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KOSELLECK, R.

– Representação, evento e estrutura


A constatação de que uma “história” já se encontra previamente configurada
antes de tomar a forma de uma linguagem limita não só o potencial de representação
como também exige do historiador que se volte necessariamente à fonte em busca de
fatos.
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Eventos, que são isolados ex post da infinidade dos acontecimentos – ou, para
usar uma linguagem burocrática, são retirados dos arquivos – podem ser
experimentados pelos próprios contemporâneos como um conjunto de fatos, como uma
unidade de sentido que pode ser narrada. O pano de fundo no qual diferentes
acontecimentos se organizam em um evento é, antes de tudo, a cronologia natural.
O antes e o depois constituem o horizonte de sentido de uma narrativa, mas
somente porque a experiência histórica que constitui o evento está necessariamente
inserida na sucessão temporal.
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São entendidas como estruturas – em relação à sua temporalidade – aquelas
circunstancias que não se organiza, segundo a estrita sucessão dos eventos passados.
Elas implicam maior duração, maior estabilidade, alterando-se em prazos mais longos.
A precisão de limites nas determinações cronológicas é, evidentemente, muito
menos significativa na descrição de estados ou situações de longo prazo. Citamos como
exemplos algumas estruturas: modelos constitucionais, forças produtivas e as relações
de produção, circunstâncias geográficas e espaciais, comportamento inconsciente,
costumes e os sistemas jurídicos.
Todas têm em comum o fato de que suas constantes temporais ultrapassam o
campo de experiência cronologicamente registrável dos indivíduos envolvidos em um
evento. Elas não podem ser reduzidas a uma única pessoa e raramente a grupos
precisamente determinados. Elas adquirem frequentemente um caráter processual – que
pode também se integrar às experiências dos eventos cotidianos.
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Tradicionalmente, a representação de estruturas aproxima-se mais da descrição,
por exemplo, na antiga estatística do absolutismo esclarecido; já a representação dos
eventos aproxima-se mais da narração, de forma semelhante à história pragmática do
século XVIII. Ambos os níveis remetem um ao outro, sem que um se dissolva no outro.
No que diz respeito aos eventos isolados, pode-se afirmar que certas condições
estruturais possibilitam seu transcurso. É possível descrevê-las. Entretanto, elas podem
ser também inseridas na narrativa se, entendidas como causas independentes da
cronologia, contribuírem para a análise do evento. Certas estruturas só podem ser
apreendidas nos eventos nos quais se articulam e por meio dos quais se deixam
transparecer.
Quanto mais rigorosa for a coerência sistemática, quanto mais longos forem os
prazos dos aspectos estruturais, tanto menos eles poderão ser narrados em ordem
cronológica estrita, com antes e depois. Uma vez analisadas e descritas, as estruturas
podem ser objetos de narrativas, como fatores que pertencem a um conjunto de eventos
de outra ordem.
A distinção e delimitação entre evento e estrutura não deve conduzir a que se
eliminem suas diferenças, de modo a conservar sua finalidade cognitiva: nos ajudar a
decifrar as múltiplas camadas de toda história, como nos lembra a etimologia de
“história”.
Primeiro, os planos temporais, por mais que se condicionem reciprocamente,
nunca se fundem totalmente; em segundo lugar, conforme o nível em que se dá a
investigação, um evento pode adquirir significado estrutural, assim como da mesma
forma, e em terceiro lugar, a duração pode converter-se em evento.
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A história seria diminuída, se ela se obrigasse somente à narração, em
detrimento de uma análise de estruturas cuja efetividade está em outro nível temporal,
não sendo menor por isso. Quais explicações são válidas, ou deveriam ser, só pode ser
decidido estabelecendo-se um pressuposto teórico.
Todo evento investigado e representado historicamente nutre-se da ficção do
factual, mas a realidade propriamente dita já não pode mais ser apreendida. Quando
interpreta um evento a partir de fontes, o historiador se aproxima daquele narrador
literário que se submete à ficção contida nos fatos para tornar mais verossímil a sua
narrativa.
Nenhum evento pode ser relatado, nenhuma estrutura representada, nenhum
processo descrito sem que sejam empregados conceitos históricos que permitam
compreender e conceitualizar o passado.
O estudo da semântica da história mostra que todo conceito que faz parte de uma
narrativa ou de uma representação torna inteligíveis contextos, precisamente por não os
reduzir à sua singularidade histórica. Contém possibilidades estruturais, colocam em
questão traços contemporâneos no que é não-contemporâneo e não pode reduzir-se a
uma pura série histórica temporal.
Conceitos que abrangem fatos, circunstâncias e processos tornam-se, para o
historiador, categorias formais que podem ser colocadas como condições para histórias
possíveis. Somente os conceitos providos de duração, aptos a uma utilização reiterada
em outros contextos, e que remetam a um referencial empírico permitem uma história
que em seu momento foi dada como real possa ser hoje dada como possível e, com isso,
ser representada.
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As mudanças estruturais de longo prazo, com intervalos de tempo cada vez mais
curtos, resultam em predições que têm por objeto não mais eventos concretos
singulares, mas sim condições de um determinado futuro possível.
Seu valor está em enunciar proposições estruturais, que falam de um futuro
construído como um processo. A história refere-se às condições de um futuro possível,
que não se deduz somente a partir da soma dos eventos isolados. Mas nos eventos que
ela investiga delineiam-se estruturas que estabelecem ao mesmo tempo as condições e
os limites da ação futura. A história demarca os limites para um futuro possível e
distinto, sem que com isso possa renunciar às condições estruturais associadas a uma
possível repetição dos eventos.

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