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JIM: Mas Laura, pelo amor de Deus! É só olhar em volta. O que você vê?

Um mundo cheio
de gente comum! Todos nasceram e todos vão morrer! Quantos deles têm um décimo das
suas qualidades? Ou das minhas? Ou de quem quer que seja, pelo amor de Deus! Todo
mundo é muito bom em alguma coisa. Alguns em muitas coisas! (Inconscientemente ele dá
uma olhada em si mesmo no espelho.) O que você tem que fazer é descobrir no quê você é
boa! Eu, por exemplo. (Ele ajeita a própria gravata no espelho.) Meu interesse é por
eletrodinâmica. Estou fazendo um curso noturno de eletrônica direcionado para rádio,
Laura, além de ter um emprego de razoável responsabilidade no almoxarifado. Estou
fazendo esse curso e estudando oratória.

LAURA: Ahhh.

JIM: Porque eu acredito no futuro da televisão! (Virando as costas para ela.) Quero estar
pronto para crescer junto com ela. Então estou planejando estar dentro disso desde o início.
Na verdade, já fiz os contatos certos e agora só falta a indústria mesmo deslanchar! Com
força total! (Seus olhos brilham.) Conhecimento – Zzzzzp! Dinheiro – Zzzzp! Poder! Este é o
ciclo em que se constrói a democracia! (A atitude dele é dinâmica e convincente. Laura fica
olhando fixamente para ele, até sua timidez ser eclipsada por seu absoluto estado de
encantamento. Ele sorri de repente.) Você deve estar pensando que me tenho em alta
conta, não é?

LAURA: Não, não, eu –

JIM: Mas e você? Não existe nada que lhe interesse mais do que qualquer outra coisa?

LAURA: Bom, existe, eu – como eu disse – eu tenho a minha – coleção de vidro –

JIM: Eu não sei se entendi bem. De que tipo de vidro você está falando?

LAURA: São pequenos objetos de vidro, enfeites, na maioria. Na sua maior parte, são
pequenos animais feitos de vidro, os menores animaizinhos do mundo. Minha mãe os
chama de zoológico de vidro! Se quiser ver, aqui está um deles! Este é um dos mais velhos.
Tem quase treze anos. (Música: “O Zoológico de Vidro”.) (Ele estende a mão para ela.) Mas
cuidado – se você respirar, ele quebra!

JIM: É melhor eu não pegar. Sou meio desajeitado com as coisas.

LAURA: Pode pegar, eu confio em você! (Ela coloca o objeto na mão dele.) Viu só? Você
está segurando ele com delicadeza! Leve-o para perto da luz, ele adora a luz! Está vendo
como a luz brilha através dele?

JIM: É, brilha mesmo!

LAURA: Eu não devia ter preferências, mas ele é meu favorito.

JIM: E o que ele é?

LAURA: Não notou que na testa dele há um único chifre?


JIM: Ah, um unicórnio?

LAURA: Hum-hum!

JIM: Um unicórnio! Mas eles não existem mais no mundo moderno.

LAURA: Eu sei!

JIM: Coitadinho, deve se sentir meio solitário.

LAURA: (Sorrindo.) Bom, se isso for verdade, ele não se queixa. Ele fica na prateleira com
outros cavalos que não têm chifres, e todos parecem se dar muito bem uns com os outros.

JIM: Como você sabe?

LAURA: (Com leveza.) Eu nunca ouvi brigas entre eles!

JIM: (Sorrindo.) Nenhuma briga, é? Isso é um bom sinal! Onde eu posso colocá-lo?

LAURA: Em cima da mesa. Todos eles gostam de variar de cenário de vez em quando.

JIM: Muito bem – (Ele coloca o unicórnio de vidro sobre a mesa, e depois levanta e estica
os próprios braços.) Olha como minha sombra fica grande quando eu me estico!

LAURA: Ah, é mesmo – ela vai até o meio do teto!

JIM: (Indo em direção á porta.) Acho que parou de chover. (Ele abre a porta da escada de
incêndio e a música de fundo se transforma numa música para dançar.) De onde vem essa
música?

LAURA: Do Paradise Dance Hall, do outro lado da rua.

JIM: Que tal sacudir um pouco o esqueleto, Miss Wingfield?

LAURA: O quê? Eu –

JIM: Será que o seu carnê de danças já está lotado? Deixa eu dar uma olhada. (Ele pega
um caderninho imaginário.) Que coisa! Todas as suas danças estão tomadas! Com licença,
vou ter que riscar alguma. (Música de valsa: “La Golondrina55.”) Ah, uma valsa! (Ele dá
alguns passos sozinho, depois estica os braços em direção a Laura.)

LAURA: (Ofegante.) Eu – não posso dançar.

JIM: Lá vem você com essa mania de inferioridade!

LAURA: Eu nunca dancei na minha vida!


JIM: Tente, vamos!

LAURA: Mas eu poderia pisar em você

JIM: Eu não sou feito de vidro.

LAURA: Como – como – como a gente começa?

JIM: É só deixar comigo. Levante seus braços um pouco.

LAURA: Assim?

JIM: (Tomando-a em seus braços.) Levante um pouco mais. Isso. Agora não fique tensa, o
principal é relaxar.

LAURA: (Rindo, ofegante.) É difícil relaxar.

JIM: Tudo bem.

LAURA: Acho que você não vai conseguir me levar.

JIM: Quer apostar? (Ele a coloca em movimento.)

LAURA: Meu Deus, é, você conseguiu!

JIM: Agora, deixe-se levar, Laura, é só se deixar levar.

LAURA: Eu –

JIM: Vamos!

LAURA: – estou tentando!

JIM: Não fique tensa – é só relaxar!

LAURA: Eu sei, mas eu –

JIM: Solta a coluna! Isso, muito melhor.

LAURA: É mesmo?

JIM: Muito, muito melhor! (Ele a conduz pela sala, numa valsa desajeitada.)

LAURA: Eu não acredito!

JIM: Ha-ha!

LAURA: Meu Deus!


JIM: Ha-ha-ha! (De repente eles batem na mesa e o unicórnio cai no chão. Jim pára de
dançar.) No que batemos?

LAURA: Na mesa.

JIM: Caiu alguma coisa?Tomara que não tenha sido o cavalinho de vidro com o chifre!

LAURA: Foi. (Ela se curva para apanhá-lo.)

JIM: Ah, não. Quebrou?

LAURA: Agora ele ficou igual a todos os outros cavalos.

JIM: Perdeu o –

LAURA: Chifre! Não tem importância. Talvez seja uma bênção disfarçada.

JIM: Você nunca vai me perdoar. Aposto que era seu favorito.

LAURA: Eu não tenho favoritos. Não é nenhuma tragédia, Sardento. É tão fácil o vidro se
quebrar. Mesmo tomando muito cuidado. O tráfego sacode as prateleiras e as coisas caem.

JIM: Mesmo assim eu me sinto muito mal por ter causado isso.

LAURA: Vou imaginar que ele foi operado. O chifre foi removido para que ele se sentisse
menos – esquisito! (Os dois riem.) Agora ele vai ficar mais à vontade com os outros cavalos,
que não têm chifres...

JIM: Ha-ha, isso é muito engraçado! (Ele fica sério de repente.) Você tem senso de humor,
isso é bom! Sabe – você é – muito diferente! Surpreendentemente diferente de todas as
pessoas que eu conheço! (Sua voz torna-se suave e hesitante, cheia de verdadeiro
sentimento.) Importa-se de eu dizer isso para você? (Laura fica desconcertada, sem
palavras.) Estou falando no bom sentido – (Laura concorda balançando a cabeça e
desviando o olhar.) Você me faz sentir – não sei como falar! Normalmente sou muito bom
para me expressar, mas – não sei como dizer isso! (Laura toca na própria garganta, limpa
um pigarro de puro nervoso e aperta o unicórnio quebrado em suas mãos. A voz dele se
torna mais suave.) Alguma vez alguém já lhe disse que você é bonita? (Há uma pausa e o
volume da música aumenta um pouco. Laura levanta o olhar, maravilhada, e balança a
cabeça.) Pois você é! De uma maneira muito diferente de qualquer outra pessoa. E mais
bonita ainda por causa da diferença, também. (A voz dele fica mais baixa e rouca. Laura se
vira, quase desmaiando por sentir emoções tão novas.) Eu queria que você fosse minha
irmã. Eu a ensinaria a ter mais segurança em si mesma. Pessoas diferentes não são como
as outras, mas ser diferente não é motivo para se envergonhar. Porque as outras pessoas
não 70 são tão maravilhosas. E existem milhões delas. Mas você é única! Elas andam pelo
mundo inteiro. Você fica só aqui. Elas são comuns como ervas daninhas, mas – você – você
é um Botão de Rosa!

(Eles se aproximam, a cena congela e Jim deixa de existir para os olhos de Laura.)

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