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QUADERNI OELLA RASSEGNA

BRASILlANA DI STUDI ITALIANI

HORÁCIO

EPODOS -.-'ODES
,
EPISTOLAS
ESCOLHiDOS, TRADUZIDOS E ANOTADOS
POR

NEYDE RAMOS DE ASSI,S

'.
S,ÃO. PAULO - BRASIL

MCMLXII
Apresentação
Em tempos tão calamitosos para os estudos clássicos (agora
um engenheiro ou um advogado ou um médico devem ter só
conhecimentos técnicos e não uma sólida cultura humanística
que é base de qualquer sabedoria), acho que divulgar obras anti-
gas, mesmo em boas traduções, constitui o melhor instrumento
para lutar contra a excessiva mecanização da vida. Por isso os
"Quaderni de lia Ra,~segna brasiliana di studi italiani" podem,
acolher com tôda simpatia essa nova contribuição duma minha
incansável colaboradora pr01ra. dra. Neyde Ramos de Assis: ela
muito me ajudou na reunião dos trechos para a antologia da
"Literatura de Roma"; muito contribuiu, com os escritos e o
ensino, para divulgar obras clássicas da literatura antiga; em
particular, ela se aperfeiçou no estudo de Horácio, que reputa,
justamente, o poeta ainda hoje moderno na moral "cotidiana, no
equilíbrio espiritual, na arte parnasiana. Possa êsse opúsculo,
destinado aos nossos, alunos e a todos os que acreditam na eficá-
cia da cultura humanística, ter a sorte que lhe desejamos, na
Todos os direitos são reservados atmosfera tão didática do horaciano "omne tulit punctum qui
miscuit utile dulci, lectorem delectand6 pariterque monendo".
~ste livro foi composto e impresso na Escola
Tipográfica Salesiana, à Rua Dom Bosco 441 S. Paulo, setembro de 1962.
S. Paulo, no mês de Setembro de 19~2. '
G. D. Leoni
Impresso nos Estados Unidos do Brasil.
Printed in the United States of Brazil.
EPODOS
]. CONTRA UM NOVO RICO.
Há entre mim e ti uma aversão tão grande quanto a que,
por lei da natureza, existiu entre o lôbo e o cordeiro, Ó homem
de corpo marcado pelas cordas de junco, de pernas marcadas
pelos duros grilhões. (1) Podes passear soberbo do teu dinheiro;
a riqueza, porém, não muda a baixa origem. Não vês que,
quando tu medes a Via Sacra com a toga comprida, de três
braças, os transeuntes viram o rosto, sem disfarçar a indignação?
"~ste homem - pensam êles - que foi surrado pelos
açoites dos triunviros(2) até o pregoeiro se cansar, possui agora
mil alqueires nas terras de Falemo (3), percorre a Via Ápia
em seus cavalinhos e, como soberbo cavaleiro, senta-se, nos pri-
meiros lugares do teatro, sem fazer caso de Otão (4). Por
que são conduzidas contra os piratas e os escravos fugitivos as
pôpas rostradas de. tantos fortes navios se êste, êste indivíduo
é um tribuno militar?" (Epodi, IV)

(1) Horácio se refere a um escravo liberto.


(2) Os "triurnviri capitales" eram como que oficiais de policia aos
quais cabia aplicar em público punições a escravos e a cidadãos culpados,
enquanto o Ilpraeco" (pregoeiro) gritava o motivo da punição.
(3) Falemo era uma região da Itália célebre entre os antigos romanos
pelos vinhos que ali se produziam; ali, pois, as terras tinham grande valor.
(4) Em 67 a.C. o tribuno Lúcio Róscio Otão fizera votar uma lei que
assegurava aos cavaleiros - cidadãos de maiores recursos - os primeiros
lugares no teatro depois dos destinados aos senadores; pretendià, com isso.
impedir a ralé de ocupar tais assentos. Mas o personagem aqui satirizado
conseguiu, enriquecendo, incluir-se entre. os cavaleiros.
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2. VOTOS A UM INIMIGO.

Sôlto com um mau presságio, sai do pôrto o navio que


leva o fétido Mévio (5). Lembra-te, ó Austro (6), de açoitar-lhe
ambos os flancos com ondas terríveis! Que o sombriü Euro
espalhe no mar rev?lto as amarras e os remos partidos; e o
Aguilão se erga tão forte como quando, nos altos montes, agita ODES
e quebra as azinheiras; nem no escuro da noite, surja um astro
amigo, do lado onde se põe o triste OrÍon (7), e nem navegue
êle em mar mais calmo do que as tropas gregas vitoriosas quando, 1. A VIDA É BREVE ...
de Tróia incendiada, Palas voltou sua ira contra o navio do
Ímpio Ájax (8). Esvai-se o duro inverno ao grato retomar da primavera e
as máquinas arrastam para o mar os navios em sêco; já não
Oh! quanto hão' de suar teus marinheiros e que palidez
se alegra o gado em ficar nos estábulos e nem o lavrador em
será a tua, que choradejra pouco viril, que preces ao adverso
estar junto ao fogo, e a branca neve já não alveja os prados.
Júpiter quando, a rugir, o Gôlfo Jônio houver rompido, com o
Vênus, a Citeréia (10), dirige as dadças à luz da lua e as belas
chuvoso Noto, a tua quilha! E se, estendido na curva praia,
Graças, junto com as Ninfas, batem a terra com um pé, com
como uma rica prêsa, servires de alimento às aves marinhas,
outro; e, enquanto isso nas fatigantes forjas dos Cic10pes (11),
imolarei às Tempestades (9) um lascivo bode e uma pequena arde Vulcano.
ovelha. (Epodi, X)
Nesta ocasião convém cingirmos a cabeça luzente de per-
fumes com o verde mirto ou com as. flôres que a terra produz,
livre do gêlo; e imolarmos a Fauno (12), nos umbrosos bosques
sagrados, uma ovelhinha ou um cabrito, como êle preferir. A
pálida Morte pisa com o justo pé as cabanas dos pobres e os
palácios dos reis. Ú afortunado Séstio, a breve duração da vida
não permite que concebamos uma grande esperança. Logo te
cobrirá a noite, a sombra da região dos manes (13), a exígua
morada de Plutão; e., quando ali chegares,- não sortearás com

(10) Vênus era chamada Citeréia porque a ilha de Citera, no mar Egeu,
(5) Mévio é, talvez, um poetastro inimigo de Horácio e de Vergílio; era uma das mais antigas sedes de seu culto.
êste também o menciona (Buc. llI, 90).
(6) Austro, Euro, Aquilâo, Noto são nomes de ventos .. (11) Os Ciclopes eram gigantes que forjavam no Etna (vulcão da
(7) A constelação de OrÍon é dita triste porque seu tramontar é Sicília), os raios de Júpiter, sob as ordens de Vuicano, o deus do fogo;
acompanhado de tempestades. forjavam-nos na primavera para que Júpiter os usasse no verão.
(8) Ájax, um dos heróis da guerra de Tróia, ao. voltar para a Grécia (12) Fauno era um deus itálico, protetor dos bosques, dos montes e
foi fulminado por Palas, a quem tinha ofendido. dos prados.
(9) As Tempestades eram tidas como divindades. (13) Os manes eram as almas dos mortos.
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Mas eu não te procuro para dilacerar-te como um tigre


os dados o rei (14) do vinho nem fitarás o delicado Lícidas, por
cruel ou um leão africano. Deixa afinal tua mãe: já estás
quem agora ardem os jovens e logo as moças se apaixonarão. no tempo de começar a amar. (Carm. I, 23)
(Carm., I, 4)
4. COMO ENCARAR A DOR.
2. SÔBRE UM AMOR NOCIVO.
Quem pode ter pudor ou ter medida ao chorar por um
Por todos os deuses, ó Lídia, peço-te que me, digas: por homem tão querido? Ensina-me fúnebres cantos, ó Melpôme-
que te apressas em perder Síbaris com o teu amor? por que ne(17), a quem o pai dos deuses(18) concedeu uma voz cris-
odeia o campo ensolarado, êle capaz de suportar a poeira e o talina ao som da cítara. É pois verdade que um eterno sono
sol? Por que não mais cavalga entre os guerreiros de sua idade pesa sôbre Quintílio? (19) No entanto, a Honra e a incorruptí-
e não dirige com os duros freios os cavalos da Gália? por que vel Fidelidade, irmã da Justiça, e a nua Verdade jamais en-
tem receio de se. banhar no louro Tibre? por que evita com contrarão um outro igual. Éle morre.u e é digno de ser chorado
mais cuidado o óleo de oliva (15) do que o sangue das víboras, por muitos homens bons; por ti, principalmente, ó Vergílio.
e já não tem os braços lívidos de carregar as armas, êle, que Mas, embora piedoso, em vão tu pedirias Quintílio aos deuses;
muitas vêzes se destacou no atirar o disco, muitas vêzes lançou ah! êle não te seria de.volvido se o pedisses! Que sucederia se
o dardo além da meta? por que êle se esconde, como dizem tu tocasses mais suavemente que o trácio Orfeu (20), cuja lira
que, na ocasião da triste guerra de Tróia, se escondeu o filho (16) era ouvida pelas árvores? Acaso o sangue retomaria à sombra
de Tétis, a deusa marinha, para que as vestes de homem não o vã, a qual Mercúrio (21), que as preces não levam fàcilmente
arrastassem à matança, não O arrastassem contra as tropas a mudar os destinos, já impeliu, com sua horrenda vara, para
troianas? (Carm. I, 8) o negro rebanho dos mortos? É duro!
A paciência, porém, torna mais leve tudo· o que não se
3. É TEMPO DE AMAR! pode corrigir! (Carm. I, 24}

Tu me, evitas, ó Cloe, qual um veadinho que, nos ínvios 5. FALSAS JURAS DE AMOR.
montes, com um inútil mêdo das brisas e da selva, sente a falta
Se algum dia, ó Barine, tivesse.s recebido um castigo por
da tímida mãe; assusta-se com o mover das fôlhas ao vir a
juramento falso, se ficasses com os dentes escuros ou com uma
primavera, assusta-se quando as verdes lagartas derrubam uma
amora, e tremem-lhe os joelhos, treme-lhe o coração.
(17) Musa da tragédia.
(18) JÚpiter.
(14) Nos banquetes se sorteava um "rei" que indicava quanto e qual (19) Quintílio Varo, amigo de Horácio e de Vergílio.
vinho se devia beber.
(20) Orfeu, herói mitológico, era considerado o maior muslco da anti-
(15) . Os homens se untavam com óleo antes das lutas; Síbaris evita güidade; tocava tão docemente que comovia até as feras e os sêres inani-
o óleo porque não mais deseja lutar desde que o absorveu o amor de mados.
Lídia.
(21) Mercúrio, o mensageiro dos deuses, tinha O encargo de conduzir
(16) O filho da deusa Tétis, o herói grego Aquiles, vestiu-se de as almas para o reino dos mortos e as impelia com sua vara.
mulher para não ir à guerra de Tróia; mas foi descoberto o seu ardil
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só unha mais feia, então eu acreditaria! Mas, quando empe- indomável morte. Não o consegUInas, meu amigo, mesmo que
nhas em juramentos a pérfida cabeça, ficas ainda mais bela e imolasses trezentos touros, um cada dia, a fim de aplacar o
te tornas o amor dos jovens todos! Tu lucras em mentir pelas insensível Plutão (22), que retém Tício (23) e Gerião, gigante de
cinzas de tua mãe, pelos calados astros da noite e pelo céu três corpos, além do triste rio cuja travessia certamente há de
inteiro, pelos deuses ise,ntos da gélida morte. Creio que a própria ser feita por todos nós, que comemos os frutos da terra, quer
Vênus ri dos teus juramentos, riem as puras Ninfas e o malvado . sejamos reis, quer pobres camponeses.
Cupido que está sempre aguçando na cruél pedra as suas arden-
tes fle,chas. E os adolescentes crescem para ti, crescem teus Em vão fugiremos à guerra sangrenta ou às ondas do rouco
novos servos; e -os mais antigos, freqüentem ente ameaçados, não Adriático, que se quebram de encontro aos rochedos; em vão
deixam a casa da ímpia senhora. As mães receiam-te para recearemos, durante o -outono, o vento que faz mal: teremos
se.us filhos, os velhos econômicos receiam-te, e as infelizes recém- de ir ver o negro Cócito (24), que vagueia com seu langüido
casadas temem que o teu influxo lhes retenha os maridos ... curso, e, a infame prole de Dânao (25) e o filho de Éolo, SÍ-
(Carm. lI, 8). sifo (26), condenado a um eterno trabalho. Terás de abandonar
a terra, a casa e a espôsa querida e nenhuma das árvores que
6. A ÁUREA MODERAÇÃO. plantas te há de seguir para além dos odiosos ciprestes (27);
Licínio, tu viverás melhor se nem sempre afrontares o alto por breve tempo tu és seu dono. Um herdeiro mais esperto que
mar nem nave,gares sempre muito perto da praia perigosa, en- tu beberá todo o Cécubo(28) que guardas com cem chaves e
quanto, cauteloso, receias as procelas. Quem ama a áurea mo- banhará o chão (29) com um vinho magnífico, melhor que o
deração está tranqüilo, igualmente afastado da casa avara e dos jantares dos pontífices... (Carm. lI, 14)
suja e do palácio que desperta inveja. Os vent-os agitam com
muita freqüência os grandes pinheiros, violenta é a queda das
altas tôrres e os raios golpeiam o cume dos montes! (22) Rei dos infernos e deus dos mortos.
A alma bem formada espera, no infortúnio, a mudança da (23) Gigante que foi morto por Apoio devido a um insulto que fizera
sorte, teme-a se é feliz. Júpiter traz de volta o triste inverno a Latona, a mãe do deus.

e êle próprio leva-o embora. Se hoje estamos mal, não será (24) Rio dos infernos.
sempre assim. Um dia ApoIo despertará com a cítara a Musa (25) As filhas de Dânao, - personagem lendário - por haverem
que se cala; nem sempre êle arma o arco. matado seus maridos, foram condenadas no inferno a encher um tonel sem
fundo.
Nas adversidades, mostra-te forte e corajoso; tu mesmo,
(26) Sísifo, cruel ladrão, foi condenado no inferno a impelir até o
sàbiamente, recolhe as velas se as enfunar um vento demasiado cimo de um monte um enorme rochedo que, quando lá chegava, rolava
propício. (Carm. lI, 10) novamente para baixo.
(27) Os ciprestes eram consagrados a Plulão; por isso eram planta-
dos em volta dos túmulos.
7. GOZAR ENQUANTO É TEMPO!
(28) Célebre vinho da cidade de Cécubo (Itália).
Postumo, Postumo! os anos - ai de nós! - correm velozes (29) Tal expressão é usada para indicar a abundância do vinho uti-
e nem a piedade retardará as rugas, a velhice iminente e a lizado.
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8. É TOLA A AMBIÇÃO.
filhos ·de Tântalo; chamado ou não, êle .acorre para aliviar o
Nem marfim e nem teto de ouro brilha na minha casa, pobre que já chegou ao têrmo dos trabalhos. (Carm. 11, 18)
nem traves de mármore do Himeto (30) apoiam-se em colunas
talhadas nos extremos da África, nem, como um herdeiro igno- 9. ODE A BACO
rado, ocupei o palácio de Átalo (31); e as honradas espôsas dos
clientes não fiam para mim lãs tintas com a púrpura lacônica. Crede-me, ó pósteros: eu vi Baco, que, sôbre, uma rocha
Mas tenho a lealdade e uma copiosa veia de talento e o rico distante, ensinava canções; e as Ninfas e os Sátiros, com os
procura a mim, que sou pobre. Nada mais rogo aos deuses e seus pés de cabra, de ouvidos atentos, aprendiam. Ev.oé!(38)
não peço ao amigo potente (32) maiores dádivas; sou bastante Minha alma estremece de súbito mêdo e meu peito, cheio de Baco,
feliz com minha única vila, na Sabina. se entrega a uma ale,gria turbulenta. Evoé! Tem piedade de
Um dia expulsa o outro e depressa termina o novo mês. E mim, ó Baco, temível por teu potente tirso (39), tem piedade de
tu, não obstante, pouco antes do teu próprio funeral, contratas mim! É lícito que eu celebre as bacantes obstinadas no seu
empreiteiros para talhar os mármores e, esquecido da morte, furor (40), que eu celebre a fonte do vinho e os arroios cheios
levantas palácios e, te empenhas em construir sôbre o mar que 'de leite. e os meles que correm dos troncos cavados (41). É lícito
estrepita junto de Baias (33), crendo-te pouco rico se não podes que eu cante .o ornamento da tua feliz espôsa (42) ajuntado às
passar além das bordas. E mais ainda: estás sempre a alargar estrêlas, e a casa de Penteu (43) abatida por grande desgraça
os confins do teu campo e invades, ambicioso, as terras dos e a morte do trácio Licurgo (44). Tu domas os rios e o bárbaro
clientes; expulsas a mulher e o marido, que leva no colo as mar e, ébrio, sôbre longínquos montes, sem perigo enlaças com
imagens dos deuses paternos e os esquá,lidos filhos. Contudo, víboras a cabeleira das bacantes. Quando a Ímpia coorte dos
nenhum palácio destinado a um rico senhor o espera com maior Gigantes subia pelo áspero caminho aos reinos de teu pai, tu,
certeza que o reino do ávido arco (34). A terra se abre, im- transformado em leão, com as unhas e os terríveis dentes lan-
parcial, para o pobre e para os filhos dos reis; e o ouro não çaste Reto para trás. (45) Embora te julgassem muito hábil nas
fêz que o servidor do arco (35) transportasse de volta o astuto
Prometeu (36). O arco retém o orgulhoso Tântalo (37) e. os
(38) Grito de alegria das bacantes, sacerdotisas de Baco, deus do vinho.
(30) Monte da Grécia. (39) Bastão enfeitado de hera e pâmpanos, que servia de cetro a Baco.
(31) Rico rei de PérgaD10 (Ásia), que deixou seus haveres a Roma. (40) As sacerdotisas, quando tomadas por Baco, ficavam em delirio.
(32) Mecenas. (41) Por ordem' de Baco nasciam da terra, para as bacantes, riachos
de vinho e de leite, e as árvores destilavam mel.
(33) Baias era uma célebre estância balnear ao sul da Itália; ali havia·
suntu0sas residências. (42) A coroa de Ariadna, espôsa de Baco, foi posta no .céu entre as
constelações.
(34) Outro nome de Plutão, o deus. dos mortos.
(43) Penteu, rei de Tebas, zombou do culto de Baco e, como castigo
(35) O "servidor do Orco" é Caronte, barqueiro que transportava as
foi dilacerado pela mãe e pelas irmãs enlouquecidas.
almas dos mortos através do Estige, rio dos infernos.
(44) Rei da Trácia (região da Eüropa, próxima da Macedônia) que, por
(36) Gigante mitológico que roubou o fogo do céu para dá-Io ao
homem. se ter oposto ao culto de Baco, foi tornado cego e depois morto pelo deus.
(37) Rei da Lfdia (Ásia Menor) condenado a terrível suplício no (45) Os Gigantes, filhos da Terra, revoltaram-se contra Júpiter - pai
de Baco - e colocando o monte Ossa sôbre o Pélio (montes da Grécia),
reino dos mortos': o de sofrer fome e sêde, tendo junto de si frutos e
tentaram escalar o monte Olimpo, onde moravam os deuses. Mas foram
água, que não consegue tocar.
vencidos por JÚpiter. Reto era um dêsses Gigantes.
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danças, nos folguedos, no jôgo, os deuses não te achavam bastante - "Um juiz fatal e adúltero (52) e uma forasteira (53) redu-
apto para o combate; entretanto, na paz e na guerra, tinhas ziram a pó a cidade de Tróia, da Tróia condenada por mim e
igual valor. Cérbero(46), manso, docemente esfregando em ti peja casta Minerva com seu povo e seu rei desonesto (54), desde
a cauda, viu-te ornado de um chifre (47) de ouro e, ao partires, quando Laomedonte de.fraudou os deuses do pagamento combi-
lambeu, com a bôca de três línguas, teus pés e pernas. nado. Agora, nem o famoso hóspede (55) da adúltera espartana
(Carm. 11, 19) brilha em sua beleza nem a perjura família de Príamo rechaça,
com as fôrças de Heitor (56), os belicosos gregos; e a guerra
prolongada por nossas divergências (57) cessou. Agora eu sacrifi-
10. A AUGUSTO.
carei a Marte as· minhas graves iras e perdoarei ao odioso
Nem o furor dos cidadãos que impõem injustiças nem o neto (58) que a sacerdotisa troiana pariu; consentirei que êle
rosto de um ameaçador tirano nem o Austro, tempestuoso senhor entre nestas luminosas moradas, que beba os sucos do néctar
do agitado Adriático, nem a mão poderosa de Iúpiter, que lança e seja inscrito na tranqüila ordem dos deuses. Que. os exilados (59)
os raios, perturba o homem justo e firme nos propósitos da reinem felizes em todo o mundo enquanto o vasto oceano se
mente inabalável; se, feito em pedaços, o mundo desabasse, as agitar entre Tróia e: Roma; que o Capitólio se erga fulgurante
ruínas o haveriam de atingir impávido. Com tal virtude, e a belicosa Roma possa dar leis aos medos subjugados, enquan-
Pólux (48) e o errante Hércules chegaram às esferas celestes; e to os rebanhos saltarem sôbre a tumba de PrÍamo e de Páris e
Augusto, deitado entre êles (49) há de beber o néctar com a as feras aí esconderem, seguras, os filhotes. E se Roma fôr
bôca purpurea. A ti, ó Baco, que, por tal virtude bem o mere-
ceste, os tigres conduziram ao céu, puxando o jugo com o indócil (52) Páris, filho de Príamo - rei de Tróia -, foi juiz no certame de
pescoço. Por tal virtude, Quirino(50) escapou ao Aqueronte(51), beleza estabelecido entre Juno, Minerva e Vénus e deu a vitória a esta
última, que prometera casá-Io com a mulher mais bela do mundo: Helena,
após ter Iuno proferido, ante os deuses reunidos em conselho,
espôsa do rei de Esparta, Menelau. Daí a guerra de Tróia, na qual Juno
agradável discurso: e Minerva combateram pelos gregos.
(53) Helena.
(54) O rei a que Juno se refere, é Laomedonte, pai de Priíamo; aquêle
(46) Cão que guardava os infernos. Baco foi ao reino dos mortos
recusou-se a pagar a ApoIo e a Netuno, que lhe haviam construído os
para buscar sua mãe, Sêmele. muros da cidade ..
(47) Baco é representado com um chifre, símbolo da fecundidade, da (55) Páris, que fôra hóspede de Helena em Esparta e a levara con-
qual é o deus. sigo para Tróia.
(48) Os heróis mitológicos Pólux e Cástor eram filhos de Júpiter e (56) Filho de Príamo, que chefiou a resistência contra os gregos; foi
irmãos de Helena de Tróia; transportados ao céu, formaram a constelação morto pelo grego Aquiles.
dos Gêmeos. (57) Alguns deuses favoreciam os gregos, outros os troianos; e êles
próprios tomavam parte nos combates.
(49) O sentido da passagem é o seguinte: Augusto, pela virtude da
(58) O "odioso neto" é Rômulo, filho de Marte e da sacerdotisa Rea
justiça e da perseverança, deitar-se-á um dia nos banquetes dos deuses e
Sílvia, que descendia de Enéias e, por isso, é chamada "troiana"; Rômulo
tomará a bebida dos deuses, que é o néctar, com a bôca sempre vermelha,
é dito "neto' não de Marte mas dos troianos, dos quais descendia por parte
isto é, sempre jovem; em suma, tornar-se-á um deus.
da mãe; Juno a princípio transferira a Rômuio o ódio que tinha dos
(50) Foi dado a Rômulo, divinizado depois de morto, o nome de troianos.
Quirino. (59) Maneira de aludir aos romanos, que se criam descendentes dos
(51) Rio dos infernos. exilados troianos estabelecidos na Itália sob o comando de Enéias.
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mais capaz "de desprezar "O ouro não achado - e assim melhor campo inclinado de Éfulo (63) e as colinas "de Telégono, o parri-
guardado pois que a terra o esconde - do que de o recolher cida (64). Deixa a enfandonha opulência e o teu palácio próximo
para usos profanos com a mão que rouba tudo quanto é sagrado, das altas. nuvens; cessa de admirar a fumaça, as' riquezas, o
possa, te.rrível, estender o seu nome largamente, até as mais ruído da opulenta Roma. Os ricos muitas vêzes amam as mu-
-remotas praias, lá onde o mar separa a Europa dos africanos, danças; e os jantares asseados sob o pequeno teto dos pobres,
onde o tímido Nilo banha os campos; desejosa de ver em que sem dosséis e sem púrpuras, muitas vêzes fazem desanuviar-se a
região o calor é furioso, em que região há chuvas e ne.voeiros, fronte inquieta.
chegue ela, com suas armas, até os confins do mundo. Eu, Já o brilhante pai de Andrômeda mostra o fogo antes
porém, predigo tais destinos aos belicosos cidadãos romanos, com oculto, já o Procião e a estrêla do insano Leão se enfurecem (65)
esta condição: que não queiram, por piedade excessiva ou por enquanto o sol traz novamente os dias secos; já o pastor can-
muita confiança em sua potência, reconstruir as casas da velha sado procura, com o lângüido rebanho, as sombras, o riacho,
Tróia: a sorte de Tróia renasceria com funesto augúrio e repe- os bosques do hirsuto Silvano (66), e os ventos não erram nas
tir-se-ia com uma triste matança, enquanto eu, espôsa e irmã silenciosas margens. Tu te preocupas com a organização que
de Júpiter, conduziria as tropas vitoriosas; se o muro de bronze convenha à cidade e, inquieto, receias por Roma, pensando em
ressurgisse três vêzes por obra de ApoIo, três vêzes cairia, der- que coisa preparam os Seres (67) e Bactra (68), sôbre a qual
rubado pelos meus gregos, e três vêzes a mulher prisioneira reinou Ciro, e o discorde Tânais (69). Contudo, um deus pru-
choraria ü marido e os filhos (60)." dente: envolveu em negra escuridão o que há de ocorrer no futuro
e ri se algum mortal teme além do que é justo. Lembra-te de
Isto não convém à minha jocosa lira. 6 Musa! "aonde vais?
ordenar sàbiamente o presente.; tudo o mais é levado à maneira de
Deixa de repetir, obstinada, os discursos dos deuses e de enfra- um rio, que ora corre tranqüilo, no meio do leito, para o mar
que.cer, com pequenas poesias, .os assuntos ,grandiosos (61) Etrusco, ora arrasta consigo pedras corroídas e troncos arran-
-(Carm. m, 3). cados e gado e casas; e os montes e a floresta próxima repercutem

11. UM CONVITE A MECENAS. (63) Cidade do Lácio, perto de Tíbur.


O' Mecenas, neto de reis etruscos, há muito eu tenho" para (64) Alu"são à cidade de Túsculo, no Lácio; segundo a lenda, fôra
fundada por Telégono, filho de Vlisses e da deusa Circe, <l qual matara
ti, em casa, um vinho velho, num vaso ainda não despejado, e o pai a quem não conhecia.
rosas e um bálsamo extraído para os te,us cabelos; não te demo- (65) O pai de Andrômeda - espôsa do herói Perseu - é Cefeu, rei
res nem fiques sempre a contemplar a úmida Tíbur (62) e o da Etiópia, que foi pôsto no céu como constelação; aparece a 9 de julho.
A constelação de Procião surge a 15 de julho e a do Leão a 20. Tôdas,
portanto se levantam na ocasião do verão europeu e, por isso, é dito que
(60) Deve-se entender: as espôsas dos vencidos, feitas prisioneiras, cho- Hse enfurecem".
orariam os maridos e os filhos mortos pelos inimigos. (66) Deus das florestas.
(61) Horácio reconhece que tais temas não convêm ao seu estto, mais (67) Antigo povo da índia oriental.
inclinado a assuntos leves, tirados à vida quotidiana. A mesma idéia é (68) Cidade da Ásia central. Aqui o nome indica o reino dos
expressa em outras passagens (earm. I, 6, 5, e seg.; IV, 15, 1-4). persas em geral.
.(62) Do palácio de Mecenas, sôbreo monte Esquilino, se avistava a (69) Rio da atual Rússia, hoje chamado Don; na antiguidade, às suas
cidade de Tibur e- outras, próximas de Roma." margens habitou o povo dos Citas," ao qual Horácio aqui se quer referir.
20 HORÁCIO ODES 21

o ruído quando a terrível inundação torna furiosas as calmas parte de mim evitará a morte (76). Eu crescerei sempre pela
águas. Será senhor de si e viverá contente aquêle a quem fôr glória futura e serei sempre jovem, enquanto o pontífice subir o
lícito dizer cada dia: "Aproveitei a vida! Amanhã, pode o Pai Capitólio com a silenciosa virgem (77). Dir-se-á que eu, de hu-
dos deuses ocupar com uma negra nuvem ou com sol puro o céu; milde feito grande (78), nascido onde o impetuoso Áufido estre-
mas não tornará vão o que é passado nem mudará ou fará que pita e Dauno, pobre de água, reinou sôbre rústicos povos (79),
não tenha ocorrido aquilo que nos trouxe uma vez a hora fugidia". fui o primeiro a transportar para os metros itálicos a poesia da
A sorte, que se alegra com o seu cruel ofício e persiste em Eólia (80)
jogar o seu jôgo inconstante, muda as incertas honras e ora Assume, ó Melpômone, o orgulho que mereces (81) e, bené-
favorece a mim, ora a um outro" Eu a bendigo se me fica fiel; vola, cinge-se os cabelos com os louros de Delfos (82). (Carm.
se agita as asas rápidas, entrego' o que me deu, envolvo-me na I1I, 30).
minha virtude e procuro a pobreza honesta e sem dote (70). Não
é próprio de mim recorrer a preces mesquinhas se as procelas
trazidas pelo Áfrico (71) fazem mugir o mastro do navio, e nem
fazer promessas a fim de que as mercadorias de Chipre ou de
Tiro (72) não vão aumentar as riquezas do mar avaro (73). Então
um vento favorável e Pólux e Cástor (74), seu irmão, me hão de
conduzir através dos tumultos do Ege.u, seguro numa barca de
dois remos (75). (Carm. lU, 29)
(76) Ao pé da letra: "evitará Libitina". Libitina era a deusa da
morte; ao seu templo deviam ser comunicados os falecimentos e ai esta-
12. EPÍLOGO. cionavam os agentes funerários.
(77) Alusão às vestais, sacerdotisas de Vesta, a' deusa do lar, cujo
Concluí um monumento mais durável que o bronze e mais alto culto tinha grande importância em Roma. Cada mês o· Pontífice máximo
que os régios edifícios das pirâmides, o qual nem a chuva erosiva subia com as vestais à colina do Capitólio para oferecer sacrifícios a
nem o Aquilão furioso poderão destruir, nem a inumerável série Júpiter pela segurança do Estado. No Capitólio havia um templo de
dos anos e o correr do tempo. Não morrerei de todo: grande JÚpiter.
(78) Horácio era de origem humilde, filho de um escravo liberto.
(79) Alusão poética à Apúlia, região do sul da Itália onde nasceu
(70) o poeta receberá em casa a pobreza, como uma noiva honesta Horácio; o Áufido, hoje Ofanto, é o principal rio da região, a qual era
mas sem dote. pobre de água. Dauno, personagem lendário, foi um antigo rei da Apúlia.
(71) Nome de um vento. (80) A expressão "poesia da Eólia" designa, aqui, a lírica grega em
(72) Chipre, ilha da Grécia, e Tiro, cidade fenlcia, eram importan- geral. A afirmação de Horácio não é exata: êle despreza a obra dos seus
tes escalas do comércio romano com o Oriente.
antecessores, os "poetas novos" e Catulo. Mas é certo que êle enriqueceu
(73) Isto significa: promessas para que as mercadorias não se per- a lírica romana com novos metros e novos temas.
cam num naufrágio. O poeta usa tais expressões em sentido figurado,
aludindo aos reveses da vida. (81) Melpômene, musa da tragédia, é aqui nomeada como musa da
(74) Pólux e Cástor (V. nota 48) protegiam os navegantes. poesia em geral; Horácio atribui a ela os méritos da sua poesia.
(75) Enquanto outros recorrem a angustiadas preces, o poeta, que (82) Nos jogos celebrados em Delfos (Grécia), OS vencedores recebiam
é de condição modesta, segue tranqüilo através dos tumultos da vida, pois uma coroa de louros. O loureiro era consagrado a Apoio, que tinha um
não teme os caprichos da sorte e é capaz de aceitar a pobreza. oráculo em Delfos.
EPíSTOLAS 23

,e os gregos pagam pelas loucuras tôdas dos seus reis (90).. Dentro
e fora de Tróia cometem-se erros" com sedições, embustes, mal-
'dades, ,dissolução 'e cólera. Por .outro lado, Homero nos apre-
senta Ulisses (91), para mostrar-nos o q1'lepode 'o valor ea sabe-
,daria; pois que, após haver destruido Tróia, êle, prudente, conhe-
ceu cidades e costumes de muitos povos e, ,enquanto procurava
EPÍSTOLAS voltar comas seus companheiros, 'suportou muitas provações sem
afundar nas ondas da sorte adversa. Tu, Ó Lólio, conheces os
cantos das Sereias e os filtros de Circe (92); se Ulisses, tolo e
ambicioso, os tivesse bebido, te,r-se-ia tornado bruto e inconsciente
1. CONSELHO A UM JOVEM. sob o domínio de uma meretriz ,e teria vividocomb um 'cão
imundo ou um porco amigo do lôdo (93). Nós não, ternos ,êsse
O' Máximo Lólio, enquanto em Roma tu te exercitas na arte
valor e nascemos para comer, como osve~hacos pretendentes de
de falar, eu reli em Preneste o poeta da guerra de Tróia (83).
Penélope (94) e os jovens de Alcínoo.(95), os quais, mais do que
Éle ensina, melhor e mais claro do que Crisipo e Crântor (84),
que coisa é honesta e que coisa é torpe, que coisa é ou não é útil
E, se não te retém alguma ocupação, escuta por que eu penso (90) Agamenão, rei de Micenas e de Argos (cidades da Grécia), era
o comandante geral dos gregos na guerra de Tróia. Tendo aprisionado
assim. O poema, no qual se contra que a Grécia combateu em 'Criseida, filha de Crises, .sacerdote de Apoio, por ela se apaixona e não
longa guerra contra os bárbaros troianos (85) por motivos do quer devolvê-Ia ao pai, que lha pede,. Como ,castigo, Apoio manda aos
amor de Páris, nos faz conhecer as tolas paixões dos reis e dos gregos uma peste. ,Constrangido a devolverCriseida, Agamenão toma ·a
povos. Antenor (86) suge.re que se suprima a causa da guerra (87). Aquiles, um dos principais chefes gregos, a prisioneira d'êste, Briseida.
Aquites, ofendido, recusa-se 'a combater com os seus homens, daí resul-
Que faz Páris? Diz que não pode ser coagido a reinar são
tando grande prejuízo .para os gregos. A cólera de Aquiles e 'Suas conse-
e salvo e a viver feliz (88). Nestor (89) se empenha em conciliar qüências ,é o tema ,central ·da "Iliada". (llion é ,outro nome de Tróia).
Aquiks com Agamenão; êste arde de amor, e ambos, de cólera; (91) Ulisses, um dos principais heróis,' da .guerra de Tróia, rei ,da ilha
'grega de ·ltaca, distinguia-se pela prudência, pela inteligência, pela astúcia.
Sua aventúrosa volta à pátria após o término da guerra é o tema da "Odis-
séia" (Odisseus é o nome grego do herói).
(83) Homero. Ulisses resistiu aos, cantos das
(92) Alusão a episódio da "Odisséia".
(84) Crísipo e Crântor foram filósofos do séc. III a. C. O primeiro 'Sereias; que atraiam os navegantes para os arruinar, ,e aos encantamentos
era estóico, o segundo acadêmico.- da deusa Circe, que o queria reter e~, sua casa.
(85) Os troianos eram julgados bárbaros pelos gregos. (93) Circe, deusa maligna, transformava os homens em animais, que
(86) Um dos heróis troianos que combateram na guerra de Tróia; ficavam, submissos, em redor de sua casa.
muito sábio, era o conselheiro do seu povo. (94 ) Como Ulisses tardasse cem ,regressar de Tróia, 'vários nobres de
(87) Isto é: que se devolva Helena aos gregos. Itaca e dos arredores puseram-se a cortejar-lhe a espôsa, Penélope, e 'ban-
(88) PiÍris não morreria na guerra mas reinaria são e salvo e viveria queteavam-se diàriamente no palácio do rei, dissipando-lhe os haveres. Ao
feliz se devolvesse Helena; mas não o quer fazer. voltar, Ulisses matou-os todos.
(89) Velho rei grego que combateu na guerra de Tróia e era notável (95) Alcínoo; personagem da ·"Odisséia", era reI dos feácios, ·povo
por seus sábios conselhos. lendário muito dado aos prazeres.
H0J;tÁCIO
EPíSTOLAS 25

é justo, se ocupavam em cuidar do corpo e gostavam de dormir puser um freio à sua ira, desejará não ter cometido o que lhe
até o meio-dia e de, ao som da cÍtara,. esquecer os afãs. aconselhou a alma rancorosa enquanto se- empenhava com vio-
Os ladrões se levantam de noite para degolar um homem; lência em dar satisfação ao ódio não vingado. A ira é uma breve
e tu (96) não despertas para salvar a ti mesmo? Mas se não queres loucura. Governa os teus sentimentos, os quais, se não obedecem,
correr quando estás são, correrás quando fores hidrópico (97). acabam por mandar. Retém-nos com freios, trá-Ios acorrentados.
E se, antes que raie o dia, não buscares. um livro e um lume, se O domador ensina o cavalo ainda dócil porque em tenra
não aplicares tua alma aos estudos e às coisas honestas, insone - idade, a seguir o caminho que lhe indica o cavaleiro; o cão de
serás atormentado ou pela inveja ou pelo amor. Por que .te caça se adestra nas selvas desde quando começa a ladrar no
apressas em tirar aquilo que te fere o ôlho mas,· se alguma coisa pátio contra uma pele de veado. Agora que. ég jovem, imprime
te rói o espírito, adias para o ano a ocasião de curar-te? Quem estas máximas no peito ainda puro; entrega-te agora à direção
começa, já faz a metade da obra; resolve-te a ser sábio: começa. dos melhores que tu. Uma ânfora conserva longo tempo o odor
Quem adia o momento de viver retamente faz como o camponês do qual se embebeu uma vez, quando nova. Mas, se tu te demoras
que, a fim de atravessar, espera a água do rio parar de correr; ou vais adiante com muita pressa, eu não esperarei um preguiçoso
a água, porém, corre e correrá veloz por todo o tempo. nem correrei atrás de quem me anda à frente(99). (Epist. I, 2).
Acima de tudo se procura o dinheiro, procura-se, para gerar
os filhos, uma espôsa rica, desbravam-se com o arado as florestas 2. É PRECISO OTIMISMO!
incultas. Mas aquêle a quem coube o suficiente, não deve. desejar
O' .Álbio (100), honesto juiz dos nossos "Sermones" (101),
nada mais. A casa, a quinta, o bronze e o ouro amontoados não
afastam as febres do corpo do senhor adoentado, nem os cuidados que faze,s agora na região de Pedo? (102) Escreves algo melhor
da alma. E' necessário que o possuidor esteja bem para poder que as breves poesias de Cássio Parmense?(103) ou andas pen-
sativo entre as saudáveis matas, meditando sôbre tudo o que é
gozar da fortuna -ajuntada. A casa e as riquezas agradam àquêle
que deseja ou teme, da mesma forma (98) que os quadros aos digno de um homem justo e bom?
Tu não eras um corpo sem alma! Os deuses concederam-te
olhos doentes, os remédios a quem sofre de gôta, a cÍtara aos
ouvidos que doem pela sujeira acumulada. Se um vaso não está a beleza, os ~euses concederam-te as riquezas e a arte de saber
limpo, tudo o que se põe dentro azeda. Despreza os prazeres; é gozá-las. Que mais uma ama pode desejar ao seu caro pupilo
nocivo o prazer procurado com ânsia. O avaro sempre carece de
algo; põe um limite certo aos teus deSejos. O invejoso emagrece (99) Horácio deseja que seu jovem amigo siga a sua orientação. Do
contrário, não mais o aconselhará.
pelas fartas riquezas de um outro; os tiranos da Sicília não con-
(100) A epístola é dirigida ao poeta Álblo Tibulo.
seguiram inventar suplício maior do que a inveja. Quem não (101) Horácio indica com o nome de "Sermones" (Palestras) suas
"Sátirás" e suas "Epístolas" que são, de fato, como que palestras ou com
um amigo ou com o leitor. Aqui se refere às "Sátiras", não estando
(96) O -poeta usa a segunda pessoa mas refere-se aos homens em ainda concluídas as "Epístolas". Ao que se deduz, Tíbulo deu a Horácio
geral. pareceres sôbre as "Sátiras".
(97) Isto é dito em sentido figurado; o movimento era aconselhado (102) A cidade de Pedo ficava no Lácio; Tibulo tinha ali uma
como remédio para a hidropisia. Mas Horácio refere-se à. necessidade de propriedade rural.
o homem precaver-se contra os males morais, os vícios. (103) Poeta elegíaco de importância secundária. Foi um dos assas-
(98) Isto é: não agradam. sinos de Júlio César.
26 HORÁCIO

senão 'que êle seja sensato, saiba dizer o que sente e te.nha em
abundância fama e favores, boa saúde, uma vida elegante. e a
bôlsa cheia?
íNDICE
Entre a esperança e as preocupações, ent!e iras e temores,
deves sempre julgar cada ~ia que surge como sendo o teu último
dia: assim, o tempo que não esperavas ser-te-á mais grato. Apresentação 5
Quando quiseres rir, vem visitar-me: ver-me-ás gordo e bem EPODOS:
disposto, com a pele bem tratada, como um porco da grei de l. 7
Contra um novo rico (Ep. IV) .
Epicuro! (Epist. I, 4)
2, Votos a um inimigo (Ep. X) . 8

ODES:
l. A vida é breve. (I, 4) . 9
2. Sôbre um amor nocivo (I, 8) . 10
3. É tempo de amar! (I, 23) . 10
4. Como encarar a dor (I, 24) . 11
5. Falsas juras de amor (lI, 8) . 11
6. A áurea moderação (lI, 10) . 12
7. Gozar enquanto é tempo! (lI, 14) . 13
8. É tola a ambição (U, 18) . 14
9. Ode a Baco (U, 19) . 15
10. A Augusto (lU, 3) . 16
1l. Um convite a Mecenas (lU, 29) . 18
12. Epílogo (III, 30) . 20

EPÍSTOLAS:
1" Conselho a um jovem (I, 2) 22
2. É preciso otimismo! (I, 4) 25

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