peito ser rasgado ao meio a cada vez que sua imagem
vem em minha mente. É você, cacto. E, depois de você tudo o que
sobra é ... apenas você. Sempre será você. — Ele sorri. — Se você
disser que sim, seremos eu, você, Samuca e os nossos filhos até o
fim dos tempos!
— Eu digo sim. Até o fim dos tempos, garoto de açúcar.
— Obrigado, cacto. Eu te amo.
— Eu te amo também. Muito. Imensamente. Você é a minha
chance de fazer tudo o que é certo. — Sorrio tocando seu rosto
perfeito. — Me desculpe.
— Sempre! Agora vou alimentá-la. Meus filhos precisam
comer.
Por um tempo Nico consegue apagar os problemas da
minha mente..., mas eu sei que eles estão aqui e eles são terríveis o
bastante. Eu preciso de Nico para me ajudar a lidar com eles.
Talvez eu precise de ajuda policial também.
DANDARA
"Saberá quem sou porquê eu vou desgraçar a sua vida com
um sorriso."
Acordo assustada após um sonho. Meu coração está
disparado, batendo em um ritmo apressado. Busco na Nicolas na
cama e ele não está, isso faz um medo se instalar em mim
rapidamente. Ainda é madrugada, mais precisamente quase cinco
da manhã, e estou me perguntando se ele foi embora.
Me levanto, vou até ao banheiro lavar meu rosto e em
seguida vou em busca de Nicolas. Não o encontro na sala, por isso
desço até o meu escritório e o encontro analisando os e-mails. Ele
está sério, centrado, tanto que não percebe a minha presença.
— Psiu! — digo, me aproximando. — Senti sua falta na
cama.
— Está melhor, cacto? — questiona, afastando a cadeira e
sinalizando para que me sente em suas pernas. Eu faço, me sento
virada de costas para ele e fixo meu olhar na tela do computador.
Ele está vendo os e-mails de Lívia.
— Sim. E você, o que está fazendo acordado uma hora
dessas lendo os e-mails?
— Não conseguia dormir. Eu já li uma quantidade absurda
de e-mails, estou tentando encaixar as peças e não consigo —
confessa suspirando. — Me recuso a acreditar que Camila tenha
concordado com algo assim. Ela era minha amiga, Dandara. Como
nunca desconfiei de nada? A Camila que era a minha amiga era
doce, carinhosa, alegre, espontânea. Isso seria impossível se... Não
faz sentido. Não faz. Ela foi forçada ou fez tudo por querer? Essa é
a questão. Tudo isso aqui é repugnante. Lívia aliciava a própria filha,
Lívia vendeu a virgindade da filha de 15 anos, além de ter se
envolvido com Diógenes também. As duas. Não estou entendendo,
Dandara. O teor desses e-mails...
— São enojantes, me fizeram passar mal.
— O que faremos? Eu não faço ideia. Lívia parece ter
sossegado, mas acho que você corre algum tipo de risco. O silêncio
dela pode simbolizar alguma armadilha. Ao que parece ela quer
dinheiro. Diógenes dava uma quantia generosa para ela
mensalmente — argumenta, demonstrando estar tão chocado
quanto eu.
— Eu ainda não consegui pensar em nada — confesso. —
Queria ter ao menos descoberto mais cedo. Como eu não amava
Diógenes, nunca me importei com absolutamente nada relacionado
a mulheres, traições, enfim. Eu festejava todas às vezes em que ele
não estava em casa e torcia fortemente para que ele tivesse
alguém.
— Essa parte da sua vida é extremamente fodida,
meritíssima.
— Quando me envolvi com ele, o admirava. Mas errei com
ele também, não posso negar. Só não esperava que ele pudesse se
transformar em monstro. Pagar para foder uma garota virgem de 15
anos? Isso é absurdo, Nico. Continuar fodendo uma menor de idade
e fodendo a mãe dela... e a performance sexual dele era
deprimente... nada faz sentido. Acho que talvez o melhor a ser feito
é fingir não saber de nada, vigiar os passos e as ações de Lívia,
tudo com muita cautela. Vamos pensar em algo, garoto de açúcar.
— Receio que de alguma forma Lívia represente algum tipo
de risco para a sua segurança. As pessoas são capazes de tudo por
dinheiro. Há alguns meses ela perdeu a fonte de renda extra, que
era Diógenes. — Balanço a cabeça em concordância.
— Acredito que seu receio faça sentido. Acho que não está
redondamente enganado sobre isso. Trabalho há anos vendo mais
diversos tipos de crimes, vinganças, armadilhas, muitas delas
encabeçadas por conta de dinheiro. É evidente que Lívia quer me
prejudicar de alguma forma, mas não sabemos ao certo o que ela
está fazendo sobre isso. É algo que precisamos investigar com
maior cuidado.
— Tenho a sensação de que há mais pessoas envolvidas
nisso — Nicolas diz pensativo.
— Por que diz isso?
— Eu não sei. É apenas uma sensação. Acho que a partir
de agora todos naquele fórum serão suspeitos para mim. Sou jovem
meritíssima, mas meus instintos são fortes, não costumo me
enganar muito quando desconfio de algo. Meu dever agora é
protegê-la, cuidar para que nada aconteça ou comprometa sua
gestação. É melhor tomarmos cuidado, cacto. Seu histórico no
fórum é um pouco ruim.
— Nunca fiz nada ilegal dentro daquele lugar, Nicolas
Magalhães — comento rindo. — Apenas não sou falsa. A maioria
das pessoas lá me irritam pelo fato de não gostaram umas das
outras, ainda assim, fingirem se amar. Eu não finjo amor ou
simpatia, apenas me porto com profissionalismo.
— Eu sei disso, mas nem todas as pessoas sabem.
— Você sabe para qual lugar eu gostaria de mandar a maior
parte daquelas pessoas? É claro que sabe. — Sorrio.
— Vamos precisar mudar isso, meritíssima. Você precisará
mudar um pouco seu comportamento para tentar descobrir algo.
Precisará ser mais maleável, menos "diante de mim as pessoas se
inclinam". — Volto a sorrir.
— Eu não posso deixar de ser essa mulher, há todo um
charme nisso, e não vou abrir mão do poder. Diante de mim as
pessoas se inclinam, Nicolas, e isso não vai mudar.
— Eu gostaria de discordar do seu jeito autoritário e essa
sua leve arrogância, mas é sexy como o inferno, meritíssima, e me
atrai como um desesperado — confessa.
— Me leve para a cama? Me sinto melhor e gostaria de ser
fodida pelo pai dos meus bebês agora.
— Uow! Isso que eu chamo de convite para o sexo! —
responde rindo. — Impossível recusar uma proposta dessa,
principalmente quando é feita pela mulher mais gata e gostosa que
eu já peguei e sigo pegando.
— Você acabou de dizer que está me pegando, Nicolas? —
pergunto chocada pela audácia.
— É bem isso.
— Só um garoto de 22 anos diria algo assim — provoco.
— Esses garotos de 22 anos são muito moleques,
meritíssima. Você ficaria surpresa. — Fico de pé e o puxo para mim.
Ele abaixa a tela do notebook antes de me puxar para um beijo que
faz todo meu corpo se aquecer. — Vou mostrá-la o que mais um
garoto de 22 anos é capaz de fazer.
— Eu sou uma filha da puta sortuda!

DUAS SEMANAS DEPOIS


Finalmente chegou o dia de mais uma consulta. Porém,
agora um pouco diferente. Na primeira consulta quis fazer um teste
de sexagem fetal para descobrir os sexos dos bebês, mas por se
tratar de gêmeos bivitelinos — a mulher libera simultaneamente dois
óvulos e duas fecundações independentes ocorrem por dois
espermatozoides diferentes. Nesse caso, os dois irmãos podem ter
características físicas diferentes como sexo, cor da pele e cabelo —
soube que seria embaraçoso.
A questão é que esse teste só funcionaria se fossem duas
meninas. Ele detecta a presença do cromossomo Y no sangue
então, na ausência dele, é positivo para meninas. Mas se um Y
estiver presente no seu sangue, dá para dizer que pelo menos um
dos bebês é um menino e talvez eu vá ficar louca com tanta
confusão. Por mais ansiosa que eu esteja, preferi aguardar o
método tradicional. Terei que esperar mais algumas semanas para
descobrir se tenho um casal, duas menininhas ou dois garotinhos.
Minha torcida é por um casal e a de Nico também.
— Dandara, querida, na primeira consulta você estava
focada apenas na ultrassonografia, então eu nem a considerei muito
e por esse motivo marquei outra tão rápida — doutora Luciana,
minha obstetra, diz. — Você já teve uma gravidez.
— Duas — a corrijo. — Mas a primeira eu fui impedida de
levá-la até o fim.
— Eu sinto muito. Não vou perguntar o motivo apenas para
não visitarmos memórias ruins. — Ela dá um sorriso sem graça. —
Uma gestação de gêmeos é bem diferente.
— Dá para perceber, porque minha barriga está dando as
caras já.
— Deixe que ela fale, meu amor — Nico fala baixinho em
repreensão.
— A gestação de agora, se comparada a uma gestação com
um único bebê, é uma gestação que envolve mais riscos. Algumas
complicações, como pressão alta, diabetes gestacional e até parto
prematuro, são comuns e podem vir a acontecer. Ainda tem o
agravante relacionado à sua idade.
— Você está dizendo que sou velha?
— De forma alguma, mas não é uma garota de 17 anos,
Dandara. Quanto mais tardia a gestação, mais cuidado é exigido de
nós. Então, precisa saber que essa gestação agora será
completamente diferente da gestação passada. O que isso
significa? Nossas visitas não serão mensais, e sim quinzenais.
Passará pelo dobro de exames que passou na gestação anterior, os
testes de urina e de sangue serão mais frequentes. As
ultrassonografias serão mais demoradas, o desconforto será bem
maior... — Começo a chorar só por ouvir a quantidade de
informações. Acho que o glamour de ser mãe de gêmeos acaba de
desaparecer. Juro que eu estava me sentindo altamente poderosa
por ter gêmeos em meu ventre, agora estou me cagando por isso.
— Não há o que temer...
— É claro que há! Farei 38 anos de idade, estou grávida de
gêmeos e acabo de saber que minha vida vai virar um tornado
desde o pré-natal. — Choro e abraço Nicolas. — Eu vou morrer, eu
acho... há tantos problemas, e a minha pressão não vai aguentar, eu
vou me entupir de doces e ter diabetes, ficarei tão louca que meus
bebês nascerão prematuros...
— Merda, cacto! Não será assim.
— Também deixarei de ser gostosa se sobreviver.
— Duvido muito que deixe de ser gostosa, cacto. Pare de
chorar.
— Você diz isso porque não está carregando dois bebês! —
esbravejo, e noto a médica me olhando boquiaberta. — Só disse
verdades.
— Dandara, querida, só estou te repassando informações
valiosas e importantes. É preciso conscientizá-la para que tudo
possa ocorrer da melhor forma — doutora Luciana argumenta,
enquanto limpo minhas lágrimas. — A probabilidade de uma anemia
também é bem mais alta do que em uma gravidez normal, por isso
vou passar uma lista de alimentos que deve comer e receitarei
algumas vitaminas.
— Há algum tipo de calmante? — Nicolas pergunta. — Me
desculpe Dandara, mas pelo visto talvez seja eu a morrer até o final
disso — argumenta, e volta a olhar para a médica. — É realmente
sério. Há algum tipo de calmante?
— Eu posso fazer sexo normalmente com o meu futuro
marido? Vamos lá, doutora, ele tem 22 anos. — A médica parece
embasbacada agora. — Ele é universitário, é gostoso, bonito, tem
um sorriso que desgraça a vida das pessoas e um fogo...
— Puta merda, Dandara! Nem a consulta do pré-natal
consegue ser normal?
— Eu preciso saber de todas as informações, Nicolas
Magalhães.
— As perguntas são comuns, Nicolas — doutora Luciana diz
rindo. — 22 anos! Não parece! De qualquer forma, vamos às
respostas. Não há nenhuma razão para alterar a vida sexual durante
a gravidez desde que não haja contraindicações, porém os cuidados
devem ser redobrados. A vida sexual pode seguir normal se estiver
se sentindo bem, se não surgir qualquer probleminha no percurso.
Fazer sexo durante a gravidez é mega normal, não traz nenhum tipo
de problema ao bebê, a não ser em alguns casos específicos como
quando há ameaça de parto prematuro ou aborto. É saudável, uma
forma de se conectar com o seu parceiro e, além disso, é relaxante
pois libera hormônios como endorfinas, que atravessam a placenta
e chegam ao bebê, causando uma sensação de relaxamento,
tranquilidade, bem-estar. Fique tranquila porque até o momento está
tudo indo bem e estaremos em acompanhamento constante,
Dandara. Pode namorar à vontade.
— Sexo a deixa relaxada mesmo. Acho que dando
orgasmos a ela, é a única forma de relaxá-la, faz muito sentido —
Nicolas comenta. — Na verdade, Dandara só fica calma após sexo.
— Você é um grande mentiroso!
— Não é uma mentira completa, cacto.
— Cacto? Desculpe, mas estou curiosa sobre isso desde
que chegaram — Luciana comenta rindo. — Vocês são incríveis!
— Cacto porque tem espinhos, mas também dá lindas
flores. Minha cacto é assim, doutora. — Eu sinto vontade de chorar
novamente, porque isso foi muito doce, padrão garoto de açúcar.
— Isso é algo muito bonito. — Ela sorri. — Bom, vamos ao
que interessa...
Ela passa algumas receitas, pedidos de exames, Nicolas faz
algumas perguntas embaraçosas e então seguimos para buscar
Samuel na casa de Lucca.
— Tio Nico! — Samuel vem correndo quando vê Nicolas, e
eu fico sorrindo feito idiota. Sim, agora eu sou esse tipo de mulher e
não sei gosto disso.
— Aooo Dandara! Eu serei pai de uma menina! — Lucca diz
radiante e eu vou abraçá-lo.
— Parabéns! Isso é tão incrível! — Sorrio. — Paula,
parabéns, meu amor! Estou radiante por vocês! Eu serei mãe de um
casal, ou duas meninas, quem sabe dois meninos?
— O quê? — os dois perguntam juntos, só então me dou
conta de que eu e Nicolas ainda não havíamos contado para
qualquer pessoa, nem mesmo para Samuel.
— Estou grávida, de gêmeos.
— Isso é sério? — Paula pergunta rindo. — É realmente
sério?
— Sim, Samuel vai ganhar três irmãozinhos de uma só vez!
— Nicolas informa radiante, e Samuel sobre nos ombros dele.
— Aooo Paula, por que diabos eu não fiz gêmeos? Eu tenho
irmãs gêmeas, minha mãe é gêmea e não fiz gêmeos!
— Porque o garoto de açúcar deve ser mais potente, ele é
um novinho sagaz. Estou decepcionada agora, bebê Lucca.
Esperava mais de você! — Paula diz provocando-o.
— Você vai pagar por isso, Paula Jacinta! — Lucca a
ameaça e volta a me abraçar. — Parabéns, meritíssima! Estou muito
feliz por você e pelo garoto de açúcar. Espero que tenham ao
menos uma menininha para brincar com a nossa Yaya!
— Estamos torcendo por isso. Yaya?
— Yasmin — anuncia orgulhoso. — Por que não ficam?
Vamos comemorar pedindo uma pizza. Paula está com desejo.
— Pode ser. — Sorrio e me uno a eles.
Quem diria que um dia seríamos todos amigos e estaríamos
celebrando a chegada de nossos bebês?
Posso estar cheia de problemas, mas estou feliz e essa
felicidade está sobressaindo a tudo agora! Eu acho que amo todas
as voltas que o mundo dá...
DANDARA

MESES DEPOIS
Não é fácil ter que me manter controlada por conta da
gestação. Adiei todos os planos, resoluções de situações que de
fato me incomodam, e estou tendo que ter uma tranquilidade que
nunca tive.
Como se não bastasse todas as transformações que vivi nos
últimos meses, eu tive que me transformar em um alguém que não
se encaixa a quem realmente sou. Manter o equilíbrio para passar
apenas coisas boas à Bruno e Kiara, meus gêmeos. Longe de
problemas, longe de resolver questões do meu passado, longe de
tudo que demande uma energia negativa.
De alguma maneira se parece com a gestação de Samuel.
Passava os dias isolada, lendo livros, caminhando, respirando o ar
puro da prisão luxuosa em que me encontrava. Por algum motivo,
era mais fácil me manter calma, acho que muito pelo fato de saber
que estava segura e protegendo meu bebê.
Agora, todas às vezes que tento dar uma surtada, Nicolas
vem com seu jeito pacificador e me controla como se controla uma
marionete. Para piorar, ele conta com a ajuda de todas as pessoas
do nosso círculo social.
Estou levemente estressada hoje. Irritada pelo excesso de
zelos que as pessoas estão tendo comigo. Não sou o tipo de mulher
muito carinhosa, que gosta de mimos e todo mimimi de babação de
ovo. Até gosto um pouco, mas tudo que é demais se torna
cansativo, enjoativo. E enjoei. Minha sogra, os tios de Nicolas, a
família de Lucca... todos resolveram me sufocar. Provavelmente
acham que sinto falta da minha família nesse momento, mas a
grande verdade é que não sinto. Não dá para sentir falta de algo
que nunca tive e sou bem resolvida com isso.
Dona Edna, minha sogra, até mesmo sai de casa agora
apenas para poder me visitar. Os tios de Nicolas me enchem de
presentes e comida, Victor e Melinda estão um saco só porque os
convidei para serem padrinhos dos meus filhos, Lucca e Paula são
retardados completos. Paula parece babar mais na minha gravidez
do que na gravidez dela e cismou que é minha melhor amiga. Pior é
quando aparecem aqui em casa todos juntos, de uma só vez, eu fico
sentada no sofá como uma orca encalhada e morrendo de vontade
de dar uma crise de choro. Até doutora Rovena tem sido um saco
me tratando como um bibelô. Que Deus me perdoe, mas eu sinto
vontade de mandar todos irem pra merda de vez em quando,
mesmo que eu os ame.
Certamente a culpa é da fúria dos hormônios. Eu tento me
manter como uma maconheira a maior parte do tempo, tentando
curtir as boas vibrações, mas nem sempre dá. Tipo agora.
— Dandara está com sérios problemas mentais. Há algo na
mente dela, ou "algos". — Nicolas joga sobre doutora Rovena,
enquanto eu tento não surtar.
— Gostaria que fosse algum tipo de problema mental
mesmo, mas é só a realidade. — Suspiro. — Estou observando que
meus seios estão enormes e minha barriga está maior que a barriga
da Paula que engravidou meses antes. Em pouco tempo eu estarei
imensa de todas as maneiras porque há dois bebês dentro de mim.
Tenho vivido em todas as clínicas de estética que encontro em
busca de uma melhora. Meu namorado é novinho, eu ficarei
destruída e desinteressante...
— Você vai seguir surtando a gravidez inteira ou é só no
primeiro semestre? Estou perguntando por que preciso me preparar
psicologicamente. Eu tentei me preparar meses atrás, mas não deu
certo. Talvez exista alguma medicação para mim!
— Não estou surtando, estou apenas sendo realista. Estou
bem perto dos quarenta, você está longe dos trinta. — Pensar assim
me deixa desesperada, tanto que me afasto dele. — Meu Deus! Isso
é muito chocante! Não deveríamos ter nos envolvido! Oh meu Deus!
Você está longe dos trinta!
— Pare!
— É a realidade!
— Isso é um preconceito idiota, além de falta de amor-
próprio e de confiança em si mesma, em nós como um casal. Já deu
essa merda de idade, Dandara. É sério. Chega disso, ok? Esqueça
idade!
— A minha bunda está enorme!
— Eu amo a sua bunda enorme, cacto. Pare de surtar — ele
diz, me puxando para seus braços. — Pare com tudo isso, ok?
Insegurança não combina com você.
— Eu preciso de outro personal trainer! — Nicolas suspira
acompanhado de doutora Rovena.
— Ela está surtando, doutora.
— Dandara, era mais fácil quando seu problema era outro,
lá no início. Porra, só piora! — doutora Rovena exclama.
— Não fazemos mais sexo como antigamente, doutora
Rovena. É horrível. Estamos resumidos a três posições sexuais;
papai e mamãe, de quatro ou eu por cima igual uma cowgirl
explosiva devido ao excesso de barriga.
— Você está mesmo contando sobre posições sexuais para
a nossa terapeuta? — Nicolas pergunta.
— Estou enorme e há muitas novinhas na faculdade que
podem praticar o Kama sutra com Nicolas.
— Então largue Nicolas, Dandara. Simples assim! —
doutora Rovena sugere. — Nada está bom, não é mesmo? Você
tem reclamado de tudo constantemente e está muito preocupada
com a idade do pai dos seus filhos. PAI DOS SEUS FILHOS! Por
que não foca nisso? Ele é jovem, mas escolheu você e é pai dos
seus filhos!
— Eu juro pelos nossos filhos, se você me largar porque
está agindo como louca, eu não volto nunca mais, Dandara. Estou
falando sério. Serei apenas pai dos meus filhos e não terei
maturidade para ter o tipo de relação que você tem com Lucca —
Nicolas ameaça.
— Não vou te largar — afirmo. — Eu só... estou sensível e
insegura.
— Vocês estão muito exaltados, para variar.
— Não estou exaltada, só quero que me compreendam!
Estou sensível, estou insegura, estou com duas crianças na barriga,
há Samuel que está evoluindo para se tornar a versão mirim do pai,
há Nico novinho... Há uma série de fatores. E médico toda semana,
exames, audiências... — Começo a chorar. — Eu amo os meus
bebês. Sempre quis ter mais filhos, mas odeio o período gestacional
porque sofro muitas transformações, quase perco minha identidade.
— Eu não sei mais o que fazer para tornar sua vida melhor e
fácil, Dandara. De coração? Nunca imaginei que um dia eu seria o
tipo de homem que sou com você. Sou muito bom, compreensivo,
paciente, tenho excesso de qualidades porque tento todos os dias
ser o melhor, dar o melhor de mim, porém, nada parece o suficiente
e eu não vejo a hora de nossos filhos nascerem e seus hormônios
se ajustarem — Nicolas faz sua confissão, que acaba fazendo
sentido. Pobre garoto de açúcar, eu tenho sido muito difícil na
gestação.
— Acho que deveriam passar um final de semana sozinhos
em algum lugar paradisíaco onde não tem qualquer vestígio de
civilização. Estão precisando disso.
— Dandara está fazendo com que eu me sinta
constantemente insuficiente — a declaração de Nicolas me pega
desprevenida. Ter uma personalidade muito forte às vezes é como
um auto boicote. Não me dei conta de que minhas ações e minha
instabilidade emocional estaria afetando Nicolas dessa maneira.
Mas, felizmente, estou tendo a chance de descobrir isso agora e
poder fazer algo para consertar.
Muitas pessoas do nosso círculo social devem pensar que
essa terapia de casal que inventei é perda de tempo ou
passatempo, algo assim. Porém, em momentos como esse, consigo
perceber o quão importante é tirarmos algumas horinhas semanais
para estar aqui, de frente para a doutora Rovena, debatendo a
nossa relação de uma maneira saudável, sem brigas, sem deixar
que as coisas atinjam o extremo. O extremo é quando não dá para
consertar.
Por mais que tenhamos nossas diferenças, elas sempre
ficam aqui, no consultório. Sempre saímos daqui mais leves e
dispostos. Sei que eu e Nicolas podemos ser insanos, mas a
vontade de ficar junto sempre prevalece. Nós dois estamos focados
nesse propósito e nós dois somos conscientes de que cometemos
erros como todos os demais seres humanos. Ele até comete menos
erros que eu, mas, ainda assim, comete e é importante debatermos,
importante expormos a maneira como nos sentimos. Nicolas acaba
de expor algo que precisa ser consertado e o mais incrível é
perceber que hoje em dia eu tenho condições de enxergar os meus
erros de uma maneira que eu não costumava fazer no passado.
Antes era muito difícil dar o braço a torcer, hoje não mais. Porém,
não é mérito meu ou apenas uma mudança minha. Nicolas parece
ser a única pessoa no mundo capaz de enumerar meus erros sem
fazer rodeios, de forma clara, sincera e objetiva. Quando a maioria
das pessoas me temem, ele não possui temor algum. Me encara de
frente, de igual para igual. Tem sido assim desde o primeiro contato
e acho que essa é uma das coisas que mais admiro nele: coragem!
— Você não é insuficiente. Me desculpe se minhas ações
fizeram você se sentir dessa maneira. O erro não está em você,
está em mim — confesso, até mesmo esquecendo da presença de
doutora Rovena. — Estou frustrada por ter adiado a resolução das
situações que eram importantes para mim, como ir resolver o meu
passado com os meus pais, como mergulhar no assunto Lívia
versus Diógenes. Estou frustrada por estar constantemente com
sono, parecendo um peso morto. Estou frustrada por saber que o
melhor a ser feito agora é entrar de licença e cuidar do restante da
gestação. Na gestação de Samuel eu parecia mais disposta. Nessa
eu me sinto constantemente indisposta e tendo que receber auxílio
até mesmo para calçar meus sapatos. Evito falar disso para não
parecer fútil ou...
— Não há futilidade. Essa gestação de fato é
completamente diferente da gestação de Samuel. São gêmeos, é
tudo bem diferente — Nicolas argumenta o que eu já sei.
— Eu sou tão independente, que entrar em uma fase em
que tenho que ser dependente me incomoda muito. É como se eu
não quisesse aceitar isso, embora eu esteja completamente radiante
com os bebês. É aquela coisa de querer muito os filhos, mas não
me sentir tão bem durante o processo de gerá-los. E é normal. Bom,
ao menos acredito que grande parte das mulheres se sintam assim,
levemente frustradas durante o período gestacional. O humor oscila
muito, sofre muitas variações ao longo do dia. Tem momentos em
que estou muito radiante, em outros já estou morrendo de
ansiedade para os dias passarem logo e parir, então, logo em
seguida, já estou desesperada de medo porque não sei como será a
rotina com dois bebês, e aí eu penso que também tenho Samuel e
que preciso dar toda a minha atenção a ele também. — Quando me
dou conta, estou chorando novamente. — Talvez seja eu com medo
de me sentir insuficiente.
— Dandara, eu compreendo você. Acho que agora também
ficou mais claro para Nicolas — doutora Rovena diz. — Estou
orgulhosa dos dois por estarem se abrindo. Analisando a situação,
acho que está comparando com sua primeira gestação. Esteve
sozinha com Samuel durante os dois primeiros anos e acredito que
tenha sido muito difícil para uma mulher que era inexperiente em
relação à maternidade.
— Muitos momentos foram aterrorizantes — comento.
— Imagino que sim. Porém, respire fundo e analise a
situação atual. Você agora terá a ajuda do pai dos seus bebês, terá
uma babá para auxiliá-la com as três crianças. Não precisa dar
conta de tudo sozinha, entende? Não deve se cobrar tanto. O início
será complicado devido à adaptação, mas logo conseguirá tirar de
letra. Há um pai disposto a ajudá-la em todos os momentos, é uma
outra perspectiva; uma completamente diferente da sua primeira
gestação. E, sobre resolver problemas do passado, deixe para
depois. O importante agora é se manter bem, saudável, cuidar de
Samuel, desses bebês em seu ventre. Todo o restante pode
esperar. Não é nada tão urgente que precisa ser resolvido agora.
Lívia está silenciosa no momento, te dando paz. Seus pais estão em
outra cidade alheios há tudo. Se preserve nessa fase, dedique-se ao
que realmente importa. Você, seus filhos, seu marido.
— Nicolas não é meu marido.
— Serei — afirma, apertando minha mão.
— Ela foca na única coisa que não deveria — doutora
Rovena diz rindo.
— Não. — Sorrio entre lágrimas. — Eu foquei em tudo e
você está coberta de razão. Acho que me encontro um pouco presa
na gestação de Samuel, revivendo uma perspectiva que não condiz
com a minha atual situação. Não foi fácil passar por tudo sozinha,
mesmo que tenha sido uma escolha que julguei correta no passado.
E, por mais que eu tenha sido uma sobrevivente de tudo o que
passei, existem marcas e lembranças que sempre estarão comigo.
Não é justo com Nicolas pagar por algo que não o diz respeito.
Enxergo que estou projetando isso nele. — Desvio do olhar de
doutora Rovena e me viro para Nicolas: — Me desculpe, mais uma
vez. Não vou permitir o meu passado entre nós. Sei que estará
comigo, que me dará suporte, ajuda, que será o melhor pai para os
nossos filhos e o melhor marido do mundo para mim. Você é mais
que suficiente.
— Você floresceu, cacto. — Ele sorri beijando a minha mão.
— Você é perfeitamente imperfeita, vossa excelência.
— Eu amo você demais, ok? — digo a ele.
— Eu sei. Também amo você demais!
— Perfeitos! — doutora Rovena fala radiante. — Qualquer
coisa que eu disser não será o suficiente. É lindo ver os dois
florescendo e aprendendo a resolver os problemas como pessoas
sensatas. Agora podem ir fazer as posições sexuais limitadas!
Doutora Rovena me entrega um lencinho para limpar as
lágrimas e saímos do consultório como dois completos
apaixonados.
Terapia de casal foi um tiro certeiro. Em pensar que tudo
começou com o propósito de enlouquecer a minha terapeuta...
NICOLAS
Dandara costuma dizer que a maternidade é capaz de
preparar uma mulher para tudo, mesmo que antes de ser mãe ela
não estivesse devidamente pronta para desempenhar esse papel.
Ela diz que vem como mágica; que uma vez que o bebê está nos
braços de uma mãe, essa mãe adquire uma competência de outro
mundo para lidar com o novo.
Durante toda a gestação descobri que todas essas palavras
se encaixavam em mim, na paternidade. Eu não me sentia pronto
quando Dandara anunciou a gravidez, mas, ao longo dos meses,
passei a me sentir o mais preparado possível para exercer essa
"função". Acho que as palavras dela se encaixam a qualquer
homem que esteja de fato ligado à paternidade e acompanhando
isso ao lado da mãe, independente de serem um casal ou não. Ser
pai é diferente de ser marido, definitivamente. E eu me sinto feliz por
ser as duas coisas: pai e marido, embora não tenha me casado
ainda.
Viver sob o mesmo teto é um casamento por si só, mas
viver sob o mesmo teto que Dandara grávido de gêmeos e mãe do
Samuca vai bem além disso. Requer paciência, determinação,
coragem, tolerância, uma dose de loucura e muito amor.
Definitivamente eu amo essa mulher, ou teria desaparecido no
mundo, obtido informações à distância e voltado apenas para
acompanhar o nascimento dos meus filhos.
Não foi fácil. A instabilidade emocional de Dandara quase
nos afetou negativamente. Por sorte eu tive muita paciência e
tolerância. Ao longo dos meses tive que lidar com suas crises de
choro por medo lidar com gêmeos, tive que lidar com sua
insegurança em relação ao próprio corpo, com a insegurança em
relação a minha pouca idade, com a carência excessiva, os
rompantes de raiva devido aos hormônios descontrolados. E, digo
com firmeza, que poucos homens aguentariam ou saberiam como
lidar com um tornado que ela se transformou.
Agora, sentado na sala de espera do hospital, devidamente
pronto para entrar no centro cirúrgico e acompanhar o nascimento
dos nossos filhos, sorrio e respiro aliviado por ter sido um vencedor.
É bem isso, mesmo que pareça exagerado. Se sem estar grávida
Dandara já era louca, grávida eu nem sei dizer o que ela se
transformou. Felizmente hoje acaba essa fase, ou começa uma
nova fase de insanidade.
Sinceramente? Espero que seja o fim e que a nova fase seja
de plena calmaria. Sei que cacto tem um lado bastante doce e estou
contando que esse lado vá assumir a partir de agora.
Meu coração nunca bateu tão acelerado antes. Minhas
mãos estão frias, há uma sensação de frio na barriga constante,
uma mistura de medo, esperança e ansiedade. Embora eu já me
sentisse como pai desde o momento em que descobri a novidade,
sei que é agora o momento em que desempenharei de fato o meu
papel paterno. Há dois seres humanos que vão exigir tudo de mim,
estão chegando ao mundo em alguns instantes e espero poder ser o
melhor pai que eu conseguir, dar a melhor educação, ensinar os
melhores valores, ser o melhor amigo dos dois. Sou bom em lidar
com crianças. Um exemplo disso é Samuca. O garoto me ama e me
respeita, nos divertimos juntos, aprendemos todos os dias alguma
coisa juntos. Mas, ele tem um pai que é um ser humano incrível e o
grande responsável (juntamente com Dandara) por educá-lo. Agora,
com os meus filhos, eu quem terei que ser o grande responsável
com a ajuda da minha mulher. É bem diferente e há uma certa
pressão sobre mim agora.
Na verdade, acho que é apenas o nervosismo pré-parto
enchendo a minha cabeça de pensamentos loucos. Me sinto pronto,
regido de coragem, determinação e amor.
— Nicolas Magalhães — um enfermeiro surge me
chamando, e fico de pé. Lucca disse algo sobre desmaios e acho
que ele pode estar certo. Minhas pernas estão bambas. Por obra do
destino, meus filhos vão nascer antes de Yasmin, devido a ser uma
gestação de gêmeos. Eu queria muito saber se ele vai desmaiar no
nascimento da filha. Assim, talvez eu ficaria mais seguro caso
desmaie ao ver meus filhos.
Respiro fundo e sigo para o centro cirúrgico onde minha
mulher já está devidamente preparada para o parto. Me posiciono
atrás dela e toco seu rosto perfeito.
— Oi, cacto!
— Estou com tanto medo — revela com os olhos cheios de
lágrimas.
— Medo do parto? Tem a melhor equipe te acompanhando
— digo sorrindo, tentando passar conforto a ela.
— Medo de algo acontecer aos meus filhos. Você sabe, meu
passado é um pouco sombrio. Tenho medo de pagar através dos
meus filhos, tenho medo de me tornar uma mãe consumida a ponto
de não conseguir dar conta de três crianças. Tenho medo de me
tornar ausente para Samuel, de ser consumida pelos bebês que vão
precisar de mim...
— Vamos conseguir conciliar tudo, cacto. Você segue
agindo como se fosse fazer tudo sozinha, mas dessa vez é
diferente. Eu estou com você. Não está sozinha mais. Samuel é um
garoto incrível, compreensivo, vai entender que os bebês precisarão
mais do seu tempo agora no início. E, como a mãe maravilhosa que
sei que é, você jamais permitirá que ele se sinta deixado de lado por
conta da chegada dos nossos pequenos. Vamos incluí-lo em tudo.
Estou me tornando repetitivo. — Ela suspira, parece frustrada
consigo mesma.
— Creio que estou chata, eu sei. Eu quem estou repetitiva,
focando muito em questões que não deveria focar. É difícil para mim
ceder um pouco do controle e não ajuda que esteja em uma das
fases mais sentimentais da minha vida. Não estou habituada a ser
sentimental, não tenho uma amizade forte com o medo ou qualquer
um dos sentimentos conflitantes que estou lidando. Estou chata,
mas prometo a você que irei melhorar, garoto de açúcar. É só... a
tensão pré-parto e o receio do pós. Duas crianças de uma só vez,
meu Deus! Eu me saí muito bem quando tive Samuel, agora não sei
como será com duas crianças. Mas vamos lá! Vamos em frente,
Nico! Eu sou capaz. Nós somos. Terei nossos bebês, irei resolver o
meu passado e seguirei como a mulher forte que sempre fui. Quero
ser exemplo para os meus três filhos.
— Será! — afirmo. — Então, a partir de agora, pense
apenas nas coisas boas e no quão abençoada é por ter sido
escolhida para gerar duas vidas de uma só vez. — Ela beija minha
mão e em alguns minutos a magia começa a acontecer.
Eu não observo o parto. Me tranco no olhar da minha mulher
e ela se tranca no meu. Ainda se parece um sonho que a mulher
que eu tanto admirava de longe é atualmente minha mulher e está
dando à luz aos meus filhos. A vida é mesmo aquele velho clichê da
caixinha de surpresas. Constantemente somos surpreendidos por
acontecimentos que modificam toda a nossa história.
O primeiro choro preenche todo o ambiente e só então
desconecto meu olhar de Dandara. É a nossa menina, Kiara, quem
vem ao mundo primeiro, gritando a plenos pulmões e mostrando sua
força logo nos primeiros momentos.
A médica a entrega para Dandara que a segura como se
não pudesse acreditar. Nem eu mesmo sou capaz de acreditar
agora. Sou pai de uma linda menina e nem preciso vê-la melhor
para saber que Kiara é uma mini versão da mãe. Todos os meus
instintos gritavam que seria exatamente assim.
O segundo choro surge tão alto quanto e eu sorrio
amplamente quando a médica me entrega o nosso menino Bruno,
tão pequeno e inofensivo, dono de um choro tão forte. Ele se
acalma em meus braços e eu o levo para Dandara que agora está
chorando rios de lágrimas. A vida acaba de mudar de sentido neste
momento, dentro desse centro cirúrgico. Não sei descrever a
sensação de ver Dandara segurando nossos dois filhos. Nem em
meus melhores sonhos eu fui capaz de vislumbrar algo tão bonito e
arrebatador, um momento que faz meu coração errar todas as
batidas. É mágico, surreal, indescritível, de uma pureza
incalculável.
Procuro palavras para dizer à mãe dos meus filhos, mas não
consigo. Há um nó em minha garganta que me impede de dizer
qualquer coisa. Certamente esse é o momento mais foda e mais
importante de toda a minha existência, algo que levarei comigo pelo
resto dos meus dias.

DANDARA
Todo receio que senti durante toda a gestação simplesmente
desapareceu. Ou, posso dizer que foi substituído pelo modo "mãe
leoa". Olhando para os meus pequenos, me sinto como se fosse
capaz de lidar com todas as coisas, incluindo as dificuldades.
Graças a Deus tive uma gestação saudável e meus bebês
estão incríveis. E como se natureza estivesse agindo, me sinto
abençoada pelos dois serem extremamente calmos e
surpreendentemente fáceis de lidar. Eles nunca choram no mesmo
tempo, isso facilita muito na hora da amamentação. Quando
descobri que eram gêmeos me imaginei sentada em uma cadeira de
amamentação com um filho em cada seio. Sei que acontece em
muitos casos, mas para mim foi assustador, tendo em vista meu
histórico de desorientada. Creio eu que ficaria louca, ou talvez não.
Todas essas coisas maternais parecem tão mágicas. É tão perfeito
como tudo parece se encaixar tão bem.
Neste momento estou babando em meus três filhos. Samuel
está nos visitando no hospital, conhecendo os irmãozinhos. Ele é
tão doce e carinhoso, dono de uma fofura perfeita. Estou
emocionada com a forma carinhosa que meu pequeno está tratando
os irmãos, mostrando que será amoroso e superprotetor, fruto de
uma educação exemplar tanto da minha parte quanto da parte de
Lucca.
Curiosamente, Yasmin decidiu vir ao mundo no mesmo dia
que meus gêmeos, mas ainda não consegui sair pelo hospital para
verificar Paula, Lucca ou a pequena. Samuel esteve com eles mais
cedo, acompanhado de Vic e Matheus. Ele chegou eufórico falando
de Yasmin, disse que ela tem os cabelos loiros como os da "tia
Paula". Yasmin nasceu com 41 semanas, meus gêmeos nasceram
com quase 37. Eu passei por uma cesariana e Paula, para
desespero de Lucca, teve parto normal.
Me sinto extremamente radiante e realizada nessa fase da
vida, e ainda mais apaixonada por Nicolas. Ele merece um prêmio,
um troféu, até mesmo ser homenageado com uma rua tendo seu
nome: RUA NICOLAS MAGALHÃES. Ele não me matou.
Tenho a consciência de que fui extremamente difícil nos
últimos meses. Me tornei chorona, cheia de paranoias, oscilava de
pessimista à otimista o tempo todo, me tornei insegura, imatura,
mimada. Em alguns dias queria ser consumida por Nicolas, em
outros eu não queria nem mesmo ser tocada. Tinha rompantes de
fúria e humor, e mais uma série de coisas que, se fosse em outra
pessoa, eu não teria o mínimo de paciência. Meu Deus! Se eu
tivesse que lidar com alguém ao menos parecida com a mulher que
me transformei na gestação, mandaria a pessoa para o inferno sem
nem mesmo ter piedade. É quase inacreditável que meu
relacionamento tenha se mantido firme. Na verdade, acho que
Nicolas ignorava meus surtos na maioria das vezes para evitar
discussões infundadas. Seja lá qual foi a técnica que ele usou,
preciso parabenizá-lo. Ele foi um parceiro incrível, paciente,
cuidadoso, protetor; foi além do que eu precisava que ele fosse.
Achei que não pudesse amá-lo mais, mas percebi que isso
aconteceu. Além do amor ter aumentado, a admiração também
cresceu. Observando-o ajudar Samuel a lidar com os nossos filhos,
meu peito se enche de amor e gratidão.
A felicidade bateu mesmo em minha porta e resolveu fazer
morada em minha vida. E, embora uma parte sombria em mim
insista em dizer que não merecia tanto, há uma parte repleta de luz
ofuscando todos os pensamentos negativos e pontuando o quanto
mereço toda felicidade que estou vivendo.
Eu achava que estar em um tribunal exercendo meu papel
de juíza era o que preenchia a minha vida e minha alma — que
clamava por justiça devido aos traumas da minha infância. Agora
percebo que o que preenche minha vida e a minha alma é a família
que construí: meus três filhos e meu garoto de açúcar. Ser mãe é o
que de fato me empodera!

DIAS DEPOIS
É incrível como existem mulheres que julgam mulheres.
Ok, não serei hipócrita do tipo que passa pano para
mulheres a qualquer custo. Serei autêntica como sempre fui. Sendo
bem sincera? Algumas até merecem ser julgadas mesmo porque
são filhas da puta, mas outras? Existem situações que não cabe
julgamento, como por exemplo a amamentação. Nenhum dos meus
dois bebês quer pegar meu peito e eu tive que lidar com a maldição
de uma aspirante a enfermeira dizendo que eu não estou forçando-
os devidamente. O que ela espera? Que eu mate meus bebês de
fome, faça pirraça até eles cederem aos meus seios? Não! Eles
definitivamente não querem pegar e minha dor se tornou não
apenas emocional.
Não sei se posso generalizar, mas acredito que toda mãe
que tenha o desejo de amamentar e não consegue acaba se
sentindo culpada, até mesmo ruim, levando em conta que o leite
materno é de grande importância para bebês. Estou sentindo uma
sensação de inutilidade por não conseguir amamentar meus bebês
e isso tem me deixado emotiva, sensível à flor da pele. O pediatra
passou uma fórmula e os bebês estão mamando na mamadeira
enquanto meus seios têm vazado leite constantemente, até mesmo
tenho sofrido com empedramento que tem me causado dores
horríveis e febre. Embora eu esteja sendo ordenhada e os bebês
estejam mamando também um pouco do meu leite, não diminui o
desconforto.
Por outro lado, o que estou vivendo é surreal o bastante
para uma mulher que batia no peito e se dizia autossuficiente. A
famosa frase "eu me basto" agora é vista por mim de uma maneira
bastante diferente. Acho que todos nós somos capazes de viver
sozinhos, principalmente se a "solidão" for devido às circunstâncias.
Porém, é muito melhor contar com o apoio, dividir a vida, dividir as
alegrias, as conquistas, dividir os problemas tornam o fardo mais
leve. Eu não me basto. Com propriedade posso dizer que se Nicolas
não estivesse ao meu lado neste momento, tudo seria bem
diferente, numa perspectiva bem ruim. Não é nada sobre
dependência emocional, mas é sobre precisar de ajudar e assumir
isso para si mesma.
A realidade de agora tem sido completamente diferente de
quando Samuel nasceu. Acho que com Samuel foi um pouco mais
fácil de conduzir devido ser um único filho; porém, ainda assim, os
momentos solitários eram dolorosos e houve vezes em que quis ter
Lucca ao meu lado. Não sei como teria sido a nossa relação.
Quando engravidei de Samuel eu era uma mulher completamente
diferente da mulher que sou hoje, provavelmente haveria
divergências, não seria um mar de rosas, mas, ainda assim, teria
sido melhor do que ter conduzido tudo sozinha.
Nicolas é o homem que está no controle quando eu mesma
não consigo controlar nada. E, voltando a questão da idade que
sempre será pauta, é surpreendente ver um garoto tão jovem
repleto de responsabilidade e conduzindo tudo como se tivesse feito
isso dezenas de vezes. Nem mesmo um relacionamento sério
Nicolas teve antes de mim. Agora ele é um homem praticamente
casado, pai de dois filhos e ainda lida com Samuel quando eu não
sou capaz de dar a atenção devida. Além disso, ele é paciente,
compreensivo e quase um terapeuta que fica me motivando, dando
conselhos, tentando compreender a complexidade da minha mente
que pode ser muito louca em algumas situações. Fora a capacidade
que ele teve de adiar todos os projetos da vida em prol de me ajudar
neste primeiro momento com as crianças. Tem sido tudo muito
diferente em minha vida e eu juro que tento pensar em milhares de
maneiras de agradecê-lo por tudo que tem feito, mas nada que eu
pense chega perto da grandiosidade de todas as ações e toda a
entrega do meu garoto de açúcar.
Algumas pessoas provavelmente iriam dizer que ele não
está fazendo mais que a obrigação. Mas, porra... ele é tão jovem,
está no meio de uma faculdade importante, temos condições
financeiras de terceirizar parte da ajuda que ele está me dando.
Porém, isso não o suficiente para Nicolas, e foi por escolha própria
que ele resolveu abdicar dos próprios compromissos e estar aqui
cem por cento do tempo, desempenhando lindamente seu papel de
pai.
Agora há uma pessoinha que precisa muito ser citada:
Samuel, o filho perfeito de Lucca Albuquerque. Eu sou tão grata por
ele ter puxado o pai em tantas coisas, que mal consigo descrever.
Ele é o Lucca miniatura e isso é fascinante, sinônimo de que será
um grande homem. Tão novinho, meu pequeno já se mostra um
gigante. É carinhoso com os bebês, compreensivo comigo,
cuidadoso, ele é tudo de melhor que possuo na vida, é aquela
pessoinha que faz com que eu me torne centrada e veja a vida
sempre com mais leveza, pelo melhor ponto de vista possível. Me
alegra imensamente saber que gerei um serzinho tão benevolente,
educado e repleto de qualidades admiráveis.
E agora há mais dois companheiros para esse serzinho,
mesmo com pouco tempo de nascido, os dois já vem mostrando que
são diferentes. Dos dois, Bruno é o mais calminho e dorminhoco, ele
é risonho do tipo que tem o riso frouxo, é sonhador ao ponto de
fazer caras e bocas dormindo. É cedo, mas eu poderia dizer que ele
é mais como o pai e terá o sorriso tão impactante quanto. Já Kiara...
todas às vezes que olho para ela me pego rindo. Eu vejo
nitidamente uma versão minha, até mesmo fisicamente. Algumas
poucas fotos de quando eu era bebê revelam isso. Além disso, ela
já se mostra uma bebê com personalidade forte. Ela tem o choro
alto, já demonstra um certo nível de exigência, não é tão fácil de ser
enrolada e tampouco possui o riso frouxo. Ela dá alguns sorrisos
furtivos, mas é mais avaliativa que Bruno. Se ela fosse um pouco
mais velha, eu poderia dizer que ela filtra cada uma das palavras
que ouve e desconfia de todos os nossos atos. E, sinceramente,
não sei dizer se ter puxado a mim é bom ou ruim. Depende do ponto
de vista.
Se permanecer assim, uma miniatura da mãe, ela será
determinada, batalhadora, forte, empoderada, didática, um pouco
como um trem desgovernado e não será enrolada muito facilmente
por qualquer pessoa. Tem coisas boas em ser assim, mas também
tem as ruins.
A parte ruim de ser como eu é que, por ser como sou,
acabei cometendo muitos erros na vida e deixei de viver histórias
significativas boicotando a minha própria existência durante anos. A
parte boa é decorrente da coragem e determinação; coragem até
mesmo de enfrentar os próprios erros. Sem modéstia, posso afirmar
que poucas pessoas no mundo são capazes de dar a cara a tapa e
assumir os erros como fiz e sigo fazendo. Acho que isso diz muito
sobre o caráter de uma pessoa, mesmo que esse caráter fique
oculto por uma parcela de tempo. Não somos perfeitos, mas nos
tornamos melhores quando reconhecemos as imperfeições e
assumimos os erros. Não existe nada mais delicioso que poder se
deitar em uma cama a noite com a consciência limpa de quem é
devidamente verdadeiro em suas imperfeições.
O que posso concluir com todos esses pensamentos e com
a visão que tenho sobre o meu passado, é que não devo julgar a
minha filha com base em quem fui. Devo apenas guiá-la para que
ela seja ao menos um pouco da mulher que me tornei e que tenho
orgulho de ser. Ao contrário da minha história, a dela será diferente.
Nunca, em hipótese alguma, serei uma mãe omissa ou permitirei
que minha filha se sujeite a determinadas questões. Jamais deixarei
que ela sofra mesmo que uma parcela mínima do que sofri, que
sofra os preconceitos que sofri. Pensar nisso me deixa muito
confiante com o futuro dela, de Bruno e de Samuca. Os três
possuem pais e mãe capazes de fazer qualquer coisa para
defenderem e dispostos a oferecer sempre a melhor educação
possível, criando-os como pessoas do bem, regados de valores e
qualidades que todos deveriam possuir.
Ter tido um passado fodido e regado de erros tem algumas
vantagens; usarei toda a bagagem que carrego comigo como
exemplo para educar meus filhos de forma que eles nunca cometem
os mesmos erros que eu e que se inspirem em todos os meus
acertos. Eu ressignifiquei a minha vida e a minha história, e carrego
comigo a certeza de que tentarei ser cada dia melhor por cada um
deles.
As manhãs ganharam um novo sentido nos últimos tempos.
Orgulhosa da família que construí, observo meus gêmeos
dorminhocos deitadinhos em seus carrinhos próximo a mesa do café
da manhã enquanto Nicolas e Samuel discutem sobre um jogo de
vídeo game. A discussão é acalorada e eu seguro a vontade de
gargalhar a cada vez que Samuel percebe que está falando alto
demais e diminui o tom. Nem mesmo precisamos chamar atenção,
ele mesmo tem consciência e isso me deixa ainda mais
apaixonada.
Hoje ele irá para a casa de Lucca. Ele tem se dividido entre
as casas e a guarda dele está mais compartilhada que nunca. É ele
quem tem feito a divisão, tudo com intuito de dar atenção igual aos
irmãos, já que Lucca e eu trabalhamos sobre isso com ele. Na casa
de Lucca há o agravante de, além de Yaya, tem Henrico, o fiel
escudeiro de Samuca. Aqui só há os gêmeos que não são capazes
de brincar ainda. Porém, Samuel se diverte da mesma maneira. Ele
está amando ser o irmão mais velho, inclusive está muito
autoconfiante e se achando um homenzinho.
O interfone toca e eu mesma vou atender, incapaz de
atrapalhar a conversa animada entre padrasto e enteado. É uma
entrega e eu visto meu robe para poder ir até a porta recebê-la.
Um entregador deposita em minhas mãos um enorme buquê
de rosas pretas. É um tipo exótico de flor que eu nunca havia visto
de perto, nem mesmo sei se esse tipo de rosa existe no Brasil,
digamos que não sou uma mulher ligada a flores. O cheiro das
rosas me enjoa como se tivesse algo mais além delas. Assino o
registro de recebimento e entro já sentindo um mal pressentimento.
Vou diretamente abrir o cartão e fico sem reação ao ler as palavras:
"Diógenes amaria saber que possui mais dois bebês.
São três ao todo. Incrível, não? Fico me perguntando se ele
seria capaz de matar os três. Não sei você, mas tenho a ligeira
impressão de que a diversão dele seria garantida, assim como
o seu sofrimento (mais que merecido). Concorda? Eu sei tudo
sobre você, Dandara Farai! Estou te acompanhando! Nem todo
passado pode ser enterrado. Com todo amor, L."
DANDARA
"Diógenes amaria saber que possui mais dois bebês.
São três ao todo. Incrível, não? Fico me perguntando se ele
seria capaz de matar os três. Não sei você, mas tenho a ligeira
impressão de que a diversão dele seria garantida, assim como
o seu sofrimento (mais que merecido). Concorda? Eu sei tudo
sobre você, Dandara Farai! Estou te acompanhando! Nem todo
passado pode ser enterrado. Com todo amor, L."
O impacto que sinto ao ler a mensagem é forte. Por um
minuto vejo o mundo inteiro girar bem diante dos meus olhos. Me
dou conta de que há muito mais problemas do que eu imaginava, há
mais coisas a serem enterradas.
Quando olho para a mesa onde Nicolas e meus filhos estão,
sinto medo. É tão "não eu", mas faz todo o sentido. Por todas as
coisas que já passei, pela maldade que já enfrentei, pelos erros que
cometi. É questão de honra proteger a minha família, o presente
perfeito que estou vivendo, defender a minha própria superação.
Trilhei caminhos difíceis, fiz muitas coisas das quais não me
orgulho, foi difícil atingir o patamar em que me encontro agora;
precisei pedir perdão e me perdoar. É por isso que respiro fundo e
decido resolver essa questão com Lívia de uma vez por todas. Sinto
que enquanto não tomar frente dos problemas do passado, me
manterei presa de alguma forma.
Munida de coragem e vestindo a velha armadura que
sempre faz parte de quem sou, vou rumo ao meu quarto.
No meu closet, escolho uma roupa decente e discreta; opto
por um terno feminino branco, scarpins combinando. Se é para
destruir com alguém, eu preciso estar confiante desde o meu estilo,
em cima de um salto digno. Não aceito sair por baixo.
Quando estou devidamente pronta, com a arma escondida
na minha calça e me sentindo confiante o bastante. Situações
caóticas pedem medidas extremas e eu irei até o fim, até onde for
necessário para obter paz e tranquilidade.
Estou saindo do quarto quando Nicolas surge, com um
semblante altamente estranho.
— Aonde vai, cacto? Que flores são aquelas na sala? —
pergunta. Eu poderia mentir, mas mentiras não podem mais fazer
parte da minha vida.
— Lívia me cumprimentando pelo nascimento dos nossos
filhos, de uma maneira um tanto quanto mórbida.
— Entendo, e por que está arrumada desta maneira? — A
preocupação está estampada em seu rosto.
— Nicolas, você sabe que eu tenho uma gama de
pendências para resolver; Lívia é uma delas. Preciso situá-la,
preciso tomar as rédeas ou serei refém do Diógenes, mesmo ele
estando morto, graças a essa mulher. Não quero que nossa vida
sofra interferências negativas.
— Não acho que seja prudente você sair de casa como uma
verdadeira justiceira, sozinha.
— Concordo com você, mas neste momento eu tenho que ir
sozinha e preciso que cuide dos nossos filhos. Ao menos um de nós
precisa ficar, e esse alguém é você, Nicolas. Eu prometo que serei
prudente, preciso que confie em mim, mesmo meu histórico
deixando muitos motivos para desconfiar. Não colocarei em risco o
que estamos construindo, os nossos filhos, a nossa relação. Preciso
que confie em mim e fique — peço, tocando seu rosto. — Eu amo
você, garoto de açúcar. Você mudou tudo.
— Não vá. Como acha que ficarei sabendo que a minha
mulher, mãe dos meus filhos, resolveu sair para fazer justiça
sozinha?
— Sempre fiz justiça — brinco. — Ao menos desde que me
tornei uma juíza, sempre que saio de casa é para fazer justiça. Em
breve será você, Nicolas. É uma profissão perigosa, mas com muito
preparo somos capazes de sair ilesos.
— Não estou brincando, Dandara. Você entendeu muito
bem o que eu quis dizer.
— Eu entendi, mas você parece não ter entendido tudo o
que estou dizendo de forma sútil. Então, para ser mais clara e
objetiva, estou indo destruir a Lívia antes que ela nos destrua,
Nicolas. Quer você queira ou não. Eu amo você, amo nossos filhos
e preciso fazer isso. Eu quero fazer isso. Há muito sobre Lívia em
minhas mãos. Se estou indo, é porque sei que serei capaz de atingi-
la. Não sou mulher de ficar só em ameaças e indiretas como ela. Eu
dou o recado pessoalmente e não temo.
— A sua impulsividade... — ele parece não saber o que
dizer. Parece estar em um daqueles raros momentos em que
demonstra ter a idade que tem, um pouco perdido, receoso,
inseguro. Eu, obviamente, o entendo. Só não posso deixar de
registrar como fico perdida quando ele age como um garoto de 22
anos diante de uma leoa de 38. É muito louco que eu tenha um
relacionamento como um alguém tão mais jovem, é engraçado, e
sei que muitas pessoas devem dizer o quão incompatíveis
parecemos ser. A Dandara combinaria com um homem mais velho,
maduro, dominador... um homem que a fizesse abaixar as rédeas e
o topete. Mas, ninguém sabe que o único homem que já me colocou
de joelhos algum dia é esse que está diante de mim, demonstrando
um misto de sentimentos bagunçados.
— Eu prometi a você meses atrás que não erraria mais,
Nicolas. Mantenho a minha promessa. Preciso ir e preciso que cuide
dos nossos filhos, mesmo que Samuel seja apenas meu, ele
também se encaixa nessa turma. — Sem permitir que ele diga mais
qualquer palavra, saio apressada, mas não sem antes descer ao
escritório e imprimir algumas folhas de algo que me será muito útil.
Não sou capaz de me despedir dos meus filhos. No fundo,
bem lá no fundo, há uma pitada de medo que me faz vacilar. Essas
crianças são tudo de mais precioso que possuo, simbolizam uma
nova era na minha vida. Sou incapaz de pontuar cada uma das
mudanças que sofri desde que engravidei de Samuel. Aprendo um
pouco a cada dia com eles, me transformo em uma versão melhor a
cada segundo. Só quero protegê-los, quero proteger Nicolas e
proteger a mim mesma. Meus filhos precisam da mãe viva e bem, e
eu devo isso a eles.
Dirijo tão centrada que mal sobra espaço para
pensamentos; só recobro a consciência quando estaciono o carro
no estacionamento do fórum. Mais uma forte respiração e eu desço,
sentindo a proximidade com a velha "eu", aquela que não temia e
que passava por cima de quem fosse necessário. Isso me faz dar
conta de que, por mais que passemos por transformações, nunca
conseguimos um distanciamento completo da pessoa que
costumávamos ser. Nossos demônios, nossos velhos costumes,
estão sempre por perto e ocupam o devido lugar quando
necessário.
"Diante de mim as pessoas se inclinam."
— Bom dia, meritíssima! — uma atendente me
cumprimenta, e dou um leve sorriso a ela.
— Bom dia! A promotora Lívia encontra-se presente? —
pergunto.
— Sim. Devo anunciá-la?
"À minha voz ocorrem."
— Não se quiser manter o seu emprego. — Sorrio com toda
a simpatia que não possuo e sigo rumo à sala de Lívia.
O barulho do meu salto no piso é possível ser ouvido por
todos e me causa uma leve sensação de mal-estar no dia de hoje.
Não bato na porta de Lívia para entrar. Eu chego com o pé direito e
ganho a chance de vê-la se assustar com a minha presença,
deixando uma pilha de papéis caírem ao chão. A secretária dela sai
apressada assim que lanço um olhar. No fundo, eu amo a sensação
de ser temida, isso faz com que eu sinta o poder correndo em
minhas veias.
Não me julgue, não há nada mais prazeroso que ser uma
mulher poderosa, mesmo que só dê para mostrar todo esse poder
ocasionalmente. Sim, ninguém é poderosa 24 horas por dia. Todos
possuímos fraquezas que fazem o poder vacilar, mas estar em uma
posição onde você é temida, respeitada e mais um montante de
coisas, é incrível!
Fecho a porta com chave e me viro de frente para a Lívia.
— Bom dia, promotora — a cumprimento com o melhor dos
meus sorrisos. — Recebi seu recado e achei melhor respondê-la
pessoalmente.
— O que está fazendo aqui?
— Eu não vou repetir o que estou fazendo aqui. Aliás,
obrigada pelas flores. As achei um tanto quanto exóticas,
diferenciadas — agradeço, tirando a arma da minha calça,
colocando-a sobre a mesa e me sentando logo em seguida. — Acho
que temos assuntos pendentes, ou estou enganada? — Lívia pega
o telefone e eu pego a arma no mesmo instante, destravando-a e
apontando para ela. — Você não será estúpida o bastante. — Eu
amo ver o medo estampado em seu rosto e suas ações. Amo que
ela esteja colocando o telefone de volta no lugar e engolindo a seco.
— Quem pensa que é para me mandar aquelas flores e falar sobre
os meus filhos?
— Eu quis assustá-la, porque você é repugnante e se acha.
— Talvez eu me ache, afinal, eu posso me achar. Pense...
sou bonita, gostosa, excelente na cama, sou temida e respeitada na
minha profissão, tenho um marido novinho cheio de gás, meus filhos
são apenas fantásticos, sou milionária, poderosa... Mil e um motivos
para eu me achar, não é mesmo? Amor-próprio é tudo! — Sorrio
ficando de pé. — Acho que ficará mais confortável se sentando,
promotora.
— Abaixa essa maldita arma!
— O quê? Acha que irei matá-la aqui? — pergunto, e dou
uma gargalhada. — Acha que eu destruiria a minha própria vida a
matando dentro do fórum? Oh, querida, você é mais estúpida do
que eu imaginava; além de ingênua e burra. A única vida que será
destruída aqui hoje é a sua, e não farei isso comprometendo a
minha felicidade e a minha liberdade. Tenho um marido bem jovem
e três filhos incríveis. Acha que eu arriscaria perdê-los por conta de
uma vagabunda inescrupulosa? — Ela se senta e eu travo a arma.
— Não é você quem dará a sentença final aqui, promotora. A juíza
sou eu, o veredicto é meu. Agora que tal conversarmos sobre o fato
de você vender a sua filha à Diógenes desde que ela era apenas
uma adolescente, menor de idade? — A vejo perder a cor bem
diante dos meus olhos.
— Você é louca! Eu não fiz isso!
— Como eu disse, além de inescrupulosa, você é ingênua e
burra. Até para cometer um crime é necessário usar a inteligência,
mas isso te falta. E, como se não bastasse ter deixado brechas,
você ainda decide entrar no meu caminho e brincar comigo. —
Sorrio. — O que todos dirão assim que eu espalhar todas as provas
que possuo, incluindo mensagens de texto e transações bancárias?
Você está arruinada, Lívia. Infelizmente não terei o gosto de julgá-la
em um tribunal, diante de dezenas de pessoas, mas, felizmente,
estou te julgando agora e a minha sentença é que junte as suas
coisas, mude de cidade ou país, desapareça do meu caminho e do
caminho da sua filha. Você irá deixá-la com estabilidade financeira,
mesmo que isso não pague o estrago psicológico que ela deve
possuir, e vai desaparecer da vida da garota; principalmente da
minha vida. Eu não quero mais ouvir qualquer pessoa falar de você,
seguirei seus passos até me certificar que está no inferno, a
quilômetros de distância de mim e de todas as pessoas para quem
já fez mal. Você tem até amanhã de manhã para fazer o que estou
mandando. — Ela escorrega da cadeira e cai de joelhos aos meus
pés. Sou eu quem engulo a seco agora.
— Por favor, me perdoe...
— Não existe nada mais prazeroso que vê-la nesse estado
e ouvir essas palavras saindo de sua boca. Sabe por quê?
— Não...
— Porque diante de mim as pessoas se inclinam, à minha
voz ocorrem; à minha palavra obedecem, ao meu mandado se
entregam, ao meu gesto se unem, ou se separam, ou se despojam.
Ao meu aceno as portas das prisões se fecham às costas do
condenado ou se lhe abrem, um dia, para a liberdade. O meu
veredicto pode transformar a pobreza em abastança e a riqueza, em
miséria. Da minha decisão depende o destino de muitas vidas.
Sábios e ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os moribundos, todos
estão sujeitos, desde o nascimento até a morte, à Lei, que eu
represento, e à Justiça, que eu simbolizo. Já ouviu essa prece?
— A prece de um juiz.
— É. Exatamente. Eu amo que esteja inclinada, pedindo
clemência. Da minha decisão depende o destino da sua vida agora.
Você irá obedecer à minha palavra e escolherá sumir para o seu
próprio bem. Será livre, em um lugar bem distante. Eu poderia fodê-
la bem mais, mas, ao contrário disso, estou comprando a minha
paz, corrompendo o que poderia acabar de vez com a sua vida. Eu
quero paz, promotora e quero paz para a sua filha também, mesmo
que ela tenha demonstrado muito interesse em Nicolas. Mas isso é
outro assunto. Você vai desaparecer, porque embora eu seja juíza,
sei que as leis do nosso país são falhas e não vou correr riscos. Vai
desaparecer porque a única justiça que terá que enfrentar é a de
Deus, e com Ele não há falhas. Acredite, eu sei bem disso, já a
enfrentei e o preço que se paga é extremamente alto, de forma que
justiça alguma da terra conseguiria te cobrar — argumento. — Até
amanhã de manhã... caso não cumpra o meu mandato, antes do
almoço seu dossiê estará estampado em vários jornais e eu mesma
farei questão de distribuí-lo no Fórum. Você pode brincar comigo,
Lívia, mas jamais use os meus filhos para me atingir. Nunca duvide
do que sou capaz de fazer. Eu posso destrui-la ainda mais e eu não
medirei esforços caso não siga os meus comandos. Dá próxima vez
serei eu a mandar flores pretas, mas elas adornarão uma coroa de
flores e simbolizando as minhas condolências pela sua morte.
Guardo a arma em minha calça, deixo o envelope com
algumas das provas que possuo sobre a mesa dela, abro a sala e
saio, deixando uma Lívia devastada no chão.
"Julga-me como um Deus. Eu julguei como homem."
DANDARA
Saio do fórum e sigo diretamente para o consultório da
doutora Rovena. Não marquei horário, mas me arrisco e a
secretária, que já me conhece bem o bastante, apenas abre a porta
para que o furacão Dandara invada a sala da pobre terapeuta.
Doutora Rovena está em sua mesa, digitando algumas
coisas no notebook. É engraçado quando ela levanta a cabeça e me
encontra; a mulher quase dá um salto da cadeira e, para aterrorizá-
la mais, eu retiro a arma da minha calça e coloco sobre a mesa
dela, lutando fortemente contra o riso.
— Misericórdia, Dandara! — exclama, ficando de pé e
levando duas mãos ao peito. — Quem você matou?
— Infelizmente, não matei qualquer pessoa. Na verdade,
acho que nunca fui tão benevolente como precisei ser hoje. Mas, se
a senhora pensa que fiz o que fiz por ser boazinha, preciso dizer
que está completamente errada. Eu fiz porque a minha ficha é
completamente suja e eu não poderia ir tão longe. Não sou capaz
de matar uma pessoa, mas teria me transformado em um monstro
aterrorizante se o meu histórico não fosse tão ruim.
— O que houve?
— A promotora Lívia resolveu me mandar um buquê de
flores negras, com um bilhete ridículo em tom de ameaça, dizendo
até mesmo sobre os meus filhos. Eu não poderia deixar isso passar
batido, precisei ir resolver. Na verdade, no fundo, nem tão fundo, eu
queria matá-la ou surrá-la, descer do salto por completo, entende?
Mas ao que parece ela sabe muito de mim, mais do que deveria, e
eu não quis arriscar o meu nome. Por isso, precisei pegar leve com
ela, ao invés de massacrá-la por completo. Agora ela sabe que
tenho inúmeras cartas na manga, e que ela pode ser muito mais
prejudicada dessa brincadeira do que eu. Espero que ela siga
exatamente com o que mandei, ou...
— Ou...
— Ou terei que ir longe demais, mesmo não querendo ir —
confesso, sentando-me. — Sente-se, doutora. Estava com
saudades.
— Tem uma arma na minha mesa.
— Não tenho pretensão de utilizá-la. Só a trouxe por medida
de segurança. Sabe como é, muitos inimigos me assombrando...
mais que bandidos.
— E Nicolas? Ele está de acordo com as suas atitudes?
Preciso saber, visto que me elegeram como terapeuta de casal e
somente a senhorita está aqui, cacto. Digo, Dandara. — Doutora
Rovena se ajeita elegantemente em seu sofá e eu sorrio.
— Talvez ele não tenha ficado muito satisfeito. Acho que
posso ter o atropelado e talvez tenha feito com que ele se sentisse
um pouco inferior, mesmo não querendo isso e sabendo que se
existe alguém inferior, esse alguém sou eu. Acho que a diferença de
idade deu as caras hoje, mas pretendo espantá-la assim que chegar
em casa. Ou acha mesmo que devo esperar 40 dias para ter um
pouco de diversão com Nicolas?
— Não sou obstetra ou ginecologista, mas... você que sabe.
Você é uma grande coisa difícil, Dandara. Quando infiltra algo em
sua mente, ninguém é capaz de tirar. Não irei gastar minha saliva a
repreendendo.
— Doutora Rovena, eu acho que a senhora está precisando
de um pouco de diversão, talvez uma diversão com o sexo
masculino, feminino se for a sua opção. Tanto faz. O importante é
ter alguns orgasmos com um parceiro. Em todos esses meses de
terapia, cheguei a essa conclusão — comento, tamborilando os
dedos.
— Olha o abuso de poder. Meritíssima, seu poder fica lá fora
do meu consultório. Aqui, sou eu a pessoa quem detém o controle, a
profissional capacitada. E, a senhora está equivocada, talvez um
pouco louca após ter tido uma manhã turbulenta. Visto que não
tínhamos uma consulta marcada, estou te expulsando do meu
consultório. Fui pega desprevenida, nem pude me preparar
psicologicamente para te receber.
— É necessário um preparo psicológico para me receber?
— pergunto rindo.
— Com toda certeza sim. Você pode ser assustadora,
Dandara. Pobre Nicolas, que está seguindo seus passos e ficando
tão insano quanto. Agora, se me permite, queira se retirar, por
gentileza — ela diz ficando de pé, tentando manter sua postura de
mulher toda poderosa e dona do consultório. Fico de pé também e a
puxo para um abraço.
— Doutora Rovena, sei que é extremamente antiético esse
tipo de comportamento entre médico e paciente, mas eu gosto muito
da senhora, sou grata a tudo que fez e segue fazendo por mim.
Aqui, neste consultório, é onde consigo me libertar de tudo. Lá fora
daquela porta, a vida real está pronta para bater fortemente com
todas as verdades. Aqui eu posso me libertar do peso de ser quem
sou, do peso das minhas escolhas erradas, do poder, de tudo. Aqui
é como se eu pudesse ser pés no chão, deixar toda a carcaça de
mulher indomável e inalcançável lá fora, para ser quem realmente
sou, de alma e coração. Eu só vim porque queria agradecê-la. Se
não fosse todo o acompanhamento e suporte que me dá, talvez eu
teria agido de uma maneira muito ruim minutos atrás no fórum. Sabe
o que isso significa? Que está presente em minha vida mesmo
quando não estamos perto, que sigo seus ensinamentos e seus
conselhos. Nada é em vão, doutora. Muitas pessoas desistem da
terapia logo nas primeiras sessões, mas vale a pena persistir,
porque com o tempo tudo começa a fazer sentido e te transforma
em uma versão melhor. Você me faz querer ser um ser humano
melhor a cada dia, doutora. Torço muito para que seja imensamente
feliz.
Doutora Rovena está aos prantos agora e eu a abraço
novamente. Nunca fui uma mulher de distribuir abraços, mas tenho
uma gratidão enorme a ela e a todas as mudanças que seus
ensinamentos trouxeram para mim. Ela foi a primeira pessoa a me
acolher em um dos momentos mais difíceis da minha vida, quando
não havia ninguém e quando eu tinha acabado de destruir o que
havia sobrado da relação com o Lucca. Meu porto seguro, mesmo
que maneira profissional. Eu sempre via uma vontade dela de poder
me abraçar, consolar, e a luta para se manter firme e profissional em
respeito a ética. Enfim, hoje, após o susto matinal, estou me
sentindo grata até mesmo aos meus erros. Sim, foi através deles
que enxerguei muitas coisas na vida que não era capaz de
enxergar.
Me despeço de doutora Rovena e sigo direto para casa,
para encontrar Lucca e Nicolas conversando, portando semblantes
de seriedade. Nicolas parece uma mistura de alívio e apreensão
quando me vê. Lucca... Lucca apenas tem a palavra repreensão
estampada em seu rosto.
— Bom dia! — os cumprimentos sorridentes.
— Está tudo bem? — Lucca pergunta.
— Ao que parece sim — respondo sorrindo. — E por aqui?
— Não fez nenhuma estupidez? — Nicolas é quem pergunta
agora.
— Vocês pensam muito pouco da minha pessoa.
Sinceramente, tenho 3 filhos, o que pensaram que eu iria fazer?
Matar Lívia?
— Mãe! — Samuel surge correndo com uma mochila nas
costas e se joga em mim, quase me derrubando.
— Meu pinguim mais perfeito! Está indo passear com o
papai?
— Sim. Você cuida dos meus irmãos — diz simplesmente, e
eu me pego rindo.
— Cuidarei sim. E você, comporte-se, brinque muito com
Henrico e cuide de Yaya. Não preciso lembrá-lo de respeitar o papai
e a tia Paula, preciso?
— Não precisa. — Sorrio orgulhosa e o encho de beijos
antes de soltá-lo. Ele sai como um desesperado e mira em Lucca,
que o pega mais que rapidamente. Eu amo que sejamos assim, uma
grande família. Amo ver meu filho tão repleto de vida e felicidade por
estar cercado de pessoas que fariam qualquer coisa por ele.
Felizmente, Lucca desiste de me dar o sermão que sei que
iria dar, se despede e segue com meu pinguim. Eles se vão e eu
encaro Nicolas, que parece completamente atordoado.
— Onde estão nossos filhos? — pergunto curiosa.
— Dormindo. Dona Sueli está com eles — explica, se
referindo a nossa nova ajudante.
— Ei, eu não fiz nada estúpido, ok? — digo, me
aproximando e abraçando meu garoto de açúcar, que está me
encarando fixamente agora. — Apenas fui firme e exigi que ela
fosse embora do Rio de Janeiro, desaparecesse. Ainda fui
benevolente ao exigir que deixasse a tal Camila com o mínimo de
estabilidade, visto que a garota já deve ser sofrido o bastante nas
mãos daquela megera. Não sei como é a relação das duas, se
Camila tem qualquer admiração pela mãe, se eram parceiras no
crime, mas... segui meu coração. Poderia ter sido muito pior, mas
tenho teto de vidro e sei que essa mulher deve ter muito sobre mim
guardado.
— Você é tempestuosa e impulsiva, isso me assusta,
Dandara. Tem uma incrível mania de não ouvir a opinião dos outros
e sair atropelando tudo. Mas, pelo que parece, isso nunca vai
mudar, não é mesmo?
— Ela falou sobre os nossos filhos — comento me
afastando. — Eu posso ser o que for, Nicolas, mas meus filhos...
eles não devem pagar pelos meus erros, nunca. Nem que para isso
eu tenha que cometer novos erros, como fiz assim que descobri
sobre Samuel. Eu posso pagar, eles não. E, não aceito pagar por
erro algum vendo meus filhos sofrerem qualquer maldade. Sou
capaz de suportar passar até mesmo por torturas, sou capaz de
sangrar, desde que meus filhos estejam seguros, protegidos.
Entenda uma coisa desde já, por eles eu sempre irei atropelar tudo,
mesmo que isso acabe machucando outras pessoas. Sinto muito
que tenha ficado ressentido comigo, que eu tenha até mesmo te
atropelado um pouco essa manhã, o deixado confuso, mas havia
nossos filhos sendo citados e isso eu não permitiria. Faça qualquer
coisa comigo, menos com eles.
— Eu já a imagino brigando em colégios caso aconteça
qualquer coisa com os nossos filhos, incluindo Samuel. — Isso me
faz rir, porque é a minha cara brigar em colégios caso algo ocorra
com qualquer um deles. — Você desgraçou a minha vida mesmo,
vossa excelência — ele diz, me puxando abruptamente para os
seus braços. — Eu te amo muito, cacto. Me desculpe por pensar
pouco, mas seu histórico de impulsividade é extenso e...
— Está tudo bem. Mas, precisa saber que ainda há uma
grande batalha a ser enfrentada por mim e preciso de você, da sua
força, da sua responsabilidade e compreensão. Ainda não acabou,
Nicolas. O que temo ser a pior parte, ainda está por vir.
— O quê?
— Preciso enfrentar a minha família. Preciso voltar ao lugar
onde mais fui machucada para tentar curar algumas feridas. Não
será fácil, tampouco bonito, mas é necessário fazer isso antes que
meu passado volte a me aterrorizar. Não estou sozinha mais, não
quero que os meus problemas do passado afetem os meus, os
nossos filhos.
— Apenas não seja impulsiva, ok?
— Tentarei não ser. Acredite, essas crianças me salvaram
muito bravamente. Não dou um passo que não seja pensando
neles. Hoje eu tenho quatro grandes motivos que me impedem de
ser ou agir como louca. Um deles é você. — Sorrio.
— Você floresce um pouco a cada dia.
— Você me rega diariamente, garoto de açúcar. É
impossível não florescer tendo você e nossas crianças. Vocês me
fazem ser uma pessoa melhor. A propósito, há muitas pessoas que
contribuem para isso, mas vocês são os principais.
— Quando mesmo termina o resguardo? — Sorrio com a
pergunta repleta de segundas intenções.
— Acho que ele acaba de ser exterminado, garoto de
açúcar. Eu amaria tê-lo enterrado dentro de mim após todo período
de pausa.
DANDARA
Eu não saberia descrever o quanto aprendi e aprendo
diariamente com a maternidade. E, a última gestação parece ter
ocorrido com um propósito: me mostrar que nem tudo é como eu
quero, nem tudo pode ser devidamente controlado de acordo com
as minhas expectativas ou necessidades. Minhas necessidades,
que eu costumava colocar acima de tudo, deixaram de ser o centro
da minha vida. Agora há três pessoinhas que estão a frente de tudo
e, sendo bem sincera, esse processo não foi e nem mesmo está
sendo fácil. É difícil para uma mulher como eu se dar conta de que
perdeu o poder de controlar tudo, mais difícil ainda é aceitar isso
com sensatez e com a segurança de que está fazendo a coisa certa.
É assim que tem ocorrido, um processo longo, demorado, que
muitas das vezes causa até mesmo um pouco de sofrimento. Todos
os dias eu tenho aprendido a não me frustrar quando meus planos
precisam mudar, mas o maior desafio tem sido controlar a minha
mente e a minha personalidade forte e exigente. Definitivamente a
nossa mente é realmente o que chamam de nosso lar. Ela é morada
de tudo que nos compõe e é quase assustador parar e analisar isso;
é como se eu fosse a própria espectadora da minha vida. Acho que
devo isso à doutora Rovena. A terapia fez e tem feito com que eu
olhe mais para dentro de mim, que eu analise mais meus
pensamentos e minhas ações, que eu consiga controlar mais até
mesmo as frustrações. É por isso que precisei parar, diminuir o ritmo
e acalmar o furacão que posso ser.
É extremamente complicado para uma mulher como eu
planejar uma rotina e em questão de segundos ter que modificar
todos os projetos. É extremamente difícil controlar a auto cobrança
por querer dar conta de tudo e não conseguir; isso gera uma
frustração indescritível.
No início, essa transição foi extremamente complicada,
mesmo eu amando meus filhos com todas as forças. Em alguns
momentos eu sentia que me perdia de mim um pouco a cada dia, e
se não fosse o fato de fazer acompanhamento psicológico e ter um
mega marido ao meu lado, provavelmente eu teria embarcado em
uma depressão pós parto. Eu agora aprendi a conciliar meu tempo
de forma que eu consiga ser várias em uma. Eu preciso ser a mãe
para os meus filhos e separar isso da esposa para o meu marido e
da juíza para o tribunal; além de encaixar nesse bolo todo a amiga
dos meus amigos e a paciente da doutora Rovena.
Eu não sou a Dandara que vocês conheceram e,
sinceramente, em alguns momentos eu sinto falta de ser. Eu
gostava da imponência que eu tinha, do jeito inalcançável, de ver as
pessoas temerem a minha presença. Havia tanto poder em mim,
mas ... na verdade, eu não deixei de ser uma mulher poderosa; o
meu poder sofreu apenas algumas mudanças e eu demorei muito a
enxergar isso. Ressignifiquei o significado da palavra PODEROSA
para mim e hoje consigo me ver como a própria Mulher Maravilha,
afinal, só sendo uma Mulher Maravilha para dar conta de três filhos,
de um marido "ninfeto" cheio de gás e ainda conseguir trabalhar.
Inclusive, minha ginecologista é a principal responsável por eu estar
dando conta do recado. Pense em uma mulher que fez um
tratamento hormonal completo? Sou eu. Hormônios regulados é
tudo que uma mulher insana pode querer.
Incrível, né? Trocar a sede pelo poder, pela sede por
hormônios regulados. Eu mereço nota 10 por ter me tornado uma
alguém que eu mesma costumava julgar. Sim. Não vou mentir ou
me fingir de santa, todos sabem que não sou e que meu lugar talvez
esteja reservado ao lado do diabo. Desde que fui julgada
brutalmente na infância, adquiri o péssimo habito de julgar a tudo e
a todos. Talvez seja por isso o meu amor pela minha profissão. Ser
juíza se encaixa bem nas tendências que adquiri com esses
traumas, mesmo que eu não me orgulhe de parte disso.
O poder que eu buscava desde menininha nada mais era
que uma ilusão ou uma necessidade de se impor, talvez "retribuir" o
que faziam comigo. Essa sede insana e insaciável me levou a
lugares extremamente ruins. É engraçado olhar para trás. Sempre
que faço isso parece que estou vendo um filme que mistura ação,
terror, uma trama capaz de extrair de uma pessoa os mais diversos
tipos de sentimentos; certamente o primeiro deles é o sentimento de
pena e com certeza o último é o sentimento de nojo. Nojo por ter me
tornado a pessoa que a necessidade de se impor e de provar para
as pessoas que eu poderia ser muito mais que elas.
Eu era só uma criança. Eu só queria e precisava de
proteção. As pessoas que tinham a obrigação de me defender foram
as primeiras a colocar panos quentes em situações em que eu
precisava de defesa, foram as primeiras a fazerem com que eu me
sentisse fraca e as primeiras a calarem a minha voz para algo tão
forte como a discriminação. Ser oprimida pelos próprios pais faz um
estrago gigantesco na vida de uma criança. Essa opressão, em
alguns casos, pode afetar negativamente o caráter de uma pessoa
pelo resto da vida. Aquela frase que diz que caráter já nasce com a
pessoa e não se corrompe, não é tão real quanto dizem. Eu sou a
prova que, durante a maior parte da vida, tive meu caráter afetado
por todas as situações difíceis que passei. Eu não acredito que teria
sido a mesma Dandara se tivesse tido pais protetores e amorosos.
Todas as vezes em que olho para a minha filha brincando,
eu só consigo pensar em transforma-la ou impulsioná-la a ser uma
mulher forte, a se impor, a enxergar a força que habita dentro de si,
a ter orgulho da cor que tem, a lutar pelos seus ideais, a defender
sua raça, a respeitar as diferenças de todos os tipos... eu olho para
ela e me vejo perfeitamente. Kiara é a personificação de quem eu
costumava ser antes dos traumas. Se meus pais fizessem dez por
cento do que faço e farei pela minha filha, teriam evitado muitas
coisas, teriam me poupado de dezenas de situações dolorosas,
humilhantes e constrangedoras. É aquilo que dizem: "educação vem
de berço". É por seguir essa linha que sei que minha filha será uma
versão minha que foi arrancada na infância. Ao contrario do meu
passado, minha filha tem e sempre terá pais que são capazes de
tudo por ela, sempre se sentirá devidamente protegida e amparada
em qualquer situação. No primeiro sinal de inferioridade que eu ver
em Kiara, eu a mostrarei todos os motivos para ela se orgulhar de
ser exatamente quem é e farei disso uma atividade diária; farei
também com que ela aprenda a lutar e se defender.
Eu deveria ter essa preocupação com Bruno também, mas,
por algum motivo, todo meu receio é direcionado à Kiara; talvez por
eu ter sido criada sob um pouco de um machismo enraizado onde
me fizeram acreditar que garotos estão mais preparados, sabem se
defender melhor, independente das consequências. E talvez eu
esteja errada sobre isso, mas é o que sinto, é o que meu sexto
sentido de mãe grita forte. Algo me diz que Bruno será mais como
um lutador forte e determinado. E algo me diz que Kiara é a minha
própria versão e, se estou certa, se ela é mesmo uma versão minha,
significa que por trás de toda impetuosidade existe um ser humano
altamente sensível, que finge de cacto na maior parte do tempo e
que floresce nos momentos em que se sente segura para mostrar
quem realmente é. De qualquer forma, há três crianças por quem eu
daria meu sangue e mataria, porque, por mais que eu esteja vivendo
uma longa fase de pura paz, eu sei ser o terremoto, sei ser a mulher
que faz com que os demais mortais peçam piedade. Velhos hábitos
ainda estão aqui, guardados a sete chaves em algum lugar dentro
de mim. Sempre que precisar eles darão as caras, embora minha
principal meta seja apenas me manter sendo a versão melhorada e
pacífica, até que seja necessário trazer de volta a segunda versão.
E, parece que a segunda versão precisará ser utilizada.
A vida é bela! Sempre ouvi muito se falar sobre isso. Mas, por trás dessa
delicada frase, escondem o quanto ela pode ser cruel. Digo o mesmo
sobre os sentimentos; alguns deles podem ser maravilhosos e outros
impiedosos, dilacerantes.

A curta viagem até a cidade dos meus pais tem sido uma das mais
tortuosas. Curiosamente, chegamos sob uma forte tempestade. Raios e
trovões nunca me deixaram com medo antes, porém, por algum motivo,
estou amedrontada e receosa. Não sou mais a mulher que queria se vingar
a qualquer custo. Estou decepcionada por estar emocionalmente abalada
por estar prestes enfrentar o passado. Foi bem mais fácil quando cheguei
aqui e humilhei a todos diante de toda a população. Não me envergonho
por pensar assim. Deveria? Talvez sim.

Uma parte bem sombria dentro de mim está amaldiçoando por estar
chovendo. Eu adoraria ser o centro das atenções de toda a população.
Gostaria que me vissem chegar e que temessem a tempestade que
somente eu sou capaz de fazer. Eu costumava ser aquela tempestade de
inverno, que onde chega devasta tudo e todos, mesmo não querendo isso,
mesmo sabendo que essa tempestade é fruto do que fui obrigada a me
tornar para me auto afirmar, para ter voz e ser ouvida.

A parte de mim responsável pela minha sensatez, neste momento, está até
satisfeita, mesmo com medo, por estar chovendo torrencialmente e isso
evitar que a minha presença seja notada e chame o mínimo de atenção.

Diferente das outras vezes, não vim em busca de me vingar. Vim em busca
de começar a viver uma felicidade sincera. No meu presente, você pode
até me ver gargalhar e pensar que não há ninguém nesse mundo que
possa ser tão ou mais feliz que eu. Eu sou feliz a maior parte do tempo e
tenho todos os motivos para ser, mas há algo que impede que essa
felicidade seja completamente verdadeira, real: o passado.

O passado não é algo que se esquece com facilidade, por mais motivos e
distrações que tenhamos; digo isso em relação às situações mal resolvidas,
aos problemas que tentamos ignorar ou colocar "panos quentes". Nossa
mente, traiçoeira que só, hora ou outra faz questão de nos lembrar do
passado, principalmente quando há traumas, mágoas impossíveis de
serem ignoradas ou evitadas, marcas que acabaram sendo tão fortes que
acabaram por transformar a nossa personalidade.

O pior de tudo é carregar a certeza de que ninguém nesse lugar sentiu a


minha falta ou quer a minha presença, ninguém aqui quer resolver
problema algum do passado. Eu sou a única que sente essa necessidade,
a única que precisa entender e então vencer isso para conseguir seguir em
paz. Enquanto eu carregar um único resquício sobre o passado, minha paz
estará comprometida, juntamente com a minha felicidade.

Há uma outra questão me deixando um pouco receosa: a presença de


Nicolas. Por mais que eu tenha aberto tudo a ele, me sinto envergonhada
por ele estar prestes a presenciar um embate difícil e humilhante para mim.
A ideia dele ter piedade por mim me enoja. Talvez isso faça parte do meu
orgulho, mas eu odeio ver as pessoas me olhando com pena. Acostumada
com olhares de temor, fica difícil aceitar a piedade.

Nicolas agora é meu marido. Nos casamos em uma cerimônia bem


intimista, apenas com os familiares dele e alguns bons amigos meus; Victor
e sua família linda, Lucca e sua família, doutora Rovena (que, certo ou
errado, acabamos quebrando a ética e nos tornamos amigas). Foi uma
cerimônia rápida, sem grandes acontecimentos além do fato de eu ter sido
dobrada por um garoto muitos anos mais jovem.

É esse garoto, mesmo que eu esteja com vergonha do meu passado


agora. Ele é um grande homem, um grande pai, um grande marido, um
grande filho, e me dá um tipo de amor louco e puro que eu pensei que
jamais viveria novamente. Na verdade, eu não me julgava merecedora de
algo desse porte desde que fiz tudo o que fiz com Lucca. Mas, felizmente,
Deus teve piedade de mim, meus pecados foram perdoados e conquistei
tudo que eu jamais um dia pensei que conquistaria.

É esse garoto, tão jovem, tão cheio de planos, que teve toda a paciência do
mundo, me tirou da zona de conforto e me resgatou de mim mesma, que
está ao meu lado e que parece conseguir captar tudo o que sinto.

Quando finalmente entramos na cidade, sinto um arrepio tomar todo o meu


corpo. Nicolas, mesmo atento à direção, parece sentir meu temor e
nervosismo, pois ele passa a dirigir com uma só mão e deposita a outra em
minha coxa, passando-me segurança e conforto em uma conversa
silenciosa, regada de palavras não ditas.

Novamente quero rir. Me sinto patética e não há nada que eu abomine


mais que pessoas patéticas. Não combina com a mulher que fui durante
muitos anos, não combina com a mulher que colocou essa pitoresca cidade
em estado de calamidade anos atrás. Eu poderia muito bem chegar toda
de mim, como sempre fui, e causar um desabamento de convicções e
pessoas. seria tão mais eu e tão mais fácil. Mas, não consigo explicar, há
uma força maior desta vez, algo que está me fazendo temer ao mesmo
tempo em que quero confrontar e colocar um ponto final em tudo. E, quanto
mais vamos se aproximando do local de destino, mais consigo enxergar o
quanto mudei nos últimos anos. Para fugir do que estou sentindo, me perco
alguns segundos ponderando se todas essas mudanças são mesmo
saudáveis ou até onde eles podem ser saudáveis. Há um radicalismo
imenso dentro de cada uma delas e tenho dúvidas sobre extremos. De
qualquer forma, esses pensamentos duram pouco, até o momento em que
o GPS informa que chegamos.

Fico por um período no mais completo silêncio, e é Nicolas quem o quebra:

— Você já os enfrentou algumas vezes e já enfrentou coisas muito piores.


Já sorriu na cara da morte, cacto. Não há motivo para estar como está.

— É tudo bem diferente agora. Sorrir na cara da morte não me causava dor
naquele momento, ou pelo menos a dor estava guardada num lugarzinho
bem escondido dentro de mim. Eu seria capaz de morrer para salvar Paula,
Lucca, meu filho. Seria capaz de tudo para mantê-los a salvo de um
passado fodido com Diógenes. Quando voltei aqui e fiz tudo o que fiz, eu
não dei espaço para que as pessoas pudessem falar. Eu queria causar a
mesma dor que eles me fizeram sentir e ponto final. Agora eu estou aqui
para ouvir e não sei o quão doloroso poderá ser. Isso faz de mim um pouco
patética. Não sou mulher de temores, nunca fui, e, de repente, encontro-me
temerosa. Estou temendo como me sentirei ouvindo verdades. Estou
cansada de sofrer, Nicolas. Não gosto de sofrer, não sou boa amiga da dor.
A dor transforma e não quero ser transformada. Não mais.

— Enfrente isso, Dandara. Antes você não tinha qualquer pessoa para
defendê-la e enfrentar a dor ao seu lado, agora é tudo diferente. Há
amparo, há amor, há Kiara, Bruno e, principalmente, há Samuca, o grande
responsável pela maior de todas as mudanças — diz, conseguindo até
mesmo arrancar um leve sorriso de mim. Meus filhos. Falar deles sempre
arranca o melhor de mim. E é pensando neles que desço do carro. Não
estou indo defender apenas o meu passado. Estou indo defender o meu
futuro, para que meus filhos um dia se orgulhem da mãe que enfrentou e
venceu preconceitos vindos da própria família.

De mãos dadas, Nicolas e eu corremos até a porta. A chuva segue forte,


sem trégua. Tocamos campainha ao menos 4 vezes, só então uma vizinha
desconhecida surge.

— Oi, eles não estão — ela informa educadamente.

— Obrigada. Saberia me dizer onde posso encontrá-los? — pergunto na


esperança dela saber. Em cidades pequenas todos costumam saber sobre
tudo.

— Infelizmente eles faleceram há duas semanas em um acidente


automobilístico. Você é? — É necessário que Nicolas me segure
fortemente assim que processo as palavras que a menina acabou de dizer.
Estou em meio ao mais completo choque, sem palavras.

— Ela é Dandara, filha deles. Eu sou Nicolas — meu marido diz, tomando
frente da situação. Vejo a garota abrir a boca em choque e então uma
senhora surgir atrás dela.

— Dandara? — pergunta.

— Sou eu.

— Desculpe pela maneira como recebeu a notícia — a senhora diz


completamente envergonhada. — Minha filha não ponderou, nem mesmo
pensou que você apareceria. Sabemos dos rumores...

— Eu... eu estou sem palavras, me desculpe — confesso.

— Bom, seus pais sempre deixavam a chave reserva da casa comigo.


Você precisa dela? — Oferece. — Na verdade, aceita um café? Estou um
pouco perdida, me desculpe. Quer saber mais informações sobre o
falecimento?

— Eu... eu não sei.


— Ei, cacto — Nico diz segurando meu rosto entre as mãos. — Talvez seja
uma boa opção saber melhor o que houve antes de decidir entrar aí na
casa ou não. Acho que precisa de um café. — Balanço a cabeça em
concordância, permitindo-me ser guiada por Nicolas. É muito bom poder
ceder o controle de forma fácil, pois sou incapaz de controlar qualquer
merda agora.

Em poucos minutos há uma xícara de café em minhas mãos. Nicolas está


com a mão em minha coxa e, diante de mim, há a senhora e sua filha. Eu
nem mesmo perguntei seus respectivos nomes, mas isso não importa
agora.

— Como tudo ocorreu? — pergunto, movida pela curiosidade.

— Sua mãe estava com câncer no intestino. Estava fazendo quimioterapia


na cidade vizinha. Seu pai foi levá-la, perdeu o controle do carro e ... o
carro caiu em uma ribanceira. Os patrões deles tentaram te encontrar, mas
não conseguiram.

— Não. Eles não tentaram. Se tivessem tentado, teriam conseguido me


encontrar. Eles sabem onde vivo, sabem quem sou. Eles não quiseram me
contar, não importa o motivo. É indiferente. Todos eles são pessoas ruins,
meus pais também eram.

— Dandara... — Nico sussurra em tom de repreensão e eu sorrio, talvez


deixando o nervosismo tomar conta de mim.

Peço a chave da casa, precisando da privacidade que só obterei naquele


lugar que tanto me traz memórias ruins. Quando entro na casa, parece que
retornei diretamente à adolescência, nada mudou. É como se eles não
tivessem movido uma única almofada do sofá. Minha respiração começa a
acelerar de uma só vez e um forte choro escapa de mim. Descontrolada.
Não há uma faísca de controle em mim, impedindo que eu possa conter o
choro. É um choro de desespero, raiva, frustração. Me assusta que não
seja de tristeza pela perda, me assusta que o cheiro deles impregnado no
ambiente me cause repulsa. Eu nunca choro de tristeza por eles, é sempre
de revolta, de ódio, de frustração. E, que patético, eu questiono
frequentemente se irei para o inferno por conta disso.

Honrar pai e mãe. Não é isso que todos os filhos deveriam fazer? Mas, e
quando os pais não honram os filhos? Isso segue sendo um mandamento?
Ou será que posso ignorar essa crença? Não consigo honrá-los, nem
mesmo na morte. Que Deus possa perdoar-me, mas infelizmente não
consigo forçar. Tudo que eu sinto é ódio. Neste momento estou revoltada
pela morte deles unicamente pelo fato de não poder obter as respostas que
eu precisava. Eu PRECISAVA.

E, mais uma vez, é nos braços de Nicolas que recebo o acolhimento


necessário.

— Cacto, eu a entendo.

— Eu precisava de respostas. Esperei anos para obter respostas —


desabafo. — Talvez tenha sido um erro esperar tanto.

— Não foi um erro. Você fez as escolhas certas. No fundo você já tinha
todas as respostas que veio procurar. Você só queria confirmar tudo o que
já sabia, cacto. O tempo todo o silêncio gritou para você as respostas de
todas as perguntas que não fez diretamente aos seus pais. Agora é o
encerramento de um ciclo, Dandara. Você pode não ter ouvido respostas
deles, mas a vida está te respondendo agora que é o momento de olhar
para frente e deixar todo o seu passado para trás. Essa é a grande
resposta, eu tenho certeza disso. E, por mais que seja uma verdade
dolorosa, seus pais responderam a essas perguntas desde o primeiro
momento em que permitiram que você passasse por tudo o que passou.
Ações, na maioria das vezes, falam mais que milhares de palavras e
justificativas. As palavras mentem, as ações não.

— Me leve para casa? Eu estou frustrada, revoltada, cansada. Eu só


preciso dos meus filhos. Preciso olhar para eles e afirmar para mim mesma
mais uma vez que eu sempre serei a melhor por eles.

— Você é a melhor para eles e a melhor para mim. Tenho orgulho de você,
cacto. Eu te amo.

E assim nós seguimos para casa.

Eu volto com o aprendizado de que nem sempre conseguimos respostas


para as nossas dúvidas. Temos a péssima mania de questionar tudo,
todos, todas as ações das pessoas. Vivemos em questionamento e nos
frustramos quando não obtemos as respostas desejadas, mas, partindo do
princípio de que nada é tudo e tudo é nada, às vezes é melhor não ter os
questionamentos respondidos. Se eu tivesse conseguido o que fui buscar,
não seriam apenas respostas que traria comigo. Certamente conseguiria
mais dores e mais memórias dolorosas. É sobre as ações que Nicolas
falou.

No fim, o silêncio é a resposta para inúmeras perguntas.

Mas... tempos depois eu descobri que não havia sido o fim.

MESES DEPOIS

CONSULTÓRIO DA DOUTORA ROVENA

— Você só estará liberta do passado quando confessar a si mesma o


quanto doeu a perda dos seus pais.

— Fala sério, doutora. Eles eram um infelizes, nem posso chama-los de


pais. — Doutora Rovena... sigo com vontade de mata-la às vezes,
principalmente quando ela dá um sorriso regado de cinismo ao ouvir uma
resposta minha.

— Não perde a mania de enganar a si mesma por mera vaidade — eu me


calo, pensando nessas malditas ou benditas palavras. — Você costuma
bater os pés dizendo que é outra mulher, mas a verdade é que sempre
haverá em seu presente parte da pessoa que costumava ser no passado.
Isso significa que não está tudo superado, significa que ainda dói, que falta
algo para superar aí. Uma vez, Dandara. Só precisa se libertar da verdade
que nunca foi capaz de contar a qualquer pessoa uma única vez. Acredite
em mim, isso mudará a sua vida. Não há o que temer. Somos eu e você,
não é uma fraqueza, tampouco alguém ficará sabendo que a temida juíza
tem um coração maior do que demonstra ter. — Meus olhos estão quase
transbordando em lágrimas. Doutora Rovena é o verdadeiro diabo e parece
enxergar além do que permito mostrar. — Você pode adiar isso ou optar
por acabar logo...

— Dói — desabo em lágrimas e palavras. — Como não doeria? No fundo


eu sempre quis ter meus pais, sempre quis que eles enxergassem seus
erros, me pedisse perdão e ... eu queria ter uma família e me rasgava a
alma sempre que eu enxergava que isso jamais seria possível. Dói... dói
porque todas as vezes em que eu paro para pensar neles, é tão evidente,
tão nítido que nunca gostaram de mim. Doeu chegar em um palco, diante
de centenas de pessoas, e destruir a imagem de boas pessoas que eles
passavam. Doeu agredi-los verbalmente inúmeras vezes quando eu queria
apenas gritar e implorar POR FAVOR, SEJAM MEUS PAIS, ME AMEM. Eu
os amava. Sempre acreditei que deveria honrar e amar os meus pais,
aprendi isso ainda pequena e carreguei para a vida. Fui lá para tentar
resolver isso e seguir em paz, mas, no fundo, eu queria que me pedissem
perdão. Eu iria perdoá-los e quem sabe voltaríamos a ser uma família,
mesmo após tantos anos? Isso é um atestado de idiota, eu sei. Vai contra
tudo que sempre demonstrei ser...

— Esqueça essas bobeiras, Dandara. Sentir e querer jamais farão com que
você seja uma idiota ou uma tola. Isso te faz humana.

— Oh, doutora... você sabe que sou patética por trás de toda a pose.

— A pose que tanto diz é uma personagem, Dandara. E, sabe de uma


coisa? Essa personagem te cai bem, muitas vezes. Exceto quando
exagera, não é mesmo querida? Quando entrou por aquela porta pela
primeira vez, eu temi. Agora posso rir na sua cara, porque, felizmente, você
deixa a personagem do lado de fora todas as vezes e me dá a honra de ver
quem realmente você é. Com erros irreparáveis, alguns corrigíveis, você é
uma das mulheres mais incríveis que já conheci. Sabe por quê? — Nego
com a cabeça. — Nesse mundo onde todos tentam mostrar uma falsa
perfeição, você teve e tem coragem o suficiente para mostrar suas
imperfeições. Nicolas costuma dizer que você é perfeitamente imperfeita —
ela sorri — nunca ouvi nada mais verdadeiro que isso. Acho magnífica a
capacidade que você tem de abrir seus erros, de enxerga-los, expô-los.
Poucas pessoas possuem essa coragem. Alguns levam seus erros para o
túmulo, mas não dão o braço a torcer. O inferno está repleto de bons
samaritanos, Dandara, porque as pessoas preferem morrer sendo
personagens que criam para cobrirem suas verdadeiras faces. Já você,
mesmo sabendo que possui uma personagem, expõe quem realmente é o
tempo todo, muitas vezes em detalhes quase imperceptíveis. Não é
vergonha chorar e sentir dor pela morte dos seus pais, não é vergonha
que, mesmo tendo sofrido pela omissão deles, tenha sentido vontade de se
reconciliar com eles, de tentar resgatar a família que sonhava. Eles se
foram, você acaba de confessar a mim o maior de todos os segredos. Você
não os tem, não tem mais a chance de resgatá-los e tampouco sabe se
isso seria possível. Mas, há três crianças, um marido incrível, há amigos
verdadeiros, você possui tudo, Dandara. Enterre seu passado aqui, agora,
neste exato momento, e volte para a sua verdadeira família, os valorizando
ainda mais, se é que é possível. — Doutora Rovena sorri enquanto eu só
sei chorar. É tão doloroso abrir as fraquezas para alguém, nem mesmo sei
dizer quantas vezes já me abri para essa mulher, sentada nesta mesma
cadeira. Ela sabe tudo sobre mim e me salva um pouco a cada sessão de
terapia.

— Ok! Chega dessa merda, doutora! — Ela arregala os olhos ao me ver


ficar de pé. Como um rompante, pego minha bolsa e saio apressada,
apenas para não perder o maldito costume.

Eu dirijo feito uma louca e, quando chego em meu destino, há as 4 pessoas


mais importantes da minha vida reunidas na sala, assistindo TV e
brincando. Com os olhos inchados pelo choro, abro o maior de todos os
sorrisos quando 3 deles veem correndo me abraçar. Os sons se misturam
gritando “mamãe” e eu me ajoelho para recebe-los.

— Eu amo vocês, meus pequenos! Amo meu pinguim grande, minha mini
cacto e meu carrapatinho.

— E eu? — Ouço a voz do meu garoto de açúcar. Isso acelera meu


coração. Esse, certamente, é um outro tipo de amor.

— Eu amo meu ursinho Pooh! — digo arrancando gargalhadas dos meus


filhos.

— Terá troco, cacto! — ameaça e se junta ao abraço. — Eu amo você,


Vossa Excelência.

— Eu amo você, meritíssimo.

E a mulher que ama demonstrar frieza, seguirá queimando por dentro,


permitindo que somente os escolhidos saibam quem ela realmente é:
um cacto, com espinhos e flores.
“O meu veredicto pode transformar a pobreza em
abastança e a riqueza, em miséria. Da minha decisão
depende o destino de muitas vidas. Sábios e
ignorantes, ricos e pobres, homens e mulheres, os
nascituros, as crianças, os jovens, os loucos e os
moribundos, todos estão sujeitos, desde o nascimento
até a morte, à Lei, que eu represento, e à Justiça, que
eu simbolizo.”

Se tornar juiz inclui muitos desafios. O primeiro deles, após um


rigoroso e concorrido concurso público, com mais de 19 mil
candidatos, conquistar a aprovação. Passar no concurso foi fácil em
vista da dificuldade de lidar com o fato de eu ser jovem e de ouvir
piadinhas sobre ter conseguido por interferência da minha mulher.
Felizmente, consegui superar isso da melhor maneira. Porém, sei
que os desafios nem mesmo estão perto de terminar. O segundo
grande desafio consiste em exercer a magistratura com dignidade,
competência e sabedoria, afinal de contas, o destino de centenas de
pessoas dependerá de mim à partir de agora. Não escolhi a
profissão pelo poder. Escolhi porque tornou-se um sonho. Quero
sentir orgulho de mim, orgulho do papel que desempenho em minha
profissão, quero que os meus familiares se orgulhem de mim, que a
comunidade e o Poder Judiciário também. Quero escrever uma
história que seja memorável e inesquecível.
“Faze com que eu seja digno desta excelsa missão!
Que não me seduza a vaidade do cargo, não me invada
o orgulho, não me atraia a tentação do Mal, não me
fascinem as honrarias, não me exalcem as glórias vãs.
Unge as minhas mãos, cinge a minha fronte, bafeja o
meu espírito, a fim de que eu seja um sacerdote do
Direito, que Tu criaste para a Sociedade Humana. Faze
da minha Toga um manto incorruptível. E da minha
pena não o estilete que fere, mas a seta que assinala a
trajetória da Lei, no caminho da Justiça.”

Agora, mais que nunca, consigo entender todas às vezes em que


Dandara disse que escolheu essa profissão pelo poder que iria lhe
proporcionar. Tudo bem que os motivos dela foram diferentes do
meu, porém, vestir a toga, está fazendo com que eu me sinta
altamente poderoso, de uma maneira que eu não imaginava que iria
me sentir. Dandara me disse que, dentre todos os profissionais, é
um juiz quem detém a maior parcela de poder e autoridade, e é
exatamente isso. Além disso, geralmente, os profissionais possuem
a escolha de serem éticos ou não. O juiz não possui essa escolha. É
obrigatório que seja ético, na vida profissional e na vida pessoal. É
obrigatório uma conduta exemplar e isso é quase engraçado quando
olho para a mulher com quem me casei: a rainha da merda, como
Lucca costuma dizer.

“Ajuda-me a ser justo e firme, honesto e puro,


comedido e magnânimo, sereno e humilde. Que eu seja
implacável com o erro, mas compreensivo com os que
erraram. Amigo da Verdade e guia dos que a procuram.
Aplicador da Lei, mas, antes de tudo, cumpridor da
mesma.”
Sem piadinhas.

Eu estava altamente sério, então por que diabos fui lembrar da


conduta da minha esposa? Quando a vi em um noticiário anos atrás,
jamais imaginei a carga que aquela linda mulher carregava,
tampouco imaginei que ela era completamente surtada e insana.
Isso me faz questionar a conduta de todos os demais juízes e isso é
ruim para um juiz iniciante. Veja só quem eu tenho como exemplo...
a Cacto. Atualmente ela é motivo de orgulho, mas, no passado,
Dandara não foi tão ética na vida pessoal e cometeu alguns deslizes
na vida profissional, tudo por vingança e por carregar o peso da
omissão dos pais e da discriminação racial que sofreu na infância e
adolescência. Ao pensar em tudo isso, posso dizer que os pecados
dela foram perdoados ... ao menos para mim.

Por falar em cacto, desde que ela me viu trajando uma toga na
cerimônia de posse, tudo que tem feito é usar isso como fetiche. Se
eu tenho fetiche nela quando está trajando uma toga, eu não sei
explicar o que ela sente ao me ver assim.

“Quando me atormentar a dúvida, ilumina o meu


espírito; quando eu oscilar por falta de firmeza, alenta a
minha alma; quando eu esmorecer, conforta-me;
quando eu tropeçar, ampara-me.”

Mas, voltando à seriedade, essa juíza completamente louca tem me


ensinado muito. Eu tendencio a ser maleável e emocional, e, a
nossa profissão exige uma postura firme que nem sempre estou
disposto a ter. Estar em uma posição de poder exige muito de uma
pessoa e é Dandara quem tem me ensinado isso, mesmo que
muitas das vezes de maneira insana. Falar de juiz para juíza tem
sido um grande desafio em nossa relação. O poder, às vezes, tem
subido na cabeça dos dois e tem simbolizado num casamento um
tanto quanto quente. São muitas brigas, discussões, que acabam
em sexo. Sobre a ética, é complicado mantê-la quando se é casado
com Dandara Farai, mesmo assim tento me esforçar.

Nós dois simbolizamos quase um incêndio florestal. Com ela


aprendi que o amor pode ser cruel, machuca, mas que podemos
aprender a lidar e controlar as diferenças, podemos fazer tudo
funcionar, mesmo queimando juntos. Em nossos momentos
roubados, apenas nós, juntos, eu percebo o quanto ela é a mulher
da minha vida e o quanto a amarei pelo resto dos meus dias, com
erros, acertos, com o lado feio e o lado incrível, cacto é a mulher da
minha vida. E, ela me aceita como sou. Aceita que em alguns
momentos eu seja um garoto perdido, aceita que em outros eu seja
um homem maduro e irracional, aceita meus erros e acertos. Não
consigo imaginar nada, além da morte, que seja capaz de nos
separar.
Exceto...
O trabalho e os filhos!
Não que nosso trabalho se misture, mas...

— Kiara, comporte-se na escola, ok? Eu não quero ser chamado lá


novamente essa semana. — Aviso à minha filha e ouço uma risada
nada legal.

— O que? Não me olhe assim! Não fomos chamados lá por culpa


da nossa filha. E, além do mais... Kiara precisa se defender. —
Dandara explode suas merdas. — Se mexerem com você, não
abaixe a cabeça. Aliás, abaixe. Abaixe apenas para chutar as bolas
no caso de garotos. Em relação as meninas, você já sabe o que
fazer.
— Você tem ideia do que está ensinando para a menina? —
Pergunto.
— Tenho. A regra é clara, se apanhar na escola ou for humilhada,
ficará de castigo. E isso vale para todos os nossos filhos. Não se
deve brigar, caçar confusão, fazer bullying, maltratar ninguém, mas,
caso façam isso com vocês, saibam se defender. O resto deixa
comigo. Eu irei até a escola quantas vezes forem necessárias. —
Os três balançam a cabeça em concordância e Dandara olha para
mim com um olhar desafiador, toda poderosa. Eu respiro fundo,
despeço das crianças e passo batido rumo ao meu carro. Não
satisfeita, ela surge batendo no vidro antes que eu possa sair.
— O que foi?

— Não fique bravinho, bebê Nico.


— São nossos filhos. Mesmo que Samuel não seja meu filho de
sangue, ele é meu filho de coração, os educamos juntos e você,
sempre que pode, passa por cima de mim na frente deles. Não é
certo o que você está ensinando a eles.

— Não é certo não os deixarmos preparados para situações como


essas. Nem todos os pais dão aos filhos a educação que damos aos
nossos. Eu não quero que eles sejam marcados pela maldade
humana como fui marcada. Ensinamos que não devem brigar, mas
precisamos ensinar que não devem se abaixar para qualquer
pessoa que seja cruel. Eles precisam enfrentar, mesmo que seja
com porrada ou com delações aos responsáveis do colégio.

— Delações... — começo a rir. — Ok, Dandara. Nós iremos discutir


sobre isso. É realmente sério tirar o poder de um pai na frente dos
filhos. Podemos e devemos conversar sobre a educação deles em
particular, sem que possam ouvir e fazerem uma disputa mental de
quem vence a guerra de pais.
— Eu não sabia que o mundo poderia ser cruel até enfrentar a
crueldade. Me desculpe por ter passado por cima de você diante
deles. Eu preferia passar por cima de você na cama. — Ela sussurra
em meu ouvido e morde minha orelha.
— Sabe, em alguns momentos gostaria que fossemos advogados.
Eu adoraria brigar com você nos tribunais, cacto. Mas, como somos
juízes, eu só posso dizer... adeus, preciso trabalhar! — Fecho o
vidro e dou partida, deixando-a para trás.
Dandara mexe com os meus nervos, mas isso não é novidade.
Talvez nem mesmo seja novidade que ela nunca, jamais, em
hipótese alguma, mudará seu modo desafiador. Isso nos mantém
ligados, sempre com os sentimentos em conflito e a flor da pele. E,
sabe o que? Por mais louco que ela possa me deixar, ela faz com
que eu me sinta vivo todos os dias. Realmente vivo. Inclusive agora,
quando ela está me seguindo com seu carro ao invés de estar indo
levar as crianças no colégio como faz todas as manhãs. Essa
mulher é maluca e descompensada, absurdamente linda,
incrivelmente gostosa e quente.

Quando estaciono no Fórum e desço do carro, a vejo estacionar


feito uma louca. A batida da porta de seu carro e o som dos seus
saltos quase são capazes causar estremecimento e temor nas
pessoas. Quer dizer, causam. Não em mim.
Sigo meu caminho rumo a entrada do Fórum, e ela logo está ao
meu lado.
— Sabe, eu te amarei até o fim dos tempos.
— Jogando sujo com o amor, meritíssima? — pergunto contendo um
sorriso.
— Eu amo você mais do que todas as vadias desse Fórum que
ficam lambendo o chão para você passar. Aliás, acho que elas têm
pensamentos suicidas por brincarem com o que é meu. Enfim,
garoto de açúcar, eu te amo. Me perdoe por ser impetuosa e
impulsiva, pela milésima vez, eu sei, mas foda-se, não é mesmo?
— Foda-se, cacto. Já desisti da sua mudança completa. É inútil ficar
dando murro na ponta da faca. Agora, se me permite, eu preciso
entrar.
— Você sabe o que fazer — após dar um sorriso e me roubar um
beijo, Dandara, minha esposa, dá lugar à Dandara Juíza. Nunca
entramos juntos no Fórum. É sempre ela a entrar na frente e eu a
ficar a observando.

Sua entrada é arrebatadora todos os dias.


Confiante, determinada, impenetrável e inalcançável. Com a postura
de quem detém o poder, ela caminha pelo corredor de cabeça
erguida e com cara de poucos amigos. Ninguém sabe o que há por
trás de toda essa imponência, mas eu sei. Isso torna tudo mais
interessante. Ao subir os degraus, sou eu quem me visto com o
personagem agora.
Passos firmes, confiante, quase inalcançável, repleto de vontade e
devidamente preparado para fazer justiça mais um dia. É assim que
caminho, é assim que aprendi a caminhar. Por quê?

Porque diante de mim as pessoas se


inclinam!
Eu sou Nicolas Magalhães, juiz, pai, marido.

[...]
Sogro...
Sogro??????

— Você não vai resistir por muito tempo.

— Você é muito autoconfiante para uma menina tão novinha. Eu já


estou resistindo.
— Não. Você não está. Sabe por quê?

— Por quê?
— Porque eu já desgracei a sua vida e você nem mesmo consegue
se dar conta.

“Julgai-me como Deus. Eu julguei como


homem”.

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