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Chaves: O Diógenes em forma de guri

Aviso:
Nenhuma das ideias aqui expressas pretende desvendar o que Chespirito tinha em mente ao
criar seus personagens e o seriado. Tudo que aparece por aqui é mera fricção, digo, ficção
(inclusive esse aviso).
“Pode ser que seja coincidência, pode ser que não, o mais correto é: quem sabe?”
Para Fadia Samra, minha companheira e chavesmaníaca nas horas vagas.
Introdução
Em meio a tantos “... e a filosofia” (“Simpsons e a filosofia”, “Harry Potter e a filosofia”,
“Seinfeld e a filosofia” e o impressionante “Metallica e a filosofia”), alguém já deve ter
pensado: e por que não um “Chaves e a filosofia”? Pois eu já pensei. Apesar da filosofia ser
vista como coisa séria e de “adúlteros” (ops, digo, adultos!) essas séries de livros “... e a
filosofia” não deixam nada a desejar quanto a seriedade e maturidade, com um toque de
fanatismo com o objeto a ser tratado, seja uma série, banda ou filmes. Neste ebook isto não é
diferente, uma vez que está extremamente presente o fanatismo de quem escreve (no caso,
eu).
Sou estudante de filosofia e fanatissississississímo por tudo que envolve o nobre
seriado Mexicano. A ideia surgiu há algum tempo, no final de 2008 e no começo de meus
estudos em filosofia. Observei o sucesso de livros “e a filosofia” e achei mais do que plausível
um “Chaves e a filosofia”; aliás, não só plausível como algo imprescindível e que agradaria ao
público chavesmaniaco. Desde então mantenho um blog com o nome “Chaves e a Filosofia”
que teve um retorno muito positivo de fãs do seriado. Achei que as referências filosóficas se
esgotariam rápido. Porém, os assuntos foram surgindo, brotando naturalmente. Em casa, na
rua ou no metrô lembrava de algo que podia ser usado para o blog e acabava escrevendo sem
grande dificuldade.
Apesar de alguns contratempos, o blog conta com aproximadamente 60 postagens e
50 mil acessos (não é muito para internet, mas pra mim foi algo extremamente gratificante).
Decidi escrever um ebook depois de muito tempo de blog, vendo muitos exemplos positivos
de pessoas que publicam ebooks baseados em blogs. A ideia é organizar o conteúdo de lá,
acrescentar algumas coisas e tirar outras, assim criando um formato de livro primeiramente,
de maneira a presentear os leitores virtuais e de fora da rede, além de presentear a mim
mesmo que sempre quis ver nas estantes um exemplar de “Chaves e a Filosofia” (mesmo que
seja nas estantes da internet!).
Informo que a bibliografia e referências não contidas nos próprios textos encontram-se
disponíveis no blog.
Agradeço desde já a todos envolvidos, desde leitores , amigos e minha companheira
que apelidei carinhosamente de Florinda Meza. Foi ela quem fez a revisão de alguns textos do
blog. Ela tentou fazer a revisão deste livro mas devido aos muitissississississississímos erros
“do português” e falta de tempo para revisar tantos erros resolvi publicar o livro mesmo sem
uma revisão completa. Diante disso o livro que tens em tela foi reduzido para metade do preço
que pensei (de 10 para apenas 5 mangos). Espero que gostem, comentem e recomendem a
amigos.
E zás e zás e zás...
Por que não Chaves e a Filosofia?
Primeiramente, é preciso responder a essa pergunta ou pelo menos tentar uma
hipótese provável: por que uma série de tanto sucesso e que provavelmente também faria
sucesso nas livrarias foi deixada de lado?
Essa série “... e a filosofia” foi feita por William Irwin, natural dos Estados Unidos , e é
indiscutível que, em seu país, as sitcoms são uma tradição, portanto, é difícil pensar que um
programa de origem mexicana, notadamente bem sucedido na América Latina fosse se tornar
objeto de análise. Não sei o quanto Chaves é assistido por lá, e apesar da referência do criador
dos Simpsons, Matt Groening (aquela abelha que aparece na televisão dos simpsons), tenho
certeza que lá o nosso querido seriado não é a preferência nacional.
Por outro lado, mesmo por aqui, sinto que o potencial de Chaves e o alcance que ele
tem é e sempre foi subestimado. Acredito que as suas audiências televisivas - que
surpreendem mesmo depois de tantas repetições – é tão proporcional quanto o seu “potencial
filosófico” . Espero mais uma vez mostrar o quanto Chaves é rico (em sentido figurado)
inclusive no campo da filosofia ao longo deste livro.
Vila do Chaves X Ágora Grega

A despeito dos personagens, das histórias e de inclusive outros espaços físicos, a


famosa Vila do Chaves é o espaço onde os fatos acontecem no seriado. É lá que ocorrem os
diálogos engraçados, os bordões, que mostram todo um viver e acontecimentos. Talvez muito
de nossas vidas - que julgamos complexas e intensas - ocorram em alguns espaços físicos aos
quais não damos a devida atenção e a ideia aqui é justamente analisar a Vila que abriga nosso
nobre seriado. Segundo o próprio Chaves (Roberto Gomez Bolaños) este local representa uma
entre outras tantas vilas iguais da américa Latina , onde provavelmente outros garotos como
Chaves dividem espaço com Kikos, Madruga , Florindas, Francisquinhas e assim
substantivamente [sic.].
Em contrapartida, a Ágora Grega, apesar de remeter a uma cultura exuberante e
grandiosa, também era um local de convívio público na Grécia que abrigou o início do que se
chama de filosofia ocidental. Havia mercados, festejos e outros meios de interação. Além
disso, muitos dos diálogos de Platão apresentam Sócrates nesse espaço de convívio comum.
Era ali que ele supostamente usava de sua famosa ironia e também questionava-se e refletia
sobre os motes que mais tarde serviram de base para se pensar uma boa parte da filosofia
platônica.
O livro começa com essa comparação. Outras tão ou mais inusitadas aparecerão ao
longo dos textos juntando chaves e filosofia.
Pois sim, mãos de sogra, digo, mãos à obra!
Os personagens e sua
ligação com a filosofia:
Chaves: O Diógenes em forma de guri

Chaves: -"Eu não moro no barril, eu só entro no barril por que... bem, você sabe... pra... "
Kiko - "Só por esporte."
Chaves: -"Isso!"
(Diálogo entre Chaves e Kiko)

A primeira coisa que viria à mente de qualquer estudante de filosofia que se


propusesse a escrever sobre Chaves e a filosofia provavelmente seria relacionar o personagem
Chaves à Diógenes de Sínope, o cínico.
O termo “cínico” vem da palavra grega kuón, que significa “cão”, provavelmente por
causa da identificação de Diógenes com os cães, embora haja quem diga que o nome originou-
se do local onde Antístenes (fundador do cinismo e discipulo de Sócrates) teria fundado sua
Escola, o Ginásio Cinosarge. Não sei por que, mas me simpatizo mais com a primeira hipótese.
Cão ou não, Diógenes ia bem além de brincar de dar mordidinhas, afrontando os
costumes, indo à praça se masturbar dizendo estar prestando suas homenagens a Deméter e
Afrodite, e ainda com a mão ativa, dizia: "Quem dera eu poder matar a fome só de esfregar a
barriga!"
Conta-se que no calor do verão, Diógenes rolava na areia e, no frio, se abraçava ao
mármore gelado, tudo isso pela independência e autarquia radical até ante as intempéries da
natureza.

O Cinismo não foi fundado por Diógenes, mas foi nessa figura histórica grega que a
corrente filosófica ficou famosa. O Cinismo pregava o desapego literal aos bens materiais e
externos, ou seja, um desapego físico a esses bens. Nesse quesito, Diógenes se destacava por
ser o exemplo maior deste modo de vida. Ele não tinha posses, sequer roupas (usava sempre o
mesmo pedaço de pano), dinheiro ou qualquer coisa que o fizesse dependente. A ideia era ser
o mais independente possível, em termos atuais, o mais autossustentável possível.
A maior das coincidências entre os dois é que Diógenes tinha como "residência" um
barril ou um tonel (aqueles compartimentos de colocar vinho que muitas vezes aparecem em
desenhos animados). Aliás, os dois não, pois é de conhecimento de todos que o garoto Chaves
não vive em um Barril ele mora com ****** (este é um segredo que perdura por todo seriado,
e eu, como todos, também não sei a resposta). Sempre que alguém o pergunta, Chaves é
“cortado”, sendo impedido de revelar este ponto (e isto acontece em mais de um episódio).
O caso é que ele sempre nega morar em um barril e termina perguntando como
alguém poderia viver dentro de um. Diógenes conseguiria responder a essa pergunta. Reza a
lenda que o filósofo só passou a viver em um barril porque, quando ordenou que lhe
construíssem uma casa não foi atendido, o que fez com que ele precisasse improvisar uma
moradia. O garoto Chaves fez o mesmo, mas usava-o como um esconderijo para chorar que é a
verdadeira função deste objeto no seriado.
No livro “O mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder, a origem do Cinismo é definida numa
passagem da vida de Sócrates; ele estava passando pelo mercado de Atenas, e teria
comentado: “Vejam quantas coisas um ateniense precisa para viver!”
Esta fala pode ser interpretada como uma forma irônica - ao estilo socrático - de dizer
que vivemos com mais do que precisamos. O modo de vida cínico de fato leva isto muito em
conta, ressaltando que para se viver não é preciso muito do que nos é empurrado - vemos hoje
um reflexo destes excessos principalmente com a publicidade. Se Diogénes vivesse nos dias
atuais, ficaria muito mais espantado.
Nesse ponto os dois (Chaves e Diogenes) vivem com pouco, mesmo que por motivos
diferentes, mas vivem.
A vida do Cínico, para Diógenes, se baseava no exercício e na fadiga, considerados
como instrumentos necessários para se viver feliz, para conseguir dominar todos os prazeres e
para se alcançar a plena liberdade. Ou seja, a doutrina cínica era "antiJaimista" promovendo a
fadiga e não evitando-a como tenta o nobre carteiro.
Para encerrar, transcrevo abaixo um diálogo que se parece muito com as falas de
Chaves, mas é Diógenes falando:
“Estava Diógenes jantando seu costumeiro prato de lentilhas, quando Arístipos se aproximou.
Arístipos, de Cirene, era também filósofo, adepto do prazer como único bem absoluto na vida.
Para poder levar uma vida confortável, vivia sempre bajulando o Rei.
Disse, então, Arístipos a Diógenes: ‘Se aprendesses a bajular o Rei, não precisarias reduzir tua
alimentação a um prato de lentilhas’.
Por sua vez, Diógenes retrucou: ‘E tu, se tivesses aprendido a te satisfazeres sempre com um
prato de lentilhas, não precisarias passar tua vida bajulando o Rei’”.
Kiko (Arístipos de mamãe)

-“ Pois fiquem sabendo que eu só como em aparelhos de porcelana” (Kiko)


-“Você ouviu Chiquinha? Ele só come em aparelho sanitario...” (Chaves)

Já que falamos de Chaves como Diógenes, agora falemos de Arístipos como... carinho,
coração , rei, querubim. Loteria! Ops! Digo, falemos de Kiko como Arístipos para destacarmos
uma certa rivalidade entre os dois filósofos.
Arístipos é considerado o precursor do que chamamos de hedonismo (expressando-me
de maneira bastante sucinta, esta é a corrente filosófica que define que o prazer e o fruir são a
essência do bem viver), diferente do cinismo que propõe a austeridade e independência para
se atingir uma vida plena. Independência e liberdade isoladas do prazer, segundo a filosofia
hedonista, não seriam desejáveis. As duas (independência e liberdade) estariam a serviço do
prazer e seriam um meio para alcançá-lo (comer em pratos de papel nem sempre pode ser
uma experiência boa caso já se tenha comido em artigos de porcelana, como diria Kiko).
A história anterior sobre as lentilhas era sobre Arístipos que também era filósofo. De
certa forma, ele e Diógenes conviviam juntos, assim como os dois garotos da vila. Arístipo
como bom hedonista busca o prazer como único bem absoluto na vida. É preciso cuidado aqui,
a frase não está incorreta, mas é preciso definir qual é a sua noção de prazer.
Na atual sociedade, é comum associar o Hedonismo a atitudes pouco positivas como
comportamentos destrutivos e irracionais. No entanto, o seu conceito do prazer quase sempre
vem ligado à razão, ou seja, há um controle racional do prazer para que o prazer não se perca
em algo vulgar. O simples “evitar o desprazer” acaba sendo um prazer nesta concepção e isso
responde a falácia dita contra o hedonismo de que, caso ele ocorra, ninguém pensará em nada
a não ser em prazeres efêmeros que se transformarão em vício e dependência).
Outro aspecto peculiar de Arístipos que o coloca em consonância com o Hedonismo é o
pensar nos cinco sentidos, estimulá-los e trazê-los à vida pois eles são o meio para o fruir. Para
isso, ele usava muito perfume, pois assim estimularia inclusive os sentidos alheios, o que
derruba outro mito, o de que o Hedonismo é essencialmente egoísta. Um dos “mantras”
hedonistas é: – “Frua e faça fruir, sem fazer mal nem a você nem a ninguém, eis toda a moral”
(Chamfort). O filósofo, segundo as anedotas de Diógenes de Laércio (outro Diógenes de quem
tratarei mais pra frente), fazia questão de se vestir bem. Igual ao Kiko e seu esforço para
manter seu terninho limpo, comer bem (como vimos no caso das lentilhas), além de ter
dinheiro para viver confortavelmente.
Assim como outros pensadores da antiguidade, não há nada que o próprio Aristipo
tenha escrito que sobreviveu. Tudo é contado por terceiros, principalmente por meio de
anedotas.
Para encerrar, gostaria de sugerir a leitura de um filósofo atual que se ocupa com o
Hedonismo de maneira intensa. Trata-se do francês Michel Onfray, que além de recontar a
história da filosofia, incluindo muitos filósofos excluídos e até marginais (Diógenes e Arístipo,
por exemplo) ele põe o Hedonismo no centro de sua filosofia, propondo um sistema filosófico
hedonista no campo estético, comportamental e até político.
Chiquinha e Simone de Beauvoir , juntas na luta feminista (!)

- "Que de hoje em diante as mulheres vão sair pra trabalhar e os homens que vão ter os filhos"
(Francisquinha pela liberação das mulheres femininas!)

A comparação é bastante válida, pois não deixa de ser espantoso que uma criança
esteja engajada no feminismo e na então propagada liberação feminina. A maioria dos
episódios do seriado datam da década de 1970 e, nessa época, a luta por direitos iguais entre
homens e mulheres era bastante presente na sociedade. No seriado, isso é mostrado com a
fala de Don Ramón dizendo que as mulheres fizeram muitas fofocas, ou seja, a coisa toda não
era levada a sério e mostrar uma mulher que interpreta uma menina clamando pela liberação
feminina não deixa de ser inusitado e corajoso.
Simone de Beauvoir também se destacou enquanto jovem, porém no meio acadêmico,
como filósofa (o que não deixa também de ser corajoso em vários sentidos). Ela estudou com
filósofos renomados como Merleau Ponty e Sartre, com quem teve um relacionamento aberto.
Ganhou alguns prêmios na universidade e era uma figura importante na academia francesa. Já
Francisquinha é tida como a mais esperta entre as crianças da vila (não que isso signifique
muito, digo...), mas é visível uma certa distância com relação a outras garotas da série como
Pópis por exemplo.
Não são poucos os que se posicionam dizendo que a questão de gênero já é algo
superado, que há oportunidades iguais e as mulheres estão ocupando mais espaços mas o
exemplo da filosofia é gritante (!), quantas são as filósofas importantes na história da filosofia?
Comecei falando de Diógenes e depois Arístipos e apesar de não ver nenhum problema em
falar de Simone de Beauvoir, o salto histórico é necessário e imprescindível, pois não se acham
muitas mulheres filósofas na antiguidade. Há o nome de Hypatia mas é muito pouco
divulgado; há também relatos de mulheres que acompanharam alguns cínicos em sua jornada
e viveram a austeridade da vida cínica; havia a presença (sim, a simples presença) de mulheres
no jardim de Epicuro mas é muito pouca a participação feminina na história da filosofia.
Apesar dos pequenos mas importantes avanços, é preciso lembrar esse simples dado. O que se
vê é o predomínio do homem ocidental e branco na história da filosofia. Mesmo assim, a
divindade da sabedoria na Grécia é curiosamente uma mulher, a despeito de toda exclusão e
desprezo pela mulher na Grécia antiga.
É de Simone de Beauvoir uma frase bastante usada no movimento feminista: “ Não se
nasce mulher, torna-se mulher”. Há toda uma visão existencialista na frase que aponta uma
série de papéis atribuídos a ela na sociedade e que faz haver essas diferenças levando-a a
aceitarem sua “condição”. Isso responde aquela falácia de que há mulheres machistas ,
partindo da premissa de Beauvoir , isso só significa que a “mulher machista” no caso,
introjetou os preconceitos que lhe são estimulados desde a infância.
No episódio da “liberação das mulheres femininas” (quase sempre exibido no dia 8 de
março), Francisquinha faz o seu discurso invertendo os papéis pré-estabelecidos quando diz
que o homem tem o direito de se fazer de difícil, e também ao dizer que agora são os homens
que vão ter os filhos. Apesar de parecer pouco, este é o contrário de um discurso conservador
que coloca a mulher como presa ao seu papel de mãe ou de “passiva” na hora da conquista.
Além disso, Chiquinha diz que as mulheres não precisam mais pedir permissão para cometer as
"barbaridades" que já cometiam antes quando não davam permissão (!). Pois sim, que todos
façam coisas bárbaras então, sem medo e repressão. Viva Simone de Beauvoir e Chiquinha
contra o patriarcado!
Dona Florinda e Olavo Carvalho (unidos contra a gentalha comunista mundial!)

"Um dia eu ainda vou me livrar de toda essa gentalha." (Dona Florinda)
"Avise, pra gente fazer uma festa!" (Chiquinha)

“************** ****** ********” (discurso censurado de Olavo de Carvalho, não tanto por
palavrões, mas pela ofensividade ao intelecto)

Poderia parecer muito ofensivo comparar a figura do controverso filósofo-astrólogo


Olavo de Carvalho à velha carcomid... digo, à dona Florinda e realmente talvez seja ofensivo...
para com a valentona do 14. Os dois partem de “simplismos” para expressar suas ideias e têm
uma verdadeira obsessão com um grupo que qualificam pejorativamente. No caso de D.
Florinda, se trata da gentalha; de Olavo Carvalho, os comunistas.
Começando por D. Florinda, podemos dizer que ela atribui todos problemas de sua
vida à gentalha, qualquer problema que acontece é culpa dessa classe. Se há falta de água é
por culpa da gentalha, se o sr. Barriga sofre de problemas cardíacos, estes também foram
causados pela gentalha, dentre vários outros exemplos. Olavo de Carvalho segue a mesma
linha só que usa a palavra “comunistas”. Se os padres são acusados de pedofilia, foi culpa do
comunismo infiltrado; a teoria do evolucionismo? Coisas de comunistas e daí para pior,
infelizmente.
Para quem teve o prazer de não conhecê-lo, falarei a seguir sobre o “difícil” filósofo-
astrólogo. A tarefa já começa difícil diante da simples titulação de "astrólogo", pois muitos que
o defendem e admiram no campo da filosofia acreditam que citar este aspecto é um sinal de
preconceito com ele e já indicam uma classificação tendenciosa; mas o caso é que, sim, ele é
astrólogo. Não sei se ele ainda exerce esta profissão, mas isso nunca foi negado, nunca houve
uma notificação formal de desistência ou autocrítica. Isso revela, na verdade, o preconceito
contra a astrologia por parte de quem defende Olavo de Carvalho (também há preconceito
contra a astrologia por parte de quem não o defende), já que esta “ciência” é tida como uma
desqualificação a sua pessoa, algo vergonhoso, coisa de gente supersticiosa e sem instrução. É
bom dizer que, no campo da astrologia, há livros escritos por Olavo e muitos astrólogos o
usam como forte e importante referência. (A partir daí, já se pode acrescentar outra questão a
quem admira seu trabalho como filósofo: e daí? E daí que o filósofo que você admira pratica
algo que é tido como antifilosófico? Aliás, quem é que sabe o que é ou não filosófico?
Fernando Pessoa é menos poeta por ter sido envolvido com astrologia?)
Depois dessa ressalva, vamos citar o exemplo das famosas estatísticas para mostrar o
simplismo no pensamento de Olavo. No episódio em que se fala delas o nosso querido
professor faz a proposição de que cada vez que o Chaves respira morre uma pessoa na China.
O objetivo não é questionar a veracidade desta proposição, mas sim a conclusão a que chega
Chaves, afinal, ele pensa que, parando de respirar salvará os chineses da morte.
Em um artigo, o jornalista Pedro Dória critica Olavo de Carvalho, ressaltando uma
associação simplista em que ele julga o presidente dos EUA Barack Obama pelo local constante
em sua certidão de nascimento. Ao contrário de Chaves, que tira e expõe sua conclusão
parando de respirar, no texto de Olavo a conclusão fica no ar (de que Obama não é cidadão
estadunidense e a certidão é falsa). Nos dois casos, é exposta a velha falácia "post hoc ergo
propter hoc" (depois disso, logo, por causa disso) , ou seja , depois que Chaves respira chineses
morrem, logo, a morte dos chineses ocorre por culpa da respiração do garoto. Depois que
supostamente se esconde a nacionalidade de um candidato a presidência dos Estados Unidos,
logo, ele quer destruir os EUA ou explodir Moscou (só faltou dizer que come criancinhas).
Nesse ponto, a filosofia, além de ajudar para que não prendemos a respiração sem
necessidade, seja com relação a chineses ou qualquer outra coisa, ajuda a nos tornar mais
conscientes do simplismo presente em certos discursos.
Por fim, digo que sempre tive curiosidade quanto ao filósofo-astrólogo, pois
constantemente ouvia a respeito da esquerda ser burra e dogmática em ignorar discutir a
filosofia de Olavo, que há um preconceito pelo que ele representa, que por trás das paranoias
e loucuras de se ver comunismo em tudo a esquerda ignora todo um tesouro de pensamento.
Li pouca coisa e, para falar a verdade, quis evitar a fadiga logo no começo (dizer que gays são
moralmente corruptos, que a evolução é coisa de ateus comunistas, é fundamentalista e
ridículo independente da erudição com que você fale isso). Dos poucos artigos que li ou que
consegui ler me fizeram chegar a uma diferente conclusão, a de que a "esquerda" é
extremamente inteligente ao ignorá-lo.
E quando se fala na experiência do próprio indivíduo, não há o que se contestar. Há um
texto em especial sobre Newton que tive o desprazer de ler que lança toda sorte de
disparates, zombando, numa jactância de ignorante da ciência, distorcendo teorias científicas,
colocando as novas descobertas da ciência como desqualificadora do físico. Qualquer cientista
e produtor de conhecimento sabe que não existe verdade definitiva e Newton não foge à
regra, não apresenta sua tese como verdade absoluta e sim justamente o contrário. Talvez o
fato de Bolaños ter usado o exemplo da China comunista poderia alimentar mais paranoia
infundada, talvez não, quem sabe... Quem quiser tirar suas próprias conclusões fique a
vontade de ir atrás do polêmico filósofo, mas depois não digam que não avisei. Seja o nome
que for, de comunistas a gentalhas, a filosofia contribui para trazer mais consciência a respeito
de discursos simplistas e preconceituosos.
Seu Madruga, Jaiminho e o Direito à Preguiça

"Não existe trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar." - Seu Madruga
"É que eu quero evitar a fadiga" - Jaiminho, o carteiro
" O homem é o único animal que precisa trabalhar" - Immanuel Kant

“O Direito à preguiça” é um livro, na verdade, um panfleto com o mesmo nome,


escrito por Paul Lafargue. O título chama bastante a atenção de qualquer um e aposto que
chamaria a atenção dos nossos dois queridos personagens: Seu Madruga e Jaiminho.
Os dois representam diferentes perspectivas no que tange a preguiça. Explico (tento) :
enquanto Seu Madruga é a personificação do que pretende o livro direito a preguiça, diria até
que é contemporâneo do autor tamanha a sua aversão ao trabalho, além da sua defesa da
preguiça tanto no seu modo de vida como em frases que diz, fora o fato de Lafargue ter escrito
o livro em 1880 (portanto é um pouco mais velho que Don Ramon) daí eles viram mesmo
contemporâneos. Jaiminho é diferente: podemos deduzir que sua preguiça (representada no
repetido refrão:-"É que eu quero evitar a fadiga"), provém do seu trabalho que se faz cada vez
mais cansativo - pois além do já puxado trabalho de carteiro ele tem de carregar a bicicleta
que lhe dão - já que não sabe andar nela. A bicicleta que poderia evitar tanta fadiga, acaba
gerando mais fadiga. Diante disso Jaiminho representa o que é descrito no livro sobre o que o
trabalho faz ao proletariado: os envelhece precocemente, debilita e embrutece. Resumindo:
Seu Madruga é preguiçoso de nascença, Jaiminho por maioria de votos.
Mesmo com a terceira revolução industrial: robôs, mecanismos automáticos, cibernética, o
trabalho não diminuiu , tudo poderia ser melhor mas o que se vê é desemprego para muitos e
horas extras para outros.
Em meio a tudo isso reinvidica-se o direito ao trabalho , mas e o direito a preguiça? Como diria
Seu Madruga a própria palavra já diz (!), não esqueçamos que "trabalho" deriva do latim
"tripalium". "Tripalium" era um instrumento de tortura, usado para torturar escravos. Dito
assim parece que o livro é totalmente anti trabalho, porém é preciso situa-lo melhor. Na época
em que foi escrito, os trabalhadores nas oficinas parisienses (isso é na França que é capital de
Paris digo..ops) trabalhavam em média 15, 16 e até 17 horas, em péssimas condições de
trabalho (a vida é labuta, disse a formiga!). Mesmo com essa situação muitos operários
estavam convencidos de que o trabalho em si mesmo era uma atividade dignificante e
benéfica.
Hoje em dia, há em certos lugares na Europa a ideia de um tempo para descanso no trabalho,
geralmente depois do almoço permitem que os empregados descansem. Isso funciona bem
por lá mas e aqui no Brasil? No México? Vamos pegar o exemplo dos boias frias daqui , se
fosse dito a eles que depois do almoço poderiam descansar muitos provavelmente não
aceitariam, pois eles ganham de acordo com o que produzem, logo, não podem se dar o luxo
de descansar.
Na verdade a ideia de ócio no livro-panfleto vai além, Lafargue, 120 anos atrás, já alertava os
trabalhadores para o fato de que a jornada de trabalho poderia ser substancialmente reduzida
(segundo ele, poderia ser de apenas três horas), caso os avanços tecnológicos fossem usados
em benefício dos que trabalham e não em proveito dos que lucram . Ele assegura que os
trabalhadores não conseguirão convencer os patrões a investirem em inovações tecnológicas
se trabalharem muito. Ele diz: "É porque vocês trabalham muito que as máquinas industriais se
desenvolvem lentamente". E fala que eles só obterão mudanças rápidas no aperfeiçoamento
das máquinas se, ao contrário, não trabalharem muito. Percebemos aí que se o trabalhador é
responsável por isso, também há a possibilidade de mudança pelas mãos do próprio
trabalhador.
É evidente que o trabalho, respeitando-se a necessidade humana de ócio e tempo livre, é uma
atividade imprescindível a todos. Mesmo nosso querido Madruga tem consciência disso, e o
mais engraçado é que mesmo quando trabalha ele o faz por preguiça, como quando diz que
arrumou um emprego devido a uma frase que ouviu na TV:" - Não existe nada mais trabalhoso
do que viver sem trabalhar", ou seja, o emprego lhe serviu para ter menos trabalho do que
teria se não trabalhasse.
Zenon Barriga e Pesado

- Agora eu vejo como o senhor é um homem bom. Suporta todas as injustiças. E como as
suporta... Estoicamente!
- Estou o quê?
- Estoicamente... Com estoicismo!
- Ah, sim, claro.
(Diálogo entre Seu Madruga e Zenon... digo Senhor Barriga, em As pessoas boas devem amar
seus inimigos 1978)

Muitos devem se lembrar do nome do senhor Barriga no seriado: Zenon Barriga e Pesado
(quem não lembra é só ver o episódio do velho do saco). Barriga e pesado são só apelidos, na
verdade sobrenomes (em espanhol apelido quer dizer sobrenome embora os sobrenomes do
"Senhor Barriga" podem ser usados como apelido, enfim...) mas vamos nos concentrar no
primeiro nome: Zenon, e na fala do começo deste texto que remete aos estóicos.
O diálogo desse episódio acontece depois que Seu Madruga leva um tapa, como sempre
acontece, e por algo que ele não fez, como quase sempre acontece. Seu Barriga presencia o
fato e dá inicio ao diálogo aqui transcrito. Por que o velho Barrigão, digo o Senhor Barriga,
chama de estoicismo essa atitude de Seu Madruga? A atitude de suportar os golpes que a vida
lhe dá?
O nome Zenon (em grego Zenão) e a referência aos estóicos é mais uma feliz coincidência
(pelo menos para mim), entre a filosofia e o seriado Chaves.
Há mais de um Zenão na história da filosofia , um é o fundador do estoicismo e o outro trata-
se de Zenão de Eléia que embora seja interessantississsissimo , não tratarei dele por aqui, pois
não quero me estender em demasia.
O estoicismo é uma doutrina filosófica que afirma que todo o universo é corpóreo e governado
por um Logos (razão) divino (noção que os estóicos tomam de Heráclito e desenvolvem). A
alma está identificada com este princípio divino, como parte de um todo ao qual pertence.
Este lógos (ou razão universal) ordena todas as coisas: tudo surge a partir dele e de acordo
com ele, graças a ele o mundo é um kosmos (termo que em grego significa "harmonia"). A
partir disso surgem duas conseqüências éticas: deve-se viver conforme a natureza: sendo a
natureza essencialmente o logos, essa máxima é prescrição para se viver de acordo com a
razão.
(quem duvida que vá a Wikipédia)
Estóico: Diz-se daquele que revela fortaleza de ânimo e austeridade. Impassível;
imperturbável; insensível. (Isso explica a fala do Sr. Barriga).
A escola estóica foi fundada no século III a.C. por Zenão de Cítio (de Cittium), que preconizava
a indiferença à dor de ânimo oposta aos males e agruras da vida (como quando ele é recebido
com uma pancada cada vez que vai a vila, apesar do Sr. Barriga não ser completamente
indiferente nunca foi tomada nenhuma medida drástica).
Os Sofistas de salto alto (Para além da aritmética)

"Só me enganei uma vez em toda minha vida, quando pensei estar enganado."
"Enquanto tiverem livros nas mãos serão pessoas honradas, serão gente de bem! Em outras
palavras...enquanto tiverem um livro nas mãos, serão como eu!" Tibruichhh (barulho dos livros
sendo jogados ao chão pelos alunos , após esse discurso)
(Professor Inocêncio Girafales)

Vou falar agora de um especial personagem , especial para mim particularmente. Trata-se do
professor Linguiç..., digo, Girafales.
Peço por favor que não caçoem dele. Talvez a vocês o trabalho dele pareça tolo, inútil, comum,
vulgar, sim, concordo! Mas é que devem levar em conta que se trata de um indivíduo sem
nenhum preparo. De um pobre-diabo que é ridicularizado por um bando de meninos, de um
pobre infeliz que tem toda sorte de apelidos. Deixe-me continuar: de um joão ninguém... bom,
acho melhor parar por aqui, não quero elogiá-lo assim em público.
Bem a aritmética...(me interromperam aqui enquanto escrevia isso, é impressionante!). Vamos
lá, retificando: a filosofia, apesar de feita desde sempre por filósofos, não teve desde sempre
essa nomenclatura para quem praticava a filosofia e o filosofar, o termo filósofo foi utilizado
pela primeira vez por pitágoras, pensador matematicista do sec VI a.C. para diferenciar os
sofistas dos verdadeiros filósofos, os sofistas ensinavam os chamados sofismas, que são
premissas verdadeiras levando a conclusões falsas. (Ex. Lima é capital do Peru, lima é uma
fruta, logo a capital do Peru é uma fruta ou o clássico Deus é amor, o amor é cego, logo, Steve
Wonder é Deus , acho que pulei algo mas a idéia é essa). Esses exemplos são bem exagerados,
mas a idéia era a de ensinar a habilidade para discursos primorosos, porém, vazios de
conteúdo, mais ou menos como os políticos fazem. Apesar disso e das críticas contundentes
feitas pelos filósofos da antiguidade devemos reconhecer sua importância para várias coisas,
como a democracia, na medida em que aceitavam a relatividade da verdade. Tanto que hoje
em dia, a aceitação do "ponto de vista alheio" é a pedra fundamental da democracia moderna.
Esse ponto da relatividade da verdade é bastante discutido em filosofia hoje em dia. Muito se
fala que essa idéia do relativismo gerou uma decadência na filosofia de hoje, e é bastante
comum se ouvir que a filosofia tem virado um vale-tudo, já que a verdade sendo relativa,
qualquer discurso é só mais um discurso, qualquer interpretação é só mais uma em meio à
tantas outras, a filosofia vira apenas idiossincrasias.
Mas creio que me desviei do tema. O que isso tem a ver com o Tobogã de Salto Alto*? Digo,
com o nosso Mestre linguiça? Digo, digo, com o professor Girafales? O que de semelhança há
entre os sofistas e o querido professor?
Na verdade a crítica mais costumaz feita aos sofistas por Platão é o fato de exigirem
pagamento por seus serviços. E é muito engraçado quando ouvimos um professor na
universidade, animado e empolgado quando fala sobre essas críticas de Platão feitas aos
Sofistas, pois trata-se de um professor que é pago pela universidade (e bem pago em muitos
casos). Um professor que não dá aulas, e sim as vende (!) Platão era rico e possuidor de
escravos, por isso podia muito bem se dar o luxo de ensinar de graça. Seria esse um sofisma,
justo de um filósofo? Um elitismo dele, ao concluir-se daí que só os ricos possam ensinar
filosofia?
Nosso querido professor, por outro lado, não se envergonha ao dizer que desconta os buquês
de flores que dá na conta da escola.
Meu objetivo não é ser relativista aqui mas é certo que há várias opiniões e interpretações a
respeito dos sofistas (muito do que eles escreveram foi perdido, e o pouco que temos de seus
escritos vêm dos seus detratores, com exceção de alguns fragmentos dos próprios sofistas).
Primeiro há os que os defendam falando de sua contribuição para a humanidade, depois os
que os chamam de prostitutas do saber (incluídos nesse grupo alguns professores de filosofia e
o próprio Platão é claro), já que vendiam conhecimento. E há ainda os que vem de forma
positiva a prostituição do saber, não no sentido de se vender o saber mas em ver nos
prostíbulos e na "ideia de prostituição" uma fonte rica de sabedoria. Como disse o libertino
Diderot: "Meus pensamentos são minhas putas" (tirem as crianças da sala), com isso ele queria
dizer que se deve fazer de suas ideias suas prostitutas, fazer da filosofia uma libertinagem do
espírito, relacionando-se com todas as ideias, com todas as teses e doutrinas sem se apegar a
nenhuma delas. Portanto o conceito de protistuição ganha outro sentido, o de evitar o
dogmatismo que supostamente estaria presente numa “monogamia de pensamento”. Parece
louco e de fato é, mas as ideias e filosofias nem sempre nascem “puras”, inclusive muito do
que diz Platão vem de Pitágoras que por sua vez se inspirou em outras filosofias ditas orientais.
Por outro lado, a própria palavra sofista quer dizer sábio (depois passou a significar impostor
devido às críticas de Platão), filósofo por sua vez quer dizer amante da sabedoria. Os sofistas
usam da retórica para dizer que sabem conversar sobre todos os assuntos,mas quando são
questionados, vemos que na maioria das vezes não sabem ao certo do que falam. Isso está na
essência da filosofia quando Sócrates faz seus interlocutores se darem conta de sua própria
ignorância. Seria como ir ao cinema com um amigo , e ao falar da coragem do herói do filme
ser questionado sobre o que é coragem? Você diria provavelmente que coragem é não ter
medo, e ele continuaria perguntando: e se pegarmos alguém com medo de altura, vendar os
seus olhos, depois levá-lo a um precipício, ele seria um corajoso por não ter medo? A coragem
nesse caso estaria atrelada a ignorância. Se você dissesse que a coragem é não temer mesmo
consciente do perigo, haveria mais uma pergunta provavelmente sobre se o fato de não se
temer indica uma inconsciência, ou seja , se estar consciente e não temer são duas coisas que
acontecem ao mesmo tempo, depois de outra resposta, outra pergunta e assim
substantivamente.
Para encerrar podemos fazer a analogia com o Professor sendo o Sofista , que desconhece sua
ignorância , que diz que nunca se engana e faz parecer que sabe tudo. As vezes porém ele é
surpreendido, com respostas que vão além do senso comum e do estritamente correto, eis um
exemplo:
Girafalles: -Os herbívoros comem vegetais, os carnívoros carne, Chaves qual é o animal que
come de tudo?
Chaves: -Ricos
* Piada adaptada ao Português, aliás muito bem adaptada, no original é tobogã de Saltillo ,
cidade Mexicana em que nasceu o ator que interpreta o professor Girafalles, Ruben Aguirre.
Filósofos,
correntes filosóficas
e o seriado:
Nada de exaltações. (Girafales e Epicuro)
-Cacuquetetinho
-Não entendo
-Cacuqueteetinho
-não compreendo
-Machuquei o dedinho!
(diálogo entre Chaves e professor ratoeiras, digo, Girafales)

Nada de exaltações! Nada de exaltações! Eis um mantra para Epicuro. Epicuro filósofo grego
do período helenístico.
Essa frase do nosso querido professor resume bem a filosofia de Epicuro e a vida que ele
propunha: -Sem exaltações. Algo impossível hoje em dia (provavelmente muitos pensarão),
bem, isso não era fácil nem na Grécia Antiga mas realmente hoje, na pós- modernidade (ou na
hipermodernidade), somos compelidos à exaltação. Trabalho excessivo, stress, trânsito,
publicidade vinda de todos os meios , vendendo-nos "prazeres"... prazeres? Sim! Esse é um
ponto chave do Epicurismo, o prazer. Já ouvi um ator que eu não vou falar que é o Peréio dizer
que hoje em dia vivemos o Epicurismo, principalmente os jovens, todos uns Epicuristas, só
vivendo pelo prazer. O entrevistador não contestou na hora , ao contrário, achou engraçado e
provavelmente ficou impressionado com a cultura do seu entrevistado (só citar Epicuro já
demontra uma certa cultura, mesmo que essa visão de Epicurismo, como sendo um
hedonismo vulgar, não corresponda à realidade) . De fato desde quando estava vivo, havia
lendas e boatos (da Dona Neves provavelmente), dizendo que o epicurismo é uma filosofia de
prazer grosseiro, trivial, bestial. Antes de tudo é preciso ter claro que quando se fala que
vivemos um Hedonismo desenfreado nos dias de hoje, sempre é uma referência ao
Hedonismo vulgar (busca pelo prazer imediato , sem critério, sem escolha), e muitos sempre
associam a palavra Hedonismo apenas ao prazer, porém evitar o desprazer é algo pouco
falado, e trata-se de uma prática Hedonista.
Segundo Epicuro há prazeres que devem ser evitados: Fama e Fortuna, por exemplo. " Outros
são naturais, outros são vãos de entre os naturais, uns são necessários e os outros somente
naturais. Finalmente, de entre os desejos necessários, uns são necessários à felicidade, outros
à tranquilidade do corpo e outros à própria vida. Uma teoria verídica dos desejos ajustará os
desejos e a aversão à saúde do corpo e à ataraxia da alma, pois é esse o escopo de uma vida
feliz, e todas as nossas acções têm por fim evitar ao mesmo tempo o sofrimento e a
inquietação."(Epicuro, na "Carta a Meneceu").
Por fim o Epicurismo visa a Ataraxia, a qual propõe que mesmo em um ambiente desfavorável
a razão deve triunfar, porém nem sempre nosso querido professor consegue isso em suas
aulas, além de não temer a dor (nem mesmo a causada por uma ratoeira).
As pessoas boas devem amar seus inimigos (Nietzsche e Chaves !!)

"O homem do conhecimento não só deve poder amar seus inimigos, deve também poder odiar
seus amigos."
(Nietzsche, em Ecce Homo)

"Acho que é bem difícil amar os inimigos, mas amar os idiotas é quase impossível"
(Seu Madruga)

Sim , quem diria ? Nietzsche (difícil escrever) e Chaves. Nietzsche (ctrl c...) , é um dos
pensadores mais comentados de hoje ao lado de Marx, Freud e até Darwin. É difícil não
falarem dele, citá-lo, e aqui não será diferente. Apenas um bom escritor? Auto-ajuda
sofisticada? Não vou irritar os Nietzschianos aqui, meu propósito não é esse.
Bem, foi Nietzsche que, escreveu essa frase do começo, só não diz "As pessoas boas", e ainda
acrescentava que devemos odiar os amigos. Sua frase tem um sentido totalmente diferente da
frase que é usada no seriado. Até mesmo a noção do que seria uma "pessoa boa". No livro A
genealogia da moral, Nietzsche usa de seus conhecimentos sobre Filologia (ciência que estuda
as línguas sobre a perspectiva histórica, diferente da etmologia que estuda a origem das
palavras).E mostra como o valor do que é bom mudou em consequência de duas "morais"
opostas . Antes a noção de bom era algo que afirmava a vida, algo ligado a nobreza, que
elaborava seu conceito de "bom" a partir de si mesma, “Eu sou bom, eu sou belo, eu sou
forte”. Em oposição, essa moral, cria-se o conceito de ruim para tudo aquilo que é baixo,
vulgar, plebeu. Essa é a moral dos senhores. Já a moral dos escravos nasce do ressentimento, é
sempre uma reação ao que lhe vem de fora. Sendo assim seu conceito original é mal, para
designar todo "não-eu" e com uma lógica surpreendente inferir: ele é mal, logo eu sou bom.
Os valores do que é "bom" na moral escrava, seria a compaixão, o amor ao próximo, e o
"ruim", o egoísmo. Durante longo tempo essa dupla forma de avaliar conviveu na história até a
revolta dos escravos na moral, que começa com o povo judeu e segue adiante com o
cristianismo, que irá consolidar a vitória da moral dos escravos como a única moral.
Pois sim , depois dessa explanação, e analizando a frase do seriado, dá pra se concluir que é
uma frase cristã. Porque o conceito de pessoa boa no programa, seria ser "superior", através
do amor ao seu inimigo provavelmente mau , "inferior". Além disso há o uso do "devem", "tu
deves...", em Assim Falou Zaratrusta, Nietzsche usa de uma metáfora para definir certos
estágios do homem, que ele chama de metamorfoses do espírito. Ele usa a figura do camelo,
do leão e de uma criança. Uma das possíveis interpretações é que o camelo (animal que
lembra uma lentidão e peso sendo carregado) carrega um dragão, o "dragão da moral" que
sempre diz: "tu deves"! Esse dragão pode simbolizar a religião, e o camelo são os fiéis que
acabam carregando esse dragão. O camelo se transforma em leão quando mata o dragão da
moral (religião) e daí se passa do "tu deves", para o "eu quero". Nesse estágio o homem se
encontra no niilismo, a vida perde o sentido e o porquê, pois o homem tem de viver de acordo
com suas próprias regras. Depois do leão vem o estágio da criança que simboliza a criação, o
nascimento, o homem criando seus próprios valores, segundo Nietzsche esse estágio seria
para poucos.
Voltando ao episódio: nele o garoto Chaves não faz um uso apenas cristão da frase, ele conclui
que se as pessoas boas devem amar seus inimigos , logo elas devem odiar seus amigos. Até se
deixa de bater no Kiko, porque "As pessoas boas devem amar seus inimigos", mas depois ele
acaba voltando atrás quando Kiko diz que é seu amigo. Além disso tem o caso de Seu Madruga
que gostaria de ser "inimigo" da Angélica Maria (moça bonita, moça formosa, moça bem
feita...).
Mas e a frase de Nietzsche o que quer dizer? Ela afirma que o homem de conhecimento deve
amar seus inimigos. Porque nossos inimigos no "conhecimento" sempre nos instigam,
provocam, nos fazem pensar e promovem nosso crescimento, enquanto os amigos devem ser
odiados, pois não promovem nosso crescimento e sim estagnação. Um viés completamente
diferente do dizer: - "As pessoas boas devem amar seus inimigos".
Hoje em dia, pelo que vejo, são poucos os que seguem as duas frases, se bobear nem nossos
amigos são amados. E esses amigos para serem amados tem de ter as mesmas idéias, os
mesmos gostos, o mesmo pensamento. O discurso vigente é o contrário disso, é de liberdade e
tolerância mas estamos longe de sermos gratos aqueles que tem opiniões diferentes das
nossas mas que conseguem dialogar.
Sade (!) em Chaves!!
Pois sim, primeiro Nietzsche e seguindo essa linha, Sade ou marquês de Sade. Já prevejo que
os inúmeros 2 leitores do blog se revoltarão. Não que isso seja ruim, a revolta é algo bom e é
diferente do ressentimento mas isso é outra história. O caso é que não é nenhum tipo de
apelação .
A idéia surgiu da leitura de um fórum no orkut, em que o ex episódio perdido do peludinho (o
cachorrinho da chiquinha), é citado. A citação era a respeito do boato do porquê o episódio ter
saido do ar, o boato era que o episódio foi censurado um tempo por supostas insinuações de
sadomasoquismo. Já no começo dele há uma alusão ao masoquismo mas não no sentido
sexual e sim no seu significado de sentir prazer na dor, aliás a melhor piada do episódio, que
tem duas músicas e poucas falas. A piada se refere a associar masoquismo ao ato de se olhar
no espelho, ou seja, a pessoa é tão feia que é masoquista de se olhar no espelho (claro que
dizendo e explicando não tem graça mas vendo é outra coisa).
A parte do sadomasoquismo está na brincadeira do Chaves e da Chiquinha. Não está presente
na fala mas sim nos gestos que lembram aquela coisa de escravo e dominador do
sadomasoquismo. Mas o que isso tem a ver com Sade? Na-da ? É o mesmo de sempre, pode
ser que sim , que não, porém o mais certo é quem sabe? Porém nesse caso é quase certo que
não.
O termo Sadismo existe em referência ao próprio Sade e define a "perversão sexual de ter
prazer na dor física ou moral do parceiro(s)" (quem duvida que vá a Wikipédia). Na época de
Sade seus escritos eram algo muito provocador (com enfemismos, ao contrário do que diz
Dona Florinda para Seu Madruga- sem eufemismos), sendo ele muito perseguido em seu
tempo devido seus escritos extremamente escatológicos e fortes, até para os dias de hoje.
Hoje em dia, pelo menos a parte do sadomasoquismo é bem mais tolerada (ninguém é preso
por gostar. Se Sade viajasse no tempo ia ficar impressionado com suas obras sendo
representadas no teatro, mas isso de viajar no tempo só acontece nos quadrinhos, como nos
Invisíveis). Quanto a tolerância, há tolerância "pero no mucho", e tenho essa mesma opinião
quanto a dita "revolução sexual" que foi mais por força das circunstâncias do que por qualquer
outra coisa ( Aids, o invento da pílula e de remédios para disfunção sexual). Digo isso pela
possibilidade do episódio ter sido retirado do ar, por uma suposta referência ao
sadomasoquismo, e bota suposta nisso.
Dito isto, digo que não sou muito fã daquelas redublagens com palavrôes...você pode achar
engraçado da primeira vez mas duvido que assista o mesmo número de vezes que o original.
Foucault e Chaves (1)
"- E depois dizem que eu é que estou louco!" (Chaves, a lucidez em pessoa)

Depois de um longo hiato de textos por aqui, nada melhor do que voltar com uma associação,
digamos, louca... Sim, escreverei sobre Foucault e Chaves (!), não sei quem ficará com mais
raiva "foucaultianos" ou "antifoucaultianos". Porém, como sempre, vale a máxima Girafálica
(no-ssa!): "-Nada de exaltações."
Há duas ocasiões (episódios) em que podemos associar Chaves e Foucault. Uma é quando se
trata da loucura (aliás, há mais de um episódio com essa temática) e outro é o famoso episódio
que fala da questão do crime (Ladrão, Ladrãozinho!) - esse último caso provavelmente
despertará a ira dos "antifoucaultianos". O original (escritos do próprio Foucault) já causa
enorme polêmica, que dirá uma associação com nosso querido seriado mexicano. Quanto aos
"foucaultianos", muito provavelmente acharão que a associação com a loucura é forçada e não
chega nem perto do gênio Foucault. O caso é que não tenho tamanha pretensão e, mesmo
com a inacreditável estatística de acessos, esse blog continua despretensioso até segunda
ordem (!). Dito isso, começarei desagradando aos "Foucaultianos" (embora será mais
interessante desagradar aos "anti").
Um dos episódios que trata do tema loucura é o não tão exibido Chaves louco. Nesse episódio,
como podem imaginar, chaves é tido como louco - e injustamente. Não, não são com as portas
que ele reclama. O que o faz ficar louco da vida, de verdade, são as falas coletivas de que ele
está louco. Nisso, tentam curá-lo desse terrível mal que é bater um papo com as portas (the
doors) jogando água fria nele. Um dos poucos que não quer fazer isso é o professor que cita
Dom Quichute, digo Quixote. Mas, ironia das ironias, o que se nega a fazer isso é o que acaba
molhando o pobre Chavinho, involuntariamente, quando este emenda: "- E depois dizem que
eu é que estou louco!". É uma coisa a se pensar. Que moral tem essa nossa louca sociedade
para falar em loucura e para tentar molhar os loucos?
Pois sim, depois dessa história, temos o Foucault com seu "História da Loucura". Nesse seu
livro, é feita uma genealogia da loucura que responde a essa pergunta no sentido de mostrar
como, ao longo da história, a sociedade criou uma "moral" e uma visão dos loucos,
segregando-os e aceitando essa prática que já acontecia com os leprosos na idade média
(métodos obsoletos, selvagens, da idade média!).
Em tempo, existe o episódio da Cruz Vermelha em que Dona Neves se faz de louca para não
pagar o aluguel e, astutamente, tenta enganar ao Sr. Barriga. No entanto, não há tanta relação
com Foucault pois, nesse episódio, os oprimidos (os tidos como loucos) saem ganhando!
Foucault e Chaves (2)

"Mas eu não rezei para que encontrassem o ladrão. Rezei para que o ladrão se arrependa e se
torne bonzinho..." (depois, música reflexiva e triste)

Fiquei de escrever essa continuação e ao contrário da terceira parte do episódio dos piratas
que nunca foi ao ar (pelo menos aqui no Brasil e todos outros países fora o México), cumpro a
promessa de uma outra parte e escrevo a continuação.
Na primeira parte tinha dito que falar sobre Foucault seria complicado e desagradaria tanto
quem gosta quanto quem desgosta do filósofo francês. Continuo dizendo isso , falar sobre
Foucault é complicadissississimo por várias razões desde a complexidade dos seus textos em si,
até tudo que se fala sobre ele de bom e de ruim, numa espécie de "mística" que paira sobre a
figura dele. Como já disse também, agora desagrado os "antifoucaultianos", não que eles
precisem de um texto para serem mais desagradados, Foucault já fornece material e polêmica
suficiente. Chamado as vezes de irracional e sem lógica, acredito que a idéia comum e a lógica
de "bandido é bandido", a idéia que quem estuda a origem e procura uma explicação da
criminalidade é defensor da bandidagem, essa sim é a verdadeira irracionalidade. *
Um dos livros mais importantes escritos por Foucault é Vigiar e Punir. O livro começa pela
narrativa da tortura, suplício e esquartejamento de um parricida, em 1757. A narrativa é feita
em detalhes e acaba dando ênfase da diferença dos dias de hoje e de como essa tortura com o
tempo (isto é, ao longo dos séculos XIX e XX), transmuta-se em outra coisa, transfere-se para
outro lugar. Não só passa do corpo para a “alma”, a tortura deixa também de ser prerrogativa
de quem detém um poder político que se sustenta fortemente na moral religiosa, no crivo
religioso, para passar a ser prerrogativa do poder legal, do poder educacional, do poder
psiquiátrico, do poder presente no trabalho etc. Em outras palavras, passa a ser tortura
disseminada, difusa, ou seja, praticada em todo lugar mas sem esse nome e sem que se
consiga perceber.
E o que isso tem a ver com o nosso querido seriado? Pois sim...nesse episódio depois do exílio
o garoto Chaves vai se confessar com o padre (logo no começo do livro de Foucault a
condenação de Damiens - o parricida- é pedir perdão publicamente diante da porta principal
da igreja de Paris), depois reza pra que o ladrão se torne bonzinho e se arrependa, ou seja, que
sua alma seja curada. E de fato o ladrão fumad...digo sr. Furtado acaba se arrependendo e
ficando bonzinho mas através da própria consciência, ao contrário do que normalmente
acontece e da descrição do filósofo de que o Estado- presente no sistema prisional com a sua
punição baseada na disciplina e vigilância- pretende não necessariamente fazer justiça ou
mudar consciências, mas sim manter o status quo e a sociedade do jeito que está.
Outros assuntos chavísticos-
filosóficos:
Diálogos Chavísticos

"Altruísta, se lutar é altruísta?!"

"E quem vai lutar com turista?"

"Altruísta é um homem que ama os outros homens!"

"Ah bom, aqui chamamos de outro nome..."

(Diálogo entre Girafalles e Madruga, um pouco menos familiar , apesar de ser familiar para
muitos...)

Escrevo isto enquanto Carlos Villagran (Kiko) e Edgar Vivar (Sr. Barriga) estão aqui ao Brasil e a
vinda deles foi , como não poderia deixar de ser, imensamente explorada pela mídia. Não
apenas pelo sbt , como por outras emissoras (a Globo não). Até aí na-da de mais. As aparições
no programa do ratinho foram emocionantes, a do Kiko então fez todo mundo se emocionar.
Porém uma coisa que me incomodou e sempre me incomoda quando falam do seriado é
atribuirem o sucesso do programa ao fato de ser um programa familiar, e se concentrarem
apenas nos bordões , famigerados bordões. São importantes é claro, e não deve ser fácil criá-
los (mesmo para os que chegaram cedo na distribuição de cérebros) mas quem é fã do
programa sabe que os bordões não são a essência do sucesso do programa. A essência está
nos diálogos.
Aqui no blog mesmo há vários exemplos , a magia toda , o encanto, o que faz com que se
assista tantas vezes , são os diálogos. Sempre se descobre algo novo ou se relembra algo que
se esqueceu deles.
Provavelmente quem lê esse livro sabe que Chespirito , o apelido de Roberto Gomez Bolaños,
quer dizer pequeno Shakespeare. Tal apelido foi posto nele pelo diretor de cinema Agustín P.
Delgado, que considerava Roberto Gómez Bolaños um pequeno Shakespeare (estatura de
Bolaños: 1,60m). O próprio Bolaños achou exagero mas claro que ficou honrado com a
referência e até hoje é chamado assim , inclusive pelos seus colegas de programa. (Grande
parte que viu o programa do ratinho não deve ter entendido, quando se referiam ao Chaves
como Chespirito)
Quanto a filosofia, ela também foi feita com diálogos. Logo no começo da filosofia, Platão
usava-os como forma de fazer filosofia, esse método é chamado de Dialética.
Podemos fazer uma analogia dizendo que os bordões são as falas dos sofistas , uma fórmula ou
uma receita para que todos entendam sobre o que está se falando, não deve ser desprezado, e
é natural usá-lo como referência. Porém, sem pensar num diálogo fica difícil se fazer filosofia,
como também fica difícil assistir Chaves.
Ética em Chaves

Professor, se essa gente sair daqui , onde vão viver?"


(Episódio em que Sr barriga deixa de despejar Seu Madruga da vila)

Ética é daquelas coisas que sabemos o que é mas não sabemos bem como explicar. Há várias
definições: de dicionários e "wikipédias", à empresas e até mesmo Pedro Bial (não assisto o big
brother mas me falaram que Bial definiu Ética como 'pequena etiqueta').
Em filosofia a ética se concentra em questões como liberdade, consciência, bem, valor, lei.
Diferente das éticas específicas de aplicação concreta como etica profissional, política, bioética
entre outras, na filosofia a ética estuda o "Bem" e, assim, o seu objetivo é a virtude na
condução da vida, facilitando a realização das pessoas: que o ser humano consiga a
"perfeição", isto é, a realização de si próprio como tal, a realização como pessoa. .
As questões da ética aparecem sempre no nosso dia a dia e não seria diferente no seriado. Há
mais de uma situação que envolve a ética mas a mais clara está no episódio do despejo do Seu
Madruga.
Pode-se dizer que o ato do Sr. Barriga foi motivado pela atitude dos vizinhos de Seu Madruga
(Kiko e Dona Florinda) que de princípio se mostraram satisfeitos com o despejo mas depois ,
refletindo melhor , foram solidários a Don Ramon. Aliás essa solidariedade tem lá a sua ética,
pois mesmo diante de tantas brigas ela se pergunta , "onde vai viver essa pobre gente?", a
ética está na impossibilidade de ficar contente com o despejo de um semelhante. Porque
dificilmente alguém além do Senhor Barriga esperaria 14 meses para despejar alguém (aquela
idéia do Kiko de esperar 14 meses em outro lugar e mudar de novo e de novo e assim
substantivamente...ad eternum). Voltando a barriga digo, digo , sim, isso mesmo, voltando ao
senhor Barriga: ele faz a mesma pergunta que Dona Florinda no final do episódio:- "se essa
gente sair daqui onde vão viver?", o seu pensamento foi o mesmo de Dona Florinda , essa sua
atitude, de deixar os 14 meses pra lá e se bobear "comemorar" 15, foi fruto de um
questionamento ético.
Antes é preciso esclarecer uma visível distinção entre ética e moral, bastante visível nesse
caso. A moral tem um caráter, prático, imediato, restrito e histórico. A ética por sua vez é
como uma reflexão filosófica sobre a moral que procura de certa forma justificar a moral. O
seu objeto é o que guia a ação e o seu objetivo é guiar e orientar racionalmente a vida
humana. Apesar de terem um fim semelhante: ajudar o ser humano a construir um bom
caráter para ser humanamente íntegro; a ética e a moral são muito distintas. A moral como já
disse tem um caráter prático e imediato, visto que faz parte integrante da vida quotidiana da
sociedade e dos indivíduos, não só por ser um conjunto de regras e normas que regem a nossa
existência dizendo-nos o que devemos ou não fazer, mas também porque está presente no
nosso discurso, influenciando diretamente os nossos juízos e opiniões. A noção do imediato
vem do fato de a usarmos continuamente. A ética, pelo contrário, é uma reflexão filosófica
sobre a moral que demanda um tempo até se fazer presente (moralmente Sr. Barriga teria que
despejar Seu Madruga mas depois de refletir, resolveu não fazê-lo).
Lembremos que moralmente é errado mentir , a sociedade condena isso até como forma de
preservação , pois a figura do mentiroso subverte a moral , os costumes , a nossa fidelidade à
palavra. Pois sim, e eis que no fim do episódio descobrimos que o Sr. Mentira contou uma
barriga (ops), uma mentira. Ele nunca assistiu uma luta de boxe , mentiu, mas por uma
questão de ética não podia despejar o simpático Madruga e sua filha da vila. Muito menos
chespirito perderia dois importantes personagens por miseráveis 14 meses de aluguel.
Chaves: Anti-socrático ou burro ao quadrado

"Ai que burro , dá zero pra ele"

(Chaves, tinha que ser el Chavo del ocho)

É muito conhecida a frase de Sócrates: -"Só sei que nada sei!". Há toda uma discussão acerca
dessa frase ser dogmática ou não, isso porque o “só sei que nada sei” apesar de tudo afirma
um saber, mesmo que esse saber seja o de não saber nada ele é um saber que é afirmado de
forma categórica. Um outro filósofo chamado Metrodoro de Quios afirma: “- nem sei se nada
sei”, essa frase visa apontar esse suposto dogmatismo de Sócrates, essa busca por não ser
dogmático de nenhuma maneira (talvez isso soe dogmático) é própria do ceticismo mas
ceticismos à parte, vamos lá:
Sócrates foi considerado sábio à sua época , por causa desse princípio, que é o de reconhecer
sua própria ignorância enquanto que a grande maioria quer se fazer passar por sábio. A
famosa ironia socrática consistia no diálogo que ele tinha com os transeuntes atenienses,
mostrando a ignorância dos seus interlocutores ao mesmo tempo que se fingia ignorante.
Por outro lado temos o Espequi... digo o menino Chaves, que sempre quando alguém diz algo
que lhe parece errado (geralmente esse alguém é o Nhonho), solta outra frase tão famosa
quanto a socrática: "-Ai que burro dá zero pra ele". E sempre que diz isso, a resposta de quem
é corrigido (Nhonho) estava correta, ou seja, quem era o burro e merecia as orelhas de burro
era o Chaves mesmo. Imagino o encontro dessas duas personalidades , aposto que Sócrates
não ia se conter e iria dizer: "Esse é burro que dá gosto", pois além de não ter consciência da
sua ignorância ainda corrige os outros quando não é necessário. Chaves por sua vez poderia
dizer o bordão enquanto Sócrates dizia só saber que não sabe de na-da. Talvez muitos usem a
frase de Sócrates diante de uma ignorância comum mas o príncipio talvez fosse reconhecer
que não se sabe de tudo, o que faz se estar aberto para a sabedoria. Muitos definem a filosofia
e o filósofo como “amigo do saber”, isso significa que a sabedoria é mais um caminho e não
tanto um ponto de chegada, ou seja, a sabedoria está mais em se estar aberto a novos
conhecimentos do que buscar uma sabedoria fechada em si mesma. Verônicamente, digo,
irônicamente, com esse pensamento Sócrates foi considerado um dos homens mais sábios de
todos os tempos.
Outro ponto, é que muita gente esquece o contexto dessa frase no programa que é de que
sempre que ela é usada o errado e ignorante acaba sendo quem proferiu a frase, no caso o
garoto Chaves. Inclusive um programa de humor dominical, que não vou dizer que é o Pâniko
(erro de escrita proposital) vem mostrando (ou mostrava) uma vinheta do Chaves dizendo: " Ai
que burro dá zero pra ele." A vinheta passou principalmente depois de mostrarem o campeão
mundial dos burros, Kiko, no programa. Tá certo que é mais pra puxar o saco dos fãs do
Chaves, que são muito, mas muito mais numerosos que do programa de humor dominical
(mostraram o Kiko em duas partes, na primeira foi bem claro o desprezo dos produtores do
programa, e de alguns dos comediantes, pela atração, porém na segunda, eles se redimiram e
se caracterizaram como os personagens do Chaves, acho que viram o quão representativo é o
seriado mexicano, através da grande audiência que tiveram) .
Isto só mostra que esse comportamento do Chaves é algo bastante comum , e há exemplos
dele a todo momento. Muitos corrigem os outros e na maioria das vezes, não sabem que não
sabem, e pior ainda, estão errados na correção. Fico com a segunda opção, não se tratam de
anti-socráticos mas sim de burros ao quadrado.
Chaves e a Política (nada de exaltações) parte 1

-"Eu estou tão nervoso hoje que seria capaz de declarar guerra aos Estados Unidos sozinho!"
Seu Madruga

Agora vou entrar no espinhoso (para alguns) assunto política. Existe o ramo da filosofia
chamado filosofia política.
Não creio que Chaves discuta e mostre o caminho de uma sociedade justa e ideal, ou que há
qualquer mensagem política-subliminar por trás do seriado (há a "luta de classes" entre o
Chaves e o seu Barriga mas é sempre sem querer querendo, já entre o Seu Madruga e Seu
Barriga só houve um esmagamento, em um único episódio). Ao mesmo tempo não desminto
nada do que é falado sobre o Chaves com relação à política, pode ser que sim, que não, mas o
mais correto e preciso como sempre é, quem sabe?
Vou falar aqui apenas o que eu vejo, e o que tenho conhecimento por leituras da auto-
biografia do Chespirito (auto-biografia que ele mesmo escreveu), separando criador, de
criatura (com licença criatura).
Muitos colegas da internet , camaradas e afins , me sugeriram abordar esse tema. Houve
sugestões que eu mesmo nunca tinha me dado conta, como a Dona Florinda representando o
capitalismo, ou os países ditos desenvolvidos. Apesar de achar interessante, uu discordo disso,
pois ligo ela mais a nossa classe média (cabeça nas nuvens e os pés na merda , crianças, leiam
porcaria por favor), porque ela não é rica, mora no cortiço e na vila como todos, tem algum
dinheiro a mais que os outros é verdade mas gasta tudo em impostos (aluguel), café , pirulitos
e brinquedos para o filho, Kiko é a mesma coisa, ele tem o que uma criança deve ter: um lar,
brinquedos e comida mas como comparado às outras crianças de seu convívio possui muito,
ele acaba se achando melhor que os outros. O menino rico de verdade é o Nhonho que talvez
por ter uma educação diferente do Kiko não humilhe tanto o Chaves (ele não divide sua
comida mais por gulodice do que por maldade).
É inegável que o seriado expõe as desigualdades na América Latina. Se alguém aqui no Brasil
em 1970 ou até mesmo hoje , tivesse a idéia de criar um seriado sobre um menino pobre que
vive em uma humilde vila e que convive com um homem desempregado, que não paga o seu
aluguel, ora porque não tem dinheiro para pagar, ora porque "prefere" gastar em comida ,
além de um menino mais rico que zomba da sua pobreza oferecendo comida e depois o
mandando comprar entre outras coisas, seria acusado de ser subversivo ou no mínimo de
esquerda.
Acontece que Roberto Gomez Bolaños que foi quem teve essa idéia não se encaixa nesse
perfil, pelo contrário, ele é de certa forma "conservador", embora não seja prudente rotula-lo,
ainda mais usando esse termo que por aqui no Brasil sempre esteve ligado a coisa ruim.
Isso soa bem estranho mas não pra quem leu a sua autobiografia, embora eu discorde dessa
denominação de "conservador" (tanto que coloquei conservador entre aspas).
O termo direita e esquerda que falo aqui surgiu na França depois da revolução francesa e se
refere originalmente aos lugares de cadeiras na Assembléia Nacional Francesa. Os mais
"radicais" se reuniam à esquerda do representante que presidia os debates, enquanto os
"moderados" ficavam à sua direita.
Antes de tudo é bom deixar claro que o termo conservador não se aplica somente a direita , há
conservadores ditos de esquerda. Existe o chamado socialismo reacionário que consiste em
idéias que propõe o retrocesso da civilização ,"voltar as cavernas" , viver em comunidade,
como eram os índios por aqui. É bom lembrar que o capitalismo não existe desde sempre
(lembre-se disso quando ouvir a frase:- Ah mas isso foi sempre assim, geralmente utilizada
para você se conformar com a ordem das coisas), antes existiu o feudalismo, Marx inclusive
escreve que a sociedade evoluiu nessa passagem do feudalismo para o capitalismo, e que o
comunismo seria o próximo estágio para acompanhar essa evolução na história, portanto ele
não fazia parte dos reacionários. Já Charles Fourier é um bom exemplo de socialismo
reacionário com o seu interessantíssissisissíssimo socialismo erótico (muito melhor que o Jabor
com sua pornopolítica)...

Continua!
Chaves e a política (nada de exaltações) parte 2

-"Há coisas que faço melhor com a direita que com a esquerda"
-"Como o que por exemplo?"
-"Coçar o braço esquerdo"
(Chaves aprendendo a lutar boxe com Seu Madruga)

Mas e o Roberto Gomez Bolaños? Onde ele entra nessa história toda? Você pode pensar:” - só
por não ser um entusiasta do E.Z.L.N *, não ser filiado ao partido comunista, esse doido
varrido chama o criador desse fantástico seriado de conservador!” Bem, bem , bem. Antes de
tudo vou falar de um outro assunto, a suástica. Eu durante muito tempo não tinha reparado
mas se reparerem bem (ainda mais se olhar, assim, contra a luz) no episódio em que eles
jogam futebol americano, no muro, acima de se vende, se vê claramente uma suástica
desenhada. Não vou entrar no mérito da história desse símbolo ser muito mais antiga que o
nazismo, o caso é que foi uma desatenção , um erro não calculado que não devia passar
desapercebido. Mas daí a dizer que isso é alguma conspiração ou propaganda nazista é uma
bobagem, por outro lado se bobear é possível que se implique com os charutos do professor
Girafales que dizem ser cubanos, mesmo que esteja escrito made in Taubaté neles (é que em
Cuba estão falsificando charutos de Taubaté)
Chespirito não é visto como “conservador” só por suas posições políticas, que mesmo sendo
discutíveis são coerentes e de certa forma "progressistas". (ele faz críticas aos métodos do
E.Z.L.N., dizendo que por nenhuma causa, por mais justa que ela pareça, deve-se recorrer a
violência, mas ao mesmo tempo reconhece o carisma do subcomandante Marcos e a
importância da sua luta, disse que foi a favor do Nafta, e além disso rasga elogios à Gorbachov,
citando a Glasnost que significa transparência e Perestroika que significa restauração,mais a
frente ele diz que o capitalismo radical está a espera de seu Gorbachov ocidental e que suas
medidas deverão chamar Transparency and Restoration, levando em conta o lugar provável
onde surgirá esse Gorbachov Ocidental).
Roberto Gomez Bolaños é tido como conservador no México mais por sua posição em relação
ao aborto (totalmente contrário à sua prática, inclusive se engajando em campanhas anti-
aborto no México, por ter feito isso foi bastante criticado por lá). Por aqui isso talvez não
significaria muito, pois é de conhecimento da grande maioria que a ex-senadora e atual
vereadora Heloísa Helena, tida como "radical", tem a mesma posição (não sei se a posição de
seu partido Psol é a mesma, já que o direito ao aborto é uma causa tida como de "esquerda").
Encerro essa saga com a história contada por Chespirito, no primeiro capítulo da sua
biografia... ele narra como veio a este mundo: (seu tio Gilberto que era médico lhe contou) -
sua mãe , grávida dele, mesmo correndo risco de morrer, se negou a fazer um aborto. Ela
sobreviveu e ele também (por supuesto).
Não que isso justifique (até porque, pelo menos aqui no Brasil, este é um caso em que o
aborto é permitido, quando há o risco de morte da mãe) , mas não fosse essa corajosa decisão
esse blog e principalmente o programa não iriam existir.
Chaves e a Política 3 (o retorno)

Dona Neves: - Já chega! Isso é uma fraude! Repita comigo: "Isso é uma fraude!"
Chaves: - Isso é uma fraude!
Dona Neves: - Mas havemos de lutar!
Chaves: - Mas havemos de lutar!
Dona Neves: - Pela emancipação da classe! E em defesa dos postulados que emanam das
formas estatutárias!
Chaves: - Tu.., Tutarias!
Dona Neves: - E a vitória já se adianta!
Chaves: - Anta!
Dona Neves: - E nem mesmo o salário que se achata...
Chaves. - Chata!
Dona Neves: - Deve ficar fora das coisas enquadradas!
Chaves: - Quadrada!
Dona Neves: - Essa é uma ofensa que não se dissimula!
Chaves: - Mula!
Dona Neves: - Mas havemos de lutar por nossos direitos sindicais! Fraternais! E pessoais!
Chaves: -Jornais! Animais! E... e tais.,.
Dona Neves: - E tenho dito!
Chaves; - E eu também!
(Discursos de Dona Marx digo Neves para o Proleta... digo Chaves)

Apesar de meus antigos posts sobre o assunto soarem mais como uma "desmistificação" no
que se refere a Chaves e a Política, quero citar um episódio em que a política se manifesta de
forma clara mas nem tanto. Como quase tudo do que se passa no programa , tudo é passado
de forma sutil, bem sutil.
Não sou um saudosista até porque não tenho idade para isso (e mesmo se tivesse) , mas em
meio a grande parte do humor que temos hoje em dia , vemos que hoje não há mais lugar para
tais "sutilezas"(não que haja algo de errado nisso). A linha entre a apelação e a ousadia é
muito tênue, embora é possível ser ousado sem apelar. Outra coisa é que nem sempre mais
dinheiro e recursos quer dizer mais graça. Às vezes o segredo está na simplicidade, caso visivel
do nosso querido programa.
Esse diálogo de introdução, é dos mais engraçados e geniais do programa (numa época de
certa "crise", pois, com a saída de Kiko e Seu Madruga - que retorna ao programa nos anos 80 -
fez-se necessário que chespirito adicionasse novos argumentos, elementos e ambientes , como
é o caso do restaurante). O efeito que tem esse discurso, quando assistimos, é de riso diante
das repetições praticadas pelo menino Chaves, que viram ofenças a velha carcomid... digo à
Dona Florinda. Mas lendo atentamente fica claro o discurso "esquerdista-sindicalista" de Dona
Neves discurso esse, "encoberto" pelos: - "Anta , chata , quadrada, mula...", não é genial?
E o genial não é porque é de "esquerda-sindicalista". Ao contrário disso, a leitura que podemos
fazer do episódio em questão é que o trabalhador, no caso o Chaves , repete e papagueia
discursos (pode ser tanto de "esquerda" como de "direita"), sem nem ao menos entendê-los.
Dona Neves , simboliza quem se sensibiliza pela situação dos fracos e oprimidos (tá certo que
ela desiste depois de ser chamada de louca). E Dona Florinda, a burguesia que acaba sedendo
diante dos apelos, protestos e ameaças de fechar seu estabelecimento, preferindo perder os
anéis ao invés dos dedos.
No fim há até um momento de ternura quando Dona Florinda consede o salário fixo, e meio
período, para que o menino estude. Quem assiste não fica com raiva de ninguém. Genial!
Ahh,se conseguir direitos e salários melhores fosse tão simples assim...
Chaves é para crianças? E filosofia?
Seu Madruga- Quantos anos você tem, Chaves?
Chaves- Oito, por quê?
Seu Madruga- É que eu não entendo como é que em tão pouco tempo se consegue ficar tão
burro!
Chaves- Pro senhor demorou mais?

Chaves é muitas vezes classificado como programa infantil, não que isso seja ruim. E não que o
programa seja uma coisa que se diga, minha nossa! Que programa adulto! Até porque a
classificação de programa adulto, geralmente acaba partindo para um outro lado na maioria
das vezes. Temos exemplos aos montes na internet. Se eu digitar aqui playboy Sandy, Sexy
Sandy capetinha, Playboy Francine, brasileirinhas , downloads video xxx, video da sobrinha de
Gretchem, Julia Paes, Monica Matos, enfim a lista é imensa. Irá chover paraquedistas do
google.(estou testando o google "analitiquis")
Mas tirando isso, Chaves era exibido em horário nobre no México, e grande parte do "infantil"
do programa veio do fato de muitas crianças assistirem o seriado, o que fez com que chespirito
se preocupasse mais com o conteúdo do programa. Cenas que as crianças poderiam imitar
como por exemplo um episódio em que o Chaves lambe um ferro de passar, foram ficando
mais raras, só ficaram os cascudos e tapas, mas em comparação com desenhos como Tom e
Jerry por exemplo, Chaves é pouco violento.
Não creio que as crianças tenham dificuldade de entender uma piada do programa, porém
perceber as sutilezas e inteligência dos diálogos, adimirar a simplicidade, é coisa que acontece
depois de uma certa idade. O próprio Roberto Gomez Bolaños fala disso em sua autobiografia
(sobre seu programa ser classificado como infantil), ele cita os quadrinhos de Mafalda do
quadrinista argentino Quino que na opinião dele são dos mais geniais, e não tem nada de
infantil, apesar de retratar o mundo de uma menina argentina de 7 anos.
E a filosofia? Ela ao contrário, é tida como coisa de adúlteros, digo, de adultos. É preciso bom
conhecimento da língua , interpretação de textos difíceis, exige uma formação árdua,
paciência, enfim nada de infantil (só o conceito que temos da palavra infantil, quando nos
referimos a alguém como sendo infantil, já é um bom material para "filosofar")
Mas mesmo com toda a sua complexidade, algumas perguntas da filosofia são muito parecidas
com as que as crianças fazem. Obviamente não podemos concluir daí, que a filosofia seja algo
para as crianças, assim como não podemos concluir que só por retratar coisas do universo
infantil, Chaves é um programa infantil. Questionar as coisas que ouvimos e as aparências , eis
um bom começo para as crianças.
O Na-da de Chaves
- “O que está fazendo Chaves?”
- “Na-da.”
- “Nada?”
- “Na-da.”
- “Quer brincar de alguma coisa?”
- “Na-da.”
- “Nada?”
- “Na-da.”
(Diálogo na piscina, digo na vila, entre Chaves e Chiquinha)

Não só na arte mas em filosofia a atitude de contemplação é importante. Não numa torre de
marfim acima de todos , exercendo uma atividade nobre e aristocrática, como era na época de
Platão mas numa simples escada, numa simples vila, por que não?
Hoje em dia, com os meios internéticos, estamos num devir incessante de informações,
passando um enorme tempo ouvindo o que todos falam mas sem tempo para se ouvir. Na
filosofia é necessário um pouco de introspecção, aliás não apenas na filosofia.
Não prometo porém que a introspecção será produtiva. Aliás o na-da chavístico pretende ser o
menos produtivo possível, talvez a própria loucura por produtividade seja por se distanciar
desse singelo na-da.
Quanto ao assunto "nada" , muito já foi dito no livro "Seinfeld e a filosofia", usando como
referência muito da filosofia oriental com o taoísmo, Heidegger entre outros. Algo que tenho a
acrescentar é que pensar o nada está longe de ser niilismo. Como Nietzsche, os místicos como
Eckhart Tolle e a tradição do zen-budismo, o que se pretende nessa reflexão é pensar o nada
para ultrapassá-lo, abandonando-o. Como eles costumam dizer, "nadificando o nada" numa
recusa do substancial a todo custo (se não entendeu nada, não foi nada, keep calm and...na-
da). Apesar de tratarmos não do nada mas sim do na-da, que a príncipio pode parecer uma
certa afazia, o nada também é importante, por isso recomendo a leitura do livro Seinfeld e a
Filosofia.
Como disse o na-da parece uma afazia mas uma certa afazia pode se fazer necessária para se
trilhar o caminho da sabedoria. O na-da pode ser uma ponte para se ter mais em contato
consigo próprio, pode ser o caminho das pedras para uma meditação, pode ser uma maneira
de se distanciar do objeto, ou pode simplesmente ser: na-da.
Como vemos no próprio episódio do Chaves em que se diz na-da, o na-da, a contemplação e a
introspecção são um meio e não um fim em si, pois é só aparecer uma "Patty" para tudo
mudar e se sair desse estado.
Cada um tem seu bode expiatório

"Bom, cada um tem seu bode expiatório..." Kiko (porta voz do senso comum)

Pois sim, eis que volto a escrever, e o tema vem bem a calhar porque também tenho meus
bodes expiatórios para justificar a ausência de textos. Mas como bem diz Seu Madruga:-" não
tem trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar(!)" , então vamos em frente (adiante):

Como a maioria sabe bode expiatório é o culpado, ou melhor, o que leva a culpa sem ser
diretamente o culpado real, e que acaba absorvendo essa culpa que é jogada sobre ele. Os
"bodes" não são apenas individuais e bem definidos como faz supor a frase do Kiko mas
também coletivos (muitos tendo o mesmo "bode") e abstratos (a economia, os bancos , o
sistema, os energéticos!)

E a filosofia? Qual seu bode expiatório? Bem...o mais conhecido e mais comum é justamente o
senso comum. O que se entende por senso comum nessa perspectiva são frases feitas, pré
conceitos, busca pelo normal,discursos que encontram o apoio da maioria. Já a filosofia busca
o contrário, busca o pensar por si mesmo - mesmo que muitas vezes se apoie nos
pensamentos de outros- a reflexão, um pensar a vida, e porque não dizer um viver o que se
pensa, ao invés do que prega o tal do senso comum.

Essa idéia me moveu a fazer filosofia, que de tão apaixonante consegue ir além até mesmo
dessa percepção tão presente e arraigada no campo filosófico. Uma das coisas que mais me
surpreenderam quandoestudante de filosofia foi tomar conhecimento de quem defendesse o
senso comum, como Oswaldo Porchat no seu Rumo ao ceticismo, e mais incrível vivendo o
senso comum:- "saboreando a vida cotidiana, com suas
alegrias e tristezas, com seus problemas grandes e pequenos..." Já citei por aqui a história da
camponesa e Thales de Mileto:" Thales está andando,olhando para o alto filosofando, até que
não vê e cai num buraco, nisso "uma simples camponesa de nobre coração que vai todos os
dias coletar lenha" ri e diz: - Ai esses filósofos. "
Essa anedota usada para mostrar a ignorância do senso comum que só vê uma queda e ignora
os complexos pensamentos filosóficos é vista de outro ângulo. Colocando o filósofo como
dogmático que se acredita superior , isolado numa torre de marfim e longe do cotidiano e dos
problemas mundanos. Tá certo que Porchat revê depois sua posição, vendo o quanto o senso
comum é dogmático, mas não deixa de ser surpreendente essa sua defesa do senso comum,
algo bastante incomum na filosofia pra dizer o mínimo, assim como é incomum no fim do
episódio Seu Madruga pagando o aluguel.
O passeio do Girafales (cético) *

-"Não diga assim com tanta certeza, somente os idiotas tem certeza do que dizem!"
(Professor)
- "Tem certeza?" (Madruga)
- "Completamente!" (Professor)

O ceticismo tão presente na ciência teve seu início na filosofia. Pirro de Elis foi o primeiro
cético que se tem notícia, muita coisa se perdeu e pouca coisa se sabe de seus escritos , o
pouco que sabemos vem de seus contemporâneos e de toda uma filosofia tentando refutar o
ceticismo, de Descartes à Agostinho.
O que é buscado na filosofia de Pirro é a ataraxia - tranquilidade da alma. Não se trata de
tranquilidade psicológica ou mesmo uma simples paz mas algo além disso, fruto de uma
experiência filosófica presente em estágios. O cético é fiel ao que lhe aparece, ao que chega
através dos sentidos (fenômeno) "primeiro ele vai em busca da verdade (zétesis), depois se
depararia com teorias conflitantes (diaphonia), cada qual pretendendo ser a única verdadeira.
Dada a falta de um critério para decidir qual dessas teorias assim opostas é a verdadeira – já
que os critérios dependeriam eles próprios das teorias e não seriam imunes ao
questionamento – considera que todas têm igual peso (isosthenia). Incapaz de decidir entre
elas, de fazer uma escolha, o cético se encontra então forçado a não se pronunciar (afasia) e,
portanto, a suspender seu juízo (epoché). Ao fazê-lo, descobre-se livre das inquietações,
alcançando, assim, a tranqüilidade da alma (ataraxia)."
A crítica aos céticos como eu disse no começo é muito presente na filosofia, ao se ver os
céticos em filosofia é comum ouvir que é algo fácil num primeiro momento, simplesmente
suspender o juízo para tudo, isso é muito fácil dizem, mas há de se lembrar que o ceticismo
combate em primeiro lugar com essa filosofia o dogmatismo. É comum pensar que hoje em dia
as pessoas são mais céticas , isso é falado até em tom negativo mas ainda há muito
dogmatismo no mundo, inclusive nessa frase do nosso querido professor linguiç... digo
Girafales que depois de dizer a frase do começo cai no próprio dogmatismo através da
pergunta que pode levar a ataraxia:" - Tem certeza?", a frase do professor é um dogmatismo
presente no próprio ceticismo que ela propõe, é bom dizer.
Os céticos e o ceticismo ainda são necessários principalmente hoje em dia onde não há tantas
certezas e as pessoas acabam ficando carentes de algo em que acreditar. Nesse estado o
autoritarismo se faz presente com o dogmatismo que o ceticismo combate.
Vejo os céticos sendo aquelas pessoas a lembrar-nos de sermos cuidadosos em nossas crenças
muitas vezes dogmáticas, mesmo que sejam crenças científicas (!), a beleza da ciência está em
ter o cuidado e a humildade de não propagar certezas e verdades absolutas mas sim em testar
a falibilidade das suas próprias teses. Encerro o texto com uma bela frase de Carl Sagan que
ilustra um pouco isso:

"- A ausência de evidência, não significa a evidência de ausência"

* o título remete a um livro de Diderot "O passeio do cético"


Churruminos, Átomos e Demócrito (!)
"Estou caçando Churruminos" (Chaves de Abder...digo da Vila)

Eis que lembro de Demócrito de Abdera, esse pouco lembrado, ou melhor, mal lembrado
filosofo antigo chamado erroneamente de pré-socrático - Demócrito é contemporâneo de
Sócrates e viveu no mesmo período que Platão, portanto não se encaixa nesta denominação -
muitos de seus escritos se perderam e há quem diga que propositalmente *, inclusive que
Platão evitava cita-lo em seus escritos pela sua teoria materialista que ia contra o idealismo
que Platão defendia em seus diálogos.
Demócrito é tido como maior expoente da teoria atômica, teoria esta que afirma que tudo que
existe é composto por pequenas partículas indivisíveis chamadas átomos. A teoria foi
aprimorada na Grécia e hoje. A existência do átomo é admitida pela ciência e sabe-se que é
possível dividi-lo, esta idéia apesar de tida como simples, sem maiores "metafísicas" engloba
toda realidade e a explica com a concepção de que a matéria sempre existiu. Não há um
momento de criação, um surgimento ou qualquer coisa do tipo a matéria simplesmente
sempre esteve presente.
Além de ser conhecido como "o filosofo que ri" sua semelhança com Chaves está na
imaginação aliada a percepção da realidade, segundo historiadores a teoria dos átomos foi
concebida no observar do efeito da luz vista em poeiras (olhando assim contra a luz rs), daí se
imaginou a existência de tais partículas mesmo sem os recursos de hoje em dia, talvez ainda
achem os Churruminos, Xirilófos e outros que habitam a nossa imaginação e do Chavinho,
mesmo que não enxerguemos tão claramente na realidade.
Teria sido melhor ir ver o Pelé * (Chaves e a estética)

-"Em espetáculos públicos uma mulher decente nunca vai sozinha"


-"Então o que que a senhora tá fazendo aqui" (diálogo pouco belo entre Don Ramón e a
Brux...digo dona Clotilde)

Eis que volto com o belo , ou melhor, o ramo da filosofia que dentre outras coisas o estuda, a
estética. Além disso ela estuda os fundamentos da arte. A estética se ocupa desde moças de
biquíni até mesmo chimpanzés reumáticos. Estética vem do grego e pode ser traduzida como
"sensação", "percepção". Os dois exemplos citados podem ser objetos de estudos estéticos,
tanto a moça de biquíni (belo) como o chimpanzé (não necessariamente belo). Por exemplo,
no caso da moça de biquini podemos relacionar com uma obra dita clássica, como uma
escultura ou pintura estritamente artística, ou seja, autônoma, sem nenhum intuito
pedagógico ou político aparente, sem uma razão funcional, arte pela arte. Esta inclusive é uma
corrente da estética, que parte deste princípio para definir o que seria arte. Nessa visão, algo
autônomo. Já o chimpanzé reumático pode estar ligado a algo de cunho político , que
pretende fazer uma crítica (seja lá ao que for). Nesse caso há correntes dentro da estética que
considerariam o chimpanzé arte, enquanto a corrente da arte pela arte o excluiria e não o
consideraria arte.
Em meio a isso pode-se surgir a crítica de um "vale-tudo" no que se seria arte. Uma pergunta
comum seria: - então tudo é arte? Porém, para se responder essa crítica e a pergunta, a
estética se usa do conceito que existe a arte e um fazer com arte. Pode-se cozinhar com arte
mas nem por isso sanduíches de presuntos serão automaticamente considerados arte.
Segundo Pareyson (estudioso da estética), a obra de arte é um objeto "em construção", já que
desde o seu início, mesmo antes de tomar forma física e existindo apenas enquanto vontade
"informe" de criação, ela já entra em um processo interpretativo por parte do artista. Essa
interpretação continua em todos os estágios da sua existência e da sua permanência no
mundo, defronte a cada ser humano que entre em contacto com a obra. A obra define-se
exatamente nessa presença em face a uma interpretação. Quando a obra não é pensada,
relacionada, discutida, ela deixa de ser obra. Assim, Pareyson define a sua Estética como uma
"teoria da formatividade", pois a obra está em permanente "formação".
Este é um dos muitos objetos de estudo da estética, mas o que isso tem a ver com o seriado?
Bom, fora o fato de eu acreditar que o programa é feito com incrível arte, podemos pensar a
estética questionando as emoções produzidas dentro dos fenômenos estéticos, ou seja, se
perguntando o que a arte produz de emoção no indivíduo. Nesse caso, pode-se notar no
seriado que é o cinema que produz essa emoção. Uma obra (no caso um filme) leva a uma
emoção e ao mesmo tempo uma conclusão estética e filosófica (!). A de que diante da
experiência estética de assistir o incrível "filme do pelé", eu prefiro vê-lo novamente a ter que
assistir outro filme, prevendo até mesmo antes do final do outro filme que teria uma
experiência estética superior caso assistisse o "filme do pelé". Em outras palavras: "Teria sido
melhor ir ver o filme do Pelé".

* Não sei se todos sabem mas o filme no original não é do Pelé e sim El Chanfle do próprio
Roberto Gomes Bolaños, o "filme do Pelé" foi coisa da dublagem brasileira.
Extra! Extra! Treze pessoas enganadas...
" - Este jornal também é da semana passada"
(Seu Madruga)

Não se trata de pegadinha, isso é realmente um capítulo. Já tratei um pouco disso quando digo
da torre de marfim que a filosofia é colocada e principalmente dos filósofos, tidos como seres
que enxergam acima de todos, para além do senso comum, porém o objetivo agora não é
tanto criticar mas mostrar o quanto de demasiado humano há na filosofia e se engana quem
coloca os filósofos como seres que não podem ou que não se enganam. E é especificamente de
"enganos" que gostaria de falar, porque eles existem.
Parece existir uma aura e mística na filosofia vista de fora, por quem não é da filosofia, de que
filósofos não erram em seus pareceres ou até que não podem errar, pois são extremamente
racionais. Ao meu ver isso pode criar limitações e até entraves na filosofia, porque ela vive de
discussão, erros , críticas, auto-críticas e até diria que de certas idiossincrasias. Os enganos de
certa forma enriquecem a filosofia, um certo radicalismo (no sentido de ir na raiz das
questões) é bem vindo. Ao contrário do sectarismo, esse radicalismo promove uma
eferverscência e problemas maiores a serem resolvidos. Criticar somente o que se
convenciona a criticar (partindo da convenção e não dos próprios pensamentos e ideias),
evitar críticas que resvalem em si, não se posicionar ou fazê-lo de forma protocolar, tudo isso
de certa forma limita o pensar e atuar filosófico.
Sartre já se declarou Maoísta, Foucault defendeu aiaitolás, Cioran defendeu um regime
fascista na Romênia, Heidegger tinha carteirinha de filiado ao partido Nazista... a lista vai além
de 13 pessoas enganadas provavelmente, mas nem por isso eles que se enganaram foram
menos filósofos, nem por isso deve-se esquecer o que defenderam, ou pior ainda: nem por
isso não se deve estudá-los. Fazer parte de algum movimento não o torna instantaneamente
corruptível com o livre pensar.
Muitos que se dizem livre pensantes que não se dobram a dogmatismos, acabam sendo
dogmáticos nesse ponto- e se declaram acima da discussão- porque pensam que a partir do
momento que qualquer um, em qualquer contexto, adere a algum movimento, o livre pensar
foi maculado (até mesmo se tal pessoa que aderiu a algum movimento volte atrás e reveja de
maneira crítica sua posição passada). Ao mesmo tempo, sob essa ótica, críticas só são
consideradas válidas se houver nelas uma solução do problema que está sendo criticado. Mas
será que é esse o papel da filosofia? Criar soluções? E o valor da discussão? Será que não
devemos buscar justamente combater soluções apressadas para problemas complexos?
Longe de ser um livre pensador, quem se coloca acima de ideologias está preso a esse
pensamento de torre de marfim, acima de todos, sem ver que seu posicionamento é também
ideológico e sem disposição para discussões ou ouvir posições diferentes da sua.
Por fim, até mesmo ao pensar que estamos enganados podemos nos enganar, já diria um certo
sofista-professor da vila. Pois então que se viva o engano ante viver evitando se enganar,
evitando críticas, evitando se posicionar. Não se muda o mundo ou se soluciona coisas não se
posicionando e se envolvendo. Como já diria o incrível mestre José Angelo Gaiarsa: "quem não
se envolve não se (des)envolve"
Episódios Perdidos X Escritos Perdidos *

Silvio Santos: - Já viu os episódios todos? Sabe quantos episódios são diferentes?
Rogério: - Olha... São 250 que vocês tem aqui, né?
Silvio Santos: - Exatamente.
Rogério: - Ficam repetindo, né. E os misteriosos perdidos , cadê né?
Silvio Santos: - Como é?
Rogério: - Os episódios perdidos.
Silvio Santos: - Não. Ainda não encontramos os perdidos . Mas encontramos os novos, os
desenhos.
Rogério: - Isso é bom, isso é bom..
Silvio Santos: - Já Chegaram 24 desenhos. Já viu 12. 13 aliás.
Rogério: - 26.
Silvio Santos: - Já chegaram, lá pro final do ano.
(Diálogo do extinto programa 21, um programa do SBT, lá um sonho de muitos fãs foi
realizado: perguntar ao proprietário da emissora, Sílvio Santos, a respeito dos episódios
perdidos .Rogério, é um gaúcho que faz imitações do Kiko, participou do programa que sempre
levava alguém que sabia tudo sobre alguma coisa, faziam várias perguntas sobre o assunto que
o convidado dominava e caso ele fosse bem ganhava um prêmio em dinheiro).

Muitos fãs de Chaves sabem bem do que estou falando. Tenho amigos que não são tão fãs
assim mas que já ouviram falar e me perguntam sobre eles. Mas para quem nunca ouviu falar,
existem episódios do Chaves que não passam mais, uns apenas passaram uma vez e depois
nunca mais foram mostrados.
Há várias "teorias" de como esses episódios se "perderam". Entre elas até incêndios e
inundações. O caso é que até em chamadas comerciais para o Chaves haviam trechos de um
episódio perdido , além disso, no extinto programa Falando Francamente, mostraram o
lendário episódio dos Espíritos Zombeteiros, portanto podemos concluir que esses episódios
não foram "incendiados" nem "inundados" nem mesmo perdidos.
A lista dos ditos "episódios perdidos" é imensa porém praticamente 80% deles são primeiras
versões de outros episódios que são exibidos normalmente. Tirando também as esquetes
como a dos ladrôes Beterraba e Peterete que não são exibidos.
Uma curiosidade é a hipótese de censura de alguns episódios com cenas "não recomendadas"
para crianças, pois as atitudes dos personagens poderiam influenciar o público infantil a
repetir os mesmos atos, dois exemplos:
"Os Inseptos" -1ª versão: Chaves lambe o ferro quente de passar roupas

"Brincando de Atropelamento"(A cruz vermelha 1ª versão): Chiquinha coloca esmalte de unha


no olho do Kiko para simular o sangue na tal brincadeira.(coisa que seria perigoso na vida real)

"Tudo isso deve-se ao fato de que Chaves a princípio não foi feito para crianças. Era um
programa humorístico que ocupava o horário nobre no México e se voltava para um público
adulto que atingia o horário. Mas sua popularidade e enredo atraiu também as crianças e a
partir daí, Chespirito passou a tomar cuidados com a atitudes dos personagens, diálogos, o
tema, e a história dos episódios ."
Fora esses dois episódios, Os Espíritos Zombeteiros citado anteriormente é um capítulo à
parte. Embora seja quase certo que seu cancelamento se deve a não renovação dos direitos de
exibição por parte do Sbt , dá pra ter uma idéia pelo seu conteúdo a causa, motivo, razão e
circunstância de não se esforçarem tanto para renovar, dado que o Espiritismo é levado muito
a sério no Brasil) e o Espírita Rick Medeiros um dos poderes do SBT .
Trata-se de um episódio muito engraçado que tem até duas versões (no Falando Francamente
exibiram a segunda). A história gira em torno do sonambulismo de Seu Madruga que faz os
seus pratos aparecerem no barril do Chaves, como os sonâmbulos não lembram o que fazem
nem Seu Madruga nem o Chaves sabem o motivo do desaparecimento e do aparecimento dos
pratos, respectivamente. Eis que Dona Clotilde sugere que é tudo obra de Espíritos
Zombeteiros e resolve fazer uma Sessão (acho que é assim que escreve) espírita na casa de Seu
Madruga. Depois de tudo esclarecido Dona Clotilde conclui que isso de espíritos zombeteiros é
tudo uma bobagem e que só pessoas ignorantes poderiam acreditar em tal coisa. Cada um que
tire as próprias conclusões e assista o episódio que está disponível no youtube.
Falei tanto de Chaves e quase que não falo da Filosofia. Bom na verdade esse é o único assunto
em que a Filosofia é menos complexa. O que provavelmente não aconteceu com os episódios
do Chaves, aconteceu com os escritos Filosóficos perdidos, grande parte deles foram perdidos
por incendios, e muitos desses escritos perdidos foram incendiados pela Igreja por
contrariarem suas verdades, junto com toda uma cultura pagã.

*essa postagem foi escrita há muito tempo, hoje em dia muitos dos episódios tidos como
perdidos são exibidos normalmente na TV.
“O português é um idioma tão bonito quando falado corretamente..."

Desde sempre alertei sobre minha "semianalfabetice" e muitos já se deram conta que minha
escrita não é uma coisa que se diga: "- Minha nossa mas que maravilha de escrita", esse livro
conta com a revisão mais do que necessária de Florinda Meza e muitos dos erros do blog
provavelmente serão corrigidos.
Dito isto aproveito para falar sobre o preconceito linguístico. Não para me justificar, até
porque estudei em um colégio bom a maior parte do tempo, com tempo livre e ócio para
aprender as regras de acentuação e gramática ao invés de ter outras preocupações mais
urgentes. Até a frase título desta postagem dita pela Francisquinha mostra algo introjetado por
pessoas que sofrem do preconceito linguístico, se acha "bonito" o falar corretamente quando
na maioria das vezes isso só indica a classe que você vem. No próprio seriado vemos exemplos
que quase sempre são praticados por Chaves ou Seu Madruga e corrigidos pelo Sr. Barriga e
Dona Florinda que tenta a todo custo se diferenciar da gentalha.
Outro ponto é que a língua é um fenômeno vivo e dinâmico, ou seja , “o bonito” de qualquer
idioma é não tanto o se ater a regras e mais regras , ou mesmo a tentar manter a todo custo
uma pureza da língua que não existe, pois a riqueza da língua se fez justamente pelas
mudanças e até mistura de outras línguas, portanto não faz sentido em ver beleza numa língua
estática , que nunca muda.
Encerro dizendo que não vejo falha de caráter em escrever ou falar errado, não acho bonito
nem feio. Parafraseando um certo poeta digo que a gramática não foi feita pra humilhar
ninguém. Só espero tornar a vida de um possível leitor mais fácil e a única preocupação é com
a compreensão dessas malo escritas linhas embora aceite uma kadeira na acadimia das letras,
por que não?
Não há trabalho ruim, o ruim é ter que trabalhar....

Muito se fala hoje sobre o movimento do "faça o que você ama" e eis que Don Ramon nos dá a
sua sucinta mas importante contribuição.
Há duas formas de interpretarmos a frase-título de que "não há trabalho ruim, o ruim é ter
que trabalhar" , primeiro podemos pensar que a obrigação de trabalhar que é ruim, o ruim é
"ter que trabalhar", ou seja, a obrigação e não o trabalho é ruim. O fato de se trabalhar em um
emprego chato e repetitivo ou ser um empreendedor a la Steve Jobs (seu segundo nome é
trabalho), não importa, o problema começa quando se há a ideia de trabalho compulsório (um
único trabalho como fonte de renda, a extrema dependência de consumo que é satisfeita com
esse único trabalho, o trabalho como única forma de realização pessoal. A pessoa acaba tendo
que trabalhar, vivendo para trabalhar e não o contrário), nessa possível visão acerca da frase
madruguistica não é tanto fazer o que se ama mas amar o que se faz, o esforço está em gostar
do que se faz, ver pontos positivos e não em achar o emprego perfeito porque não há trabalho
ruim, seja ele qual for, o ruim é ter que trabalhar, a obrigação trabalhar que torna o trabalho
um meio e não um fim em si mesmo. Trabalha-se por reconhecimento , status e não pelo
prazer em si da atividade.
A segunda forma de se ver a frase é interpretarmos que o trabalhar em si é intrinsecamente
ruim, ou seja, algo a ser evitado e feito na medida da necessidade, numa contraposição aquela
ideia de que trabalhando em algo que gosta, você não trabalhará um dia sequer em sua vida.
Sendo assim você tem a plena consciência que independente do quanto você ganha em seu
emprego, seja em realização financeira ou pessoal , nada disso se compara a viajar para
Acapulco ou simplesmente acordar as 11 h da madrugada.
Por fim, o discurso do faça o que você ama é tentador para quem está num trabalho chato e
repetitivo mas é preciso pensar bem e com cuidado sobre os valores que acabam ficando com
essa filosofia. Aliás, o próprio "movimento" do faça o que você ama tem respondido a essas
questões e colocado melhor o que se pretende dizer realmente com o faça o que você ama. É
preciso estar atento, pois essa ideia pode servir de mantra para empresas que querem que
seus funcionários nunca reclamem das condições de trabalho.
Eu prefiro morrer do que perder a vida

"A morte é propriamente o gênio inspirar, ou a musa da filosofia, e por isso Sócrates a definiu
como preparação para a morte. Sem a morte, seria mesmo difícil que se tivesse filosofado."
Arthur Schopenhauer

"A verdadeira questão não é se existe vida após a morte.


A verdadeira questão é se você está vivo antes da morte."
Osho

A morte é um tema bem amplo na filosofia, seria muito difícil abranger todos os aspectos em
que a morte é tratada na filosofia, pode parecer uma bela desculpa, e de fato é uma excelente,
mas dado a vastidão desse assunto no campo filosófico, vou me concentrar em apenas alguns
aspectos da morte na filosofia.
Pois sim, dito isso vamos lá: desde os "pré-socráticos", até os materialistas, até o próprio
Sócrates, Platão, idade média, moderna, contemporânea, Sartre, Camus (que inclui a questão
do suicídio), Schopenhauer, Nietzsche e muitos outros pensaram o tema morte de algum
ângulo. No nobre seriado há duas passagens que falam sobre o tema, uma está no vídeo e
outra na frase-título.
No vídeo vemos a parte que Seu Madruga encara a morte no espelho (em sentido figurado, na
figura de uma caveira), curiosamente isso se dá no dia do seu aniversário que ao mesmo
tempo que significa o dia do nascimento, significa estar mais próximo da morte. Cada dia
vamos morrendo um pouco mais, a existência e o absurdo dela segundo Sartre é justamente
sermos mortais. O ser humano é o único animal que tem consciência de que vai morrer um
dia. Para o existencialismo, com a existência da morte se faz necessário dar um significado a
própria vida, criar esse significado. A morte nos impulsiona à vida pela sua existência tornar a
vida finita. Bem ou mal, ou até mesmo as duas coisas, Seu Madruga não passou o aniversário
comemorando alienadamente , boa parte de seu aniversário foi pensando sobre a
possibilidade de sua morte. Mesmo que por vias tortuosas ele acabou chegando a essa
verdade, a de que a morte estava mais perto (embora no seu caso o medo era de uma morte
que estava iminente).
No caso da frase-título apesar do efeito cômico a princípio, podemos pensar que morrer não é
necessariamente sinônimo de perder a vida. "Perder a vida" pode ser ter uma vida sem
propósito, que nega ela mesma, ao invés de ter uma vida que busca valores para afirmar a
própria vida. No caso então seria preferível a morte do que "perder a vida" (deixá-la escapar,
não vivê-la plenamente).
Por fim, talvez a questão não seja tanto a morte em si, mas sim pensar se o não refletir sobre a
morte e a finitude da vida pode levar a se perder a vida. Será que "perdemos a vida" ao não
lembrarmos da morte? De qualquer forma prefiro morrer do que perder a vida...
Ensinar filosofia ou ensinar a filosofar?
" Pre -ri - go"
(Seu Madruga chacoalhando o universo acadêmico)

A questão não é nova (!), desde muito tempo se questiona o limite do ensino de filosofia ou
mesmo o que esse ensino têm produzido de filosofia. Foucault já propunha uma filosofia mais
próxima dos problemas mundanos. Essa questão é ainda mais presente no livro de Gonçalo
Armijos Palacios: "De como fazer filosofia sem ser grego, estar morto ou ser gênio.", em que se
critica como se é feito filosofia hoje em dia no que o autor chama de "comentarologia", ou
seja, a filosofia se restringe a comentários acerca de obras consagradas e na maioria das vezes,
comentários em cima de comentários. Apesar de eu acreditar ser uma tendência geral, o autor
que é Equatoriano, levanta a questão da causa do Brasil - conhecido por ser referência em
música por exemplo - no campo da filosofia não ser tão reconhecido nem possuir figuras como
um Villa Lobos etc, como expoentes na filosofia. Pois sim, essa nem é tanto a questão mas
tendo por base trabalhos acadêmicos se vê muitas teses sobre "o conceito de fulano em
sicrano que remete a beltrano". Com certeza é preciso o contato com os clássicos, a leitura e a
análise (o próprio Palacios admite isso em seu livro) mas será que não há uma certa limitação
ao se ficar "com o pé fincado" em textos e interpretações de textos?

A filosofia já desiludiu muitas pessoas que ao fazerem um curso de filosofia se depararam com
inúmeras interpretações-fichamentos de textos , leituras e mais leituras que inclusive são pré
requisitos para se ter uma aula, dependendo do rigor do professor. Obviamente certas
expectativas são boas de se perder, como a de querer encontrar o sentido da vida, segredos do
universo ou algo além da já incrível realidade filosófica mas acredito que o ensinar filosofia
pode ser determinante no modo como se exerce "o filosofar"
Para contrapor essa questão vemos no episódio do professor Girafales sendo substituído pelo
Seu Madruga, um interessante paralelo. As crianças, antes desatentas e distraídas, passam a
estar completamente concentradas em uma explicação de algo que de certa forma está
conectado com o seu cotidiano.

Não sei se a questão é se ter somente aulas "Madruguisticas" ou não, mas talvez nem só de ler
e interpretar viva a filosofia...
Fofalhas da Gentoca e as anedotas de Diógenes Laércio
As fofalhas, digo fofocas, desde sempre são praticadas no mundo. Há quem sabiamente diga
que elas são mais eficientes que a própria policia para controlar comportamentos mas a
questão aqui é ver outro lado da fofoca, mais positivo.
A ausência de Diógenes Laércio faria com que o que se perdeu em filosofia, em questão de
escritos fosse ainda pior. Diógenes que é tido como um fofoqueiro na nossa época atual, pois
toda sua obra diz respeito a anedotas da vida dos filósofos, fez que através de suas anedotas
se compreenda muito da filosofia antiga. Nesse ponto há outra questão interessante sobre se
a vida do filósofo pode ser dissociada da sua filosofia, ou seja, talvez a própria vida seja um
objeto para a filosofia. Isso fica bastante claro com o xará Cínico de Diógenes Laércio que fazia
filosofia na própria ação, inclusive em debates, como quando correu rápido em volta de Zenão
de Eléia para provar que o movimento existia. Chaves, o nosso Diógenes buscou salvar os
chineses parando de respirar. A questão é que por trás de fofalhas da gentoca pode se
esconder um pedaço de filosofia e por trás de anedotas talvez se aprenda filosofia.
Como já disse, de certa forma muito do que sabemos sobre os cínicos é fruto das anedotas de
Diogenes, fica o agradecimento nessa curta postagem.
Feio forte e formal X moça bonita , moça formosa...
(um outro olhar sobre a estética em Chaves)

"Um dia, a beleza e a fealdade encontraram-se numa praia e disseram uma a outra: 'Banhe-
monos no mar'. Então, tiraram as roupas e puseram-se a nadar nas águas. E, após algum
tempo,a fealdade voltou a praia e vestiu-se com os trajes da beleza e foi embora. "

(Khalil Gibran)

"E como eu adoro os homens feios"

(Céu, digo, paraíso, digo, digo, Glória a nova vizinha)

Há quem diga que a feiura é superior a beleza por ser eterna, enquanto a beleza é efêmera ,
passageira. Há quem associe a feiura ao erotismo. E há quem diga que o homem deve ser feio,
forte e formal. Seria da condição do homem ser feio? Imperfeito? Estar sempre um passo atrás
da beleza?
A oposição entre beleza e feiura é mais uma que pode surgir na filosofia, como o Apolíneo e
Dionisíaco. Ao longo da história a moça bonita, moça formosa foi valorizada não só por
"madrugas" como também pelas sociedades ao longo da história. Ao longo do tempo a beleza
sofreu e sofre transformações e é acompanhada de perto pelo feio que também sempre
existiu.
A bela história de Gibran mostra uma feiura ambiciosa que ambiciona ser bela e se esconde
atrás de máscaras, mesmo que disfarçada de bela trata-se de uma máscara, um traje. A beleza
simplesmente é por si só bela a ponto de não temer perder seus trajes.
Na frase do céu, digo , do paraíso, digo digo da senhorita Glória há um encantamento e
fascinação com o feio. Adorar o feio é subverter a ordem vigente de repulsa e repugnância
para olhar com outros olhos o que é possivelmente diferente. Há na sensação do feio algo
mobilizador que não há no belo, a ponto de poder se dizer que para alguns o belo entedia.
Umberto Eco que pesquisou e escreveu sobre a feiura e beleza , se preocuparam com a
questão do feio e do belo, há outras questões também interessantissississimas como se
perguntar entre a utilidade do feio ou mesmo sobre o conceito de aparência.
Já no nobre seriado vemos que ser feio é uma entre outras características que nos tornam
homens, com certeza não foi neste sentido mas quem é que sabe? Ser feio forte e formal
mostra que a feiura acompanha também os fortes e os "formais" , ao mesmo tempo o feio
ainda tem tempo para se admirar uma moça bonita, moça formosa, moça bem feita.
Cada um pensa naquilo que lhe faz falta (Feuerbach e a ideia de deus)

"Cada um pensa naquilo que lhe faz falta? É por isso que eu não penso em nada"
(Kiko praticamente um praticante do Zen)

Pois sim, a frase que abre o texto apesar de dizer sobre o pensamento ("cada um pensa...") é
uma interessante maneira de entender o conceito que Feuerbach tem de deus. No episódio
Chaves começa dizendo a frase que é repetida sem parar por Kiko também. Se pararmos para
pensar poderia ser repetida ad nauseum, isto porque cada um com certeza almeja algo, ou até
quer melhorar algo, ou mesmo tem vontades próprias que não estão satisfeitas. O homem por
ter uma vida com consciência , vive essa insatisfação e "pensa" sobre ela, ou seja esse "pensar"
acaba sendo fruto de uma insatisfação comum a todos em algum aspecto, todos no geral
somos imperfeitos. Talvez uma vida bem vivida seja uma vida livre desses pensamentos
baseados na falta como o próprio Kiko propõe. Mas será que estamos presos a esse pensar da
mente humana?
O caso é que a questão no momento é mais Feuerbach. Lembro da frase dele ser dita em voz
baixa pelo meu professor de colégio, que devia julga-la forte para adolescentes. Era sobre o
homem ter criado deus e não o contrário mas a coisa com Feuerbach não para por aí. Ele
coloca a ideia de deus exatamente como na frase chavística , como falta, ou seja , o ser
humano imperfeito projeta uma ideia de deus baseada em si mesmo. Sendo assim o homem
imperfeito, corrupto e um mero grão no universo projeta um deus perfeito, forte e grandioso,
justo e bom. Não há uma negação de deus num sentido do século XVIII, como cientistas que
julgam a inexistência de deus por não haver aparições dele no telescópio, Feuerbach não
busca provar a inexistência de deus, na-da disso mas sim provar que deus ou essa ideia de
deus é fruto do próprio homem e sua necessidade de, digamos...pensar naquilo que lhe faz
falta (!)
Cente e o Elogio a loucura
Dessa vez retomo o tema loucura mas sob a perspectiva da própria filosofia e não da crítica
Foucaultiana. O que o fazer filosófico tem de..."louco"? A coisa vai um pouco além da comum
nomenclatura de louco a qualquer pessoa que se aventure a fazer um curso de filosofia, seja
pela fama de sempre dos filósofos e da filosofia ou até de um suposto desvio do normal
"ganhar a vida" que pressupõe uma vida buscando o capital e não buscando conceitua-lo como
fez o louquississississímo Marx por exemplo.
O "louco" da filosofia que queremos passar aqui é sobre pensar outras realidades, criar
conceitos novos, pensar o que nos é exterior de vários modos etc. Deste modo "Cente" (vulgo
amigo imaginário de Chaves), teria certo grau filosófico? Não sei se Freud realmente disse isso
mas é atribuído a ele dizer que os filósofos tem um quê de esquizofrenia. Que são loucos, sim
e daí? Que andam por aí e caem por não verem um buraco bem à sua frente, sim mas e daí?
Bem , daí que antes de mais nada dizem que Freud leu Ecce homo de Nietzsche de cabo a
rabo, daí que como muitissississississíssimos sabem Nietzsche morreu louco, é provável que de
sífilis mas eles e muitos outros já pensaram sobre a alteração de consciência poder contribuir
para o pensamento. Chegar a novos limites do pensamento poderia passar por isto também,
por que não? Uma maneira de superação do pensamento poderia advir de uma alteração de
consciência?
"Cente" é uma criação de Chaves, segundo o próprio é um garoto muito parecido com ele que
ao que parece, no principal episódio que se fala dele (O violão do Seu Madruga), está livre para
fazer o que Chaves não pode, como comer alimentos do chão.
Erasmo de Rotterdam escreveu em 1509 o livro Elogio da loucura que vale muito a pena ser
lido (!), basicamente quem faz o elogio é a própria loucura que discursa dizendo que sem a sua
existência o homem não buscaria realizar seus maiores desejos e objetivos. A loucura traz a
ambiguidade e contradição do ser humano mas ao mesmo tempo traz a busca pelos prazeres,
ou melhor, pela necessidade de prazer. A loucura de se criar um "Cente" pode passar por uma
necessidade humana de se criar meios para se libertar dos costumes e crenças instituídas, ao
contrário de combatida nesse contexto a loucura pode ser elogiada.
Posfácio
Disse no começo que as ideias aqui expressas não buscavam traduzir algo que Chespirito tinha
em mente ao criar o seriado, digo o mesmo agora sobre a filosofia.
Levando-se em conta Deleuze , a filosofia não busca universais nem mesmo o fazer uma
filosofia de algo, pois a filosofia estuda e pensa ela própria, não torna algo objeto. Digo isso
porque não pretendo fazer um manual de filosofia ou uma proposta pedagógica.
Não sei da aceitação de livros que buscam aproximar filosofia de outras séries e até mesmo
livros e filmes pela dita academia mas como já disse aqui: -“ É preciso amar os inimigos”, os
que criticam. A filosofia é feita de embates e pra falar a verdade me deixaria feliz qualquer
crítica. Seria incrível gerar nem que seja incomodos , afinal é aí que a filosofia se torna
apaixonante, quando incomoda.
Acredito que tanto nos livros com comparações inusitadas como neste próprio o intuito é
simplesmente se divertir antes de mais nada. Uma diversão no sentido de escrever por prazer
sobre algo que apreciamos , por que não? A filosofia as vezes peca por esse lado de se levar a
sério demais, a tradição filosófica é inegavelmente rica e notável e é igualmente rico e notável
fazer relações dela com a vida. Se a filosofia trata do absurdo por que não tratar do inusitado
que é um paralelo entre Chaves e a filosofia? Acredito que iniciativas como essa tendem a
repensar o “modos operanti” da filosofia, principalmente no Brasil, onde acredito que a
potência filosófica está escondida em um enorme distanciamento da filosofia com a vida
cotidiana, acredito ser urgente um democratizar da filosofia. Sou otimista com relação a isso e
mesmo que seja um grão de areia deixo aqui minha contribuição neste presente Ebook,
agradeço aos leitores do blog que leem, comentam e compartilham dessas duas verdadeiras
paixões. Vocês são incríveis (!), saudações chavísticas e filosóficas a todos, e as postagens não
irão parar, um provável segundo volume será lançado posteriormente dependendo da
aceitação deste primeiro, portanto nos vemos nesse mesmo canal e nesse mesmo horário.

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