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ARTIGO TÉCNICO
MARCELO ZAIAT
Engenheiro Químico. Doutor em Hidráulica e Saneamento. Professor do Departamento de Hidráulica
e Saneamento da EESC – USP
PALAVRAS-CHAVE: Aspergillus niger, glicose, fenol, trata- KEYWORDS: Aspergillus niger, glucose, phenol, biological
mento biológico, água residuária. treatment, wastewater.
INTRODUÇÃO García et al, 2000; Kapdan e Kargi, sérios danos ao mesmo e, conseqüen-
2002; Sahoo e Gupta, 2005; Vinciguer- temente, ao homem. De acordo com
Os compostos fenólicos caracteri- ra et al, 1995). Prieto et al (2002), esses compostos
zam-se pela presença de hidroxila (OH-) De acordo com Martinelli e Silva são extremamente tóxicos tanto por
diretamente ligada a um anel benzênico (2003), o fenol é ainda um intermedi- ingestão como por inalação, ainda que
e fazem parte da composição de vários ário químico para a produção de xam- em baixas concentrações (1 mg/L).
efluentes industriais, tais como, os da pus, aditivos para óleos lubrificantes, Segundo Vinciguerra et al (1995),
indústria de beneficiamento da castanha desinfetantes e agentes anti-sépticos. a presença de anéis aromáticos constitui
de caju, das refinarias de petróleo, de Os fenóis são compostos ácidos, bac- o principal obstáculo para o tratamento
indústrias têxteis, de papel e celulose, tericidas, com efeitos carcinogênicos e de despejos que apresentem compostos
de azeite de oliva e fundições de metais, mutagênicos (Bolaños et al, 2001), cuja fenólicos em sua composição. Porém,
entre outros (Assadi e Jahangiri, 2001; presença no meio ambiente pode causar o interessante ao se utilizar fungos no
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tratamento de despejos que contenham O objetivo do presente trabalho pH foi ajustado de pH 6 para 4, com
compostos desta natureza, reside na gran- foi estudar a capacidade do fungo ácido clorídrico a 10%, para favorecer
de habilidade destes microrganismos em Aspergillus niger (AN 400) para o tra- o desenvolvimento do Aspergillus niger.
produzirem enzimas (celulases, ligninases, tamento de água residuária sintética Após as adições de água residuária e
peroxidases, entre outras) (Luke e Burton, contendo fenol com concentração mé- inóculo (reatores RF e RFG), os frascos
2001), as quais tornam o organopoluente dia inicial de 323 mg/L e a influência foram vedados com tampão de algodão
mais acessível à biodegradação. do uso de glicose como fonte primária e gaze.
Os processos físico-químicos de de carbono.
tratamento possuem custos relativa- Operação em batelada
mente mais elevados que os biológicos MATERIAIS E MÉTODOS
(Kotsou et al, 2004) que têm a vantagem Os reatores foram mantidos em
de exercer menor efeito adverso sobre o Meio sintético mesa agitadora horizontal, sob agitação
meio ambiente (Kauffman et al, 1999; de 200 rpm e temperatura de 30oC e
Metcalf e Eddy, 1991). Desta forma, A composição do meio sintético é postos fora de operação em função de
dentre os diversos tipos de reatores mostrada na Tabela 1. A água emprega- diferentes tempos de reação, sendo
biológicos, os reatores com fungos da para preparo do meio foi esterilizada desmontados 1 (um) reator RC, 1 (um)
representam uma alternativa para o em autoclave durante 20 minutos sob RF e 1 (um) RFG por dia de operação.
tratamento de efluentes que possuem pressão de 1 atm e à temperatura de O experimento foi realizado durante
compostos aromáticos recalcitrantes, 120oC. 5 dias, período no qual se verificou a
como fenol e derivados. variação das variáveis: fenol — croma-
O tratamento de águas residuárias Inóculo tografia gasosa (HP INNOWAX – 30 m x
contendo compostos fenólicos pelo uso 0,25 mm x 0,25 Mm);; glicose — mé-
de reatores com fungos tem mostrado Aspergillus niger AN 400 foi uti- todo colorimétrico; DQO, pH e SSV,
ser viável devido à obtenção de efluen- lizado como inóculo, o qual foi doado de acordo com os métodos descritos em
te residual com menor toxicidade e pelo Laboratório de Saneamento do APHA (1998).
diminuição da concentração de fenóis Departamento de Hidráulica e Sane- A concentração de fenol adsor-
(Borja, Alonso e García, 1995, apud amento Ambiental da Universidade vido nas paredes da biomassa fúngica
García et al, 2000; Rodríguez, Ramos Federal do Ceará. O inóculo encontra- foi investigada. O micélio presente
– Cormenzana e Martínez, 1988). Os va-se na forma de solução de esporos e na amostra coletada de cada reator foi
fungos do gênero Aspergillus, assim foi adicionado em cada reator na con- separado do meio líquido por meio de
como Geotrichum, Phanerochaete e centração de 2 x 106 esporos/mL. centrifugação em tubos “racker” para
outros, utilizam compostos aromáticos separação das fases líquida e sólida
através da produção de enzimas catabó- Montagem dos reatores (micélio). O sobrenadante foi vertido
licas (García et al, 2000). dos tubos e à massa úmida adicionou-se
De acordo com Kyriacou et al Utilizaram-se 15 (quinze) frascos 1 mL de hidróxido de sódio (1 M). Os
(2005), várias espécies de Aspergillus têm de Duran, capacidade total de 500 mL, tubos foram submetidos a ultra-som
demonstrado eficiência na degradação de como reatores, sendo 5 (cinco) com durante aproximadamente 30 minutos
compostos fenólicos e na remoção de cor função de controle (RC), 5 (cinco) a fim de promover liberação de fenol
dos mais diversos despejos industriais, com fungos e meio sem glicose (RF) e adsorvido, na forma de fenolato. Após
especialmente a espécie Aspergillus niger 5 (cinco) com fungos e meio com este período, acrescentou-se 1 mL de
que vem sendo utilizada no tratamento glicose. Cada reator foi preenchido ácido sulfúrico (1 M), de modo a pro-
de águas residuárias com fenol por com 250 mL do meio sintético, cujo piciar a conversão do fenolato em fenol
apresentar boa eficiência na remoção
do composto, segundo os trabalhos de Tabela 1 – Composição do meio sintético
Miranda et al (1996), Garcia et al (2000)
e Cereti et al (2004). Na degradação de Constituinte Concentração (g/L)
compostos fenólicos por Aspergillus niger C6H11OH 0,30
é observada a participação de sistema
enzimático fenol hidroxilase e catecol NH4SO4 2,00
1,2-dioxigenases (Santos e Linardi, NaNO3 1,00
2004). KH2PO4 0,20
Alterações no pH do meio no qual
os fungos se encontram podem ocorrer MgSO4 0,25
como resultado da atividade metabólica CaCl2.2H2O 0,01
desses microrganismos (Griffin, 1994).
Devido Aspergillus niger possuir a capa- CuSO4.7H2O 0,08
cidade de produzir ácidos orgânicos, o H2MoO4 0,05
pH pode assumir valores característicos
de meio ácido, entre pH 2 e 4, o que MnSO4.7H2O 0,05
representa uma vantagem competitiva Fe2(SO4)3 0,05
em relação a outros microrganismos ZnSO4 0,04
(Kyriacou et al, 2005).
no meio líquido e, então, acrescentou-se RESULTADOS E damente, 9%. Nos reatores RF, os
100 ML do padrão interno (2-clorofenol), DISCUSSÃO maiores percentuais de redução de fenol
100 ML de ácido sulfúrico (1 M) e (48%) e DQO (21%) foram obtidos
0,60 mL de éter. Os tubos foram agitados O preparo da água residuária sin- no quinto dia.
em vórtex AP 56, sob agitação máxima tética, em cada reator, resultou em dife- Segundo Vinciguerra et al (1995),
por 1 minuto, centrifugados (centrifu- rentes concentrações iniciais de matéria o emprego de substrato primário no
ga Fanem 215) a 1200 rpm, durante orgânica, medida como DQO, e fenol, tratamento de efluentes é de grande
1 minuto, e ao final deste procedimento, conforme mostrado na Tabela 2. importância, pois propicia melhor
injetou-se 1 ML do líquido sobrenadante Nas Figuras 1 e 2 observa-se, degradação do poluente. A glicose
no cromatógrafo. respectivamente, a remoção de DQO representa uma fonte mais fácil de ser
Posteriormente, a concentração e fenol nos reatores RC, RF e RFG. assimilada, sendo um composto univer-
relativa ao volume da amostra de 2 mL O uso de glicose favoreceu a obtenção salmente assimilado pelos organismos,
foi padronizada em função do fator de de maiores reduções da concentração suprindo as necessidades energéticas
diluição (2:1000) e da biomassa úmida de fenol e de DQO. No último dia de quase todas as células (Marzzoco e
pesada, a fim de obter a concentração do experimento, nos reatores RFG, a Torres, 1999).
de fenol adsorvido por grama de massa concentração do poluente era inferior a A glicose é um composto mais
fúngica. 1 mg/L, concentração mínima detectá- facilmente degradado, resultando no
vel pelo método, tendo-se obtido 93% aumento mais rápido da biomassa, e,
Obtenção das velocidades de redução de DQO. consequentemente, da eficiência de
de consumo de substrato O percentual máximo de redução remoção de matéria orgânica, devido
de fenol nos reatores RC foi de 30% seu maior consumo pela população
As velocidades de consumo de (5o dia), contudo não se considerou microbiana, o que foi observado com
substrato (rs) resultaram da relação entre a eficiência de remoção do poluente a obtenção dos maiores percentuais de
concentração final (C) e concentração significativa, uma vez que não foi verifi- degradação pelos reatores RFG. Assim,
inicial (C o ) de fenol ao longo da cada redução gradual de fenol ao longo o uso de glicose favoreceu a assimilação
duração do experimento. Os dados de do tempo. Com relação à remoção de do poluente pelos fungos, a qual au-
C/Co foram ajustados em programa DQO, nos reatores de controle não mentou gradativamente ao longo do
computacional Microcal Origin 6.0, foi alcançada redução expressiva desse tempo até alcançar 100% de remoção,
obtendo-se decaimento de substrato parâmetro e o percentual máximo de no 5o dia.
(C/Co) em função do tempo (t), no remoção registrado foi de, aproxima-
qual o modelo matemático de Boltzman
(equação 1) foi o que apresentou melhor
representatividade. Na Equação (1): Tabela 2 – Concentração inicial de DQO e fenol na água residuária sintética
C/Co – concentração normalizada do no interior dos reatores
substrato (mg/L); (C/Co)i – concentra-
ção inicial normalizada do substra- Concentração (mg/L) Média Máximo Mínimo
to (mg/L); (C/Co)R – concentração DQO 1
696 ± 19 730 676
residual normalizada do substrato 2
DQO 6058 ± 150 6180 5920
(mg/L); Co – concentração inicial do
substrato (mg/L); C – concentração Fenol 323 ± 30 416 285
de substrato no tempo “t” (mg/L); 1
DQO relativa à água residuária sem adição de glicose (reatores RC e RF)
t – tempo t (dia); to – tempo inicial 2
DQO relativa à água residuária com adição de glicose (reatores RFG)
(dia); dx – tamanho do trecho onde a
variação em x implica na maior variação 1
em y. 0,9
D $$ N D $$ N 0,8
$ $ P J P 3
D$ N
DQO final / DQO inicial
$P P 3 @ U UPJ 0,7
F EY (1)
0,6
Foram obtidos valores da veloci-
dade de consumo (rs) pela diferenciação 0,5
da Equação (1) em função do tempo, de 0,4
acordo com a Equação (2), bem como
0,3
a velocidade máxima de consumo (rmáx)
para cada situação (reatores RFG e RF). 0,2
A velocidade média de consumo (rmédia) 0,1
foi calculada a partir da Equação (3).
0
ED $ N 0 1 2 3 4 5 6
$P J
ST (2) Tempo (dias)
EU
STEU RC RF RFG
SNFEJB (3)
EU Figura 1 – Remoção da concentração de DQO nos reatores RC, RF e RFG
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Nos reatores RFG, a glicose foi 1
utilizada pelos fungos até o terceiro dia, 0,9
quando se registrou 99% de remoção
0,8
do referido composto (Figura 3),
1,0 1,0
0,8 0,9
0,8
C/Co
0,6
C/Co
0,4 0,7
(a) (b)
0,2 0,6
0,0 0,5
0 1 2 3 4 5 0 1 2 3 4 5
-0,16
-1,0 rmáx
-0,14
-0,10
-0,6
-0,08
(-) rs
(-) rs
-0,4
-0,06
-0,04
-0,2
-0,02
0,0
0,00
0 2 4 6
0 2 4 6
Tempo (dias)
Tempo (dias)
Figura 5 – Variação da velocidade de consumo de fenol durante o ensaio em batelada
nos reatores RFG (a) e RF (b)
residuária sintética empregada nessa pelos reatores RFG devido à maior com fenol em reatores com Aspergillus
pesquisa em reatores em batelada, produção de ácidos orgânicos, a partir niger e Fusarium sp. observaram redu-
sob condições de temperatura não do consumo de glicose, conforme ção inicial nos valores de pH, sendo
controlada e agitação por meio de relatado por Assas et al (2002). que nos reatores que dispunham de
aeradores de aquário. Não se observou Assas et al (2002) obtiveram re- glicose a diminuição do pH foi mais
crescimento de biomassa no interior sultados semelhantes na utilização de rápida em relação aos demais reatores,
dos reatores de controle (RC). Geotrichum candidum no tratamento como reflexo de atividade microbiana
A variação de pH ao longo do do efluente da indústria de azeite de mais intensa.
experimento é apresentada na Figura 7. oliva e a diminuição do pH foi atribu- D e a c o r d o c o m Ky r i a c o u
Houve diminuição do pH em todos os ída à geração de ácidos orgânicos. Da et al (2005), a atividade microbiana é
reatores estudados, contudo os valores mesma forma, Rodrigues et al (2004) diretamente influenciada pela quan-
menores de pH foram apresentados ao empregar água residuária sintética tidade de biomassa, observando-se se
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Tabela 4 – Concentração de fenol adsorvido no micélio presente nos reatores RF e RFG
Reatores Fenol inicial Fenol no meio após Remoção de % Fenol % Fenol
no meio final da operação fenol da água adsorvido assimilado
(mg/L) (mg/L) residuária (%)
RF1 300 269 10,33 0,470 9,74
RF2 319 273 14,42 0,130 14,29
RF3 350 252 28,00 0,220 27,78
RF4 295 165 44,07 0,210 43,86
RF5 330 172 47,88 0,010 47,87
RFG1 314 280 10,80 0,570 10,23
RFG2 324 240 25,31 0,060 25,25
RFG3 311 220 27,78 0,063 27,72
RFG4 294 20 93,88 0,002 93,88
RFG5 250 0 100,00 0,000 100,00
100
niger. Maior produção de biomassa
de A. niger foi obtida por O’Donnell
SSV (mg/L)
0,6
80
et al (2001) em pH 3 (5,1 g/L),
registrando-se valores menores em 60
pH 7 (1,9 g/L), fora da faixa ótima 0,4
de pH para o crescimento da espécie, 40
ao investigar o efeito do controle 0,2
do pH sobre a atividade de enzimas 20
proteases.
Nesse trabalho, observou-se que o 0 0
pH diminuiu até o 4o dia de batelada, 0 1 2 3 4 5
quando o crescimento de biomassa Tempo (dias)
atingiu o valor máximo, passando a
apresentar início de fase endógena no Fenol SSV
último dia, motivado pela exaustão Figura 6 – Variação de SSV e fenol nos reatores RFG
de nutrientes no meio. No final
do experimento, o pH manteve-se
constante em relação ao dia anterior,
5
com valores em torno de 2,4, indican-
do que os ácidos orgânicos gerados pela
fermentação do meio ainda não teriam
sido consumidos. 4
O processo de fermentação favo-
rece a produção de ácidos orgânicos
(Fadil et al, 2003) e, em função da
pH
3
concentração de glicose no meio, pode
ocorrer alteração da via oxidativa de
respiração aeróbia para fermentação 2
(Griffin, 1994). Segundo Fadil et al
(2003), com o consumo dos ácidos
gerados na fermentação, o pH tende
a subir, voltando a valor próximo do 1
inicial. 0 1 2 3 4 5 6
Assim, a presença de glicose Tempo (dias)
propiciou o aumento de biomassa no RC RF RFG
interior dos reatores RFG e, conse-
qüentemente, teria ocorrido maior Figura 7 – Variação de pH nos reatores RC, RF e RFG