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RESUMO – Objetivou-se com este trabalho avaliar a efi- Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de
ciência do tratamento biológico aeróbio de dejetos de Oxigênio (DQO) totais e solúveis, sólidos totais fixos e
bovinos confinados em sistema “free stall”, com recicla- voláteis, sólidos sedimentáveis, sólidos suspensos fixos
gem do efluente na limpeza das instalações e posterior e voláteis, nitrogênio kjeldahl total e amoniacal, potás-
utilização nas áreas de produção de forragem. Foram sio, fósforo total, magnésio e sódio. Pelos resultados, in-
construídos dois reatores, pelo processo de lodo ativa- fere-se que o tratamento biológico aeróbio foi eficiente
do por batelada (LAB), com sistemas de aeração prolon- para reduzir e estabilizar a matéria orgânica do efluente
gada e intermitente, dimensionados para um tempo de líquido. Altas reduções de DBO (94,36 e 95,15%) e DQO
retenção hidráulico de 24 dias, com diluição dos dejetos (77,92 e 85,00%) foram alcançadas para os efluentes de
(fezes + urina) em água na proporção de 1:1. Foram reali- irrigação e decantadas, respectivamente. O processo de
zadas amostragens na entrada e no interior dos tanques tratamento proporcionou economia considerável de á-
de aeração, na saída da tubulação de irrigação e dos de- gua, energia e mão-de-obra, caracterizado pelo sistema
jetos puros dos animais. Foram analisados os seguintes operacional, automação e reciclagem do efluente na lim-
parâmetros: pH, temperatura, óleos e graxas, Demanda peza das instalações.
TERMOS PARA INDEXAÇÃO: Aeração prolongada, aeração intermitente, dejetos de bovinos, “free stall”, lodo ati-
vado por batelada, reciclagem de efluente.
1. Parte da Tese de Doutorado do primeiro autor apresentada à FCA-UNESP, Cx. P. 237 – 18603.970 – Botucatu,
SP.
2. Engenheiro Agrônomo, Dr., Pesquisador da Em brapa Gado de Leite – Rua Eugênio do Nascimento, 610 –
Dom Bosco – 36038.330 – Juiz de Fora, MG. E-mail: atcampos@cnpgl.embrapa.br
3. Professor Titular, Dr., Departamento de Engenharia Rural, FCA-UNESP.
4. Professor Dr., Departamento de Ciências Ambientais, FCA-UNESP.
5. Professor Dr., Departamento de Engenharia Rural, FCAV-UNESP, Rod. Carlos Tonanni, km 5, 14870.000 – Ja-
boticabal, SP.
6. Professor Dr., Departamento de Adm., Econ. e Estat., FET-UNESP, Av. Eng. Luiz Eduardo Carrijo, s/n –
17033.360 – Bauru, SP.
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orgânica está na forma crua, bioestabilizada ou humifi- meio de bombeamento sobre o piso de água residuária
cada. Assim, quando a relação C/N do composto for i- (esterco diluído em água) que retornam aos tanques de
gual ou inferior a 12, o material está humificado; quando aeração e homogeneização. O esterco líquido, após sua
a relação for igual ou inferior a 17, diz-se que o composto estabilização e cumprido o tempo de retenção hidráulica
está bioestabilizado, e acima de 30, a matéria orgânica es- (24 dias), é transportado em tubulações de PVC para
disposição nas áreas de produção de forragem por meio
tá na forma crua (Kiehl, 1978, 1979, 1981, 1985b, 1998).
A estabilização aeróbia das águas residuárias que de irrigação por infiltração.
contêm substâncias biodegradáveis tem sido realizada Tanques de aeração: Dois tanques para tratamen-
por três processos biológicos: lodos ativados, filtros bi- to e armazenagem de esterco líquido, com capacidade ú-
ológicos e lagoas de estabilização aeróbia (Branco & til de 300 m3 cada um, foram construídos em concreto
Hess, 1975; Culp et al., 1978; Braile & Cavalcanti, 1993). junto ao talude de corte do platô das instalações e a ju-
Segundo esses autores, o processo biológico mais em- sante dos galpões de confinamento, recebendo o afluen-
pregado atualmente para estabilizar a matéria orgânica te por gravidade. Cada tanque é provido de um sistema
biodegradável dos despejos agroindustriais e dos esgo- de aeração e homogeneização. Junto à base dos dois
tos sanitários é o de lodos ativados. tanques, foi instalada uma bomba centrífuga, com capa-
Com este trabalho teve-se como objetivo avaliar a cidade de 60 m3/hora, para bombear o esterco líquido
eficiência do tratamento biológico aeróbio dos dejetos aos galpões e providenciar a limpeza hidráulica dos pi-
de bovinos confinados em sistema “free stall”, com reci- sos (Figura 1).
clagem do efluente em tratamento na limpeza hidráulica Dimensionamento do sistema de tratamento: Os
das instalações e posterior utilização nas áreas de pro- tanques de aeração e estabilização, de seção circular, fo-
dução de forragem. ram dimensionados de acordo com Giessmann (1981),
para um tempo de retenção hidráulica de 24 dias, diluição
dos dejetos (fezes + urina) em água na proporção de 1:1
MATERIAL E MÉTODOS e produção de dejetos em torno de 42 kg/UA/dia.
Este trabalho foi desenvolvido nas instalações Características e especificações dos equipamen-
do Sistema Intensivo de Produção de Leite (SIPL) da tos usados no tratamento
Embrapa Gado de Leite, Município de Coronel Pacheco,
Zona da Mata de Minas Gerais. Geograficamente, o SIPL Aeradores: Em cada tanque foi instalado um ae-
está localizado a uma latitude de 21°33`22`` Sul e a uma rador-misturador submersível, com motor trifásico de 4,0
longitude de 43°06`15`` Oeste, com altitude de 414 m. A CV (3 kW), para promover a oxidação e homogeneização
área total do sistema é de 40,0 ha, com topografia ondu- da massa líquida. Cada aerador foi dimensionado para
lada (5%) e plana (95%). O rebanho do sistema de pro- uma capacidade nominal máxima de 400 m3 de massa lí-
dução constitui-se de vacas puras da raça Holandesa quida. A homogeneização processa-se pelos movimen-
preta e branca. O tipo de exploração adotado é o confi- tos transmitidos pela hélice com pouca turbulência. A
namento total de todas as categorias de animais. aeração é obtida com acentuada turbulência e cavitação,
Os galpões de confinamento são do tipo “free gerando a difusão do ar atmosférico na massa líquida.
stall”. A composição média do rebanho estabilizado é de Sistema de limpeza hidráulica dos pisos dos gal-
60 vacas em lactação e demais categorias, totalizando pões: O sistema de limpeza hidráulica dos pisos dos gal-
cerca de 120 UA. A alimentação básica do rebanho é pões consta de um conjunto motobomba, com motor tri-
composta de silagem de milho, feno de gramíneas e le- fásico de 12,5 CV, 1.750 rpm e bomba de rotor aberto,
guminosas, capim verde picado, pastagens de capim- modelo KSB-ANS 0-50-200, vazão de 60 m3/h para altura
elefante e setária, suplementação concentrada e mineral. manométrica de 12 mca e saída em tubulação de 4”. A
A produção de alimentos é intensiva, com dois ou mais tubulação de recalque junto à bomba é de ferro galvani-
cultivos ao ano, procurando obter maior produtividade zado de 4” (tubo de subida), e de PVC soldável enterra-
por área. Os alimentos volumosos: silagem de milho, fe- do até os corredores dos galpões, onde são reduzidos
no, e capim para cortes são produzidos em áreas do sis- em três ou quatro ejetores de 3”, para distribuição uni-
tema. forme da água de limpeza utilizada nos corredores. Os
Manejo do esterco: Os galpões do tipo “free corredores dos galpões de confinamento foram forma-
stall” são limpos diariamente, após cada ordenha, por dos por pisos de concreto, frisados no sentido longitu-
dinal, com declive de 1,0 a 1,4%, dando acesso a canale-
Ciênc. agrotec., Lavras, v.26, n.2, p.426-438, mar./abr., 2002
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tas com grade de ferro, para coleta do esterco. As cana- fundo abaulado, declividade de 1,0%, conduzindo o es-
letas foram construídas em concreto, enterradas, com terco líquido por gravidade até aos tanques (Figura 1).
INSTALAÇÕES
GALPÕES “FREE
e STALL”
REATOR 1 REATOR 2
FIGURA 1 – Diagrama do sistema de tratamento biológico de esterco líquido com reciclagem do efluente.
Sistema de bombeamento do esterco líquido nas substrato afluente na entrada da ETE, mg/l; ITA = con-
áreas de cultivo: O sistema de bombeamento consta de centração média do substrato contido no interior do
uma motobomba submersível, locada no interior do tan- tanque de aeração, mg/l; DP/2= concentração média do
que, modelo Piranha 20T, vazão de 10,0 m3/h para altura substrato contido nos dejetos puros dos bovinos, mg/l.
manométrica de 12 mca, diâmetro de saída de 1 1/4”, po- (2 é a constante de diluição 1:1).
tência de 2,2 CV (1,6 kW), rotação de 3.450 rpm, trifásico Amostragem para caracterização dos efluentes:
e 36 kg de peso. A rede hidráulica dos tanques, até as 1) Entrada da estação de tratamento de efluente (EETE):
áreas de cultivo, consta de tubulação de PVC com diâ- foram coletadas duas amostras compostas, sendo uma
metro de 2”, enterrada a 0,30 m de profundidade. A dis- para as instalações de recria e outra para as instalações
posição do esterco tratado no solo é feita por tubula- das vacas em lactação. Essas amostras foram constituí-
ções de engate rápido, de alumínio ou PVC. das de cinco alíquotas de 2,0 litros a cada cinco minutos,
Caracterização do afluente e efluente do sistema tomadas durante todo o processo de lavagem das insta-
de tratamento: O efluente básico do Sistema de Produ- lações, duas vezes por dia. 2) Interior do tanque de aera-
ção de Leite é constituído de dejetos dos bovinos (fezes ção (ITA): foram coletadas amostras simples do esterco
+ urina), água de limpeza das instalações, derrame dos líquido tratado a um metro abaixo do nível da superfície
bebedouros, restos de alimentação e material utilizado do tanque de aeração, após duas horas de decantação.
para cama dos animais no “free stall”. A diluição total do 3) Dejetos puros: foram coletadas duas amostras com-
sistema de tratamento foi da ordem de 1:1, ou seja, uma postas de fezes e urinas das diferentes categorias ani-
parte de água para uma parte de resíduos totais. Para ca- mal, imediatamente após as dejeções 4) Saída da tubula-
racterizar o afluente da Estação de Tratamento de Efluen- ção de irrigação: durante o período de descarga ou dre-
te (ETE), utilizou-se a seguinte equação: nagem dos reatores, foram coletadas sete amostras com-
DP postas do efluente de irrigação, nos períodos da manhã
Af = EETE − ITA + (1) e da tarde, tomadas em intervalos de 15 minutos.
2 Variáveis analisadas: Nos pontos 1, 2 e 3, foram
Em que: Af = concentração média do substrato no aflu- analisados os seguintes parâmetros: pH, temperatura,
ente do sistema, mg/l; EETE = concentração média do óleos e graxas, DBO total e solúvel, DQO total e solúvel,
sólidos totais, sólidos totais fixos e voláteis, sólidos se- dade ao manejo do sistema, nas operações de disposi-
dimentáveis, sólidos suspensos fixos e voláteis, nitro- ção do efluente no solo, nas diversas fases das culturas
gênio kjeldahl total e amoniacal, potássio, fósforo total, forrageiras, retirar os sólidos grosseiros (principalmente
cálcio, magnésio e sódio. No ponto 4, foram analisados areia) decantados no reator, e manter máquinas e equi-
os seguintes parâmetros: pH, temperatura, sólidos totais pamentos para evitar imprevistos de ordem climática e
fixos e voláteis, nitrogênio total, potássio, fósforo total, operacional que possam surgir. A taxa de transferência
DBO, DQO, cálcio, magnésio, sódio e umidade. A temp e- de oxigênio (O2), durante os períodos de aeração, em
ratura em cada ponto foi obtida a campo. condições de campo, foi estimada pela equação propos-
Método de coleta e preservação das amostras: A ta por Taiganides (1977), ou seja:
coleta e a preservação das amo stras foram feitas de a- kg O2 /dia = a . x (3)
cordo com o preconizado pela CETESB (1987). As análi-
Em que: a = coeficiente de transferência de oxigênio, kg
ses foram efetuadas de acordo com os métodos analíti-
O2/kg DBO5 removida (específico para cada equipamen-
cos estabelecidos pela APHA et al. (1989).
to de aeração e características do resíduo, podendo va-
Eficiência do tratamento biológico aeróbio: A e-
riar de 1,5 a 2,0 para dejetos de animais); x = kg
ficiência dos parâmetros analisados no tratamento foi
DBO5/dia a ser removida do sistema.
avaliada conforme recomendações de (Tchobanoglous
& Burton, 1991; Braile & Cavalcanti, 1993), obtida pela
equação: RESULTADOS E DISCUSSÃO
S0 − S Foram obtidos dois tipos de efluentes no traba-
E= ⋅ 100 (2)
S0 lho: o primeiro, o efluente sobrenadante (ES), foi obtido
no tanque de aeração, após duas horas de decantação, e
Em que: E = eficiência do processo, %; S 0 = concentra- o segundo, o efluente de irrigação (EI), foi obtido na sa-
ção do substrato afluente, mg/l; S = concentração do ída da tubulação de irrigação.
substrato efluente, mg/l.
Operação do sistema: Foi adotado o processo de
tratamento por lodo ativado por batelada (LAB), com ae- Características do efluente do sistema
ração prolongada e intermitente. Os períodos de aeração Os resultados médios obtidos para caracterizar o
foram de nove minutos, e os de não-aeração, 18 minutos. afluente bruto da ETE são apresentados nas Tabelas 2, 3
Os períodos do ciclo operacional do processo de LA B e 4. O efluente médio do processo de LAB, com aeração
(Tabela 1) foram determinados conforme descrições de prolongada e intermitente, é apresentado na Tabela 4.
(Irvine & Bush, 1979; Kamiyama, 1989). Esse efluente é formado de lodo biológico estabilizado
no reator, caracterizado pelo processo de aeração pro-
TABELA 1 – Fases de um ciclo operacional do processo longada com idade do lodo (θ c ) de 24 dias (tempo mé-
de LAB adotados. dio de retenção celular) e pelo efluente sobrenadante,
formando um produto homogêneo. A carga orgânica vo-
Período (dias) Reator 1 Reator 2 lumétrica (COV) aplicada foi de 0,3245 kg DBO5/m3.dia
em relação ao volume total do reator (300 m3) e 0,4056 kg
Enchimento e reação 24 24 DBO5/m3.dia em relação ao volume de operação do sis-
Drenagem e reação 3 3 tema (240 m3).
Observa-se na Tabela 2 que os dejetos puros
Repouso 21 21 contêm os nutrientes: nitrogênio, fósforo, potássio, cál-
cio, magnésio e matéria orgânica (SVT) em altas concen-
Total/ciclo/reator 48 48
trações. Esses resíduos, de elevada carga orgânica e mi-
neral, são poluentes quando lançados em rios e lagos,
Após cada período de enchimento de 24 dias mesmo após tratamento biológico adequado, pois o e-
(Tabela 1), iniciam-se os períodos de enchimento do rea- fluente tratado continua com elevada carga orgânica e
tor 2 e de drenagem do reator 1, resultando num período nutrientes (N, P e K), sendo impróprios para lançamento
de 21 dias de repouso para cada reator. Com esse perío- em corpo d’água receptor, conforme legislação em vigor.
do de repouso teve-se como objetivo dar maior flexibili- Entretanto, como objetivou-se neste trabalho reutilizá-lo
num sistema de agricultura sustentável, o tratamento excelente material fertilizante e com boas características
biológico aeróbio demonstrou ser plenamente viável em para reciclagem, em sistemas intensivos de produção
todos os aspectos, transformando esses res íduos num (Tabela 5).
TABELA 2 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos nos dejetos puros (fezes + urina) dos animais confinados.
TABELA 5 – Valores médios de alguns parâmetros obtidos na caracterização do efluente de irrigação (EI).
TABELA 6 – Variação da concentração de alguns parâmetros em relação aos valores médios do efluente de irrigação
(EI).
TABELA 7 – Variação da concentração de alguns parâmetros, em relação ao efluente sobrenadante (ES), no tanque
de aeração, após um período de duas horas de decantação.
A relação alimento/microrganismo (F/M) ou fator talações, e também à remoção de parte da carga orgânica,
de carga do lodo (f ou fv), no tanque de aeração, foi mu i- durante os períodos anóxicos adotados. Esses dois fato-
to alta (0,024 kg DBO/kg SSTA.dia ou 0,03 kg DBO/kg res proporcionaram economia considerável de energia e
SSVTA.dia), bem abaixo dos valores indicados por Além água ao s istema de tratamento.
Sobrinho, 1983; Braile & Cavalcanti, 1993, indicando me- A menor redução de DQO (77,92 e 85,00%) em re-
nor disponibilidade de substrato (DBO, DQO) para os lação a DBO (94,36 e 95,15%) pode ser explicada pela alta
microrganismos. Assim, na falta de alimento, as bactérias relação DQO/DBO afluente = 3,12 e DQO/DBO efluente
utilizam a matéria orgânica do próprio material celular, pa- = 3,94 apresentadas. Essa relação vem ao encontro das
ra a sua manutenção, caraterizado pela respiração endó- indicações de Souza (1982) e Braile & Cavalcanti (1993),
gena ou auto-oxidação. que, de forma simplificada, consideram um resíduo facil-
A demanda de oxigênio (O2) para remoção de mente biodegradável, quando a DQO/DBO < 2. Entretan-
94,36% da DBO5 afluente (91,85 kg de DBO5/dia) com to, quando a relação DQO/DBO > 2 (DQO/DBO afluente
base na eq. 3 proposta por Taiganides (1977) varia de < DQO/DBO efluente), o resíduo contém MO não-
137,8 a 183,7 kg O2/dia, admitindo um coeficiente de biodegradável e o efluente tratado terá grande redução
transferência de oxigênio para dejetos de animais de 1,5 de DBO e redução parcial de DQO. Observa-se também
a 2,0 kg O2/kg de DBO5 removida. A transferência de que a menor redução de DQO (77,92 e 85,00%), em rela-
oxigênio sob condições de campo, utilizando a eq. 3, fo- ção a DQO solúvel do efluente, escapando do tratamen-
ram de 85,82 a 115,01 kg O2/dia, considerando que o to biológico, ainda foi um resultado aceitável, dentro da
substrato permanece um tempo médio de 12 dias no tan- faixa esperada pela maioria dos trabalhos (75 a 95%). As
que de aeração. Observa-se que o fornecimento de O2 reduções de ST e matéria orgânica (SVT) para o EI foram
pelo aerador foi de 62,3% da demanda para oxidar a MO. de (55,97 e 48,31%) e para o ES de (83,30 e 82,67%), res-
O suprimento restante de 37,7% de oxigênio se deve, pectivamente. Essa diferença de redução em favor do ES
provavelmente, à aeração natural em lâmina pela recicla- pode ser explicada pelo arrastamento desses sólidos no
gem do efluente, durante os períodos de limpeza das ins- EI, uma vez que, no período de drenagem, o sistema de
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aeração mistura permanece funcionando, mantendo os para reciclagem, contribuindo para a melhoria das carac-
sólidos em suspensão. A disposição do lodo estabiliza- terísticas físicas, químicas e biológicas do solo.
do é de interesse do sistema, dada sua excelente quali- Com base nos resultados alcançados e no con-
dade como biofertilizante e condicionador de solo (Gi- fronto com a literatura disponível, o sistema de operação
essmann, 1981; Kiehl, 1985a; Siqueira, 1991). A relação adotado no processo de LAB, para tratamento de deje-
lodo biológico (SSV)/MO, no efluente de irrigação tos de bovinos, com aeração intermitente e pequenos
(Tabela 5), foi de 0,42 (19.164/45.635), ou seja, uma parte períodos de aeração mistura (9 min) e não-aeração (18
de lodo biológico para 2,38 partes de MO, min), demonstrou coerência com os objetivos propostos,
correspondendo a 42% de massa de microrganismos na ou seja, permitiu a estabilização e mineralização da maté-
MO. Já no ES (Tabela 4), essa proporção foi de 0,87 ria orgânica, objetivando sua reciclagem no solo.
(13.300/15.300), correspondendo a 87% de massa de
microrganismo na MO. No ES, 66,5% da MO foi sedi-
Consumo de energia
mentada (45.635-15.300 = 30.335 mg/l).
Com relação à estabilização da matéria orgânica, a O consumo total de energia elétrica apresentado
relação C/N do EI foi de 16,3 e a do ES de 7,2, inferindo- pelo sistema de tratamento foi de 13.733 kWh/ano
se que o primeiro está bioestabilizado e o segundo, hu- (13.733.000 Wh ou 1.567,69 W/dia) e uma carga orgânica
mificado. Esses resultados corroboram com as indica- de 97.340 g DBO5/dia. Admitindo que uma pessoa no
ções de (Kiehl, 1978, 1981, 1985b, 1998). O pH foi maior Brasil elimina, em média, 54 g DBO5/dia/habitante (Fel-
do que 7,0 para ambos os efluentes, ou seja, 7,40 para o lenberg, 1980, Branco, 1983, Imhoff & Imhoff, 1986 e De-
EI e 7,25 para o ES. As porcentagens de MO e nitrogênio risio, 1992, o equivalente populacional (EP) do SIPL foi
(NKT), em relação aos ST dos efluentes, foram de (88,69 de 1.803 habitantes [(97.340 g DBO5/dia)/(54 g
e 78,38%) e (3,16 e 6,34%) para o EI e o ES, respectiva- DBO5/dia/hab)]. Convertendo esse valor em W/hab (EP
mente. Todos esses parâmetros, segundo Kiehl (1978), = 1.803 hab ou 15,03 hab/UA), o consumo de energia elé-
indicam que os efluentes apresentam características téc- trica foi de 0,87 W/hab [(13.733.000 W/hab)/(365 di-
nicas de estar humificados. A humificação da MO cons- as/ano)/(24 h/dia)/(1.803 hab)]. Von Sperling (1994) relata
titui o estágio final desejado de tratamento biológico, pa- um consumo de energia, para os processos de lodos ati-
ra que o efluente seja reciclado, com características para vados por aeração prolongada e de fluxo intermitente,
melhorar as propriedades físicas, químicas e biológicas variando de 1,5 a 4,0 W/hab. Assim, com relação a esses
do solo. dados, o sistema de tratamento proporciona uma eco-
Outras características apresentadas pelo efluente nomia de energia de 72,41 a 359,77%. Admitindo um
(biofertilizante), tais como: ausência de mau-cheiro, pelo consumo médio de 2,75 W/hab, o sistema de tratamento
desmembramento dos compostos de enxofre e fixação do proporciona uma economia de 1,88 W/hab (2,75 W/hab -
amoníaco, a cor escura e consistência gelatinosa, apre- 0,87 W/hab), ou seja, 216,09% de energia
sentadas pelo efluente tratado, são conseqüências indi- [(1,88/0,87).100].
cadoras do processo humoso adiantado, relatado por Com relação aos animais, o consumo de energia
Giessmann (1981). Argumenta, ainda, que no esterco lí- do sistema de tratamento foi de 13,06 W/UA/dia
quido arejado ocorrem processos idênticos aos que o- [(1.567,69 W/dia)/(120 UA)].
correm na compostagem.
Outro fato importante, observado na prática, du-
Consumo de mão-de-obra
rante vários anos de operação do sistema de tratamento
biológico aeróbio, foi a ausência de mo scas no interior e Com relação à mão-de-obra, o sistema de trata-
arredores dos tanques de aeração e das instalações dos mento apresentou um consumo de 134,26 dh/ano (dias-
animais “free stall”, proporcionando benefícios de or- homem/ano), gastos na operação do sistema. Conside-
dem sanitária e estética ao SIPL. rando a mão-de-obra, para manejo tradicional do esterco
O sistema de tratamento aeróbio, pelo processo sólido, para o mesmo SIPL, no mínimo seriam necessá-
de LAB, com aeração prolongada e intermitente, com rios 182,5 dh/ano para executar essa atividade [(2 horas-
baixas taxas de aeração e maior tempo de detenção hi- homem de tratorista + 2 horas-homem)/dia/ano]. Dessa
dráulica, foi eficiente para estabilizar a matéria orgânica forma, a reciclagem do efluente com tratamento biológico
dos dejetos de bovinos, transfo rmando esses resíduos proporciona uma redução de 48,24 dh/ano, representan-
num efluente líquido humificado, com boas condições
do uma economia de 36% de mão-de-obra [(48,24/134,26) efluente líquido dos bovinos, sendo o EI bioestabilizado
× 100]. e o ES humificado.
O sistema tratamento permitiu altas reduções de
DBO e DQO, sendo obtidos valores de (94,36 e 77,92%)
Consumo de água
para o EI e (95,15 e 85,00%) para o ES, respectivamente.
O consumo de água para limpeza das instalações O sistema de tratamento biológico proporcionou
(“free stall”), pelo sistema de reciclagem (bombeamento) uma economia de 93% de água, 216% de energia elétrica
do esterco líquido tratado sobre os pisos, foi da ordem e 36% de mão-de-obra, caracterizado pelo sistema opera-
de 4.167 litros/dia, ou seja, 35 litros/UA/dia. Esse con- cional, automação e reciclagem do efluente tratado na
sumo foi estimado com base na adição de 100 m3 de água limpeza hidráulica das instalações. O consumo de água
(1/3 da capacidade dos tanques de aeração com 300 foi de 4.167 litros/dia, 35 litros/UA/dia, sendo menos da
m3/tanque) para dar início a cada batelada, uma vez que metade do volume de água ingerido por UA/dia. O con-
o volume restante (50 m3) é completado com água pro- sumo de energia foi de 13,06 W/UA/dia.
veniente de derrame dos bebedouros, limpeza das insta- A reciclagem total do efluente tratado (biofertili-
lações da sala-de-ordenha, currais de manejo e água de zante), no solo, promove o saneamento ambiental e resti-
chuva. Observa-se que esse reduzido consumo de água tui parte dos nutrientes consumidos pelas culturas, po-
traz grande benefício ao SIPL, pois a economia de água dendo contribuir significativamente para o desenvolvi-
repercute diretamente em economia e racionalização de mento de uma agricultura sustentável nos SIPL.
energia. Na maioria dos Sistemas de Produção, em confi- O sistema de tratamento biológico aeróbio pro-
namento, com sistemas de limpeza hidráulica dos resí- porcionou benefícios de ordem sanitária e estética ao
duos, o consumo de água, observado na prática e citado SIPL, pela ausência de mau-cheiro e de moscas no inte-
pela literatura, é de 200 a 250 litros/UA/dia. Dessa forma, rior e arredores dos tanques de aeração e das instala-
o Sistema representa uma economia de água de 82,5 a ções dos animais.
86,0%, em relação aos processos que não utilizam a re-
ciclagem da água residuária para limpeza das instalações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Neste trabalho, se não fosse utilizado o sistema
de reciclagem de esterco líquido tratado, para limpeza ALÉM SOBRINHO, P. Estudo dos fatores que influem
dos galpões, o consumo de água seria da ordem de no desempenho do processo de lodos ativados: deter-
60.000 litros/dia (60 m3/h x 1,0 h/dia), contra o consumo minação de parâmetros de projeto para esgotos predo-
de apenas 4.167 litros/dia, significando uma redução de minantemente domésticos. Revista DAE, São Paulo,
93% de água. Observa-se que o consumo de água para v.43, n.132, p.49-85, mar. 1983.
limpeza das instalações dos animais (35 litros/UA/dia) é
menos da metade do volume de água ingerido por ani- AMERICAN PUBLIC HEALTH ASSOCIATION;
mal, admitindo um consumo médio de 80 litros/UA/dia, AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION;
para uma produção média de 20 litros de leite/vaca/dia, WATER POLLUTION CONTROL FEDERATION. Stan-
em temperatura ambiente de 21oC, conforme Kramer dard methods for the examination of water and wastewa-
(1993), que são condições equivalentes ao local deste ter: supplement to the 17.ed. Washington, 1991. 144, 9
trabalho. p.
Com relação ao volume de dejetos (fezes + urina)
produzidos pelos animais, cerca de 5.000 litros/dia (42 li- BARTH, L.C. Odor sensationtheory and phenomena
tros/UA/dia), verifica-se que foi necessária uma relação and their effect on olfactory measurements. Transac-
de 1,0 litro de água para remover 1,2 litro de dejetos tions of the ASAE, St. Joseph, v.16, n.2, p.340-347,
(1:1,2), demonstrando alta eficiência do sistema hidráuli- Mar./Apr. 1973.
co de limpeza dos pisos das instalações, caracterizado BRAILE, P.M.; CAVALCANTI, J.E.W.A. Manual de tra-
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