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Alfredo Rocco e as origens do fascismo.

Passaremos agora a tentar destrinchar as confusas influências filosóficas do fascismo e do


corporativismo através da figura de Alfredo Rocco, principal ideólogo do fascismo em sua
gestação e o intelectual do regime mais influente fora da Itália e em especial no Brasil . Ele
ficou conhecido como o principal jurista do fascismo.

Rocco nasceu em Nápoles em 1875 e lecionou direito em diversas universidades italianas


ao longo do tempo. A partir de 1920 foi diretor do jornal L’idea nazionale, órgão da
Associação Nacionalista. Desde antes da existência do fascismo, Rocco era um radical
defensor do nacionalismo italiano, que rapidamente percebeu que o caminho para defender
sua visão se dava através da aliança entre os partidos nacionalistas e o fascismo. Ele foi
um dos principais defensores desta união de resultados. Foi também político respeitado,
sendo eleito deputado em 1921 e tornando-se presidente da Câmara em 1924. Entre 1925
e 1932 foi o Ministro da Justiça de Mussolini, criando o Código Criminal italiano (conhecido
como código Rocco e estudado nas universidades ao redor do mundo). Em 1927, junto
com Carlo Costamagna e Giuseppe Bottai, redigiu a Carta Del Lavoro; consta que teria sido
Rocco o corretor final do texto. Foi reitor da Universidade de Roma entre 1932 e 1935.
Mas o que mais nos interessa é que Rocco em sua juventude havia se identificado com o
marxismo por um lado e de outro lado com o positivismo. Em sua obra pode-se discernir
essa influência que se não é sempre explicita, foi defendida abertamente por ele nos seus
anos de militância nacionalista:

El Estado proyectado por Rocco se concretaba, ya desde los primeros años de militancia
nacionalista, en «una armadura de acero (...): una versión contemporánea, pero acorde con
una línea de pensamiento jurídico más precisa, con la «sociedad orgánica» sansimoniana o
con el Système de politique positive de Auguste Comte» (81). Semejante visión positivista
de la sociedad, combinada con los elementos de la tradición política autoritaria, le induce a
negar la categoría de los derechos subjetivos como atribución de libertades individuales, y a
considerarla una condición de vida y progreso fisiológico de la organización social.
CAMPIONE , p314.

No campo do direito seu referencial teórico era o juspositivismo alemão (que apesar de não
ser idêntico ao positivismo filosófico de Comte, foi desenvolvido e inspirado por juristas
positivistas). Segundo Fabio Gentile, professor de Ciências Sociais da Universidade Federal
do Ceará e especialista em fascismo:

No nacionalismo conservador do jurista italiano, o ponto de partida é a crítica ao liberalismo,


formulada através de alguns elementos fundamentais que se entrelaçam entre si: o
problema da relação autoridade-liberdade e o problema das massas amorfas produzidas
pela modernização. O horizonte teórico de referência para Rocco é a escola jurídica alemã
do positivismo legal(...). Enquanto na tradição jurídica liberal a ideia de autolimitação do
Estado é a base legal sobre a qual fundamenta-se a liberdade do cidadão no Estado de
Direito, Rocco opera uma verdadeira torção do positivismo jurídico(...) (GENTILE, 2014, p.
89.)
As ideias de Rocco são sintetizadas em um texto seu que tinha a pretensão de ser o texto
base do fascismo. Nele se discute história, filosofia, sistemas sociais e referencias que
conformariam: A doutrina política do fascismo .

Segundo Gentile é através da figura de Rocco que se conciliam o idealismo (respeito às


tradições, mímese do Estado Romano ) e positivismo (importância da prática, Estado forte
e centralizado, conciliação de classes) conformando as bases do nacionalismo italiano que
se transformaria no fascismo. Rocco definia esta relação entre idealismo e prática com um
mote poético: Ação e Sentimento. Neste texto podemos encontrar, subentendidas ou
explicitadas, diversas influências filosóficas de Rocco e consequentemente do fascismo,
ainda que o próprio autor negue estas influências ao afirmar a originalidade e nacionalidade
do pensamento fascista.

Boa parte da lógica de Rocco se baseia na oposição a outros regimes e formas de Estado.
Após uma longa crítica ao liberalismo e a democracia Rocco define o que seria para ele o
Estado Moderno:

Portanto o Estado, se existe para todos, deve ser governado por todos, e não por uma
pequena minoria: Se o Estado existe para o povo, a soberania deve residir no povo: se
todos os indivíduos têm o direito de governar o Estado, a liberdade não é mais suficiente;
igualdade deve ser adicionada; e se a soberania é garantida pelo povo, o povo deve deter
toda a soberania e não somente parte dela. O poder de examinar e restringir o governo não
é suficiente. O povo deve ser o governo .(Rocco, 1925)
Salta aos olhos a semelhança deste discurso com a famosa frase de Osvaldo Aranha
pronunciada dias depois da Revolução de 1930: Até aqui o povo obedecia ao governo;
agora, é o governo que obedece ao povo. (in Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 5 de
novembro de 1930). A curta distância temporal entre o escrito de Rocco e a declaração de
Osvaldo Aranha remete também ao espírito do tempo: as agruras da primeira guerra
mundial, as crises econômicas e a disparidade social estavam na ordem do dia, gerando
respostas semelhantes em lugares distintos. O texto segue analisando as diferenças e
semelhanças entre fascismo, liberalismo, democracia e socialismo até chegar em um ponto
surpreendente para nós:

O grande desenvolvimento industrial e a existência de uma enorme massa de


trabalhadores, ainda maltratados e numa condição de semiservitude, empurram o problema
do trabalho violentamente para frente. As desigualdades sociais, possivelmente toleráveis
num regime de industrialização doméstica tornam-se insuportáveis depois da revolução
industrial. Como consequência temos o estado das coisas que em meados do século
passado demonstravam-se ser tanto cruéis quanto ameaçadoras. Era portanto natural que a
seguinte questão fosse levantada: “Se o Estado é criado para o bem geral de seus
cidadãos, considerados separadamente, como ele pode tolerar um sistema econômico que
divide sua população em uma pequena minoria de exploradores, os capitalistas, de um
lado, e uma imensa multidão de explorados, os trabalhadores, do outro lado?” Não! O
Estado precisa intervir e criar uma organização econômica diferente e menos injusta,
abolindo a propriedade privada, assumindo o controle direto de toda a produção, e
organizando de um modo que os produtos do trabalho sejam distribuídos somente entre
aqueles que os criaram, a classe trabalhadora .(Rocco, 1925).

Um leitor desatento pode achar que as frases acimas formam parte de um discurso de
Lenin. Para além da mímese do socialismo, o fascismo copiava parte da retórica e das
diretrizes do movimento comunista internacional e do socialismo utópico. Também se nota a
influência positivista na ideia de conciliação de classes sintetizada no conceito de
corporativismo. Esta passagem, por exemplo, certamente contemplaria Getúlio Vargas e os
positivistas brasileiros. Afinal uma doutrina que defende a incorporação do proletariado na
sociedade, uma distribuição econômica mais justa, mas sem a luta de classes marxista, é
justamente o que eles defendiam. Eis uma das semelhanças entre positivismo e fascismo e
uma das inspirações que o segundo tirou do primeiro:

Consequentemente encontramos o Socialismo, com sua nova organização econômica da


sociedade, abolindo a propriedade privada do Capital e dos instrumentos e meios de
produção, socializando o produto, suprimindo o lucro extra do capital, e direcionando para a
classe trabalhadora todo o resultado do processo produtivo. É óbvio que o Socialismo
contém e supera a Democracia do mesmo jeito que a Democracia contém e supera o
Liberalismo, sendo mais avançado e mais desenvolvido dentro do mesmo conceito
fundamental. Socialismo por sua vez gera a ainda mais extrema doutrina do Bolchevismo
que exige violentamente a repressão dos detentores do capital, a ditadura do proletariado,
como meio para uma organização econômica da sociedade mais justa e para o resgate das
classes trabalhadoras da exploração capitalista .
(Rocco, 1925)

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