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ALHEAMENTO

Aqui jaz sob


Sono de
Retorno algum.

Aqui jaz. Folhas


Ao longo e ao largo
Sonhas
Simples números, traços, coisas
Simples.

Tens pouca luz, tens


Bastante;

Entanto

Nadas – íris verdes –


Juras.

À ORIGEM

A ti disseste enquanto nada:


– Íntima figura do
Divino, desiste da forma
Desta extinguível Língua.

Quando o silêncio volte,


Relutante, também haja, talvez,
Além da água puríssima que
A terra inunda, algo, ou
Alguém, que a origem funde.
EXPLICAÇÃO

Amor ...

Desisto.

PSICOTECELAGEM DA VIDA COTIDIANA

Se não tiro das idéias


A singela tecelã...

Oh, tão bela tecelã,


Teça as bordas da manhã
Teça as bordas feito teias,
Feito veias, feito lã.

Se não tiro das idéias


A singela tecelã
Algum motivo deve haver?

Ouvi dizer que deve haver.

FINIS OPERAE

Estar em descanso. Dedilhar no piano


Do qual as cordas cortara. Percebes
O trágico é
Insustentável.

Estar descansado. Nada,


Nada recorda;
Iças.
Raio origem,

Céu robusto de contrátil


Luz.
ESMORECER

Vai

Vai

Vai

Verbo irritado
Curva de suspiro e barro

II

Rio que desboca agora


Carrega de mãos dadas
Dois bocados de silêncio

Não por saber que a fala


Fraco borbulhar de gênio
Tenta irromper na trova

Vão pensamento

VÊ-LA NASCER, tocá-la ao acaso as mãos,


Os pulsos de ilegíveis saudades. Então,
Vivê-la; contudo sem pressa, sem gosto,
Sem cartografia que nomeie seu rosto,
Sem nem ao menos pensá-la. Enfim, calá-la
Com um sonho antigo no fundo da alma:
Estrelas ao longe desta paisagem cadente,
Desta tela a ensiná-la o que falta e o que sente.

Nos gestos da via sem origem ou ocaso,


Não tê-la nunca e todavia velá-la.
ÍGNEO

Do alto deste dia por onde alguma luz se difunde,


Sombras de maio ecoam perante a tarde.

A cerejeira acena com suas flores –


Trêmula e vacilante sobre cânticos que o solstício embaraça.

Embaraça certa obliquidade sonora


Ceres na semente. Ceres que fazes crescer com palavras.

Dizes paisagens cinabre; partes da tarde.


E,
Ébria de sono, fundas teu Nome.

CALIGRAFIA

Não imaginas linguagem alguma –


E a manhã rompe como uma ferida em teus lábios.
Tua boca se abre, apenas uma palavra sangra
Enquanto passa o dia.

Sépala: na casa do esquecimento afundas.


Folhas no chão e sombras da folhagem das árvores
Por onde o caminho vaza. A noite
Não precisa de estre-

Las. Riscam a areia tuas folhas,


Uma palavra ainda tem
Luz:
Nada está perdido.
RATIO

O dia por que Letes passa é este poema. O branco


Dorme em cada raio do amanhecer.
A morte, que só cessa, nenhum senão, vastos sentidos.

Sê: breve nem a vida, ou somente,


Tão logo tarda, tarde.
Raias.

Tudo faz sentido e há


Na conclusão do mundo, mas sem razão tua memória flui
No escuro e te escapa.

Tudo é vasto e faz sentido ou


Não: teu corpo inteiro a desde então se contorcer: face, torso, sentido.

Perene o rio, o lastro, segue, ou traços colossais do sol no ocaso, dormes.


Solenes, claro, claras, por tuas margens impercorríveis
Pedras, lápides: a mesma e outra imagem.

PARALELA MALLARMÉ

Entre a Aurora e a Alvorada uma linha de azul fina e pálida traça –


Nasce sob o céu, no entanto –
Um círculo que existe e em seu centro – como do poema um lago, um véu –
Jazes qual o que na vida há de profuso e simultâneo.

Queres despertar como um sopro, de uma vez,


Ou da relva levantar como o verbo reverbera,
Pois num esboço de espaços a delinear teus contornos
Exibes no rosto o que poema algum concebe.

Nem o vento que te abraça te expande ou te revela,


Nem tuas costas, estes mapas para acervos de saudades,
Não te legam sem fronteiras e sem leis.

Uma linha de azul fina e pálida traça um círculo:


E em seu centro te elide – e te estreita e te enleia sem te ler –
Entre o Anseio e a Angústia de tuas páginas em branco.
AS HORAS, TUAS

Sem causa, deusas,


No grande espaço de não haver nada –
Ártemis, Atená, Héstia –,
No grande barulho do mundo,
Álamos, anos,
Liras de cada céu em que sopras teus cantos,
Chamas, rios de tua infância, metáforas sem qualidades.

Depois, estás cingida, opressa pela solidão da linguagem.


Sem deusas, cores, em horas rarefeitas sonhas,
Anoiteces como quem ama tudo aquilo que ama
E de teu ser nunca consciente arrancas,
Para além do reino antigo de tuas nuanças,
Muralhas de um dia que nunca sabes,
Memórias, versos, lâminas.

COMO DAS NUVENS O TEU RAIO

Há em teu rosto inerte


Algo de hieroglífico (de
Indecifrável) que por todo
Instante basta.

Há em teu rosto algo


Que também passeia pelas
Tuas mãos – há uma renúncia
Trágica que não alude a nada.

E como quem sabe das palavras


Mas limita-se a sorrir,
Deixas de teu rosto Algo
E as memórias ermas daquele

Verão em que escrevias, propondo,


Pois, tuas feições por horas:
Desejo mais ver
Do que dizer.
LEMBRANÇAS
a Max Martins

Cadeias de esquecimento com jogos de esquecimentos


Com flores: aprender este poema, cruzar
Suas margens.

Jogos inúteis, flores e esta sequência impossível de sons:


Perder/Sonhar. Tuas damas jogas e distantes
Sombras lanças – este jogo.

De esquecimento, não, tua palavra,


Não, reflexos: neste espelho, não, neste jardim
Perplexo e sem fundo.

Cadeias, margens do rio que és – Não/Sim –, luzem,


Luzes: folhas caem, nascem. Flores silentes
Por ti crescem na Aurora –

Na Aurora além das flores, Ouro é teu sono,


Glória sob o medo incontrolável
Destas paisagens,

Jogos inúteis – todo poema – cadeias


De esquecimento,
Margens.

AINDA

A eternidade. As palavras sem sombra,


Os nomes dormem balbuciando a pronúncia em tua boca.
Teus cabelos e tu entregues ao devaneio e soltos
Como folhas de uma árvore caindo em esquecimento.
Na raiz do dia, sob, no éter da saudade,
Nos muros a calar a cidade em que sonhas

– interrompida.
LAR

O tempo que não cessa passa


Rente à margem lento de gestos
Que te nas mãos estancam.

Não há mudanças. Apenas há teu corpo


Na infância de uma sala sem portas,
Ainda sem janelas e discrepantes

Amputados pés. Nada lança tua Alma


Ao futuro incerta ou a alcança quando
Prestes a mergulhar aonde a nunca ergam.

A negra noite te decorre. Em ti


Adentro é pequena e existe enquanto
Imagens tuas escorrem sucessivas

Noutras, antes do crepúsculo de qualquer


Pensamento, antes, em nada crível, num
Sonho ressonante de passos, inocupável.

ANDROMEDAE

Não há razão.
Há, quando muito, estrelas, saudades.

Abres um livro. Quantas constelações te não acolhem.


Com teus cabelos de ouro desejas que seja esta
A morada que procuras,
A palavra que existe mas escorre pelas mãos.

Tens uma recordação apenas, quando luz, e cega,


Para que venham. Guardas qualquer lembrança feito uma cor,
Ainda que morta,
E a ela segues com o fogo-fátuo de tua voz.

Nem as mais brilhantes estrelas, nem as mais vorazes


Saudades: tudo falta – Amor/Tempo.
Restam teus cabelos de cinza com que te inclinas
Sobre a vida tornando a face para o céu.
AO ACASO

Em profunda fonte soam tuas estrelas.


Noite silenciosa e cinzas feito um corpo esvaído
Sobre o qual se erguem os dias do futuro.

Teus sonhos segues a cidade que são,


Íntima e adiante, quanto mais lenta fores
Rumo a tua morada ou Ítaca.

Não importa o teu chegar, mas o ir pela poeira dos dias,


Pelas aporias e flores ao fundo de uma tarde violenta,
Pela ideia que tens da tua chegada em euforia.

Profundo é o sofrimento do mundo,


Em manhã ou noite luminosa,
A morte e o sono irmãos.

QUANDO DORMES precária como o dia,


Assinalada por tão densa luz,
Carregas um peso somente teu.
Quando, à margem de qualquer figura
(como esta em que remota finges)
Segues despreocupada em teu sono,
Em lugar algum perguntam por ti.
Quando pendes ebúrnea, silenciosa,
Ébria – num momento antes do gesto
Límpido de um pássaro que não sofras –,
Tornas-te calmamente este dia.
E nenhum alísio sopra em teu peito,
Nenhum sonho ou cinzel ousa talhar
O mínimo detalhe em que acordas.
A BELEZA QUE TENS, não a que dás,
Roça a eternidade nos meus olhos.
Sob as árvores, da sombra que a Natureza concede,
Sinto os teus dedos leves repousarem em minha nuca.
Teus lábios breves – a tua pele –
A minha voz dispersam: instantes da tarde.
Sobre meu peito deitada lanças tua sombra, teus cabelos,
A beleza que tens: é efêmera e me basta.

ANTES DE VER a grande beleza


Dos teus olhos mal abrindo –
Qual infância despertou daquele sonho?
Qual saudade se afogou feito criança?

Qual um sono só errância: chega aos dentes – qual um soco?


Aos mares da memória – qual socorro?
Às raízes da infância – qual fissura a reabrir a terra –
Qual cesura a discernir em sopro o soluço desta estança?

Antes de ver fechas teus olhos


À grande beleza, ao cio das lembranças,
Ao fogo-fátuo do visível, estes fogos de artifício –
Chamas.
QUANDO BALBUCIAS tuas sílabas
E eu te devolvo a noite,
Estás em minha boca e tua língua
É minha língua.
Quando fremem os teus lábios
E eu os toco com a carne,
Estou já sobre teu corpo e teu corpo
É meu corpo.
Quando impera o silêncio
E meus olhos os teus tão perto,
Estamos juntos entre as pernas, existimos,
Somos nossos.

MEU OLHO SE ABRE como ferida,


Abre-se como tua boca incerta,
Porto íntimo em tua fronte.
Abre-se em falhas e lágrimas,
Abre-se em fenda, chaga impossível,
Abre-se de tua cicatriz, como um livro,
Abre-se como tuas pernas
Que me apertam inconsútil
Até que cedo e me achego cego
Em derradeiro afã
À fonte que ao se dar
Me suga por completo,
Que me sutura vivo
Da noite até de manhã cedo.

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