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O que é um moinho?

O termo moinho deriva da expressão latina «molinum», de «molo», que significa moer,
triturar.
Um moinho é um engenho composto por mós que se movem por ação de uma força
motriz, como a água e o vento, e tem como função triturar grãos de milho, trigo ou outros
cereais para transformá-los em farinha.
Em Monchique, a abundância de água e a forte cultura cerealífera levaram à exploração
de vários moinhos de água, que se encontravam espalhados por todo o concelho,
sobretudo junto a ribeiras e riachos, mas também de moinhos de vento, que se situavam
em zonas de terreno um pouco mais elevadas, os chamados outeiros.
De acordo com Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Jorge Dias, os moinhos
de água apresentam duas variantes distintas, que se distinguem pela posição do seu eixo
(ou veio). Assim, nos moinhos de rodízio os eixos são verticais, enquanto que nas azenhas
os eixos são horizontais. (Figura 1).
No concelho de Monchique predominavam os moinhos de rodízio, embora também
tivessem existido algumas azenhas, tendo em conta as diversas fontes que lhes fazem
referência.

Figura 1 – Diferença entre rodízio e azenha.

Resenha histórica sobre os moinhos de Monchique


Até à sua definitiva elevação a concelho, em 1773, Monchique integrava o extenso
território de Silves e aparecia sempre designada como «lugar», o que dava a ideia de se
tratar de uma povoação de importância relativa.
No entanto, pelas caraterísticas geográficas, agrícolas e socioeconómicas que possuía,
desde cedo a localidade começou a ganhar relevo face a outros aglomerados urbanos e
chegou ao século XVI como um dos povoados mais importantes da região.
Henriques Fernandes Sarrão comprova esse prestígio, ao situar Monchique «no vale de
duas serras altíssimas», com uma população composta por «trezentos moradores» e ao
apresentá-la como sendo um local «muito ameno e aprazível, de muitas águas
frigidíssimas e boas, de muita caça e montaria. Todo é cercado de pomares deleitosos,
em que há castanhas e nozes, peras, maçãs e outra muita fruta, tem muitas vinhas, muita
criação de gado, muito mel e cera e pão, e frescos bosques, regados de perenes fontes e
saudosas ribeiras, em que estão muitos moinhos, e pisões». (GUERREIRO, 1983, p.
154).
Uma das primeiras referências aos moinhos de Monchique surge nas Memórias
Paroquiais de 1758. Este documento constitui o resultado de um inquérito realizado a
pedido do Marquês de Pombal, que foi direcionado a todas as paróquias de Portugal e que
pretendia obter informações sobre o estado das localidades após o terramoto de 1755.
Assim, relativamente ao lugar de Monchique o documento faz alusão à «inexplicável
abundância de água» que corre em toda a serra e que dá «nascimento a muitos rios, sendo
de principal corrente a que nasce na fonte da Foia, que logo em pouca distância faz moer
muitos moinhos e apisoar muitos pisões».
Já no Alferce, o pároco responsável pelo inquérito informa que, em 1758, o lugar «tem
sete moinhos e três pisões».
Segundo José Rosa Sampaio existiram nesta freguesia o Moinho de Baixo, Moinho Velho
e Moinho da Zambujeira e outros engenhos situados na zona do Cancino, Foz do Vale,
Oliveira e Nogueiras. (SAMPAIO, 2010, p. 25).
As Posturas Municipais de 1793, que regulamentavam os deveres públicos dos
munícipes, constituem outro importante registo acerca da influência destes mecanismos
no concelho. O documento apenas faz referência aos «moinhos do Banho», na ribeira do
Barranco e ao «moinho da Arrugela», na ribeira dos Casais, mas dispõe de muitos outros
artigos direcionados aos moleiros e atafoneiros, o que leva a crer que essas fossem
profissões já com um certo relevo no concelho. O capítulo 37.º impunha que «todo o
official mecanico ou qualquer arte que costuma aver exame seja obrigado a ter carta de
Examinação pasada pella Camara sellada com o selo della», onde se incluíam os
moleiros, atafoneiros, alagareiros de azeite e tecedeiras e o capítulo 65.º dedica-se aos
moleiros, atafoneiros e carretadores. (GASCON, 1955, pp. 181 – 193).
Em 1841, João Batista da Silva Lopes ao descrever o concelho de Monchique, informa
que o milho é uma das culturas com maior produção local, em detrimento do trigo que
existe em pequena quantidade, sendo necessário importar uma boa parte do Alentejo.
O historiador acrescenta ainda que nos limites do concelho «brotão a todos os cantos
nascentes de agoas férreas e communs em tal abundancia, que formão as caudalosas
ribeiras da Perna da Negra, do Farelo ou Carriçal e do Banho e Odelouca», as quais
«são engrossadas com vários arroios e regatos, fazem moer alguns moinhos, e se
aproveitão regando diversas terras». (LOPES, 1841, p. 247).
O Inquérito Industrial de 1881 apurou a existência de três estabelecimentos industriais
em Monchique: um de destilação de aguardente, um de lanifícios e outro de pisões. A
fábrica de lanifícios, fundada em 1870, pertencia a Francisco do Carmo e situava-se na
Ribeira da Mata-Porcas e a indústria dos Pisões foi fundada em 1877 e tinha apenas um
operário. A localização desta última e respetivo proprietário não era conhecida, mas
Isabel Carneiro acredita que por se tratar de «uma atividade ligada à indústria têxtil é
provável que houvesse relação com Francisco do Carmo e que estivesse localizada –
dada a proximidade e topónimo – na zona do Barranco dos Pisões». (CARNEIRO, JM,
1999).
De facto, o sítio denominado Barranco dos Pisões tem este nome pelo facto de aí terem
funcionado muitos pisões, ou seja, engenhos rudimentares movidos a água, utilizados no
acabamento dos trabalhos saídos dos teares, que tinham como função retirar a gordura
dos tecidos e dar-lhes mais consistência, apisoando-os.
Na primeira metade do século XX, José Gascon refere existirem «ainda, de construção
bastante antiga e rudimentar, diversos moinhos de água e de vento, que já deveriam ter
sido substituídos pelo menos por uma, mas boa, fábrica de moagem». (GASCON, 1955,
p. 330). Em 1938, o mesmo autor informa sobre a coleta de 25 «moinhos ou azenhas»,
que provavelmente corresponderiam aos que ainda estavam em funcionamento no
concelho nesse ano. (GASCON, 1955, p. 326).
A partir do «Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente», publicado pelo INE em
1952, percebe-se que o número de moinhos diminuiu ligeiramente, uma vez que foram
consideradas duas fábricas de moagem, um moinho de vento e 20 moinhos de rodízio.
(SAMPAIO, 2010, p. 22).
Na década de 70, o «Guia Comercial e Industrial do Algarve», para os anos de 1974-75,
faz alusão às «azenhas» de Clementina Pinto, situadas na Brejeira, de José Duarte e dos
herdeiros de José Nobre Duarte, assim como às «moagens» de António Nobre Amado e
Mário Poucochinho, em antigos moinhos. (SAMPAIO, 2010, p. 26).
Na década de 80 há registo de dois moinhos ainda a laborar com motor a diesel. Em 1987,
um artigo no Jornal de Monchique intitulado «Moinhos na mó de baixo», dava conta do
Moinho na Ribeira do Banho como sendo o último dos muitos moinhos hidráulicos que,
em tempos idos, abundaram na zona de Monchique. Situava-se ao fundo do Paraíso e
encontrava-se «rodeado de bananeiras, inhames e figueiras», mas já muito degradado.
Na freguesia de Marmelete foram registados vários moinhos, que acabaram por dar
origem aos topónimos locais, como Moinho de Cima, Moinho do Passil, Moinho do
Chilrão, Moinho do Pomarinho, Moinho da Ribeira Brava, entre outros.
Atualmente, existe o Moinho de Água do Poucochinho, situado no Barranco dos Pisões,
que é o único a laborar no concelho, mas com objetivos puramente didáticos e de
animação turística e cultural, após ter sido recuperado pela Junta de Freguesia de
Monchique, com apoio de fundos comunitários.
Bibliografia:
VV.AA (s.d). «Um percurso histórico, um património a valorizar – II Jornadas de
Monchique, 5 e 6 de outubro de 2001», Comissão Instaladora do Museu de
Monchique/Junta de Freguesia de Monchique, Monchique;
CARNEIRO, Isabel, CAMPOS, Nuno (2003). «O Concelho de Monchique e as Suas
Armas Municipais – Da Perspectiva Histórico-Sociológica à Perspectiva Heráldica»,
Comissão Instaladora do Museu de Monchique/Junta de Freguesia de Monchique,
Monchique;
CARVALHO, Augusto da Silva (1939). «Memória das Caldas de Monchique», Edição
da Comissão Administrativa das Caldas de Monchique, Lisboa;
GASCON, José António Guerreiro (1993). «Subsídios para a Monografia de
Monchique», 2.ª edição (facsimilada), Algarve em Foco Editora, Faro;
GUERREIRO, Manuel Viegas, MAGALHÃES, Joaquim Romero, “Duas Descrições do
Algarve do Século XVI” in Cadernos da Revista de História Económica e Social, nº3, Sá
da Costa Editora, Lisboa, 1983;
LOPES, João Batista da Silva (1988). «Corografia ou Memória Económica, Estadística e
Topográfica do Reino do Algarve», 1º Volume, Algarve em Foco Editora, Faro
SAMPAIO, José Rosa (2010). «Engenhos Tradicionais de Moagem do Concelho de
Monchique», Junta de Freguesia de Monchique/Associação Cultural Memo, Monchique.

Jornal de Monchique (edição de 15/06/1987 e edição n.º 172, de 24/06/1999)


Memórias Paroquiais de 1758

Sabe como funciona um moinho de rodízio?


Os moinhos de rodízio são assim designados por possuírem uma roda motriz horizontal,
o rodízio. Este tipo de moinho é construído em dois pisos, o piso de moagem, e uma
pequena cave situada ao nível da saída de água, onde trabalha o rodízio.
A água é desviada da ribeira para a represa e por essa direcionada para o cubo. Na parte
terminal desse, encontra-se a seteira, que é por onde a água sai, em pressão suficiente que,
ao bater nas penas do rodízio, vai fazer com que esse comece a mover-se. Esse movimento
é transmitido, através do veio e da pela, ao piso de cima, onde se encontra o mecanismo
de moagem, composto por uma mó fixa (o pouso) e uma mó giratória (a andadeira).
Sobre a Mó Andadeira (ou Mó de Cima) é instalada uma caixa (a Moega) na qual são
colocados os grãos de cereal, que vão caindo no olho da Mó Andadeira consoante a
regulação desejada pelo moleiro. (Figura 2).
Figura 2 – Corte esquemático de um moinho de rodízio.

Elementos de um moinho de rodízio:


Andadeira ou Mó de cima – Mó com um orifício (olho) no centro, realiza o movimento
rotativo.
Pouso ou Mó de Baixo – Mó inferior que permanece fixa.
Moega – Caixa onde é colocado o cereal para moer.
Quelha – Calha ligada á Moega, por onde corre o cereal para o olho da mó.
Chamadouro – Acessório fixo à Quelha apoiado na Mó Andadeira, cuja trepidação faz
o cereal correr da Quelha para o olho da mó.
Segurelha – Peça que se encaixa num rasgo da Mó Andadeira, ligando esta ao Rodízio
através do Veio e da Pela. Tem como objetivo evitar que a mó superior encoste à inferior.
Veio – Elemento que prolonga a Segurelha, ligando-a à Pela.
Pela – Peça de ligação entre o veio e o rodízio.
Lobete - Peça em forma de cone, que prolonga a Pela; é regulável por duas cunhas de
madeira, sendo que na extremidade superior encaixa o veio.
Agulha – Peça que tem uma extremidade presa ao Urreiro e outra ao piso superior,
permitindo subir ou descer o moinho, ou seja, a Mó de Cima;
Rodízio – Roda composta por várias penas (travessas) dispostas radialmente.
Cubo – Canal que conduz a água até à roda motriz.
Seteira – Orifício de saída da água na extremidade do Cubo, orientado para atingir o
Rodízio.
Aleviadouro – Peça ligada ao Urreiro, que permite regular a distância entre as mós.
Urreiro - Trave de madeira colocado no solo, com um topo fixo e o outro ligado ao
Aleviadouro.
Telhedouro - dispositivo manual de paragem do moinho, constituído por um arame
ligado à extremidade de uma tábua que, quando é solta, baixa e desvia a água do rodízio,
interrompendo o movimento da Mó de Cima.

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