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MADRIGÁLIA – PROGRAMA 1

Série em cinco programas sobre a prática musical madrigalesca. O erudito e o popular na


representação sonora da realidade.
O primeiro programa desta série apresenta as várias possibilidades dessa prática
madrigalesca na Europa, desde o final da Idade Média até o século XVII.
Cultura: O que é o termo Madrigal?
Maestro Abel Rocha: Vamos encontrar diversas definições dependendo, dos autores ou do
lugar onde o termo se encontra.
O termo, especificamente, poderia retratar basicamente uma prática literária. Temos que
lembrar que a maioria dos termos técnicos em música são tomado emprestado de outras
formas: ou da poesia, ou da dança e depois eles passam a ter um significado próprio,
musical. Existem autores que defendem a origem da palavra madrigal como vindo de
mandra que é rebanho, que seriam textos que tratam de assuntos pastoris ou,
diferentemente do que era a prática erudita até o começo do século XIII, onde o latim era a
língua oficial, eram as poesias e os textos cantados na língua materna, matriz, matricália e
talvez o significado de madrigal seja mais próximo dessa definição: os textos cantados na
língua de cada país.
Cultura: é impossível falar dessa prática se não falar da prosa, da poesia.
Maestro Abel Rocha: Sem falar de texto, da poesia, da forma poética e da prática poética,
a música não teria sentido. A música veio junto, ela não veio para melhorar o texto, ou
ajudar o texto, ou dar suporte. A música está sempre junto ao texto. E, em diversas épocas
da história, em alguns lugares você pode dar mais importância para um ou para o outro,
mas eles existem para se complementar.
Cultura: Se recorreu inicialmente a que tipo de poesia? Ou a quais poetas, ou quais os
poetas que foram os pontos de partida para essa prática madrigalesca?
Maestro Abel Rocha: Tem uma coisa que eu gosto muito de fazer nas minhas aulas na
universidade que é mostrar para as pessoas que essas práticas musicais, que hoje em dia nós
consideramos extremamente eruditas, por serem antigas, nós vamos encontrar uma coisa
muito semelhante no dia a dia. Então se falássemos especificamente de um texto poético a
ser cantado onde não conseguimos diferenciar a poesia da música, onde a música não teria
um sentido se não tivesse uma poesia que a acompanhasse, e ao mesmo tempo a poesia só
funciona com a preparação musical, nesse sentido os trovadores e os trovéurs do século
XII, XIII seriam os primeiros exemplos conhecidos dessa prática e que faria um paralelo
muito rápido com os repentistas nordestinos atuais, que é a mesma coisa. Você tem um
poeta que improvisa um texto à respeito de um determinado assunto e junto com essa
improvisação do texto você tem a improvisação da música. Não tem sentido ouvir só a
música ou só o texto desvinculado. É o mesmo caso dos trovadores e dos trouvairs.
Cultura: Acaba sendo uma popularização da forma responsorial?
Maestro Abel Rocha: Sim, sem saber quem veio antes, se a igreja usou a forma profana ou
se a prática profana se apoderou de uma maneira de fazer que era propícia aos cultos, mas
são muito semelhantes.
Cultura: E o moteto é também relativo a Madrigal? Tem o mesmo significado?
Maestro Abel Rocha: Moteto vem do francês: mot, palavra, a música escrita para
acompanhar um texto. O texto se completa na música e a música completa o texto.
O Moteto é francês e o Madrigal é italiano; tanto quando os franceses imitavam os italianos
e os italianos imitavam os franceses, acabavam fazendo outras coisas, ao tentar copiar o

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estilo. Isso é muito interessante na história da música: até o século XVIII, antes do
Romantismo, os bons compositores eram aqueles que sabiam escrever em diversos estilos.
Então, eles tinham de conhecer o estilo francês, italiano, e por isso que os compositores
tinham que viajar tanto, tinham que atravessar mares e montanhas para conhecer as músicas
dos outros. E conheciam, e na hora que iam propor uma nova elaboração, acabava por
colocar os seus elementos e as músicas ganhavam novos elementos de outras culturas.
Cultura: Na prática madrigalesca, o conjunto vocal era muito mais essencial ou
fundamental do que o instrumental?
Maestro Abel Rocha: Não, ou sim porque, temos que pensar que o conceito instrumental,
algo próprio ou individualizado para si é uma coisa que vai acontecer só à partir do século
XVII, do Barroco. Até então os instrumentos eram usados para acompanhar as vozes. Tudo
que era escrito era escrito pensando em termos de procedimentos vocais, linhas vocais,
então essas diversas linhas tanto podiam ser cantadas ou podiam ser substituídas por
instrumento ou família de instrumentos. Tanto que todos os instrumentos na história da
música foram construídos em famílias: família das flautas, com flautas de diversos
tamanhos: soprano, contralto, tenor e baixo, feitas para acompanhar as vozes. Os trombones
que tinham diversos tamanhos também para acompanharas vozes. As violas e tudo na
história da musica os instrumentos eram um suporte às vozes. Só no século XVII que eles
ganham um idioma próprio, que se diferencia do vocal. Então esse repertório todo podia ser
simplesmente cantado ou cantado e acompanhado deste ou daquele instrumento, ou ser
executado por uma voz e um alaúde, ou uma voz e um conjunto de violas, ou só vozes, ou
vozes e órgão. Não era isso que diferenciava, porque a prática era a mesma. Eram linhas
melódicas individuais que se juntavam para dar essa sonoridade.
Nós ouvimos dois exemplos de trovadores franceses. No primeiro, bloco eram três vozes
solistas, cantando uma polifonia a três vozes. Três linhas individuais cantadas por três
cantores e um texto em latim em louvor a rainha “Retacque” da primavera, que vai anunciar
a chegada da primavera, e na segunda parte, se juntam aos instrumentos de percussão,
outras vozes, uma voz solista que canta a parte principal do texto e o refrão como a gente
esperava que é repetido por um coro que é uma prática moderna. Até hoje, todo mundo
chega para cantar o refrão da música.
Como podemos perceber, são sempre estrofes de seis versos. Todas as estrofes com a
mesma música. Não existe uma mudança de idéia musical, então você canta textos
diferentes sempre com a mesma música. A música não tinha a necessidade de diferenciar as
nuaances do texto. Essa gravação foi com o “Studio de Música Antiga”, que tem a direção
de Thomas Binkley, que é um conjunto muito dedicado a esse repertório anterior ao século
XIV.
Cultura: Você tinha comentado sobre estas diferenças que estavam nascendo na Europa
no estilo italiano e francês. O que é isso?
Maestro Abel Rocha: Nós temos que lembrar de diversas aspectos. A França tinha rei. A
cultura toda estava centralizada em Paris e toda atividade social-política estava vinculada à
existência do rei, então, Paris era a capital não só porque o rei morava lá, mas as coisas
importantes aconteciam exclusivamente em Paris, então existia uma certa unidade estilítica,
porque era um espaço restrito.
Se olharmos para a Itália, a Itália é outro mundo, não existe uma centralização, são diversas
cidades – estado que disputam entre si. São vários reinos e cada um dos reinos quer provar
de uma maneira ou de outra que tem mais importância naquela sociedade que estão
embutidos. Era a importância comercial, política, e cultural também. O comércio de

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compositores e de músicos na Itália era forte. A Itália, muito mais que a França, foi uma
região que, graças ao comércio do mediterrâneo, por onde passava gente de diversos países
e lugares do mundo, sempre teve muito mais influências de outras práticas musicais.
A Renascença começa na Itália, pois são eles que recebem toda a prática da poesia, da
literatura grega. Não podemos esquecer que eram culturas muito diferentes. E na França, o
que sobrou para nós, pois contamos a história de quem tem dinheiro porque quem não tem
não deixou registrado, era uma prática mais requintada ou recatada.
Cultura: É o que acontece com a música popular e a música erudita hoje.
Maestro Abel Rocha: Vemos que a história muda muito pouco, então essa prática era
muito vinculada a um determinado posto e o gosto francês sempre foi mais recatado que o
italiano.
Cultura: Existiu uma prática musical representativa que caracteriza a França?
Maestro Abel Rocha: A França nunca batizou suas músicas de madrigal, nós que hoje em
dia olhando para o século XVI falamos: vamos cantar um madrigal francês. Não existia
madrigal francês. Os franceses tinham as chansons, que eram canções.
Podemos ouvir uma ária da corte que nada mais é que uma canção estrófica, que são 3 ou 4
estrofes de uma música, onde os versos são repetidos e quando você repete o mesmo texto
você repete a mesma música. Quando você muda o texto a música muda até que desemboca
num refrão. A música francesa sempre teve uma estrutura formal mais elaborada em repetir
partes.
Cultura: No estilo francês e italiano a temática é a mesma?
Maestro Abel Rocha: Não, na Renascença, e depois, quando foi desembocar no Barroco
com a origem da ópera e tudo mais, nós vamos encontrar mais referências à mitologia grega
na Itália do que na França. A França tem uma certa parte pastoril. Fala-se fala de pastores e
ninfas das artes, da arquitetura, da música no sentido amplo, mas os deuses e semideuses
gregos estão mais presentes na poética italiana, inclusive as primeiras óperas são baseadas
nesses personagens: Orfeu, Ariana, Dido. É uma retomada da cultura clássica, quando
descobriram as antologias poéticas gregas que estavam afastadas da cultura européia até a
queda de Constantinopla.
Cultura: Essa obra que acabamos de ouvir “ária da corte”, a melodia se aproxima do
vilancico?
Maestro Abel Rocha: O que mais diferenciava não exatamente o tipo de música mas o
texto que estava sendo cantado que na prática musical era praticamente a mesma coisa.
Dentro você vai ter uma poesia mais elaborada feito por poetas da corte, fora você vai ter as
canções mais populares. Inclusive é normal neste período diversos compositores
escreverem missas baseadas em canções, até canções de boteco. Ex.: A Missa L’Homme
Arme que é baseada numa canção quase pornográfica que era cantada pelo povo. E tem
diversas missas que as usavam como melodia tema para os Kyries e Glórias.
Cultura: Pode-se dizer que o conteúdo funcional dessa obra musical não está na melodia e
sim no texto?
Maestro Abel Rocha: Com certeza. No próximo programa vou trazer exemplos de musicas
que tem o mesmo início, algumas são sacras, outras não. A prática musical não se
diferenciava tanto no que era música sacra ou profana. Isso vai acontecer só no final do
século XVI.
Ouvimos uma ária para alaúde e voz e várias destas canções foram re-instrumentadas.
Cultura: Existe uma fórmula ou é exclusividade desse período ou desse século a reiteração
de texto e melodia?

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Maestro Abel Rocha: Não, a chanson francesa é exclusivamente francesa e vamos
encontrar compositores que escreveram chansons em todos os períodos da história da
música, como Ravel e Debussy. Podemos perceber nesta segunda canção do ciclo de Ravel
que é exatamente isso. São solistas que cantam o texto enquanto o coro só está
acompanhando com vocalizes. O coro jamais tem texto para acompanhar e segue o mesmo
esquema formal.
Cultura: O coro acaba fazendo a função dos instrumentos o que já era feito nos séculos
anteriores.
Maestro Abel Rocha: Ouvimos com o Coral da Rádio Sueca com regência de Erick
Erickson a segunda chanson que fala dos três pássaros do paraíso, que é um poema a
respeito da primeira guerra, quando os soldados franceses foram para a guerra e a soprano
está sempre lamentando a ida do amante para a guerra e pede notícias para os três pássaros:
azul, vermelho e branco, que vem trazer notícias do amado. O último é o pássaro vermelho
que vem contar que ele morreu.
Cultura: É um madrigal?
Maestro Abel Rocha: É uma chanson. O madrigal é italiano. Hoje em dia nós não
diferenciamos, usamos o nome genericamente para toda a produção seja ela inglesa, italiana
ou francesa, mas o nome que davam era chanson. O madrigal era italiano, como o próprio
nome madrigal. Os italianos usavam diversas possibilidades textuais para o madrigal, por
isso que vamos encontrar nomes como: stromboto, ode, etc. e na verdade eram formas
poéticas. Eram estruturas poéticas de estrofes de 4 versos, quadrinhas, sestinas, sonetos ou
eram versos esdrúxulos como o stromboto, versos de 12 sílabas ou diversas outras formas
poéticas nas quais colocavam a música. A música ganhava a definição do gênero, como por
exemplo, um gênero chamado de caça, que era uma pessoa correndo atrás da outra. Vamos
escutar uma linha melódica cantada por uma voz feminina e logo depois outra voz feminina
repetindo essa linha melódica como se fosse um grande cânone, como se um estivesse
caçando o outro, mas o texto é um só, o que muda é a brincadeira musical.
Cultura: É a caça que dá depois origem a fuga?
Maestro Abel Rocha: De uma certa maneira. Ela passa pelo ricercare que era o cercar,
correr em torno de, até desembocar na fuga.
De Francesco Landine um madrigal interpretado pelo AlLa Francesa, um conjunto
interessante onde os quatro integrantes cantam e tocam diversos instrumentos. Eles
retomam a prática musical do período, onde não existia músicos especializados nisso ou
naquilo.
Cultura: Pode-se dizer que esta prática madrigalesca do trecento, quatrocento, até o início
do barroco é uma coisa familiar também por causa disso?
Maestro Abel Rocha: Não diria talvez familiar, mas dependendo do lugar que tivesse nesta
época com certeza eram coisas mais de dentro de casa. Toda a pessoa erudita com um certo
tipo de formação sabia executar diversas coisas, isso aconteceu até o século XIX, D. Pedro
I tocava fagote e compunha, então, qualquer pessoa de boa formação tinha esses
conhecimentos todos, e também em alguns lugares isso era feito por pessoas mais
profissionais e em alguns lugares por pessoas mais amadoras. Os madrigais italianos do
final do século XVI só podiam ser cantados por profissionais, enquanto que os madrigais
ingleses com certeza eram música para diversão caseira, era uma prática cortesã ou de
dentro de casa, que nem você comprar uma revista de violão e guitarra na banca de jornal e
trazer para casa para tocar.

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Agora vamos ouvir uma brincadeira com texto, que era muito normal nessa época. É uma
peça chamada La Francesquina. Vamos escutar o texto e perceber que é impossível
traduzir, porque toda vez que ele fala da bela Francesquina, ninina, piquina, o que interessa
no texto é só a primeira parte do verbo, porque todas as últimas sílabas são uma brincadeira
com o som do final da palavra.
Esse é um exemplo de madrigal onde o texto brinca com o próprio colorido da palavra, mas
a música precisou se articular no começo e no fim com as vozes imitando instrumentos e
quando a voz vai cantar o texto são só instrumentos que acompanham, as vozes que fazem
coro são deixadas de lado. Essa brincadeira com sonoridades como lariron, lariron deu
origem a outro refrão que ficou muito marcado tanto na música italiana quanto na música
inglesa que é o refrão do fa-lá –lá. Você espicha a duração musical separando dois versos
do texto para outros dois versos incluindo um pedacinho de música onde o texto agora é
‘fa-lá-la’, brincadeira só com a sonoridade para ter um discurso musical mais comprido
como por exemplo, nessa peça do Gastoldi.
Uma outra possibilidade do madrigal já era o madrigal sério, o madrigal amoroso, onde os
textos não falavam mais como exemplo desse anterior que falava do amor, deus amor, o
cupido que traga todos os seus soldados e as suas setas para flechar todos habitantes desse
nosso local. Já eram poemas mais líricos, poemas que falavam do EU como por exemplo:
Últimos meus suspiros. Nesse madrigal de Filipe de Rore podemos perceber que a música
não mais se repete, porque os textos poéticos, na hora que começam a ser mais elaborados e
passam a ter autores como Petrarca, Barini, ganham poesias mais elaboradas, então a
mesma música não pode representar todas as emoções contidas no texto, não se pode
repetir cada uma das estrofes diferentes com a mesma música que foi cantada
anteriormente. As estrofes passam a representar emoções muito diversas, então o
compositor é obrigado também a trazer músicas diferenciadas para cada uma desses
momentos. Esse já é um madrigal do final do século XVI, começo do século XVII.
Cultura: Na medida que o texto poético fica mais sério, mais real em termos de afeto....
Maestro Abel Rocha: A música vai junto, começa a ter mais possibilidades, a poesia
também tem mais possibilidades, se desenvolvem paralelamente.
Outro número musical, agora da Península Ibérica é uma canção, um madrigal espanhol
para voz e alaúde.
Esses quatro últimos números que ouvimos foram executados pelos King Singers, que são
conjuntos de solistas-cantores profissionais ingleses, que se formaram no Kings College,
que nós temos diversas gravações de música do séc. 19, muita música foi composta
especialmente para eles. São especializados no repertório Renascentista e eles tem até
gravação dos Beatles com arranjo para 4 vozes. São só homens que fazem a parte do baixo,
tenores e contratenores, porque a tradição inglesa do contratenor é muito forte, essa voz que
cantava falsete.
Por outro lado, neste último exemplo, vemos que aquele esquema da canção, estrofe que se
repete e é deixado para o último momento a entrada de vozes na última estrofe da música. E
as vozes não estão cantando nada mais do que a própria parte do instrumento, da viela que
também é um alaúde de tradição moura. E o texto fala das três mouras por quem ele está
apaixonado. Então a tradição espanhola por essa proximidade com a África também foi
diferente.
Cultura: A visão dessa paixão, o sentimento é diferente?
Maestro Abel Rocha: O sentimento, o próprio colorido da paixão, a facilidade do
relacionamento, ele estava apaixonado por três, coisa que a poética italiana e francesa vai

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estar apaixonado por uma e vai estar morrendo. A paixão é muito doída. O espanhol já está
apaixonado por três de uma vez. E uma curiosidade com relação a Espanha agora no final
do séc. XVI vamos ter a ascensão dos castrados, principalmente com o nascimento da ópera
no final do sec. XVI na Itália. E os castrados entraram na prática européia via Espanha, que
eram os eunucos que entraram nos corais das igrejas espanholas quando passaram para a
prática da religião católica, e daí eles são “exportados” e se transformam nestes grandes
cantores, nas divas, nos grandes artistas do sec. XVII.
Cultura: A prática dos castrati então vem desses eunucos que sobem....
Maestro Abel Rocha: O castrar era uma prática muito corriqueira em época de guerra. Os
povos vencidos tinham seus machos castrados para que eles não reproduzissem. Desculpa
fazer um paralelo, mas é a mesma limpeza étnica que se faz em diversas guerras
contemporâneas. Os vencedores matam os homens e copulam com as mulheres. Então a
prática da castração dos escravos era super antiga. Na Europa era usada para tratamento de
diversas doenças, como a gota: não sabia muito bem como tratar as doenças, então
castravam as crianças. E as próprias crianças mais jovens, os machos castrados que fugiam
para Europa. Estes mouros que fugiam para a Espanha era aculturados pela igreja católica e
começava a cantar na igreja e se transformava em cantores especiais, porque eram vozes
masculinas com tessitura feminina e depois eles começaram a ir para a Itália, porque a Itália
era o centro da religião. E é muito engraçado: até 1850 as partes de soprano na Capela
Sistina só podiam ser cantadas por espanhóis, a legislação falava que só os espanhóis
podiam cantar as partes de soprano, até então eles eram os mais especializados e com
certeza os castrados das óperas vieram de dentro das igrejas.
Cultura: Nós temos um último castrado Alessandro Moreschi com uma gravação de 1920 e
pouco que é um trecho da pequena missa de Rossini.
Maestro Abel Rocha: Talvez ele não possa ser usado tanto como exemplo porque você
tem cantores bons e ruins da mesma maneira. E as Famílias pobres no sec. XVIII e XVII
quando queriam que seus filhos ficassem ricos, os castravam, porque os castrati eram ricos,
porque eram especiais. Então se castravam as crianças por qualquer razão, para ver se iam
para corais das igrejas para ganhar dinheiro. Era um comércio inclusive, até que entrou em
decadência no final do sec. XVIII.
Mas voltando para nossa forma musical, já no sec. XVI vamos ver que enquanto o madrigal
italiano já precisa ter várias mudanças musicais para acompanhar o texto, as outras práticas
musicais não foram muito junto, como por ex. esse madrigal francês.
Nós ouvimos essa peça de Janequin e apresentada pelo Quarteto Angra, que são cantores do
Rio de Janeiro sob a direção de Roberto de Regina. Podemos perceber que tem uma
estrutura repetitiva, tem uma estrofe que podemos chamar A e uma segunda parte do verso
de B, repete a primeira parte da música A e volta para a segunda parte B e termina com a
primeira parte A. O francês precisa ter essa estrutura formal arrumada que o italiano se
livrou.
Ha também um outro significado da palavra madrigal, que aqui no Brasil é muito forte. Se
acostumou chamar de madrigal um pequeno conjunto de cantores como esse Quarteto
Angra. Porque são poucos cantores que talvez cantem um repertório dedicado a essa
formação de poucos músicos, que seria a formação do sec. XVI, mas que o nome se
generalizou no Brasil de uma forma muito forte e diversos grupos se batizaram de
madrigal, como por ex. o Madrigal Renascentista que foi um grupo muito importante no
Brasil, fundado inclusive pelo maestro Isack Karabitchevski já na década de 50. Depois
teve a direção de Afrânio Lacerda durante vários anos. E com eles, de Ronaldo Miranda –

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Belo Belo, que é uma música escrita sobre um poema de Manoel Bandeira. Quer dizer, o
exemplo típico de madrigal: um compositor pegando uma poesia de um poeta da sua
própria língua, do seu próprio tempo e escrevendo para um conjunto de cantores que se
auto denominam Madrigal.

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