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SILVESTRE
Jaciara Raquel Barbosa de Lima1, Roberto Remígio Florêncio2, Carlos Alberto Batista
dos Santos3.
1
Professora da Cooperativa Educacional de Xingó. Bióloga, Licenciada pela UNEB/Campus VIII. Atua na
área de etnozoologia com comunidades Indígenas e quilombolas. Quadra A, n°10, BNH, Paulo Afonso-BA.
48.605-146. E-mail: raquelzinha.lima@hotmail.com.
2
Professor Auxiliar do IF Sertão Pernambucano. Linguista e Pedagogo. Mestrando em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos, Programa de póes-graduação da Universidade do Estado da Bahia, Campus III.
3
Professor assistente da UNEB/DTCS, Doutorando em Etnobiologia e Conservação da Natureza (UFRPE),
possui Mestrado em Zoologia e Graduação em Ciências Biológicas. Atua na área de Zoologia, Conservação
da Biodiversidade, Manejo de Fauna Silvestre, Etnobiologia, Etnozoologia e Etnoecologia. Membro do
Nectas/UNEB e Opará/UNEB.
Abstract: The use of wildlife continues to exist throughout the history of mankind, and in
contemporary societies, wild animals have been used for many purposes, from food,
cultural activities, commerce, by-products in clothing, tools beyond zootherapy and use
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elements like magic- religious. This diversity of uses of animals by human populations,
combined with other factors, has led many animal species at risk of extinction. One of the
major challenges currently faced by environmentalists and environmental managers is to
reconcile the conservation of natural resources with the needs of local people who often
depend directly on these resources for their survival. In this sense the studies
Ethnozoological become an important tool for management of wildlife resources, since the
knowledge of how to use the animals for which species and populations are suffering
greater pressure contributes to development of strategies for conservation and sustainable
use of wildlife, taking into account not only biological diversity also more cultural diversity
and survival needs of the local populations. As an alternative to models vingente
conservatio, the creation of groups of interdisciplinary researchers, seeking contributions
in other areas to promote studies of the binding studies Ethnozoological studies
conservationists to prepare proposals for the sustainable use of wildlife.
INTRODUÇÃO
O Brasil é detentor de uma alta diversidade biológica. Estima-se que o Brasil possua entre
15% e 20% da diversidade biológica mundial, sendo também detentor do maior número
estratégias de uso dos recursos naturais (Alves, 2008; Alves & Rosa, 2007)
indígenas com estilos de vida tradicionais”. O art. 8 o. (j) estabelece que os países
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inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida
Para Torres et al. (2009), o uso sustentável dos recursos naturais deve possuir como uma
das suas premissas a compreensão das interações entre as populações humanas e seu
meio ambiente. Nesse contexto, pesquisas etnocientíficas são fundamentais, pois buscam
homem/natureza e como estas são classificadas pelos diversos grupos sociais, através da
O prefixo grego ethno tem sido utilizado por sintetizar o modo como às sociedades
compreendem o mundo (Martin, 1995), quando utilizado antes de uma área acadêmica
como a zoologia, temos a etnozoologia, isto significa que os pesquisadores desta área
estão investigando não apenas a fauna local, mas a percepção de uma população
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animais silvestres vêm sendo utilizados para diversas finalidades, desde alimentação,
ferramentas, com finalidade medicinal e/ou mágico-religioso (Alves; Rosa, 2006; Alves;
Pereira-Filho, 2007). No Brasil, animais vêm sendo amplamente utilizados como recurso
entre populações humanas e animais que estão inseridos no ambiente que as cercam,
com especial atenção ao conhecimento, uso e manejo dos recursos faunísticos (Marques,
2002), para Campos (1994), a etnozoologia traduz-se como o estudo da ciência zoológica
Diante do exposto, o presente estudo objetivou analisar e discutir o papel dos estudos
sustentável dos animais silvestres. Para isso foi realizado uma seleção de artigos
busca on-line através da base de dados Web of Science e Gooogle Scholar, utilizando-se
caça.
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ETNOZOOLOGIA E CONSERVAÇÃO
O emprego do termo Etnozoologia teve início nos Estados Unidos no final do século XIX
com o trabalho de Mason em 1899, sendo definido pelo autor como “a zoologia da região
tal como narrada pelo selvagem”. Neste trabalho, Mason investigou as técnicas de caça
As relações homem/animais constituem uma das cinco conexões básicas que toda e
quatro são: mineral, botânica, humana e sobrenatural (Marques, 1995). Essa diversidade
de interações com os animais pode ser investigada do ponto de vista das disciplinas da
ciência ocidental, tais como zoologia, psicologia e etologia, quanto pela perspectiva da
Surgiram assim os estudos etnozoológicos, que têm abordado vários temas, Albuquerque
caatinga, e verificaram que esses estudos têm dado enfoque à zooterapia (Costa Neto,
2000; Moura & Marques, 2008; Costa Neto, 2009; Alves et al. 2007a; Alves et al. 2008;
Coutinho et al. 2009; Alves et al. 2009; Lima & Santos, 2010; Alves et al. 2011a; 2011b;
Souto et al. 2011; Ferreira et al. 2012), mágico-religiosos (Costa Neto, 2002; Leo Neto et
al. 2009; Leo Neto et al. 2012), percepção cultural e a elaboração de sistemas tradicionais
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de classificação dos animais (Mourão & Nordi, 2002; Alves & Nishida, 2002), identificação
dos significados culturais dos animais (Costa Neto, 1998), conhecimentos tradicionais à
respeito da biologia, ecologia e manejo dos animais (Moura & Marques, 2007 ), entre
outros aspectos.
Em relação à fauna silvestre, seus usos e os meios pelos quais eles são explorados pelos
seres humanos, bem como as tradições culturais que realizam as interações entre
pessoas e animais, geram uma pressão maior ou menor nas populações exploradas
(Alves et al. 2008; Alves et al. 2010). Para garantir um futuro para as populações de
sistema regional comum, e os feedbacks que regem essas interações (Alves &
Albuquerque 2012a).
Este comportamento humano frente aos animais é formado pelo conjunto de valores,
conhecimentos e percepções, bem como pela natureza das relações que os seres
humanos mantêm com esses organismos (Drew, 2005). Para Alves et al. (2009), a
relações extremamente importantes para as sociedades humanas, uma vez que estas
Apesar das leis de proteção da fauna silvestre, estes continuam sendo vastamente
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Entre essas interações destaca-se a caça de animais vertebrados. Essa prática tem sido
portanto as implicações dessas atividades para a conservação são evidentes. O mau uso
A caça tem sido considerada uma das principais razões da diminuição das populações e
primitivas, a caça envolve uma série de mitos, crenças e tabus alimentares, que de certa
(Altrichter, 2005; Alves et al., 2009; 2012a; 2012b; Barbosa et al., 2010; Bodmer & Pezo,
1999; Bodmer & Robinson, 2004; Fernandes-Ferreira et al., 2012; Ferreira et al., 2012;
Mena et al., 2000; Ojasti, 2000; Peres, 1996; Peres & Nascimento, 2006; Peres &
Palacios, 2007; Redford & Robinson, 1987; Robinson & Bennett, 2004; Thiollay, 2005;
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(Bodmer & Robinson, 2004). Esta atividade, no entanto, vem sendo apontada como uma
(Altrichter, 2005; Alvard et al., 1997; Bodmer & Pezo, 1999; Chiarello, 2000; Peres, 1996;
1997, Redford & Robinson, 1987; Thiollay, 2005; Thoisy et al., 2005). Somente na
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que
ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
6.040/2007 (Brasil, 2007), Essas comunidades sofrem uma forte influência do meio
portanto, modos de vida e cultura diferenciadas (Urbano & Monteles, 2007). Segundo
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interdependência com esses mesmos recursos (Alves et al. 2009; Rêgo, 1999), assim
seus hábitos e práticas estão diretamente submetidos aos eventos naturais e a forma
modos de vida das etnias dos quais elas emergem e desenvolvem-se (Diegues, 1996).
Para Diegues (1996), existe uma relação simbiótica entre o homem e natureza, revelada
está pactuado: “os povos indígenas e as outras comunidades tradicionais têm um papel
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conservação dos recursos genéticos existentes nesses locais. Reconhecer esse fato é
para que a fauna silvestre seja devidamente valorizada não só do ponto de vista
tradicionais discutir e apontar caminhos a partir dos saberes tradicionais desta para
populações que dependem diretamente dos recursos naturais, fazem dessas populações
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gestoras do seu meio ambiente, o que resulta em modelos de manejos sustentável muito
2003).
Para Alves e Dias (2010), a única forma de viabilizar o uso sustentável dos recursos
comunidades em contato com estes recursos são também responsáveis pela sua
instrumento para manejo dos recursos faunísticos, uma vez que fornecem dados
referentes à fauna, além do inventario dos animais que estão sendo utilizadas pelas
para elaboração de estratégias de conservação e manejo (Alves et al. 2012b; Alves &
Estes estudos têm revelado que algumas das espécies utilizadas pelo homem encontram-
animais com uso na medicina popular, e a pressão adicional de caça sobre estas
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espécies, que também são utilizadas na alimentação humana (Alves, et al. 2012a; Alves &
Como estratégia para diminuir a pressão de caça sobre esses animais, Alves & Dias
(2010) sugerem a substituição dos produtos zooterápicos por plantas medicinais ou por
alimentar, sugerindo que esta prática pode ser aplicada em estudos conservacionistas,
uma vez que estaria maximizando o recurso retirado da natureza, ao utilizar as partes dos
animais que apresentam inutilidade e que seriam descartadas, além de diminuir a pressão
estudos prévios etnozoológicos, uma vez que estes levantam dados e conhecimentos
muitas vezes não consegue compreender e analisar este conhecimento, por não aceitar a
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos etnozoológicos fornecem dados valiosos que podem nortear estratégias para
populações locais.
discutidos de forma superficial, sem investigação e análise das causas que levaram a
utilizadas localmente e não apenas gerando um banco de dados que irão subsidiar
identidade com o uso sustentável da fauna silvestre. Estes estudos devem trazer no seu
escopo, as implicações éticas e legais das pesquisas, deixando claro em seu texto os
mecanismos que serão utilizados para proteger a propriedade intelectual dos povos
2007).
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