Você está na página 1de 10

1

PEÇAS INFANTIS Nº I, IV E V DE CLÁUDIO SANTORO: UMA BREVE ANÁLISE


DE SEU PIANISMO
Ighor Anjos
Rodrigo P. Corrêa

RESUMO

Este trabalho apresenta uma análise do conteúdo didático pianístico das peças I, IV e V da
obra Peças Infantis de Cláudio Santoro para piano solo, propondo possíveis aplicações deste
conjunto de nove peças para o desenvolvimento de técnicas específicas para piano, tais como
passagem de polegar, toques legato, portato e staccato, independência das mãos, dentre
outras competências pianísticas.

Palavras-chave; Cláudio Santoro, Peças Infantis, Piano, Competências.

1- INTRODUÇÃO

Falta no Brasil uma atenção maior voltada para o repertório didático brasileiro,
especialmente para o piano. Há uma grande quantidade de obras didáticas de qualidade que
são desconhecidas e muito pouco utilizadas. Na maioria dos casos, os professores de piano
preferem utilizar os já consagrados álbuns da juventude, como o de Schumann, ou as coleções
de estudos de Burgmüller, dentre outras obras já concretizadas na didática do piano. Grandes
compositores brasileiros do século XX, tais como Lorenzo Fernandes e Cláudio Santoro,
dedicaram muito na composição de obras didáticas para piano. Peças como a Suíte Bonecas
de L. Fernandes e a Peças Infantis de Cláudio Santoro são fortes exemplos deste vasto
material didático produzido no Brasil que possuem uma riqueza de recursos pianísticos dentro
do contexto folclórico brasileiro.
Decorrente da falta de importância dada a estas obras, a professora de piano Carla Reis
junto com seus alunos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), desenvolveram
um projeto vinculado à instituição chamado Piano Pérolas, que tem como objetivo divulgar
obras didáticas para piano de compositores brasileiros.

2- CLÁUDIO SANTORO

Cláudio Franco Sá Santoro, filhos de pais pianistas, nasceu em 23 de novembro de


1919 em Manaus. Em 1931 viajou para o Rio de Janeiro para estudar com o professor
2

Edgardo Guerra, porém voltou a Manaus meses depois por motivo de desentendimentos com
as pessoas com quem morava.
Santoro recebeu um auxilio para que voltasse a estudar no rio. Ele se ingressou em
1933 no Conservatório de Música do Rio de Janeiro, estudando harmonia com Lorenzo
Fernandes. Graduou-se em violino e passou a trabalhar como assistente no próprio
Conservatório (Oliveira, 2005 apud Fernandes, 2011).
Cláudio Santoro passou então a estudar com Hans-Joachim Koellreutter, que se
admirou por interesse dado ao modelo atonal-dodecafônico (Fernandes, 2011). Nesse período
Koellreutter estava criando o grupo Música Viva, que tinha como objetivo a propagação de
um movimento pioneiro de renovação musical no Brasil, promovendo concertos de música de
diversos estilos, de compositores como Villa-Lobos, Koellreutter e o próprio Santoro.
Em 1946, Cláudio Santoro recebe uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, porém
por motivos políticos, sua migração para o país foi negada. Segundo Fernandes (2011), por
esta razão, o compositor se candidatou e obteve uma bolsa para estudar em Paris em 1947.
Em 1948, o compositor ganhou o prêmio Lili Boulanger na França, passando a estudar
com Nadia Boulanger, de quem recebeu influência de seu estilo composicional, o qual era mais
nacionalista (Souza, 2003 apud Fernandes, 2011).
Segundo Perpétuo (2001), “existe quase unanimidade entre os pesquisadores de que
sua participação no II Congresso Interacional de Compositores Progressistas de Praga, em
1948, levou-o a abjurar o serialismo e abraçar o nacionalismo”, compondo a partir daí, obras
de maior acesso às massas, em concordância com os princípios defendidos por Andrei Jdanov,
comissário de cultura de Stálin.
Ainda segundo o autor, Cláudio Santoro e Vinícius de Moraes começam em 1957 a
compor as dez Canções de Amor e as Três Canções Populares, consideradas, segundo ele,
como “os mais bem-sucedidos corpus de lied da língua portuguesa” (Perpétuo, 2001).
De acordo com Perpétuo (2001), na década de 60, sob convite de Darcy Ribeiro,
Santoro foi convidado a coordenar o Departamento de Musica da Universidade de Brasília,
porém com o golpe militar em 1964, mudou-se para a Alemanha Ocidental, com a Bolsa Ford
para Berlim, retornando ao Brasil em 1978, com o abrandamento do regime militar.
Cláudio Santoro morreu em 1969, durante o ensaio de seu primeiro concerto da
temporada no Teatro Nacional, aos 70 anos, vítima de infarto fulminante (Perpétuo, 2001).
3

3- O PIANISMO
Pianismo é um termo informal que se refere à forma em que o compositor trata o
material sonoro da obra aplicando a técnica pianística.
Segundo Hollerbach (2003), os professores que utilizam métodos dizem que são
funcionais, porém não se aplica apenas um nas aulas por causa das deficiências técnicas
específicas percebidas pelo professor em relação ao aluno, supridas por outros métodos e
assim que o aluno é capaz de executar um repertório mais performático, são inseridas obras de
repertório.
Nesse ponto, podem-se aplicar obras que possuam elementos didáticos na qual o aluno
possa progredir. Um dos principais desafios para os professores é a identificação dos
elementos caracterizados como didáticos nas obras em questão, os elementos prioritários a
serem trabalhados e a continuidade deste trabalho à medida que o repertório do aluno é
desenvolvido.

“Os aspectos inerentes ao “conhecimento do instrumento em si” são aqueles próprios


do instrumento, como conhecimento do teclado (a sua estrutura) e a apreensão e
reconhecimento de intervalos (espacialização do piano), além do funcionamento em si (os
aspectos motores que são exigidos para acionar o teclado e o pedal e emitir sons).”
HOLLERBACH (2003)

Dentre os diversos elementos técnicos próprios do piano, destaca-se neste trabalho o


dedilhado, o pedal, a independência entre as mãos e dedos e os tipos de toque.
Nas obras abordadas neste trabalho, não se encontram nenhuma grafia quanto a
utilização dos pedais de una corda e o de sustentação, bem como o dedilhado. Fica, portanto,
a critério do professor aplicar estes recursos de acordo com seu entendimento da obra.
Vale a pena ressaltar que apesar de se tratar de peças didáticas, voltadas para o público
infantil, essas obras apresentam dissonâncias características do estilo composicional de
Claudio Santoro que seguia a linha do Impressionismo francês como modelo estético
(Mendes, 2007).
De acordo com Carrara (2010), o estudo dos tipos de toques pianísticos pode constituir
um importante elemento para aprimorar habilidades não mecânicas, porém tal aprimoramento
não nos garante transformar tais movimentos em arte. Portanto, é necessário que o elemento
estudado seja aplicado no repertório para que deixe de ser puramente técnico e passe a ser
musical.
4

Carrara (2010) afirma que os diversos “tipos de toque (cantábile, legato, liaggiero,
húngaro, legato, staccato, leggiero, portato, perlé martellato, entre outros) também são
subordinados a critérios hierárquicos musicais”, diferenciados pelo texto e por concepções
estilísticas.
Ainda segundo o autor, podem ser utilizados no piano quatro tipos de toque, definidos
por ela como:
1. Toque A.
O toque “A” [...] é realizado com atividade em cada dedo (abaixamento e liberação
da tecla) desconectada da atividade do dedo seguinte. Dessa forma, mantendo a
mão livre de tensões desnecessárias, o dedo abaixa e libera a tecla retornando
novamente à sua posição inicial. Na sequência, o dedo seguinte realiza a mesma
atividade.
2. Toque B.
O toque “B” [...] conecta a atividade final do dedo (liberação da tecla) com a
atividade inicial do dedo seguinte (abaixamento da tecla).
3. Legato.
No toque legato[...], a tecla abaixada espera que a seguinte esteja na mesma posição e só
então deve ser liberada.
4. Toque com e sem pedal.
O toque com e sem pedal que envolve um gesto mais amplo de braço e indica sonoridades
mais cantadas [...] ou mais curtas e ásperas [...]. As trocas de pedal devem obedecer à
ligação ou não dos sons. [...] O punho deve estar livre e a mão ligeiramente para baixo
quando está suspensa. (Carrara 2010)

4- ANÁLISE DO MATERIAL

Nas peças abordadas neste trabalho, encontram-se basicamente os toques A, B, legato e


staccato.
Segundo Lemos (2012), o excesso da grafia do dedilhado confunde o aluno por ser mais
um elemento visual a ser visto, porém, nas obras trabalhadas aqui, nenhuma possui dedilhado
escrito pelo autor, ficando a critério do professor escrevê-lo ou não.
Quanto à escrita do autor, esta é bastante clara e limpa, visualmente falando. Suas
intenções são de fácil entendimento e bem definida pelas utilizações de dinâmica e agógica. Suas
frases são muito bem construídas e utiliza de motivos simples para construir os temas obedecendo
sempre a quadratura.
5

4.1- Peças infantis nº I – Andante

Esta peça é modal e se desenvolve em torno do centro de Ré. Possui um tema de inicio
anacrústico que se repete ao início de cada sessão que é desenvolvido ao longo de cada uma. Se
mantem no compasso binário simples com apenas uma variação para ¼ no compasso 52. Não
possui armadura de clave e os acidentes estão presentes nas próprias notas.
Andante possui diversos elementos musicais que trabalham as competências pianísticas
essenciais, tais como: passagem da melodia entre as mãos, terças harmônicas, blocos de acordes,
ritmo simples (mínimas, semínimas e semicolcheias), contratempo, passagem de mão,
articulações, dinâmica e variação de andamento.
Nos dois primeiros compassos, o tema inicial se desenvolve, surgindo novamente nos
compassos 8, 15 e 49 com as seguintes variações:

Fig. 1 - Compassos 1, 2, 8 e 9 respectivamente.


Do primeiro compasso ao sétimo, a mão esquerda executa terças harmônicas por graus
conjuntos.

Fig. 2 - Compassos 1 a 3.
No oitavo compasso, a melodia passa para a mão esquerda enquanto a direita executa
uma cadência em blocos de acordes passando pelas harmonias de Ré maior, Dó maior, Si
menor e Lá menor. A partir do compasso 16, a mão esquerda retoma as terças harmônicas
enquanto a direita volta a tocar a melodia.

Fig. 3 - Compassos 16 a 23.


6

Do compasso 22 ao 48, as mãos se cruzam fazendo com que a melodia da mão direita
seja executada em um âmbito mais grave que o acompanhamento da mão esquerda.

Fig. 4 - Compassos 22 a 26.

4.2- Peças Infantis nº IV – Valsinha Lenta

Esta obra também se estrutura no modalismo, mantendo seu centro tonal em Ré. Seu
início é anacrústico, e sua textura é melodia mais acompanhamento, mantendo sempre a
melodia na mão direita e o acompanhamento na mão esquerda. Mantêm-se no compasso
ternário simples, alterando para binário simples apenas nos três últimos compassos. O tema
principal se baseia na uma canção folclórica O Cravo Brigou com a Rosa que passa por
modulações ao longo da peça.
Das competências pianísticas trabalhadas se encontram: notas tenútas na melodia e no
acompanhamento, fragmentação de acordes, harmonia aberta e dividida entre as mãos,
articulação legato e pedal.
A partir do segundo compasso, o acompanhamento da mão esquerda também passa
por modulações a cada compasso.
O tema se inicia no primeiro compasso e passa por modulações nos compassos 5, 7 e
11.
7

Fig. 5 - Compassos 1, 2, 5, 6, 7, 8, 11 e 12 respectivamente.

Nos compassos 18 e 22 a mão esquerda executa acordes abertos ultrapassando o


âmbito de uma oitava.

Fig. 6 – Compassos 18 e 22 respectivamente.


O acompanhamento está dividido em ambas as mãos nos compassos 9, 10, e do 15 ao
18.

Fig. 7 – Compassos 7 e 8.

Fig. 8 – Compassos 15 a 18.


4.3- Peças Infantis nº V – Andante:
Diferente da I e da IV, a peça nº V é tonal e está no tom de Dó maior, possui células
rítmicas simples: mínimas, semínimas e colcheias e sua forma é ABA, havendo uma ponte
que liga a parte A na parte B e uma coda no final da peça. Na parte A, a peça se mantêm no
compasso binário simples, onde a mão direita executa um tema legato enquanto a mão
esquerda faz um acompanhamento em terças harmônicas.
8

Fig. 9 – Compassos 1 a 8.

Na parte B há uma modulação para o relativo menor de Dó (Lá menor) e o compasso passa a
ser ternário simples, onde a mão direita executa oitavas melódicas (Dó), com exceção do
intervalo de sexta menor (Dó-Lá) no compasso 20, e a mão esquerda toca um segundo tema
em arpejos.

Fig. 10 – Compassos 17 a 20.


As principais habilidades pianísticas exploradas são: terças harmônicas, melodia
cantabile, oitavas melódicas, arpejos, variações de andamento e inversão da melodia entre as
mãos.
O primeiro tema acontece do compasso 1 ao 14, havendo um pequena dissonância no
13º proveniente de um arpejo de Dó diminuto, que resolve na tonalidade base no 14º
compasso. O segundo se inicia na parte B nos compasso 17 a 25, dentro de arpejos de Lá e Ré
menor.
As oitavas melódicas na mão direita aparecem na ponte e em toda a parte B, desde o
compasso 15 ao 25, sempre em Dó, com exceção do 3º tempo do 20º compasso.
As terças harmônicas estão presentes na mão esquerda em toda a parte A, do primeiro
ao décimo quarto compasso, e na coda, do compasso 26 ao 29.

Fig. 11 – Compassos 26 a 29.


9

5- CONCLUSÃO

Foi possível perceber através da análise feita nessas obras de Cláudio Santoro, que a
utilização do material didático pianístico brasileiro em sala de aula pode ser tão produtivo
quanto a literatura ocidental tradicional, pois além de apresentar uma vasta quantidade de
recursos pianísticos e um excelente tratamento do material sonoro, permite que o aluno tenha
contato com a cultura de seu próprio país e desenvolva seu ouvido para apreciar e
compreender a sonoridade do estilo musical pós século XX, na qual Santoro é um grande
representante.

6- REFERÊNCIAS

CARRARA, André. Deliberação expressiva e toque pianístico. Instituto de Artes da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. 2010. Disponível em:
https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&cad=rja&uact=
8&ved=0CCQQFjAB&url=http%3A%2F%2Fwww.lume.ufrgs.br%2Fbitstream%2Fhandle%
2F10183%2F31670%2F000784100.pdf%3F...1&ei=gxhyVJf4F8SaNov5ghg&usg=AFQjCN
FP1630TBow61as_oR6V4NTw4YnQ&sig2=YPG7opWpxP7t4h5dRm41Og&bvm=bv.80185
997,d.eXY Acesso em: 23/11/2014 ás 16:28.

CLAUDIO SANTORO. Disponível em: http://www.claudiosantoro.art.br/Santoro/open.html.


Acesso em: 01/12/2014, ás 15:01.

FERNANDES, Felipe Cabreira. Estudos para piano de Cláudio Santoro: movimentos gerais e
uma abordagem técnico-interpretativa. UDESC. 2011.

HOLLERBACH, Ingrid. Ensino elementar de piano: princípios didáticos, objetivos e escolha


de repertório na perspectiva do professor de piano. UFMG. 2003. Disponível em:
http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/AAGS-7ZPNMM/ensino
elementardepianoingridhollerbach.pdf?sequence=1 Acesso em : 23/11/2014 ás 15:22.

LEMOS, Daniel. Considerações sobre a elaboração de um método de Piano para Ensino


Individual e Coletivo. Revista do Conservatório de Música da UFPel. Pelotas, No. 5, 2012 p.
10

98-125. Disponível em: http://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/RCM/article/viewFile/


2480/2316 Acesso em: 23/11/2014 ás 14:55.

MENDES, Sérgio Nogueira. Cláudio Santoro: Serialismo Dodecafônico nas obras da primeira
fase (1939-1946). XVII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
música. Brasília, 2007.

PERPÉTUO, Irineu Franco. Cláudio Santoro, uma trajetória. Revista Textos do Brasil.
Itamaraty. No. 12. 2001. Disponível em: http://dc.itamaraty.gov.br/imagens-e-textos/revista-
textos-do-brasil/portugues/revista12-mat17.pdf Acesso em: 02/12/2014 ás 14:03.

Você também pode gostar