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Emílio Rosa Pôr a funcionar uma instalação para produzir urânio metálico.
Da sua atividade estudantil, ressalta o curso de Filipe como assistente. Mas sobrevivi. Era bom
engenharia química-industrial e a participação aluno a matemática.
na JUC. O que o marcou mais? Nós não éramos ricos, fui bolseiro da Gul-
A greve de 62, em que tentei encontrar uma benkian. Recebia 1200 escudos todos os meses,
maneira de conciliar os extremos. A JUC do o que me tornava num tipo relativamente abas-
Técnico, aderiu à greve. A JUC tinha um ho- tado. A minha mãe queria que eu fosse para a
mem à frente, o padre – e depois bispo --, An- Academia Militar, porque pagavam o curso, mas
tónio dos Reis Rodrigues, que marcou muito a eu não gostava de militares. Vim mais tarde a
minha forma de estar. Aí aprendi esquemas de- gostar deles, quando aconteceu o 25 de Abril.
mocráticos não revolucionários que me marca- Não imaginava essa alteração de simpatias. Fui
ram como escola de condução de pessoas. para química porque na altura este curso tinha
Em 62, houve o grande Encontro da Juven- boas perspetivas profissionais.
tude. E com tantas atividades eu fiquei mais um Era o curso com mais raparigas?
ano a fazer a física do Silveira, porque era difícil
acompanhar o ritmo. Sim, era onde havia mais raparigas. Cerca de um
Marcaram-me os amigos, marcou-me o terço. Ao todo começavam o curso uns 200 alu-
aprender que nós somos responsáveis e temos nos e formam-se talvez meia centena. Ou seja,
que prestar contas a todos. Era bom aluno. só um quarto ou um terço chegava ao fim. As ra-
O meu curso era bom. Guardei amizades parigas nunca tiveram grande destaque do pon-
desse tempo: o engº Rui Sérgio, entre outros. O to de vista profissional, salvo algumas no ensino.
que me marcou mais foi o contacto, a cultura, a Entretanto namorei a Elzira, que hoje é minha
música. Tínhamos sessões com o Luís Almeida mulher; formou-se em história, e que teve tem-
Alves, diretor do Técnico. Era a altura da Joan po para ficar em casa e cuidar dos filhos. Durante
Baez e do Bob Dylan. Era o início da vida. São um tempo dava menos aulas e lá fomos tendo as
as grandes amizades. Depois começa a vida pro- crianças, porque ela conseguiu equilibrar o seu
fissional. desenvolvimento e hoje tem uma série de li-
vros publicados sobre história. Antes o modelo
Porque optou por engenharia química? de mulher colocava-a num papel secundário. A
No liceu borrava sempre os desenhos que fa- pouco e pouco vieram-se afirmando. Às minhas
zia. Química era a única engenharia, onde apa- filhas não lhes passa pela cabeça ter empregos
rentemente não havia desenho. Enganei-me. A em part-time.
primeira aula que tive foi desenho, com o Cruz Nenhum dos seus filhos estudou engenharia?
Só o filho tirou engenharia industrial, na Nova.
Grupo de estudantes com o prof. Magalhães Ilharco (1) e o É diretor da Siemens. Dos restantes, uma é as-
assistente Afonso Morgenstern (2): o entrevistado (3), sistente social, professora na Universidade Ca-
Albano Freire Nunes (4), António Pereira Domingos (5), tólica, está a terminar o doutoramento; outra
Carlos Silva Santos (6). Restantes não identificados. Tirada
durante o 1º ano (1958 – 59) ou no 3º (1960 – 61).
é advogada; duas são economistas. Eu insistia
Fotografia cedida pelo entrevistado. muito que eles soubessem matemática, com a
advogada e a assistente social não tive grande
êxito, só com os outros. A constante que fica
do ponto de vista familiar é a praia de Moledo.
Passámos sempre o mês de agosto juntos, o que
foi importante.
Voltando ao curso. Na vossa altura havia está-
gio para acabar o curso?
Havia três estágios. Depois passou a haver um.
Eu fiz dois e ambos foram interessantes. Um
foi na Resiquímica, em Mem Martins, onde se
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faziam resinas naturais e que depois passou para resultasse, ao mesmo tempo dimensionou-se
a Hoechst. Lá aprendi o que era um reator a uma bateria de misturadores-decantadores, que
funcionar em sistema Batch, no fundo uma pa- faziam o mesmo que a coluna. Seguia-se uma
nela de pressão. redução num forno em L e uma fluoretação de-
O segundo foi mais interessante, estive na pois ao estádio de tetra flureto de urânio, mis-
Junta de Energia Nuclear, na qualidade de con- turava-se com cálcio, detonava-se numa campâ-
tratado eventual. Consistiu em pôr a funcionar nula, o urânio fundia. É aquilo que durante uns
uma instalação para produzir urânio metálico. tempos os iranianos andaram com dificuldade
No LFEN, em Sacavém, existia um reator cons- de conseguir fazer.
truído no âmbito da Atoms for Peace, um progra- Dada esta minha experiência devo ser agora,
ma americano. Ainda lá está o reator. É o mais com 70 anos, o mais jovem especialista de com-
velho MTR do mundo, suponho. É um dos re- bustíveis nucleares existente neste país. Foi esse
atores que foram dados pelos EUA no fim dos o assunto do meu relatório do estágio.
anos 50, princípio dos 60. E, paralelamente,
porque nós tínhamos urânio e porque os fran- Em que ano foi?
ceses o compravam, com o apoio deles fez-‑se Isto passa-se até 68. Se a memória não me falha,
uma instalação de produção de urânio metáli- o relatório só foi entregue em 71, quando voltei
co. Urânio metálico nuclearmente puro, era esta da Guiné. Ainda o tenho, com o cálculo dos an-
a designação. Faziam-se os lingotes de urânio dares da coluna de extração feito em papel mili-
depois exportados para França, onde eram uti- métrico. O controlo não era eletrónico, mas por
lizados para fazer o combustível dos reatores de via de ar comprimido que atuava nas válvulas na
gás-grafite. perfeição. Coisas de outros tempos.
Em 1965, fez-se um novo acordo com os Hoje nem sabemos como acontece o contro-
franceses para a compra de equipamento. A lo.
contrapartida era pagar com concentrados po- Aprendi muita coisa de engenharia química
bres da Urgeiriça ou com urânio metálico, o que que não me serviu posteriormente, mas que foi
nos permitiu pôr a funcionar a instalação que muito interessante como estágio.
não estava nas condições mais adequadas. Um professor do Técnico, suponho que se
A instalação tinha uma série das operações chamava Tavares da Silva, viu este relatório,
unitárias importantes: a dissolução, a purifica- chamou-me e perguntou:
ção, a extração líquido-líquido e depois a cal- – Mas você fez isto? Eu fiz, se quiser vá a Saca-
ciotermia implicava uma redução do óxido de vém, que as coisas estão lá.
urânio que tem a valência 6 quando existe na Dos misturadores-decantadores até o desenho
Terra, que era preciso passar à valência 4, e em tinha feito e acompanhado a sua construção.
seguidaa urânio metálico. Tive um belo estágio Lembro-me, foi na Construtora Moderna que
prolongado em França, no Centre de Recherches já não existe, era o sítio onde se soldava relativa-
du Bouchet, onde eram feitas as mesmas opera- mente bem aço inox. Encolheu os ombros. Era
ções. Houve que redimensionar o equipamento conhecido por Tavares O Mudo.
existente que só funcionara uma vez, tinham-se Inscreveu-se na Ordem dos Engenheiros?
feito dois lingotes. Por simpatia, deram ao pri-
Não. A Ordem dos Engenheiros era considerada
meiro lingote da nova fase o meu nome – na al-
por muitas pessoas como um organismo corpo-
tura eu estava a ir para a tropa.
rativo. E eu não era muito afim da ordem social
Houve que redimensionar as colunas de ex-
e política existente nesse tempo. E como funcio-
tração líquido-líquido com TBP (Tributyl phos-
nário público não me inscrevi. Porque a inscri-
phate), dissolvia-se o óxido de urânio em ácido
ção era obrigatória, exceto para os funcionários
nítrico e punha-se em contacto com um solvente
públicos. Eu sempre fui um opositor moderado.
específico que separava o urânio das impurezas.
Este tipo de oposições não era muito gravoso,
Isto fazia-se numa coluna de extração que fun-
portanto, não suscitava grandes represálias. Só
cionava mal, houve que redimensionar os pratos
me inscrevi na ordem muito mais tarde, quando
da coluna. E como não havia garantia que isto
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foi para a direção um amigo meu, o prof. Luís Mais tarde, em Sacavém, ao trabalhar na insta-
Sousa Lobo. lação-piloto ou semi-industrial, feita não ape-
nas por mim, mas pelo Francisco Beja da Cos-
No vosso curriculum, nos anos 60, constavam ta – pessoa notável, com grande habilidade de
trabalhos de oficina? mãos – aquilo foi ótimo. Aprendemos uma sé-
Sim. Ainda troço com os meus engenheiros – rie de coisas. Quando saíamos do Técnico, não
o meu filho e o meu genro. Aprendi coisas que sabíamos para que lado abrir uma válvula. Acho
foram úteis para fazer bricolage: como se pega que tinham a sua utilidade e num curso de seis
numa lima, se aplaina uma madeira. Não con- anos passavam muito bem. A formação mate-
sidero inúteis as cadeiras que tivémos de traba- mática também existia. Dava-se matemática a
lhos em oficina. Pode parecer agora uma heresia sério. As oficinas não eram para fazer engenhei-
dizer uma coisa destas. Eu não sou, nem passa- ros técnicos. Era uma coisa que não ficava mal
dista, nem conservador, como já deve ter visto. aos engenheiros saber o que era um limatão ou
Mas eu acho que aquilo era. um engenho de furar.
Dava um certo treino à mão. Que faziam as vossas colegas? Também iam
Sim. Coisa que o meu filho não tem. Ele pas- para as oficinas?
sou pela Nova. Aprendeu os computadores to- Na altura já iam. Os anos 60 já não são tão obs-
dos, mas não sabe trabalhar com a mão. curos.
Isso como era tido por vocês quando estudan- Da sua experiência profissional, se tivesse que
tes? escolher uma situação, qual seria?
Dei-me muito bem com o Luís Almeida Alves, É difícil responder. Lecionar no Técnico foi in-
que era o diretor. Mas a pessoa de quem gos- teressante, porque me dava com pessoas mais
tei mais foi o prof. Barbosa Romero, com quem novas. Talvez tenha sido o mais marcante.
fiz as últimas cadeiras. Vinha, na altura, de É evidente que ser presidente dos CTT, uma
Birmingham, levava a sério ser professor tutor, das maiores empresas portuguesas, com certeza
que tinha visto na Inglaterra. Lembro-me que que foi importante.
até nos convidou e às nossas namoradas para ir Talvez a mais importante tivesse sido a ins-
jantar a casa dele. Mais tarde tratou da minha talação de Sacavém para o urânio.
bolsa para o Imperial College, que não aproveitei. O mais interessante foi o processo de locali-
Ele dava as oficinas. Homem bondoso, era pau zação da central do Pego e mais tarde da insta-
para toda a obra. lação da incineração de lixo de Lisboa, a Valor-
Os laboratórios de tecnologia eram uma coisa sul. Todos temos orgulho no que fazemos.
diferente? Porque é que a central a carvão foi para
Eram. Mas a 50 anos de distância eram mui- Abrantes?
to menos interessantes do que as oficinas. No Porque se tinham estudado sítios para localizar
laboratório de tecnologia o mais que nós vía- centrais e depois de sermos corridos de Viana
mos eram umas perdas de carga em tubagem. do Castelo, de Aveiro, da Figueira da Foz, da
As oficinas eram num pavilhão, onde estavam Praia de Mira. As populações estavam sempre
uns mestres que eram os operários antigos e nós, contra! Encontrar um sítio que mudou da cos-
obviamente, não levávamos a coisa muito a sé- ta para o interior, obrigou a fazer torres de refri-
rio. No entanto, as coisas eram feitas e a sério. geração. Eram caras, nós não sabíamos fazê-las.
Porque teriam acabado? Os espanhóis sabiam-no, ou os que vinham do
nuclear. As centrais da costa eram a nossa expe-
Não faço ideia. Foi acabando. Se me pergun-
riência. Quanto muito tínhamos feito o Carre-
tar se eu meteria isso hoje no curriculum, se ca-
gado que era no rio, mas com bastante caudal,
lhar não. Punha a nível do secundário. Fazíamos
e não precisava de estrutura de refrigeração tão
as oficinas no nosso 2.º e 3.º anos. Era tarde
pesada.
demais na nossa formação. Mas não foi inútil.
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Colocar uma central a carvão em Abrantes mais adaptada, mais correta, do que vindo da
acabou por ser simples. Custava tão caro ir bus- economia, onde não há diferenças entre as ca-
car a água do mar a 200 metros depois da re- racterísticas dos materiais. Andar a estudar as
bentação, como construir a torre de refrigeração. pontes, para saber se passavam as peças para
Transportar o carvão de Sines para Abrantes chegar ao Pego, é duvidoso que um economista
era mais barato do que levá-lo de barcaça para tivesse grande sensibilidade para isso! Fizemos
a Figueira da Foz. Era só fazer um caminho- uma ponte sobre o Tejo para passar o carvão e,
de-ferro. Havia uma depressão social devido ao ao mesmo tempo, uma rodoviária ligada à ferro-
encerramento do Metalúrgica do Tramagal e viária. A região ficou com uma ponte para além
formámos as pessoas para elas virem trabalhar da do caminho-de-ferro.
connosco. Não havia enfermaria, nós pagámos
a um hospital, não tinha bairro para os operá- Nos anos 50, o nuclear foi uma oportunidade
rios – eram 300 pessoas na central – comprámos para jovens engenheiros?
uns blocos de apartamentos em Abrantes, não Foi. As escolas de formação existentes nessa al-
tinha corpo de bombeiros próprio, nós pagámos tura eram: o INII – Instituto Nacional de Inves-
as viaturas aos bombeiros locais. Não precisá- tigação Industrial – onde se aprendia produtivi-
mos de sítio para colocar as cinzas, porque es- dade, que era dirigido por Magalhães Ramalho;
tudámos a forma de as colocar no betão. Tudo o o Secretariado Técnico da Presidência do Con-
que foi feito naquela central, tanto a localização selho de Ministros, por onde passaram os gran-
como o projeto concetual, foram coisas interes- des economistas; e a Junta de Energia Nuclear,
santes. A equipa era muito boa. O diretor-geral que foi uma boa escola. Talvez o Secretaria-
foi o engº Lucena Ferreira. Comigo estava uma do Técnico tenha sido a mais alargada, mas na
pessoa de grande gabarito, o engº Alberto Jarro, Junta de Energia Nuclear passou gente com
que também vinha do nuclear, e tinha passado muita valia no domínio técnico-científico. O
pela CNE, um economista, o dr. Manuel Mar- nucleardepois acabou, por motivos de aceitabi-
tins. A localização era comigo, a escolha do sítio lidade social. Há um pecado original no nucle-
foi feita no meu gabinete. ar, que foi o lançamento das bombas atómicas.
Mais tarde a Valorsul, no rio Tejo, foi também Tem-se a ideia que o nuclear se desenvolve para
feita sem nenhum alvoroço social, mas com ver- fazer bombas. Chamar depois Atoms for Peace
dade. Discutimos com as entidades locais, expli- foi uma tentativa de minorar a questão. A di-
cando, explicando e explicando! Para que haja mensão dos empreendimentos era muito gran-
um procedimento democrático é preciso expli- de. Na altura defendia-se small is beautiful, o que
car. Nos tempos da outra senhora não era difí- tinha um pouco a ver com a discussão nuclear. E
cil localizar, nem as barragens, nem as centrais. as pessoas foram a pouco e pouco afastando-se.
Mandava-se a Guarda Republicana resolver o Ainda sobre a aceitabilidade social gostava
assunto. Nos anos 70, a EDP, ainda pensava que de referir uma situação vivida, quando tive
era capaz de resolver as coisas, sem explicar, di- oportunidade de discutir a central de Abrantes
zendo, nós somos bons, fazemos bem! na Comissão Europeia. Não metemos dessulfu-
Foram envolvimentos interessantes. Do pon- rizadores na central. Custavam quatro ou cinco
to de vista de gestão, o facto de ter sido presi- milhões de contos daquela altura. O que acon-
dente dos Correios foi um privilégio. tecia, em Portugal, era que com a não-industria-
lização, não poluíamos. Não por preocupação
O seu trajeto profissional tem sido um dilema ambiental. Mas porque não produzíamos. Na
entre engenharia e gestão? altura as chuvas ácidas era um assunto sensível,
Eu estou convencido que a gestão é uma ati- pois receava-se que podiam devastar as florestas
vidade nobre. É a mais importante. Mas se as europeias. O enxofre, o SO2 eram vistos como
bases para a gestão, vierem da engenharia, não sendo fim da humanidade. Hoje algumas pes-
acontece nada de mal, antes pelo contrário. Dá soas começam a pensar que talvez se tenha dado
uma capacidade de sentir as coisas no seu con- força demais ao efeito de estufa do CO2. A úni-
texto e na sua textura, de forma muito mais real,
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A maior parte da malta que não era adepta da música pop era a malta da associação, porque achávamos que era
mal definida, confusa, protestavam, mas não sabiam bem contra o quê (A. Redol, p. 518).
O que me marcou mais foi o contacto, a cultura, a música. Tínhamos sessões com o Luís Almeida Alves, diretor do
Técnico. Era a altura da Joan Baez e do Bob Dylan. Era o início da vida. (E. Rosa, p. 857).
Anfiteatro no pavilhão central, em 2011: marcas de rock industrial.
Foto: Tatiana Soares
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