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1. A REDESCOBERTA DA INFORMAÇÃO
1.1. DOIS TIPOS DE INFORMAÇÃO
Além da sua significação fundamental, quotidiana - dar estrutura ou forma
(do grego eidos ou morphé) à matéria, energia ou relação -, o conceito de
informação alarga-se hoje a dois sentidos recentemente surgidos e relativamente
específicos.
O primeiro é o sentido estritamente técnico ou tecnológico: informação
como quantidade mensurável em bit (binary digit). É a informação métrica da
teoria clássica da informação [Claude Shannon], a teoria combinatória e
estatística da informação, baseada na lógica e na matemática da probabilidade.
O segundo sentido pertence a uma abordagem diversa, abordagem esta
que pode, porém, servir-se da primeira nos casos em que seja aplicável, como
acontece, por exemplo, na logística da transmissão da informação mediante
sistemas artificiais, como a comunicação via radar ou satélite. O segundo sentido
é, porém, sempre qualitativo antes de ser quantitativo, como de fato deveria ser
(apesar de tudo, a quantidade é um tipo de qualidade, ao passo que o inverso não
se verifica). O segundo sentido conserva, muito mais do que o sentido métrico ou
quantitativo, o significado quotidiano do termo 'informação'. Hoje, porém,
aplicamos muito mais a ‘informação’ em contextos relativamente insólitos ou
pouco familiares (por exemplo, para explicar as características do sistema
corpóreo, ou o comportamento de uma membrana celular).
A informação apresenta-se nos em estruturas, formas, modelos, figuras e
configurações; em idéias, ideais e ídolos; em índices, imagens e ícones; no
comércio e na mercadoria; em continuidade e descontinuidade; em sinais, signos,
significantes e símbolos; em gestos, posições e conteúdos; em freqüências,
entonações, ritmos e inflexões; em presenças e ausências; em palavras, em
ações e em silêncios; em visões e em silogismos. É a organização da própria
variedade.
Fruto da guerra e da economia da eficiência, a abordagem métrica da
teoria da informação quantitativo-estatística trata a informação do mesmo modo
como o dinheiro trata hoje os bens. No passado, a mudança das relações sociais
permitiu que determinado bem (por exemplo, o ouro) se tornasse o «equivalente
geral da troca» - unidade de medida de todos os outros bens. Os bens tornaram-
se mercadorias. Toda a miríade de valores de uso pluridimensionais e
quantitativos de várias entidades e relações pôde, consequentemente, ser
reduzida, como se tornava necessário, a um único critério unidimensional: o valor
de troca económico (ou monetário) (cf.o artigo «Comunicação», 2.6, nesta mesma
Enciclopédia). A teoria quantitativa da informação obedece ao mesmo tipo de
regras de transformação. Embora, por vezes, ela seja erradamente considerada
como parte de uma linguagem, a informação da teoria quantitativa carece da
pluridimensionalidade da linguagem (e de outros sistemas de comunicação). Mais
do que uma linguagem, pode falar-se de um tipo de moeda corrente.
As selecções e combinações dos bits digitais da teoria métrica constituem,
por exemplo, os recursos planeados de um computador digital - justamente como
os sistemas de valorização académicos e os testes de QI utilizam outras formas
de unidades monetárias para reduzir qualidades e incomensuráveis a quantidade
discretas, computáveis. Ao contrário dos sistemas de valorização e dos testes de
QI, não restam dúvidas sobre a extraordinária utilidade da teoria quantitativa da
informação enquanto tal. Bem pouco da moderna tecnologia electrónica, que
encontra aplicações em todas as ciências, seria hoje possível sem esta teoria. O
problema que muitas vezes se põe reside porém no fato de que alguns adeptos
da teoria tendem a confundir dólares e centésimos matemáticos com os quais
medem a informação com a própria informação. O erro equivale a confundir uma
palavra com o seu significado, por exemplo, ou a confundir a quantidade de
energia necessária para produzir estrutura (medida em quilocalorias) com essa
mesma estrutura.
A abordagem métrica ocupa-se, sobretudo, com uma única e limitada
forma de valor de troca na comunicação; vice-versa, a abordagem qualitativa da
informação interessa-se por vários níveis e tipos de valores de troca (monetário,
social, simbólico, etc.) e também pelo problema muito mais complexo dos valores
de uso na comunicação (informação para que fins e para quem?).
É uma perspectiva não fácil de definir em poucas palavras, uma
perspectiva que se interessa por questões filosóficas, éticas, históricas,
socioeconómicas e socioecológicas, e que abrange as versões qualitativas da
cibernética e da teoria da comunicação, bem como certos aspectos da economia
ambiental, da teoria dos sistemas, da teoria das hierarquias e da ecologia dos
sistemas. Neste artigo se examinará o tópico da informação sob este ângulo.
Ruído
Informação
Figura 1.
Tipologia lógica de informação e ruído num sistema particular.
Variedade em geral
Diferenças analógicas
Significado e valor de uso
Distinções digitais
Significação e valor de troca
Figura2.
Significado e significação
por caracter, a relação 1:4,76 fornece um valor próximo de 0,21 para a entropia
relativa. Ora, 1 –0,21 dá uma redundância aproximada de 0.79, ou seja, de cerca
de 79 por cento.
3. ORDEM E DESORDEM
3.1. O LOGOS
O nosso trissecular sistema socioeconômico, em conjunto com a
epistemiologia e a ideologia que o acompanham, manifesta ainda hoje uma
particular obtusidade à aplicação e à compreensão das relações informacionais,
uma atitude refratária ao seu uso no interesse da sobrevivência a longo prazo.
Hoje, porém, assiste-se a uma revalorização bastante rápida deste tipo de
relação, de tal modo que se anuncia o reconhecimento de uma antiga concepção
de «verdade», a realidade do que chamamos agora a validade ecológica.
A já tradicional incapacidade de reconhecer as relações informacionais
parece ser uma característica peculiar da sociedade moderna, ao contrário do que
acontece em todas as outras sociedades de que se tem conhecimento. Muitos
antropólogos e filósofos afrontaram o problema, mas sem o resolver ou
esclarecer. Limitaram-se a sublinhar a acentuada significatividade, nas
cosmologias de várias sociedades em épocas e lugares diversos, de vários
termos que a nossa epistemiologia obrigou tradicionalmente a traduzir por
'palavra' (por exemplo, o hebraico dãbhãr ou o aramaico mẽmrã do Antigo
Testamento [Boman 1952]).
Em particular, o influente filósofo neo-kantiano das formas simbólicas, Ernst
Cassirer, nos seus volumosos escritos, refere-se repetidamente a concepções
egípcias e de outras civilizações relativas ao que é obrigado a definir como
'palavra' – mantendo desse modo o moderno pressuposto ideológico da
dominância da linguagem relativamente à comunicação (ponto de vista
especificamente sustentado também por Lévi-Strauss [1947]). Cassirer cita como
exemplo, que aprova, um texto dos índios Uitoto, assim traduzido: «No princípio...
a palavra deu origem ao pai» [1925, trad. it. p. 76]. Analogamnete, nas usuais
traduções e interpretações do babilônico Poema da Ciração (Enữma elish, cerca
de 1500 a. C.), o cosmos é descrito, «no princípio», como um período
antecedente a qualquer indício do «céu por cima», ou da «superfície sólida por
baixo». Dada a epistemiologia organicista deste e outros mitossimilares,
interessa-nos, não o antropomoformismo dos vários deuses criadores, mas a
idéia global da comunicação orgânica e holista que estão na base dos mitos.
Como no primeiro livro do Gênesis (apesar de ter sido deliberadamente
expurgado, pelos editores clericais, de todas as óbvias semelhanças com as
fontes babilônicas e de outro tipo), o cosmos babilônico «anterior ao princípio»
encontra-se num estado sistêmico que não pode ser «expresso», mas que
dificilmente é equivalente, seja em que sentido for, à desordem ou caos em que
insistem muitas interpretações (compare-se também com a parábola taoista
citada no § 2.2). o mito da criação não comporta a introdução da ordem na
desordem, mas, pelo contrário, a introdução quer da ordem quer da desordem no
cosmos (na realidade, uma não se manifesta sem a outra) (cf. §§ 2.4, 2.5). Pode,
sem dúvida, ser precisamente a expressão traduzida por 'Palavra' (ou 'espírito da
Palavra') que é considerada responsável pela distinção original que, no organismo
cósmico, põe em evidência a relação ordem-desordem. A 'Palavra' pode, de fato,
representar as atividades míticas de um criador que se comporta como um
demônio de Maxwell, introduzindo no cosmos um gênero particular do processo
seletivo. No entanto, se bem que a nomenclatura exija necessariamente certas
distinções (como, por exemplo, no sistema de parentesco), estas não requerem
necessariamente uma nomenclatura – tal como a não requer o código genético. O
que é indispensável às distinções entre diferenças é somente uma forma do tipo
de ordem que se define como informação.
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