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Pôr a funcionar uma instalação para produzir urânio metálico.

9 de agosto de 2010 Entrevista a


Emílio Rosa
Grelha e aplicação Jorge Freitas Branco

No Técnico era bom aluno, estive na greve de


62, na altura participava numa organização
muito ativa, a JUC – Juventude Universitária
Católica­  – de que depois fui seu presidente de
Lisboa.
Quando acabei o curso, os químicos iam para
a CUF. Achei que fazer ácido sulfúrico era uma
coisa menos nobre para as minhas expetativas e
fui para a Junta de Energia Nuclear. Convida-
do paralelamente para assistente, não me deixa-
ram ir para o Técnico, porque era muito­ novo.
O dr. Carlos Cacho, que era o diretor do LFEN,
No simpósio da Rutgers University (eua), realizado na
achou que não, teria de esperar mais dois anos Penhalonga (Portugal), 2001.
para ir fazer o doutoramento. Fotografia cedida pelo próprio.
Quando veio a bolsa do doutoramento, a
pátria chamou-me para a ir defender na Gui-
né e quando voltei já tinha duas filhas. Não me
atraiu ir para Inglaterra com a bolsa, apesar de
ser boa. Fiquei cá. Até que disse:
– Nuclear, não obrigado!
Mas depois veio a revolução, em 74, e convi-
daram-me para a equipa da central nuclear, na
CPE, para o projeto de Ferrel. Fiquei indeciso,
e lembrei-me que Lenine tinha dito que comu-
nismo eram sovietes + eletricidade. Para soviete
não dava muito, mais para a eletricidade. Mais
tarde, disse:
– Nuclear não, obrigado!
pela segunda vez, em 76. Nessa altura estava
como assistente no Técnico, regia uma cadeira
de projeto químico e outra de análises indus-
triais, que era instrumentação e comando. Não
fiz o doutoramento. Quis ir para o carvão, não
fui e aceitei o convite de um amigo para a Em-
presa Geral de Fomento.
A Empresa Geral de Fomento (EGF) era
anteriormente a mãe do grupo CUF, e tinha-
se transformado numa empresa de projetos e
estudos com o prof. Gouvêa Portela – um ho-
mem notável que ensinava no Técnico – e Bento­
Murteira, professor de economia. E aí fiz o resto
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da minha formação a seguir ao nuclear. Elabo- Mas agora fazem dinheiro …


rámos os primeiros estudos de impacto ambien- Passaram a fazer dinheiro no nosso tempo. Foi
tal de barragens. A EGF dependia na altura do na altura em que apareceu o código postal dos
IPE … sete algarismos e se começou a fazer a leitura
Instituto de Participações do Estado … e tratamento automático da correspondência,
para além da informatização das estações. Foi
Após oito anos voltei à eletricidade. Fui para a um período muito interessante.
EDP como diretor do equipamento térmico, a Voltei à EDP. Ao fim de seis anos, pedi para
fazer centrais, como a do Pego, em Abrantes. me ir embora. Fiquei administrador executivo
Foi a segunda central a carvão, foi vendida de- da Turbogás, uma empresa pertencente aos que
pois, na altura em que achavam que a EDP era tinham comprado o Pego.
muito grande. Há pouco disse que a Siemens fez o Pego,
A quem foi vendida? mas não é verdade. A Siemens fez a Turbogás.
Foi vendida a um conjunto de nortenhos liga- O Pego foi partilhado entre uma empresa espa-
dos à National Power e à Siemens. A Siemens nhola, uma inglesa e a EDF. É aqui que entram
fez a central sem concurso. Tratou-se de arran- os tais nortenhos que venderam à Siemens e à
jar sítio para construir uma central a carvão, já International Power. A Siemens fez a empresa,
na altura isso era difícil. Mas eu tinha aprendido­ a instalação, e foi-se embora. E eu fiquei a re-
com o nuclear o que era a rejeição das popu- presentar a EDP que detinha 10, e depois 20%.
lações e ajudei a que ela fosse para Abrantes. A partir dessa altura, represento o ministério
Tinha estado pensada para Viana do Castelo, e das Finanças na Parque Expo e no Oceanário.
para outros sítios. O povo disse: O Oceanário é um sucesso, não é?
– Não aqui em Viana do Castelo! As coisas para terem êxito passam por uma ges-
A localização em Abrantes foi um procedimento­ tão bem feita. O Oceanário teve muitos interes-
exemplar. Estamos em 78. Na CPE, de vez em sados, mas não foi vendido, funciona bem, dá
quando, havia mudanças e rodavam os diretores­. lucro. A Parque Expo transformou-se numa em-
Fui para a Nutrinveste, onde se juntaram as em- presa de ordenamento do território ao mesmo
presas do setor alimentar que o IPE detinha: tempo vai pagando o que sobrou da Expo  98.
a Nacional, das bolachas, a Compal e outras. Os programas de reordenamento das zonas ur-
Foi uma experiência interessante – passado um banas, os Polis, são um êxito.
tempo, vicissitudes políticas levaram à venda da Mantenho as minhas convicções e dedico-
Nutrinveste ao dr. Jorge de Melo. ‑me a uns centros paroquiais – atualmente­uma
Havia a Sucral para a beterraba, as empresas escola na Lapa com 200 crianças.
pesqueiras, a António Silva Gouveia e a Guiné Tenho filhos – Margarida Maria, Catari-
Pescas, SARL. A Sinenergia foi uma empresa na Maria, Marta Terra, Rita Maria e Francis-
de consultadoria, que formámos entre amigos. co Maria – e netos – Francisco, Henrique, João,
De 71 a 79, dei aulas no Técnico, como referi. Leonor, Madalena, Gonçalo, Pedro, Marta, Ma-
Na EDP fui diretor de auditoria. Depois co- nuel, Martim, Lourenço e, em breve, Maria – e
laborei com a Câmara Municipal de Lisboa, uma casa em Moledo, relativamente modesta­.
com o dr. Jorge Sampaio. Tenho uma ligação Estas coisas não deram para enriquecer, mas
ao PS que, embora não seja muito forte, existe. para viver bem. Partilho o meu tempo entre as
Durante uns meses fui secretário de estado da crianças da Lapa e a Parque Expo como não
Habitação, no governo do engº António Guter- executivo.
res. Mas o ministro morreu e nós fomos todos
embora. O ministro João Cravinho convidou- E as crianças da Lapa ….
‑me então para os Correios, onde viria a ser pre- É a Obra das Crianças da Freguesia da Lapa. É
sidente. Estive seis anos na administração pos- um centro católico, tem contratos com a Segu-
tal, o que é pouco comum, em geral são só três. rança Social. Esta a minha história.
Os Correios são uma empresa muito pesada.

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Da sua atividade estudantil, ressalta o curso de Filipe como assistente. Mas sobrevivi. Era bom
engenharia química-industrial e a participação aluno a matemática.
na JUC. O que o marcou mais? Nós não éramos ricos, fui bolseiro da Gul-
A greve de 62, em que tentei encontrar uma benkian. Recebia 1200 escudos todos os meses,
maneira de conciliar os extremos. A JUC do o que me tornava num tipo relativamente abas-
Técnico­, aderiu à greve. A JUC tinha um ho- tado. A minha mãe queria que eu fosse para a
mem à frente, o padre – e depois bispo --, An- Academia Militar, porque pagavam o curso, mas
tónio dos Reis Rodrigues, que marcou muito a eu não gostava de militares. Vim mais tarde a
minha forma de estar. Aí aprendi esquemas de- gostar deles, quando aconteceu o 25 de Abril.
mocráticos não revolucionários que me marca- Não imaginava essa alteração de simpatias. Fui
ram como escola de condução de pessoas. para química porque na altura este curso tinha
Em 62, houve o grande Encontro da Juven- boas perspetivas profissionais.
tude. E com tantas atividades eu fiquei mais um Era o curso com mais raparigas?
ano a fazer a física do Silveira, porque era difícil
acompanhar o ritmo. Sim, era onde havia mais raparigas. Cerca de um
Marcaram-me os amigos, marcou-me o terço. Ao todo começavam o curso uns 200 alu-
aprender que nós somos responsáveis e temos nos e formam-se talvez meia centena. Ou seja,
que prestar contas a todos. Era bom aluno. só um quarto ou um terço chegava ao fim. As ra-
O meu curso era bom. Guardei amizades parigas nunca tiveram grande destaque do pon-
desse tempo: o engº Rui Sérgio, entre outros. O to de vista profissional, salvo algumas no ensino.
que me marcou mais foi o contacto, a cultura­, a Entretanto namorei a Elzira, que hoje é minha
música. Tínhamos sessões com o Luís Almeida mulher; formou-se em história, e que teve tem-
Alves, diretor do Técnico. Era a altura da Joan po para ficar em casa e cuidar dos filhos. Durante­
Baez e do Bob Dylan. Era o início da vida. São um tempo dava menos aulas e lá fomos tendo as
as grandes amizades. Depois começa a vida pro- crianças, porque ela conseguiu equilibrar o seu
fissional. desenvolvimento e hoje tem uma série de li-
vros publicados sobre história. Antes o modelo­
Porque optou por engenharia química? de mulher colocava-a num papel secundário. A
No liceu borrava sempre os desenhos que fa- pouco e pouco vieram-se afirmando. Às minhas
zia. Química era a única engenharia, onde apa- filhas não lhes passa pela cabeça ter empregos
rentemente não havia desenho. Enganei-me. A em part-time.
primeira aula que tive foi desenho, com o Cruz Nenhum dos seus filhos estudou engenharia?
Só o filho tirou engenharia industrial, na Nova.
Grupo de estudantes com o prof. Magalhães Ilharco (1) e o É diretor da Siemens. Dos restantes, uma é as-
assistente Afonso Morgenstern (2): o entrevistado (3), sistente social, professora na Universidade Ca-
Albano Freire Nunes (4), António Pereira Domingos (5), tólica, está a terminar o doutoramento; outra
Carlos Silva Santos (6). Restantes não identificados. Tirada
durante o 1º ano (1958 – 59) ou no 3º (1960 – 61).
é advogada; duas são economistas. Eu insistia
Fotografia cedida pelo entrevistado­. muito que eles soubessem matemática, com a
advogada e a assistente social não tive grande
êxito, só com os outros. A constante que fica
do ponto de vista familiar é a praia de Moledo.
Passámos sempre o mês de agosto juntos, o que
foi importante.
Voltando ao curso. Na vossa altura havia está-
gio para acabar o curso?
Havia três estágios. Depois passou a haver um.
Eu fiz dois e ambos foram interessantes. Um
foi na Resiquímica, em Mem Martins, onde se

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faziam resinas naturais e que depois passou para resultasse, ao mesmo tempo dimensionou-se
a Hoechst. Lá aprendi o que era um reator a uma bateria de misturadores-decantadores, que
funcionar em sistema Batch, no fundo uma pa- faziam o mesmo que a coluna. Seguia-se uma
nela de pressão. redução num forno em L e uma fluoretação de-
O segundo foi mais interessante, estive na pois ao estádio de tetra flureto de urânio, mis-
Junta de Energia Nuclear, na qualidade de con- turava-se com cálcio, detonava-se numa campâ-
tratado eventual. Consistiu em pôr a funcionar nula, o urânio fundia. É aquilo que durante uns
uma instalação para produzir urânio metálico. tempos os iranianos andaram com dificuldade
No LFEN, em Sacavém, existia um reator cons- de conseguir fazer.
truído no âmbito da Atoms for Peace, um progra- Dada esta minha experiência devo ser agora,
ma americano. Ainda lá está o reator. É o mais com 70 anos, o mais jovem especialista de com-
velho MTR do mundo, suponho. É um dos re- bustíveis nucleares existente neste país. Foi esse
atores que foram dados pelos EUA no fim dos o assunto do meu relatório do estágio.
anos 50, princípio dos 60. E, paralelamente,
porque nós tínhamos urânio e porque os fran- Em que ano foi?
ceses o compravam, com o apoio deles fez-‑se Isto passa-se até 68. Se a memória não me falha,
uma instalação de produção de urânio metáli- o relatório só foi entregue em 71, quando voltei
co. Urânio metálico nuclearmente puro, era esta da Guiné. Ainda o tenho, com o cálculo dos an-
a designação. Faziam-se os lingotes de urânio dares da coluna de extração feito em papel mili-
depois exportados para França, onde eram uti- métrico. O controlo não era eletrónico, mas por
lizados para fazer o combustível dos reatores de via de ar comprimido que atuava nas válvulas na
gás-grafite. perfeição. Coisas de outros tempos.
Em 1965, fez-se um novo acordo com os Hoje nem sabemos como acontece o contro-
franceses para a compra de equipamento. A lo.
contrapartida era pagar com concentrados po- Aprendi muita coisa de engenharia química
bres da Urgeiriça ou com urânio metálico, o que que não me serviu posteriormente, mas que foi
nos permitiu pôr a funcionar a instalação que muito interessante como estágio.
não estava nas condições mais adequadas. Um professor do Técnico, suponho que se
A instalação tinha uma série das operações chamava Tavares da Silva, viu este relatório,
unitárias importantes: a dissolução, a purifica- chamou-me e perguntou:
ção, a extração líquido-líquido e depois a cal- – Mas você fez isto? Eu fiz, se quiser vá a Saca-
ciotermia implicava uma redução do óxido de vém, que as coisas estão lá.
urânio que tem a valência 6 quando existe na Dos misturadores-decantadores até o desenho
Terra, que era preciso passar à valência 4, e em tinha feito e acompanhado a sua construção.
seguida­a urânio metálico. Tive um belo estágio Lembro-me, foi na Construtora Moderna que
prolongado em França, no Centre de Recherches já não existe, era o sítio onde se soldava relativa-
du Bouchet, onde eram feitas as mesmas opera- mente bem aço inox. Encolheu os ombros. Era
ções. Houve que redimensionar o equipamento conhecido por Tavares O Mudo.
existente que só funcionara uma vez, tinham-se Inscreveu-se na Ordem dos Engenheiros?
feito dois lingotes. Por simpatia, deram ao pri-
Não. A Ordem dos Engenheiros era considerada­
meiro lingote da nova fase o meu nome – na al-
por muitas pessoas como um organismo corpo-
tura eu estava a ir para a tropa.
rativo. E eu não era muito afim da ordem social
Houve que redimensionar as colunas de ex-
e política existente nesse tempo. E como funcio-
tração líquido-líquido com TBP (Tributyl phos-
nário público não me inscrevi. Porque a inscri-
phate), dissolvia-se o óxido de urânio em ácido
ção era obrigatória, exceto para os funcionários
nítrico e punha-se em contacto com um solvente­
públicos. Eu sempre fui um opositor moderado.
específico que separava o urânio das impurezas.
Este tipo de oposições não era muito­ gravoso,
Isto fazia-se numa coluna de extração que fun-
portanto, não suscitava grandes represálias. Só
cionava mal, houve que redimensionar os pratos
me inscrevi na ordem muito mais tarde, quando
da coluna. E como não havia garantia que isto

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foi para a direção um amigo meu, o prof. Luís Mais tarde, em Sacavém, ao trabalhar na insta-
Sousa Lobo. lação-piloto ou semi-industrial, feita não ape-
nas por mim, mas pelo Francisco Beja da Cos-
No vosso curriculum, nos anos 60, constavam ta – pessoa notável, com grande habilidade de
trabalhos de oficina? mãos – aquilo foi ótimo. Aprendemos uma sé-
Sim. Ainda troço com os meus engenheiros – rie de coisas. Quando saíamos do Técnico, não
o meu filho e o meu genro. Aprendi coisas que sabíamos para que lado abrir uma válvula. Acho
foram úteis para fazer bricolage: como se pega que tinham a sua utilidade e num curso de seis
numa lima, se aplaina uma madeira. Não con- anos passavam muito bem. A formação mate-
sidero inúteis as cadeiras que tivémos de traba- mática também existia. Dava-se matemática a
lhos em oficina. Pode parecer agora uma heresia sério. As oficinas não eram para fazer engenhei-
dizer uma coisa destas. Eu não sou, nem passa- ros técnicos. Era uma coisa que não ficava mal
dista, nem conservador, como já deve ter visto. aos engenheiros saber o que era um limatão ou
Mas eu acho que aquilo era. um engenho de furar.
Dava um certo treino à mão. Que faziam as vossas colegas? Também iam
Sim. Coisa que o meu filho não tem. Ele pas- para as oficinas?
sou pela Nova. Aprendeu os computadores to- Na altura já iam. Os anos 60 já não são tão obs-
dos, mas não sabe trabalhar com a mão. curos.
Isso como era tido por vocês quando estudan- Da sua experiência profissional, se tivesse que
tes? escolher uma situação, qual seria?
Dei-me muito bem com o Luís Almeida Alves, É difícil responder. Lecionar no Técnico foi in-
que era o diretor. Mas a pessoa de quem gos- teressante, porque me dava com pessoas mais
tei mais foi o prof. Barbosa Romero, com quem novas. Talvez tenha sido o mais marcante.
fiz as últimas cadeiras. Vinha, na altura, de É evidente que ser presidente dos CTT, uma
Birming­ham, levava a sério ser professor tutor, das maiores empresas portuguesas, com certeza
que tinha visto na Inglaterra. Lembro-me que que foi importante.
até nos convidou e às nossas namoradas para ir Talvez a mais importante­ tivesse sido a ins-
jantar a casa dele. Mais tarde tratou da minha talação de Sacavém para o urânio­.
bolsa para o Imperial College, que não aproveitei. O mais interessante foi o processo de locali-
Ele dava as oficinas. Homem bondoso, era pau zação da central do Pego e mais tarde da insta-
para toda a obra. lação da incineração de lixo de Lisboa, a Valor-
Os laboratórios de tecnologia eram uma coisa­ sul. Todos temos orgulho no que fazemos.
diferente? Porque é que a central a carvão foi para
Eram. Mas a 50 anos de distância eram mui- Abrantes?
to menos interessantes do que as oficinas. No Porque se tinham estudado sítios para localizar
laboratório de tecnologia o mais que nós vía- centrais e depois de sermos corridos de Viana
mos eram umas perdas de carga em tubagem. do Castelo, de Aveiro, da Figueira da Foz, da
As oficinas eram num pavilhão, onde estavam Praia de Mira. As populações estavam sempre
uns mestres que eram os operários antigos e nós, contra! Encontrar um sítio que mudou da cos-
obviamente, não levávamos a coisa muito a sé- ta para o interior, obrigou a fazer torres de refri-
rio. No entanto, as coisas eram feitas e a sério. geração. Eram caras, nós não sabíamos fazê-las.
Porque teriam acabado? Os espanhóis sabiam-no, ou os que vinham do
nuclear. As centrais da costa eram a nossa expe-
Não faço ideia. Foi acabando. Se me pergun-
riência. Quanto muito tínhamos feito o Carre-
tar se eu meteria isso hoje no curriculum, se ca-
gado que era no rio, mas com bastante caudal,
lhar não. Punha a nível do secundário. Fazíamos
e não precisava de estrutura de refrigeração tão
as oficinas no nosso 2.º e 3.º anos. Era tarde
pesada.
demais na nossa formação. Mas não foi inútil.

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Colocar uma central a carvão em Abrantes mais adaptada, mais correta, do que vindo da
acabou por ser simples. Custava tão caro ir bus- economia, onde não há diferenças entre as ca-
car a água do mar a 200 metros depois da re- racterísticas dos materiais. Andar a estudar as
bentação, como construir a torre de refrigeração. pontes, para saber se passavam as peças para
Transportar o carvão de Sines para Abrantes chegar ao Pego, é duvidoso que um economista
era mais barato do que levá-lo de barcaça para tivesse grande sensibilidade para isso! Fizemos
a Figueira da Foz. Era só fazer um caminho- uma ponte sobre o Tejo para passar o carvão e,
de-ferro. Havia uma depressão social devido ao ao mesmo tempo, uma rodoviária ligada à ferro-
encerramento do Metalúrgica do Tramagal e viária. A região ficou com uma ponte para além
formámos as pessoas para elas virem trabalhar da do caminho-de-ferro.
connosco. Não havia enfermaria, nós pagámos
a um hospital, não tinha bairro para os operá- Nos anos 50, o nuclear foi uma oportunidade
rios – eram 300 pessoas na central – comprámos para jovens engenheiros?
uns blocos de apartamentos em Abrantes, não Foi. As escolas de formação existentes nessa al-
tinha corpo de bombeiros próprio, nós pagámos tura eram: o INII – Instituto Nacional de Inves-
as viaturas aos bombeiros locais. Não precisá- tigação Industrial – onde se aprendia produtivi-
mos de sítio para colocar as cinzas, porque es- dade, que era dirigido por Magalhães Ramalho;
tudámos a forma de as colocar no betão. Tudo o o Secretariado Técnico da Presidência do Con-
que foi feito naquela central, tanto a localização selho de Ministros, por onde passaram os gran-
como o projeto concetual, foram coisas interes- des economistas; e a Junta de Energia Nuclear,
santes. A equipa era muito boa. O diretor-geral que foi uma boa escola. Talvez o Secretaria-
foi o engº Lucena Ferreira. Comigo estava uma do Técnico tenha sido a mais alargada, mas na
pessoa de grande gabarito, o engº Alberto Jarro, Junta de Energia Nuclear passou gente com
que também vinha do nuclear, e tinha passado muita valia no domínio técnico-científico. O
pela CNE, um economista, o dr. Manuel Mar- nuclear­depois acabou, por motivos de aceitabi-
tins. A localização era comigo, a escolha do sítio lidade social. Há um pecado original no nucle-
foi feita no meu gabinete. ar, que foi o lançamento das bombas atómicas.
Mais tarde a Valorsul, no rio Tejo, foi também Tem-se a ideia que o nuclear se desenvolve para
feita sem nenhum alvoroço social, mas com ver- fazer bombas. Chamar depois Atoms for Peace
dade. Discutimos com as entidades locais, expli- foi uma tentativa de minorar a questão. A di-
cando, explicando e explicando! Para que haja mensão dos empreendimentos era muito gran-
um procedimento democrático é preciso expli- de. Na altura defendia-se small is beautiful, o que
car. Nos tempos da outra senhora não era difí- tinha um pouco a ver com a discussão nuclear. E
cil localizar, nem as barragens, nem as centrais. as pessoas foram a pouco e pouco afastando-se.
Mandava-se a Guarda Republicana resolver o Ainda sobre a aceitabilidade social gostava­
assunto. Nos anos 70, a EDP, ainda pensava que de referir uma situação vivida, quando tive
era capaz de resolver as coisas, sem explicar, di- oportunidade de discutir a central de Abrantes­
zendo, nós somos bons, fazemos bem! na Comissão Europeia. Não metemos dessulfu-
Foram envolvimentos interessantes. Do pon- rizadores na central. Custavam quatro ou cinco
to de vista de gestão, o facto de ter sido presi- milhões de contos daquela altura. O que acon-
dente dos Correios foi um privilégio. tecia, em Portugal, era que com a não-industria-
lização, não poluíamos. Não por preocupação
O seu trajeto profissional tem sido um dilema ambiental. Mas porque não produzíamos. Na
entre engenharia e gestão? altura as chuvas ácidas era um assunto sensível,
Eu estou convencido que a gestão é uma ati- pois receava-se que podiam devastar as florestas
vidade nobre. É a mais importante. Mas se as europeias. O enxofre, o SO2 eram vistos como
bases para a gestão, vierem da engenharia, não sendo fim da humanidade. Hoje algumas pes-
acontece nada de mal, antes pelo contrário. Dá soas começam a pensar que talvez se tenha dado
uma capacidade de sentir as coisas no seu con- força demais ao efeito de estufa do CO2. A úni-
texto e na sua textura, de forma muito mais real,

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ca coisa importante era o SO2 e vá lá também os O hídrico é muito criticado, no presente.


óxidos de azoto (NOX). Temos de voltar ao nuclear?
Para os ambientalistas era fácil bater nas em- Não. As centrais nucleares, hoje em dia, são
presas elétricas, porque eram grandes, tinham muito grandes para caber na nossa rede. Ar-
muito dinheiro e eram muito localizadas. Me- ranjar um sítio para meter uma central nuclear
ter-se com a indústria automóvel por causa dos em Portugal, desde que no Ferrel foi inventada
óxidos mistos de nitrogénio e de azoto não valia uma falha – julgo que não estava ativa – dei-
a pena, seria uma guerra perdida. Pode ser que xou-se de ter um lugar. Não cabe na rede. Não
não venha a ser, mas será muito lenta a batalha. cabe no território, é grande demais. Não temos
Portanto, o enxofre é que era importante. E quem saiba fiscalizar uma central nuclear, quem
apareceu uma diretiva das grandes instalações de saiba­como funciona – como já lhe referi serei o
combustão da Europa – estamos em 86, antes da mais jovem especialista de combustíveis nucle-
entrada de Portugal na CEE -, em que nós éra- ares. Passámos anos a formar gente para fazer
mos obrigados a meter dessulfurizadores­. Era uma central que era a que eventualmente cabe-
onerosos e importados. Pareceu-nos que não ria na rede. Acho que era uma tontice. Aliás, na
se justificava. De acordo com um conceito­ que Europa não se construiu mais nenhuma central
mais tarde veio a ser introduzido – e eu supo- nuclear. As que se estão a fazer é no Extremo
nho que a ideia foi lançada por João Gonçalves­, Oriente. A não ser a da Finlândia, oferecida pe-
um das pessoas que trabalhavam connosco – de los franceses, que está a custar mais do que era
cada país poluir na base da sua capitação. Nós previsto e vai com um enorme atraso. Portanto,
estávamos muito abaixo de todos os poluidores. o nuclear já, não!
Já não falo da Europa de Leste, nem das Ale-
manhas. Todos os sítios onde se produzia eletri- Em Espanha não está a ser construída uma em
cidade com carvão desde a Dinamarca ao Rei- Badajoz?
no Unido, da Espanha, a Itália. Iam-nos obrigar Não, não. A Espanha tem várias centrais e acei-
a meter uma coisa que custava mais 4 milhões tou agora, o prolongamento para 40 ou 45 anos
de contos e que tínhamos de importar na tota- do tempo de vida da central de Vendellós, ao pé
lidade. Na altura preocupávamo-nos que as coi- de Barcelona. Tem-se vindo a extender a idade­
sas fossem feitas cá. de funcionamento das centrais que existem na
E foi preciso ir discutir à Comissão Euro- Europa. Os ingleses dizem que fazem, mas não
peia. Nos primeiros contactos, o pessoal euro- sei se sim ou não. Berlusconi associou-se aos
peu do ambiente – em grande parte inglês – era franceses para construir uma série de centrais
constituído por antigos nuclearistas. Eles não se nucleares em Itália, mas, por enquanto, não
dispunham a preocupar-se com Portugal, que passa­ das palavras. Os americanos nunca mais
ainda nem sequer era membro da Comunidade fizeram. O único sítio onde se constroem, neste
Europeia. Insistimos muito com a nossa argu- momento, é na Coreia e na China.
mentação técnica junto da Comissão Europeia Quanto às hídricas: Não há obra de enge-
para que se criasse uma exceção. Fez-se o Pego nharia que não tenha impacto sobre o meio am-
sem os dessulfurizadores. No ano passado fo- biente e as pessoas. Ou são bem feitas, ou não
ram instalados. Foi aí que eu verifiquei que nas o são. Se bem feitas, podem-se tomar medidas
instâncias europeias, quase todos os ambien- para mitigar os inconvenientes que essas obras
talistas vinham do nuclear. Portanto pergun- têm. Mal feitas, são uma desgraça.
tar-me para onde foram parar os nuclearistas? Talvez as pessoas não se lembrem que o
Olhe, uma parte para o ambiente. A formação Chat-el-Arab, que é um deserto no Iraque, aqui
não se perdeu toda e os conceitos de risco ti- há uns séculos era a zona mais importante do
nham sido todos desenvolvidos com o licencia- ponto de vista agrícola na Mesopotâmia. Tantos
mento das centrais nucleares. canais abriram que tudo secaram. Há obras de
engenharia, nomeadamente hidráulicas, que a
muito longo prazo provocam modificações tre-
mendas. Quando estamos a falar em barragens

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relativamente pequenas – que é o nosso caso – Apareceram-me os correios. As coisas correram


em que são tidos muitos cuidados ambientais, primorosamente, embora cansativas, e ao fim de
elas são úteis. Veja-se a consolidação de um uns três anos decidi regressar à EDP. Disseram-
programa de barragens, como na altura foi fei- me que não, acabei por ficar presidente. Fez-se a
to no Cávado e no Zêzere. Hoje em dia são sí- mudança tecnológica, desde a frota até à infor-
tios aprazíveis, porque estruturados do ponto de matização das estações.
vista­ambiental. O grande problema foi a inun- Os Correios hoje são uma casa tecnologica-
dação da aldeia de Vilarinho das Furnas. mente muito evoluída. Foi-lhes atribuída uma
medalha pelo dr. Jorge Sampaio. A equipa era
No Alqueva já se arranjou outra solução? boa. Quando se fez a divisão entre os Correios
Sim. Foi mais agradável e tomaram-se todas as e as Telecomunicações ficou muita gente que
medidas. Nesse aspeto, a EDP tem muito cui- gostava da camisola e que era tecnologicamente­
dado, como já sucedia com a velha CPE, até bem formada, o que permitiu dar o salto.
porque era uma empresa quase estatal. Há a Os CTT eram muito mais evoluídos do que
preocupação de contratar ecologistas, paisagis- os Telefones de Lisboa e Porto. Os Telefones de
tas e outros profissionais deste domínio. São sí- Lisboa e Porto, que eram ingleses, cada vez que
tios onde o impacto é demasiadamente grande. faziam alguma coisa, mandavam um fax para
Noutros rios, acabaram os ressaltos de água que Inglaterra a perguntar como fazer. Os Correios
havia, mas nem foi a EDP que o fez, mas as mi- desenvolveram um centro de investigação para
ni-hídricas. A natureza era mais bonita quando fazer estações de telecomunicações rurais e ou-
havia água a saltar. Mas se for a uma das centrais tras coisas, em Aveiro.
são sítios aprazíveis e não creio que se tenha mo-
dificado muito. Todas as obras têm um impacto É a semente da Universidade de Aveiro
desagradável: Umas mais, outras menos­. Haverá Quando da separação, houve quem fizesse má
impacto mais forte que o do prédio Coutinho, escolha, porque nas Telecomunicações passaram
em Viana do Castelo? Ou ir a São Martinho do a ganhar muito mais. Mas nos Correios ficaram
Porto e ver aquela frente urbana que tapa tudo? pessoas que gostavam do que faziam. E havia
gente com formação. A leitura informática dos
Ou Albufeira, Portimão ...! endereços e a separação das cartas foi preparada
Tantos. Os programas Polis – para voltar quase e feita por técnicos da casa. Os Correios sempre
ao princípio da conversa – permitiram resolver estiveram na ponta do progresso. Não havia cor-
algumas coisas, mas eu acho que o empreende- reios melhores que os nossos em todo o mundo.
dorismo no setor da construção civil é bastante Nem os americanos. Os Correios dão dinheiro­.
mais predador que o das grandes obras de enge- E passaram a dar mais dinheiro quando a
nharia. Em todo o caso, há uma coisa essencial: drª Ferreira Leite, resolveu diminuir o déficit do
as grandes obras de engenharia têm que ser ex- Estado e pegou no Fundo de Pensões e meteu
plicadas, têm que ser aceitáveis para as popula- na Caixa Geral de Aposentações. Eu nunca tive
ções, porque elas são para elas. Por isso, eu gos- essa sorte porque deixámos de contribuir para
tei tanto das duas localizações em que trabalhei. o Fundo de Pensões que ainda existia e esta-
A Valorsul tem uma central de informação. To- va subfinanciado. Quando foi a partição, para
dos os parâmetros da Valorsul, desta incinera- privatizar as Telecomunicações, grande parte
dora de Lisboa, estão numa sala da junta de fre- do dinheiro da privatização foi para o fundo de
guesia para que as pessoas verifiquem, se tudo pensões, mas só da PT.
está em condições.
Como vê o papel do engenheiro antes, agora e
Porque aceitou o desafio dos Correios? no futuro?
A vida profissional vai acontecendo. Quando­ Vejo a engenharia como uma profissão de ban-
saí de secretário de estado, desafiaram-me para da larga. Dá-nos ferramentas de formação,
várias coisas, porque o governo do engº An- uma noção das dimensões e das aplicações. O
tónio Guterres suscitou muitas esperanças. engenheiro­ deve ter uma boa componente de

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Emílio Rosa Pôr a funcionar uma instalação para produzir urânio metálico.

economia e de gestão. As pessoas devem co-


meçar pelo particular e depois irem alargando
as competências. Antigamente poucos conse-
guiam chegar a um curso universitário. Os que
iam para engenharia, como o curso tinha seis
anos, acabavam por ser uma elite, o que passou
por um homem chamado Duarte Pacheco. Hoje
em dia já não há engenheiros com tanta visi-
bilidade. Esta passou para os gestores. De uma
maneira geral, passaram por escolas de econo-
mia que eram menos prestigiadas que a nossa.
Os cá da casa, filho e genro, fizeram engenharia,
depois foram adquirir complementos de gestão
e agora andam nas eólicas, nas soluções indus-
triais e afins.
A ordem criou a partir de certa altura espe-
cializações. É uma coisa má, corporativa, em
que meia dúzia de pessoas se julgam as únicas
capazes de assinar projetos. Vale mais a pena ter
uma visão alargada, as coisas já não são de ex-
clusividades.
Podemos encontrar pessoas que ascendem a
determinados lugares ou tarefas, vindas de ori-
gens diferentes. Se elas tiverem passado por uma
boa escola de engenharia, é natural que estejam
mais habilitadas para certos campos. Um ho-
mem que ia para telecomunicações tinha van- (...) Quando veio a bolsa do doutoramento, a pátria cha-
tagem em passar por engenharia eletrotécnica mou-me para a ir defender na Guiné e quando voltei já ti-
nha duas filhas. (...)
ou de computadores. As escolas de engenharia­
Em Bissau durante o serviço militar prestado no BENG
são sítios que permitem às pessoas resolver pro- 447, abril de 1971.
blemas específicos: normalização, fiscalização, Fotografia cedida pelo próprio.
remodelação, os engenheiros podem fazer tra-
balho nesse campo. Mas não tenho respostas
definitivas sobre estas questões.
Qual o professor que mais o terá marcado?
Barbosa Romero. Do ponto de vista da forma-
ção para a gestão e para os problemas do mundo­,
Gouvêa Portela. E do ponto de vista de forma-
ção cultural e moral, o dr. António dos Reis Ro-
drigues.

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Emílio Rosa Pôr a funcionar uma instalação para produzir urânio metálico.

A maior parte da malta que não era adepta da música pop era a malta da associação, porque achávamos que era
mal definida, confusa, protestavam, mas não sabiam bem contra o quê (A. Redol, p. 518).
O que me marcou mais foi o contacto, a cultura­, a música. Tínhamos sessões com o Luís Almeida Alves, diretor do
Técnico. Era a altura da Joan Baez e do Bob Dylan. Era o início da vida. (E. Rosa, p. 857).
Anfiteatro no pavilhão central, em 2011: marcas de rock industrial.
Foto: Tatiana Soares

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