Você está na página 1de 13

TRATAMENTO BIOLÓGICO AERÓBIO E RECICLAGEM DE

DEJETOS DE BOVINOS EM SISTEMA INTENSIVO DE PRODUÇÃO


DE LEITE1
ALOÍSIO TORRES DE CAMPOS 2
WIDSNEY ALVES FERREIRA3
ADEMÉRCIO ANTÔNIO PACCOLA4
JORGE DE LUCAS JÚNIOR 5
RUBENS CARNEIRO ULBANERE6
ROBERTO MACIEL CARDOSO7
ALESSANDRO TORRES CAMPOS 8

RESUMO – Objetivou-se com este trabalho avaliar a efi- Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de
ciência do tratamento biológico aeróbio de dejetos de Oxigênio (DQO) totais e solúveis, sólidos totais fixos e
bovinos confinados em sistema “free stall”, com recicla- voláteis, sólidos sedimentáveis, sólidos suspensos fixos
gem do efluente na limpeza das instalações e posterior e voláteis, nitrogênio kjeldahl total e amoniacal, potás-
utilização nas áreas de produção de forragem. Foram sio, fósforo total, magnésio e sódio. Pelos resultados, in-
construídos dois reatores, pelo processo de lodo ativa- fere-se que o tratamento biológico aeróbio foi eficiente
do por batelada (LAB), com sistemas de aeração prolon- para reduzir e estabilizar a matéria orgânica do efluente
gada e intermitente, dimensionados para um tempo de líquido. Altas reduções de DBO (94,36 e 95,15%) e DQO
retenção hidráulico de 24 dias, com diluição dos dejetos (77,92 e 85,00%) foram alcançadas para os efluentes de
(fezes + urina) em água na proporção de 1:1. Foram reali- irrigação e decantadas, respectivamente. O processo de
zadas amostragens na entrada e no interior dos tanques tratamento proporcionou economia considerável de á-
de aeração, na saída da tubulação de irrigação e dos de- gua, energia e mão-de-obra, caracterizado pelo sistema
jetos puros dos animais. Foram analisados os seguintes operacional, automação e reciclagem do efluente na lim-
parâmetros: pH, temperatura, óleos e graxas, Demanda peza das instalações.
TERMOS PARA INDEXAÇÃO: Aeração prolongada, aeração intermitente, dejetos de bovinos, “free stall”, lodo ati-
vado por batelada, reciclagem de efluente.

AEROBIC BIOLOGICAL TREATMENT AND RECYCLING OF


BOVINE MANURE IN INTENSIVE SYSTEM OF MILK PRODUCTION
ABSTRACT – The objective of this trial was to evaluate activated sludge sequencing batch reactor (SBR) units
the efficiency of an aerobic biological treatment on the with prolonged and intermittent aeration. These reactors
reduction and stabilization of the biodegradable organic were dimensioned for a hydraulic retention time of 24
matter of the bovine liquid manure. The cleaning effluent days with wastewater (manure + urine) dilution in water
from “free stalls” was recycled and utilized in grass on the proportion of 1:1. Effluent characterization was
production areas. Two reactors were built as the done

1. Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor apresentada à FCA-UNESP, Cx. P. 237 – 18603.970 – Botucatu,
SP.
2. Engenheiro Agrônomo, Dr., Pesquisador da Em brapa Gado de Leite – Rua Eugênio do Nascimento, 610 –
Dom Bosco – 36038.330 – Juiz de Fora, MG. E-mail: atcampos@cnpgl.embrapa.br
3. Professor Titular, Dr., Departamento de Engenharia Rural, FCA-UNESP.
4. Professor Dr., Departamento de Ciências Ambientais, FCA-UNESP.
5. Professor Dr., Departamento de Engenharia Rural, FCAV-UNESP, Rod. Carlos Tonanni, km 5, 14870.000 – Ja-
boticabal, SP.
6. Professor Dr., Departamento de Adm., Econ. e Estat., FET-UNESP, Av. Eng. Luiz Eduardo Carrijo, s/n –
17033.360 – Bauru, SP.
427

7. Professor Titular, Dr., Departamento de Zootecnia, UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS/UFLA, Cx. P. 37 –


37200.000 – Lavras, MG.
8. Professor, Dr., Centro de Ciências Agrárias – UNIOESTE, Rua Pernambuco, 1777 – 85960.000 – Marechal
Cândido Rondon, PR. E-mail: atcampos2@bol.com.br
by collecting samples on the entrance and in the interior aerobic biological treatment was efficient in reduction
of the tanks, on the gate of the irrigation tubulation and and stabilization of the organic matter of the liquid
on the bovine pure manure. The following parameters effluent. High BOD reduction efficiencies (94.36 and
were analyzed: pH, temperature, oils and fats, soluble 95.15%) and COD (77.92 and 85.00%) were registered for
and total Biochemical Oxygen Demand (BOD), soluble the irrigation and the decanted effluent, respectively.
and total Chemical Oxygen Demand (COD), volatile and The treatment process gave a considerable economy of
total solids, sedimented solids, ammonia and total water, energy and labor, characterized by the operational
Kjeldahl nitrogen, potassium, total phosphorus, system, automation and recycling of the effluent used
magnesium and sodium. The results showed that the for cleaning the facilities.
INDEX TERMS: Aerobic biological treatment, bovine manure, free stall, intermittent aeration, prolonged aeration, re-
cycling of the eflluent, sequencing batch reactor (SBR).

INTRODUÇÃO lução única e que todas as alternativas podem ser con-


sideradas.
Um dos maiores problemas em confinamento de
Souza (1982) e Braile & Cavalcanti (1993) consi-
bovinos de leite é a quantidade de dejetos produzidos
deram um resíduo facilmente biodegradável aquele cujas
diariamente numa área reduzida. A disposição dos resí-
Demanda Química de Oxigênio (DQO) e DBO apresen-
duos das instalações animais tem se constituído, ulti-
tam uma relação DQO/DBO < 2. Nesse caso, a
mamente, num desafio para criadores e especialistas,
DQO/DBO do afluente é semelhante à DQO/DBO do e-
pois envolve aspectos técnicos, sanitários e econômicos
fluente, recomendando-se o tratamento biológico con-
(Silva, 1973). Esses resíduos, se manejados inadequa-
vencional. Entretanto, quando a relação DQO/DBO > 2, a
damente, podem causar impactos negativos ao meio am-
DQO/DBO do afluente é menor que a DQO/DBO do e-
biente. Os prejuízos ambientais são ainda maiores quan-
fluente, indicando a existência de matéria orgânica não-
do esses resíduos o rgânicos são arrastados para os cur-
biodegradável. Nesse caso, se a parte não-
sos d’água, pois possuem alta DBO (Demanda Bioquí-
biodegradável não é importante do ponto de vista da
mica de Oxigênio), reduzindo o teor de oxigênio da água.
poluição, recomenda-se o tratamento biológico conven-
Além disso, os diversos nutrientes contidos nesses re-
cional, e o efluente tratado terá grande redução de DBO
síduos (principalmente N, P e K) estimulam o crescimen-
e redução parcial de DQO. Contrariamente, se a parte
to de plantas aquáticas e a eutrofização dos corpos
não-biodegradável é causadora de poluição, o tratamen-
d’água (Schroeder, 1977; Branco, 1983; Imhoff & Imhoff,
to biológico, a princípio, não é recomendado.
1986; Tchobanoglous & Burton, 1991).
A velocidade de decomposição da matéria orgâ-
Barth (1973), Garcia-Vaquero (1981), Müller (1987)
nica não depende somente da quantidade de oxigênio
e Norén (1987) alertam para os problemas relativos ao
dissolvido e do número e atividade das bactérias (Kiehl,
confinamento quanto aos efeitos nocivos dos gases (a-
1985b; Oliveira, 1993), mas também da composição do
mônia, metano, sulfito de hidrogênio, sulfeto de hidro-
material, das dimensões das partículas e da sua relação
gênio, dióxido de enxofre, aminas, mercaptanos, ácidos
C/N. Giessmann (1981) e Kiehl (1985a) argumentam que,
orgânicos gordurosos e outros) produzidos pela fermen-
na fermentação aeróbia, as perdas de nitrogênio são
tação anaeróbia dos dejetos, no interior das instalações,
controláveis, ampliando-se a relação C/N do substrato.
sobre os próprios animais e o homem.
Kiehl (1985b) esclarece que, se a relação C/N é maior que
A contaminação do solo, lagos e rios pelos resí-
35, os microrganismos não terão o material plástico ne-
duos animais, a infiltração de águas residuárias no lençol
cessário para construir a própria matéria celular, além do
freático e o desenvolvimento de moscas e gases mal-
que será necessária a realização de inúmeros ciclos vi-
cheirosos são alguns dos problemas de poluição amb i-
tais, para eliminar o excesso de carbono na forma de CO2
ental provocados pelos dejetos animais. Lindley (1979)
e de protoplasma albuminóide.
argumenta que, mesmo nos países desenvolvidos, é rara
a fazenda produtora de leite com um sistema satisfatório Na avaliação de um composto, a relação C/N é um
de manejo de efluentes. Acrescenta que não há uma so- índice que fornece uma indicação técnica, se a matéria

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


428

orgânica está na forma crua, bioestabilizada ou humifi- meio de bombeamento sobre o piso de água residuária
cada. Assim, quando a relação C/N do composto for i- (esterco diluído em água) que retornam aos tanques de
gual ou inferior a 12, o material está humificado; quando aeração e homogeneização. O esterco líquido, após sua
a relação for igual ou inferior a 17, diz-se que o composto estabilização e cumprido o tempo de retenção hidráulica
está bioestabilizado, e acima de 30, a matéria orgânica es- (24 dias), é transportado em tubulações de PVC para
disposição nas áreas de produção de forragem por meio
tá na forma crua (Kiehl, 1978, 1979, 1981, 1985b, 1998).
A estabilização aeróbia das águas residuárias que de irrigação por infiltração.
contêm substâncias biodegradáveis tem sido realizada Tanques de aeração: Dois tanques para tratamen-
por três processos biológicos: lodos ativados, filtros bi- to e armazenagem de esterco líquido, com capacidade ú-
ológicos e lagoas de estabilização aeróbia (Branco & til de 300 m3 cada um, foram construídos em concreto
Hess, 1975; Culp et al., 1978; Braile & Cavalcanti, 1993). junto ao talude de corte do platô das instalações e a ju-
Segundo esses autores, o processo biológico mais em- sante dos galpões de confinamento, recebendo o afluen-
pregado atualmente para estabilizar a matéria orgânica te por gravidade. Cada tanque é provido de um sistema
biodegradável dos despejos agroindustriais e dos esgo- de aeração e homogeneização. Junto à base dos dois
tos sanitários é o de lodos ativados. tanques, foi instalada uma bomba centrífuga, com capa-
Com este trabalho teve-se como objetivo avaliar a cidade de 60 m3/hora, para bombear o esterco líquido
eficiência do tratamento biológico aeróbio dos dejetos aos galpões e providenciar a limpeza hidráulica dos pi-
de bovinos confinados em sistema “free stall”, com reci- sos (Figura 1).
clagem do efluente em tratamento na limpeza hidráulica Dimensionamento do sistema de tratamento: Os
das instalações e posterior utilização nas áreas de pro- tanques de aeração e estabilização, de seção circular, fo-
dução de forragem. ram dimensionados de acordo com Giessmann (1981),
para um tempo de retenção hidráulica de 24 dias, diluição
dos dejetos (fezes + urina) em água na proporção de 1:1
MATERIAL E MÉTODOS e produção de dejetos em torno de 42 kg/UA/dia.

Este trabalho foi desenvolvido nas instalações Características e especificações dos equipamen-
do Sistema Intensivo de Produção de Leite (SIPL) da tos usados no tratamento
Embrapa Gado de Leite, Município de Coronel Pacheco,
Zona da Mata de Minas Gerais. Geograficamente, o SIPL Aeradores: Em cada tanque foi instalado um ae-
está localizado a uma latitude de 21°33`22`` Sul e a uma rador-misturador submersível, com motor trifásico de 4,0
longitude de 43°06`15`` Oeste, com altitude de 414 m. A CV (3 kW), para promover a oxidação e homogeneização
área total do sistema é de 40,0 ha, com topografia ondu- da massa líquida. Cada aerador foi dimensionado para
lada (5%) e plana (95%). O rebanho do sistema de pro- uma capacidade nominal máxima de 400 m3 de massa lí-
dução constitui-se de vacas puras da raça Holandesa quida. A homogeneização processa-se pelos movimen-
preta e branca. O tipo de exploração adotado é o confi- tos transmitidos pela hélice com pouca turbulência. A
namento total de todas as categorias de animais. aeração é obtida com acentuada turbulência e cavitação,
Os galpões de confinamento são do tipo “free gerando a difusão do ar atmosférico na massa líquida.
stall”. A composição média do rebanho estabilizado é de Sistema de limpeza hidráulica dos pisos dos gal-
60 vacas em lactação e demais categorias, totalizando pões: O sistema de limpeza hidráulica dos pisos dos gal-
cerca de 120 UA. A alimentação básica do rebanho é pões consta de um conjunto motobomba, com motor tri-
composta de silagem de milho, feno de gramíneas e le- fásico de 12,5 CV, 1.750 rpm e bomba de rotor aberto,
guminosas, capim verde picado, pastagens de capim- modelo KSB-ANS 0-50-200, vazão de 60 m3/h para altura
elefante e setária, suplementação concentrada e mineral. manométrica de 12 mca e saída em tubulação de 4”. A
A produção de alimentos é intensiva, com dois ou mais tubulação de recalque junto à bomba é de ferro galvani-
cultivos ao ano, procurando obter maior produtividade zado de 4” (tubo de subida), e de PVC soldável enterra-
por área. Os alimentos volumosos: silagem de milho, fe- do até os corredores dos galpões, onde são reduzidos
no, e capim para cortes são produzidos em áreas do sis- em três ou quatro ejetores de 3”, para distribuição uni-
tema. forme da água de limpeza utilizada nos corredores. Os
Manejo do esterco: Os galpões do tipo “free corredores dos galpões de confinamento foram forma-
stall” são limpos diariamente, após cada ordenha, por dos por pisos de concreto, frisados no sentido longitu-
dinal, com declive de 1,0 a 1,4%, dando acesso a canale-
Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002
429

tas com grade de ferro, para coleta do esterco. As cana- fundo abaulado, declividade de 1,0%, conduzindo o es-
letas foram construídas em concreto, enterradas, com terco líquido por gravidade até aos tanques (Figura 1).

INSTALAÇÕES

GALPÕES “FREE
e STALL”

Reciclagem de esterco líquido tratado


AFLUENTE
Caixa de Passagem

REATOR 1 REATOR 2

EFLUENTE (esterco líquido tratado)


Aplicação em áreas de cultivo de forragem

FIGURA 1 – Diagrama do sistema de tratamento biológico de esterco líquido com reciclagem do efluente.

Sistema de bombeamento do esterco líquido nas substrato afluente na entrada da ETE, mg/l; ITA = con-
áreas de cultivo: O sistema de bombeamento consta de centração média do substrato contido no interior do
uma motobomba submersível, locada no interior do tan- tanque de aeração, mg/l; DP/2= concentração média do
que, modelo Piranha 20T, vazão de 10,0 m3/h para altura substrato contido nos dejetos puros dos bovinos, mg/l.
manométrica de 12 mca, diâmetro de saída de 1 1/4”, po- (2 é a constante de diluição 1:1).
tência de 2,2 CV (1,6 kW), rotação de 3.450 rpm, trifásico Amostragem para caracterização dos efluentes:
e 36 kg de peso. A rede hidráulica dos tanques, até as 1) Entrada da estação de tratamento de efluente (EETE):
áreas de cultivo, consta de tubulação de PVC com diâ- foram coletadas duas amostras compostas, sendo uma
metro de 2”, enterrada a 0,30 m de profundidade. A dis- para as instalações de recria e outra para as instalações
posição do esterco tratado no solo é feita por tubula- das vacas em lactação. Essas amostras foram constituí-
ções de engate rápido, de alumínio ou PVC. das de cinco alíquotas de 2,0 litros a cada cinco minutos,
Caracterização do afluente e efluente do sistema tomadas durante todo o processo de lavagem das insta-
de tratamento: O efluente básico do Sistema de Produ- lações, duas vezes por dia. 2) Interior do tanque de aera-
ção de Leite é constituído de dejetos dos bovinos (fezes ção (ITA): foram coletadas amostras simples do esterco
+ urina), água de limpeza das instalações, derrame dos líquido tratado a um metro abaixo do nível da superfície
bebedouros, restos de alimentação e material utilizado do tanque de aeração, após duas horas de decantação.
para cama dos animais no “free stall”. A diluição total do 3) Dejetos puros: foram coletadas duas amostras com-
sistema de tratamento foi da ordem de 1:1, ou seja, uma postas de fezes e urinas das diferentes categorias ani-
parte de água para uma parte de resíduos totais. Para ca- mal, imediatamente após as dejeções 4) Saída da tubula-
racterizar o afluente da Estação de Tratamento de Efluen- ção de irrigação: durante o período de descarga ou dre-
te (ETE), utilizou-se a seguinte equação: nagem dos reatores, foram coletadas sete amostras com-
DP postas do efluente de irrigação, nos períodos da manhã
Af = EETE − ITA + (1) e da tarde, tomadas em intervalos de 15 minutos.
2 Variáveis analisadas: Nos pontos 1, 2 e 3, foram
Em que: Af = concentração média do substrato no aflu- analisados os seguintes parâmetros: pH, temperatura,
ente do sistema, mg/l; EETE = concentração média do óleos e graxas, DBO total e solúvel, DQO total e solúvel,

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


430

sólidos totais, sólidos totais fixos e voláteis, sólidos se- dade ao manejo do sistema, nas operações de disposi-
dimentáveis, sólidos suspensos fixos e voláteis, nitro- ção do efluente no solo, nas diversas fases das culturas
gênio kjeldahl total e amoniacal, potássio, fósforo total, forrageiras, retirar os sólidos grosseiros (principalmente
cálcio, magnésio e sódio. No ponto 4, foram analisados areia) decantados no reator, e manter máquinas e equi-
os seguintes parâmetros: pH, temperatura, sólidos totais pamentos para evitar imprevistos de ordem climática e
fixos e voláteis, nitrogênio total, potássio, fósforo total, operacional que possam surgir. A taxa de transferência
DBO, DQO, cálcio, magnésio, sódio e umidade. A temp e- de oxigênio (O2), durante os períodos de aeração, em
ratura em cada ponto foi obtida a campo. condições de campo, foi estimada pela equação propos-
Método de coleta e preservação das amostras: A ta por Taiganides (1977), ou seja:
coleta e a preservação das amo stras foram feitas de a- kg O2 /dia = a . x (3)
cordo com o preconizado pela CETESB (1987). As análi-
Em que: a = coeficiente de transferência de oxigênio, kg
ses foram efetuadas de acordo com os métodos analíti-
O2/kg DBO5 removida (específico para cada equipamen-
cos estabelecidos pela APHA et al. (1989).
to de aeração e características do resíduo, podendo va-
Eficiência do tratamento biológico aeróbio: A e-
riar de 1,5 a 2,0 para dejetos de animais); x = kg
ficiência dos parâmetros analisados no tratamento foi
DBO5/dia a ser removida do sistema.
avaliada conforme recomendações de (Tchobanoglous
& Burton, 1991; Braile & Cavalcanti, 1993), obtida pela
equação: RESULTADOS E DISCUSSÃO
S0 − S Foram obtidos dois tipos de efluentes no traba-
E= ⋅ 100 (2)
S0 lho: o primeiro, o efluente sobrenadante (ES), foi obtido
no tanque de aeração, após duas horas de decantação, e
Em que: E = eficiência do processo, %; S 0 = concentra- o segundo, o efluente de irrigação (EI), foi obtido na sa-
ção do substrato afluente, mg/l; S = concentração do ída da tubulação de irrigação.
substrato efluente, mg/l.
Operação do sistema: Foi adotado o processo de
tratamento por lodo ativado por batelada (LAB), com ae- Características do efluente do sistema
ração prolongada e intermitente. Os períodos de aeração Os resultados médios obtidos para caracterizar o
foram de nove minutos, e os de não-aeração, 18 minutos. afluente bruto da ETE são apresentados nas Tabelas 2, 3
Os períodos do ciclo operacional do processo de LA B e 4. O efluente médio do processo de LAB, com aeração
(Tabela 1) foram determinados conforme descrições de prolongada e intermitente, é apresentado na Tabela 4.
(Irvine & Bush, 1979; Kamiyama, 1989). Esse efluente é formado de lodo biológico estabilizado
no reator, caracterizado pelo processo de aeração pro-
TABELA 1 – Fases de um ciclo operacional do processo longada com idade do lodo (θ c ) de 24 dias (tempo mé-
de LAB adotados. dio de retenção celular) e pelo efluente sobrenadante,
formando um produto homogêneo. A carga orgânica vo-
Período (dias) Reator 1 Reator 2 lumétrica (COV) aplicada foi de 0,3245 kg DBO5/m3.dia
em relação ao volume total do reator (300 m3) e 0,4056 kg
Enchimento e reação 24 24 DBO5/m3.dia em relação ao volume de operação do sis-
Drenagem e reação 3 3 tema (240 m3).
Observa-se na Tabela 2 que os dejetos puros
Repouso 21 21 contêm os nutrientes: nitrogênio, fósforo, potássio, cál-
cio, magnésio e matéria orgânica (SVT) em altas concen-
Total/ciclo/reator 48 48
trações. Esses resíduos, de elevada carga orgânica e mi-
neral, são poluentes quando lançados em rios e lagos,
Após cada período de enchimento de 24 dias mesmo após tratamento biológico adequado, pois o e-
(Tabela 1), iniciam-se os períodos de enchimento do rea- fluente tratado continua com elevada carga orgânica e
tor 2 e de drenagem do reator 1, resultando num período nutrientes (N, P e K), sendo impróprios para lançamento
de 21 dias de repouso para cada reator. Com esse perío- em corpo d’água receptor, conforme legislação em vigor.
do de repouso teve-se como objetivo dar maior flexibili- Entretanto, como objetivou-se neste trabalho reutilizá-lo

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


431

num sistema de agricultura sustentável, o tratamento excelente material fertilizante e com boas características
biológico aeróbio demonstrou ser plenamente viável em para reciclagem, em sistemas intensivos de produção
todos os aspectos, transformando esses res íduos num (Tabela 5).

TABELA 2 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos nos dejetos puros (fezes + urina) dos animais confinados.

Parâmetros Resultado CV (%) Expresso


DBO5 (5 dias, 20oC), mg/l 18.028 20,65 O2
DQO, mg/l 51.776 20,67 O2
Sólidos Totais (ST), mg/l 148.550 5,28 -
Sólidos Fixos Totais, cinzas (SFT), mg/l 41.650 21,90 -
Sólidos Voláteis Totais, MO (SVT), mg/l 106.900 15,86 -
Umidade (%) 85,15 1,08 -
Nitrogênio Amoniacal (N-NH4), mg/l 209 5,09 N
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 3.021 10,75 N
Fósforo Total, mg/l 1.152 11,12 P
Potássio, mg/l 13.145 12,32 K
Cálcio, mg/l 16.335 0,30 Ca
Magnésio, mg/l 3.025 0,70 Mg
Sódio, mg/l 7.479 1,76 Na
Potencial Hidrogeniônico 7,21 13,31 pH
Carbono Total, mg/l 62.151 - C(1)
Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 20,6 - C/N
(1)
C = SVT/1,72 mg/l = g/m3

TABELA 3 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos no afluente na entrada da ETE.

Parâmetros Resultado CV (%) Expresso


o
DBO5 (5dias, 20 C), mg/l 4.024 18,87 O2
DBO Solúvel, mg/l 1.019 92,41 O2
DQO, mg/l 18.050 38,78 O2
DQO Solúvel, mg/l 3.275 39,94 O2
Sólidos Totais (ST), mg/l 62.110 22,31 -
Sólidos Fixos Totais, cinzas (SFT), mg/l 11.970 62,15 -
Sólidos Voláteis Totais ou MO (SVT), mg/l 50.140 42,48 -
Sólidos Suspensos Totais (SST), mg/l 20.350 15,78 -
Sólidos Sedimentáveis (SP), ml/l 550 12,86 -
Sólidos Suspensos Fixos (SSF), mg/l 4.390 2,25 -
Sólidos Suspensos Voláteis (SSV), mg/l 15.960 19,49 -
Nitrogênio Amoniacal (N-NH4), mg/l 688 2,57 N
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 1.672 2,86 N
Fósforo Total, mg/l 305 2,32 P
Potássio, mg/l 2.668 7,63 K
Cálcio, mg/l 362 0,78 Ca
Magnésio, mg/l 230 1,23 Mg
Sódio, mg/l 1.185 1,43 Na
Carbono Total, mg/l 29.151 - C
Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 17,4 - C/N
Potencial Hidrogeniônico 7,40 0,27 pH

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


432

Temperatura média das amostras = 26oC Temperatura média do ar = 30oC


TABELA 4 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos no efluente contido no tanque de aeração (TA).

Parâmetros Resultado Expresso


DBO5 (5dias, 20oC), mg/l 3.304 O2
DBO Solúvel, mg/l 472 O2
DQO, mg/l 13.600 O2
DQO Solúvel, mg/l 4.550 O2
Sólidos Totais (ST), mg/l 19.520 -
Sólidos Fixos Totais, cinzas (SFT), mg/l 4.220 -
Sólidos Voláteis Totais ou MO (SVT), mg/l 15.300 -
Sólidos Suspensos Totais (SST), mg/l 16.860 -
Sólidos Sedimentáveis (SP), ml/l 500 -
Sólidos Suspensos Fixos (SSF), mg/l 3.560 -
Sólidos Suspensos Voláteis (SSV), mg/l 13.300 -
Nitrogênio amoniacal, (N-NH4), mg/l 463 N
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 1.238 N
Fósforo Total, mg/l 198 P
Potássio, mg/l 3.092 K
Cálcio, mg/l 282 Ca
Magnésio, mg/l 152 Mg
Sódio, mg/l 985 Na
Óleos e Graxas, mg/l 1.300 -
Potencial Hidrogeniônico 7,25 pH
Carbono Total, mg/l 8.895 C
Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 7,2 C/N
Temperatura média das amostras = 28oC Temperatura média do ar = 28oC.

TABELA 5 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos na caracterização do efluente de irrigação (EI).

Parâmetros Resultado CV (%) Expresso


DBO5 (5dias, 20oC), mg/l 3.296 1,09 O2
DBO Solúvel, mg/l 549 18,44 O2
DQO, mg/l 13.000 1,09 O2
DQO Solúvel, mg/l 6.700 4,22 O2
Sólidos Totais (ST), mg/l 51.455 3,28 -
Sólidos Fixos Totais, cinzas (SFT), mg/l 5.820 4,86 -
Sólidos Voláteis Totais, MO (SVT), mg/l 45.635 4,32 -
Sólidos Suspensos Totais (SST), mg/l 23.110 2.63 -
Sólidos Sedimentáveis (SP), ml/l 250 - -
Sólidos Suspensos Fixos (SSF), mg/l 3.946 5,95 -
Sólidos Suspensos Voláteis (SSV), mg/l 19.164 1,95 -
Nitrogênio Amoniacal (N-NH4), mg/l 586 3,63 N
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 1.626 0,61 N
Fósforo Total, mg/l 284 6,24 P
Potássio, mg/l 2.388 2,58 K
Cálcio, mg/l 311 8,88 Ca
Magnésio, mg/l 187 4,93 Mg
Sódio, mg/l 995 1,35 Na
Óleos e Graxas, mg/l 493 5,03 -
Potencial Hidrogeniônico 7,4 0,29 PH
Carbono Total, mg/l 26.532 - -

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


433

Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 16,3 - -


mg/l = g/m3
As condições de operação do sistema de trata-
mento, pelo processo de LAB, mostrou ser muito sim- DQO solúveis dos efluentes, foram alcançadas para am-
ples, resumindo-se praticamente na retirada de areia dos bos os efluentes, EI e ES, respectivamente. Com relação
reatores a cada seis meses, remoção de material grossei- a DBO e DQO total do efluente (66,15 e 57,15%) e (66,06
ro das grades das canaletas das instalações, s upervisão e 55,17%), houve uma queda acentuada nessas redu-
com a participação de um homem, nas atividades de lim- ções. Esses resultados corroboram com as citações de
peza dos pisos e drenagem do efluente. A automação do Além Sobrinho (1983), que preconiza reduções de DBO5
processo de aeração intermitente (aeração e não- de 90 a 98% com base na DBO solúvel do efluente, para
aeração), com o uso de “timer” e os sistemas de bomb e- as variações do processo de lodo ativado, operando na
amento utilizados para limpeza dos galpões e para a dre- faixa de aeração prolongada (20 dias < θc < 30 dias).
nagem do efluente, permitiram uma economia considerá- (Branco & Hess, 1975; Imhoff & Imhoff, 1986; Tchoba-
vel de mão-de-obra e agilidade ao manejo do sistema. noglous & Burton, 1991; Braile & Cavalcanti, 1993; Von
Sperling, 1994) citam eficiências de remoção de DBO
na faixa de 75 a 95% para a maioria dos processos de ae-
Redução de DBO, DQO e SVT
ração prolongada, para vários tipos de efluentes. Altas
Observa-se pelas Tabelas 6 e 7 que o sistema de concentrações de SSTA (Sólidos Suspensos no Ta n-
tratamento aeróbio empregado apresenta grandes dife- que de Aeração) e SSVTA (Sólidos Suspensos Voláteis
renças na redução dos diferentes parâmetros analisados. no Tanque de Aeração), 16.860 e 13.300 mg/l, respecti-
Altas reduções de DBO e DQO (94,36 e 77,92%) e (95,15 vamente, podem explicar o desempenho do sistema de
e 85,00%), em relação a DBO e tratamento.

TABELA 6 – Variação da concentração de alguns parâmetros em relação aos valores médios do efluente de irrigação
(EI).

Parâmetros Afluente (S o) Efluente de Irrigação (S) Redução (%)


DBO5 , mg/l 9.734 549(1) 94,36
DBO5 , mg/l 9.734 3.296 66,15
DQO, mg/l 30.338 6.700(1) 77,92
DQO, mg/l 30.338 13.000 57,15
Sólidos Totais (ST), mg/l 116.865 51.455 55,97
Sólidos Fixos Totais (SFT), mg/l 28.575 5.820 79,63
Sólidos Voláteis Totais, MO (SVT), mg/l 88.290 45.635 48,31
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 1.945 1.626 16,40
Nitrogênio Amoniacal (N-NH4), mg/l 329 586 +43,76
Fósforo Total (P), mg/l 683 284 58,42
Potássio (K), mg/l 6.148 2.388 61,16
Cálcio (Ca), mg/l 8.248 311 96,23
Magnésio (Mg), mg/l 1.591 187 88,25
Sódio (Na), mg/l 3.940 995 74,75
Carbono Total (C), mg/l 51.331 26.532 48,31
Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 26,4 16,3 38,26
Relação N/DBO 0,20 - -
Relação DBO5/NKT 5,00 - -
Relação P/DBO 0,07 - -
Potencial Hidrogeniônico (pH) 7,26 7,40 -
(1) DBO e DQO Solúveis do efluente, escapando do tratamento. DBO Solúvel = MO na forma de sólidos di ssolvidos
(SD).
Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002
434

TABELA 7 – Variação da concentração de alguns parâmetros, em relação ao efluente sobrenadante (ES), no tanque
de aeração, após um período de duas horas de decantação.

Parâmetros Afluente (S o) Efluente Decantado (S) Redução (%)


DBO5 , mg/l 9.734 472(1) 95,15
DBO5 , mg/l 9.734 3.304 66,06
DQO, mg/l 30.338 4.550(1) 85,00
DQO, mg/l 30.338 13.600 55,17
Sólidos Totais (ST), mg/l 116.865 19.520 83,30
Sólidos Fixos Totais (SFT), mg/l 28.575 4.220 85,23
Sólidos Voláteis Totais, MO (SVT), mg/l 88.290 15.300 82,67
Nitrogênio Kjeldahl Total (NKT), mg/l 1.945 1.238 36,35
Nitrogênio Amoniacal (N-NH4), mg/l 328 463 +29,15
Fósforo Total (P), mg/l 683 198 71,01
Potássio (K), mg/l 6.148 3.092 49,71
Cálcio (Ca), (mg/l) 8.248 282 96,58
Magnésio (Mg), mg/l 1.591 152 90,45
Sódio (Na), mg/l 3.940 985 75,00
Carbono Total (C), mg/l 51.331 8.895 82,67
Relação Carbono/Nitrogênio (C/N) 26,4 7,2 72,73
Relação N/DBO 0,20 - -
Relação DBO5/NKT 5,00 - -
Relação P/DBO 0,07 - -
Potencial Hidrogeniônico (pH) 7,29 7,25 -
(1) DBO e DQO Solúveis do efluente sobrenadante, escapando do tratamento.

A relação alimento/microrganismo (F/M) ou fator talações, e também à remoção de parte da carga orgânica,
de carga do lodo (f ou fv), no tanque de aeração, foi mu i- durante os períodos anóxicos adotados. Esses dois fato-
to alta (0,024 kg DBO/kg SSTA.dia ou 0,03 kg DBO/kg res proporcionaram economia considerável de energia e
SSVTA.dia), bem abaixo dos valores indicados por Além água ao s istema de tratamento.
Sobrinho, 1983; Braile & Cavalcanti, 1993, indicando me- A menor redução de DQO (77,92 e 85,00%) em re-
nor disponibilidade de substrato (DBO, DQO) para os lação a DBO (94,36 e 95,15%) pode ser explicada pela alta
microrganismos. Assim, na falta de alimento, as bactérias relação DQO/DBO afluente = 3,12 e DQO/DBO efluente
utilizam a matéria orgânica do próprio material celular, pa- = 3,94 apresentadas. Essa relação vem ao encontro das
ra a sua manutenção, caraterizado pela respiração endó- indicações de Souza (1982) e Braile & Cavalcanti (1993),
gena ou auto-oxidação. que, de forma simplificada, consideram um resíduo facil-
A demanda de oxigênio (O2) para remoção de mente biodegradável, quando a DQO/DBO < 2. Entretan-
94,36% da DBO5 afluente (91,85 kg de DBO5/dia) com to, quando a relação DQO/DBO > 2 (DQO/DBO afluente
base na eq. 3 proposta por Taiganides (1977) varia de < DQO/DBO efluente), o resíduo contém MO não-
137,8 a 183,7 kg O2/dia, admitindo um coeficiente de biodegradável e o efluente tratado terá grande redução
transferência de oxigênio para dejetos de animais de 1,5 de DBO e redução parcial de DQO. Observa-se também
a 2,0 kg O2/kg de DBO5 removida. A transferência de que a menor redução de DQO (77,92 e 85,00%), em rela-
oxigênio sob condições de campo, utilizando a eq. 3, fo- ção a DQO solúvel do efluente, escapando do tratamen-
ram de 85,82 a 115,01 kg O2/dia, considerando que o to biológico, ainda foi um resultado aceitável, dentro da
substrato permanece um tempo médio de 12 dias no tan- faixa esperada pela maioria dos trabalhos (75 a 95%). As
que de aeração. Observa-se que o fornecimento de O2 reduções de ST e matéria orgânica (SVT) para o EI foram
pelo aerador foi de 62,3% da demanda para oxidar a MO. de (55,97 e 48,31%) e para o ES de (83,30 e 82,67%), res-
O suprimento restante de 37,7% de oxigênio se deve, pectivamente. Essa diferença de redução em favor do ES
provavelmente, à aeração natural em lâmina pela recicla- pode ser explicada pelo arrastamento desses sólidos no
gem do efluente, durante os períodos de limpeza das ins- EI, uma vez que, no período de drenagem, o sistema de
Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002
435

aeração mistura permanece funcionando, mantendo os para reciclagem, contribuindo para a melhoria das carac-
sólidos em suspensão. A disposição do lodo estabiliza- terísticas físicas, químicas e biológicas do solo.
do é de interesse do sistema, dada sua excelente quali- Com base nos resultados alcançados e no con-
dade como biofertilizante e condicionador de solo (Gi- fronto com a literatura disponível, o sistema de operação
essmann, 1981; Kiehl, 1985a; Siqueira, 1991). A relação adotado no processo de LAB, para tratamento de deje-
lodo biológico (SSV)/MO, no efluente de irrigação tos de bovinos, com aeração intermitente e pequenos
(Tabela 5), foi de 0,42 (19.164/45.635), ou seja, uma parte períodos de aeração mistura (9 min) e não-aeração (18
de lodo biológico para 2,38 partes de MO, min), demonstrou coerência com os objetivos propostos,
correspondendo a 42% de massa de microrganismos na ou seja, permitiu a estabilização e mineralização da maté-
MO. Já no ES (Tabela 4), essa proporção foi de 0,87 ria orgânica, objetivando sua reciclagem no solo.
(13.300/15.300), correspondendo a 87% de massa de
microrganismo na MO. No ES, 66,5% da MO foi sedi-
Consumo de energia
mentada (45.635-15.300 = 30.335 mg/l).
Com relação à estabilização da matéria orgânica, a O consumo total de energia elétrica apresentado
relação C/N do EI foi de 16,3 e a do ES de 7,2, inferindo- pelo sistema de tratamento foi de 13.733 kWh/ano
se que o primeiro está bioestabilizado e o segundo, hu- (13.733.000 Wh ou 1.567,69 W/dia) e uma carga orgânica
mificado. Esses resultados corroboram com as indica- de 97.340 g DBO5/dia. Admitindo que uma pessoa no
ções de (Kiehl, 1978, 1981, 1985b, 1998). O pH foi maior Brasil elimina, em média, 54 g DBO5/dia/habitante (Fel-
do que 7,0 para ambos os efluentes, ou seja, 7,40 para o lenberg, 1980, Branco, 1983, Imhoff & Imhoff, 1986 e De-
EI e 7,25 para o ES. As porcentagens de MO e nitrogênio risio, 1992, o equivalente populacional (EP) do SIPL foi
(NKT), em relação aos ST dos efluentes, foram de (88,69 de 1.803 habitantes [(97.340 g DBO5/dia)/(54 g
e 78,38%) e (3,16 e 6,34%) para o EI e o ES, respectiva- DBO5/dia/hab)]. Convertendo esse valor em W/hab (EP
mente. Todos esses parâmetros, segundo Kiehl (1978), = 1.803 hab ou 15,03 hab/UA), o consumo de energia elé-
indicam que os efluentes apresentam características téc- trica foi de 0,87 W/hab [(13.733.000 W/hab)/(365 di-
nicas de estar humificados. A humificação da MO cons- as/ano)/(24 h/dia)/(1.803 hab)]. Von Sperling (1994) relata
titui o estágio final desejado de tratamento biológico, pa- um consumo de energia, para os processos de lodos ati-
ra que o efluente seja reciclado, com características para vados por aeração prolongada e de fluxo intermitente,
melhorar as propriedades físicas, químicas e biológicas variando de 1,5 a 4,0 W/hab. Assim, com relação a esses
do solo. dados, o sistema de tratamento proporciona uma eco-
Outras características apresentadas pelo efluente nomia de energia de 72,41 a 359,77%. Admitindo um
(biofertilizante), tais como: ausência de mau-cheiro, pelo consumo médio de 2,75 W/hab, o sistema de tratamento
desmembramento dos compostos de enxofre e fixação do proporciona uma economia de 1,88 W/hab (2,75 W/hab -
amoníaco, a cor escura e consistência gelatinosa, apre- 0,87 W/hab), ou seja, 216,09% de energia
sentadas pelo efluente tratado, são conseqüências indi- [(1,88/0,87).100].
cadoras do processo humoso adiantado, relatado por Com relação aos animais, o consumo de energia
Giessmann (1981). Argumenta, ainda, que no esterco lí- do sistema de tratamento foi de 13,06 W/UA/dia
quido arejado ocorrem processos idênticos aos que o- [(1.567,69 W/dia)/(120 UA)].
correm na compostagem.
Outro fato importante, observado na prática, du-
Consumo de mão-de-obra
rante vários anos de operação do sistema de tratamento
biológico aeróbio, foi a ausência de mo scas no interior e Com relação à mão-de-obra, o sistema de trata-
arredores dos tanques de aeração e das instalações dos mento apresentou um consumo de 134,26 dh/ano (dias-
animais “free stall”, proporcionando benefícios de or- homem/ano), gastos na operação do sistema. Conside-
dem sanitária e estética ao SIPL. rando a mão-de-obra, para manejo tradicional do esterco
O sistema de tratamento aeróbio, pelo processo sólido, para o mesmo SIPL, no mínimo seriam necessá-
de LAB, com aeração prolongada e intermitente, com rios 182,5 dh/ano para executar essa atividade [(2 horas-
baixas taxas de aeração e maior tempo de detenção hi- homem de tratorista + 2 horas-homem)/dia/ano]. Dessa
dráulica, foi eficiente para estabilizar a matéria orgânica forma, a reciclagem do efluente com tratamento biológico
dos dejetos de bovinos, transfo rmando esses resíduos proporciona uma redução de 48,24 dh/ano, representan-
num efluente líquido humificado, com boas condições

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


436

do uma economia de 36% de mão-de-obra [(48,24/134,26) efluente líquido dos bovinos, sendo o EI bioestabilizado
× 100]. e o ES humificado.
O sistema tratamento permitiu altas reduções de
DBO e DQO, sendo obtidos valores de (94,36 e 77,92%)
Consumo de água
para o EI e (95,15 e 85,00%) para o ES, respectivamente.
O consumo de água para limpeza das instalações O sistema de tratamento biológico proporcionou
(“free stall”), pelo sistema de reciclagem (bombeamento) uma economia de 93% de água, 216% de energia elétrica
do esterco líquido tratado sobre os pisos, foi da ordem e 36% de mão-de-obra, caracterizado pelo sistema opera-
de 4.167 litros/dia, ou seja, 35 litros/UA/dia. Esse con- cional, automação e reciclagem do efluente tratado na
sumo foi estimado com base na adição de 100 m3 de água limpeza hidráulica das instalações. O consumo de água
(1/3 da capacidade dos tanques de aeração com 300 foi de 4.167 litros/dia, 35 litros/UA/dia, sendo menos da
m3/tanque) para dar início a cada batelada, uma vez que metade do volume de água ingerido por UA/dia. O con-
o volume restante (50 m3) é completado com água pro- sumo de energia foi de 13,06 W/UA/dia.
veniente de derrame dos bebedouros, limpeza das insta- A reciclagem total do efluente tratado (biofertili-
lações da sala-de-ordenha, currais de manejo e água de zante), no solo, promove o saneamento ambiental e resti-
chuva. Observa-se que esse reduzido consumo de água tui parte dos nutrientes consumidos pelas culturas, po-
traz grande benefício ao SIPL, pois a economia de água dendo contribuir significativamente para o desenvolvi-
repercute diretamente em economia e racionalização de mento de uma agricultura sustentável nos SIPL.
energia. Na maioria dos Sistemas de Produção, em confi- O sistema de tratamento biológico aeróbio pro-
namento, com sistemas de limpeza hidráulica dos resí- porcionou benefícios de ordem sanitária e estética ao
duos, o consumo de água, observado na prática e citado SIPL, pela ausência de mau-cheiro e de moscas no inte-
pela literatura, é de 200 a 250 litros/UA/dia. Dessa forma, rior e arredores dos tanques de aeração e das instala-
o Sistema representa uma economia de água de 82,5 a ções dos animais.
86,0%, em relação aos processos que não utilizam a re-
ciclagem da água residuária para limpeza das instalações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Neste trabalho, se não fosse utilizado o sistema
de reciclagem de esterco líquido tratado, para limpeza ALÉM SOBRINHO, P. Estudo dos fatores que influem
dos galpões, o consumo de água seria da ordem de no desempenho do processo de lodos ativados: deter-
60.000 litros/dia (60 m3/h x 1,0 h/dia), contra o consumo minação de parâmetros de projeto para esgotos predo-
de apenas 4.167 litros/dia, significando uma redução de minantemente domésticos. Revista DAE, São Paulo,
93% de água. Observa-se que o consumo de água para v.43, n.132, p.49-85, mar. 1983.
limpeza das instalações dos animais (35 litros/UA/dia) é
menos da metade do volume de água ingerido por ani- AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION;
mal, admitindo um consumo médio de 80 litros/UA/dia, AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION;
para uma produção média de 20 litros de leite/vaca/dia, WATER POLLUTION CONTROL FEDERATION. Stan-
em temperatura ambiente de 21oC, conforme Kramer dard methods for the examination of water and wastewa-
(1993), que são condições equivalentes ao local deste ter: supplement to the 17.ed. Washington, 1991. 144, 9
trabalho. p.
Com relação ao volume de dejetos (fezes + urina)
produzidos pelos animais, cerca de 5.000 litros/dia (42 li- BARTH, L.C. Odor sensationtheory and phenomena
tros/UA/dia), verifica-se que foi necessária uma relação and their effect on olfactory measurements. Transac-
de 1,0 litro de água para remover 1,2 litro de dejetos tions of the ASAE, St. Joseph, v.16, n.2, p.340-347,
(1:1,2), demonstrando alta eficiência do sistema hidráuli- Mar./Apr. 1973.
co de limpeza dos pisos das instalações, caracterizado BRAILE, P.M.; CAVALCANTI, J.E.W.A. Manual de tra-
pela reciclagem do efluente. tamento de águas residuárias. São Paulo: CETESB,
1993. 764 p.
CONCLUSÕES
BRANCO, S.M. Poluição: a morte de nossos rios. 2.ed.
O sistema de tratamento biológico aeróbio foi e- São Paulo: ASCETESB, 1983.155 p.
ficiente para reduzir e estabilizar a matéria orgânica do

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002


437

BRANCO, S.M.; HESS, M.L. Tratamento de resíduos. KIEHL, E.J. Perguntas e respostas sobre composto. Pi-
In: AQUARONE, E.; BORZANI, W.; LIMA, U. de A. racicaba: ESALQ-Departamento de Solos, Ge ografia e
(Coord.). Biotecnologia: tópicos de microbiologia indus- Fertilizantes, 1979. 16 p.
trial. São Paulo: E. Blücher, 1975. v.2, cap.3, p.47-76.
KIEHL, E.J. Preparo do composto na fazenda. Casa da
COMPANHIA DE TECNOLOGIA E SANEAMENTO Agricultura, Campinas, v.3, n.3, p.6-9, maio/jun. 1981.
AMBIENTAL (São Paulo, SP). Guia de coleta e preser-
vação de amostras de água. São Paulo, 1987. 150 p. KIEHL, E.J. Renova-se o interesse pelos adubos org âni-
cos. Dirigente Rural, São Paulo, v.17, n.9/10, p.16-23,
CULP, R.L.; WESNER, G.M.; CULP, G.L. Handbook of set./out. 1978.
advanced wastewater treatment. 2.ed. New York: V. N.
Reinhold, 1978. 632 p. KRAMER, J. Água, a base da produção de leite. Revis-
ta Criadores, São Paulo, v.63, n.760, p.11, 1993. Suple-
DERISIO, J.C. Introdução ao controle de poluição ambi- mento SCL.
ental. São Paulo: CETESB, 1992. 201 p.
LINDLEY, J.A. Anaerobic-aerobic treatment of milking
FELLENBERG, G. Introdução aos problemas da poluição center waste. Transactions of the ASAE, St. Joseph,
ambiental. São Paulo: EPU/EDUSP, 1980. 196 p. v.22, n.2, p.404-408, Mar./Apr. 1979.

GARCIA VAQUERO, E. Projeto e construção de aloja- MÜLLER, W. Effects of odour on man and animals. In:
mento para animais. 2. ed. Lisboa: Litexa Portugal, 1981. STRAUCH, D. (Ed.). Animal production and environ-
237 p. mental health. 6. ed. Amsterdam: Elsevier, 1987. p.21-
26. (World animal science, B6).
GIESSMANN, E. Biologia e técnica de manejo do ester-
co líquido. Palmeira: Colônia Witmarsum/ Cooperativa NORÉN, O. Odours from animal production. In:
Mista Agropecuária Witmarsum, 1981. 12 p. Mimeogra- STRAUCH, D. (Ed.). Animal production and environ-
fado. mental health. 6.ed. Amsterdam: Elsevier, 1987. p.1-20.
(World animal science, B6).
IMHOFF, K.; IMHOFF, K.R. Manual de tratamento de
águas residuárias. 26. ed. São Paulo: E. Blücher, 1986. OLIVEIRA, P.A.V. (Coord.). Manual de manejo e utili-
302 p. zação dos dejetos de suínos. Concórdia: Embrapa Suínos
e Aves, 1993. 188 p. (Embrapa Suínos e Aves. Docu-
IRVINE, R.L.; BUSH, A.W. Sequencing batch biological mentos, 27).
reactors: an overvisw. Journal WPCF, Alexandria, v.51,
n.2, p.235-243, 1979. SCHROEDER, E.D. Water and wastewater treatment.
New York: McGraw-Hill Book, 1977. 370 p.
KAMIYAMA, H. Lodo ativado por batelada (LAB): su-
as vantagens no tratamento de esgotos das comunida- SILVA, P.R. Lagoas de estabilização para tratamento de
des de médio e pequeno porte (parte 1). Revista DAE, resíduos de suínos. 1973. 76 p. Dissertação (Mestrado
São Paulo, v.49, n.157, p.218-221, out./dez. 1989. em Engenharia Hidráulica e Saneamento) - Escola de En-
genharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São
KIEHL, E.J. Adubo orgânico: terra fértil a baixo custo. A Carlos.
Granja, Porto Alegre, v.41, n.449, p.48-54, jun. 1985a.
SIQUEIRA, C. Proposta sobre o manejo e uso do esterco
KIEHL, E.J. Fertilizantes orgânicos. Piracicaba: Agro- no sistema intensivo de produção de leite da
nômica Ceres, 1985b. 492 p. EMBRAPA-CNPGL. Juiz de Fora: Embrapa Gado de Lei-
te, 1991. 4 p. Relatório.
KIEHL, E.J. Manual de compostagem: maturação e qua-
lidade do composto. Piracicaba, 1998. 171 p. Edição do SOUZA, M.E. Problemática da digestão anaeróbia dos
autor. resíduos industriais. São Paulo: CETESB, 1982. 35 p.
Trabalho apresentado no I Simpósio Latino-Americano
sobre produção de biogás a partir de resíduos orgâni-
cos.
Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002
438

TAIGANIDES, E.P. Animal wastes. London: Apllied VON SPERLING, M. Critérios de dados para uma sele-
Science, 1977. 429 p. ção preliminar de tratamento de resíduos d e esgotos.
Revista Bio, São Paulo, v.3, n.1, p.7-21, 1994.
TCHOBANOGLOUS, G.; BURTON, F.L. (Rev.). Waste-
water engineering: treatment, disposal and reuse. 3. ed.
New York: Metcalf & Eddy, 1991. 1334 p.

Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002

Você também pode gostar