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Nos séculos passados o cultivo de uma boa memória era algo socialmente
indispensável. Isso levou o homem à produção de diversos tratados sobre diferentes
metodologias que visavam descrever e aperfeiçoar a memória humana. Dentre estas
metodologias utilizadas para aperfeiçoar a memória, existiam técnicas tidas como
naturais e artificiais; e dentre as artificiais existiam duas destas técnicas, ou
metodologias, que eram as mais conhecidas: a utilização de determinadas drogas, e a
arte da memória.
Pedro de Ravena foi outro dos grandes teóricos que discutiu e aprofundou os
conceitos desta arte da memória. E é sobre a vida deste célebre autor que
pretendemos tratar no transcorrer deste artigo.
Pedro com apenas 20 anos, havia demonstrado frente a seu mestre de jurisprudência
da universidade de Pávia, Alessandro Tartagni, ser capaz de recitar de memória
totum codicem iuris civilis (o código civil completo), texto e até mesmo o número
das páginas, e de repetir palavra por palavra as próprias lições de Alessandro. Anos
mais tarde, em Pádua, havia impressionado o colégio de canônicos regulares ao
recitar de memória algumas prédicas que havia escutado uma única vez. Assim foi
que Pedro de Ravena iniciou sua notável carreira, vindo a tornar-se um dos mais
conhecidos memoriões da história.
Pedro de Ravena foi professor de direito em Bolonha, Ferrara, Pávia, Pístola e Pádua.
Ele contribuiu sem dúvida alguma a difundir o interesse pela ars memorativa em toda
a Itália. A notoriedade deste personagem terá notáveis conseqüências. Em 1941 ele
publica pela primeira vez o seu tratado de memória artificial: Phoenix seu artificiosa
memória, obra que terá grandessíssima ressonância, e que influenciará nas obras de
futuros grandes autores, como por exemplo, Giordano Bruno. A difusão desse seu
escrito, publicado a primeira vez em Veneza, reeditado depois em Viena, Vicenza e
Colônia, traduzido ao inglês (por volta da metade do século XVI) de uma edição
anterior em francês, basta por si mesmo para mostrar o interesse que despertava a
memória artificial em ambientes no solo italiano dos fins do século XVI e a primeira
década de XVII. Pedro de Ravena exercerá uma amplíssima influencia na posterior
produção de mnemotecnia, uma vez que todos os teóricos Italianos e Alemães dos
séculos XVI e XVII se referirão a ele como sendo um excelso mestre nesta arte.
A arte da memória era na verdade uma espécie de escritura mental, em que esses
ambientes possuíam a mesma utilidade de uma folha de papel, e os demais lugares
presentes neste ambiente: cômodos, estátuas, portas, mobílias, etc. eram como se
fossem as pautas desta folha, nas quais, as imagens posteriormente adicionadas
corresponderiam às letras, palavras ou frases.Para se poder usufruir desta técnica
era necessário primeiramente definir ou preparar estes ambientes, os quais poderiam
ser reais – algum lugar que a pessoa visitou e que lembra detalhadamente de
memória - ou então, simplesmente inventados. E quanto a isso Pedro de Ravena
afirmava que podia dispor de mais de 100.000 lugares (ou ambientes), os quais havia
construído para dar conta de qualquer conhecimento referente ao direito e as
sagradas escrituras. Dizia ele que toda vez que visitava uma nova cidade não deixava
de construir novos lugares para a sua memória.
No que diz respeito às regras que se referem à busca de lugares, Pedro pôs sua
atenção na função que exercem as imagens, as quais, segundo suas prescrições, para
serem verdadeiramente eficazes devem ser verdadeiros “excitantes” para a
imaginação:
Uma característica marcante deste personagem será o seu empenho referente a sua
autopropaganda, seu desejo manifesto de despertar admiração no ânimo de seus
leitores. Em várias ocasiões, ele não deixa de falar sobre sua prodigiosa habilidade:
"Ensinei em Bolonha, Pavía e Ferrara, e meus ouvintes têm aprendido muitas coisas
sobre memória, e ainda que minha memória artificial esteja comprovada pela
autoridade de outros, não creio pecar se neste livro se lêem fatos meus que o
provem admiravelmente. Quando era eu estudante de direito, que ainda não tinha
cumprido vinte anos, disse na universidade de Pádua que podia recitar todo o Código
Civil, pedi que me propusessem leis a capricho dos assistentes, e propostas me foram
feitas, disse-lhes os sumários de Bártolo, recitei-lhes certas palavras do texto, expus-
lhes o caso, as observações dos doutores as fui examinando, disse-lhes quantas
páginas tinha aquela lei e lhes recordei sobre que palavras versavam, recitei-os de
forma contrária e os resolvi. Os presentes pareciam ter visto um milagre; Alessandro
de Imola ficou pasmado por longo momento, nem é fábula o que conto, que falava eu
em público na universidade de Pádua, e se o dito de dois ou três testemunhas
confirma um acerto, três tenho eu destas coisas, a saber, ao magnífico senhor Juan
Francisco Pasqualico, senador veneziano e doutor excelentíssimo em ambos direitos,
e agora legado ante o ilustríssimo duque de Milão; ao claríssimo doutor Sigismondo
dei Capi, nobre cidadão de Pádua, cujo advogado era o mencionado Francisco, de
agudíssimo talento; ao respeitável senhor Monaldino de Monaldini, residente em
Veneza, varão em quem habita toda virtude.
Na primeira edição impressa de sua obra Phoenix seu artificiosa memória em 1491,
Pedro de Ravena precedia o texto com algumas cartas de privilégio escritas pelo
município de Pistola (12 de setembro 1480); por Bonifácio, marquês de Monferrato
(24 de setembro de 1488) e por Leonor de Aragão, duquesa de Ferrara (10 de outubro
de 1491). Ao acompanharmos uma dessas cartas, podemos adquirir uma breve noção
do amplo prestigio que Pedro de Ravena dispunha em tal época:
"Leonor de Aragão, duquesa de Ferrara, etc. Porque Deus, doador imortal de todos os
bens, quis concedê-lo ao gênero humano, desde a constituição do mundo até esta
época, surgiram na órbita da terra numerosos excelentes varões, entre as quais
temos, agora, ao distinto e condecorado militar, insigne jurisconsulto em ambos
direitos, Pedro Tomás de Ravena, portador destas nossas letras, quem, além de
outras qualidades de corpo e ânimo, destaca-se de tal modo por todo gênero de
doutrina e por sua tenacíssima memória, que não só não parece ter quem o supere,
senão nem sequer quem o iguale. E de que o comprovou com fatos muito
recentemente, não somos testemunhas somente nós, senão toda nossa cidade. Daí
que, com singular admiração e distinto afeto, tenhamo-lo recebido, com preferência
a outros, entre nossos familiares e amigos. Pelo qual rogamos e suplicamos de todo
coração a quaisquer sereníssimos reis, ilustres príncipes, excelentes repúblicas e
quaisquer outros senhores, pais, amigos e pessoas que bem nos queiram, que por
amor nosso, e mais do que nada em atendimento a aos merecimentos e virtudes tão
grandes do portador, quantas vezes o dito dom Pedro se apresentar com seus criados
e cavalos até em número de oito, com seus haveres e caixas, panos e vestidos, livros
e louça de prata e quaisquer efeitos seus ou armas, dêem-lhe franco passe e o
tenham por amplíssissimamente recomendado, e se sirvam de provê-lo da escolta
conveniente, quando tiver necessidade e ele o pedir, libérrima e prontíssimamente,
sem impor-lhe empecilho algum nem outro bloqueio qualquer, em suas cidades,
praças, vilarejos, e demais lugares. Do qual receberemos muito contente e ficaremos
agradecidos, dispostos como estamos em grande maneira a favorecer-lo quanto seja
possível.
***
Não presuma já, mais exceção, pondo o seu nome as façanhas de todo um exército.
Cante a fama a Pedro, que é a nobre glória de Ravena, que mais pode do que a douta
Minerva.
Coisa admirável fizeram os deuses, pois, ainda que soe incrível, retém o que quer
que seja na memória ao lê-lo uma única vez. O que um orador diz em três horas pode
ele, sem mais, repeti-lo.
Parece que deu a luz a quinta das doutas irmãs, pois que lhe concedeu a musa,
piedosa, recordar tudo.
REFERÊNCIAS: