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A importância da leitura no ensino

superior

Silmara de Jesus Bignardi dos Santos


Mestre em Educação - PUCCAMP
Professora do Centro Universitário Anhanguera - Unidade Pirassununga
e-mail: silmarajbs@bol.com.br

Resumo Abstract

Considerando que a leitura é essencial para o Considering that the reading is essential for the
aprendizado do aluno, e, conseqüentemente, tem student’s learning, and, consequently, she has implications
implicações na sua formação acadêmica e no seu in her academic formation and in her acting as professional
desempenho como futuro profissional, este trabalho future, this work detaches the teacher’s importance to
destaca a importância do professor conhecer a know the theoretical basis on the teaching of the reading
fundamentação teórica sobre o ensino da leitura para to base her pedagogic action because besides having
fundamentar sua ação pedagógica pois além de ter os the specific knowledge of a certain discipline, it is
conhecimentos específicos de uma determinada necessary also to have knowledge on the teaching of the
disciplina, é preciso também ter conhecimentos sobre o reading. To identify the abilities and strategies involved
ensino da leitura. Identificar as habilidades e estratégias in the reading is decisive to accomplish a good work in
envolvidas na leitura é decisivo para se realizar um bom classroom, because that is an action that can contribute
trabalho em sala de aula, pois essa é uma ação que to correspond to the emerging needs of the teaching now,
poderá contribuir para corresponder às necessidades that is, to drive the student to the production of new
emergentes do ensino atualmente, isto é, conduzir o aluno knowledge, without losing of view the knowledge already
à produção de conhecimentos novos, sem perder de vista elaborated. Like this, the action of reading and the one
o conhecimento já elaborado. Assim, o ato de ler e o de of learning is very close two realities, therefore
aprender são duas realidades muito próximas, portanto inseparable, interfering with mutually. To dominate the
indissociáveis, interferindo-se mutuamente. Dominar a reading and being a proficient reader leads the student
leitura e ser um leitor proficiente conduz o aluno a uma to an attitude activates, dynamics and critic in relation to
atitude ativa, dinâmica e crítica em relação ao the knowledge.
conhecimento.
Key-words: Reading; Learning; Academic
Palavras-chave: Leitura; Aprendizagem; Ensino Courses
Superior

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Introdução No interior da discussão sobre a importância do


agir pedagógico nesse novo paradigma, Rios (1999)
A leitura no âmbito universitário tem sido objeto afirma que:
de estudo realizado por educadores e pesquisadores. (...) o saber fazer bem tem uma dimensão
Muitos desses estudos destacam a sua importância como técnica, a do saber e do saber fazer, isto é, do
um dos caminhos que levam o aluno ao acesso e à domínio dos conteúdos de que o sujeito necessita
produção do conhecimento, enfatizando a leitura crítica para desempenhar o seu papel, aquilo que se
requer dele socialmente, articulado com o
como forma de recuperar todas as informações
domínio das técnicas, das estratégias que
acumuladas historicamente e de utilizá-las de forma
permitam que ele, digamos, “dê conta de seu
eficiente. Entretanto, tem sido demonstrado que os alunos
recado” em seu trabalho. (RIOS, 1999, p.47)
ingressam no curso superior apresentando grandes
dificuldades em relação à leitura, isto é, não conseguem Com todas as transformações que estão
compreender os textos lidos, textos esses que são ocorrendo no mundo, é preciso desenvolver a autonomia
solicitados pelos professores e, portanto, imprescindíveis nos alunos levando-os a aprender a aprender. Isso implica
para uma sólida formação acadêmica. oferecer-lhes a condição de refletir, analisar e tomar
Essa dificuldade, no contexto universitário, pode consciência do que sabe e a mudar os conceitos, seja
ser perfeitamente compreendida. Ela se deve, para processar novas informações, seja para substituir
principalmente, à ausência de tradição no ensino do país conceitos adquiridos no passado e adquirir novos
de práticas docentes que conduzam à formação de um conhecimentos.
leitor proficiente. Nessa concepção, a educação visa a preparar o
Se a dificuldade existe, não adianta reclamar, ou aluno para a vida sócio-política e cultural, cumprindo
atribuir a culpa aos professores do Ensino Básico, seu ideal político que é a emancipação do homem.
esperar que a dificuldade desapareça como num passe Conforme Saviani:
de mágica, ou ignorar o fato e prosseguir com a aula (...) a compreensão da natureza da educação
acreditando que se está ensinando e o aluno aprendendo. enquanto um trabalho não material cujo produto
É preciso oferecer condições para que o aluno tenha não se separa do ato de produção nos permite
oportunidades para sanar suas deficiências e isso situar a especificidade da educação como
depende do professor, não acontecerá por acaso, referida aos conhecimentos, idéias, conceitos,
espontaneamente. valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto
O aprender a aprender já se tornou um ponto de elementos necessários à formação da
fundamental e indiscutível em Educação, mas para tanto humanidade em cada indivíduo singular, na forma
é imprescindível um leitor proficiente, um leitor que seja de uma segunda natureza, que se produz,
deliberada e intencionalmente, através de
capaz de compreender um texto escrito, que seja capaz
relações pedagógicas historicamente
de se posicionar diante dele com criticidade e que tenha
determinadas que se travam entre os homens.
autonomia intelectual. Senão, como buscar novos
(SAVIANI, 1992, p. 29)
conhecimentos? Como aprender sem a leitura? Como
encontrar soluções para os problemas sem a Considerando que a leitura é essencial para o
fundamentação teórica proporcionada através da leitura? aprendizado do aluno, e, conseqüentemente, tem
Refletir sobre a dimensão da importância da leitura implicações na sua formação acadêmica e no seu
no contexto universitário nos conduz a uma análise de desempenho como futuro profissional e, além disso, de
conceitos e objetivos que servem de referência para o ser a base de toda ação pedagógica, este trabalho destaca
agir pedagógico. o que os pesquisadores têm ressaltado sobre o ensino
A ação docente deve pautar-se pelos quatro da leitura, pois além de ter os conhecimentos específicos
pilares da educação superior contemporânea, de uma determinada disciplina, é preciso conhecer a
estabelecidos no relatório para a UNESCO, da fundamentação teórica sobre o ensino da leitura para
Comissão Internacional sobre a Educação para o Século trabalhá-la em sala de aula. Identificar as habilidades e
XXI, assim estabelecidos: aprender a conhecer, aprender estratégias envolvidas na leitura é decisivo para se realizar
a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. um bom trabalho em sala de aula, pois essa é uma ação

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que poderá contribuir para corresponder às necessidades à compreensão do texto.


emergentes do ensino atualmente, isto é, conduzir o aluno Os resultados obtidos das práticas empregadas
à produção de conhecimentos novos, sem perder de vista parecem conduzir o aluno à reprodução e à
o conhecimento já elaborado. memorização, não ocorrendo a aprendizagem
Embora a leitura tenha muitos aspectos, lê-se por significativa.
muitas razões como, por exemplo, para obter Certamente, o professor tem papel fundamental
informações ou para entretenimento, neste trabalho sua no processo ensino-aprendizagem, é fundamental
importância é dada por considerá-la fundamentalmente conhecer os conceitos teóricos sobre processamento de
como fonte de conhecimento indispensável para a textos escritos para uma ação pedagógica bem informada
formação acadêmica e, posteriormente, para o exercício e fundamentada.
profissional. Sendo assim, se o aluno ainda não desenvolveu
as habilidades necessárias e não sabe utilizar estratégias
O cenário: práticas de leitura na graduação para a compreensão de textos, o professor deve criar
oportunidades em sala de aula para que isso ocorra. O
Após a indicação da bibliografia, o professor professor tem um papel determinante na formação e no
solicita aos alunos a leitura dos textos que serão discutidos desenvolvimento das habilidades e competências que os
na sala de aula. A aula do professor está diretamente alunos ainda não adquiriram. Deve criar situações para
articulada à realização dessa leitura prévia dos textos. despertar a curiosidade, desenvolver a autonomia; deve,
Porém, como os alunos demonstram dificuldades para enfim, criar as condições necessárias para a formação
compreendê-los, o que se percebe é que não há de um leitor proficiente.
propriamente uma discussão em sala de aula sobre as
idéias apresentadas pelo autor e sim a exposição, pelo Leitura: compreensão e criticidade
professor, daquilo que considera importante. Ou então,
a partir da leitura do texto, passa-se a discutir um tema; A dificuldade dos alunos para compreender os
porém não se dialoga com as idéias do autor. O aluno diferentes textos que são necessários para a sua
afasta-se do texto lido passando a comentar o tema formação acadêmica, principalmente os propostos nos
conforme o seu conhecimento prévio, extrapolando para trabalhos de leitura em sala de aula, requer uma reflexão
outras questões paralelas. sobre a prática efetiva de ler, compreender e criticar.
Além disso, a leitura dos textos também é utilizada Os diversos conceitos de leitura existentes podem
para a realização de resumos, sendo que, muitas vezes, ser agrupados em duas grandes concepções, geralmente
não há explicitação de um objetivo para essa atividade, vistas como antagônicas.
bem como não há o retorno para o aluno sobre o texto Uma primeira tendência é a que prioriza o texto,
que produziu. conseqüentemente, a leitura é vista como produto, como
O problema se agrava quando o professor solicita reconhecimento de sentidos materializados na superfície
uma resenha. Não há como o aluno posicionar-se textual. Essa posição não considera a importância do
criticamente diante de um texto quando ele sequer leitor e preconiza a noção de texto como objeto
compreendeu as idéias apresentadas. O texto do aluno, autônomo e fechado de sentidos estáveis.
geralmente, revela a sua incompreensão e se caracteriza Essa postura provém de uma visão estruturalista
como uma colagem do texto original, isto é, revela que e mecanicista da linguagem, entendendo que o sentido
ainda não se constituiu como um leitor proficiente. está no texto. Portanto, caberia ao leitor a tarefa de
Em relação a não compreensão dos textos pelos decodificar e reconhecer os elementos lingüísticos já
alunos, não há uma ação pedagógica planejada para conhecidos e descobrir o significado dos elementos
orientá-los quanto ao desenvolvimento das suas desconhecidos.
habilidades e de estratégias cognitivas utilizadas na leitura Uma segunda tendência prioriza o leitor, ele é visto
proficiente. Não é realizado nenhum trabalho pedagógico como fonte de sentidos. Segundo essa posição, a leitura
com desenvolvimento de atividades cognitivas de consiste justamente em um processo de atribuição de
reflexão, com ativação do conhecimento prévio e análise sentidos ao texto cuja materialidade lingüística tem a
crítica do conteúdo lingüístico que possa levar os alunos significação que lhe for atribuída pelo leitor.

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Essa segunda concepção de leitura está Discorrendo sobre a importância do ato de ler -
fundamentada na psicologia cognitivista e considera que a realidade e a palavra, Freire (1999) enfatiza que a leitura
o leitor é a fonte de sentido, portanto opõe-se, em parte, não deve ser apenas um processo mecânico de repetição
à concepção anterior. das palavras, mas da compreensão destas e do contexto
O que se pode perceber é que essas duas que as envolve. Para ele, o aprendizado da leitura está
tendências têm se revelado incapazes de produzir um presente em todas as fases da vida, iniciando-se na
leitor crítico, um leitor capaz de construir sua infância, quando se tem a primeira percepção de mundo
compreensão a partir das palavras do autor e posicionar- e segue através da leitura da palavra propriamente dita.
se com sua contra-palavra. Afirma o autor “A compreensão do texto a ser alcançada
É importante ainda refletir a respeito de uma por sua leitura crítica implica a percepção das relações
terceira posição teórica sobre leitura, intermediária em entre o texto e o contexto” (FREIRE, 1999, p.11).
relação às duas tendências e que supera essa dicotomia Ao narrar suas primeiras experiências de leitura
texto-leitor, denominada sociointeracionista e como “momentos em que os textos se ofereciam à nossa
desenvolvida a partir do conceito Vygotskyano de inquieta procura” (op.cit, p.16), Freire coloca uma outra
interação na aprendizagem. idéia interessante que é a do ato de ler como engajamento,
Essa posição entende que a construção de como busca interessada e significativa por parte do leitor
sentidos se dá através de um processo ativo e dinâmico em oposição à recepção passiva e indiferente que
de negociação entre autor e leitor no espaço caracteriza a leitura no contexto escolar.
compartilhado do texto. Portanto, o leitor para construir Essas duas noções são fundamentais para
o significado durante a leitura mobiliza seu conhecimento configurar uma leitura crítica. São igualmente necessárias
prévio, socialmente adquirido e armazenado em a percepção das relações texto-contexto e a ida ao texto
esquemas mentais, confrontando-os com as pistas com uma disposição de procura significativa, em uma
lingüísticas impressas pelo autor no texto, entende-se, atitude de engajamento reflexivo. Faz-se necessário
portanto, que a leitura se processa na interação autor- ressaltar que a palavra contexto está sendo utilizada em
texto-leitor. um sentido bastante abrangente, isto é, como contexto
Conforme as recentes correntes teóricas, o texto sócio-histórico (situação social, cultural, histórica e
já não pode ser considerado como um objeto lingüístico ideológica que envolve a produção), discursivo (situação
cujos sentidos existem fora de um contexto sócio- de enunciação) e intertextual (relação do texto lido com
histórico e discursivo. Koch (1997) define texto como outros textos com os quais ele dialoga).
evento discursivo, que vai além da sua materialidade Para Freire (1982) não se pode fazer apenas uma
lingüística, encaminhando-se, assim, para uma leitura mecânica do texto, na qual se memoriza o
perspectiva interacional com inclusão do aspecto sócio- conteúdo, sem compreendê-lo. É imprescindível ter
histórico. postura crítica para que o estudo possa ser produtivo.
Também Kleiman (1998), ao discutir sobre Essa postura crítica necessária ao ato de estudar requer
questões de letramento, adota uma concepção de texto que se “assuma o papel de sujeito desse ato”. Logo, um
escrito como evento discursivo que não pode ser determinado trecho de um texto pode suscitar reflexões
desvinculado do contexto sócio-cultural em que é no sujeito que o levem a novos caminhos, às novas
produzido. Assim, reivindica a necessidade de se legitimar descobertas.
outros modos de ler, diferentes do padrão escolar, os É, portanto, necessário, na leitura de um texto,
quais se constituem em função do contexto em que seus além da compreensão do seu conteúdo, ter postura
participantes estão inseridos. constante de busca.
É através da leitura e sua respectiva compreensão Também o ato de estudar um texto implica numa
que se consegue entender a realidade. Compreender um relação dialógica com o seu autor, em que se evidencia
texto é estabelecer uma relação dinâmica com um seu posicionamento histórico-sociológico e ideológico.
determinado contexto, bem como perceber criticamente É função do sujeito leitor perceber esse posicionamento
a objetividade dos fatos desse contexto. Assim, a leitura que, muitas vezes, está implícito no texto.
de um texto precisa transcender os limites dele mesmo e Leitura e compreensão são atividades de grande
remeter o leitor à percepção e análise da realidade. importância na aprendizagem; portanto, o trabalho em

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sala de aula desencadeado a partir da leitura deve determinada pelos seus objetivos e suas expectativas é
privilegiar o desenvolvimento do processo de a formulação de hipóteses de leitura”. Essas atividades
compreensão e criticidade. A leitura dos alunos não pode são de natureza metacognitiva e opõem-se aos
limitar-se à decodificação. Formar um aluno que realize automatismos e mecanismos típicos de uma leitura
uma leitura proficiente e seja crítico, supõe formar alguém, superficial.
cuja compreensão da leitura ultrapasse a simples Entendendo leitura como um ato individual de
decodificação, alguém que construa um significado construção de significado num contexto que se apresenta
através dos elementos lingüísticos e dos elementos mediante a interação entre autor e leitor, a autora
implícitos no texto, que estabeleça relações com outros considera necessário o ensino de “estratégias de leitura”,
textos já lidos posicionando-se diante das idéias do autor. entendendo-as como “operações regulares para abordar
o texto”. Estratégias em leitura é uma ação, ou uma série
Aprendizagem, ensino e leitura de ações, utilizadas com a finalidade de construir
significados. Assim, Kleiman (1989), e também Koch
Kleiman (1989) abordando aspectos da leitura e (1997) conceituam estratégias como formas deliberadas
da compreensão de textos afirma que esta é uma de construção de significado, quando a compreensão é
atividade complexa, pois envolve uma multiplicidade de interrompida. Classificando-as em “estratégias
processos cognitivos, nos quais o leitor se engaja para metacognitivas” e “estratégias cognitivas”, o ensino
construir o sentido de um texto escrito. A autora enfatiza estratégico de leitura consistiria no desenvolvimento
a importância de conhecer tais aspectos, pois são eles dessas e na modelagem daquelas.
que constituem e contribuem na formação do leitor. As estratégias metacognitivas são definidas como
Assim, tece esclarecimentos sobre o conhecimento prévio “operações (não regras) realizadas com algum objetivo
que se tem ao ler, os objetivos e as expectativas, as em mente, sobre as quais temos controle consciente, no
estratégias de processamento do texto e a interação na sentido de sermos capazes de dizer e explicar a nossa
leitura. ação” (Kleiman, 1998, p. 50). Assim, se o leitor tiver
Considera os conhecimentos que o aluno possui, controle consciente sobre essas operações, saberá dizer
denominando-os de conhecimentos prévios, como um para que ele está lendo um texto e saberá dizer quando
dos fatores essenciais para a compreensão de um texto. não está entendendo um texto. Essas são as
O leitor, durante a leitura, utiliza-se do conhecimento que características básicas apontadas para que um leitor seja
ele já tem, como o conhecimento lingüístico, o textual e considerado proficiente.
o conhecimento de mundo para construir o significado Já as estratégias cognitivas da leitura regem os
de um texto. Dessa forma, a compreensão de um texto comportamentos automáticos, inconscientes do leitor,
é um processo que se caracteriza pela utilização do são aqueles processos através do qual o leitor utiliza
conhecimento já adquirido pelo leitor, pois sem esse elementos formais do texto para fazer as ligações
conhecimento ou com a sua limitação, não haverá necessárias à construção de um contexto.
compreensão, ou pelo menos, haverá um Através de estratégias de processamento de texto,
comprometimento em relação ao seu significado. o leitor interpreta as suas marcas formais, que são
Fazem parte desse conhecimento prévio do leitor percebidas como elementos de ligação entre as formas
o conhecimento lingüístico, o conhecimento textual e o contíguas de suas micro e macroestruturas. É uma tarefa
conhecimento de mundo. Segundo a autora, é na que pode ser complexa em função da rede de relações
interação desses níveis de conhecimento que o leitor (sintáticas, lexicais, semânticas e pragmáticas) que se
consegue construir o sentido do texto; por isso, esses sustentam no texto e que o tornam um objeto rico demais
conhecimentos devem ser ativados durante a leitura para para uma percepção rápida, imediata e total. Essas
se atingir o momento da compreensão. relações estabelecem o processo de compreensão e
Aquilo que é individual na leitura, os aspectos que orientam o leitor na organização de formas e regras
são únicos e que são determinados pelos objetivos e utilizadas para o estabelecimento da coesão e da
propósitos específicos do leitor também são relevantes construção de uma macroestrutura.
no processo de compreensão. Segundo Kleiman (1989, Apresentando algumas considerações sobre o
p. 36) “(...) uma das atividades do leitor, fortemente caráter interacional da leitura, afirma a autora que existe

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uma responsabilidade mútua entre autor e leitor, pois só “reconstruir o evento da enunciação”, como também
ambos devem zelar para que os pontos de contato sejam recriá-lo a partir do conhecimento e da visão de mundo
mantidos, apesar das possíveis divergências de opiniões. de cada um. Conseqüentemente, em cada nova leitura
Esse caráter interacional da leitura pressupõe a presença de um texto poder-se-á descobrir novas significações.
do autor no texto, caracterizado pelas marcas formais, Enfatiza que se essas habilidades forem
que atuam como pistas para a reconstrução do caminho desenvolvidas elas constituir-se-ão na competência de
percorrido por ele durante a produção do texto. A leitura e, conseqüentemente, o aluno deixará de ser um
competência do leitor para análise dessas pistas é “elemento passivo” e participará como “sujeito ativo”
considerada como pré-requisito para o seu do ato de ler.
posicionamento crítico frente ao texto. Citando Paulo Freire, Koch (1996, p.160) ressalta
Logo, o trabalho com a leitura deve estar a importância do ensino da leitura para que o aluno torne-
fundamentado numa concepção teórica consistente se “sujeito do ato de ler” e seja capaz de “ler o mundo”,
sobre os aspectos cognitivos envolvidos na compreensão demonstrando criticidade diante da realidade em que está
de textos. inserido. Para que o aluno torne-se apto para isso, o
A proposta da autora para o ensino de leitura professor exerce papel fundamental. Durante as
consiste no modelamento de estratégias metacognitivas, atividades na sala de aula, o professor deve mostrar ao
mediante a formulação de objetivos prévios à leitura e à aluno que um texto apresenta diversos níveis de
elaboração de hipóteses sobre o conteúdo do texto. No significação.
início, ou até que o aluno adquira autonomia, o professor Orlandi (1996, p. 35), para quem a leitura deve
pode elaborar atividades visando a ensinar o aluno, ter uma importante função no trabalho intelectual,
através de um modelo, a ler com objetivos pré- considera-a como uma questão lingüística, pedagógica
determinados. e social ao mesmo tempo. Diz que a leitura não deve
Para Koch (1997), o processamento textual deve ficar restrita ao seu caráter mais técnico, pois isso
ser visto como uma atividade tanto de caráter lingüístico, conduziria o seu tratamento em termos de estratégias
como de caráter sociocognitivo. Para o seu pedagógicas imediatistas.
processamento contribuem três grandes sistemas de Assumindo a perspectiva da Análise do Discurso,
conhecimento: o lingüístico, o enciclopédico e o afirma que na leitura de um texto não há apenas a
interacional. As estratégias de processamento textual decodificação e a constatação de um sentido que já está
implicam na mobilização “on-line” dos diversos sistemas dado nele. Para Orlandi o texto não deve ser entendido
de conhecimento e podem ser divididas em três tipos: apenas como um produto, deve-se observar o processo
estratégias cognitivas, sócio-interativas e textuais. de sua produção, da sua significação.
Segundo essa autora, uma boa leitura seria aquela Conseqüentemente, o leitor não apreende um sentido
em que o leitor conseguisse perceber que além da que está no texto, mas sim atribui sentidos ao texto. Logo,
significação explícita, existe a significação implícita que a leitura é produzida e procura-se determinar o processo
está ligada a intencionalidade do “emissor”. Assim, e as condições de sua produção. São mencionados
defende a idéia de que o texto apresenta uma como componentes das condições de produção da
multiplicidade de interpretações ou de leituras, não sendo leitura: os sujeitos (autor e leitor), a ideologia, os diferentes
possível atribuir apenas uma interpretação como única e tipos de discurso e a distinção entre leitura parafrástica
verdadeira. Porém, nem toda compreensão é válida; pois e a polissêmica.
a compreensão de um texto consiste na apreensão das
significações possíveis que são representadas através de Considerações finais
“marcas lingüísticas” que funcionam como “pistas” para
que o leitor faça a “decodificação” adequada. A partir do que se coloca atualmente como
Assim sendo, o aluno precisa ser preparado para objetivos e finalidades do ensino superior, a importância
reconhecer essas marcas e alertado para o fato de que do domínio do ato de ler assume posição de destaque,
elas estão inseridas na própria gramática da língua. É pois estabelece uma relação direta com a aprendizagem.
preciso também fazer com que o aluno saiba que através O domínio da capacidade de ler é condição para
das pistas que são fornecidas pelo texto é possível não se efetivar a aprendizagem e o “aprender a aprender”.

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A importância da leitura no ensino superior

O aluno que aprende a aprender é aquele que é leitor. O Portuguesa).


leitor que aprende a aprender é aquele que primeiro ORLANDI, Eni P. Discurso e leitura. 3. ed., Campinas,
domina uma técnica de leitura e tem, diante do texto, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1996.
uma posição de aprendizagem, de busca e uma postura (Coleção passando a Limpo).
RIOS, Terezinha A. Ética e competência. 7. ed., São
crítica.
Paulo: Cortez, 1999.
O ato de ler e o de aprender são duas realidades
SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica:
muito próximas, portanto indissociáveis, interferindo-se primeiras aproximações. 3. ed., São Paulo: Cortez:
mutuamente. Dominar a leitura conduz o aluno a uma Autores Associados, 1992.
atitude ativa, dinâmica e crítica em relação ao SEVERINO. Antônio Joaquim. A universidade, a pós-
conhecimento. graduação e a produção do conhecimento. Curitiba:
Reitero as palavras de Severino (1998) quando Universidade Tuiuti do Paraná, 1998.
se refere à Universidade “como lugar de construção de
conhecimento científico, filosófico e artístico”, onde
professor e aluno são desafiados a buscar o
conhecimento novo de forma crítica, reflexiva e criativa
e isso só é possível para um leitor proficiente.
Repensar o ensino superior a partir do trabalho
com leitura significa primeiro definir a clientela a quem
se destina, implica considerar os conhecimentos que os
alunos já possuem e as suas dificuldades. Realizar um
trabalho que desenvolva no aluno a capacidade de
aprender a aprender - lendo, compreendendo e
interpretando é um grande desafio, porém constitui-se
num dever do professor. O que é novo hoje pode estar
superado amanhã, portanto há a necessidade de se criar
e inovar sempre. A sociedade atual requer um pesquisar
e construir constantes. E a leitura tem sua parcela decisiva
de contribuição, pois é ela que nos permite buscar novos
conhecimentos.

Referências Bibliográficas

DELORS, Jacques et alii. Educação - um tesouro a


descobrir. Relatório para a UNESCO. 6. ed., São Paulo:
Cortez, 2001.
FREIRE, Paulo. “Considerações em torno do ato de
estudar”. In: Ação cultural para a liberdade. 6. ed.,
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
________. A importância do ato de ler: em três artigos
que se complementam. 37. ed., São Paulo: Cortez, 1999.
KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos
da leitura. Campinas, SP: Pontes, 1989.
________. Oficina de leitura: teoria e prática. 6. ed.,
Campinas, SP: Pontes, 1998.
KOCH, Ingedore G.V. Argumentação e linguagem. 4.
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________. O texto e a construção dos sentidos. São
Paulo: Contexto, 1997.
________. A coesão textual. 7. ed., São Paulo:
Contexto,1997. (Coleção Repensando a Língua

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