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É MUITO MELHOR SER XAMANISTA

REFLEXÕES DE UM XAMÃ...

Cheguei à conclusão de que é muito melhor ser xamã do que bruxa, bruxa ou
mesmo mago...
É simples e prático, e não deixa de ser um pouco hilário, se não fosse bastante
trágico...:

  1. Sendo Xamã não sofro o preconceito contra minha religiosidade com a


mesma intensidade com que sofro contra o meu paganismo. Quando digo a
alguém que sou xamanista me perguntam o que é, e para resumir as
explicações antropológicas, embora eu as dê se a conversa continuar, apenas
digo analogicamente que tenho "religião de índio", e apenas completo que no
meu caso sigo uma tradição indígena, tendo em vista o conceito mais amplo
disso, que não é brasileira, mas sim centroasiática. Às vezes alguém me
pergunta aonde fui arrumar isso, quando não respondo que eu não arrumei,
"eles" (a ex-comunidade) é que tropeçaram em mim, ou ainda "estudei no
Loyola, lá tinha gente de tudo quanto é cultura e origem, inclusive alguns deles",
e acaba ficando por aí. Eu nunca disse ser bruxo ou bruxa, pois xamã e bruxo
não são exatamente o mesmo, mas quando digo que sou pagão, sempre há um
que me chama de ateu, não-batizado ou goza a minha cara com a frase "e você
paga o quê?" ou "paga pra mim... já que você é pagão". Bom, não posso dizer
que já também não ouvi a gozação "você é xamanista? então você chama
muito?”, pois já ocorreu, mas ao menos, a depender do estresse nessa posso
completar o "chamar" com uma metáfora pitoresca... se bem que felizmente não
tenho muito essas oportunidades de usar o poder mágico da palavra.
  2. Além da visão do "outro", a velha e problemática questão da alteridade
cultural, que não é nem nunca foi um problema exclusivamente pagão, mas é
talvez uma das questões de toque da humanidade, há também ao menos um
consolo: sendo o xamanismo, antropológica e historicamente, descrito como
uma religiosidade nativa, indígena, silvícola, aborígine, ou qual outro nome se
queira declarar para tal componente tribal e natural, ainda vinculado em algum
nível a terra e ao mundo vivo, por assim dizer, o xamanismo tromba
forçosamente com duas outras questões muito mais solidamente defendidas do
que a do paganismo: a ecologia e a questão indígena.
    a. A ecologia além de ser uma ciência surgida no século XIX, ainda que o
cuidado com a mesma tenha se evidenciado apenas a partir da década de 1970
e olhe lá, possui aval legal de patrimônio ambiental, e "n" instituições científicas,
civis e governamentais em diversos países, sendo hoje uma questão de
planejamento estratégico, tal que se emaranhou aos planos de recursos naturais
e desenvolvimentismo em longo prazo, logo, é um pilar bastante sólido e que
hoje ocasiona multas bem pesadas e burocracias também como o PPRA e
outros relatórios exigidos pelo governo a empresas diversas, como a minha,
científica, embora eu ainda esteja sem entender qual risco ambiental há em uma
empresa que funciona em um conjunto de salas no meio da zona sul de BH,
apenas estudando e dando aulas teóricas... Bom, mas seja como for
indiretamente, ao menos os xamanismos da terra, ou de cada terra, possuem
um código legal previsto para defender seu meio, e isso é lógico age na
preservação indireta de seus costumes, pois em teoria, garantiria a manutenção
de sua sociedade.
Coloco "em teoria", pois bem sabemos que não é todo mundo que respeita lei e
que também não é todo mundo que a reivindica... Mas há algo, um ponto de
apoio... Sei que lutas semelhantes ocorrem também em outras partes do mundo,
logo o mesmo ponto de apoio seria em teoria desfrutado por outros xamanismos
aí espalhados...
    b. Já a questão indígena, usando o conceito amplo de indígena, acabaria
legitimando o índio e tombando seu patrimônio cultural, dentro do qual sua
crença e seu folclore. Infelizmente há casos em que o folclore e a religião antiga
sobrevivem como atração turística, enquanto o índio segue outros credos, mas
como eu disse o "em teoria" é um problema seriíssimo... Porém, quando um
povo indígena quiser resgatar sua crença, tem na lei um aval para isso, como eu
disse "em teoria", mas tem...
Sei por meus contatos comunitários que os povos selvagens ou seminômades
de outras partes do mundo possuem lutas e situações semelhantes, embora em
alguns casos estejam muito melhores por serem as vezes povos antigos que
conseguiram edificar nações formais, caso de algumas das velhas Repúblicas
Federadas Russas que incluem os xamanismos antigos inalterados, registrados,
respeitados há milhares de anos, exemplo que cito a Udmurtia ? Alguém
conhece? Bons os Sármatas conhecem... Alguém mais? Não? Deviam
conhecer... Bom, mas lá eles têm algo além: comunidades com tecnologia, e em
alguns casos até destacamentos militares próprios, e contam com o aval dos
séculos. Mas acho que deu pra entender o "em teoria" daqui também...
  3. O xamanismo igualmente também é um dos temas pesquisados pelo
esoterismo tradicional pelo menos desde o século XVIII, embora o termo
"xamanismo" tenha sido calcado bem depois com a Antropologia, chamavam
àquela época por "religiões" ou "cultos" de "bárbaros", "gentios", "negros da
terra”, "bugres", "índios", "nativos" e por aí em diante. Mas havia o estudo, e
como relacionado a fraternidades não raro penetradas nas elites governantes,
esse estudo continuou até hoje, e tornar o xamanismo apenas mais uma dentre
tantas as temáticas curiosas do meio religioso, como as mancias diversas, a
astrologia, a numerologia, etc., ou seja, xamanismo é também Exoterismo e
não apenas Esoterismo... Caiu na mesmice, no genérico, mas ainda que seja
uma banalização, sobreviveu aos preconceitos, deixando de ser o "credo rival", o
"infiel" e passando ao palco das atrações... Não que eu esteja feliz com isso,
mas prefiro meu credo vivo a incinerado.
  4. O xamanismo hoje não está associado no senso comum cristianizado com
os "infiéis", os "hereges”, como está o termo "pagão". Ainda não trombei com
uma bíblia em que os "descrentes", por assim dizer,  fossem chamados de
"xamanistas", rsrsrs, mas de "infiéis", "hereges" e "pagãos", pode procurar que
ao menos uma tradução, ou ao menos uma interpretação, assim, se deve achar,
rs. Como eu disse muitas pessoas nem sabem o que é um xamã...
  5.. Curiosamente ser xamanista é quase ser peça de museu... já senti isso na
pele com amigos pastores evangélicos, sei que não fazem intencionalmente, no
caso deles em específico __ os que não conheço, sei lá __ , mas um já me disse
assim "Você é xamã ??? Mas isso é raro !" (bom, na época era ...), "Como é a
teologia de vocês ?" ... E olhe que na minha tradição, a que sigo, somos
"monistas" (difere de monoteísmo... monismo é crer num deus absoluto e amorfo
que se manifesta como quiser, até como vários deuses, uma mesa ou uma
pedra, ou um deus só, em linhas gerais.), e completou o amigo de faculdade:
"Monistaaa !!!! Isso é muito raro !!!! Que legal !" ... Bom, é como se eu fosse
aquela peça do museu que fica protegida por uma redoma e grades de
afastamento, rsrsrs, mas ao menos ninguém tacou fogo no museu ainda, o que
já é um alívio Pois é...

Bom, sou um xamã feliz...


Ainda que a maré de templificações e exorcismos estejam em baixa...
Adoro aperfeiçoar minhas técnicas de benzeção, já que não sou xamã de cura e
sim de guerra...
Não se fazem mais assombrações como antes... RS
(Gustavo Paula, historiador, arqueólogo, cibercientista, e XAMÃ)

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