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AyanDA

A menina que não queria crescer

Ayanda era uma menina muito pequenina.


Estava sempre a sorrir e parecia feliz, rodeada pelos
pais, pela avó e pelo irmãozinho mais novo
Ayanda adorava o pai.
Um dia, porém, rebentou uma guerra. Uma guerra sem
sentido.
O pai foi forçado a combater no exército do rei e a
família não teve notícias dele enquanto a guerra durou.
Quando a vitória foi anunciada, os aldeões que tinham
ido combater voltaram, orgulhosos, e toda a aldeia festejou o seu regresso.
Ayanda esperava o pai com impaciência e a ideia de o rever enchia-a de alegria, pois pensava em
tudo o que iriam poder fazer juntos de novo.
Mas o pai nunca regressou.
O coraçãozinho da menina partiu-se e Ayanda chorava sem cessar. Ninguém conseguia consolá-
la e parecia que a sua dor nunca iria ter fim.
O seu desgosto acabou por se transformar em cólera.
— Por que razão o meu pai, que era tão bom e gentil, morreu na guerra? — perguntava,
indignada.

A partir desse dia, Ayanda decidiu nunca mais crescer. De vez


em quando, alguém perguntava:
— Ayanda, por que motivo és tão pequena?
A resposta que a menina dava era sempre a mesma:
— Porque os adultos são cruéis. Fazem guerras e matam-se
uns aos outros. Não quero parecer-me com eles.
Todos os anos havia raparigas que cresciam e que se tornavam
cada dia mais bonitas. Ayanda, contudo, continuava minúscula.
— Se continuares assim pequena, não vais poder casar-te —
diziam-lhes as amigas, num tom de troça.
— Isso não me preocupa! — retorquia ela.
Certa noite, a mãe de Ayanda adoeceu gravemente e
levaram-na para o hospital de uma cidade longínqua. E os
médicos decidiram que teria de ficar internada até recuperar
totalmente.
Apesar de ser já velhinha, a avó de Ayanda teve de se
ocupar de todas as tarefas domésticas. A velhinha tinha
poucas forças e muitas dores de costas, o que fazia com que a
neta ficasse triste de a ver trabalhar tanto.
— Se eu fosse um pouco maior, poderia ajudar a minha
avó a cuidar da casa — dizia Ayanda para consigo.
A menina deixou-se crescer o suficiente para ter forças.
Cheia de energia, em breve substituiu a avó nos afazeres da casa.
Sempre que precisava de ser maior para fazer melhor alguma coisa, Ayanda deixava-se crescer
um pouco mais.
Como uma desgraça nunca vem só, a avó
morreu enquanto a mãe ainda estava no hospital.
De um dia para o outro, Ayanda viu-se sozinha
com o irmãozinho. Apesar do seu enorme desgosto
por ter perdido a avó, encheu-se de coragem e
assumiu a responsabilidade pelo menino.
Todos os dias, lavava-o, vestia-o, preparava-lhe
as refeições e lavava-lhe a roupa. Chegava ao fim do
dia exausta e perguntava-se se conseguiria aguentar
a situação durante muito mais tempo.
— Acho que vou ter de crescer um pouco mais
se quiser tomar bem conta do meu irmão. Pelo menos
até a minha mãe voltar do hospital.
E assim fez.

Quando a mãe de Ayanda regressou do hospital, encontrou a casa limpa e bem arrumada e viu
que o filho mais novo estava bem tratado. A filha tinha crescido tanto que a mãe quase não a
reconheceu.
Ayanda tornou-se numa das raparigas mais bonitas da aldeia.
Agora, quando as pessoas a viam, diziam:
— Se não parares de crescer, nunca irás encontrar um marido do teu tamanho!
— Isso não me preocupa nada! — retorquia ela.
Desde o regresso da mãe que Ayanda tinha mais tempo livre. Mas, em vez de ficar a conversar
com as raparigas da sua idade, preferia ir ajudar os vizinhos ou a velha vendedora, que tinha muita
dificuldade em transportar os sacos cheios de fruta.

Certa manhã, enquanto todos se ocupavam dos seus afazeres, ouviram-se tiros. Uma horda de
bandidos invadiu a aldeia como se fossem gafanhotos a devorar uma colheita.
Ameaçaram os aldeões com armas e ordenaram-lhes que
trouxessem dinheiro, joias e objetos preciosos.
— Se esconderem a mínima peça que seja, queimaremos a
aldeia e matamos toda a gente! — ameaçaram.
Enquanto todos foram buscar os seus haveres, Ayanda foi
de casa em casa a tentar convencê-los a resistirem. Contudo, os
habitantes da aldeia tinham demasiado medo para fazer frente
aos agressores.
— Isso quer dizer que terei de enfrentar os bandidos
sozinha — disse Ayanda para consigo. — Para isso, tenho de
crescer bastante mais. Se tiver a altura de um embondeiro, vou
conseguir expulsá-los da aldeia.

Ayanda começou a crescer sem parar. Mesmo quando a sua cabeça ultrapassou a altura das
casas, ele quis continuar a crescer. Quando atingiu a altura do embondeiro centenário que estava no
centro da aldeia, parou de crescer.
Os bandidos esperavam, tranquilos, pelo saque, sem se darem conta do que se estava a passar.
De repente, o chão começou a tremer. De cada vez que a gigante Ayanda dava um passo, tudo
se mexia como se uma manada de elefantes estivesse em movimento.
Quando a viram dirigir-se a eles, os bandidos largaram tudo e fugiram.
Mas era demasiado tarde.

A menina gigante agarrou neles


todos e colocou-os no meio de uma pocilga.
— A polícia virá tratar de vocês! —
disse-lhes.
Cobertos de lama, os bandidos
tremiam de medo no meio dos porcos, que,
admirados com a sua presença, se punham
a cheirá-los e a grunhir.
Os aldeões saíram dos esconderijos e gritaram de alegria. Dançaram em torno de Ayanda e
cantaram uma canção para lhe agradecer.

Quando a rapariga tentou entrar em casa, viu, apavorada, que o seu tamanho a impedia de passar
a porta. A mãe e o irmão puxaram-na com toda a força, mas nada conseguiram.
Ayanda viu-se obrigada a passar a noite ao relento.
— O que vai acontecer-me? — perguntou-se, a
chorar. — Nunca mais vou conseguir viver como uma
pessoa normal. Queria tanto ser uma rapariga igual às
outras...
Ayanda acabou por adormecer sob o céu estrelado,
mas o seu sono não foi calmo.

Quando os primeiros raios de sol lhe acariciaram a


face, a rapariga abriu os olhos com dificuldade. Com
enorme alegria, viu que o seu tamanho tinha voltado ao
normal. Ayanda nem queria acreditar que não estava a
sonhar…
Mais calma, regressou a casa. Abriu a porta e entrou, sem problemas.
A mãe e o irmão já estavam acordados.
— Vejam! Já não sou uma gigante! — exclamou.
— Transformaste-te numa rapariga muito bonita! — elogiou toda a família.
Os aldeãos vieram vê-la e perguntaram-lhe:
— O que fizeste para te transformares numa
rapariga tão bonita?
A resposta de Ayanda era um sorriso.
O mesmo sorriso que fazia para o pai quando
ele pegava nela ao colo, em pequena.

Véronique Tadjo
Ayanda, la petite fille qui ne voulait pas grandir
Paris, Actes Sud, 2007
(Tradução e adaptação)

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