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etnoastronomia
D
das evidências observacionais, foi urante o século 17, no final da Renascença,
um erro cometido por Galileu. À uma teoria das marés representava um
época, um pescador já sabia que grande desafio, pois era um fenômeno
período e altura da maré para o qual o filósofo grego Aristóteles (384 a.C. -
dependem da fase da Lua. 322 a.C.) não havia sequer proposto uma explica-
n Em História da missão dos padres ção. Além disso, havia uma forte polêmica entre o
capuchinhos na ilha do sistema geocêntrico, estruturado por Aristóteles e
maranhão e terras circunvizinhas, melhorado por Cláudio Ptolomeu (83-161), e o sis-
publicado em Paris, em 1614, 18 tema heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473-
anos antes da publicação do 1543), pois do ponto de vista experimental, um sis-
Diálogo de Galileu, o monge
tema não era em nada superior ao outro.
francês Claude d’Abbeville
Assim, quem conseguisse formular uma teoria
registrou que os tupinambá
atribuíam à Lua o fluxo e o satisfatória para as marés conquistaria notorieda-
refluxo do mar e distinguiam de. Provavelmente, essa foi a principal motivação
muito bem as duas marés cheias. de Galileu Galilei (1564-1642), em defender com
tanto empenho sua teoria do fenômeno das marés,
n Johannes Kepler, contemporâneo
cuja principal causa seriam os dois movimentos cir-
© Costa/Leemage/Other Images; Ritual Tupinambá: Reprodução
tese Galileu utilizou a figura no alto, que comple- para a esquerda. O segmento de reta GBE é tangen-
tamos com os sentidos das velocidades diurna te à circunferência anual no ponto B e paralela à
(azul) e anual da Terra (vermelho). Ele fez coinci- velocidade anual nesse ponto, que representa o cen-
dir o plano do equador terrestre com o plano da tro da Terra.
A Solução de Newton
Newton apresentou a razão principal das marés
como sendo a força gravitacional, no livro Princí-
pios matemáticos de filosofia natural, conhecido
como Principia, publicado em 1687. De fato, as
ptolomaicos também criticaram
marés constituem uma prova experimental da lei Sol, pois embora a sua massa seja menor, a distân-
o modelo de Galileu que,
da gravitação universal de Newton que, de uma observaram eles, se fosse cia à Terra também é menor. Logo, as marés seguem
maneira superficial, pode ser enunciada como: a verdadeiro, em determinado a Lua e não o Sol.
intensidade da força de atração entre dois corpos é lugar o fluxo e refluxo do mar Além da atração gravitacional, que é dominante,
diretamente proporcional ao produto de suas mas- ocorreria uma única vez por dia devemos considerar outras causas secundárias para
sas e inversamente proporcional ao quadrado da e sempre à mesma hora. uma explicação mais realista das marés, como os
distância que os separa. Galileu justificou essa movimentos de rotação e translação da Terra, que
As marés na Terra são um fenômeno resultan- contradição como resultado de para Galileu eram a principal causa das marés.
te, principalmente, da atração gravitacional exer- causas secundárias das marés.
cida sobre a Terra pela Lua e, com menor inten- Teorias e Observações
sidade, pelo Sol. Os defensores do modelo de Ptolomeu criticaram a
Tendo em vista que a força gravitacional aumen- teoria de marés de Galileu, imediatamente depois
ta com a diminuição da distância, a Lua atrai com de sua publicação, pois se a parte principal da sua
mais força o lado mais próximo da Terra e com teoria fosse verdadeira, em determinado lugar o flu-
menos força o lado oposto, sendo que a força de xo e o refluxo do mar ocorreriam somente uma vez
atração do centro da Terra tem um valor interme- por dia e sempre à mesma hora. Isso levando em
diário em comparação com as duas porções situa- conta que a maré depende da posição do lugar con-
das em lados simetricamente opostos em relação ao siderado em relação ao Sol. No entanto, o fato não
centro. Uma vez que os oceanos são líquidos, essas está de acordo com as observações, pois muitas
porções são praticamente livres para responder às pessoas sabiam que há duas marés cheias por dia,
diferentes forças de atração gravitacional da Lua. em um período de pouco mais de 12 horas, e que o
Essas diferentes forças fazem a superfície da Ter- horário da maré cheia varia todos os dias, para o
ra inchar externamente em duas direções: no mes- mesmo lugar.
mo lado da Terra e no lado oposto, criando duas Galileu explicava essas discrepâncias como
protuberâncias na superfície terrestre, pois parece sendo devidas a causas secundárias das marés,
que a porção de água mais próxima está sendo [O AUTOR] ligadas a condições locais, como profundidade,
puxada e a mais afastada empurrada pela Lua, em Germano Afonso é pesquisador tamanho e orientação do recipiente da água. Mui-
relação ao centro da Terra. Essas protuberâncias especialista do CNPq na Universidade tos críticos consideraram como não satisfatórias
são deslocadas pela rotação terrestre, produzindo Estadual de Mato Grosso do Sul. essas explicações de Galileu, chegando mesmo a
Doutor em astronomia pela
o fluxo e o refluxo das marés. acusá-lo de má-fé.
Universidade de Paris VI, fez
A força que produz a maré, sendo a diferença da pesquisas de forças não
A translação da Lua, em torno da Terra, ocorre
força gravitacional entre uma porção de água na gravitacionais em asteróides e no mesmo sentido da rotação da Terra em torno do
superfície e um ponto no centro da Terra, é inver- satélites artificiais. Ganhou, em 1991, seu eixo. Logo, um ponto abaixo da Lua, na super-
samente proporcional ao cubo da distância entre a o prêmio Paranaense de Ciência e fície da Terra, necessita girar 24 horas e 48 minutos
Tecnologia e, em 2000, o prêmio
Lua e a porção de água considerado da superfície (dia lunar) para alcançar novamente a Lua, que se
Jabuti, na categoria “Melhor livro
da Terra. Assim, embora a força gravitacional do didático”, em conjunto com a equipe
adianta em relação ao Sol cerca de 12o por dia.
Sol seja maior que a da Lua sobre a Terra, a força do Planetário do Pará – UEPA, com o Segundo a teoria das marés de Newton, tendo
de maré da Lua é cerca de 2,2 vezes maior que a do livro O céu dos índios Tembé. em vista que há duas protuberâncias e a rotação
Período Anual
Para demonstrar o período anual, Galileu utilizou
da Terra, um ponto sublunar da superfície terres- à época de galileu já se sabia a praticamente o mesmo raciocínio de sua teoria
tre, que parte de uma protuberância provocada altura das marés varia ao longo principal das marés. Mas, dessa vez, considerando
pela Lua, passa em uma depressão, depois em uma de uma lunação. Para justificar o plano do equador terrestre inclinado em relação
protuberância, depois em uma segunda depressão esse período Galileu fez à eclíptica e o centro da Terra situado em dois pon-
analogia entre o pêndulo e o
e depois em uma segunda protuberância, quando tos separados em 90º, um no solstício (início da pri-
movimento do sistema Terra/
encontra novamente a Lua. Isso produz duas mavera ou do outono) e outro no equinócio (início
Lua. Considerou que a
marés altas e duas marés baixas em um dia lunar do verão ou do inverno).
oscilação do pêndulo depende
no ponto considerado. Então o intervalo de tem- do comprimento da corda Na figura ilustrativa de Galileu, temos:
po entre duas marés altas, ou baixas, consecutivas associada ao peso, neste caso, AIPA = plano da eclíptica;
é de 12 horas e 24 minutos. O adiantamento da o sistema binário (acima). Mas A e I = centro da Terra no solstício e no equinó-
Lua em relação ao Sol, vistos da Terra, faz com observações mostraram que cio, respectivamente;
que a mesma seqüência de marés se atrase, em marés de água viva ocorrem DGEFD= elipse resultante da projeção do equa-
média, 48 minutos por dia. tanto na lua cheia quanto nova dor terrestre sobre o plano da eclíptica, com centro
(abaixo). Raciocínio do pêndulo no ponto A (no solstício) e no ponto I (no
Período Mensal também foi aplicado à equinócio);
translação (página seguinte).
Na época de Galileu já se sabia que a altura das CAB e CIB = eixo de rotação da Terra (parale-
marés varia consideravelmente durante um mês los) no solstício e no equinócio;
sinódico ou uma lunação (29,5 dias). DAE = intersecção do equador terrestre com
Para explicar os períodos mensais das marés a eclíptica no solstício. Tangente à eclíptica no
Galileu utilizou uma analogia do movimento do sis- ponto que passa pelo centro da Terra (A) em um
tema Terra-Lua com o movimento de um pêndulo, solstício;
fazendo interferir a Lua como um contrapeso que DIE = intersecção do equador celeste com a
muda de posição. Galileu sabia que um pêndulo
oscila com velocidade maior quanto menor for o
comprimento da corda que suspende o peso que, MARÉS E FASES DA LUA
nesse caso, seria constituído pelo sistema Terra-Lua.
Como para a lua cheia o contrapeso do pêndulo fica
mais distante do Sol que na lua nova, o sistema Ter-
ra Lua produziria marés mais intensas na lua nova
do que na lua cheia. No entanto, as observações
mostram que as marés de água-viva podem existir
tanto na lua cheia como na lua nova. Assim, é evi-
dente que essa explicação de Galileu é totalmente
contrária ao fenômeno observado.
A teoria das marés de Newton explica a relação
das marés com as fases da Lua da seguinte maneira: