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De: T. J.Klune
John olha acima da câmera para mim e diz as palavras que desejo
ouvir.
— E eu te amo. — Sua voz é rouca. — Sabe disso, certo?
Aceno, tentando impedir a câmera de tremer.
— Eu sei. — Digo a ele, minha voz quase equilibrada. Vou ter tempo
para desmoronar depois. Agora, ele precisa da minha força. — É isso? Isso é
tudo o que quer dizer?
— Sim, Jackie. É isso. — Ele parece exausto, mais do que o habitual.
Contusões escuras na pele amarelada. Rosto magro, olhos como carvão
queimado. Falar por vinte minutos seguidos, como ele fez na câmera, é
provavelmente mais do que ele consegue suportar. — Coloque a câmera na
mesa e venha aqui. Preciso sentir seus ossos.
Faço o que ele diz, como sempre fiz. Talvez demore um pouco mais
para chegar até ele hoje em dia, mas tudo bem. Não somos jovens como
costumávamos ser. O tempo não é algo com o qual se possa lutar, não importa
o quanto deseje. Nunca pensei que estaríamos aqui, no entanto. Nunca pensei
que conseguiríamos chegar aos oitenta anos. Oitenta e três, para ser exato.
Tivemos uma boa vida. Uma longa vida, uma vida cheia de alegria e riso,
lágrimas e dor, celebração e horror, e felicidade e tristeza.
Uma boa vida.
Uma longa vida.
Mas não foi tempo suficiente. Nunca será, nem por um milhão de
anos. Poderia durar para sempre e ainda não seria longo o suficiente, tanto
quanto eu queria.
Coloco a câmera no canto da mesa e empurro minha cadeira ao lado
de sua cama. Ignoro aquelas malditas máquinas, seus bips irritantes. Seus
assobios animalescos. A maneira como se iluminam, o modo como os
mostradores giram. Nem sei o que metade delas faz, embora saiba que não
fizeram o suficiente. Estamos em um ano que nunca pensei que poderia existir
quando eu era mais novo, e essas máquinas ainda não conseguem fazer o
suficiente.
Podemos desembarcar homens em Marte, mas ainda não podemos
fazer nada para ajudá-lo. Para ajudar John. Não entendo. Não entendo como
poderia ter chegado a isso?
Solto alguns gemidos enquanto deslizo a cadeira o mais perto que
consigo, enquanto ainda deixo espaço para sentar nela. Meus joelhos batem no
lado da cama enquanto me movo para a frente da cadeira, mas ignoro o surto
de dor. É fraca, quase insignificante. Quando se começa a ter a nossa idade,
sempre se machuca de um jeito ou de outro, então essa dor não é novidade.
John observa cada movimento que faço, os olhos ligeiramente
vidrados, mas conscientes. Ele me observa com um olhar tão sábio, sempre
fez isso. Toda a nossa vida. Tudo que fiz, John viu. Ninguém nunca olhou para
mim como ele olha. Ninguém nunca me viu completamente, como ele me vê.
Ninguém mais teve uma chance.
Essa Coisa Toda de Jackie
Apenas Espere
Não Matarás
— E você fez. — Ele sussurra para mim agora. — Todos os dias você
fez.
— Eu tentei. — Digo, estendendo a mão para roçar meus dedos ao
longo de sua testa. Ele fecha os olhos e cantarola um pequeno som do fundo
de sua garganta enquanto pressiona meu toque. — O Senhor sabe que fiz.
— Eu sei, Jackie.
— John?
— Sim?
— Ainda está aí? Com todo o seu coração?
— Sim. Todo meu coração.
— Eu também.
Ele parece feliz.
Começo a puxar a minha mão, mas congelo quando vejo que está
coberto pela luz solar fraca. Olho para a parede e vejo que o sol está alto,
como sempre acontece quando o crepúsculo se aproxima. Começo a tremer,
me perguntando se posso de alguma forma impedi-lo de ver isso, protegê-lo
de ver quão perto isso está, que está quase na hora.
Não estou preparado. Não pode ser agora.
Ainda tenho dias, semanas, meses e anos de coisas que preciso dizer
a ele. É muito cedo. Não há tempo suficiente. Nunca haverá tempo suficiente.
Não é justo. Não mereço isso. Ele não merece isso. Como pode acabar assim
e...
— Jackie... — Ele suspira. — Eu sei.
E ele sabia, porque está me observando com aqueles olhos astutos.
Uma coisa que aprendi sobre minha vida com John é que não há nada que eu
tenha sido capaz de esconder dele. É um desses segredos de casais de longo
prazo, capazes de ler os pequenos tiques uns dos outros, seus relatos, todos
os seus movimentos. E seus pensamentos. Mesmo que não estivesse
espalhado no meu rosto, ele saberia o que eu estava pensando, porque ele me
conhece.
Balancei minha cabeça descontroladamente, começando a perder o
controle. Disse a mim mesmo que não, mas não posso parar.
— Talvez possamos tentar mais radioterapia. Ou cirurgia novamente!
Não sabemos o que pode acontecer amanhã! Eles poderiam chegar a algum
procedimento que ainda não pensamos. Vai ser...
— Não vai ajudar. — Diz ele. — Você sabe disso, Jackie. É tarde
demais.
— Não pode ser. — Digo fracamente, lágrimas nos meus olhos. — Não
pode ser tarde demais. Não terminei com você ainda. Nunca vou acabar com
você. Não vê que preciso de você?
Ele aperta minha mão com força.
— Agora, — Diz ele. — eu preciso mais de você.
Suspendo minha cabeça. Suspendo a cabeça porque não aguento
mais, porque meu melhor amigo há setenta e um anos está certo. Talvez eu
possa ser egoísta. Talvez eu possa quebrar, mas não posso. Não é sobre mim.
É sobre esse homem, meu John, e o que prometi a ele. Meu sofrimento não é
nada comparado ao dele, e prometi que, se pudesse fazer alguma coisa para
aliviar, eu faria.
E vou. Tudo o que John queria era a minha pessoa, e ele precisa de
mim agora.
Aceno firmemente e levanto devagar, com cuidado, começando a me
afastar. Não vou muito longe já que ele não deixa minha mão ir. Seu aperto é
mais forte do que tem sido em meses. É tudo osso e tendão, mas ainda é
familiar, seu toque é uma segunda natureza para mim. Então, por que sinto
como se fosse muito mais?
— Jackie. — Diz ele.
Não olho para ele.
— Pare. — Ele me repreende gentilmente.
Dou uma fungada e esfrego minha mão livre sobre os olhos.
— Eu desejo... — Diz ele.
— O quê? — Digo rapidamente, imaginando o que ele deseja agora, e
se é algo que eu posso realmente fazer. Farei qualquer coisa.
— Eu gostaria que olhasse para mim.
Oh. Isso.
— Jackie. — Diz ele, sua voz mais profunda, mais forte.
Se fechar meus olhos, posso fingir que tudo está de volta ao jeito que
costumava ser. Que a voz dele não racha com a idade, porque somos homens
jovens de novo. Que temos nossas vidas inteiras espalhadas na nossa frente e
mesmo com esse tempo, nunca daríamos isso como garantido. Viveríamos
cada momento como se fosse o nosso último. Nós nos beijaríamos como se
fosse a última vez. E quando nos vermos no final do dia, fingiríamos que não
nos víamos há anos.
Mas não posso fechar meus olhos. Não posso fingir. Meu marido
deseja algo, e darei a ele.
Olho para ele, apesar de ele estar embaçado através das minhas
lágrimas.
— Me beija? — Diz esperançoso. — Por favor?
Oh, John. Meu querido.
Eu me movo de volta para ele, minha mão ainda na dele, e empurro
a máscara de oxigênio para fora do caminho suavemente e me inclino e
pressiono meus lábios nos dele. O beijo é medicinal, agudo. O beijo tem gosto
de doença, como a doença que está comendo-o de dentro para fora. Mas
debaixo desse horror, debaixo da grosseria de tudo, há o John.
Há ele, provando como sempre fez, desde aquela primeira vez que eu
pressionei meus lábios contra os dele nas margens do lago tantos, muitos anos
atrás. Eu tomo meu preenchimento dos meus — nossos — lábios pressionados
juntos, esfregando nossas bochechas juntas. Mas tenho de parar quando ele
começa a lutar para respirar.
Eu me afasto, mas só um pouco, e desloco a máscara de oxigênio de
volta ao lugar. Mas não o deixo. Ainda não. Pressiono minha testa na dele e
nos observamos. Eu memorizo tudo que posso. Todo defeito. Toda ruga. Cada
ponto. O rosto que adoro, encolhido e magro. Aqueles olhos que amo,
brilhantes e conscientes. Acho que ele está fazendo o mesmo, porque não olha
para o outro lado.
— Você e eu. — Ele sussurra. — Para sempre.
— Para sempre. — Sufoco. Porque somos nós dois.
— Lado de fora?
— O alpendre?
— Sim.
Eu me afasto, enfiando os cobertores ao redor dele para que não
fique com frio. Bato no bolso do meu casaco para ter certeza de que tenho o
que preciso. Vou até a frente da cabana e abro a porta. O ar é fresco e limpo.
O sol está se aproximando lentamente do horizonte. Penso em correr pela
porta e nunca olhar para trás, mas não corro.
Volto para o meu marido e seu olhar me segue a cada passo que dou,
como se ele estivesse tentando gravar em sua memória cada momento. Sei
disso porque estou fazendo o mesmo com ele. Eu o toco enquanto alcanço a
cama, uma coisa fugaz, meus dedos contra o braço dele. Abaixo o suporte de
soro preso na cama, assim conseguiremos passar pela porta. Destravo as
rodas em sua cama e fico atrás dele e começo a empurrar, rolando-o em
direção à porta aberta.
Cada passo é como subir uma montanha. Todo passo é o inferno.
Cada passo é dor, tortura e tristeza, tudo em um só.
Engulo um soluço que ameaça transbordar quando dou outro passo.
Agarro as bordas da cama enquanto dou outro passo. Quase choro quando
chegamos à porta. Quero gritar quando atravessarmos para a luz fraca do lado
de fora.
A vegetação se estende diante de nós, cercando nossa cabana na
floresta onde o sol brilha no verão e a neve cai no inverno. Há um jardim ao
lado, com cenouras e repolho. Uma macieira onde cresce maçãs-verdes.
Existem flores perfumadas. Árvores verdes. A cidade mais próxima fica a
quilômetros de distância, e é só eu e ele aqui, neste lugar, assim como ele
imaginou naquele dia no lago. Ele construiu este lugar para mim, como uma
casa longe de casa, até que finalmente se tornou nossa casa nos últimos anos.
Travo as rodas na cama e ando para o lado dele novamente. Seus
olhos estão arregalados enquanto examina a vastidão da floresta esticada
diante dele, o sol se pondo perto dos picos das montanhas ao longe. Em algum
lugar, um pássaro grita, um som longo e triste que me lembra de dor. Ele ouve
e suas pálpebras se fecham. Ele alcança e remove a máscara de oxigênio e
deixa cair para o lado dele. Aspira profundamente este lugar, nossa casa.
Então, suspira.
— Jackie.
— Sim? — Não posso evitar quando minha voz se quebra.
— Meu anel?
Fiz um sim com a cabeça.
— Posso usá-lo?
— Sim, John.
Enfio a mão no bolso do casaco que desliza pela agulha hipodérmica
embainhada antes dos meus dedos encontrarem o círculo dourado no fundo do
bolso. Puxo para fora e alcanço a mão dele, e é como se fosse anos atrás,
quando ficamos neste lugar e coloquei o anel em seu dedo pela primeira vez.
Está largo agora, muito largo, dado o peso que perdeu no último ano. Mas
deslizo no dedo dele de qualquer maneira e aperto sua mão, seu anel
pressionado contra o meu.
— Aceito. — Diz ele, e percebo que fez uma piada assim que um riso
emocionado sai de mim e se transforma em algo mais, e antes que perceba,
estou chorando contra a mão dele, agarrando-a, implorando para ele não ir,
implorando para ele ficar comigo, para ficar comigo para sempre.
Não sei o que vou fazer sem você, digo a ele. Não sei como vou
continuar. Não sei como viver quando a metade de mim não está mais lá.
Então, por favor. Por favor, não vá. Por favor, não me deixe.
Por fim, me acalmo. Ele esfrega minha cabeça com a outra mão
enquanto murmura baixinho para mim, palavras destinadas a relaxar, acalmar.
A tempestade está passando, e deixou em seu rastro um caminho de
destruição tão grande que tudo o que posso fazer é olhar para isso
maravilhado.
— Deite comigo, Jackie? — Ele me pergunta. — Preciso sentir você ao
meu lado.
Fungo uma vez e aceno, esfregando minha testa contra sua mão.
— Só tenho que arrumar sua cama. — Digo a ele, mesmo sabendo o
que realmente quero dizer. O pôr do sol está aqui.
— Claro, Jackie. Posso esperar. — Ele respira fundo e solta
lentamente.
Levanto-me, solto a mão dele e me movo para a parte de trás da
cama. Acho que vou hesitar. Acho que há uma chance de recusar, mas enfio a
mão no bolso do casaco e tiro o hipodérmico. Tiro a tampa. Destaquei a linha
IV. Aqui. Neste momento. Aqui é onde hesitarei. Aqui é onde vou implorar.
Aqui é onde essa coisa toda vai desmoronar e vou dizer a ele que não pode
partir, que não vou permitir isso, que terá de sofrer e sofrer, porque sou um
bastardo egoísta que não consegue deixá-lo ir.
São esses pensamentos que tenho quando injeto a solução
concentrada de pentobarbital na linha IV que flui para dentro de seu pulso — o
que instigará em breve o colapso respiratório completo. Deve ser pacífico.
Deve ser gentil. Deve ser...
Está feito antes de eu perceber o que estou fazendo.
Está pronto.
O momento passou.
Não há mais como voltar atrás.
Coloco a capinha da agulha. Enfio de volta no meu bolso.
Retorno à cama e deixo cair os trilhos ao longo do lado. Enganchando
um pé no trilho rebaixado, subo ao lado dele. Imediatamente, ele envolve seus
braços em volta de mim enquanto me enrolo nele, contra seu peito magro. Ele
está quente, mas ossudo.
Tão magro. Tão menor. Tão pequeno.
Mas há uma força em seu poder sobre mim, e mesmo com o quanto
ele perdeu, ainda há aquele garoto aí, aquele capaz de uma faísca tão
maliciosa em seus olhos. Ainda há aquele homem aí, aquele que poderia me
segurar enquanto meu corpo tremia com a força de sua paixão. Tantas
memórias tentam invadir o caminho, e é quase difícil se concentrar, então eu
as afasto e espero. Ainda há algum tempo. Pressiono meu ouvido contra o
peito dele e ouço o som do seu coração.
— Jackie. — Diz ele, como eu sabia que ele faria. — Você se lembra
de quando viemos aqui pela primeira vez?
Eu lembro. Tento falar, mas não consigo. Faço um sim com a cabeça.
— Eu estava com tanto medo. — Diz ele. — Sabia que eu estava com
medo? — Suas palavras estão começando a ofuscar.
Consigo encontrar minha voz.
— Sim. Porque eu também estava. — E eu estava. Com medo da
morte.
— De mim?
— Não. Nunca de você. Do que você diria.
— Diga-me. — Ele diz baixinho, como se estivesse desaparecendo.
E aqui, enquanto o sol se abaixa e a luz escurece, eu falo.
Para ele, eu falo.
Tudo o Que Sempre Quis Foi
Você
Sua Voz
Fim