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1
SUMÁRIO
2. A Consulta Popular e a luta eleitoral, Fábio Itinga, Acácio Leite, Jarbas Vieira,
Katty Hellen e Tobias Pereira.....................................................................................22
5. A luta em tempos sombrios, Aton Fon, Paola Estrada e Ricardo Gebrim ......... 57
2
________________________________________________________________________
3
“Alguns autores afirmam que a religião é um mecanismo de alienação dos
homens, que serve para justificar a exploração de uma classe sobre a outra.
Essa afirmação, sem dúvida, tem um valor histórico, na medida em que, em
diferentes épocas históricas, a religião serviu de suporte teórico à
dominação política [...]. Entretanto, os sandinistas afirmamos que nossa
experiência demonstra que quando os cristãos, apoiando-se em sua fé, são
capazes de responder às necessidades do povo e da história, suas mesmas
crenças os levam à militância revolucionária. Nossa experiência demonstra
que se pode ser crente e, ao mesmo tempo, revolucionário consequente e
que não há contradição insolúvel entre ambas as coisas” (Sobre a religião,
comunicado oficial da direção da FSLN)
“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Esse slogan repetido continuamente
pelo presidente da República brasileira sintetiza uma das razões pelo grande
interesse e preocupação dos diversos setores da sociedade em entender o
crescimento e influência das igrejas pentecostais na sociedade brasileira. As
perguntas são variadas, vão da necessidade de conhecer mais detalhadamente
suas transformações até indagações superficiais, como se tivéssemos sido pegos de
surpresa por um tsunami não anunciado. Como a igreja pentecostal cresceu tão
rápido? Como conseguiu ter uma bancada forte dessa forma? Como conseguiu se
enraizar de tal forma nas favelas e bairros? O que raios é pentecostal?
O objetivo desse texto é iniciar o debate com alguns elementos e pistas dos
caminhos necessários para entender esse fenômeno. Embora sejam trazidos
elementos sobre seu desenvolvimento, características e tendências, tarefa que tem
sido buscada por muitos especialistas no tema, a maior pretensão deste trabalho é
auxiliar nos desafios que as forças políticas de esquerda e progressistas devem se
atentar.
4
Embora o primeiro culto protestante realizado no Brasil tenha ocorrido em 1557, na
cidade do Rio de Janeiro, somente com a invasão holandesa a religião de fato
começou a se enraizar no território1. Nesse período o protestantismo se tornou a
religião oficial nas capitanias dominadas. No entanto, com a expulsão dos
holandeses em 1654, houve grande ataque à liberdade religiosa e o protestantismo
ficou adormecido até o século XIX.
2004.
5
A segunda vertente do pentecostalismo não tem terminologia consensual e começou
em meados do século XX. Em 1953 houve a fundação da Igreja do Evangelho
Quadrangular (SP), seguida da Brasil Para Cristo (1955, SP), Deus é Amor (1962,
SP) e Casa da Bênção (1964, MG). Essa vertente se caracterizou pela ênfase na
cura, no uso do rádio e nas pregações itinerantes em tendas de lona.
Por fim, o que se denomina “neopentecostalismo” surgiu em meados dos anos 1970,
crescendo bastante nas décadas seguintes. Entre as igrejas desta vertente estão:
Universal do Reino de Deus (1977, RJ), Internacional da Graça de Deus (1980, RJ),
Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976, GO), Renascer em Cristo (1986,
SP) e Igreja Mundial do Poder de Deus (1998, SP). Suas principais características
são: pregação da Teologia da Prosperidade (crença de que “ser próspero
financeiramente” é uma graça de Deus para os que tem fé e que o cristão deve ser
próspero, saudável, feliz e vitorioso em seus empreendimentos terrenos);
valorização do pragmatismo, utilização de gestão empresarial na condução dos
templos; uso intensivo dos meios de comunicação e redes sociais; intensa guerra
espiritual contra o Diabo (personificado, inclusive, nas outras religiões como as de
matriz africana e espiritas); rejeição aos usos e costumes das igrejas pentecostais
clássicas. Diferentemente das clássicas, os fiéis destas vertentes podem usar
roupas da moda e cosméticos; frequentar praias e cinemas; praticar esportes;
assistir televisão e vídeos; e ouvir músicas variadas. Algumas destas práticas,
devido ao seu sucesso em arrebatar fiéis para as igrejas, foram incorporadas as
vertentes pentecostais anteriores, com pontual exceção da igreja “Deus é amor” em
relação ao asceticismo. O ano de estabelecimento das igrejas protestantes no Brasil
e suas principais características estão descritas na Tabela 1.
6
vertente) lona.
Pentecostal (2ª
1955 Brasil para Cristo
vertente)
Pentecostal (2ª
1962 Deus é amor
vertente)
Pentecostal (2ª
1964 Casa da Benção
vertente)
Teologia da
1976 Sara Nossa Terra Neopentecostal
Prosperidade;
Universal do Reino de pragmatismo, gestão
1977 Neopentecostal empresarial; uso
Deus
Internacional da Graça de intensivo dos meios de
1980 Neopentecostal comunicação e redes
Deus
sociais; guerra espiritual
1986 Renascer em Cristo Neopentecostal contra o Diabo; rejeição
aos usos e costumes
Mundial do Poder de das igrejas pentecostais
1998 Neopentecostal clássicas, sendo mais
Deus
liberal.
Para analisar a primeira chave comecemos pelo mais evidente, que são os dados do
crescimento evangélico na sociedade e na política brasileira.
4 Seminário “Religião e Política”: um olhar sobre o campo religioso brasileiro”. PUC-SP, 2019.
5https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Sociedade-e-Cultura/O-fenomeno-evangelico-em-numeros/52/44150
7
Em 20106, dos 42,2 milhões de evangélicos, aproximadamente 7,7 milhões eram
das igrejas protestantes históricas (4,1% da população brasileira), 25,4 milhões das
igrejas pentecostais (13,5% da população) e 9,2 milhões de evangélicos de vertente
não identificada (4,9% da população). As mulheres representam 55,6% dos fieis
protestantes, percentual ligeiramente maior do que a média de mulheres da
população geral (51,7%). Pesquisa do Instituto DataFolha indicam um número de
58,8 milhões de evangélicos no Brasil em 20167.
6IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Brasília: IBGE, 2010.
7 DATAFOLHA. Perfil e opinião dos evangélicos no Brasil (2016). Disponível em:
<http://media.folha.uol.com.br/datafolha/2016/12/28/da39a3ee5e6b4b0d3255bfef95601890afd80709.pdf>.
Acesso em: 5 nov. 2019.
8PewResearch Center. Religião na América Latina: Mudança Generalizada em uma Região Historicamente
8
Igreja Maranata 356.021 0,8 156.185 199.835
Igreja Mundial do Poder de Deus 315.000*
Igreja o Brasil para Cristo 196.665 0,5 85.768 110.897
Comunidade Evangélica Sara Nossa
180.130 0,4 77.990 102.141
Terra
Igreja Casa da Benção 125.550 0,3 52.274 73.276
Igreja Nova Vida 90.568 0,2 37.026 53.542
Evangélica Renovada 23.461 0,1 10.412 13.049
Evangélica Não Determinada 9.218.129 21,8 4.100.564 5.117.575
* Tanto a Igreja Internacional da Graça de Deus, quanto a Igreja Mundial do Poder de Deus, embora
já existentes, não são citadas no Censo de 2010, provavelmente constando no grupo “Outras”.
9https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/ainda-sobre-a-escalada-de-poder-da-bancada-evangelica/
10https://www.cartacapital.com.br/blogs/dialogos-da-fe/evangelicos-alcancam-protagonismo-e-visibilidade-a-que-
preco/
9
início do pentecostalismo (fins de 1960 e 70), que possibilitou uma maior inserção
nas camadas populares, era reforçada por essas novas igrejas a separação entre
religião e política, colocando essa última como um elemento mundano que não cabia
aos crentes, que deveriam se limitar ao cuidado do espírito e da comunidade a eles
ligados11.
Segundo Paul Freston12 é a partir das eleições de 1986 que esse quadro se inverte
quando as igrejas pentecostais entram na política e, de um quadro insignificante de
participação, passam a predominar a frente das igrejas históricas. Em 1987, dos 27
congressistas pentecostais, 21 eram candidatos oficiais, sendo 12 da Assembleia de
Deus (AD), 4 da Universal, 2 da Quadrangular, 3 de outras pentecostais, mas que
contaram com o apoio da AD.
As causas para essa entrada na política, ainda segundo Freston, dizem respeito a
necessidade de defesa de suas fronteiras, em especial ao “clero” pentecostal, que
diferente das igrejas históricas não possuía a tradição que reforça o seu sacerdócio.
Sendo uma igreja nova, popular e fortemente comunitária, a entrada na política além
de lhe conferir um status oficial de autoridade, reduz as tensões no comando do
mundo pentecostal, conferindo títulos a uma nova hierarquia, bem como dando
acesso a recursos financeiros que possibilitam sua estruturação.
11Isso não significa que sua participação fosse nula na política, pelo contrário, em toda a história do
protestantismo no Brasil pré 1986, os evangélicos estiveram presentes de formas variadas, mas todas ligadas as
igrejas históricas (presbiteriana, batista, metodista etc).
12 Evangélicos na Política brasileira: história ambígua e desafio ético. Editora Encontrão, 1994.
10
1- Uma aproximação maior dos políticos evangélicos com o governo federal a partir
do governo Lula, em 2002, dadas as alianças com partidos a que os religiosos
estavam predominantemente ligados.
11
expressões religiosas e o contexto econômico e político do capitalismo. Cada
período histórico contou com uma representação religiosa que lhe conferisse
respaldo na sociedade, que desse uma explicação mais adequada às
transformações em curso.
13 A Reforma Protestante foi um movimento religioso que se voltou contra ações e regras da Igreja Católica. O
principal agente da Reforma foi o monge alemão Martinho Lutero (1483-1546), que, em 1517, publicou 95 teses
que fundamentalmente criticavam a venda de indulgências (quando a Igreja “concedia” o perdão divino a
qualquer pessoa que pagasse). O ato deu origem a um processo de ruptura que abalou seriamente o domínio
católico na Europa Ocidental e permitiu o surgimento de ramificações do cristianismo, como o luteranismo, a
primeira religião protestante (História do Protestantismo, de Jean Boisset).
14 “Quando o mundo antigo declinava, as velhas religiões foram vencidas pela religião cristã; quando, no século
XVIII, as ideias cristãs cederam lugar às ideias racionalistas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva
contra a burguesia então revolucionária. As ideias de liberdade religiosa e de liberdade de consciência não
fizeram mais que proclamar o império da livre concorrência no domínio do conhecimento” Manifesto do Partido
Comunista – Karl Marx
12
É a partir da ditadura civil-militar de 64, ditadura essa necessária para o novo padrão
de acumulação do grande capital internacional analisado por Ianni15, que o
protestantismo histórico se vincula ao desenvolvimento do capitalismo dependente
desse período. O bispo Robinson Cavalcanti retrata essas transformações com a
seguinte passagem:
A forma de organização dos pentecostais, com uma estrutura mais flexível, rápida
formação de pastores, descentralização e autonomia, como as igrejas constituídas
em células, combina perfeitamente com as formas vividas na reestruturação
produtiva implantada. O neoliberalismo encontra na Teologia da Prosperidade sua
representação religiosa mais aceitável. Em pesquisa recente da Fundação Perseu
Abramo nas periferias de São Paulo, que observou o avanço do neopentecostalismo
nessas regiões, identificou intensa presença dos valores do “faça você mesmo”, do
individualismo, da competitividade e da eficiência16.
13
Todo esse prelúdio da conjuntura recente no parágrafo anterior diz respeito ao
entendimento que a forma que a religião assume em determinado contexto tem
aderência com o desenvolvimento atual do capitalismo.
“Assim, vemos que a classe dominante de tal sociedade pode, por vezes, perder seu
poder de manipulação da religião aos seus próprios interesses, e é nesse instante
que a religião perde seu status de manutenção do mundo vigente e busca uma nova
alternativa” (Xavier18)
14
exatamente como uma igreja das classes populares, fortalecendo a participação
política, o que segundo Robinson Cavalcanti, fez dessa igreja um dos berços do
sindicalismo britânico e do Partido Trabalhista. “Um líder do trabalhismo no século
XX chegou a afirmar: ‘O meu socialismo não procede de Marx, mas do metodismo’”
(p. 149).
19 A teologia da libertação é uma doutrina que floresceu na América Latina do período pós Concílio Vaticano II
(1962-1965) e da Conferência Episcopal Latina Americana realizada em Medellín-Colômbia em 1968. Em sua
essência, pregava que para viver o Evangelho de Cristo, a opção preferencial pelos pobres e a defesa de seus
direitos, interpretando os ensinamentos de Jesus Cristo em termos de uma libertação das injustiças impostas aos
mais pobres pelas condições econômicas, políticas e sociais determinadas pelo poder dominador (
20https://www.youtube.com/watch?v=xxxshAqA7C8
21Marxismo e religião.
15
A religião pentecostal, como abordado nas duas outras chaves de interpretação
acima, não apenas representa o fortalecimento ideológico do neoliberalismo, como
dá identificação para o sentimento empreendedor difundido na sociedade, mas
também é explicada pela conjuntura extremamente desfavorável para as forças
progressistas e de esquerda na disputa pela narrativa da história. Não sem
contradições no seio de sua existência eclesial, dando sentido para a vivência
comunitária e tendo uma variedade de grupos religiosos nessas igrejas que buscam
apontar a religião pentecostal como um possível instrumento de contestação social -
a constante batalha interna de ressignificar a interpretação bíblica.
Necessidades materiais
16
neopentecostais, principalmente pela elevada exposição midiática (várias igrejas são
detentoras de meios de comunicação em massa, inclusive pela internet) e do próprio
crescimento dos evangélicos no Brasil. A Igreja Universal do Reino de Deus realiza
semanalmente as “reuniões da prosperidade” nos templos, com conteúdos e
depoimentos de participantes exibidos diretamente nos meios de comunicação da
igreja25. Outro exemplo é a Universidade da Família, entidade educacional voltada a
todas as denominações evangélicas e que oferece cursos de planejamento
financeiro:
“Quem participa das aulas de estudos financeiros bíblicos tem contato com
mandamentos que não diferem muito do que é transmitido nos tradicionais
cursos de educação financeira: organizar o orçamento doméstico, traçar
uma estratégia para sair das dívidas e estabelecer metas financeiras. A
diferença é que as explicações são apoiadas em trechos da Bíblia26”
A realização financeira é levada tão a sério que pastores tem ficado bastante ricos
no Brasil. Segundo a revistar Forbes, Edir Macedo é o mais rico, com uma fortuna
avaliada em R$ 3,98 bilhões (Tabela 3.). Este fato parece não preocupar muito os
fieis, tendo em vista que a teologia da prosperidade respaldo o enriquecimento dos
“homens de Deus”.
Outro fator a ser considerado (embora menos abordado na literatura) são mudanças
de hábitos mais comuns aos adeptos das igrejas protestantes que podem impactar
positivamente o orçamento familiar. A redução do consumo de álcool e do fumo, por
exemplo, é apontada como mais importante para protestantes do que para
católicos27.
25 MUNDO CRISTÃO. Economia: Evangélicos chamam atenção da iniciativa privada. Disponível em:
<https://guiame.com.br/gospel/mundo-cristao/economia-evangelicos-chamam-atencao-da-iniciativa-
privada.html>. Acesso em: 18 out. 2019.
26 https://oglobo.globo.com/economia/cursos-sobre-financas-para-evangelicos-sao-nova-face-da-segmentacao-
na-area-de-investimento-24058721
27Pew Research Center. Op., Cit.
17
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o uso abusivo de álcool potencializa os
custos em hospitais e outros dispositivos do sistema de saúde, sistema judiciário,
previdenciário, perda de produtividade do trabalho, absenteísmo, desemprego, entre
outros28. Com tantos prejuízos, um fiel que deixa de consumir álcool terá
potencialmente menos problemas na vida e incrementará o seu orçamento com o
dinheiro que não foi gasto em bebidas, gerando melhorias financeiras e no convívio
familiar.
Outro fator que precisa ser mais estudado são as redes de ajuda mútua
estabelecidas na comunidade evangélica, em que oportunidades de empregos são
direcionados para os “irmãos” da igreja e pequenos negócios são retroalimentados
pela comunidade (eu compro pão na padaria do “irmão” e ele compra “roupas” na
minha loja).
Necessidades imateriais
se-adaptar-aos-novos-tempos/
33 GOMES, E. E. A socialização no aprisco do Senhor. Cadernos CREU, v.21, n.2, p.281-304, 2010.
18
próximos. Seguir, acompanhar, compartilhar, obedecer são ofícios
demandados às pessoas cristãs que se dispõem a uma relação de fé com o
Sagrado, mediada pela relação entre pastor e ovelha.
Além disso, as igrejas pentecostais tem o mérito de adaptarem o seu culto, normas e
funcionamento para conquistar mais adeptos (por isso também cresceram tanto),
deixando de lado o sectarismo das igrejas protestantes históricas. Com isso, tem
atraído parcelas significativas da juventude que não estavam efetivamente dispostas
a “esquecer” totalmente o mundo pagão, mas que viam com simpatia os grupos
evangélicos. Festas e músicas de diferentes estilos, mas com temática gospel, são
exemplos dessa prática.
ao mesmo tempo em que se torna um dos doze discípulos do “líder” (pastor ou fiel mais antigo na igreja), tem a
missão de conquistar pelo menos mais 12 discípulos, formando células indefinidamente. (GOMES, E. E. Ensaios
etnográficos sobre a socialização da juventude para a sexualidade e a fé: “vem, você vai gostar”).
19
entre as igrejas protestantes históricas e pentecostais, assim como existem
variações dentro do próprio pentecostalismo.
5. É fato que seu protagonismo jogou luz para os métodos de trabalho dos
pentecostais pelo seu rápido crescimento. É importante aprofundar o estudo sobre
esse tema também. Não é algo novo, pois a hegemonia ideológica não se dá no
vazio, mas possui uma materialidade de atendimento das necessidades dos
indivíduos, seja na construção de laços comunitários, como na obtenção de
emprego, comida e lazer. Contudo, é importante salientar que tanto no Brasil como
na América Latina, Teologia da Libertação influenciou muitas experiências de
trabalho nas bases da sociedade com resultados concretos também, desde o
mesmo atendimento as necessidades básicas até a disputa de setores da
sociedade, como a educação e a ciência popular (Paulo Freire e Fals Borda).
37 A Educação popular é uma ferramenta político-pedagógica cujos objetivos permanentes são: a) traduzir,
divulgar e recriar o conhecimento como força material para transformar a realidade; b) construir, divulgar e
acompanhar a implantação da estratégia da organização popular como resposta aos desafios do cotidiano e da
história; c) qualificar quadros militantes que se dispõem a transformar, pela raiz, a estrutura do sistema
capitalista, no nível político, econômico, ideológico e cultural; d) elevar o nível de consciência da classe oprimida
e incorporar o povo como protagonista; e) facilitar o entendimento e aplicação do conteúdo e da metodologia
popular, comprometendo as pessoas com a multiplicação criativa (Trabalho de base, Ranulfo Peloso (org.)).
20
6. É importante que aprofundemos o entendimento do papel das religiões, em
especial da igreja pentecostal, mas é imprescindível que tenhamos entre seus
formuladores companheiras e companheiros que professam essa fé e disputam
cotidianamente esses espaços. O acúmulo que possuem é fundamental para que
não nos deixemos levar por problemas e temas que podem para nós parecer
profundos, mas para eles é algo já bem resolvido e explicado.
8. Entender a sua história e desenvolvimento ajuda a não ser pego de surpresa por
seu crescimento, pelos métodos empregados e pelas ações que fazem no dia a dia
como elementos novos. Muito do que fazem são estruturais da organização religiosa
e talvez a explosão de crescimento se deve menos a isso e mais ao contexto que
vivemos.
9. É muito importante que estudos similares a esse sejam realizados nas cidades e
regiões em que a militância atua. O Brasil é muito diverso em todos os aspectos.
Entender as características principais, denominações predominantes, força política,
método de trabalho e funcionamento destas igrejas em cada território definitivamente
nos auxilia em uma correta análise de conjuntura e na realização do trabalho de
base.
10. É preciso compreender melhor a relação entre alguns setores das igrejas
pentecostais e a complexa rede de tráfico e milícias nos territórios que tenham
implicações significativas nas relações sociais e no trabalho militante.
12. Por último, produzir materiais ou cartilhas que expliquem o universo evangélico
pode facilitar o trabalho popular, entendendo os grupos que vão encontrar. São
muitas linhas, denominações, formas organizativas e teologias em que ter o
entendimento mínimo para iniciar um diálogo se faz necessário.
21
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1. Questões introdutórias
O principal dilema colocado para nós, desde o nosso surgimento, tem sido como
recolocar para o conjunto das forças de esquerdas e progressistas a necessidade da
centralidade do Poder de Estado, como única saída para construirmos a revolução
brasileira e assim conseguir resolver os problemas estruturais da sociedade
brasileira.
O mais provável é que o novo ciclo da esquerda brasileira, que tem como
seu pólo dinâmico os setores da chamada esquerda social, não mais se
centralize pela lógica da luta eleitoral e institucional (Cartilha 19, Consulta
Popular).
Para ajustar nossa tática nessa conjuntura algumas perguntas são fundamentais:
Porque as iniciativas unitárias não tiveram êxito político? Quais as forças políticas
estavam conosco? Em que momento essas ações se ampliaram para além do
Campo Político? Já estávamos vivendo realmente esse novo ciclo onde a tática
eleitoral não estaria mais na agenda da esquerda e do povo brasileiro?
Sabemos que sobre essa última pergunta, temos apontamentos sobre o equívoco
dessa formulação. No entanto, o que fizemos para ajustar a nossa tática? A saída
era insistir em alternativas que não passassem pela via eleitoral?
23
Estamos vivendo um momento de reorganização da esquerda, em que se necessita
juntar forças para fazer com que suas táticas sejam implementadas e acumulem na
estratégia. Essa abertura está se dando pelos elementos surgidos nos últimos anos
dos governos Petistas e da derrota de sua estratégia. Nesse momento está aberta a
possibilidade de uma reorganização das forças de esquerda e progressistas, e nós
ainda não temos nítido como faremos para nossa estratégia ser hegemônica no
conjunto da esquerda. A tarefa não é simples, tampouco, uma receita de bolo, mas
temos que nos debruçar profundamente sobre qual o movimento que iremos fazer.
Para onde a Consulta Popular vai?
Por isso, elencamos dois pontos que acreditamos ser centrais para a Consulta
Popular nesse próximo período. A primeira hipótese defendida é que a luta eleitoral e
institucional não está esgotada no Brasil e que sua adoção entre as formas de luta
implementadas pela organização política não requer o abandono da estratégia
revolucionária da tomada do poder de Estado.
Mas o que fizemos em relação a essa tática, além de apoiar candidaturas Petistas
(em sua maioria) que representam o abandono do Projeto Democrático e Popular?
Talvez o maior avanço nessa seara foi estabelecer critérios de apoios às
24
candidaturas como fortalecimento do jornal Brasil de Fato, manutenção de espaços
organizativos e liberações de militantes.
Acumulamos pouco sobre as experiências que passaram pela luta eleitoral, assim
como as experiências latino-americanas do século XXI, que combinaram a luta
eleitoral, luta de massas, fortalecimento dos movimentos populares e a centralidade
do poder político. Está nítido que não foram todos os países que conseguiram
avançar nessas combinações e colocar o poder político em xeque – constatamos as
diferenciações desde a Venezuela até o que ocorreu no Brasil.
Assim sendo, a saída da crise e melhoria das condições de vida através do processo
eleitoral de 2022 estarão colocados para o conjunto da população. O que vamos
querer com esse processo: seguir acumulando ao projeto político do PT e fortalecer
sua estratégia ou iremos construir a Consulta Popular enquanto projeto político
alternativo ao Petismo, sem que neguemos as suas potencialidades?
Será que é possível construir o nosso objetivo estratégico, isto é, tornar hegemônico
na sociedade brasileira a centralidade do poder combinado com a luta eleitoral?
25
bolcheviques não boicotaram a Assembléia Constituinte, e sim, pelo
contrário, participaram das eleições, tanto antes como depois da conquista
do Poder político pelo proletariado [...] Nós, bolcheviques, atuamos nos
parlamentos mais contra-revolucionários e a experiência demonstrou que
semelhante participação foi não só útil como necessária para o partido do
proletariado revolucionário, precisamente depois da primeira revolução
burguesa na Rússia (1905), a fim de preparar a segunda revolução
burguesa (fevereiro de 1917) e, logo em seguida, a, revolução socialista
(outubro de 1917)” (Lenin, 1920).
Até aqui foi tratada a combinação de diferentes táticas para alcançarmos a nossa
estratégia. Daqui para frente serão trazidos elementos sobre a visão da sociedade
brasileira e da participação popular na luta eleitoral.
26
Para controlar o processo eleitoral e a participação popular, a burguesia criou
decretos-leis, atos institucionais, reformas no sistema partidário brasileiro,
fechamento do Congresso Nacional, cassações, censura aos meios de
comunicação, supressão dos direitos políticos, prisões e exílios. Todas essas ações
solidificaram o caráter antidemocrático, antipopular e antinacional da Burguesia, que
também atua preventivamente, antecipando movimentações arbitrárias diante de
mudanças na correlação de forças. Florestan Fernandes, em “Reflexões sobre a
construção de um instrumento político” diz que a Burguesia brasileira se associa ao
imperialismo como forma de autodefesa, para suprimir qualquer tipo de pressão
reformista ou revolucionária.
As “Diretas Já” foram centrais para o processo de mobilização popular, sendo este, o
primeiro momento após o fechamento do regime em 1968, em que o povo retoma as
ruas, massivamente, cria um sentimento nacional de participação popular, volta a
vigorar e fazer parte da pauta nacional de discussões a possibilidade de mudar os
rumos políticos do país. De alguma forma, a Consulta Popular também é fruto desse
processo histórico de mobilização pelas “Diretas Já”, pois esse é o tempo histórico e
político de construção da esquerda brasileira ao qual fazemos parte!
27
ano de 2013 com sentimentos muito difusos sobre a política e as instituições). Por
mais que nossa gênese se deu pela crítica ao abandono da construção do Projeto
Democrático e Popular e da política do “possível” nos moldes do Capital, é
importante dialogar com o nível de consciência das massas.
Será que o povo brasileiro ainda visualiza possibilidades de mudança nas eleições?
Para o conjunto do povo o que representa a democracia? São perguntas que
precisam ser enfrentadas por um partido que tem como objetivo central fazer a
revolução brasileira.
Segundo dados do TSE, em 1989, a primeira eleição direta (fruto das mobilizações
que conseguiram conquistar eleições sem restrições de gênero, cor, alfabetização e
poder aquisitivo), combinada com a efervescência política do momento contribuiu
para que apenas 11,93% dos aptos a votar se abstivessem de participar das
eleições, enquanto que nas eleições posteriores esse percentual foi de 17,77%
(1994); 21,46% (1998) e 20,47% (2002);
28
Em 2018, em cenário altamente polarizado, com maior incidência do discurso
“apolítico”, houve uma taxa de comparecimento de 79,67% (20,33% de abstenção).
Esses números não corroboram com o discurso disseminado pela mídia e em
setores da própria esquerda que há um desgaste crescente dessa tática de luta.
Claramente persiste uma grande participação popular nas eleições, com poucas
variações após a redemocratização do país, com índices similares de abstenção
entre 2002 e 2018. A eleição de 1989 é uma exceção pelos motivos acima
apresentados.
4. Reorganização da Esquerda
Dentre os dois pontos elencados em 2004, atuais nessa conjuntura, iremos nos
deter somente ao segundo, ao qual, deve estar prioritariamente centrado na unidade
e pactuação do campo político, processo que já foi inaugurado em 2015, mas que
não conseguimos alcançar os nossos objetivos para poder dar esse salto de
qualidade em nosso instrumento político. Ou seja, a nossa V Assembleia Nacional,
foi insuficiente. Se ainda está em tempo, o que podemos tirar como lição desse
processo? Qual foi a nossa proposta política para repactuar o campo?
29
das eleições? Existe essa relação direta? Não existe viabilidade em repactuar o
campo em torno da legalização partidária e construção de força no movimento
sindical?
Se a pergunta para essas três perguntas for “Sim”, logo está encerrada a discussão
acerca de termos o instrumento político partidário próprio, registrado. Isso, por
decisão política! No entanto, os argumentos utilizados para justificar a não criação
de uma nova legenda carece de argumentos mais objetivos.
Neste contexto, acreditamos que essa possibilidade ainda existe (criação de uma
nova legenda). Em “Refundar a Esquerda para Refundar o Brasil” afirmamos que:
3.2 Entrar no PT
30
Nessa seara é importante não promover um discurso purista ou ingênuo, tendo em
vista que a experiência cubana nos mostra o papel que Fidel teve ao entrar no
Partido Ortodoxo e não no PC cubano. Sabemos que hoje, com todas as fragilidades
apontadas, o PT continua sendo o partido com maior capilaridade nacional – mais de
3 mil diretórios. Se essa for a saída apontada, algumas questões são latentes:
teremos condições de fazer a disputa interna, de rumo do partido? Ou entraremos
para poder construir uma ruptura por dentro com outras correntes e a militância sem
vínculo com estas? Assumindo essa posição, precisamos ter uma estratégia
extremamente elaborada para essa saída.
Nacionalmente (e também nos estados), temos pouca relação com o partido e nossa
construção sempre se deu de enfrentamento com a linha adotada por eles. Em seu
programa, o PSOL reivindica o rompimento com o imperialismo, com a construção
de uma soberania nacional e a execução de reformas estruturais - ponto que nos
aproxima ideologicamente. Porém, nos afasta em tantos outros pontos.
O que não podemos negar nesse momento é o crescimento do partido nos últimos
quatro anos – na classe média e nos setores descontentes com o PT. Mas essas
questões são suficientes para construirmos a reorganização da esquerda por dentro
do PSOL? Pela sua tradição, haverá abertura para inserir setores reformistas dentro
do partido? A base do nosso campo se identifica com o programa do Partido? Ainda
não podemos responder a essas questões, mas precisamos ficar atentos para o
Congresso do PSOL que ocorrerá no ano de 2020.
Desconsiderando a criação de uma nova legenda, essa saída é a que mais pode
contribuir com a construção de uma outra estratégia hegemônica na esquerda
31
brasileira, articulando reformistas, esquerdistas e os descontentes com a estratégia
anterior. Porém, teremos que nos debruçar sobre os seguintes pontos: Quais setores
já tem demonstrado insatisfação com os dois campos apontados? O nosso campo
consegue dialogar com quantos setores para viabilizar essa estratégia?
Considerando que a esquerda partidária considera somente quem possui registro
eleitoral, estamos propensos a não compor o comando político dessa frente?
32
________________________________________________________________________
33
"Para o desenvolvimento das lutas, o princípio básico é a combinação das
formas de luta e organizações legais e ilegais, e a utilização de todas e
quaisquer possibilidades legais, no terreno da defesa das reivindicações
nacionalistas e democráticas, inclusive camponesas, no terreno da política
interna ou externa, ou no terreno jurídico.”
Esta tradição revolucionária aberta pela Revolução de Outubro terá como expoentes
em nosso continente o pensamento de diversos intelectuais revolucionários, tais
como José Carlos Mariátegui, Florestan Fernandes, Marta Harnecker, entre
outros/as. Este pensamento será enriquecido pelas experiências triunfantes da
Revolução Cubana e Nicaraguense. Embora não vitoriosa, a Revolução
Salvadorenha contribuiu a partir do seu acúmulo teórico e prático, com debates
importantíssimos para a esquerda latino-americana.
a) A experiência bolchevique.
34
No entanto, isso não significa compactuarmos com seus adversários ou detratores,
tanto no campo de direita quanto de esquerda, que buscam restringir a riqueza de
sua experiência ao fenômeno do stalinismo. Nesse sentido, recuperar a experiência
bolchevique e em especial o pensamento de Lenin, continua fundamental.
35
Entre os militares, por exemplo, observa-se ultimamente uma indubitável
reanimação do espírito democrático, em parte como consequência dos
combates de rua, cada vez mais frequentes, com "inimigos" como os
operários e os estudantes. E, desde que as nossas forças o permitam,
devemos prestar sem falta a mais séria atenção à propaganda e à agitação
entre os soldados e os oficiais, à criação de "organizações militares" filiadas
no nosso partido41.
Neste sentido, podemos afirmar categoricamente que Lenin não possuía uma
concepção monolítica do estado burguês. Pelo contrário, compreendia a importância
de uma organização revolucionária se inserir nas diversas instituições do estado –
Lenin defendia a inserção até na nobreza! - e disputá-las dentro de uma estratégia
revolucionária. Do mesmo modo, também não é correta a afirmação de que o Lenin
defendia um partido exclusivamente operário/proletário. Embora, compreendesse
que sua estrita ligação com as massas trabalhadoras proletárias e não proletárias
era um elemento fundamental para a constituição de um partido revolucionário.
Por outro lado, o bolchevismo, surgido sobre essa granítica base teórica,
teve uma história prática de quinze anos (1903-1917) sem paralelo no
mundo, em virtude de sua riqueza de experiências. Nenhum país no
decurso desses quinze anos, passou, nem ao menos aproximadamente, por
uma experiência revolucionária tão rica, uma rapidez e uma variedade de
formas do movimento, legal e ilegal, pacífico e tumultuoso, clandestino e
declarado, de propaganda nos círculos e entre as massas, parlamentar e
terrorista. Em nenhum país esteve concentrada em tão curto espaço de
tempo, semelhante variedade de formas, de matizes, de métodos de luta de
todas as classes da sociedade contemporânea, luta que, além disso, em
consequência do atraso do país e da opressão do jugo czarista, amadurecia
36
com singular rapidez e assimilava com particular sofreguidão e eficiência a
“última palavra” da experiência política americana e europeia42.
Portanto, engana-se também aqueles que acreditam que a combinação das formas
de luta, a luta político-eleitoral, bem como a atuação nos parlamentos está restrita a
momentos de ascenso da luta de massa. A experiência bolchevique demonstra, que
as formas de luta político-eleitoral, parlamentares podem ser utilizadas em diversos
momentos da luta política, de ofensiva ou defensiva, e que inclusive em momentos
específicos de ascenso de massas, pode ser benéfico ou conveniente ao
proletariado boicotar estas instituições.
37
são levadas a participar na luta parlamentar, é porque os interesses e os
conflitos de classe se refletem no parlamento. Se fosse possível organizar,
de imediato, em todo o lado, por exemplo, uma greve geral decisiva capaz
de derrubar de um só golpe o capitalismo, a revolução estaria feita em
vários países. Mas é preciso ter em conta a realidade, e o Parlamento é
sempre a arena da luta de classes. O camarada Bordiga e aqueles que
partilham o seu ponto de vista devem dizer a verdade às massas. A
Alemanha é o melhor exemplo de que é possível uma fração do Partido
Comunista no Parlamento e por isso devereis dizer claramente às massas:
somos muito fracos para constituir um partido solidamente constituído. Esta
é a verdade que seria preciso dizer. Mas se reconheceis a vossa fraqueza
perante as massas, elas tornar-se-ão não vossas amigas, mas vossas
adversárias, e ligar-se-ão ao parlamentarismo. Se dizeis: "Camaradas
operários somos tão fracos que não podemos criar um partido
suficientemente disciplinado para obrigar os deputados a submeter-se à sua
vontade", os operários abandonar-vos-ão porque dirão: "Como poderemos
nós instaurar a ditadura do proletariado com pessoas tão fracas?"45.
b) A experiência da FMLN.
38
relativa paz, esta forma de luta pode expressar formas de violência revolucionária. O
que fica evidente se observarmos a experiência recente da Revolução Bolivariana.
46 HÁNDAL, Schafik. La lucha política electoral – desde una perspectiva revolucionaria. Ediciones Instituto
Schafik Hándal. San Salvador. 2015. P. 11.
47 HÁNDAL, Schafik. La lucha política electoral – desde una perspectiva revolucionaria. Ediciones Instituto
Schafik Hándal. San Salvador. 2015. P. 11.
39
Ou seja, nos marcos de um regime político minimamente democrático, mesmo com
uma democracia burguesa limitada e frágil, a luta pela Revolução Democrática – ou
dentro da ordem, como nos dizia Florestan - ganha um aspecto fundamental, tanto
na defesa dos interesses populares mais imediatos, bem como no objetivo
democratizar as parcelas de poder político que as classes dominantes não põem em
disputa no processo eleitoral, tais como o judiciário e as forças armadas.
Por fim, Schafik Hándal ainda identifica o potencial revolucionário das eleições:
48 Hándal utiliza o conceito de poder temporal para referir-se a parcelas do aparato de estado burguês, que são
possíveis de ser disputados através dos processos eleitorais, tais como o poder executivo e o legislativo.
49 HÁNDAL, Schafik. La lucha política electoral – desde una perspectiva revolucionaria. Ediciones Instituto
Schafik Hándal. San Salvador. 2015. P. 12.
40
desqualificados como ultrapassados e a ação política se limitasse a lógica
do possível50”.
41
uma nova teoria das etapas, imaginando uma etapa democrático popular, e,
o que é mais grave, criando ilusões, em amplos setores, na possibilidade de
uma nova fase do capitalismo, uma fase democrática e popular 51
51 GADOTTI, Moacir. Pra que PT? Origem, Projeto e Consolidação do Partido dos Trabalhadores. Editora
Cortez. São Paulo. 1989.
52 GADOTTI, Moacir. Pra que PT? Origem, Projeto e Consolidação do Partido dos Trabalhadores. Editora
Cortez. São Paulo. 1989. P. 233.
42
3. A luta político-eleitoral na CP em perspectiva histórica.
Esta posição fez com que, ao longo da década de 2000, abdicássemos de incidir nos
diversos processos eleitorais ocorridos, nos restringindo a nos posicionar nos
segundos turnos das eleições presidenciais de 2006 e 2010. Em nossa III Plenária
Nacional João Cândido, menosprezamos as diferenças entre as candidaturas Dilma
e Serra, nos limitando a caracterizá-las como capitalistas, e concluindo que – se
ambas são capitalistas – o projeto popular não estava em disputa no processo
eleitoral. Para piorar, orientamos nossa militância a “aproveitar o momento eleitoral
para promover a agitação e propaganda dos pontos programáticos do Projeto
Popular”.
Após esse breve histórico, faz-se necessário que nós enquanto organização política,
façamos a devida autocrítica:
43
1) menosprezamos a importância da luta político-eleitoral, assumindo perante a
mesma uma postura negativista/abstencionista;
2) Deveríamos ter lançado candidaturas próprias em 2014, combinando de forma
mais incisiva a campanha da Constituinte com o processo eleitoral;
3) Terceirizamos a outras organizações a nossa representação política, não forjando
novas lideranças de massa para incidir no processo de reorganização da esquerda
brasileira.
Acredito que sim. Inclusive acreditamos que deveríamos tê-lo feito enquanto
experiência em 2014, combinando a campanha pela Constituinte com o processo
eleitoral. Além disso, hoje já temos maturidade organizativa o suficiente para
combinarmos essa forma de luta, sem sermos cooptados pela institucionalidade
burguesa.
Nosso principal objetivo com a luta político-eleitoral é acumular forças para o projeto
popular, isso significa atuar no parlamento como tribunos/as na defesa dos
interesses populares, na defesa das liberdades democráticas e contribuir para o
fortalecimento da organização popular. Forjar novas lideranças de massa, que
possam incidir na reorganização da esquerda brasileira, retomando o debate acerca
de uma estratégia revolucionária para o país.
44
Independente de qual partido devemos filiar militantes com a tarefa da luta
parlamentar, é fundamental os compreendermos como frentes eleitorais. Ou seja,
não devemos, pelo menos neste momento, nos transformar em uma tendência
interna de outra organização, muito menos diluirmos a Consulta Popular. A
tendência predominante é que utilizemos o PT para lançar nossas candidaturas,
sobretudo pela inserção no seio da classe trabalhadora. No entanto, devemos
avaliar cada situação política nos estados.
Assim como toda forma de luta, a luta político-eleitoral pode trazer uma série de
riscos e desvios. O primeiro risco é que os parlamentares ganhem autonomia frente
a organização política. Outros desvios são a institucionalização, a burocratização, a
cooptação, o personalismo, etc. Não há remédio de antemão para esses riscos e
desvios, somente uma organização sólida tem a capacidade de manejar as
diferentes formas de luta. Teremos que ter a firmeza necessária enquanto
organização para centralizarmos nossos parlamentares, bem como combatermos os
referidos desvios.
45
________________________________________________________________________
46
Glória à luta interna. Pois, sem ela, a consciência revolucionária não progride. Só
com o progresso da consciência dos militantes da vanguarda pode haver revoluções
vitoriosas e a libertação dos povos. O materialismo dialético é, ao mesmo tempo, o
fundamento e o guia da luta interna.
1. Movimento e Dialética
47
compreender a fundo o mundo, é preciso compreender os aspectos gerais dessas
leis, o que começou a ser feito pelo desenvolvimento da dialética. “A dialética é a
ciência das leis gerais do movimento”56.
A dialética ganhou uma nova qualidade com Hegel, no início do século XIX. Diante
da filosofia hegeliana, “nada é definitivo, absoluto, sagrado; ela faz ressaltar o que
48
há de transitório em tudo que existe”59. Hegel buscou demonstrar a existência de um
fio condutor do desenvolvimento. “No sistema hegeliano, pela primeira vez – e este é
seu grande mérito – encontra-se descrita uma compreensão de todo o mundo
natural, histórico e espiritual como processo, isto é, como movimento, mudança,
transformação e desenvolvimento constantes, e no qual se faz a tentativa de
demonstrar o nexo interior existente nesse movimento e desenvolvimento” 60.
2. Materialismo e Conhecimento
É a partir do ser, do mundo, da vida, enfim, da prática que a consciência dos seres
humanos é moldada, e é da prática que extraímos nossas ideias e conhecimentos.
Há variadas formas de prática social, como a luta pela produção, a luta de classes,
os experimentos científicos e a atividade artística, que impulsionam o
desenvolvimento do conhecimento. Mas é a primeira, a atividade dos seres humanos
na produção material para a solução dos problemas da vida, que constitui a prática
fundamental que impulsiona e determina a consciência e o progresso do
conhecimento63.
Para nos mantermos vivos, devemos atender certas necessidades. Comer é um dos
exemplos mais elementares. Os humanos, impulsionados pela necessidade, usavam
pedras para abater animais menores e cortar sua carne. Do uso repetido da pedra,
chegaram à fabricação do machado. Ao longo dos anos, ao modificar a natureza, a
abstratos das coisas e dos processos reais, mas, em vez disso, as coisas e seu desenvolvimento eram apenas
retratos realizados da ‘ideia’ que já existia em algum lugar antes do mundo”, “Anti-Dühring”, Friedrich Engels.
62 “A ideologia alemã”, Karl Marx e Friedrich Engels.
63 Ver “Sobre a Prática”, Mao Tsé-Tung.
49
percepção dos seres humanos sobre o mundo foi se expandindo e se elevando. Os
humanos dominaram o fogo, domesticaram animais, aprenderam como e quando
semear e colher, criaram a escrita, fabricaram o aço, inventaram a máquina a vapor,
manipularam vacinas, lançaram foguetes ao espaço, desenvolveram computadores
que cabem no bolso. Na luta que os seres humanos travam com a natureza para
assegurar sua existência, aprendem a conhecer suas leis e aplicá-las corretamente.
Quem quer que olhe a trajetória do Sol no céu, desde que nasce até quando se põe,
e se retenha nessa percepção sensível, pode se enganar e imaginar que ele gira em
torno da Terra. Foi essa a visão, inclusive, que predominou durante muito tempo.
Somente no século XVI, Nicolau Copérnico fez uma série de observações dos
movimentos dos corpos celestes que lhe permitiram romper com essa ideia e saltar
para o grau do conhecimento racional. Ele concluiu que a órbita dos planetas não
condizia com o geocentrismo e chegou à representação de um novo modelo no qual
os planetas é que giram em trono do Sol. Assim, pôde compreender, também, que
os dias e as noites são originados por um movimento de rotação da Terra.
50
a sua correção, pois “a prática é o critério da verdade”64. Os machados de pedra
fabricados pelos humanos se provaram mais eficientes na prática de caçar e cortar
alimentos. O modelo de Copérnico, apesar de rudimentar, se mostrou correto em
sua essência diante da prática científica posterior, e foi desenvolvido e aprimorado
por Galileu, Kepler, dentre outros. A Revolução Russa de 1917 foi a aplicação bem-
sucedida das teorias do marxismo-leninismo na prática da luta de classes. Assim, é
preciso pôr o conhecimento à prova da prática para, então, verificar se reflete
corretamente as leis da realidade objetiva e comprovar sua justeza, ajustá-lo ou
refutá-lo. Como diz o companheiro Ranulfo Peloso, “quem sabe como fazer, mas
nunca fez, ainda não sabe”65. Da prática ao conhecimento e do conhecimento à
prática, sempre elevando o conhecimento e a prática.
64 Idem.
65 “Trabalho de Base”, Ranulfo Peloso.
66 Ver “Somos a Consulta Popular II”, Dalva Angélica, Durval Siqueira, Erick Feitosa, Herick Argôlo, Kevin
51
abarcar o processo objetivo no seu conjunto, sofrem de falta de clareza de
orientação, de perspectiva larga, e se embriagam com seus sucessos ocasionais e
suas vistas curtas. Se esses indivíduos dirigissem a revolução, a conduziriam a um
beco sem saída” 67.
Para entender como é possível mudar a história em favor dos oprimidos, Karl Marx
precisou antes fundar uma nova filosofia, de caráter científico. Essa filosofia concebe
a natureza e a sociedade em seu incessante movimento e transformação, e o
conhecimento se formando e se desenvolvendo a partir da vida. A ela chamou
materialismo dialético. Com essa filosofia, deu fundamento à teoria que abre o
caminho para a transformação revolucionária da sociedade inteira. Enquanto o
marxismo é um guia para a ação, o materialismo dialético é o guia do conhecimento
científico68.
A luta interna é uma forma específica de prática social. Ela é a prática pela qual se
enfrenta as divergências políticas e se desenvolve a consciência dentro do partido
revolucionário. Como lembra Carlos Marighella, “a luta interna constitui a um só
tempo uma luta ideológica e teórica”69. Através dela, é possível superar desvios
ideológicos e o atraso entre o movimento da realidade e o seu conhecimento. “O
objetivo da luta interna — no seu aspecto teórico-ideológica — ou como luta teórico-
ideológica — é conseguir chegar a mudanças na cabeça dos homens, na
consciência dos militantes da vanguarda”70.
52
para cá, por si só, demandam a necessidade de análises acuradas e um amplo
processo de debates na nossa organização. Os revolucionários devem seguir com
rapidez as modificações da situação objetiva e estar atentos às tendências. Caso
contrário, ficam a reboque dos acontecimentos e reféns da ação do inimigo,
incapazes de estabelecer a tempo as tarefas que correspondem a cada momento.
Como dizia Che Guevara, “a verdadeira capacidade de um revolucionário se mede
por sua habilidade de encontrar táticas revolucionárias adequadas para cada
mudança de situação”.
71 Ver “Somos a Consulta Popular II”, Dalva Angélica, Durval Siqueira, Erick Feitosa, Herick Argôlo, Kevin
Ismerim, Cadernos de Debates nº 1, 2019.
72 “Luta Interna e Dialética”, Carlos Marighella.
53
Um segundo cuidado é estar ciente que a luta interna não se trata de uma luta de
grupos, nem por poderio individual, mas uma luta em torno de ideias, em torno da
ideologia revolucionária e da teoria marxista-leninista. Assim, o compromisso de
cada revolucionário não deve se dar com indivíduos ou grupos, embora estes
possam, naturalmente, se formar e encarnar determinada posição em dado
momento. Mas o compromisso deve se dar, como princípio, em torno do
conhecimento preciso da realidade, da correta orientação teórica e ideológica, da
justeza da linha que daí decorre, enfim, em torno da verdade. O revolucionário deve
ter um compromisso inquebrantável com a verdade.
Em terceiro lugar, não se pode tratar a luta interna como uma disputa centrada no
controle burocrático das instâncias de direção da organização. Assim, a luta interna
não pode ter como objetivo liquidar a minoria, expulsar quadros da organização,
forçar cisões ou aplicar medidas de coação. “Quantas cisões não poderiam ter sido
evitadas se a expressão das minorias houvesse sido respeitada? Em vez disso,
muitas vezes se utilizou de todo o peso do aparelho burocrático para aniquilá-las,
não lhe deixando outra saída, a não ser a cisão” 73. Na luta interna, deve-se adotar
como método a crítica e autocrítica, e a exposição das ideias de forma clara,
transparente e fundamentada, buscando-se convencer os demais da correção delas
ou sendo convencido.
Um outro cuidado é não tratar a luta interna como uma quebra do centralismo
democrático. Deve-se estimular a mais ampla liberdade de crítica, para que a luta
interna se dê com o pleno exercício da democracia interna. Por outro lado, deve-se
cuidar para que não se venha a ferir a unidade de ações deliberadas pelo partido.
Por fim, o quinto cuidado é partir do princípio que dentro da organização não se
pode evitar ou restringir a luta interna. Buscar soluções fora do exercício da
democracia interna, do debate amplo, só estimula a intolerância. Por vezes, essa
atitude transforma problemas políticos em intrigas pessoais, fofocas, etc. Não se
pode aprisionar as ideias. Buscar silenciar minorias, exercer o controle burocrático
do debate, só pode levar à debilidade da unidade partidária ou até ao fim do
partido74.
73“As minorias podem ter razão”, em “Ideias para a luta”, Marta Harnecker.
74 “Oposição e luta entre concepções diferentes surgem constantemente no seio do partido; é o reflexo, no
partido, das contradições de classes e das contradições entre o novo e o velho existentes na sociedade. Se no
partido não houvesse contradições e lutas ideológicas para resolver as contradições, a vida do partido cessaria”,
“Sobre a Contradição”, Mao Tse-tung.
54
No caso dos partidos revolucionários, a prática que permite ao conjunto dos seus
membros ultrapassar o reflexo incompleto, isolado e unilateral dos fenômenos
políticos e alcançar a essência deles, em seu conjunto e conexões internas, é a luta
interna. Os princípios que a guiam decorrem do materialismo dialético. Nas palavras
de Marighella, “só há um método correto a ser aplicado na luta interna, um único
método capaz de fazer avançar o partido no curso de tal luta, e este é o método
dialético-materialista”75.
Nesses momentos de crise, como o atual, desconfia-se até das verdades mais
comprovadas. Não é por acaso que tem adquirido autoridade um sujeito como Olavo
de Carvalho, ideólogo do neofascismo, que deprecia a teoria da evolução de Darwin
em favor do criacionismo, defende o geocentrismo, dá holofotes a alegações de que
a terra seria plana, dentre outros. Por sua vez, as organizações revolucionárias,
apesar de se fundarem na ideologia popular, não ficam imunes aos assédios da
ideologia burguesa.
55
Deitando os olhos sobre o movimento de formação de todo o universo, da evolução
dos seres vivos e das sociedades, é muito medíocre imaginar que o capitalismo
representa, fatalmente, o ápice da história humana. Quem quer que duvide que o
mundo está aberto a revoluções, que observe a crisálida, que vai acumulando
pequenas mudanças até que, em uma revolução da vida, transforma-se em
borboleta. A vida é feita de revoluções. Não é possível decretar o fim da história.
Nenhuma derrota pode parar o tempo. Ninguém pode parar a história.
56
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57
Seria evidentemente muito cômodo fazer a história se só devêssemos travar
a luta com chances infalivelmente favoráveis. De outro lado, esta história
seria de natureza muito mística se os ‘acasos’ não desempenhassem nela
nenhum papel. Estes casos fortuitos entram naturalmente na marcha geral
da evolução e ficam compensados, por sua vez, por outros acasos. Mas a
aceleração ou a desaceleração dependem muito de ‘acasos’ semelhantes,
entre os quais figura o ‘acaso’ do caráter dos chefes [...]. (MARX, ENGELS,
Resposta a Kugelmann ,1971, p. 268).
Todos e cada um de nós iniciamos nossa militância quando, de algum modo, fomos
impactados pela realidade. O conhecimento de um fato, a atenção despertada para
a importância de alguma opressão, serviu muitas vezes de motivação para que nos
sentíssemos mobilizados a enfrentá-la. Golpeados em nossos sentimentos e
emoções, esses impactos nos puseram a transitar entre a emoção e a razão e nos
despertaram para a comunidade daqueles que já não conseguiam ignorá-los.
...si usted es capaz de temblar de indignación cada vez que se comete una
injusticia en el mundo, somos compañeros, que es más importante. (Carta a
María Rosario Guevara, de 20 de fevereiro de 1964)
Mas se essa escolha por estar ao lado dos oprimidos, do lado que queremos ver
vencedor ante as dificuldades que enfrenta, serve para estabelecer como meta a
cessação da opressão e define nossa condição de companheiros, ela não é, por si
só, suficiente para determinar a efetividade de nossa contribuição para a vitória
contra os opressores.
58
Temos vivido, no interior da Consulta Popular, momentos difíceis a partir do
encerramento de nossa 5a Assembléia Nacional, desde quando tivemos que nos ver
a braços com a necessidade de promover os ajustes necessários em nossa política,
face a uma derrota de natureza estratégica que reconhecemos ter sofrido e que
colocou na ordem do dia a tarefa de redesenhar elementos táticos ajustados aos
novos contornos estratégicos que foram colocados.
E tudo isso gira em torno da figura de Lula, e tudo isso gira em torno da bandeira
Lula Livre e da solidariedade a Lula.
59
reconhecendo indiscutível esse dever de solidariedade sempre aclaramos que, como
Lula, são dele merecedores todos os outros que foram e estão sendo vítimas de
igual perseguição, com expressa menção às várias lideranças dos movimentos de
moradia que estiveram meses no cárcere, de lá saindo poucos dias antes do próprio
ex-Presidente.
Nossa tática não pode se subordinar a uma estratégia que consideramos derrotada.
O debate que enfrentamos atualmente define o destino de nossa organização, pois o
momento atual, marcado por mudanças profundas é implacável com os erros.
60
Uma das primeiras idéias-força, propagandeadas pela Consulta Popular foi a do tripé
constitutivo: lutas, formação e organização. Nas viagens aos estados era comum
buscar um banquinho de três pés para visualizar o principal desafio em que se
assentava nossa proposta.
Não há solução organizativa fora da política. Ela é quem nos projeta, conquista
adeptos, resolve os desafios materiais. No texto "Por Onde Anda a Consulta
Popular II", Fon e Gebrim relataram minuciosamente os momentos que nos
marcaram com uma ação que retratava uma tática adequada e facilmente é possível
relacioná-los com nossos ganhos organizativosi.
Uma política organizativa não pode medir seu crescimento pela aquisição de novos
membros. Mas, nos momentos em que não há um ascenso revolucionário, o critério
principal é a manutenção de seus quadros.
Quanto mais difícil o momento histórico, mais difícil será preservar quadros, estamos
enfrentando uma derrota profunda que corretamente caracterizamos, na 5ª
Assembléia Zilda Xavier, como de caráter estratégico, tal ofensiva atinge as classes
trabalhadoras com uma intensidade sem precedentes, desmontando as principais
conquistas históricas e gerando imensos desafios.
Não há como prever a duração histórica deste período. Perderemos menos se nos
prepararmos para uma longa duração, desejando fortemente estar errados.
61
Como manter nossa motivação ideológica?
Períodos históricos anteriores foram bem distintos. Ingressar num partido comunista,
enfrentando a repressão social e muitas vezes familiar, era um caminho
praticamente sem volta. Havia um horizonte socialista nítido, ganhando terreno a
cada ano, atraindo os melhores e alimentando uma inesgotável disposição de
oferecer o melhor, por maiores que fossem os sacrifícios pessoais. Uma organização
podia - e devia - exigir esse máximo de seus militantes.
62
Vivemos tempos bem distintos. Não é fácil manter o ânimo e a felicidade em tempos
sombrios. A insegurança e o sofrimento ante a dimensão da derrota que estamos
enfrentando amplia a insegurança e as dúvidas. E seguir dedicando energias
crescentes a um projeto coletivo já não se sustenta somente com o efêmero efeito
dos momentos de mística, exigindo muito mais da compreensão da realidade para
não sermos sufocados pelas derrotas que parecem não ter fim.
Sem uma teoria que interprete corretamente a realidade, sem uma definição tática
que defina nossas ações políticas, os melhores planos organizativos se perdem,
mesmo quando cumprem inicialmente suas metas, seguem fadados a reproduzir o
inevitável ciclo rotativo de militantes que marca uma parte expressiva das
organizações de esquerda.
Desconsiderar tudo isso é como esvaziar um barco furado com uma canequinha.
Enquanto conquistamos novos militantes, a infernal lógica da rotatividade, vai
63
afastando aqueles que acumularam anos de formação prática e teórica. Enquanto
achamos que estamos efetuando novas "liberações profissionalizadas", estaremos
apenas perdendo nossa capacidade de construir uma política própria.
64
4) Construir e participar de lutas, tendo como elemento central nossa preservação
de forças.
Não se trata de incorporar algum dos pontos ora sugeridos. Se trata de absorver
uma concepção.
Nada disso será possível sem deflagrarmos uma verdadeira inflexão tática,
envolvendo o conjunto da organização. Ou seja, não basta aprovar uma Resolução,
será necessário envolver cada núcleo da Consulta Popular na compreensão e
materialização da tática de recuo organizado e preservação de forças.
Precisamos lançar luz sobre essa questão, que está em aberto desde o processo
congressual que antecedeu nossa 5ª Assembléia Nacional "Zilda Xavier", no qual
um dos nossos objetivos, parcialmente frustrados até agora, era exatamente
repactuar com os movimentos populares (que nos fundaram) o papel da Consulta
Popular como um instrumento político do nosso campo. Este impasse não tem uma
solução fácil e aparente, o novo processo congressual - inaugurado pela Direção
Nacional em julho de 2019 - precisa enfrentar esta questão de forma corajosa,
transparente e generosa. Se não conseguirmos superar esse desafio, a Consulta
Popular estará fadada a ser mera auxiliar de linhas políticas definidas fora dela.
65
________________________________________________________________________
66
A esquerda brasileira tem enfrentado sua maior crise após o período marcado pela
reabertura democrática posterior à ditadura militar (1964-1985). Destaca-se uma
questão geracional de exceção diante do maior intervalo democrático da história
brasileira, entre as eleições diretas de 1989 e o golpe de 2016, com amplas
liberdades jamais vividas por outras esquerdas – a destacar os ciclos de ilegalidade
do PCB. Esse momento tem oportunizado aos lutadores e lutadoras do povo a
demanda por um balanço de importância superior – trata-se de uma esquina
histórica, quando os balanços ganham peso estratégico. A combinação entre a
exaustão de uma estratégia reformista, moderada e institucional e o avanço da
extrema direita aqui no Brasil e no mundo, são marcas desse período.
Não é o objetivo primeiro deste texto tratar o rigor das lacunas no atacado. É notório
o desaceleramento de debates importantes em nossos ambientes decisórios e
elaborativos após seus registros em cartilhas. Tais como “A via revolucionária e suas
combinações”, “A questão eleitoral” e –principalmente- “Que estado é esse a ser
tomado?” e “Que tipo de partido e sua viabilidade histórica?”. Decerto há uma parte
desses entendimentos que não estão sistematizados – aparecem diluídos ou
materializados mecanicamente-, como ocorreu metabolicamente no curso de
inúmeras experiências da classe trabalhadora. Outros nos chegam através dos
desdobramentos da nossa ação, inclusive –dessa forma, longe da rigidez
laboratorial, acadêmica e estéril- essa é a forma leninista de atacar as questões
elementares: a partir do desenvolvimento da luta política do conjunto da classe
trabalhadora em busca do poder.
67
Esta contribuição textual será dividida em duas partes, uma para agora e outra para
os próximos cadernos. Nesta primeira, trago uma reflexão acerca do que Gramsci
tratou enquanto “maximalismo” na Itália, com ênfase relativa ao período de crise da
II internacional e os iniciais da III (1919), cujo entendimento também nos ajuda a
destacar alto grau deste método diante de importantes acontecimentos na nossa
história. Mas não só pelo retrovisor este debate merece atenção. Cabe restabelecê-
lo para o agora e futuro.
76 O II Congresso da III Internacional Comunista (IC), realizado entre 19 de julho e 7 de agosto de 1920 em
Moscou, fixa as condições para a aceitação dos partidos nacionais (os chamados "21 pontos"). Esse congresso
convida o PSI a expulsar os reformistas, que acabou não ocorrendo pela direção de Serrati e contribuindo para
cisão e criação do PCI. Entre 15 e 21 de janeiro de 1921 Gramsci participa em Livorno do XVII Congresso do
PSI. A tese do grupo de Ímola ("comunista pura"), defendida por Terracini, Bordiga e os delegados da IC, obtém
58.783 votos. A tese de Florença ("comunista unitária"), representada por Serrati, obtém a maioria dos votos:
98.028 votos; a de Reggio Emilia (reformista), 14.695 votos. Em 21 de janeiro, os delegados da fração comunista
decidem constituir o "Partido Comunista da Itália. Seção italiana da Internacional Comunista". Gramsci faz parte
do Comitê Central do novo Partido.
68
objetivo estratégico, que é a destruição do inimigo e a ocupação do seu
território, sem ter antes atingido uma série de objetivos táticos, visando a
desagregar o inimigo antes de enfrentá-lo em campo aberto. Todo o
período pré-revolucionário se apresenta como uma atividade
predominantemente tática, voltada para a aquisição pelo proletariado de
novos aliados, para a desagregação do aparelho organizativo de ataque e
de defesa do inimigo, para o conhecimento e esgotamento de suas
reservas.” (Coutinho, 1999)
Em sua polêmica com o grupo L’Ordine Nuovo78, Bordiga externou uma breve e
“magistral” síntese: “O maximalismo terá sua primeira vitória com a conquista de
todo o poder pelo proletariado. Antes disso, ele nada mais tem a fazer além de
promover a organização cada vez mais vasta, consciente e homogênea da classe
operária no terreno político”. A encarnação desta idéia converte-se então num
destacamento doutrinário à espera do “grande dia”, no qual teriam lugar ao mesmo
tempo a primeira vitória e a vitória final. (Coutinho, 1999)
77 Criada principalmente por iniciativa de Friedrich Engels, por ocasião do Congresso Internacional de Paris,
em 14 de julho de 1889 seguiu existindo inclusive após a criação da III (1919). Foi uma associação livre de
partidos socialdemocratas e trabalhistas, integrada tanto por elementos revolucionários quanto reformistas. Seu
caráter progressista chegou ao fim em 1914, quando suas seções mais importantes violaram os princípios mais
elementares do socialismo ao apoiar seus governos imperialistas na Primeira Guerra Mundial. Desintegrou-se
durante a guerra, porém ressurgiu como organização totalmente reformista em 1923.
78 A revista L'Ordine Nuovo [A Nova Ordem] foi criada em abril de 1919 por Gramsci, Tasca, Togliatti e Umberto
Terracini, com o subtítulo "Resenha semanal de cultura socialista". Gramsci foi seu secretário de redação.
Posteriormente se dividiram e na criação do PCI (21) transformou-se em semanário do partido.
69
Há um consenso na Consulta Popular sobre os diversos saltos de qualidade dados
ao longo do tempo, principalmente quando deixa de ser uma combinação de
pensadores(as) e lutadores(as) para se transformar numa organização. Porém
algumas raízes desse processo foram superadas, outras dispersadas. O tratamento
quase exclusivamente moral dada à questão eleitoral na nossa primeira década foi
um dos fatores que emprestou fortes traços abstencionistas e maximalistas às
gerações primeiras da CP. Ainda quando superamos esse período, convertendo-se
em partido entre a II e III Assembleia (2005-2007), seguimos enfrentando nosso
próprio esquerdismo gradual e coletivamente. Mas é preciso sinalizar aqui que não
foram somente passos possíveis a serem dados por um corpo em crescimento!
Foram inúmeros passos corretos, mas também equívocos danosos ainda banhados
de “premissas justas”.
70
sobre a forma maximalista-preservacionista implícita, pela qual estamos construindo
uma cultura revolucionária idealista, apesar da justeza da teoria geral, em busca do
“grande dia”. Aqui gestamos uma coluna de abnegados para um futuro onde o PPB
irá se apresentar de forma clara.
71
Referências:
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
72
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73
América Latina novamente em ebulição
Um primeiro campo refere-se aos governos alinhados diretamente com a política dos
EUA. Um segundo campo abrange os governos considerados progressistas, mas
com limites na correlação de forças para maiores avanços populares. E cinco países
compõe o que seria uma política de avanços sociais mais robustos, governos com a
marca da soberania, da integração regional, com maior participação da classe
trabalhadora nos rumos desses governos, chocando-se diretamente com o
imperialismo. Entre esses países estão Venezuela, Nicarágua, Bolívia e Equador, os
chamados países do campo bolivariano, ao lado de Cuba. Em comum entre os
processos foi a adoção da via eleitoral para ocupar uma fatia do Estado e, a partir
daí, visualizamos menores e maiores avanços segundo a análise acima.
2. De forma geral, no ano de 2009, nosso continente chegou a ter ao menos doze
presidentes de orientação progressista, restando agora, até a data de conclusão
deste texto, cinco cadeiras presidenciais. O que nos debates mais cotidianos da
esquerda pode surgir com terminologia de um “novo ciclo” conservador no
continente não pode ser visto como um processo estanque, como apenas um
suposto “ciclo” que substituiu um ciclo formal de governos progressistas. Tampouco
o estopim de uma luta em um país vizinho, como temos visto, pode ser o salvo-
conduto para desmontar nossa tese de derrota profunda e estratégica no caso
brasileiro.
O que devemos perceber é que, nos anos 1990, após aplicação do neoliberalismo e
o desgaste provocado nas condições de vida da população, a opção eleitoral foi por
governos que no plano econômico e político trouxeram ganhos à classe
trabalhadora. Seus limites e possibilidades sempre estiveram condicionados à
correlação de forças na sociedade.
74
cercados e limitados”, (Documento da Tricontinental, maio de 2019,
tradução nossa)
4. Com diferentes realidades e processos, não parece ser por acaso o fato de que, entre os
processos mais avançados, dos países que classificamos como “bolivarianos”, venezuelano
resiste, na longa travessia de um período duríssimo de cinco anos. É fato que o processo da
revolução bolivariana conta com uma aliança fundamental cívico-militar e com a formação
de uma geração de militares identificados com os princípios da Revolução. Tem acesso a
recursos naturais (petróleo, ouro, coltán) que outros países na região não possuem na
mesma dimensão. Mas é preciso ressaltar a capacidade de convocatória, organização e
produção dos trabalhadores venezuelanos80 como um dos principais fatores que mantém,
até o momento, o êxito da resistência contra o assédio permanente do bloqueio e da guerra
econômica81.
79 A entrevista do vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, à Telesur para explicar as razões do golpe de
Estado na Bolívia usa a imagem interessante de que uma pedra atirada em algo conta com dois fatores. O golpe
externo da pedra e o componente interno do material que se rompe e não resiste. Por que, internamente, nossos
processos romperam e não resistiram? Ainda mais se falamos da Bolívia, país em franca expansão econômica.
80 HARNECKER, Marta. Um mundo a construir. Expressão Popular, 2018.
81 Radiografía de un país bajo asedio. Mision Verdad. Caracas, 2019.
75
É preciso também ressaltar no processo venezuelano a dinâmica criada não só de
orientação do Estado, com seu caráter de classe, a serviço de políticas sociais, mas a
construção de uma rede de organização popular capaz de ir tensionando, disputando, e, de
acordo com as condições, substituindo parcelas desse Estado82.
Martha Harnecker defende, no compilado de final de vida, “Um mundo a construir”, de forma
contundente, que o processo da revolução bolivariana, ao buscar convocatória e
participação popular, se distancia inclusive do burocratismo presente na experiência russa,
sobretudo no que toca a crítica à relação entre burocratização e extrema centralização das
iniciativas vindas do Estado.
5. A principal conclusão desse período deve ser o fato de que a estratégia de tomada de
governos com orientação progressista encontrou nesses diferentes países seu limite e
esgotamento – e também a impossibilidade aparente de simplesmente repetir esse ciclo
virtuoso como num passe de mágica. Seja pela ação do imperialismo, seja pelo desgaste
próprio da permanência no poder com avanços limitados, e também pelos efeitos dos
ataques diversos do imperialismo em várias frentes.
76
desses processos de câmbio deveriam ter sido os movimentos sociais e
combativos”, página 27, tradução nossa.
A determinante econômica dos processos nesses balanços não pode apagar o fato de que,
do Brasil à Venezuela, o que tem determinado a capacidade de resistência popular é a
capacidade de envolvimento das massas populares a partir da chegada da esquerda aos
governos. Os setores golpistas, por sua vez, aproveitaram as janelas e flancos deixados
pelos governos progressistas, sob o pano de fundo da crise econômica mundial. Mas,
reparemos, o centro da luta esteve a todo momento na política. E é impressionante como
muitas análises sobre o processo do Brasil à Bolívia, ainda se agarram no componente
econômico e uma possível estabilidade neste campo como garantidora dos avanços. As
novas vitórias de governos de centro-esquerda no México e Argentina, em rechaço ao
neoliberalismo, certamente devem reforçar em nossas análises sobre os limites colocados
para esses avanços apenas repetindo a estratégia anterior, que foi derrotada.
“ (Él) Cambió el curso de los ríos e el destino a tanta gente”, Roberto Molinari, Lula Libre.
“Chama que o homem dá jeito”, jingle de 2018.
1. Mesmo depois da importante vitória popular que significou a saída de Lula do cárcere, na
qual a Consulta Popular teve papel importante no Comitê Nacional Lula Livre, e mesmo
depois da tenacidade com que o líder petista enfrentou os 580 dias em uma condição
ultrajante de uma solitária, aos 74 anos, sabemos que, passada a euforia de uma vitória
tática, a principal liderança petista e seu partido não apresentam o histórico e as condições
de repensar uma nova estratégia de poder para a esquerda.
2. Neste cenário de uma profunda derrota que classificamos de estratégica, que ao mesmo
tempo força um novo apontamento, um novo caminho, uma reorganização e reconstrução
da esquerda no país, como a Consulta Popular deve se posicionar, inclusive para garantir
sua sobrevivência como organização? Como buscar a unidade expressa até então na
Frente Brasil Popular, com esse campo democrático, sem deixar de diferenciar nossa
análise, colocando em pauta a construção: da perspectiva de poder b) construção de base
social popular e urbana c) de comunicação estratégica d) de trabalho de base e) de
convocatória para reformas populares e estruturais?
3. Sem dúvida Lula é hoje a principal liderança de referência de massas no Brasil, e a elite
parece disposta a mantê-lo como inimigo. Sem dúvida nesse período do cárcere houve um
maior aprofundamento em suas mensagens no temário nacional e da soberania. Porém, a
questão agora é se as organizações de esquerda terão condições de estar preparadas para
ataques e instabilidades que, como aprendemos no cenário latino-americano, são a regra
neste quadrante da História. A necessidade urgente neste momento seria que o Lula do “Eu
resolvi e resolvo” desse lugar a um Lula que projetasse novas lideranças, que enviasse uma
77
mensagem organizativa às massas beneficiadas pelas políticas de seu governo e que agora
sofrem um veloz desmonte. A mensagem e posicionamento abaixo, já no sétimo Congresso
nacional do PT83, está carregada de um conteúdo agitativo avançado comparado com outros
períodos. Embora, mesmo nela, está nítido o fato de que o caminho a ser feito seria
melhorar a mesma via (institucional, estável, possível no período anterior e não no atual). Ou
seja, não reflete o debate estratégico que estamos propondo para a esquerda. A ver:
O maior erro que nós cometemos foi não ter feito mais e melhor, de uma
forma tão contundente que jamais fosse possível esse país voltar a ser
governado contra o povo, contra os interesses nacionais, contra a liberdade
e a democracia, como está sendo hoje.
Antes que a Rede Globo me acuse outra vez pelo que não disse nem fiz,
não ousem me comparar ao presidente que eles escolheram. Jamais
ameacei e jamais ameaçaria cassar arbitrariamente uma concessão de TV,
mesmo sendo atacado sem direito de resposta e censurado como sou pelo
jornalismo da Globo”
4. Se, como nos ensinou Carlos Marighella, no texto “A Crise Brasileira” (1966), é necessária
a unidade com diferentes setores, inclusive na órbita de uma burguesia local, contra o
imperialismo, porém é preciso reforçar a hegemonia da classe trabalhadora neste processo.
Essa é a lição essencial. Não é incomum ver a análise de que o “problema esteve nas
alianças espúrias” nas fileiras do Psol ao PT, passando por artistas e pela classe média
radicalizada. Porém, a questão é que as alianças continuarão sendo feitas e sem que se
busque, no interior dela, construir a hegemonia do processo – essa sim a questão central,
lição do processo venezuelano citado acima.
5. Pressionado pela mídia comercial que cobra uma “auto-crítica” petista, como Lula bem
frisou acima, que sabemos ser uma autocrítica que siga atrelando o partido ao tema da
corrupção, é fato que o PT, de maneira geral e entre sua direção, parece hoje acuado em
dar resposta a essa pressão, revela-se até aqui sem capacidade entre seus quadros para
fazer uma análise serena do período anterior e corrigir seus erros táticos e estratégicos.
83 https://www.brasildefato.com.br/2019/11/23/leia-a-integra-do-discurso-de-lula-na-abertura-do-7o-congresso-
nacional-do-pt/
78
Sem capacidade de produzir uma nova síntese para o momento, além do que tem sido
pautado pelas lutas reativas que marcaram 201984.
6. Desde o plebiscito pela Constituinte, em 2014, é fato que a Consulta Popular tem se
posicionado de forma tímida e sem segurança diante das iniciativas da esquerda. Em última
análise, assinamos e endossamos muitas delas, nos resguardando de tomar posições,
sejam críticas no interior da vanguarda, e sem definir a nossa própria linha para determinado
tema. Não conseguimos produzir linhas nítidas para cada período, compreensíveis para a
nossa militância e seu raio de influência85.
A Consulta Popular, assim mesmo, é uma ferramenta necessária, pelo que as lutas de
classe em nossa Pátria Grande latino-americana apontam, porque justamente a grande
lacuna dessas lutas tem sido a construção de um partido político com vocação de poder. O
espaço de lutas sociais já têm um leque importante de organizações e o espaço
institucional, idem. Precisamos reafirmar nosso terreno de atuação e o nosso sentido.
Desafios
84 A comunicação é cada vez mais central na luta de classes, como deixa nítido o texto da companheira
Joana Tavares no Caderno de Debates anterior. Mas não parece uma reflexão profunda ainda por parte de Lula
sobre a necessidade de meios de comunicação próprios da classe trabalhadora. Nas entrevistas dadas da prisão
em Curitiba, a prioridade era a difusão via mídia comercial e não via construção de mídia alternativa.
85 Recordamos que no episódio do Fora
Cunha, em 2016, tivemos uma nota bastante ousada, várias organizações próximas nos elogiaram por uma
capacidade de iniciativa que o PT muitas vezes não consegue apresentar.
79
O terremoto que move as forças nos países da América Latina não é a mesma tempestade
brasileira que, coloca as forças populares recolhidas. Se as lutas, neste momento, não
tendem a massificar, ou teríamos pouca influência em manifestações esporádicas, a
Consulta Popular deve dar prioridade a se resguardar, ganhar musculatura.
O estopim de uma revolta popular pode esbarrar hoje na onda que passa, levando
entusiasmo, fetiche com a criatividade surgida nas ruas, mas caindo no risco de não
conseguir consumar uma alternativa de poder.
O principal desafio da esquerda neste momento é conseguir fortalecer sua base social,
questão comum entre a maioria das organizações e partidos86.
Parece que estamos apressados em compor todas as lutas urgentes. Mas o momento é de
resguardo, precisão nas movimentações e dar conta das tarefas essenciais na construção e
fortalecimento do partido. Temos simbologia, temos História, temos mística, temos
ferramentas de luta com marca de ousadia, não somos um partido de um, mas de vários
elaboradores e formadores; temos tudo para dialogar e encantar os setores – da juventude
universitária ao precário mundo do trabalho -, que venham a se somar nas lutas futuras.
Precisamos:
1 - Consolidar nossos materiais, nossos meios para fazer chegar à militância, aos
estudantes, nossos materiais de propaganda;
5 - Criar pontos fortes de organização popular que estejam conectados com os trabalhos de
economia popular. Dar urgência à construção nacional do MTD nessa perspectiva;
86 Após a vitória de Bolsonaro, se fortalece um clima favorável à unidade da esquerda como não se havia visto
entre 2003 e 2016. Possibilidades de alianças nas eleições municipais; o Psol participando da campanha Lula
Livre, comitês unificados tendo mais vida que a Frente Brasil Popular e a Povo Sem Medo em alguns locais. Mas
as questões mudaram. O problema é a ausência de força social na maioria das organizações.
80
cenário nacional, buscando atuar nele, ser uma organização de fato nacional e não um
consórcio de consultas populares;
81