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TRIBUNAL DE JUSTIÇA

PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Registro: 2018.0000898589

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº


1023567-88.2017.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
MANOEL JOAQUIM BONFIM (JUSTIÇA GRATUITA), são apelados
PLANACON ADMINISTRAÇÃO DE IMÓVEIS LTDA. e PREFEITURA
MUNICIPAL DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso.
V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores


SIDNEY ROMANO DOS REIS (Presidente) e LEME DE CAMPOS.

São Paulo, 22 de outubro de 2018.

SILVIA MEIRELLES
RELATORA
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo

Apelação: 1023567-88.2017.8.26.0053
Apelante: MANOEL JOAQUIM BONFIM
Apelados: MUNICIPALIDADE DE ESTADO DE SÃO PAULO e
OUTRO
Juíza: ALEXANDRA FUCHS DE ARAÚJO
Comarca: SÃO PAULO
Voto: 11.620 E*

APELAÇÃO Ação de obrigação de fazer


Regularização de loteamento e execução de obras de
pavimentação Ausência de regularidade formal do
recurso não verificada - Legitimidade ativa constatada
– Inteligência do art. 14, II e III, da Lei 13.465/17
(REURB) Impossibilidade de ingerência do Poder
Judiciário no presente caso Inexistência de omissão do
Poder Público que autorizaria a ingerência
Manutenção da r. sentença que se impõe, nos termos do
art. 252 do RITJ Recurso improvido.

Trata-se de apelação interposta por MANOEL


JOAQUIM BONFIM contra a r. sentença prolatada a fls. 327/331 que,
nos autos da ação de obrigação de fazer, consistente na regularização de
loteamento e execução de obras de pavimentação, julgou improcedentes
os pedidos, entendendo pela impossibilidade de ingerência do Poder
Judiciário nesta seara que incumbe à Administração.

Inconformado, apela o vencido (fls. 338/345),


sustentando, em síntese, os mesmos argumentos expostos em sua
inicial.
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Contrarrazões a fls. 349/535, arguindo,


preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso e pela ilegitimidade
ativa do autor e, no mérito, pugnando pela manutenção da
improcedência da ação.

É o relatório.

Trata-se de recurso interposto contra a r. sentença


que julgou improcedente a pretensão inicial consistente na regularização
de loteamento e execução de obras de pavimentação.

Alega o autor ser residente, desde 2002, no Lote 06,


Quadra 52, do loteamento da Fazenda da Juta, regularizado
tecnicamente perante o Município, através do Procedimento
Administrativo n.º 1992.0.004.052-7, restando pendente a regularização
registraria que tramita perante a 1ª Vara dos Registros Públicos de São
Paulo.

Aduz que, solicitada informação perante a


Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, teria lhe sido
informado, em 2014, que seu lote teria sido contemplado no programa
"Lote Legal".

No entanto, a pavimentação da via não foi efetuada


até o presente momento.
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Por esta razão, requer a condenação das rés à


regularização do loteamento e à execução de obras de pavimentação,
com pedido liminar.

Primeiramente, não prospera a preliminar de


ausência de regularidade formal do recurso pela inobservância do art.
1.010 do NCPC, uma vez que as razões recursais são suficientes para
impugnar os termos da r. sentença.

Desse modo, rejeita-se a preliminar.

Igualmente, não prevalece a alegação de


ilegitimidade ativa, conforme bem pontuou a juíza sentenciante.

Isto porque, por mais que a pretensão inicial


envolva nítido interesse coletivo, a Lei 13.465/2017 (REURB)
autorizou o ajuizamento deste tipo de ação de forma individual,
conforme se vê em seu artigo 14, incisos II e III:

“Art. 14. Poderão requerer a Reurb:


II - os seus beneficiários, individual ou coletivamente,
diretamente ou por meio de cooperativas habitacionais,
associações de moradores, fundações, organizações sociais,
organizações da sociedade civil de interesse público ou
outras associações civis que tenham por finalidade atividades
nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização
fundiária urbana;
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III - os proprietários de imóveis ou de terrenos, loteadores ou


incorporadores.”

Assim, resta clara a legitimidade ativa do autor,


motivo pelo qual se rejeita esta preliminar.

No mérito, com todo respeito às argumentações


trazidas pelo apelante, a r. sentença merece ser mantida integralmente
por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do artigo 252, do
Regimento Interno deste Egrégio Tribunal: “Nos recursos em geral, o
relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão
recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”,
com respaldo no Colendo Superior Tribunal de Justiça (REsp nº
662.272-RS, j. de 04.09.07, Rel. Min. João Otávio de Noronha, dentre
outros precedentes).

À evidência que a pretensão, na verdade, substitui o


poder de comando do administrador público, pela administração feita
pelo autor, com o respaldo do Judiciário.

Sem dúvida alguma, o pedido, após a demonstração


das providências tomadas pela Administração Pública, não pode ser
admitido em juízo, dada a clara infringência ao princípio da tripartição
de poderes.

Com efeito, o artigo 2º, da Constituição Federal,


instituí um dos princípios fundamentais da República Federativa do
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Brasil que é a independência entre os três Poderes de Estado.

Tal princípio de independência e harmonia entre


eles constitui cláusula pétrea, não sendo modificável nem por Emenda
Constitucional, como estabelece o artigo 60, § 4º, inciso III, da Magna
Carta.

Dentro deste sistema tripartite, incumbe ao Poder


Executivo a tarefa precípua de administrar.

Assim, o administrador público, ao gerir o


patrimônio público, dentro da esfera de sua competência, tem poderes
para gerir a coisa pública.

Quanto a este aspecto, incumbe ao Município


planejar e executar as atividades, e promover programas de políticas
públicas ligadas à regularização fundiária urbana, bem como a forma de
efetivação, que se mostrar mais eficiente.

Assim sendo, incumbe ao Município, dentro dos


limites impostos pela Constituição Federal e Estadual e pelas leis,
organizar e gerir tais atividades, estabelecendo as prioridades em
conformidade com os critérios de conveniência e oportunidade.

Isto porque esta questão envolve políticas públicas,


cujo titular da decisão relativa à aplicação do dinheiro público pertence
ao Poder Executivo, e não ao Judiciário, sendo este incompetente para
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tanto.

Não há dúvida de que o administrador deva agir em


conformidade com a legalidade, não sendo admissível a este que,
alegando o critério discricionário, passe a cometer desvios e abusos que
resultem em ilegalidade.

Porém, o nosso ordenamento jurídico tem outros


meios judiciais cabíveis para fins de punir a conduta ilegal e abusiva do
administrador público quando, pela má gestão da coisa pública, se
verifique o claro desvio ou mal emprego de verbas públicas.

Tal correção não se faz através da ação de


obrigação de fazer, substituindo-se a vontade do administrador pela
vontade do particular, por determinação judicial, eis que, se assim fosse,
estaria violado o próprio princípio democrático, que pressupõe a
legitimidade do administrador eleito pelo povo, para governar em nome
daquele povo que nele confiou para o fim de gerir a coisa pública.

Esta correção se faz através de outros meios legais,


tais como, a ação de responsabilidade por improbidade administrativa e
a ação popular, cuja titularidade se encontra elencada na lei.

Assim, se dentro da verba legal destinada às


políticas de regularização urbana e de pavimentação, o administrador
municipal, utilizando-se de seu critério discricionário na sua aplicação,
comete desvios que venham a prejudicar tal sistema, responde ele por
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sua atitude.

Responde igualmente se deixa, sem justo motivo ou


com motivação inidônea, de implementar as obras necessárias para a
sadia convivência dos espaços urbanos (o que não se demonstrou neste
caso).

Isto, contudo, não autoriza ao Judiciário intervir na


Administração, determinando onde, como e quando tais e quais verbas
devam ser aplicadas, mediante sanção.

Tal pedido, além de ferir o princípio da Separação


de Poderes, também resultaria em situações de difícil justificativa.

Isto porque, do mesmo modo que podem ter sido


constatadas irregularidades nesta área, também poderiam ser
constatadas outras deficiências e irregularidades em inúmeras outras
localidades e nas mais diversas áreas de atuação acometidas ao
administrador público estadual (saúde, educação, transportes, etc.).

Ora, qual o critério que pode informar ao Judiciário


que neste caso deve a Administração aplicar suas verbas e não em
outras áreas? Nenhum. Somente a própria Administração, que concentra
todo o controle administrativo e a quem incumbe administrar, é que
pode saber quanto de verba tem e onde aquela é mais necessária a fim
priorizar a aplicação de recursos públicos, distribuindo-os
adequadamente.
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Assim, verifica-se que o papel do Judiciário, dentro


do sistema tripartite, é corretivo e a posteriori, ou seja, se não aplicada
devidamente tais verbas, e, uma vez apurados os desvios,
irregularidades e ilegalidades cometidas pelo administrador,
responsabiliza-se aquele que tinha a obrigação de zelar pela coisa
pública e não o fez, mas jamais pode o Judiciário, a despeito de corrigir
ilegalidades, substituir o administrador público em seu papel que lhe é
precípuo, estabelecendo prioridades para a aplicação dos recursos
públicos, tal como pretendem o autor nesta ação.

Postas estas premissas, no caso, verifica-se que


embora haja o Processo Administrativo n.º 1992-0.004-052-7, no qual
foi efetivada a regularização do loteamento denominado Fazenda da
Juta, o lote onde o apelante reside não pode ser regularizado em razão
de estar localizado em área de preservação permanente de curso d'água.

Outrossim, a Municipalidade informou que é


necessária a elaboração de projeto de urbanização para fins de
regularizar o referido lote, com a finalidade de se verificar as obras
necessárias de infraestrutura, eventuais riscos existentes e a
possibilidade, ou não, de consolidação das moradias ali existentes.

Note-se que a pretensão do autor esbarra na


existência de área de preservação permanente, ou seja, no meio
ambiente, o qual deve ser preservado para as presentes e futuras
gerações, o que impede que o Poder Judiciário, sem qualquer parâmetro
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técnico, determine a regularização forçada e a pavimentação de área


que, talvez, nem mesmo seja habitável.

Daí porque, diante da postura adotada pela


Administração Pública, que demonstrou que não ocorreu a
regularização do lote pelo fato deste estar localizado em área de
preservação permanente, não há qualquer motivo que autorize o Poder
Judiciário a se imiscuir no campo das políticas públicas, sob pena de
causar disfuncionalidade entre os sistemas (Niklas Luhmann).

Outrossim, a pretensão inicial ainda encontra óbice


na questão relativa às despesas sociais do município, as quais devem ser
geridas, impreterivelmente, pelo Administrador Público, conforme
acima se expôs, que foi eleito democraticamente, e não pelo Poder
Judiciário.

Sendo assim, mantém-se a r. sentença por seus


próprios e jurídicos fundamentos.

Diante da questão ambiental levantada nestes autos,


extraia-se cópia integral dos autos e remeta-as ao Ministério Público.

Ressalto que o presente acórdão enfocou as


matérias necessárias à motivação do julgamento, tornando claras as
razões do decisum, e rebatendo todas as teses levantadas pelas partes
capazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador, em observação
ao que dispõe o artigo 489, § 1º, do NCPC (STJ. EDcl no MS 21.315-
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DF, julgado em 8/6/2016 - Info 585).

Todavia, para viabilizar eventual acesso às vias


extraordinária e especial, considero prequestionada toda matéria
suscitada, observando-se que não houve afronta a nenhum dispositivo
infraconstitucional e constitucional.

Ante o exposto, pelo meu voto, nega-se provimento


ao recurso.

SILVIA MEIRELLES
Relatora

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