Você está na página 1de 19

1

ESTRUTURAÇÃO

TÓPICO 10

PROFESSOR: ME. MARÇAL FERNANDO CASTELLÃO


2

INTRODUÇÃO

Caro aluno(a),

Na aula passada estuamos o conteúdo teórico tonalidades vizinhas e modulação. Como parte
deste conteúdo abordamos as notas características da tonalidade principal e as notas diferenciais
das tonalidades vizinhas. O objetivo deste estudo foi capacitá-lo à identificar as modulações que
ocorrem comumente nas peças binária e ternária, identificar a tonalidade em que ocorre a
modulação e a entender a organização tonal das pequenas e grandes formas que serão
abordadas no próximo módulo.
Nesta aula, iremos estudar a pequena forma binária. As músicas binárias apresentam duas
seções e cada seção apresenta diretrizes melódicas, harmônicas e tonais a serem seguidas. Em
função disso, vamos discutir e analisar, processos estruturais de desenvolvimento temático e
coerência musical-tonal através do repertório proposto.
Vale ressaltar a importância de ouvir os áudios e relacionar o texto sobre as análises com a
música dos exemplos.
3

A PEQUENA FORMA BINÁRIA E TERNÁRIA

Tópico 10 – A pequena forma binária

Antes de iniciarmos a exposição do conteúdo, precisamos recapitular algumas informações:


Vimos anteriormente que uma música curta pode apresentar duas ou mais frases, desse modo,
esta música equivaleria à primeira seção de uma música binária. Vimos também que a frase é
construída a partir do motivo ou membro de frase e a segunda frase irá trabalhar com os mesmos
elementos estruturais contidos na primeira frase (geralmente).

Sob essa perspectiva, as frases são formadas por 2, 3 ou 4 membros de frase que por sua vez,
podem apresentar 2, 3 ou 4 motivos. Isso gera uma extensão muito variada da frase partindo de 4
compassos à 16 compassos. Para iniciar o estudo da forma, iremos apenas considerar exemplos
musicais cujas frases apresentam 2 membros de frase de dois compassos por ser essa
organização, a mais encontrada na música. No entanto, se houver a necessidade de apresentar
outros tipos de organização, irei contextualizar devidamente.

A harmonia exerce uma influência importante neste contexto, ela irá colorir as frases através do
encadeamento e produzir as cadências onde residirá o significado das frases. A relação entre as
cadências e o material temático (rítmico-melódico) irá obedecer a diretriz tonal que estudamos na
aula passada em tonalidades vizinhas, desse modo, as cadências irão expressar uma tonalidade
através de conclusão ou suspensão ou modular para outra tonalidade. Desse modo, existe certa
limitação nas possibilidades de modulação e de cadência que são específicas para cada uma das
seções de uma música. Portanto, a seguir, iremos iniciar o estudo da forma musical conhecendo a
forma binária.

Informações gerais sobre a forma binária

Abaixo, tecerei alguns comentários sobre tipos de binário de maneira geral. Apresentarei alguns
termos que serão conceituados e exemplificados ao longo dessa aula ok? A forma binária é toda a
música que pode ser organizada em duas seções. Existem três maneiras de se realizar uma
música binária:

1- Duas seções onde a segunda é, essencialmente uma repetição com ou sem variação da
primeira. Esse tipo de música gera o esquema AA ou AA’. Esse tipo de binário utiliza os
procedimentos de Exposição e Reexposição.
4

2- Duas seções onde a segunda é essencialmente diferente da primeira seção. No entanto,


espera-se que a segunda seção apresente os mesmos motivos encontradas nas frases da
seção A. A seção B pode ainda apresentar uma mescla de motivos novos com motivos
oriundos da seção A. Esse tipo de binário apresenta os procedimentos de Exposição e
Desenvolvimento.
3- Duas seções formadas a partir do conteúdo melódico e harmônico, mas com três
procedimentos estruturais. Esse tipo de binário é conhecido como binário com
recapitulação e é representado pelo esquema A:BA’. A segunda seção apresentará um
material novo derivado da seção A, e, conectado à seção B tem-se a reexposição da
última frase de A ou de todo o A.

As seções da música são representadas por letras maiúsculas1. Letras iguais indicam repetição.
Quando uma linha é acrescentada a uma letra igual, indica que a repetição apresenta
modificações (variação) que não alteram o significado harmônico e melódico da seção. Letras
diferentes indicam seções com conteúdo melódico, tonal e harmônico diferentes. Essas estruturas
diferentes, podem ou não compartilhar padrões rítmicos ou melódicos apresentados
anteriormente.

No parágrafo acima, eu mencionei significado. O que consiste o significado no contexto da


forma musical? O significado irá afetar os elementos ritmo, melodia, harmonia e tonalidade. Sob
a perspectiva do ritmo, o significado consiste em quão semelhante ou divergente dois padrões
rítmicos são. Na melodia, o significado tem a ver com o perfil melódico (linha melódica) e os graus
da escala envolvidos. Na harmonia o significado é fruto principalmente da cadência, mas envolve
também o encadeamento harmônico. O sob a esfera tonal, o significado consiste na tonalidade
que está sendo expressada através dos elementos anteriores.

Vamos, então, começar a analisar alguns exemplos musicais para podermos entender como essa
teoria irá ocorrer na prática:

Exemplo musical 1: Primavera de Antonio Vivaldi.

https://www.youtube.com/watch?v=kPaUtnJTMn8 Assista ao vídeo até 1:18

1
Motivos e membros de frase são representados por letras minúsculas.
5

Motivo 1 Motivo 2

A primavera do compositor italiano Antonio Vivaldi está na tonalidade de Mi maior. A primeira


frase termina no c.3, portanto, é uma frase de 3 compassos apenas. A frase ficou com apenas 3
compassos porque o compositor utilizou um compasso errado para esta música, o correto seria
2/4, isso faz com que o número de compassos por frase dobre (mais informações na videoaula). A
primeira frase é repetida formando a primeira seção da música, seção A. A seção deste tema
apresenta duas frases iguais. Repetir a primeira frase para formar a seção A de uma música é um
recurso bastante utilizado pelos compositores.

Volte à partitura e veja que inseri uma chave para indicar o primeiro membro de frase. Observe
que o segundo membro de frase apresenta estrutura melódica e rítmica muito semelhante
(variação do primeiro membro) e o terceiro membro modifica um pouco mais a estrutura melódica
e rítmica do primeiro membro mesmo assim, é possível ainda, sentir a semelhança estrutural nos
três membros de frase (o 3º apresenta mais mudança na linha melódica e harmônica).

A harmonia nos dois primeiros membros consiste numa prolongação do acorde de tônica (E). No
terceiro membro de frase (MF) há uma progressão da tônica (E) para a dominante (B), portanto a
cadência é à dominante. Vejamos o quadro estrutural:
6

Frase 1 da seção A Organização tonal: Mi maior


Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3
c.1 c.2 c.3
1 333215 54 333215 54 345 4 3 2
E E E A A#º B
I I I IV VII V Cad. à
domin.
Apresentação duas frases procedimento de repetição

A segunda frase foi repetida, portanto, apresenta a mesma estrutura descrita no quadro da frase 1
acima.

As próximas duas frases pertencem à seção B da música. Observe que seus motivos são
derivados da primeira frase, embora não sejam totalmente idênticos. Há diferenças marcantes no
perfil melódico e a harmonia explora o acorde de lá maior diferenciando o encadeamento desta
frase em relação à primeira seção. Desse modo, conclui-se que a seção B é diferente de A, mas
foi construída a partir dos motivos presentes na primeira seção. Quando isso ocorre temos um
contraste por desenvolvimento. O termo contraste ressalta a diferença entre as seções e o termo
desenvolvimento ressalta que a estrutura nova foi criada a partir de materiais musicais presentes
na primeira estrutura. Vejamos o quadro estrutural da primeira frase de B

Frase 1 da seção B Organização tonal: Mi maior


Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3
c.4 c.5 c.6 C7
1 54345 65 1 54345 65 1 65 43 212 1
E A E E A E A E E/B B E
I I IV I I V I cad.perfeita
Contraste por desenvolvimento. Duas frases – procedimento de repetição

A segunda frase de B também foi repetida, portanto, é idêntica à primeira frase. No entanto, por
causa do compasso errado, a primeira frase compreendeu os c.4-7 (4 compassos) e a segunda
compreendeu os compassos 7-10 (4 compassos). Veja que a resolução do problema do
compasso foi contar o compasso 7 duas vezes (como término da primeira frase e como início da
segunda frase da seção B.

Para terminar a análise, vamos analisar a relação tonal da música. A seção A apresenta uma
cadência à dominante no tom de Mi maior pois termina no acorde de B que é a dominante
deixando a seção A “aberta” ou suspensa. Isso faz com que seja necessário que a seção seguinte
7

apresente uma cadência conclusiva para “fechar” ou concluir a música. É exatamente isso que
ocorre na seção B.

Embora tenha ocorrido uma modulação passageira no compasso 3, essa modulação não se
concretizou pois o início da seção B mantém a tonalidade de Mi maior (principal). Vamos ao
próximo exemplo:

Síntese. O tema de Primavera das quatro estações de Antonio Vivaldi apresenta 4 frases. As duas
primeiras frases formam a primeira seção e as duas últimas formam a segunda seção. A primeira
seção é formada por duas frases iguais, portanto houve o procedimento de repetição empregado.
A segunda seção (B) é diferente da primeira, mas foi construída pelos mesmos motivos que foram
repetidos e variados, portanto, houve o procedimento de contraste por desenvolvimento. Além
desse procedimento estrutural, há também a repetição ocorrendo na seção B uma vez que a
segunda frase de B é uma repetição da primeira.

Exemplo musical 2: Greensleeves Ouvir até 0:50.

https://www.youtube.com/watch?v=qwe7LTlvWx8

A música está na tonalidade de lá menor apresenta 4 frases musicais de 4 compassos cada. As


duas primeiras frases formam a seção A e as duas últimas frases formam a seção B. Vamos
analisar então as frases que formam a seção A.
8

A primeira frase de A é formada por dois membros de frase que apresentam o mesmo padrão
rítmico, contudo, apresentam perfil melódico e movimentos harmônicos diferentes. A cadência da
frase 1 é à dominante deixando a conclusão da frase “aberta” (suspensa). Vejamos o quadro
estrutural da primeira seção.

Seção A c.1-8 Percurso tonal Lá menor


Frase 1 Frase 2
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8
134565 427 2 3 1 1 7# 1 2 7# 5 134565 427 2 3 2 1 7# 6# 7# 111
Am G F E Am G F E Am
I VII VI V cad à domin I VII VI V I cad perf
Apresentação: tema binário forma período.

Agora, analise a segunda frase da seção A e a compare com a primeira frase observando
semelhanças e diferenças.

O membro de frase 3 é igual em ritmo, linha melódica e harmonia ao membro de frase 1, ou seja,
a segunda frase começa do mesmo modo que a primeira. Já o segundo membro da frase 2 é
diferente dos anteriores. O padrão rítmico é diferente, mas considera-se que ele é derivado dos
motivos iniciais. O perfil melódico e a harmonia se modificam para mudar a cadência e concluir a
seção A na tônica. Portanto, diferente do tema musical de Vivaldi, a seção A de Greensleeves
está “fechada” pois houve a conclusão perfeita. Se a melodia fosse apenas a seção A ela soaria
completa, coerente em termos musicais, mas há uma segunda seção, então, agora, vamos
analisar como a segunda seção é inserida de modo a complementar uma estrutura que já é
completa musicalmente.

A segunda seção também é formada por duas frases que são muito semelhantes entre si
diferenciando-se apenas pelas finalizações (segundo membro de frase de cada frase). Volte à
partitura, e agora, analise a frase 3 da música em relação à frase 1. Observe que o primeiro
membro da frase 3 c.9-10 é diferente em termos rítmicos da frase 1, mas apresenta semelhanças,
portanto o primeiro membro de frase da seção B é derivado da seção A. O segundo membro de
frase da seção B é idêntico em padrão rítmico, perfil melódico e harmonia ao segundo membro de
frase de A. O terceiro membro de frase de B é idêntico ao primeiro membro de frase desta mesma
seção. E por fim, o quarto membro de frase de B é idêntico ao quarto membro de frase de A,
então vejamos o quadro estrutural da segunda seção da música.
9

Seção B c.8-16 Percurso tonal Dó maior – Lá menor


Frase 1 Frase 2
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c.14 c.15 c.16
7765 427 2 3 1 1 7# 1 2 7# 5 7765 427 2 3 2 1 7# 6# 7# 111
C G F E C G F E Am
III VII VI V cad à domin III VII VI V I cad perf
Contraste por desenvolvimento. Tema binário forma período

Os membros de frase 1 e 3 apresentam os acordes de C e G que embora façam parte do campo


harmônico de Lá menor, caracterizam a tonalidade de dó maior “parecendo” que houve uma
modulação. Por que mencionei “parecendo” uma modulação? Porque, para haver uma
modulação é necessário a conclusão dominante-tônica e isso não ocorreu. Observe que não
houve encadeamento G-C e sim o contrário. De todo modo a mudança do encadeamento Am-G
para C-G somado à variação no padrão rítmico e melódico faz com que a segunda seção pareça
ser uma novidade, ou seja, foi adicionado um elemento novo e o elemento novo é caracterizado
pelo procedimento de contraste. Quando escutamos a segunda seção, entendemos que ela é
diferente da primeira seção, no entanto, ao analisar, vemos que ela repete muitos elementos da
seção A caracterizando o procedimento de desenvolvimento e o de repetição pois os membros de
frase 2 e 4 são idênticos aos da seção A.

Em termos harmônicos, a seção B também se apresenta completa, “fechada” pois foi finalizada
por uma cadência perfeita no tom principal.

Sobre o percurso tonal, considera-se que a música mantém o tom de lá menor. Na seção A temos
duas frases semelhantes onde a primeira finaliza por uma cadência à dominante e a segunda
finaliza por uma cadência perfeita. Quando temos duas frases semelhantes e a primeira termina
numa cadência mais fraca que a segunda, temos a forma temática de período. Portanto, a seção
A é constituída de um período de 2 frases. O que caracteriza a seção B é um elemento novo. O
elemento novo da seção B de Greensleeves é o acorde de C para iniciar as frases 1 e 2. Esse
acorde muda a cor menor do início para a cor maior da tonalidade relativa, mas não houve nem
modulação nem tonicalização, então, conclui-se que a tonalidade de Lá menor se mantém em
toda a melodia de Greensleeves.

Alguns comentários sobre os procedimentos estruturais

Quando a primeira seção for composta por duas frases, a segunda frase será construída pelos
mesmos motivos e/ou membros de frase da frase 1. O resultado pode ser uma frase exatamente
10

igual à primeira indicando o procedimento de repetição, semelhante à primeira frase com o


mesmo significado harmônico (cadência) indicando o procedimento de variação, ou com
cadências diferentes indicando a estrutura de período. Em alguns tipos de tema a segunda frase
pode ser diferente da primeira em melodia, ritmo e harmonia podendo apresentar a mesma
cadência ou cadência diferente da primeira frase.

É importante então, saber caracterizar cada um dos procedimentos tanto para utilizá-los em
atividades de criação e arranjo quanto para reconhece-los nas atividades de análise e
interpretação musical.

A parte B do binário também deve apresentar uma relação com a parte A. A seção B deve
apresentar algum tipo de novidade, algo diferente, pois seu objetivo, é estabelecer um contraste.
O contraste, portanto é um elemento novo. Nas obras binárias, esse contraste não pode ser muito
forte porque assim, a peça perde a unidade, ou seja, se o B for muito diferente do A, não
ouviremos as duas seções como parte da mesma peça. Seria como escrever sobre educação
musical num parágrafo e mudar para os problemas políticos do país no segundo parágrafo.
Portanto, para ouvirmos a seção B e sentirmos que estamos ouvindo a mesma peça que A, é
necessário que o B apresente materiais musicais presentes em A, lembrando que isso é válido
para as pelas binárias. E o que eu estou chamando de materiais musicais? Motivos, membros
de frase, perfil melódico, encadeamentos harmônicos e assim por diante. Abaixo eu irei sumarizar
os procedimentos e suas características principais.

Procedimento Características
Repetição Gera uma segunda estrutura que é idêntica à primeira do ponto de
vista rítmico, melódico e harmônico.
Variação Gera uma segunda estrutura que apresenta pequenas diferenças em
um ou mais aspectos dos elementos: ritmo, melodia e harmonia e
apresenta o mesmo significado harmônico.
Semelhança Para que duas estruturas sejam semelhantes elas devem apresentar
mais elementos comuns do que elementos divergentes e podem, ou
não, ter o mesmo significado harmônico.
Diferença Para que duas estruturas sejam diferentes elas devem apresentar
menos elementos comuns do que elementos divergentes ou não
compartilhar qualquer elemento comum. As estruturas diferentes
também podem ou não ter a mesma cadência.
Significado harmônico É a cadência da frase e gera estruturas conclusivas fortes e fracas e
estruturas suspensivas.
Frase complementar É a frase que apresenta uma conclusão mais forte que a anterior
condição para que a estrutura de período seja gerada. Obs: O período
11

só é criado se as duas frases forem semelhantes e apresentarem a


relação entre as cadências descritas nesse quadro.
Contraste por Gera uma estrutura nova, mas que apresenta elementos em comum
desenvolvimento com uma estrutura anterior
Contraste por material novo Gera uma estrutura nova, mas não apresenta elementos em comum
com estruturas anteriores

De que maneira é possível criar contrastes na música?

Existem incontáveis maneiras de se criar contraste na música, posso apresentar algumas


maneiras como: explorar encadeamentos harmônicos diferentes, dar ênfase a um grau do campo
harmônico que não apareceu anteriormente, modular para outra tonalidade, criar estruturas
rítmicas e/ou melódicas diferentes, mudar a textura da música, a instrumentação, a tessitura e
assim por diante. A questão aqui é quando aparecer um elemento novo, este elemento estará
caracterizando uma seção B de uma música. A dificuldade aqui é caracterizar esse elemento
como novo ou como variação.

Sob essa perspectiva, vamos analisar outro exemplo musical.

Exemplo musical 3: Vida Bela de Antônio Carlos Jobim Ouvir de 0:28 à 0:53

https://www.youtube.com/watch?v=_1wcpv1YVN8

Esta música de Jobim apresenta apenas duas frases e cada uma das frases se constitui em uma
seção. A primeira frase é composta de dois membros de frase que tem o mesmo padrão rítmico e
linhas melódicas e encadeamentos harmônicos semelhantes, no entanto, o movimento harmônico
do segundo membro de frase é diferente do primeiro. Para analisarmos a harmonia é necessário
identificar a tonalidade. Esta música está em Lá menor, assim, o primeiro membro de frase
apresenta o movimento do I ao Vm e no segundo membro de frase, o movimento harmônico parte
do I e retorna ao I. O perfil melódico dos dois membros de frase é semelhante, mas os graus são
diferentes, há uma intensificação na melodia ocorrendo no segundo membro de frase.
12

A segunda frase compartilha alguns elementos semelhantes com a primeira. Observe que os
padrões rítmicos da segunda frase são idênticos aos da primeira, no entanto a harmonia e o perfil
melódico são bem diferentes no primeiro membro de frase da frase 2. E ainda, ocorreu uma
modulação não efetivada (tonicalização).

Observe que no compasso 7, o encadeamento Dm-G7-C7M consiste em II-V-I em Dó maior,


portanto, houve uma tonicalização. E por que não foi modulação? Porque o final da frase 2
apresenta uma cadência imperfeita é em Lá menor (Em7-Am). Por que a cadência é imperfeita?
Porque a dominante está alterada, veja que o compositor utilizou Em e não E para desempenhar o
papel de dominante. A cor menor e ausência da sensível e do trítono enfraquecem a dominante.

O perfil melódico do primeiro membro de frase da frase 2 é diferente da primeira frase, porém, o
perfil melódico do segundo membro é bem semelhante ao do segundo membro da frase 1. Isso é
interessante porque, como o primeiro membro da frase 2 modula e muda o perfil melódico
(elementos de contraste) é preciso resgatar alguns elementos da seção A para dar unidade à
música. Vamos visualizar a análise no quadro estrutural

Seção A Seção B
Frase 1 Frase 2
Lá menor Dó maior Lá menor
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5e6 c.7 c.8 c.9 c.10
17654 34132 1 7 176 5 3 42 1 1 7 545 6174 5 46 1 7 6 5 3 4 21
A Dm Am Em Am Dm Am Em Am Dm G C Dm G C Dm Am Em Am
I IV I Vm I IV I Vm I cad (II V) III (II V) III IV I V I cad perf
imper.
Apresentação Contraste por desenvolvimento

A música apresenta apenas duas frases e porque cada uma delas é considerada uma seção
se os exemplos anteriores apresentavam duas frases por seção?

Vamos recapitular as informações. Uma seção deve apresentar uma ou duas ideias musicais que
devem estar presentes na primeira frase. A segunda frase deve ser então, uma repetição,
variação ou complementação. Se ao invés desses elementos você observar um elemento novo,
isso caracterizará a seção B. Agora, vamos voltar à melodia de Jobim.

Observe que a primeira frase termina na tônica (Am) então, esta frase não precisa de
complementação, desse modo, as opções seriam repetição ou variação. A segunda frase é uma
frase diferente, portanto não pode ser considerada nem repetição nem variação. Além disso,
observe que na segunda frase há uma modulação no primeiro membro de frase que é
considerado um elemento novo, portanto a segunda frase de Vida Bela é a seção B.
13

Vamos analisar só mais um exemplo de uma música que também tem apenas duas frases, mas
ambas se referem a uma única seção para compararmos com Vida Bela.

Exemplo musical 4 Asa Branca

Nós já analisamos a primeira frase de Asa Branca no módulo 1. A música está em Dó maior e a
primeira frase termina numa cadência imperfeita que é conclusiva fraca. Assim, é necessária outra
frase para complementar primeira e “fechar” a ideia musical pertinente à primeira seção. Então
agora, vamos olhar como a segunda frase foi construída.

A segunda frase é claramente diferente da primeira frase. A primeira frase é organizada a partir do
membro de frase (a cada dois compassos) enquanto a segunda frase é organizada pelo motivo (a
cada compasso), isso gera duas frases que são diferentes.

Se a segunda frase é diferente da primeira ela é uma estrutura nova, correto? A resposta é sim.
Então, por que não considerei a segunda frase como a segunda seção? Porque existem
outros elementos a serem comparados e uma seção não pode deixar a ideia musical incompleta.
A cadência imperfeita não é adequada para terminar uma seção (embora isto possa ocorrer como
exceção) . Mesmo que encontremos seções terminando por cadência imperfeita (que são
exceções) existem outros elementos que contribuem para potencializar a força de conclusão
como: reforçar o baixo, desacelerar o ritmo no compasso da cadência e etc. Então é preciso
analisar cada caso como uma ocorrência singular. Vejamos que outros elementos estão presentes
na segunda frase de Asa Branca para corroborar nossa ideia de uma única seção.

Cante as quatro primeiras notas do membro de frase 1 e cante as quatro primeiras notas do
primeiro motivo da frase 2. Há alguma semelhança? A frase 2 embora apresente uma organização
14

diferente da frase 1 é construída sobre o padrão rítmico das quatro primeiras notas do membro de
frase 1. Além dessa semelhança veja que o encadeamento harmônico é muito semelhante, na
primeira frase temos C-F-C-G7-C e na segunda temos C7-F-G7-C. Portanto mesmo sendo duas
frases diferentes em padrão rítmico e perfil melódico (elementos principais da forma) existem
outros elementos que contribuem para que a frase 2 complemente a frase 1. Esses elementos
são, encadeamento harmônico semelhante, cadência conclusiva forte e ritmo derivado da frase 1.
Abaixo você verá o quadro estrutural da melodia.

Asa Branca
Frase 1 Frase 2
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8
12 3553 4 4 12 3554 3 112 35543 14 432 23 221 1
C F C G7/B C C7 F G7 C
I IV I V I V IV V I
Aapresentação Complementação

Portanto, Em vida Bela cada uma das frases constituem uma seção porque a segunda frase
apresentou elementos novos e a segunda frase não complementa a primeira. Já em Asa Branca,
mesmo a segunda frase sendo diferente da primeira, apresentou elementos comuns como o
encadeamento e a estrutura rítmica e complementa a primeira frase harmonicamente.

Bom, espero que tenha ficado claro porque as duas frases de Vida Bela constituem uma seção
cada e porque as duas frases de Asa Branca constituem uma seção apenas. Entender essa
diferença de concepção entre as duas melodias é fundamental para entendermos a função de
cada uma das seções das pequenas formas e como cada seção dialoga entre sim conferindo
unidade à música como um todo. Asa Branca é uma melodia considerada unária, ou seja
estruturada por apenas uma seção.

Classificação da forma binária.

Como você pode perceber, existem várias formas de se realizar uma música binária, e existem
algumas características que, digamos, apresentam um peso na análise e devem ser ressaltadas
por meio de uma classificação. A forma binária apresenta duas partes e cada parte expressa uma
função estrutural. A parte A tem a função de apresentação, ou seja, a função da parte A é
apresentar o tema que pode se constituir de uma ou mais frases (geralmente até 4). A parte B tem
a função de contraste cujo objetivo é apresentar um elemento novo. Como a música binária
termina na parte B cujo objetivo é propor uma novidade, é necessário que ele não seja muito
diferente de A para que a música não perca a unidade. De que modo então é possível
15

apresentar um contraste e ao mesmo tempo manter a unidade da peça? A resposta é utilizar


o contraste por desenvolvimento e terminar a música no mesmo tom inicial. Esses dois elementos
são os responsáveis por manter a unidade entre as partes A e B da forma binária.

Sob o ponto de vista da classificação, a parte A pode terminar na tônica (I) ou na dominante (V).
Quando a seção A termina na tônica a classificação é binário simples. Quando a seção A termina
na dominante, a classificação é binário contínuo. Independentemente se a seção A termina na
tônica ou na dominante, a seção B deve terminar na tônica do tom original para preservar a
unidade da música, conforme já descrevemos.

Sob a perspectiva da classificação, vamos classificar os exemplos musicais analisados nesta aula:
No exemplo 1 a seção A termina numa cadência à dominante e por isso, sua classificação é
binário contínuo. No exemplo 2 a seção A termina na tônica e por isso sua classificação é binário
simples. No exemplo 3 a seção A também termina na tônica e por isso a música é classificada
como binário simples.

Exercício: Analise as duas melodias abaixo:

Melodia 1: The Banered Mare – TES Skyrin ouvir até 0:35

https://www.youtube.com/watch?v=2XtvRB1mMWo

Melodia 2: Fireworks Minueto I de Handel ouvir até 0:25


16

https://www.youtube.com/watch?v=bDa3J2KJqxM

Considerações finais

Nesta aula, estudamos a forma binária representada pelo esquema AB. Abordamos exemplos
musicais que trazem situações diversificadas para termos condições de compreender as
possibilidades de desenvolvimento musical a partir da concepção binária. Com isso, vemos que a
forma não pode ser considerada uma estrutura rígida, estanque. Pelo contrário, Cada peça binária
apresenta uma série de elementos que são característicos de cada, por isso, o estudo da forma
não pode se restringir a apenas reconhecer o número de partes de uma música, mas, procurar
identificar a ideia musical apresentada, a elaboração da ideia e as conclusões de cada seção.
Portanto, é necessário analisar o conteúdo para se estabelecer a função desempenhada por cada
seção no todo e a relação entre as seções. O produto final desse trabalho é a interpretação, ou
seja é a expressão de tudo o que foi compreendido através do trabalho de análise.

Pesquisa

Para complementar os conteúdos trabalhados nesta aula, recomendo o acesso ao link abaixo
onde você terá mais informações sobre análise das formas binárias.

http://musicamurilobraga.blogspot.com/2012/07/estrutura-e-forma-musical.html
17

Correção dos exercícios

Analise as duas melodias abaixo:

Melodia 1: The Banered Mare – TES Skyrin

Clássificação: Binário simples

Seção A ré menor
Frase 1 Frase 2
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8
32343 271232 1 6 7 1 2 1 7# 1 6# 7# 5 312343 271232 121121 7# 2 1
Dm C Bb Gm A Dm C Bb Gm A Dm
I VII VI IV V cad à domin I VII VI IV V I cad perf
Apresentação: duas frases que formam um período

Seção B ré menor – Fá maior


Frase 1 Frase 2
Fá maior Fá maior ré menor
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c.14 c.15 c.16
534565 423454 312 343 22 753456543 42345432 3123 4321 252 1
18

3
F C Dm Bb C F C Dm Bb Am Dm
III VII Dm: I VI Vm I cad perf
F: I V VI IV V cad à I V VI
domin
Contraste por desenvolvimento. Duas frases que formam um período. Elementos de contraste são: modulação para Fá maior

Melodia 2 Fireworks Minueto I de Handel


19

Classificação binário contínuo.

Seção A ré maior
Frase 1 Frase 2
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.1 c.2 c.3 c.4 c.5 c.6 c.7 c.8
15 15 1123 21 1121 2232 343 2
D D D D (sem cad) D A D A cad à domin
I VII VI IV V I VII VI IV V I
Apresentação frases diferentes complementares

Seção B ré maior
Frase 1
Membro de frase 1 Membro de frase 2 Membro de frase 3 Membro de frase 4
c.9 c.10 c.11 c.12 c.13 c14 c.15 c.16
3455 6543 2344 5432 1211 423 3421 1
D G C#º F#m Bm Em A D Cad perfeita
I IV VII III VI II V I
Contraste por desenvolvimento: uma frase. Elementos de contraste. Encadeamento harmônico diferente.

Você também pode gostar