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Alinhou em dez cantos a epopeia marítima dos portugueses.

Num apanhado de perguntas e


respostas, temos a sua vida.

Encontrámos Luís de Camões doente, na sua casa da Mouraria. Morreu feliz, abraçado a Os Lusíadas. Esta
data passou à história: o 10 de Junho é dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Luís Vaz de Camões, venho do século XX, no limiar do novo milénio, para saber um pouco mais
sobre a sua vida. Os registos são controversos, mas a curiosidade sobre a sua vida permanece,
quatro séculos depois…

A minha vida está nas entrelinhas dos escritos que deixei.

Nem por isso. A data e o local do seus nascimento permanecem uma incógnita…

Parece que foi em Lisboa, no ano de 1524 ou 25. Minha mãe morreu no parto e fui educado por uma ama.
Descendo de uma família galega com solar em Camones, perto de Baiona, mas nasci pobre e pobre sou.

No entanto, teve uma educação completa. Conheceu os clássicos gregos e latinos, leu muito…

O meu tio Bento Camões, frade e prior do mosteiro de Santa Cruz, está muito ligado à minha educação. Era
chanceler da Universidade de Coimbra e graças a ele frequentei a universidade onde, talvez não saiba,
desde 1537 os alunos eram obrigados a falar grego e latim.

Fale-nos um pouco dos livros que leu e que o influenciaram…

A “Ilíada” e a “Odisseia” e a “Eneida” foram para mim obras fundamentais(…) Conheci as lendas
gregas e romanas, a sua mitologia, fascinei-me com histórias de deuses e deusas. O Rei Artur e os
Cavaleiros da Távola Redonda também me encantaram. Conheci autores estrangeiros muito
admirados na época, como Ariosto e Petrarca.

Falou em deusas. Uma das suas características que passou para a história foi de mulherengo ou,
se não gostar da expressão, namoradeiro…

Digamos que me apaixono com facilidade. Não o posso negar, digo-o nos meus poemas.
Conquistava as damas nos serões da corte com os meus versos inspirados.

Amores que lhe causaram alguns dissabores…

Respondo-lhe da melhor maneira que sei, em verso: “Que dias há que na alma me tem posto / um
não sei quê, que nasce não sei onde / Vem não sei como, e dói não sei porquê”.

O amor é desespero? Ansiedade?

“Amor é fogo que arde sem se ver.”

Mas o amor pela infanta D. Maria, filha d’el rei D. Manuel, foi particularmente doloroso!?

Diz que sabem pouco sobre mim, mas não parece! Começam a irritar-me tantos pormenores…
Talvez porque tenha sido obrigado a partir e a esquecer o seu grande amor em Ceuta…

Sim. Não caí nas graças de D. Catarina, mãe da infanta, e fui afastado para Constância, no
Ribatejo. Decidi oferecer-me para servir a pátria em África.

Creio que este é um momento particularmente importante da sua vida: começou a “alinhavar”
Os Lusíadas e perdeu o olho direito em combate…

Ao serviço d’el-rei, lutei contra os mouros para obter territórios e expandir a fé cristã. Num desses
recontros fui ferido irreversivelmente. Voltei a Lisboa em 1550. Como já deve saber, entreguei-me
a uma vida boémia…

Sim. Parece que se envolvia em brigas e arruaças – o que lhe valeu a alcunha de Trinca-Fortes. A
agressão a Gonçalo Borges ficou para a história.

Feri-o no pescoço, junto do cabelo do toutiço. Foi para ajudar dois amigos, que iniciaram a zaragata, mas
quando deu para o torto puseram-se em fuga.

O senhor foi preso?

Estive na prisão de Tronco, em Lisboa. Pedi perdão e fui libertado, mediante pagamento de quatro mil reis.

Seguiu-se a viagem para a Índia. Já levava na bagagem os manuscritos de Os Lusíadas?

Sim, entre outras coisas. Mas foi em Macau, numa gruta que ultimei o texto. Tinha um cargo de nome
pomposo – provedor dos defuntos e ausentes – que me deixava algum tempo livre, na mais completa
solidão. Quando o meu barco naufragou, a minha única preocupação foi salvar o meu livro. Tudo o resto
ficou nas águas do rio Mecong.

O que sentiu nessa ocasião?

Que era a minha vida que estava em jogo. Os Lusíadas são a minha vida.

Como foi o regresso a Lisboa?

Difícil. Tive que pedir dinheiro emprestado a amigos para concluir a viagem. Cheguei a Lisboa exausto e
doente. Tive felizmente o apoio de um amigo, Jau, um escravo da ilha de Java. Quantas vezes pediu esmola
para podermos sobreviver!

Como se sentiu quando recebeu autorização d’el-rei D. Sebastião para publicar “Os Lusíadas”?

Exultante, já posso morrer descansado.

Sempre é verdade que pediu uma audiência a D. Sebastião?

Recebeu-me em Sintra, na quinta da Penha verde. Pedi-lhe que me deixasse ler-lhe o meu poema, que,
aliás, lhe dedicava. El-rei não só me ouviu como ficou entusiasmado por ouvir a história do povo português.
Autorizou a publicação da minha obra e concedeu-me uma tença anual de 15 mil reis – que raramente me
chegou às mãos.

Esta entrevista de Maria Almeida é imaginária. Foi realizada com base em biografias e na obra de Camões.

In Diário de Notícias, 25/06/99

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