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El Museo Canario

LI
1996
o FUNCHAL, NA GUERRA
, DE CORSO
E REPRESALIA DO SECULO XVIII
ALBERTO VIEIRA •

M ÚLTIPLAS e variadas razões fizeram com que o Funchal se afirmas-


se no século XVIII como um centro chave das transformações sócio-
políticas então operadas, de ambos os lados do oceano. A ilha foi
também protagonista no processo, concOITcndo para isso Vál;OS fac-
tores. Aqui deverá, sinalizar-se a forte presença da comunidade in-
glesa e o facto de a ler transformado num importante centro para a
sua afirmação colonial e malitima, a partir d o século XVII. Esta vin-
culação da ilha ao império britânico é bastante evidente no quotidia-
no e devir histórico madeirenses dos séculos XVIII e XIX \.
Para além desta formulação do problema é preciso ter em conta
que a actividade do corso não se esgota na cobi ça e partilha da pre-
sa, poi s a este beneficio económico, que é a razão única do pirata l,
juntam-se outros objectivos. É por isso que o corso se justifica tam-
• Centro de Historia dei Atlântico. Funchal. Madeira.
I Conrronte-se Desmond GREGORY, The Bene{icetlt Usurpers. A Hislory of lhe

British iii Madeira, London, 1988.


z ~ necessário assinalar que a diferença entre pirata e corsário é a chave para
a compreensão disto. Assim enquanto o primeiro actuava por sua iniciativa sen-
do o seu objectivo apenas económ ico, o segundo via a sua acção legitimada por
uma carta e ordenança de corso. Veja-se L. Luis AZCÁRRAGA DE BUSTAMA/I.'TE, El
Corso Maririmo , Madrid, 1950,91,131·132.
212 ALBERTO VIEiRA

bém como fonna de represália resultante dos conflitos bélicos ou da


luta contra as opções do exclusivismo económico definidas pelas te-
ses do mare clausum. O corso foi, assim, no decurso do século XVIII
uma fOlma de extensão dos conflitos europeus 3 e americanos, veicu-
lando neste último caso uma opção político-ideológica que marcou
o Novo Mundo. Estes COrsál'ios sul-americanos ficaram conhecidos
como insurgentes, porque se insurgiram contra as pOIenciais coló-
nias europeias e abraçaram a bandeira do independentismo içada,
primeiro. pelos norte-americanos. É, na ve,'dade, a declaração de
independência dos E.V.A. que fez despoletar a nova situação.
Neste fogo cruzado a Madeira, porque protagonista activo no re-
lacionamento entre os dois mundos e pela forte presença da comu-
nidade inglesa, não podia alhear-se das mudanças políticas geradaS"
pela difusão de novas ideias e repercussão das suas consequências,
E, na segunda metade do século XVIII, foi evidenteesta aportação 4,
Para isso contribuiu o protagonismo do Funchal , através do comér-
cio do vi nho, no re lacionamento comercial com os portos norte-
americanos , mas também com as metrópoles, Deste modo paI'a si-
tuar a problemática em debate é necessário ter em atenção, não s6,
as actividades de corso, mas também, o activo relacionamento e in-
terdependência da Madeira com este mercado, que, em termos polí-
ticos esteve, desde o último quartel do século XVIII, em permanente
ebulição,

o CORSO ATLÂNTICO
A partir da década de 70 e até aos principios do século seguinte
os conflitos que têm como palco os continentes europeu e america-
no alargam-se ao Atlântico. Aliás, O oceano é neste momento um
activo protagonista das disputas entre os plincipais beligerantes:
Espanha , França e lnglaten'a. Por isso, Mario Hernandez Sánchez-
Barba 5 define o século XVIII por três realidades: guelTa, diplo macia
e comércio, existindo entre elas uma perfeita sinto nia. Tudo isto
gera uma ambiência de instabilidade que provoca o reforço da for-
tificação e estrutura militar, porque o perigo espreita no mar a qual-
quer momento.

1 Georges RuoÊ, A Europa no século XVIII, a arisrocracia e o desafio burgés, lis-


boa, 1988, refere que «dois em cada três anos foram de guerra .. (pp.255-369).
~ António LOJA, A luta do poder contra a Maçonaria, Lisboa, 1985, p .247.
, EI mar en la Historia de América, Madrid, 1992, p. 239.
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA.. 213

É den tro desta ambiência que deverá considerar-se a presença


dos corsários nos mares da Madeira. Para isso poderão assinalar-se
dois momentos: o período que decorre entre 1744 a 1736 definido
pelo afrontamento de Inglaterra com a França e Espanha; a época
das grandes transformações do século, com a proclamação da inde-
pendência das colónias inglesas da América do Nort.e (e a conse-
quente guerra de independência até 1783), a Revolução Francesa
(1779) e as convulsões que lhe seguiram até 1815. Neste último in-
t.ervalo de tempo sucederam-se novas alterações no continente ame-
ricano com a lut.a pela independência das colónias de Espanha, que
fizera m nascer um novo interlocutor para a guen-a de corso.
A dimensão assumida por esta guelTa de represália está bem pa-
tente no número das presas. No período de 1793 a 1798 os france-
ses apresaram alguns milhares de embarcações dos ingleses e alia-
dos: em 1795 só o porto de Brest tinha 700 presas inglesas e cm
1798 contavam-se 3 199 navios comerciais apresados 6. Perante a in-
vestida fra ncesa não será de estranhar a ocupação inglesa da Madei-
ra, entendida como fOlma de preservar os interesses dos súbditos de
Sua Majestade, mas também de estabelecer uma barreira ao avanço
fra ncês além oceano.
Em todos os momentos a Madeira Funcionou como base para as
inúmeras incursões dos corsários ingleses. A neutralidade, insisten-
temente proclamada nunca foi conseguida, pois os inglesesafronta-
ram por diversas formas a atitude do governador 7.
Entre 1740-48 em face da guerra da Sucesso da Austria, aumen-
tou a acção dos corsários nas águas da Madeira, deslacando-se os
ingleses _que se servem da ilha com mais proveito» 8, «aproveitando
o Funchal como sustentáculo cómodo, corsários ingleses passam a
alterar com grandes danos contra a navegação das potências inimi-
gas, sendo especialmente vítimas os navios espanhóis que circu-
lavam no tráfego das ilhas Canárias, Costa de Amca (de modo
particular o norte), Espanha e Mediterrâneo ou América» 9 . Para a
concretização deste bloqueio os ingleses precisavam da ilha da Ma-

• Confronte-se A. C. BAPTISTA, O Ressurgimfmro da Mariuha Portuguesa '10 ÚI·


timo Quarrel do Século XVIfI, Lisboa, 1957 (tese de licenciatura na Faculdade de
Letras).
7 Em 1780 o Governador João Gonçalves da Câmara panicipa a Maninho de
Mello e Castro a presença de uma esquadra inglesa no Funchal, pedindo ins-
truções para manter absoluta neutralidade Ibidem, n." 545. 22 de Janeiro) .
• J. J. DE SoUSA, O Movimento do Porro do FUllchal e a CO//;IHllllra da Madeira
de 1727 a 1810, foL 87.
, Idem, ibidem, fols. 87/8.
214 ALBERTO VIEIRA

deira e do apoio das autolidades locais, para aí estacionarem cons-


tantemente corsários e navios de guerra. Destes podemos destacar a
balandra corsário do capitão Filipe Maré que permaneceu por dois
meses, tendo trazido ao porto três presas, e o corsário ocRei Jorge_,
entre Novembro de 1746 e Fevereiro de 1747, que conseguiu fazer 5
presas.
Da parte dos espanhóis tivemos uma reacção em força com O ber-
gantim San teimo Nossa Senhora da Candelária, sob o comando do
capitão Pascoal de Sousa Venno, armado em corso a 24 de Novem-
bro de J 739 10: «asin de que por el tiempo que duraren las hostilida-
des de una e atra parte pueda salir a corsear con la zitada embarca-
dón levando em eUa la vendera de las armas de Espana sea
directamente, segundo la costa osidental de Amca, o bien cruzando
a la Madeira, y Terseras sin pasar ni tocar por motivo alguno a los
mares de America y perseguir, atacar, tomar y apresar los navios y
efectos que encontrare proprios de EI-Rey y subditos de la Cran Bre-
tafia, y de otros enemigos de la carona ..... !!.
Este manteve-se em permanente acção ao largo da Madeira e Por-
to Santo em 1748, atento às presas locais inocentes para depois as
apresentar em troca aos ingleses e portugueses 12. Mas, a 14 de Abril
após o apresamento de uma balandra inglesa junto ao Cabo Girão,
foi atacado pela artilhalia dos redutos de Câmara de Lobos e do Il-
héu. Depois ao tentar vender a presa na ilha acabou embargado nas
mãos do bispo governador, que acolheu a pretençãoinglesa ll .Depois
disso, ainda, tomou uma escuna inglesa junto da Ponta do Sol, mas
em Maio foi aprisionado pela nau inglesa Chestemeld, terminando
o seu périplo com a sua arrematação pela Alfândega. Os documen-
tos que se transcrevem em anexo, são resultado disso.
Na segunda metade deste século mantém-se a posição privilegia-
da da força naval inglesa e o apertado bloqueio às Canárias, sem que
da parte da França ou Espanha haja uma reacção em força. São
conhecidas apenas manifestações esporádicas de represália em 1768
e 1799 14 com o apresamento pelo corsário Santa Bárbara de um na-
vio inglês.
Em 1762 a conjuntura europeia levou a coroa a j'ecomendar ao
governador José Correia de Sá que se mantivesse neutral em face
ID ANlT, PRFFF, n.O 972, fols . 233/5, vide J . A. BUSTAMANTE, El Corso Moritimo ,
pp. 91 / 110.
" ANlT, P1RFF, n.O 972, fols . 233/5v.0.
II ANTI, AF, n." 109, fols. 79, 82, 83v.0.
\J ANlT, PIRFF, n.O 970, fols . 16v.o/ 17.
1< AHU, Madeira e Pano Santo , doe . 22 de Julho, Maço 5.

I
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA. .. 215

dos acontecimentos, ao mesmo tempo que se ordena que exerça re-


presálias sobre os navios espanhóis e franceses IS, o que, conLribuiu
para o reforço da situação privilegiada dos ingleses na área atlânti-
ca. Neste penodo conturbado foram apreendidos 5 navios espanhóis
no bloqueio das Canárias: um em 1756 16 , dois em 1762 17 , um em
1780 18 , 1799 19 e 1800 20 .
Em 1780 l i o goveITlador da ilha, em carta a Martinho de Mello e
Castro dá conta das proezas dos corsários ingleses, que atacavam os
barcos que faziam os contactos entre os portos da ilha ou andavam
nas pescarias, de que se salientava então o capitão João Marshal.
com o seu navio Júpiter. O mesmo havia tentado apresar um navio
veneziano que viera ao Funchal fazer aguada, sendo impedido pelos
portugueses, acabando depois por seguir rumo ao Porto Santo onde,
com o apoio de uma lancha de pescadores, atacou uma embarcação
que aí estava.
O momento de 1799 a 1815, com os conflitos europeus advindos
das guerras napoleónicas, é pautado por um f0l1e impulso dos cor-
sários nestas paragens, destacando-se a represália entre franceses e
ingleses. Em t 796 uma galera da linha do Brasil é apresada por um
corsário francês, sendo retomada pelo corsárioAlcovora que a lançou
no Funchal , passados dois anos passou-se o mesmo com um bergan-
tim da praça do Funchal em viagem da Madeira para os Açores n.
A par disso a Madeira foi também uma base para as incursões
inglesas nas Canárias ou de represália aos espanhóis. Assim regis-
tam-se as seguintes presas: em t 799 do navio Fama 23 e entre 18001
1801 2~ de 6 presas pelo corsário John Smith. Em 1805 25 os corsá-
rios ingleses apresaram na Madeira 5 navios espanhóis, sendo 1 no
alto mar e 2 junto das Canárias, a que se juntou depois outro no
porto do Funchal 16 • Todavia, foram impedidos pelo governador da

IS ANTT, PFRFF, n.O 985, fols. J6v.0/9; BNL-SIR-PBA-MS458, fols . 250Ilv.0,


231/4.
10 ANTT, P1RFF, n.O974, fols. 14/4v.0.
11 J. J. OE SOUSA, ibidem, foI. 100.
" AHU, Madeira e Porto Santo. n." 548/50.
19 ANlT, AF, n.O 238, foI. 26.
I~ AHU, Madeira e Porto Santo, n.O 1163/9.
II Idem, n.O 561.

II ANTT, P1RFF, n .O 128, foi . 54v.0.


J) Idem, n. 128, fols. JOlv.".
a

I' Idem, n.O 130, fols. 16, 19 , n. a 206, fols. 80, 84.
II AHU, Madeira e Pono $mIlO, n.O 1156/60, 1589, 1584, 1594; doe. 11 Feverei-

ro, Maço 7.
I. Idem, n.a 1156/60.
216 ALBERTO VIEIRA

venda do botín. aleaganclo-se que tal acto proibido por lei de 30 de


Agosto de 1780 e 3 de Junho de 1803, onde se estipulavam as regras
da neutralidade 27. Em 17 de Março a nau inglesa lmmortalité linha
apresado o corsário espanhol EI Enlrepid Cortmes, do mestre D. Pa-
tricia Farto. que trazia a bordo os tripulantes de uma escuna port.u-
guesa que havia apresado 28, E em Julho a fragata inglesa VenllS ha-
via tentado apresar o bergantim espanhol Na S~ da Conceição no
Porto do Funchal , no sendo coroado de êxito. Tal facto mereceu
viva repulsa do cônsul espanhol, que invocava as regras da neutrali-
dade 29,
Quanto à acção dos franceses incidia, de modo especial, sobre as
embarcações portuguesas. menos seguras e protegidas que as ingle-
sas, tomando-se, por este meio presa fácil aos corsários franceses,
que as justificavam pela política colaboracionista de P0I1ugal, alia-
do inglês. Note-se que em face da Revolução francesa c guen'a con-
sequente muitos navios franceses que se encontravam, ou vieram tcr
ao pOl1.0 do Funchal, acabaram por naturalizar-se portugueses como
fonna de fugirem ao corso inglês. O porto do Funchal esteve por
várias vezes sob ameaça destes, ou na expectativa da vinda da esqua-
dra de Brest. Desde Maio de 1793 o «panfletário_ corsário de Nan-
tes Sans CuUoue estava em actividade pennanenle nas águas da
Madeira. Muitas dessas presas eram retomadas pelos corsários in-
gleses, como sucedeu em 1776 e 1798. Da acção de represália dos
corsários franceses contra os navios madeirenses ou nacionais te-
mos I presa em 1797, 1798,1801, 1813e4em 1814 30 . Neste último
ano temos, primeiro duas fragatas franccsas que apresaram um na-
vio que trazia o Conde das Galveas, os quais entregaram os tripulan-
tes ao navio Comerçanle que fazia a patrulha das ilhas, mais outras
duas fragatas -Arelhuza. I'Yrienne- haviam apresado a escuna es-
panhola SI' Bárbara e os navios portugueses Hércules. CarloIe e o
brigue Sociedade que haviam saído d o reino para o Brasil lI .
As preocupações das autoridades locais em face destas acções é
constante nas duas últ.imas décadas do século XVIII, coincidindo com
o período de forte incidência das acções francesas. Em 1785 uma
esquadra francesa andava corsando nas águas do Porto Santo sob o
comandante do Porto de Toulon, que segundo lista fornecida pelo
17 Idem, n .O 1558.
U Idem, n.- 1589. 1584.
lt Idem, n.O 1594 .
.JG Idem, doe. 17 Agosto, maço 12 .
)1 Idem, n.O 330112 , doe. 18 Julho, maço 9; ANTT, P1RFF , n.D 759, p. 351 , n.-
772, pp. 54/5.
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA. .. 217

ajudante da esquadra, que entrara no Funchal 3l com alguns navios,


se compunha de uma nau e 10 fragatas 33. Foi com grande apreensão
que as autoridades locais tomaram conta do facto e procuraram
manter a maior neutralidade, pois que faltava à ilha forças suficien-
tes para lutarem com os franceses e os ingleses haviam desapareci-
do. Entre 1798-99 intensificaram-se as acções dos corsários france-
ses junto da Madeira, transfomando-se num forte transtorno para o
comércio da ilha 34. O gande temor estava na expectativa de um as-
salto da esquadra francesa 3S .

PORTUGAL EM FACE DO CORSO

A principal vítima destas constantes incursões corsárias foram as


ilhas da Madeira e Açores. Mais do que as presas são de assinalar os
constantes bloqueios que afectavam o comércio externo. A Madeira,
por exemplo, com uma economia dependente do mercado externo,
viveu algumas momentos de aflição em face destes bloqueios. que
impediam a saida do vinho, impossibilitando-a de se reabastecida de
comestiveis e manufacturas.
A resposta deu-se por diversas formas. Primeiro, a armação de
corsários portugueses, depois, a definição de um adequado sistema
de defesa costeira e de vigilância dos mares. Em 1730 36 temos re-
ferência à armação de um corsário na ilha para ir a corso de um
corsário de mouros que vagueava ao longo da costa. Desse acto fi-
cou o requerimento e o termo de fiança do seu promotor -Panta-
lião de Faria e Abreu. Segundo o alvará de 1758 17 o corso não po-
dia ser feito por portugueses sem a devida autorização régia, facto
que vem comprovar que nesta época se passavam patentes de corso.
Outra forma de resposta à guerra e ao corso era dada pelas repre-
sálias execidas sobre os navios da nação inimiga, interditandos de
entrarem nos nossos portos, pois, caso contrário, sujeitavam-se a
serem aprisionados e confiscados os que aí permaneciam ao mo-
mento da declaração da guen·a. Assim sucedeu em t 762 em face da
declaração da guena feita pela França, em que se ordenou ao gover-
nador da Madeira, Francisco Correia de Sá, que exercesse represá-
11 Idem, doe. 18 Julho, maço 9.
JJ Idem, n." 760.
) f Idem, n." 761.

n Idem, n. G 1019, 1126.


)O ARM, RGCMF, t. 8, fols. 89, 92v. •
G

11 AHU, Madeira e Porto SmJlo , n .O 561.


218 ALBERTO VIEIRA

lias sobre os navios franceses la , o que realmente foi feito , tendo-se


o bergantim francês Ruby. que no momento estava no Funchal l9 ,
Desde Janeiro de 1793 40 que a convenção havia autorizado aos
oficiais da marinha mercante armarem navios de corso, tendo-se
iniciado uma acção de represália de que temos apenas notícia do
apresamento da galera francesa - ú Comerçant- em Julho de 1793,
no Porto Santo, e de um corsário francês em Julho de 1798 4 1 , junto
de Mogador, pelo bergantim português Lebre . Por outro lado esta-
vam regulamentadas medidas proibitivas da acção dos corsários,
tais como a proibição de venda das presas das nações aliadas ou
amigas em portos nacionais. E ao mesmo tempo se legislara as nor-
mas a ter em conta na hospitalidade a conceder aos corsários. Des-
sas leis, podemos destacar a de 30 de Agosto de 1780 ' 2, 17 de Set-
embro de 1796 41 e 3 de Junho de 1803 44 •
A defesa da costa e portos de abrigo é encarada como um meio
de preservação e resguardo do espaço territorial das investidas dos
corsários, mas a sua utilidade neste momento foi quase nula, uma
vez que os corsários, cientes da forte barreira que oferecia a rede de
fortificações costeiras, não se aventuravam a entrar em terra e quan-
do o faziam era de modo subreptício para fazer aguada.
Em face das ameaças dos corsários organi zaram-se nas ilhas for-
masdiversificadas de defesa adequadas para o embate de qualquer
esquadra naval ou de corsário. Estas medidas surgem em face da
notícia da guerra ou da organização de esquadras estrangeiras para
sair aos mares, tal como sucedeu em 1762 ~s e em 1797 46 •
A defesa dos mares nesta importante área de passagem atraiu
também a atenção das autoridades locais e foi o único meio capaz
de controle e apaziguamento dos efeitos do corso. Para isso temos
notícia desde 1768 do estacionamento de uma embarcação de
guerra para fazer o _corso _ das ilhas até à época invernal, ajudan-
do as embarcações que faziam esta rota . Neste ano temos em acção
nos Açores a fragata de guerra N.- Sr.- da Penha de França 0 . Em
n BNL,-SlR-PBA-n.o 458, fols. 231/4.
J' Idem , maço 458, fols . 236/v.o; ANlT, PJRFF, n .O 985, fo1 s. 20v.o/ 1.
00 AHU, Madeira e Porro Santo , n.O921 /2, 909110.
' I Idem, n .O 1014.
'1 Idem , n.O 1558.
'J Idem , n . 1031 : AHU, Açores. doe. 8 Agoslo 1803 , maço 29.
O

U Idem , n.· 155g, 1638; AHU, Açores, doe. 2 Agoslo 1803, maço 29, 25 OUlu-

bro 1803, maço 103, 4 Julho de 1806, maço 42.


'5 ANIT, PJRFF, n.O 985 , fols. 16v.onv....
.. AHU, Madeira e Porto Sallto, n ." 969 .
., Idem, doe. I OUlUbro, maço I.
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA... 219

t 797" permanencia em Angra da 1 fragata e 1 bergantim .para


conter os corsários franceses ll , e no ano imediato fez o cruzeiro das
ilhas o bergantim Balão 49 . E, para evitar qualquer acção contra um
navio de comércio desprotegido, o governador geral dos Açores ha-
via proibido em 1799 a saída de qualquer embarcação sem comboio,
o que mereceu vivo repúdio dos comerciantes SOo

AS ORDENANÇAS DE CORSO

As ordenanças de corso procuravam organizar o modo de ac-


tuação das diversas delegações do Almirantado e o apoio a conceder
ao nível naval e militar os corsários, bem como as bases de acção de
corso.
O corsário, para ser dado como tal pelas potências beligerantes
ou amigas, necessitava de possuir uma determinada ordem ou docu-
mento comprovativo e na sua acção respeitar as normas estabeleci-
das na ordenança. Esta só podia ser reconhecida como guerra de
corso mediante a satisfação das cláusulas aí estripuladas SI. O seu
desrespeito implicava a perda da condição de corsário, pasando a
ser bisto como um pirata ~l.
Se a patente de corso justificava e legitimava essa acção, deveria
haver uma razão que legitimasse a actividade de corso. Assim pode-
mos constatar que no século XVIII e XIX a causa, condicionante em
última instância, que conduzia a esse f0l1e impulso. do corso esteve
ligada de modo directo às guelTas europeias, por um lado, e aos
conflitos pela independência das colónias americanas, por outro.
Em momento de guerra o corso eralegftimo e uma forma de alargar
a guerra aos mares. Deste modo constatamos que os momentos pal-
pitantes da guerra de sucessão da Casa de Austria - 1740/8, as gue-
rras napoleónicas - 1799/ 1815 conduziram a um confronto aberto
entre ingleses, franceses e espanhóis, com particular incidência na
Madeira. Enquanto a guerra da independência dos Estados Unidos
da América, da Argentina, conduziram ao afrontamento entre os
americanos e insurgentes, por um lado, e os ingleses, pOltugueses e
espanhóis, por outro, desta vez tendo como palco os mares dos Aço-
t:es. Muitas vezes bastava só o navio pertencer a uma nacionalidade
.. Idem, doe. 7 Junho, maço 17 .
•, Idem. doe. 29 Março, maço 18.
'\O Idem, doe. 7 Agosto, maço 19.
)1 A. Azcarraga y Bustamante, EI Corso Man/imo , p. 91.

'I Idem, ibidem, pp. 131/2.


220 ALBERTO VIEIRA

neutral em face dos conflitos, mas com certo colaboracionismo ac-


tivo com o inimigo para se justificar uma acção de corso, tal como
sucedeu com Portugal em relação à Inglaterra.
A actuação em face destas situações, bem como a organização e
apoio ao corso estavam regulamentados pelas respectivas orde-
nanças, das quais temos notícia em França da de 1584, 1881,1778,
na Holanda da de 1597, 1622, 1705, na Inglaterra da de 1707, Dina-
marca da de 1720 53 e em Êspanha das de 1718.1762, 1779,1802 54 ,
A ordenança de 17 de Novembro de 1718 55 , de que encontramos
a adição de 1739 56, estipulava não só as regras do corso a seguir pe-
los espanhóis mas o modo e o tipo de presas a serem feitas, tal
como o preceituava o artigo 6 ....: _Han de ser buena presa lodos los
navios penenientes a enemigos y los mandados por piratas, corsaros
y olra gente que comere la mar sin despacho de ningun principe ni
estado soverano» $7.
Entretanto a ordenança de 1762 58 e a de 1802 59 proibem o apre·
sarnento de embarcações inimigas quando se encontrem em águas
ou portos aliados ou neutros. Referindo·se a este propósito: «Prohi·
be assi mismo a los corsarios, que apresen, ataquen, o hosliJicen en
maneira alguna las embarcaciones ene migas que se hallaren en 105
puenos de principes o estados aliados mios y neutl'ales, como tam·
poco a las que estuvieren baxo eI tiro de canon de sus fortificacio·
nes, declarando para obviar toda duda, que la jurisdicion dei otro
canon se ha de entender, aun quando no haya baterias en el parage
donde se hiciere la presa, con tal que la distancia sea la misma »60.
A testemunhar tudo isto está o processo levantado pela alfânde·
ga do Funchal, aquando do apresamento da embarcação de Don
Pasqual de Sousa Verino. Anexo ao processo de venda da presa es·
tão os documentos confiscados, de que fazem parte a carta de corso
e uma adição à ordenança de 17 de Novembro de 1718, que por se·
rem inéditas, decidimo· nos pela sua publicação.

II J . B. OE BUSTAMANTI!., ibidem, p. 92.


~ Idem, ibidem, pp. 92/ 110.
ss Vide teXIO, idem. "bit/em , pp. 258/65.
"" ANlT, P1RFF , n.- 972. ro1s. 233/v.-.
'1 J . A. OE B USTAMANll!, Ibidem. p. 259.
~A Idem, ibidem, p .
" Idem, ibidem. pp. 104,370/ 1.
tO Idem, ibidem. pp. 29617 .
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA... 221

ANEXO DOCUMENTAL

1739/Novembro/24

Santa Cruz de Theneri[e - Carla de corso passada Don Pasql4al de Sousa Veri-
no, mestre do bergatllim Sallrell1lo Nossa Sr." de Candelaria y el Dragon.

B) ANTT, Provedoria e JUlUa da Real Fazelzda do Funchal, n.O972. fols. 234/


Sv.", registo de uma cópia.

Don Pheli pe de Bourbon. pOl' la gracia de Dios, Ynfante de Espana, cava-


Uero de las ordens de el Toision, Sant~ Espiritus, y Santiago, Cran Prior de
Caslilla y Leon en la de San Juan, comendador maior de Cala trava de Casli-
lia y Aragon, Almirante General de todas las fuerças maritimas de Espana y
de las Indias y protetor dei Comercio. Porquanto EI Rey mi senor e padre ha
resuelto que para imdemnisar a sus vasallos de las vejasiones, que experi-
mentan em su navegacãon y comercio por parte de yngleses, en violacion ma-
nifesta de los empenos que subsiste n entre una, y otra nacion se permita a
los naturales de estos reynos y a los demas que lo solicitaren y en las yslas
de Canarias, armar en corso contraias subdilOS de la Gran Bretanha las em-
barcaciones que te ngan o pudieren te ncr, ai proposito para este destino; y
pertennesiendome por las facult!ldes anexas a mi dignidad y Almirante Gene-
ral de todas las fuenas maritimas de Espanha y de las Vndias, la expidision
de las bizencias y comiciones nesesarias a el expresado, e fecto, he venido en
conseder, como en virtud de las presentes letras, consedo la correspondiente
a Don Pasq ual de Sossa Verino de la ysla de Thenerife en las yslas de Cana-
rias para armar en corso contra yngleses, el bergantirn, nombrado Senhor
Santhelmo Nossa Senhora de Candelaria y el Dragon, de porte de ciento y
treyma !honeladas, peco mas o menos, com diez canones, y ocho pedrerosy
las demas, armas y muneciones comvenien tes, y hasta e U numero de ciento
y doz homos de tripulacion. Asin de que por el tiempo que duraren las hosti-
lidades de una e otra partel pueda salir a corsear comn la zitada embarcacion
Ilevando en elle la vendera de las armas de Espana, correr los mares desde el
sur de las expresadas yslas de Canarias, hasta Espana; sea directamente
egyndo la costa Ocidental de Africa, o bien cl"Uzando a la Madem, y Terseras
(sin pasar ni tocar por motivo alguno a los mares de America) y perseguir,
atacar, tomar, y apresar los navios y efeitos que encontrare, p.-oprios de El
Rey, y subditos de la Gran Bretana y de otros enemigos de la corona con la
condizion expressa de quc en el corso que assi hisiere se arrcglara a lo tocan-
te a el que vienen las ordenansas y estabelesimento reales de que con las pre-
sas que executare se encaminara directamento si fuere posible a uno de los
puertos de los dominios de Su Magestad, en las misemas yslas de Canarias
en Espana de que a togara la fianza la fianza nesesaria a satisfasion dei mi-
nistro, por cuja mano recebiere esta comision y de que se tomara la razon de
este despacho emn las oficinas a que corresponde el puerto o para se, en
donde se haja o convenga, eJ annamiento, en las quales habrã de descar una
lista firmada de su mano, que contenga 1I0s nombres, appelidos, naturalesa
y residencia de losind ividuos de la tripulación. Portanto requiero y pido a
222 ALBERTO VIEIRA

todos los reyes y alíados de esta corona consedan a eI refclido Don Pasqual
de $ossa, o alervo que substituci re en el mando. 100 favor, asistencia, y acoxi-
da en sus puel10s con la nominada embarcacion, y equipage, y todo lo que
hubiere adquerido durante su navegación sin ponerla. ni permitir se repon-
ga embaraso alguno. oi disturbio, Y mando, y ordeno a los comandantes, y
menistros dellos oficiales senores, y particulares de la Real Armada Nabal y
dela escuadra de galeras. juezes e justicias y demas persanas sujetas a mi ju-
risdicion, y a las que no lo san, en cargo de dejen pasar livremente. sencau-
sade impedimiento alguno y le faciliten todo el favor, auxilio y ayuda que
nesesitare. Anvio fin le e mandado despachar estas letra firmadas de mis ma-
nos, selJadas con eI seBo de mis armas y referendadas de el ynfra scdpto In-
tendente de Marina dei Consejo de Su Magestad, y Secretario dei Almirantaz-
go General de Espana y de las Jndias. Dado en hun retiro a veynte y quatro
de Novembre de mil settecientos treinta e nuehe. Phelipe P. Zenon desomo de
villa, lugar de un sello entrego se la parte para su pouso en Santa Cruz de
Thenerife a siete de Noviembre de mil seltecicntos quarenta y siete, havien-
do otorgadola obligacion y fiansa cOTTespondicnte. Casabuena. en la depen-
dencia de Marina de mi cargo tome la razon de la comicion y patente de lo
corso antesedente expedida por el Serenisimo Senhor Ynfante Almirante Ge-
neral a Don Pasqual de $ossa, conlenido en ella. y queda regsitada en el co-
TTespondi ente livro a el folio diez y nuebe de cl Santa Cruz de Thenerife a
siete de Noviembre de mil sete cientos quarenta y siete, Pedro Cazabuena.
Registada de propria que recebeu o consul da nação espanhola. Don Luiz
Agostinho de Castilho, no Funchal lO de AbJ'il de 1748. Lufs Agostin de Cas-
tilho (ass.), Oliveira (ass.).

1739/Agosto/30

($ali Ildefollso) - Adiçc'fo II ordenança de corso de 17 de Novembro de 1718.

B) ANTT, PIRFF. n." 972, fols. 133/v.... registo de uma cópia autenticada

Adiccion a la ordenanza de diez y s iete de Noviembre de mil selecientos


diez y acho que prescribe las relgas con que se hade hazer el corso.
Teniendo Su Magestad presente que sus reales determinaciones sobre la
crecion de la dignidad de Almirante General, y establecimiento de almiran·
lazgo precissan à alterar en parte lo prevenido en esta ordenanza, ha resol-
veto con reOexion a esta y aquela constilucion presente de la armada naval
distribuida en los tres departamientos de Cadiz, Ferro y CArtagena facilita
que los intendentes y menistros principales puedan por si, y por medi o de
sus subalternos subdelegados, estabelecidos en las provincias, exercer en to-
dos los puertos y plazas de estas dominios. sin atrasso dei selviço. Ia juris-
diccion absoluta de qualquier tribunal de tieITa. todo lo concemiente a cor-
so, contra enemigos de esta corona,
Conseguientemente manda Su Magestad, que los particulares. que quise-
ran emplear se en el, acudan immediatamente con sus proposiciones a los
o FUNCHAL NA GUERRA DE CORSO E REPRESÁLIA... 223

menistros de Marina y que estos den quenta de ellas ai Almirantazgo, para


que por el se les prevenga, si deberan o no admitirse y tambien se los remi+
tan las patentes correspond ientes.
Estas se expediran por el sei'lor tnfanle Almirante General, para 10 que la
tiene concedida el rey la facultad de que necessita, pero para entregar se a
los interessados procedera haver atorgado estos la fianza prevenida à satis+
faccion dei ministro, con quien ayan tratado el armamento, aunque por el
armados deba costearse integramente eI aJmamento si sucediere que le fal+
ten algunas armas, municiones, o petrechos, y no se hallaren de venta en el
lugar dei armamento, o otros immediatos, se el franqueran los generos, que
rueren, delos existentes, e n los reales a lmacenes, pagandolos promptamente
se quer lassadon; y para que en esto no OCUlTa embarazo que detenga el cor+
so, se ha prevenido lo conveniente, por la via a que corresponde, a los capi-
tanes generales y governadores de plazas, afin que baxo la regia prescripta
provean a los armadores de lo que necessitaren, y existiera en los almazenes
de ellas.
Declara tambien Su Magestad que no oblante lo prevenido en esta orde-
nanza, debe ser toda la gente de la tripulacion de la comprehendida en la
ma tricula de mar y esta se presente con las justificaciones necessarias ai mi-
nistro, quien deberá que dar con una lista de ella assi para que conste su pa-
radero, como para ai retorno pueda haver-se cargo ai armador de la que fal+
tare.
Si dei levare la pressa a puerto, que no sea cabeza de departamento, el
Ministro de Marinha rezidenle en el. concluido el processo, le remitirá con
lodos los documentos y papelles que le compongan a manos dei inlendente
o ministro p rincipal de aquel departamento, para la ordenanza. Es el animo
de Su Magestad, que los recursos se hagan en derechura ai senhor infante
AJmrran te General, para que d isponga se adm inistre justiçia a las panes, bre-
ve y sumariamente.
Todo lo qual manda su Magestad se observe puntualmente por ser assi Su
Real voluntad. San Ildefonso, treinta de Agosto de miJ settecientos treinta y
nueve, el Marques de Villarias.
Concuerda con sus originales. Cópia de la instrusion remetida para entre-
gar con cada patente a los capitanes corzistas, que arman en estas islas, en
cuja comformidade la entriego con [a patente correspondente a el capilan
Don Pasquam de Souza. que lo ey armados dei bergantim nomeado Senhor
San telmo Nossa Senhora de Candelaria y el Dragon, con que sale a corzo
para su goviemo, e n Santa Cruz a Thenerife a sette de noviembre de mil set-
te dentas quarienta y siele, Pedro Cazabuena.
Registado tudo da propria por mandado do provedor actual e Contador da
Real Fazenda, Domingos Affonso Barroza, que de como aqui mandou regis-
tar assignou. no Funchal, 18 de Abril de 1748.

(seguem-se as assinaturas do provedor e escriturário Oliveira)

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