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Filipe Pires (1934 – 2015)

Figurações II, para piano solo (1969)

 O Compositor

Sendo pianista, musicógrafo, pedagogo e compositor, Filipe Pires surge como


um dos compositores portugueses mais importantes do século XX, e um dos pioneiros
da música electroacústica em Portugal. Nascido em Lisboa, completou os cursos de
composição e piano no Conservatório Nacional, tendo depois prosseguido os seus
estudos em Hannover e em Salzburgo, de 1957 a 1960, como bolseiro do Instituto de
Alta Cultura. Nestes anos teve a oportunidade de se mostrar por vários países da
Europa, como pianista e como compositor.
Anos mais tarde, entre 1963 e 1965, frequentou os cursos de Darmstadt, onde
entrou em contacto com Pierre Boulez e Karlheinz Stockhausen, o que lhe permitiu
familiarizar-se com diferentes estilos e técnicas composicionais. Porém, o verdadeiro
contacto com a música electroacústica só viria a acontecer anos mais tarde, no início
dos anos 70, quando efectuou um estágio de dois anos em Paris, orientado por Pierre
Schaeffer.
Isto levou à maleabilidade e flexibilidade composicional de Filipe Pires, que
recolheu informação de grandes mestres da música do seu tempo, e incorporou-a nas
suas obras: não era preso a nenhuma técnica ou estilo musical; a sua grande
compreensão permitia-lhe compor num género ou noutro, o que acrescenta imensa
variedade à sua obra.

“ (…) não me sinto prisioneiro de nenhuma tendência, de nenhuma técnica, de


nenhuma estética. Posso ter vontade de, num dado momento, me exprimir de uma
determinada maneira e noutro momento de outra maneira. Sinto-me talvez e cada vez
mais aberto ao que quer que me chegue.” Filipe Pires (Pedro Figueiredo em Arte
Musical, Abril, Nº 3)
Premiado em concursos internacionais de Composição em Nápoles, Colónia e
Liège, é também detentor do Prémio Nacional Calouste Gulbenkian, que consagrou em
1968 a sua obra coral-sinfónica “Portugaliae Genesis”.
A sua obra “Diálogos” foi seleccionada para a Tribuna Internacional de Compositores
(Paris) em 1976.
De 1975 a 1979, Filipe Pires encontra-se novamente em Paris, como
Especialista de Música no Secretariado Internacional da UNESCO. Como representante
desta organização, foi enviado em missões oficiais a vários países da Europa de Leste,
da África e da América Latina.

Como pedagogo, leccionou composição no Conservatório de Música de Porto e


na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo. Em 1997, foi nomeado Director
Artístico da Orquestra Nacional do Porto, cargo que desempenhou durante dois anos.

 A Obra

As Figurações de Filipe Pires são um conjunto de obras um pouco à


semelhança das sequências de Luciano Berio; cada uma delas tem uma
instrumentação diferente. Exceptuando a III, que foi escrita para dois pianos, todas as
outras são para instrumento solo.
Figurações II é a obra para piano solo, e também a única das Figurações escrita
em forma aberta.

O conceito de forma aberta começou a surgir a partir de 1950, e consiste em


pequenos fragmentos musicais que devem ser tocados por uma ordem escolhida pelo
intérprete. É uma ideia de constelação, na qual a música existe e pode ser ordenada de
diversas formas. Neste tipo de música, certos fragmentos podem ter algum tipo de
relação temática, apesar de não ser estritamente necessário.
Esta música foi abordada por vários compositores importantes da segunda
metade do século XX, nomeadamente John Cage, Luciano Berio (Sequência para
Flauta), e os dois mestres com quem Filipe Pires contactou em Darmstadt - Pierre
Boulez (3ª sonata para piano) e Karlheinz Stockhausen (Klavierstück IX).
Na partitura de Figurações II, Filipe Pires escreve que a peça tem “13 pequenas
estruturas”, e que a execução da obra exige duas versões (ordens) de cada uma das 13
estruturas, separadas por um silêncio de longa duração. Ou seja, o intérprete faz uma
versão dos 13 fragmentos, um silêncio longo, e de seguida uma ordem diferente. O
intérprete tem contudo a liberdade de escolher como encadear os fragmentos entre
si, podendo demorar mais ou menos tempo.
Em termos composicionais, a obra tem uma escrita dodecafónica, contudo não
encontramos uma série, pelo menos uma convencional: Filipe Pires opta por “dividir” a
obra em dois hexacordes (Si, Dó, Réb, Fá, Solb, Sol; e Láb, La, Sib, Ré, Mib, Mi). Como o
principio serial, um só aparece depois do outro ter sido apresentado e/ou
desenvolvido. Apenas não é um serialismo convencional dado que há conjuntos de
notas (Exemplo abaixo, fragmento 9)

Este método dos dois hexacordes encaixa perfeitamente nesta música de


forma aberta, porque desta forma o ouvinte consegue sempre ter um ponto de
referência entre os fragmentos, algo que dificilmente aconteceria se os sons não se
dividissem por dois conjuntos.
Assim temos quase que duas “tonalidades” distintas, no sentido em que após
uma pequena audição da obra, conseguimos sentir dois planos sonoros, e sobretudo,
conseguimos familiarizarmo-nos com eles. Essa é uma das maiores dificuldades
inerentes à música pós-tonal, e, nas Figurações II, Filipe Pires consegue colmatar isso.
(Exemplos abaixo, fragmentos 10 e 11)
Apesar da notória ligação que há entre cada um dos 13 fragmentos, deverá ser
também função do intérprete fazer uma interpretação musical que faça jus a esta escrita.
Sendo, claro, uma obra de forma livre, deve não obstante haver um cuidado com a ligação
entre os fragmentos: por exemplo, se um fragmento acabar com o hexacorde 1, será uma
transição natural se passarmos para outro que comece com o mesmo hexacorde; em
contrapartida será mais brusca se passarmos para um que comece com o hexacorde 2. Tudo
isto terá de ser ponderado pelo pianista, para dar uma “forma” à “forma aberta”.

Em contraste às obras contemporâneas a esta (Boulez e Stockhausen), Figurações II


não obteve grande popularidade, mas não por falta de valor musical; é uma obra que merece
ser analisada, reflectida, e sobretudo interpretada, para dar a conhecer esta valiosa música de
Filipe Pires.
Figurações II foi estreada em Munique, no dia 1 de Janeiro de 1969, com o próprio
Filipe Pires ao piano. Desde então tem sido também interpretada e divulgada em várias
ocasiões pelas pianistas Madalena Soveral e Sofia Lourenço.

 Bibliografia:

Enciclopédia Larousse - “Música Concreta” e “Período do Serialismo”


MIC, Centro de Inverstigação e Informação da Música Portuguesa – Filipe
Pires, biografia e obras
Garrigues, Juliette - Encyclopeadia Universalis: Musique aléatoire; L’oeuvre
ouverte
Monteiro, Francisco – The Portuguese Darmstadt Generation

João Casimiro Almeida, Piano, 4120084

ESMAE 2015

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