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INQUÉRITO SOBRE A NATUREZA
E AS CAUSAS DA

RIQUEZA DAS NAÇÕES

Adam Smith
VOLUME I

Prefácio de
HERMES DOS SANTOS

Tradução e notas
de
TEODORA CARDOSO

e
Lufs CRISTÓVÃO DE AGUIAR

4. a Edição

\/i
SERVIÇO DE EDUCAÇÃO
FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN
Capitulo I

DA DIVISÃO DO TRABALHO 1

O maior acréscimo 2 dos poderes produtivos do A dMsão do


trabalho é a
trabalho e grande parte da peticia, destreza e bom senso grande causa do
com que ele é em qualquer parte dirigido, ou aplicado, aumento da sua
capacidade
parecem ter sido os efeitos da divisão do trabalho. produtiva,

[Esta expressão não era corrente, se é que alguma vez


tinha sido usada antes. A sua presença aqui é provavelmente
devida a um trecho da Fdbula das Abelhas, de Mandeville, parte II
(1729), diálogo VI, p. 335: «CLEO .... Uma vez que os homens
passam a ser governados por leis escritas, todo o n.sto evolui
rapidamente... Uma vez que desfrutem de paz e não se vejam
na necessidade de temer o próximo, os homens não tardarão a
aprender a dividir e subdividir o seu trabalho. ROR. Não te
compreendo. CLEO. O homem, como já antes dei a entender,
gosta naturalmente de imitar o que vê os outros fazer: é por isso
que entre os selvagens todos fazem a mesma coisa, o que os impede
de melhorar a sua condição, embora o desejem constantemente.
Mas se um deles se aplicar inteiramente à manufactura de arcos
e flechas, enquanto um outro se ocupa da alimentação, um terceiro
constrói palhoças, um quarto trata do vestuário e um quinto das
ferramentas, eles não só se tornarão úteis uns aos outros, como os
seus oficios e ocupações, no mesmo número de anos, serão bene-
ficiados, por aperfeiçoamentos muito superiores do que se cada
um deles tivesse sido seguido indiscriminadamente pelos outros
cinco. ROR. Creio que nisso tens toda a razão. E a verdade
do que dizes salta especialmente à vista no fabrico de relógios
que atingiu já um grau de perfeição superior ao que lhe teria sido

[77 ]
como melhor se Poderão compreender-se melhor os efeitos da divisão
pode Tomemos, portanto 4, um exemplo de uma manu- como o fabrico
compreender do trabalho sobre a actividade geral da sociedade, consi- de alfinetes.
apor/ir
factura insignificante, mas na qual a divisão do trabalho
derando a forma como ela actua em algumas indústrias
dum exemplo tem sido frequentemente notada, o fabrico de alfinetes;
específico, especificas. Admite-se, em geral, ser ela levada mais
um operário não treinado nesta actividade (que a divisão
longe em algumas artes insignificantes; não talvez porque
do trabalho tornou num ofício distinto) 5, e que não
o seja mais do que noutros de maior importância mas,
soubesse trabalhar com as máquinas nela utilizadas
nessas artes insignificantes que se destinam a suprir as
(para cuja invenção a divisão do trabalho provavelmente
pequenas necessidades de um reduzido núm~ro de pess~as,
contribuiu), mal poderia talvez, ainda que com a maior
o número total de trabalhadores é necessanamente balXo;
diligência, produzir um alfinete num dia e não seria,
e é muitas vezes possível juntar na mesma oficina todos
com certeza, capaz de produzir vinte. Mas, da forma como
os que se ocupam das diferentes fases do trabalho, de
esta actividade é actualmente levada a cabo, não só
modo que se apresentam simultaneamente à vista do
o conjunto do trabalho constitui uma arte especifica
espectador. Pelo contrário, nas grandes indústrias que se
como a maior parte das fases em que está dividido cons-
destinam a suprir as grandes necessidades de um elevado
tituem de igual modo ofícios especializados. Um homem
número de pessoas, cada fase do trabalho emprega um
puxa o arame, outro endireita-o, um terceiro corta-o,
tão grande número de operários que é impossível reu-
um quarto aguça-o, um quinto afia-lhe o topo para rece-
ni-los todos na mesma oficina. Raramente podemos ver,
ber a cabeça; o fabrico da cabeça requer duas ou três
de uma só vez, mais do que os que se ocupam de uma
operações distintas; a sua colocação é um trabalho espe-
única tarefa. Portanto, embora nessas indústrias 3 o tra-
cializado como o é também o polimento do alfinete;
balho possa, na realidade, estar dividido num muito
até mesmo a disposição dos alfinetes no papel é uma arte
maior número de tarefas do que o verificado nas mais
independente; e a importante actividade de produ~ir
insignificantes, a divisão não se torna tão óbvia e tem,
um alfinete é, deste modo, dividida em cerca de dezoito
por isso mesmo, sido muito menos observada.
operações distintas, ~s quais, nalgumas fábricas, são
todas executadas por operários diferentes, embora noutras
um mesmo homem realize, por vezes, duas ou três dentre
possível alcançar se toda a actividade tivesse continuado entregue
a uma só pessoa; e estou convencido de que a profusão de relógios elas 6. Eu próprio vi uma pequena fábrica deste tipo,
de todos os tipos de que dispomos, bem como a sua precisão e
beleza, se devem principalmente à divisão dessa arte em grande
l [Uma outra razão, e talvez mais importante, para utilizar
número de tarefas». No índice remissivo aparece: «Trabalho,
o exemplo que segue consiste na possibilidade de demonstrar a
Da vantagem de o dividir e subdividir». Joseph Harris, Essay
vantagem da divisão do trabalho sob forma estatística].
upon Money and Coins, 1757, parte I, § 12, trata da (~utilidade dos
5 [Este parênteses só por si bastaria para mostrar que estão
ofícios distintos», ou das «vantagens para a humantdade de uns
errados os que julgam que Smith não incluiu a distinção entre
se ocuparem de uns trabalhos, outros de outros», mas não usa
empregos na «divisão do trabalho»].
a expressão «divisão do trabalho»].
o [Nas Lições de Adam Smith, p. 164, a actividade é, tal
• [Na primeira edição lê-se «acréscimos»].
como aqui, dividida em dezoito operações. Não há dúvida de
[Na primeira edição lê-se: «Embora nelas»].
que este número foi tirado da Encyclopédie, tomo V (publicado em

[78 ]
[79 ]
que empregava apenas dez homens e onde, por conse- em geral, levada mais longe nos países que gozam de um
quência, vários deles executavam duas ou três operações mais elevado grau de actividade e progresso; o que cons-
distintas. Mas, embora fossem muito pobres e não se titui trabalho de um homem num estado primitivo da
encontrassem, por isso, muito bem apetrechados com a sociedade, equivale normalmente ao de vários numa
maquinaria necessária, eram capazes de produzir entre sociedade mais avançada. Em todas as sociedades avan-
eles, quando nisso se empenhavam, cerca de doze libras ~~~as, o agricultor é geralmente aperias-ag:t:lcult()~~ /
de alfinetes num dia. Numa li-~ra hj. mais de quatro mil o artesã!] apenas artesão. Além disso, o trabalho neces-
alfinetes de tamanho médio. (~~A.sslm, }.queles dez homens sário à produção de qualquer obra completa divide-se,
produziam em conjunto l:liáisde quarenta e oito mil quase sempre, entre grande número de operários. Quan-
alfinetes num dia. (Ássilli, cada homem, contribuindo tos oficios distintos se ocupam em cada um dos ramos das
com uma décima pàrteao total, produziria quatro mil indústrias do linho e da lã, desde os cultivadores do linho
e oitocentos alfinetes num dia. Mas, trabalhassem eles e da lã, até aos branqueadores e fiadeiros do linho, e aos
em separado e independentemente uns dos outros;' e sem tintureiros e aos que fazem os acabamentos dos tecidos I
que nenhum tivesse sido treinado nesta actividade peculiar, É verdade que, por natureza, a agricultura não admite
nenhum deles teria sido capaz de produzir vinte alfineteSC-- tantas subdivisões do trabalho como a indústria, nem
por dia, talvez até nem um; quer dizer, nem um duzentos uma tão completa separação entre as diferentes tarefas.
e quarenta avos, talvez nem a quatrimilésima octocentésima É impossível separar tão· inteiramente a actividade do
parte daquilo que actualmente são capazes de produzir, criador de gado da do cultivador de cereais, quanto se
graças à divisão e combinação adequadas das diferentes distinguem normalmente os trabalhos do carpinteiro e
tarefas. do ferreiro. O trabalho de fiação é quase sempre executado
o efeito Em todas as artes e indústrias, os efeitos da divisão por uma pessoa diferente da que se encarregada tece-
é semelhante em
todos os ofícios do trabalho são semelhantes aos que se verificam nesta lagem; mas o amanho da terra, a sementeirav e a ceifa sã~
e também na actividade tão insignificante, embora, em muitas delas, as em geral, levados a cabo pelo mesmo homem. Uma vez
divisão dás
profissões. tarefas não possam ser tão subdivididas, nem reduzidas que as épocas em que estes trabalhos devem ,ser realizados
a tão grande simplicidade. Contudo, a divisão do trabalho se situam em diferentes estações do ano, seÍTia impossível
ocasiona em todas as artes, na medida em que é possível manter um homem constantemente empregado, ocupan-
introduzi-la, um acréscimo proporcional dos poderes do-se de um só. É provavelmente devido a esta impossi-
produtivos do trabalho. A distinção entre os diversos bilidade de estabelecer uma tão completa e absoluta
ofícios e profissões parece ter-se realizado em consequência separação entre as diferentes tarefas que integram a
desta vantagem. Também se verifica que esta distinção é, agricultura, que o aumento da capacidade produtiva
do trabalho nesta actividade nem sempre acompanha os
1755), s. v. Epingle. O artigo é atribuído a M. Delaire, «qui décrivait ' acréscimos registados nas indústrias. É certo que as
la fabrication de l'épingle dans les ateliers même des ouvriers»,
nações mais opulentas habitualmente superam todos os
p. 807. Em algumas fábricas a divisão era ainda levada mais longe.
E. Chambers, Cyclopaedia, voI. lI, 2. a edição, 1738, e 4. a edição, seus vizinhos na agricultura, tal como na indústria;
1741, s. v. Pin, refere vinte e cinco operações distintas]. mas distinguem-se, em geral, mais pela sua superioridade

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nesta que naquela. As suas terras estão geralmente mais sobre a importação da seda em bruto, não é tão apropriada
bem cultivadas e, porque mais trabalho e dinheiro lhes ao clima da Inglaterra como ao da França 9. Mas as
são dedicadas, produzem mais em relação à extensão e ferragens e as lãs grosseiras inglesas são incompara-
fertilidade do solo. Mas esta 7 superioridade da produção velmente superiores às francesas, e também muito mais
é raramente muito mais do que proporcional ao excedente baratas, quando de idêntica qualidade l0. Na Polócia
de trabalho e de dinheiro com elas despendido. Na agri- parece não haver praticamente quaisquer indústrias, seja
cultura, o trabalho de um país rico nem sempre é muito de que espécie for, à excepção de algumas das mais
mais produtivo que o dum pobre; ou, pelo menos, a dife- rudimentares indústrias domésticas sem as quais nenhum
rença não é tão grande como é normalmente nas indús- país pode subsistir.
trias. Consequentemente, os cereais dos países ricos O grande aumento da quantidade de trabalho que, A vantagem é
devida a três
não chegarão obrigatoriamente mais baratos ao mercado em consequência da divisão do trabalho, o mesmo número circunstâncias
que os dos países pobres, se a qualidade for idêntica. de pessoas é capaz de executarl l, deve-se a três circuns-
Os cereais da Polónia, para o mesmo grau de qualidade, tâncias: primeira, o aumento de destreza de cada um dos
são tão baratos como os franceses, apesar da maior riqueza trabalhadores; segunda, a possibilidade de poupar o
e progresso da França. Os cereais em França, nas regiões tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma
cereaHferas, atingem exactamente a mesma qualidade e, tarefa a outra; e, finalmente, a invenção de um grande
na maior parte dos anos, praticamente o mesmo preço número de máquinas que facilitam e reduzem o trabalho,
que os cereais ingleses, embora, em opulência e progresso, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho
a França seja talvez inferior à Inglaterra. As terras cerea- de muitos 12.
líferas da Inglaterra estão, todavia, mais bem cultivadas
que as da França, e diz-se que os terrenos cerealíferos 8 [Lê-se na primeira edição: «porque a produção de seda
da França estão muito mais bem cultivados que os da não se adapta ao clima inglês»].
Polónia. Mas, embora o país pobre possa, apesar da 10 [Nas Lições, p. 164, a comparação é entre «brinquedos»,
isto é, pequenos artigos de metal, ingleses e franceses].
inferioridade do seu cultivo, rivalizar, em certa medida, 11 [Na primeira edição «em consequência da divisão do.
com os ricos no preço e qualidade dos seus cereais, trabalho» aparece aqui e não na linha acima].
ele não poderá aspirar a uma tal concorrência no que 12 [«Pour la célérité du travail et la perfection de l'ouvrage,
respeita às indústrias; pelo menos se essas indústrias forem elles dépendent entil:rement de la multitude des ouvriers rassem-
adequadas ao solo, clima e situação do pais rico. As blés. Lorsqu'une manufacture est nombreuse, chaque opération
occupe un homme different. Tel ouvrier ne fait et ne fera de sa
sedas de França são melhores e mais baratas que as ingle- vie qu'une seule et unique chose; tel autre une autre chose: d'ou
sas porque a produção de seda, pelo menos enquanto se il arrive que chacune s'exécute bien et promptement, et que l'ouvrage
mantiverem os elevados direitos que actualmente incidem le mieux fait est encore celui qu'on a à meilleur marché. D'ailleurs
le gout et la façon se perfectionnent nécessairement entre un grand
nombre d'ouvriers, parce qu'i! est difficile qu'i! ne s'en rencontre
[Na primeira edição lê-se «a»]. quelques-uns capables de réfléchir, de combiner, et de trouver
[Na primeira edição lê-se «as terras» aqui e na linha ante- enfia le seul moyen qui puisse les mettre au-dessus de leurs sembla-
rior]. bles; le moyen ou d'épargner la matil:re, ou d'allonger le temps,

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(1) maior Em primeiro lugar, o acréscimo de destreza do tra- a cabeça é ainda obrigado a mudar de ferramentas. As
destreza
balhador faz necessariamente aumentar a quantidade de diferentes tarefas em que se subdivide o fabrico de um
trabalho que ele pode realizar, e a divisão do trabalho, alfinete ou de um botão metálico 15 são muito mais
ao reduzir a actividade de cada homem a uma simples simples, e a destreza das pessoas que tenham tido por
tarefa, e ao tornar essa tarefa na única _ocupação de toda actividade única, durante toda a sua vida, a execução
a sua vida, faz necessariamente aumentar muito a des- de tais tarefas é, normalmente, muito maior. A rapidez
treza de cada trabalhador. Se um vulgar ferreiro que, com que algumas das operações dessas manufacturas
embora acostumado a manejar o martelo, nunca tenha são executadas excede o que alguém que nunca as tivesse
feito pregos, for, numa dada ocasião obrigado a tentar visto levar a cabo poderia imaginar a mão humana capaz
fazê-los, mal conseguirá, estou certo disso, produzir de realizar.
mais de duzentos ou trezentos pregos por dia e, com cer- Em segundo lugar, a vantagem que decorre de se de (2) economia
tempo
teza, de muito má qualidade 13. Um ferreiro que tenha poupar o tempo habitualmente perdido ao passar de uma
sido habituado a fazer pregos, mas cuja actividade única tarefa a outra, é muito maior do que, à primeira vista,
ou principal não tenha sido o fabrico de pregos, dificil- se poderia imaginar. É imposs1vel passar muito rapi-
mente conseguirá, ainda que use da máxima diligência, damente de uma espécie de trabalho a outra; esta é levada
fabricar mais de oitocentos a mil pregos num dia. Tive a cabo num local diferente e com ferramentas muito
ocasião de ver alguns rapazes de menos de vinte anos de diferentes. Um tecelão rural 16, que também cultiva
idade, que nunca tinham exercido qualquer outra pro- uma pequena quinta, tem de perder muito tempo ao
fissão para além do fabrico de pregos, e que, quando se passar do tear para o campo, ou do campo para o tear.
esforçavam, conseguiam fazer, cada um deles, mais de Quando as duas actividades podem ser realizadas na
dois mil e trezentos pregos num dia 14. O fabrico de mesma oficina, a perda de tempo é, sem dúvida, muito
um prego não é, todavia, de maneira nenhuma, uma das_' menor. Contudo, mesmo neste caso é muito conside-
tarefas mais simples. A mesma pessoa utiliza o folé, rável. Qualquer homem normalmente aproveita a
atiça ou corrige o fogo, conforme o necessário, aquece mudança de ocupação para um pouco de descanso.
o ferro e forja as diferentes partes do prego: para forjar Ao iniciar o novo trabalho raramente se mostra muito
desembaraçado e enérgico; a ideia, como eles dizem,
não está posta no trabalho, e ele passa algum tempo
ou de surfaire l'industrie, soit par une machine nouvelle, soit
par une manoeuvre plus commode». - Encyclopédie, tomo I (1751), mais propriamente a entreter-se que a fazer algo de útil.
p. 717, s. v. Art. As três vantagens mencionadas no texto acima O hábito de folgar indevidamente e de não se aplicar ao
estão incluídas aqui]. trabalho com o necessário cuidado e diligência, que é
13 [Nas Lições, p. 166, «um ferreiro de aldeia que não esteja naturalmente, ou antes obrigatoriamente, adquirido por
habituado a fazer pregos terá de trabalhar duramente para produzir'
trezentos ou quatrocentos por dia e, com certeza, de muito má
qualidade»] . 15 [Nas Lições, p. 255, dá-se a entender que o trabalho de
U [Nas Lições, p. 166, «um rapaz habituado a isso fará produzir um botão estava dividido entre oitenta pessoas].
facilmente dois mil, e incomparavelmente melhores»]. 16 10 mesmo exemplo aparece nas LiçõeS, p. 166].

[84 ] [85 ]
todos os trabalhadores do campo que têm de mudar de vidido foram originariamente invenção de vulgares ope-
actividade e de ferramentas de meia em meia hora e que rários que, ocupando-se cada um deles de uma tarefa
em cada dia da sua vida têm de desempenhar vinte tare- muito simples, naturalmente deram em congeminar
fas diferentes, torna-os quase sempre desleixados e formas mais fáceis e expeditas de as realizar. Quem quer
preguiçosos, incapazes de se aplicar com energia, por que esteja acostumado a visitar fábricas desse tipo deve
mais premente que a ocasião se mostre. Assim, indepen- ter tido com frequência oportunidade de observar máqui-
dentemente das suas deficiências no que respeita a destreza, nas excelentes, que foram produto da invenção de tais 19
esta causa por si só reduzirá consideravelmente a quanti- operários, com a finalidade de tornar mais simples e
dade de trabalho que lhes é possível realizar. rápida a parte do trabalho que lhes incumbe. Nas pri-
e (3) Em terceiro, e último lugar, todas as pessoas devem meiras máquinas a vapor era necessário que um rapaz
a utilização de -~~éstivesse sempre a abrir e a fechar alternadamente a
maquinaria compreender quanto o trabalho é facilitado e reduzido
inventada por graças à utilização de máquinas apropriadas. É desne- comunicação entre o cilindro e a caldeira, conforme o
operários, êmbolo subia ou descia. Um desses rapazes, que gostava
cessário dar exemplos 17. Limitar-me-ei, pois, a observar
que a invenção de todas essas máquinas que tanto facilitam mais de se divertir com os companheiros, observou que,
e reduzem o trabalho parece ter sido originariamente atando um fio à válvula que abria essa comunicação e
devida à divisão do trabalho. Os homens têm muito prendendo-o a outra parte da máquina, a válvula abria
maior probabilidade de descobrir métodos mais fáceis e fechava sem ser necessário ele mexer-lhe, deixando-o
e rápidos de atingir um certo objectivo quando toda a livre para se divertir com os camaradas. Assim, um dos
atenção do seu espírito está concentrada nesse único grandes aperfeiçoamentos introduzidos nessa máquina,
objectivo, do que quando ela se dispersa por uma grande desde a sua invenção, foi resultado da descoberta de
variedade de coisas. Ora,' em consequência da divisão um rapaz que queria esquivar-se ao trabalho 20.
do trabalho, toda a atenção de cada homem se vem a
concentrar directamente num objectivo muito simples. 19 [Na primeira edição lê-se: «de vulgares»].
É pois naturalmente de esperar que um ou outro dos que 20 [Esta bonita história é, pelo menos em grande parte,
se dedicam a cada tarefa específica depressa descubra um mito. Parece ter tido origem na má interpretação (não necessa-
riamente de Smith) do seguinte trecho: «Costumavam anterior-
métodos mais fáceis e rápidos de realizar o trabalho que
mente trabalhar com uma bóia no cilindro dentro de um tubo,
lhe incumbe, sempre que a natureza deste permita uma a qual subia quando o vapor era forte, abria a injecção e produzia
~
ta1 meIhoria. Grande parte das máquinas usadas~; um movimento; desse modo não conseguiam mais que seis, oito
naquelas indústrias em que o trabalho está mais subdi- ou dez movimentos por minuto até que um rapaz, Humphry Potter,
que vigiava a máquina, lhe acrescentou uma ligação (a que chamou
17 [Nas Lições, p. 167, aparecem exemplos: «Dois homens scoggan) que fazia a válvula Q abrir sempre; e assim conseguiam-se
e três cavalos produzirão mais num dia com a charrua que vinte quinze ou dezasseis movimentos por minuto. Mas porque isto
homens sem ela. O moleiro e o seu ajudante produzirão mais originava uma confusão de ligações e fios, o Sr. Henry Beighton,
com a azenha que uma dúzia de homens com o moinho manual numa máquina que tinha construído em 1718, em Newcastle-
embora este também seja uma máquina»)]. ' -on-Tyne, eliminou-os a todos, fazendo a alavanca por si só todo
18 [Lê-se, na primeira edição: «máquinas empregadas»]. o trabalho muito melhor». - J. T. Desaguliers, Course oi Experi-

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ou por Todavia, nem todos os aperfeiçoamentos introduzidos Cada indivíduo se torna mais perito no ramo que lhe
construtores de compete, acresce-se o volume de trabalho realizado, e a
máquinas nas máquinas foram produto da invenção daqueles que
e filósofos. tinham ocasião de as utilizar. Muitos deles foram pro- ciência progride consideravelmente graças a isso 2 y
duto do engenho dos construtores de máquinas, desde É a grande multiplicação das produções de todas as Dai A •

A •d di . - d b Ih . . a opulencla
que este trabalho se tornou numa actividade independente; artes, consequencia a Visao o tra a o, que origina, universal

e alguns foram criação daqueles a quem é costume deno- numa sociedade bem administrada, a opulência generali- numa sociedade
' d .. r' d bem
minar de filósofos ou homens de pensamento, cujo oficio zad a que se estend e as cama as maiS inl.e!1ores a popu- administrada,

não consiste em fazer alguma coisa, mas em tudo obser- lação. Cada trabalhador dispõe de unfLquantidade de
var; e que, por isso mesmo, são muitas vezes capazes trabalho próprio muito superior àquela que pode utilizar;
de combinar as aptidões de objectos muito distantes e e, uma vez que todos os outros trabalhadores estão
dissemelhantes 21. Com o progresso da sociedade, a exactamente na mesma situação, é-lhe possível trocar
filosofia ou especulação torna-se, como qualquer outra uma grande quantidade dos seus próprios produtos por
actividade, na única ou principal tarefa e ocupação de uma grande quantidade, ou, o que vem a dar no mesmo,
uma determinada classe de cidadãos. Também como pelo preço de uma grande quantidade dos deles. Forne-
qualquer outra actividade, subdivide-se num grande ce-lhes em abundância aquilo de que necessitam e eles
número da ramos distintos, cada um dos quais propor- fornecem-lhe, com igual profusão, tudo o que ele pre-
ciona ocupação a uma certa tribo ou classe de filósofos', tende, difundindo-se a abundância pelas diferentes cama-
e esta subdivisão do emprego na filosofia, como nas outras das sociais.
Observe-se o suprimento do mais vulgar artífice onde mesmo o
actividades, aumenta a destreza e economiza tempo. casaco de um
ou jornaleiro num país civilizado e próspero, e veri- jornaleiro é o
ficar-se-á que o número de pessoas cuja actividade, produto da
mental Philosophy, voI. lI, 1744, p. 533. Com base nas páginas 469, actividade de
471 parece que anteriormente à descoberta da «bóia» se utilizava ainda que só numa pequena parte, foi necessário empre- um grande
o trabalho manual]. gar para lhe proporcionar esse suprimenw, excede todas número de
21 [Nas Lições, p. 167, a invenção da charrua é, por conjectura homens.
as possibilidades de cálculo. Por exemplo, o casaco de
atribuída a um agricultor e a do moinho manual a um escravo'
enquanto a descoberta da azenha e da máquinha a vapor é atri~ lã que cobre um jornaleiro, por mais grosseiro e tosco que
buída a filósofos. Mandeville dá muito menos crédito aos filósofos:
«É muito raro ser o mesmo tipo de pessoas que inventa as artes 22 [É reconhecida adiante, p. 761, a vantagem de p~oduzir
e as formas de as melhorar e que investiga as razões das coisas: certos bens inteiramente ou p-rincipalmente nos países mais natu-
esta última actividade é muito mais vulgarmente praticada pelos ralmente adaptados a essa produção, mas o facto de que a divisão
ociosos e indolentes, que gostam de uma vida retirada, detestam do trabalho é necessária para a s~a consecução não é verificado.
o labor e se deliciam com a especulação; ao passo que, na primeira, O facto de que a divisão do trabalho permite que diferentes traba-
os que alcançam êxito com maior frequência são os homens activos, lhadores se entreguem exclusivamente ao tipo de trabalho a que
mexidos e laboriosos, os que metem mãos à charrua, tentam todas melhor se adaptam graças a qualidades não adquiridas pelo ensino
as experiências e dão toda a sua atenção àquilo que estão a fazer». ou pela prática, tais como a idade, o sexo, a altura e a força, é em
- Fábula das Abelhas, parte II (1729), diálogo IlI, p. 151. E passa parte ignorado e em parte negado adiante, pp. 96, 97. A desvan-
a dar como exemplos os progressos no fabrico do sabão, nos tagem da divisão do trabalho ou especialização é tratada no
processos de tingir os tecidos, etc.]. voI. lI, Livro V, capo I, parte IH, art. 2].

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4
possa parecer, é o produto do labor combinado de grande terra e por mar, todos os outros utensilios da sua cozinha,
número de trabalhadores. O pastor, o classificador da tudo aquilo que utiliza na sua mesa, as facas e os garfos,
lã, o cardador, o tintureiro, o fiandeiro, o tecelão, os pratos de barro ou de estanho, nos quais serve e divide
o pisoeiro, o curtidor, e muitos outros, têm de reunir os seus alimentos, as várias mãos necessárias para pro-
as suas diferentes artes para que seja possivel obter-se duzir o seu pão e a sua cerveja, a vidraça que deixa entrar
mesmo este produto comezinho. E quantos mercadores o calor e a luz e o protege do vento e da chuva, com
e carreteiros hão-de, além disso, ter sido empregados no todo o saber e arte exigidos pelo fabrico dessa bela e
transporte dos materiais de uns desses trabalhadores feliz invenção sem a qual dificilmente se poderia propor-
para os outros, que, muitas vezes, vivem em regiões cionar locais de habitação muito confortáveis nestas
do paIs muito distantes I Quanto comércio e quanta zonas frias do mundo, e ainda todas as ferramentas a
navegação especialmente, quantos construtores navais, que os operários empregados na produção de todos esses
marinheiros, fabricantes de velas e de cordas terão sido bens têm de recorrer; se examinarmos todas estas coisas, //~
precisos para reunir as diferentes drogas usadas pelo dizia eu, e considerarmos a variedade de activi~ad~s ..?/ Oi
tintureiro, que muitas vezes provêm dos mais remotos 1\ incorporada em cad~ uma delas, ~~~noS-â ~
cantos do mundo I E que variedade de trabalho é ainda que, sem a ajuda e cooperação de muitos milhares, as
necessário para produzir as ferramentas do mais infimo necessidades do cidadão mais ínfimo de um pais civilizado
desses trabalhadores I Para já não falar de máquinas tão não poderiam ser satisfeitas, nem mesmo de acordo com
complicadas como o navio do marinheiro, a prensa aquilo que nós muito falsamente imaginamos ser a forma
do pisoeiro, ou mesmo o tear do tecelão, consideremos simples e fácil como elas são habitualmente satisfeicas ..
tão-somente a variedade de trabalho requerida para Na verdade, comparadas ao mais extravagante luxo dos
originar essa máquina tão simples, a. tesoura com que o grandes, as suas necessidades parecem, sem dúvida,
pastor tosquia os carneiros. O mineiro, o fabricante da extremamente simples e chãs; e, no entanto, talvez
fornalha para fundir o minério, o lenhador, o carvoeiro seja verdade que a satisfação das necessidades de um prin-
que produziu o carvão que a fundição utiliza, o fabri- cipe europeu não excede tanto a de um camponês indus-
cante de tijolos, o assentador de tijolos, os operários que trioso e frugal, como a deste excede a de muitos reis
trabalham com a fornalha, o operário da fundição, africanos, senhores absolutos da vida e da liberdade de
o ferreiro, todos têm de juntar as suas artes para as pro- dez mil selvagens nus 23.
duzir. Se examinássemos da mesma forma as diferentes
partes que compõem o seu vestuário e a mobilia da sua
casa, a camisa de linho que usa junto à pele, os sapatos
que lhe protegem os pés, a cama em que se deita, e as 23 [Provavelmente este parágrafo foi tirado integralmente
várias partes de que se compõe, o fogão de cozinha do manuscrito das lições do autor. Parece basear-se em Mun,
em que prepara os seus alimentos, o carvão que utiliza England's Treasure by Forraign Trade, capo lII, final; Locke, Civil
para esse fim, arrancado às entranhas da terra e trazido Government, § 43; Mandeville, Fable 01 lhe Bm, parte I, Nota P,
2." edição, 1723, p. 182, e talvez Harris, Essay upon Money and
até ele provavelmente depois de uma longa viagem por
Coins, par~e I, § 12. Ver Lições, pp. 161-162 e notas].

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