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Há muito tempo que o melro Preto, a pomba Branca e o canário Amarelo se encontravam
diariamente. Os três não podiam passar um único dia sem se abraçar, conversar e ajudar os
outros animais da floresta a serem felizes. Só falavam a verdade, praticavam o bem,
espalhavam amor.
Nos últimos tempos, os três amigos andavam muito preocupados com o formigueiro que vivia
no extremo sudoeste da floresta, mesmo junto ao oceano Atlântico.
Canário Amarelo: Aquelas formigas andam sempre tão tristes! Porque será?
Melro Preto: É verdade! Trabalham como escravas! Correm, correm, transportam enormes
cargas, sempre em silêncio. Temos de descobrir o que se passa!
Até que um dia, os três amigos encontraram uma formiga que se tinha isolado e que chorava
convulsivamente. Que grande oportunidade! Aproximaram-se, pousaram numa pedra junto
dela e…
A formiga, muito assustada e sem parar de chorar, olhou em todas as direções, escondeu-se
atrás da pedra e sussurrou:
Formiga muito assustada: Venham até aqui… não posso ser vista a falar convosco. Estou
morrendo de medo e de tristeza. A rainha do meu formigueiro mandou matar cinco das
minhas irmãs!
Pomba Branca: Por que razão a rainha fez tão grande maldade!?
Formiga: Porque a nossa rainha, que se chama Ditadura, quer que todas as formigas do nosso
formigueiro concordem com ela em tudo… ai de quem discordar!
Melro Preto: Para além de ser ridículo, é pouco inteligente, pois todos sabemos que muitas
cabeças pensam melhor do que uma só.
Formiga: Pois é, mas acreditem ou não, no meu formigueiro uma só cabeça pensa por todas!
Pobres daquelas que são apanhadas pelas formigas polícias a criticar a Ditadura!
Pomba Branca: Essa agora! A escutar as conversas das outras! Que falta de educação! E o que
acontece às formigas operárias que não concordam com a Ditadura?
Formiga: Nem queiram saber! Ai, não gosto de falar disso! São presas, insultadas, espancadas,
obrigadas a estar vários dias sem dormir e, por vezes, são mortas! Foi o que aconteceu às
minhas irmãs. Foi um sofrimento horrível!
Canário Amarelo exaltado: A rainha Ditadura tem uma pedra no lugar do coração! Como é que
as formigas operárias aguentam viver assim?
Formiga com a voz trémula: O que lhe parece!? Vivemos aterrorizadas! Algumas fogem para
bem longe para evitar as perseguições, a prisão e a tortura.
– Oh, coitadas!...
Formiga desolada: Que sina a minha! Viver num formigueiro governado por uma Ditadura!
Vejam lá que até as nossas formigas crianças se fartam de sofrer! Como há poucas escolas,
algumas têm de se levantar muito cedo, pois moram longe. No inverno, têm de andar
quilómetros ao frio, à chuva e por vezes com gelo a cobrir o caminho. Na escola, as professoras
batem-lhes e humilham-nas chamando-as de burras. Algumas passam fome, outras começam
a trabalhar desde pequeninas e nem vão à escola.
Canário Amarelo indignado: Pois então, têm de correr com a vossa rainha!
Formiga: Isso é o que você diz!!! Mas, a realidade tem mostrado que é quase impossível! As
formigas operárias mais corajosas já fizeram greves e manifestações e as formigas polícias
dispararam contra elas e mataram algumas. Outras ficaram feridas e aquelas que não
conseguiram fugir foram presas e torturadas.
Melro Preto: Só vos resta uma saída: pedirem ajuda a outros formigueiros que não gostem da
Ditadura.
Formiga muito desanimada: Pedir ajuda a quem!? A rainha Ditadura já conquistou vários
formigueiros e tornou-se dona de um grande império!
Pomba Branca: Não posso acreditar! E esses formigueiros não fazem nada para se libertarem?
Formiga muito baixinho: Querem saber um segredo? Há formigas descontentes com a guerra e
com a Ditadura que formaram um grupo de oposição e que estão a planear revoltar-se. Já se
reuniram com um formigueiro governado por uma formiga chamada Liberdade. Mas… algumas
formigas polícias andam a segui-las. Diz-se que o nosso exército vai invadir o formigueiro da
rainha Liberdade.
Pomba Branca em tom decidido para os seus dois companheiros: Temos de avisar a rainha
Liberdade. Venham comigo, despachem-se! Batam essas asas com força!
Os três amigos rapidamente chegaram ao formigueiro da rainha Liberdade. Pedem a uma das
sentinelas que guardavam a entrada para chamar a sua rainha. Esperaram alguns minutos,
até que…
Rainha Liberdade: Tenho muito gosto em receber-vos! Estejam à vontade! A que devo a vossa
visita?
Canário Amarelo: Ora, sabe?... Ficámos angustiados quando nos contaram que o seu
formigueiro pode ser invadido pelo exército da rainha Ditadura. Parece que as formigas
polícias espiam as formigas da oposição e já sabem que vocês são amigas. Logo que soubemos
isto, batemos as asas e voámos que nem relâmpagos para a avisar.
Rainha Liberdade: Oh, meus amigos, muito obrigada! Nós sabemos que a formiga Ditadura
detesta o reino da Liberdade. Já reuni com todas as minhas formigas e decidimos em
assembleia que, se o exército da Ditadura nos invadir, o vamos receber como amigo. Não
vamos lutar…
Rainha Liberdade: Não, não vamos lutar! Não concordamos com “olho por olho, dente por
dente”! Para nós, os conflitos resolvem-se através do diálogo e não de guerras. As guerras
prejudicam todos!
– Tem razão!!!
Os três amigos abriram as asas abraçando a rainha Liberdade e deram-lhe muitos beijinhos.
Passados alguns dias, o exército da rainha Ditadura, comandado pela formiga Maia, entrou
nas terras do formigueiro da rainha Liberdade, onde as formigas desarmadas formaram filas
nas bermas do caminho, aclamando o exército invasor:
Formiga Maia: Não posso acreditar no que os meus olhos veem e os meus ouvidos ouvem!
Então, nós invadimos as vossas terras e vocês recebem-nos como amigas!? E parecem tão
felizes…
Formiga Maia: Isso é mesmo verdade? No meu formigueiro, a rainha Ditadura decide tudo
sozinha. Pode dar-me um exemplo de uma lei que tenha sido aprovada na vossa assembleia?
Rainha Liberdade: Olhe, recentemente, um grande incêndio destruiu parte da floresta onde
vivemos. Sabe como começaram as chamas? Uma família de formigas decidiu acender uma
fogueira num piquenique, mas como não conseguiu controlar o lume, deu-se a desgraça!
Então, em assembleia, uma formiga fez uma proposta de lei muito interessante: no verão
deveriam ser proibidas todas as fogueiras e quem provocasse incêndios passava os dias de
folga e de férias a plantar sementes de árvores nas zonas ardidas. A proposta foi aprovada por
unanimidade. Até agora não houve mais nenhum incêndio.
Formiga Maia: Muito bem… Que bela lei! E pode dar-me exemplos dos vossos direitos e
deveres?
Formiga Liberdade: Sim, claro. Se alguma formiga adoecer tem direito a alimentação e a
assistência médica gratuitas. A escola também é gratuita. Mas todas, sem exceção, têm o
dever de cumprir o horário de trabalho, que inclui uma hora extra para angariar comida e
medicamentos para as que adoecerem, construir hospitais, estradas, escolas e pagar às
formigas médicas e às formigas professoras. Essas horas são aquilo a que chamamos impostos.
Rainha Liberdade: Querida amiga, não lhe vou mentir, por vezes, algumas tentam não
trabalhar, mas quando são descobertas trabalham o dobro. Foi isso que todas decidimos, por
isso todas devemos cumprir.
A formiga Maia estava extasiada a ouvir a formiga Liberdade. Não conseguiu discordar dela
em nada, tudo lhe parecia fazer sentido.
Rainha Liberdade: Amiga Maia, devo estar a ser tão maçadora! Vou calar-me.
Formiga Maia: Minha querida Liberdade, que o gato nunca lhe coma a língua! Só por a
conhecer já me sinto livre também! Apetece-me ir para a rua gritar vivas à liberdade! Por
favor, fale-me mais sobre o seu reino.
Rainha Liberdade: Nunca me calarei! Sou a Liberdade e onde eu estiver, todos podem falar
livremente. Amamos a paz e somos solidárias. Queremos viver vendo os outros felizes e não a
sofrer. Não queremos odiar-nos uns aos outros, mas sim amar-nos como irmãos. É o amor que
garante a paz.
Formiga Maia: Tem razão, tem razão! Mas há tantas guerras na nossa floresta…
Rainha Liberdade muito emocionada: Oh, minha amiga, se há! Os mais fortes valem-se da sua
força para esmagar os mais fracos. Veja o que se passa à sua volta: a sua rainha respeita as
outras formigas? Não! Quem impõe a sua vontade através da força é ditador! Nós, as
democratas, usamos o diálogo como arma. Às vezes, até lamento a sorte dos ditadores: o seu
coração está cheio de ódio, intolerância e crueldade em vez de amor.
Formiga Maia: Minha querida Liberdade, abriu-me os olhos! O meu formigueiro não é feliz
porque não é livre!
A formiga Maia pediu licença para se retirar. Sentou-se numa pedrinha, pensou, pensou, e
disse para si própria: “Não guardes para amanhã o que podes fazer hoje! O meu formigueiro
também tem o direito de viver em liberdade! Vou falar com as minhas tropas, e é já!”
Reuniu as formigas militares e esclareceu-as das suas intenções: voltar ao formigueiro e acabar
com o governo da rainha Ditadura. Depois, fazer eleições para as formigas escolherem uma
nova rainha e as deputadas para uma assembleia, como no reino da rainha Liberdade.
No meio da euforia, ninguém se apercebeu que uma formiga, chamada Junqueira, tinha
desaparecido. Tinha corrido a sete pés para avisar a rainha Ditadura, na esperança de ser
nomeada formiga chefe do exército. E foi isso mesmo que aconteceu.
Quando as tropas da formiga Maia apareceram na sua frente, a formiga Junqueira gritou:
Formiga Maia: Venho em paz! Vamos conversar! Pertencemos todas ao mesmo formigueiro,
temos de evitar que haja mortos e feridos!
Formiga Junqueira gritando enraivecida: Qual o quê! Nem pense! Sou eu a comandante do
exército. Entregue-se imediatamente ou mando disparar.
A formiga Junqueira ordenou a uma formiga subalterna que disparasse, mas… ela recusou. A
comandante ficou furiosíssima:
Formiga Junqueira: Você já estragou a sua vida! Está presa! Está presa! Prendam-na, prendam-
na!
A formiga Maia ficou tão emocionada que até teve de morder a mandibula inferior para não
chorar. Mais tarde afirmou: “Apercebi-me que foi naquele momento que a Ditadura tinha sido
derrotada!”.
Ao saber dos acontecimentos, a rainha Ditadura e algumas das suas amigas refugiaram-se no
quartel onde dormiam as formigas polícias. Pacientemente, a formiga Maia procurou
convencê-las a entregarem-se:
Formiga Maia: Tenham juízo! Estão cercadas! Entreguem-se! Se não se entregarem mando
bombardear o quartel.
Ainda mandou disparar uma rajada de metralhadora para as intimidar, mas não foi preciso
mais porque elas acabaram por se entregar, perante os aplausos de milhares e milhares de
formigas que gritavam:
A rainha Ditadura e as suas amigas foram presas e, mais tarde, obrigadas a ir viver para muito
longe.
Formiga Maia: Hoje é um grande dia para todas nós… finalmente somos livres! Agora, vamos
fazer eleições para escolhermos uma rainha que defenda a liberdade e vamos também eleger
uma assembleia para fazer as leis! Assim, o nosso reino passará a viver em democracia. Ah, e
vamos dar a independência a todos os formigueiros que foram ocupados pela rainha Ditadura.
Se queremos a liberdade para nós, também temos de a dar aos outros!
As formigas ficaram tão felizes, tão felizes, que se abraçaram, beijaram e gritaram bem alto:
– Viva a liberdade! Agora, as formigas unidas nunca mais serão vencidas! Agora, as formigas
unidas nunca mais serão vencidas!
A pomba Branca arrulhou, o melro Preto e o canário Amarelo chilrearam! Até deitaram umas
lagrimitas de alegria!
Naquele dia do mês de abril, a pomba Branca, sempre a arrulhar, foi pousar ao lado da
formiga Maia e, olhando para o cravo vermelho preso no cano da espingarda, exclamou:
Pomba Branca sorrindo: Que felicidade, que alegria! A paz a vencer a guerra, a liberdade a
triunfar sobre a servidão, a solidariedade a derrotar o egoísmo! O amor a vencer o ódio! É o
fim da ditadura no formigueiro do extremo sudoeste da floresta! Viva a democracia!
Francisco Cantanhede