Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
or
PEDRO PAULO GASTALHO DE BICALHO
LEANDRO PASSARINHO REIS JÚNIOR
V
PAULO DE TARSO RIBEIRO DE OLIVEIRA
aut
JOSÉ DE ARIMATÉIA RODRIGUES REIS - VÁLBER LUIZ FARIAS SAMPAIO
MICHELLE RIBEIRO CORRÊA - MÁRCIA ROBERTA DE OLIVEIRA CARDOSO
CR Organizadores
do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
ra
i
rev
to
SUBJETIVIDADES
ara
ver di
E DEMOCRACIAS
op
escritas transdisciplinares
E
sã
28/02/2020 13:12:43
Flávia Cristina Silveira Lemos
Dolores Galindo
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
Leandro Passarinho Reis Júnior
or
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
José de Arimatéia Rodrigues Reis
V
Válber Luiz Farias Sampaio
aut
Michelle Ribeiro Corrêa
Márcia Roberta de Oliveira Cardoso
CR (Organizadores)
do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
ra
i
SUBJETIVIDADES E DEMOCRACIAS:
rev
escritas transdisciplinares
to
ara
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2019
or
V
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CATALOGAÇÃO NA FONTE
aut
Su941
CR
Subjetividade e democracias: escritas transdisciplinares / Flávia Cristina Silveira Lemos,
Dolores Galindo, Pedro Paulo G. de Bicalho, Leandro Passarinho Reis Júnior, Paulo de Tarso R.
do
de Oliveira, José de Arimatéia R. Reis, Valber Luiz F. Sampaio, Michele R. Corrêa, Marcia Roberta
de Oliveira Cardoso (organizadores) – Curitiba : CRV, 2019.
522 p. (Coleção: Transversalidade e Criação - Ética, Estética e Política. v. 9)
Dolores. org. III. Bicalho, Pedro Paulo Gastalho de. org. IV. Oliveira, Paulo de Tarso R. de org.
V. Reis, José de Arimatéia R. org. VI. Sampaio, Válber Luiz F. org. VII. Correa, Michele R. org.
to
VIII. Reis Junior, Leandro P. org. IX. Cardoso, Marcia Roberta de Oliveira. org. X. Título XI.
Transversalidade e Criação - Ética, Estética e Política. n. 9.
ara
1. Psicologia 150
op
2019
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 - E-mail: sac@editoracrv.com.br
Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br
or
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Regina Sueli de Sousa (UFG)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Solange Conceição Albuquerque
V
Carmen Tereza Velanga (UNIR) de Cristo (UNIFESSPA)
aut
Celso Conti (UFSCar) Thaísa Teixeira Closs (PUC-RS)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Vinícius Ferreira Baptista (UFRRJ)
Três de Febrero – Argentina)
CR
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
do
Élsio José Corá (UFFS)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)
Gloria Fariñas León (Universidade
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:12:43
or
V
aut
CR
do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
ra
i
rev
to
ara
ver di
op
E
sã
28/02/2020 13:12:43
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos e todas que participaram desta coletânea e contri-
buíram para divulgação e produção de saberes, na universidade e em outras
or
políticas de trabalho. O cuidado pode ser a síntese desta coletânea que reúne
V
inúmeras universidades e pesquisadores.
aut
CR
do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
ra
i
rev
to
ara
ver di
op
E
sã
28/02/2020 13:12:43
or
V
aut
CR
do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
ra
i
rev
to
ara
ver di
op
E
sã
Das Utopias
Mário Quintana
28/02/2020 13:12:43
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO������������������������������������������������������������������������������������������ 17
or
REPENSANDO OS RACISMOS E A PSICOLOGIA NO BRASIL:
considerações sobre os efeitos da lógica colonial������������������������������������������ 23
V
Juan Telles
aut
Maria Helena Zamora
Camila Câmara
CR
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA, RACIONALIDADES BIO-
NECROPOLÍTICO-ECONÔMICAS E PROCESSOS
do
DE SUBJETIVAÇÃO�������������������������������������������������������������������������������������� 43
Micael Jayme Casarin Castagna
Roberta Brasilino Barbosa
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
PSICOLOGIA E POLÍTICAS PÚBLICAS: experiências formativas
do Vieses-UFC������������������������������������������������������������������������������������������������ 61
ra
Clara Oliveira Barreto Cavalcante
João Paulo Pereira Barros
i
Ingrid Sampaio de Sousa
rev
or
TRAMAS DE UMA REDE: processo de desmonte dos serviços da rede
de atenção às pessoas que fazem uso de drogas���������������������������������������� 147
V
Morgana Moura
aut
Dolores Galindo
Ricardo Pimentel Méllo
Tatiana Bichara
CR
MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE: repensando a
do
atuação em psicologia escolar���������������������������������������������������������������������� 165
Vânia Aparecida Calado
Marilene Proença Rebello de Souza
or
PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA EM
V
SAÚDE DE UMA METRÓPOLE DA AMAZÔNIA BRASILEIRA SOBRE
aut
VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES�������������������������� 279
Milene Maria Xavier Veloso
CR
Celina Maria Colino Magalhães
Isabel Rosa Cabral
do
AS AÇÕES DE ENFRENTAMENTO DA EXPLORAÇÃO SEXUAL
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO MUNICÍPIO DE
JURUTI (PA) A PARTIR DA IMPLANTAÇÃO DO PROJETO ALCOA������ 301
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Victor Augusto Cavaleiro Corrêa
V
CARACTERÍSTICAS DEMOGRÁFICAS DE FAMÍLIAS POBRES DE
aut
UMA METRÓPOLE DA AMAZÔNIA����������������������������������������������������������� 409
Thamyris Maués dos Santos
Edson Marcos Leal Soares Ramos
Fernando Augusto Ramos Pontes
Simone Souza da Costa Silva
CR
do
RELAÇÕES DE GÊNERO E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL:
lutas feministas em debate���������������������������������������������������������������������������� 428
Rafaele Habib Souza Aquime
or
de pós-graduação. Os capítulos trazem resultados de estudos consistentes,
V
fruto de trabalhos rigorosos e críticos, materializados nestas páginas de forma
aut
brilhante pelos autores e pelas autoras, cujos textos deram vida a este livro.
Neste livro, é possível identificar a participação das seguintes universi-
dades: UFPI, UFPA, UFC, UFG, PUC-SP, UFMT, UFRGS, UFAM, UNIR,
CR
PUC-RJ, UFF, UFS, UFMA, Escola Bahianas de Saúde Pública, UNAMA,
UNINASSAU, UNIFAMAZ, Fundacentro, IAEN-Equador e da Universidad
do
de Guadalajara-México.
O capítulo um, intitulado: “Repensando os racismos e a Psicologia no
Brasil: considerações sobre os efeitos da lógica colonial”, escrito por Juan
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
Telles, Maria Helena Zamora e Camila Câmara propõe pensar o racismo
estrutural presente na sociedade brasileira e como ele produz subjetividades
ra
e atravessa as instituições, materializando efeitos coloniais ainda no presente.
O capítulo dois, cujo título é: “Políticas públicas de segurança, racionali-
i
dades bio-necropolítico-econômicas e processos de subjetivação”, cuja autoria
rev
or
efeitos da mesma.
O capítulo sete, intitulado de: “Tendências para a adesão ao autorita-
od V
rismo: um olha sobre a personalidade”, cuja a autoria é de Louine Costa Lima
aut
Cruvinel, Cristiane Souza Borzuk e Andressa Cabral Domingues aborda, a
partir da Teoria Crítica em Adorno uma problematização da produção da
subjetividade autoritária.
R
O capítulo oito, cujo título é: “Autoritarismo e guerra às drogas no Bra-
o
sil”, escrito por José Araújo de Brito Neto, Flávia Cristina Silveira Lemos
aC
e Luanna Tomaz de Souza assinala os efeitos de uma política denominada
Escolar e Educacional.
O capítulo onze, intitulado de: “Processos de medicalização e as lacunas
s
or
O capítulo dez, intitulado: “Políticas públicas de saúde mental – processo
de trabalho no cuidado psicossocial à saúde”, Herbert Tadeu Pereira de Matos
od V
Júnior, Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira e Breno Ferreira Pena aborda a
aut
relevância da atenção em saúde mental de cunho psicossocial, a partir dos
resultados de uma pesquisa de mestrado em Psicologia.
R
O capítulo onze, cujo título é: “O esvaziamento da função docente nos
projetos de correção de fluxo escolar”, cujos autores são Marli Lucia Tonatto
o
Zibetti, Élida Furtado do Nascimento e Patrícia Guedes Nogueira apresenta
aC
uma descrição e cuidadosa analítica de uma empiria relativa à precarização
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
escrito por Adriana Alcântara dos Reis e Emanuel Meireles Vieira aborda os
fazeres cotidianos da Psicologia na atenção à saúde por meio do dispositivo
Ed
Maria Colino Magalhães e Isabel Rosa Cabral delineia uma instigante proble-
matização das práticas de profissionais de saúde, na atenção básica focadas
ver
or
escrito por Carlos Jorge Paixão e Letícia Carneiro da Conceição salienta como
há processos de exclusão, desfiliação e bloqueio escolar articulados à gestão
od V
da vida de jovens, na capital paraense.
aut
O capítulo dezoito, cujo título é: “Psicologia e políticas educacionais
em dissertações e teses no Brasil – uma revisão sistemática”, cuja autoria é
R
de Leilanir Souza Carvalho e Fausto Negreiros aborda a literatura produzida
na pesquisa stricto sensu em educação a respeito das tramas entre Psicologia
o
e políticas públicas no campo da escolarização.
aC
O capítulo dezenove, intitulado: “Controvérsias historiográficas em torno
or
O capítulo vinte e quatro, cujo título é: “Sem muros e sem barreiras
na Amazônia – programa Asas da florestania infantil”, de autoria de Kelly
od V
Cristina Costa Albuquerque e Maria Ivonete Barbosa Tamboril aborda o coti-
aut
diano de uma política de proteção das crianças, na Amazônia, em que foram
utilizados elementos da floresta no currículo de um programa voltado para o
R
público infantil em situação de vulnerabilidade.
O capítulo vinte e cinco, intitulado: “A revolução cabana a partir dos
o
conceitos da análise institucional”, escrito por: Evelyn Tarcilda Almeida Fer-
aC
reira, Lilian Lameira Silva, Luciano Imar Palheta Trindade, Merediane Barreto
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:12:45
REPENSANDO OS RACISMOS E A
PSICOLOGIA NO BRASIL: considerações
sobre os efeitos da lógica colonial
or
V
Juan Telles
aut
Maria Helena Zamora
Camila Câmara
1. Introdução
CR
do
A noção de raça, apesar de ser uma construção social sem base con-
creta (MUNANGA, 2004; MAIA; ZAMORA, 2018), ainda tem produ-
zido numerosos efeitos sobre a população negra, inclusive na produção
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
de subjetividade hegemônica. O racismo é o principal motor e catalisa-
dor das outras opressões e violências vivenciadas cotidianamente na rea-
ra
lidade brasileira (SAMPAIO, 2018; OLIVEIRA; NASCIMENTO; 2018;
NASCIMENTO, 2017; CARDOSO, 2014, SCHUCMAN, 2010; NASCI-
i
rev
no tema, visto que a produção na área ainda é escassa (CFP, 2017). E, por
fim, apresentaremos brevemente a Psicologia Preta como uma ferramenta
ver di
or
as formas de subjetivação da população negra foram vistas por essas teorias
od V
eurocêntricas como patológicas, perigosas, exóticas (no sentido do estranho,
aut
do bizarro) e as expressões e os comportamentos como erros e inadequações.
Santos (2018) destaca que basicamente é preciso que os profissionais
R
da Psicologia entendam que o racismo existe e afeta de forma decisiva nossa
forma de compreender o mundo. Portanto, é fundamental para o profissional
o
entender como o racismo também atravessa a sua compreensão de mundo,
assim como o racismo atravessa a subjetividade da pessoa atendida para uma
aC
racista, que tem suas bases atualizadas nas universidades. Como insistimos,
a re
ciados pela lógica racial racista inventada e mantida por eles. No esforço de
promover uma compreensão não colonial, intelectuais e psicólogos negros
ão
inauguram nos anos 80, o que chamamos hoje de Psicologia Preta. Não se
trata de uma nova psicologia, mas partindo do referencial e da experiência
negro-africana, da proposta de possibilitar a libertação do povo negro frente à
s
or
à vida. O Brasil é o país que mais mata gente no mundo, superando os países
od V
em guerra (ANISTIA INTERNACIONAL, 2015; ATLAS DA VIOLÊN-
aut
CIA, 2019). Contudo, a grande maioria das vítimas tem idade e cor. O Mapa
da Violência (2016) revelou que a principal vítima da violência homicida no
Brasil é a juventude entre 15 e 29 anos. Esse dado não é novidade, pois desde
R
o primeiro mapa divulgado em 1998; a cada 23 minutos um jovem negro é
assassinado (ANISTIA INTERNACIONAL, 2015).
o
Esses dados de morte matada não são estáveis. Aumentou a taxa de assas-
aC
sinato de homens e mulheres negras, com um declínio na taxa de homicídio
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que vai definir os que são os diferentes, os que estão em falta. Configuram-
ver
se então como o grupo padrão de referência para todos e todas. Essa identi-
dade racial, marcada por privilégios e vantagens, chamamos de branquitude
(CARDOSO, 2014).
Desta forma, temos lugares sociais, espaciais, psicológicos e simbólicos
muito definidos e distanciados. Para que essa hierarquização seja reforçada e
or
tempo, talvez como sendo a única maneira de agrupar pessoas segundo suas
od V
semelhanças e diferenças, embora os critérios tenham se modificado, chegando
aut
ao racismo de base “científica”.
Segundo Munanga (2004), podemos dizer que nos dias de hoje, as supos-
tas diferenças podem vir acompanhadas de um sentimento de desprezo pelo
R
grupo apontado como diferente do nosso. Neste sentido, percebemos que tais
concepções são manifestações bem antigas e tem a ver com a maneira que os
o
homens perceberam as suas diferenças; afinal eles sempre souberam que eram
aC
diferentes, mas no século XVIII, a cor da pele foi considerada um fator pri-
ram “verdades” sobre o domínio do mais forte sobre o mais fraco, do mais
adaptado ao menos adaptado. Para a mesma autora, tais teorizações foram
incorporadas pelas outras áreas emergentes do conhecimento, como a Socio-
logia e a Antropologia. A ciência engendrava e confirmava o colonialismo e
o imperialismo dos governos.
or
convoca a refletir sobre a utilização do constructo raça e a contínua operação
od V
do racismo nas relações, que ganha novas feições no mundo globalizado.
aut
Embora como categoria científica, a ideia de “raça” tenha sido abolida, vale
destacar que, enquanto categoria política, ela ainda é usada pelos movimentos
negros e é a partir dela que a luta antirracista se articula (SCHUCMAN, 2010).
R
Para ela, as teorias racialistas e o racismo que se seguiu foram se combinando
perfeitamente em um mundo que buscava o “progresso”. Com a anulação
o
na noção científica de raça, a lógica subjacente continua operando. Com o
aC
capitalismo, além de ganhar novas formas, o racismo contribuiu para sua
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
do modelo sociocultural freyriano (SCHUCMAN; MARTINS, 2017). Neste
od V
período também houve algumas tentativas de formalização da Psicologia
aut
como disciplina independente no ensino superior. Os intelectuais também
começaram a criticar o modelo do determinismo racial postulado e a propor
novas alternativas para pensar o Brasil e suas problemáticas.
R
A nova ordem republicana de Vargas, o período denominado de Estado
Novo, é profundamente racista sem, contudo, promover perseguições abertas
o
contra os negros. Contudo, nesta época em especial, a miscigenação, por pro-
aC
mover o branqueamento, é vista como sendo uma solução bastante positiva. A
or
escritora, com seu livro “Tornar-se negro: As Vicissitudes da Identidade do
od V
Negro Brasileiro em Ascensão social”, analisa a ideologia do embranqueci-
aut
mento e o racismo na construção das subjetividades dos negros. O racismo
passa a ser compreendido como uma violência não só na subjetividade, mas
também no corpo. No final desta década, surgem também instituições pionei-
R
ras, como o CEERT e o Instituto AMMA Psique e Negritude, que nos últimos
anos têm sido grandes interlocutores entre o movimento social e a categoria,
o
que trabalham para além da via política na desmantelação do racismo e na
aC
desconstrução de seus efeitos.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
ao longo de todo o processo de escravização até os dias de hoje, entretanto,
od V
de outras formas.
aut
Marimba Ani (1994), antropóloga norte americana, estudiosa dos estudos
negro-africanos e crítica da cultura e do pensamento europeu, mais conhe-
R
cida por sua obra “Yuguru”, que examina por uma perspectiva africana, a
supremacia da cultura europeia através do colonialismo e do imperialismo,
o
afirma que o pensamento europeu acredita em sua própria superioridade. Ela
traz a noção de asili para pensarmos os processos de desumanização, exter-
aC
sobretudo na dominação dos outros povos e sua própria história denuncia isso.
a re
Por isso, todo o contato com os povos não europeus foi marcado por uma rela-
ção intensa de domínio e captura. Esses fenômenos impactavam diretamente
as subjetividades daquelas pessoas que eram submetidas a lógicas perversas
impostas pelos europeus. No Brasil, o encontro resultou no extermínio e
escravização de povos originários e africanos. Abdias do Nascimento (2017)
par
que “fertilizaram o solo brasileiro com suas lágrimas, com seu sangue, seu
suor, seu martírio na escravidão” (p. 57). Trinta anos depois da chegada, os
ão
or
embate dos africanos livres e da massa escravizada, além da pressão política
od V
e social vinda do exterior e das organizações contrárias ao regime existentes,
aut
o Brasil – o único país das Américas que ainda escravizava – formaliza a
abolição da escravatura, com a assinatura da Lei Áurea.
Nascimento (2017) narra que nas últimas décadas de escravismo, a elite
R
nacional, atemorizada com o povo negro, começou a se organizar em outras
estratégias articuladas de controle e, novamente, de domínio desse contingente.
o
Com a importação e a adaptação de teorias eugenistas e a imigração maciça
aC
de brancos europeus como uma estratégia de branqueamento e com políticas
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
lidar com o terror de se afirmar como nação com uma população majoritaria-
ver
or
tanto, a história contada foi somente a dos imperiosos dominadores, porém
od V
“a história não oficial do Brasil registra o longo e antigo genocídio que se
aut
vem perpetrando contra o afro-brasileiro” (NASCIMENTO, 2017, p. 111).
A partir desses artifícios políticos-ideológicos é que foi formulada a
ideia de “democracia racial brasileira” (GONZALES, 1983), exaltada pelos
R
intelectuais da época, principalmente por Gilberto Freyre. Esses termos sur-
giram durante o Estado Novo, período ditatorial de Getúlio Vargas. Assim,
o
a elite branca mais uma vez assegura a manutenção do privilégio branco
aC
(CARDOSO, 2014) e a submissão dos não brancos, principalmente evitando a
escravização. Ainda que o racismo não tenha ganhado forma de lei, nem
Estado, se enraizou no cotidiano, bem como as teorias raciais e continuam
produzindo efeitos na realidade, principalmente reforçando o lugar subalterno
das pessoas negras idealizado pela lógica colonial.
par
sobre as coisas. Portanto, fica identificado como bom, tudo o que é branco e
europeu. Assim, o que se assemelha a ele é valorizado, e o que não, tampouco
é reconhecido.
Segundo Césarie (2010), foi em nome de um suposto “processo de civi-
lização”, que levaria melhores condições de vida para os colonizados, que os
or
Compreendemos os currículos dos cursos de Psicologia das universida-
od V
des brasileiras como sendo impregnados de colonialismo. Os autores mais
aut
estudados nesse campo remontam à figura de poder do colonizador: são quase
sempre homens brancos europeus. Estes autores produziram conceituações
universalizantes para manejar subjetividades em sofrimento psíquico produzi-
R
das no cenário europeu. Assim, desconsiderando a singularidade dos processos
de subjetivação de pessoas não-brancas, principalmente negras, impondo uma
o
nosologia incompatível com o seu pertencimento social e racial. Mas tais
aC
saberes são quase que incontestáveis na história da psicologia como ciência.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que não escutam e não acolhem o paciente como pertencente a um povo que
conta apenas pouco mais de cem anos de “liberdade”, além de endossar, com
sua distância e incompreensão, a reprodução e produção de saberes distorcidos
acerca das destes povos, como temos visto (ARRAES, 2015) .
O termo subjetividade aqui se refere à “produção de modos de ser, estar,
par
forte aversão e repulsa que a branquitude projeta sobre as vidas negras desde a
escravização até hoje e esses sentimentos são projetados constantemente pelos
brancos na relação com tudo aquilo que não é espelho. Esse ódio é introje-
tado nas subjetividades negras revertendo-se em um processo extremamente
doloroso de auto-ódio (NOBLES, 2019). Esse mecanismo de introjeção do
afeto do outro como sendo seu, ocorre nas mais diversas situações de violên-
cia, fazendo da pessoa vitimada, “réu”, ficando ela com o afeto de culpa, por
conta dos mecanismos de opressão, engendrados historicamente, quando este
deveria ficar com o autor da violência.
Segundo Fanon (2009) os inúmeros abusos do racismo sobre os corpos
e as subjetividades negras têm então como um de seus efeitos a culpa e o
auto-ódio. A culpa por sua condição precária, em que se encontra a maior
or
parcela da população negra, e o auto-ódio, por sentir-se inferior diante das
od V
vantagens e privilégios que as pessoas brancas têm e por toda raça negra, por
aut
assim como ele, carregarem o estigma da cor.
Munanga (2014) faz uso da metáfora do iceberg para explicitar ainda
mais o racismo. Para ele, o racismo tem uma parte visível, que diz respeito às
R
diversas violências direcionadas a população negra, e a parte invisível, aquela
que não reconhecemos com facilidade, mas que é a base de sustentação das
o
práticas coloniais vigentes. Segundo Fanon (2005), o racismo se configurou
aC
como uma das maiores estratégias de permanência da lógica e do pensamento
Para Moraes, Nascimento e Rosa (2018) foi em meio às lutas por direitos
civis da população negra nos Estados Unidos na década de 60, no auge do
grupo supremacista branco Ku Klux Klan, que nasce a Psicologia Preta ou
Psicologia Africana, pois se fez necessário à construção de uma psicologia
que compreendesse as dinâmicas sociais que causavam sérias consequências
or
abatem corpos e nas academias, por vezes, se dedicam a exterminar outras
od V
epistemologias e cosmovisões que não as eurocêntricas.
aut
Conforme Ani (1994), podemos reiterar que o saber europeu se instituiu
como saber dominante e ditou o modelo de ciência. Portanto, a psicologia
ocidental forjada nesse contexto, não dialoga com outras culturas. As teorias
R
e abordagens levam em conta apenas o modelo eurocêntrico e negam tudo o
que não o é, principalmente, o contexto brasileiro, que tem depois de África
o
o maior contingente de pessoas negras no mundo.
aC
Segundo Nobles “a razão de ser da psicologia ocidental como disciplina
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
brancos não devam conhecer e se referenciarem para promoção de ações e
od V
práticas que ofereçam saúde para subjetividades negras, pelo contrário, mas
aut
há uma dimensão da subjetividade preta que só outro preto pode acolher. É
inegável que a escuta clínica de psicólogos brancos que tiveram contato com
R
esta teoria pode ser mais sensível e ampliada, porém, a clínica com pessoas
negras não é só de escuta, mas também de corpo, de marcas e de pele. Por-
o
tanto, a brancura e a branquitude trazem consigo uma série de simbolismos,
privilégios e vantagens (CARONE; BENTO, 2014; CARDOSO, 2014,) que
aC
trabalho clínico, mas carrega consigo a brancura e tudo o que ela representa
a re
or
rior possa escoar por toda malha subjetiva do tecido social” (VEIGA, 2017,
p. 4). Esse movimento de libertação é extremamente importante para subje-
od V
tividade negra, pois ela abre espaço para outras possíveis relações consigo e
aut
com o mundo. Assim, aquilo que antes paralisava, torna-se em novas possi-
bilidades singulares de (re)criação de sua própria existência, ou seja, novos
modos de ser no mundo.
R
o
5. Conclusão
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
em visibilizar o que foi ocultado pela ocidentalidade colonialista racista, ou
od V
seja, a humanidade dos povos negro-africanos espalhados pela diáspora. Este,
aut
por si só, não é um movimento novo, mas a possibilidade de tornar possível
essa realidade nos dias de hoje.
A superação das lógicas coloniais racistas deve ser uma responsabilidade
R
de todos, principalmente das pessoas brancas, pois estas são beneficiadas
direta e indiretamente por elas. Se não intervirem, são também responsáveis
o
pelas múltiplas violências a que as pessoas negras são submetidas todos os
aC
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimamanda. O perigo da história única, 2010. Disponível em:
<https://www.geledes.org.br/chimamanda-adichie-o-perigo-de-uma-unica-his-
toria/>. Acesso em: 19 jun.
or
ANI, Marimba. Yuguru: An African-centred critique of European cultural
thought and behavior. Trenton, NJ: Africa World Press, 1994. v. 213.
od V
aut
ANISTIA INTERNACIONAL. Você matou meu filho!: homicídios come-
tidos pela polícia militar na cidade do Rio de Janeiro, 2015. Disponível
R
em: <https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/>. Acesso em: 18
nov. 2018.
o
aC
ARRAES, Jarid. Meu psicólogo disse que racismo não existe, 2015. Dis-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
<https://site.cfp.org.br/ wp-content/uploads/2017/09/relacoes_raciais_baixa.
ver
or
Racial: Do branqueamento à produção de subjetividade do racismo. Psicol.
clin. [online]. v. 30, n. 2, p. 265-286, 2018. ISSN 1980-5438. Disponível em:
od V
<http://pepsic.bvsalud.org/ pdf/pc/v30n2/05.pdf> Acesso em: 12 out. 2018.
aut
MORAES, Viviane Mendes de et al. A psicologia africana como ferramenta
R
de mudança social da população negra-africana. In: VII CONGRESSO
ALFEPSI, 2018, Rio de Janeiro. Formação em psicologia para a transfor-
o
mação psicossocial na América Latina. Anais... Rio de Janeiro: Alfepsi,. v.
1, p. 117-134, 2018.
aC
Niterói, 2005.
or
do racismo. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/
od V
as (ABPN), [S.l.], v. 10, n. 24, p. 148-165, fev. 2018. ISSN 2177-2770. Dis-
aut
ponível em: <http://www.abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/
article/view/578>.
R
SCHUCMAN, Lia Vainer. Racismo e antirracismo: a categoria raça em ques-
tão. Rev. psicol. polít. [online]. v. 10, n. 19, p. 41-55, 2010. ISSN 1519-549X.
o
Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rpp/v10n19/v10n19a05.pdf>.
aC
Acesso em: 20 jun. 2019.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
VEIGA, Lucas. As diásporas da bixa preta: sobre ser negro e gay no bra-
sil. Revista Tabuleiro das Letras, PPGEL – Salvador, v. 12, n. 1, 2018.
par
28/02/2020 13:12:48
POLÍTICAS PÚBLICAS DE
SEGURANÇA, RACIONALIDADES
BIO-NECROPOLÍTICO-ECONÔMICAS
or
E PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO
V
aut
Micael Jayme Casarin Castagna
Roberta Brasilino Barbosa
do
1. Introdução
são
ção? Como os governos nos governam? Como configuram-se as ideias de Lei
e Ordem que nos circundam? Como elas nos produzem? O que há de coletivo
ra
em práticas “individuais”? Como uma ordem é um limite? E como os limites
se mantêm atuais?
i
Através da análise das relações políticas ocidentais desde o século XIII,
rev
or
um elemento-chave para a autonomia individual. Nesse caso, o romance
da soberania baseia-se na crença de que o sujeito é o principal autor con-
od V
trolador do seu próprio significado ( p. 3).
aut
Tal concepção, ainda que se fundamente em um ser humano modelar
R
homem-cisgênero-branco-heterossexual e pertencente a uma elite, não se per-
cebe por estas mesmas limitações inerentes à sua lógica. De fato, tal produção
o
de verdade calcada em dominação é exposta quando Mbembe (2016) discorre
aC
sobre a condição do escravo, colocando-a como uma tripla perda: “perda de
produção à qual, se não lhe é possível cumprir sua função de produção, lhe é
negada a existência, simbólica e materialmente. Esta negação se faz atrelada
ao que faz dominantes as forças que ali se impõe enquanto promotoras da
pretensa “ordem natural” (Mbembe, 2016).
par
forças dominantes.
[...] não se trata de uma classe social que seria dominante em relação à
ão
or
contemporâneo, mantida e reproduzida pelas lógicas atuais de controle social,
od V
precisamos analisar o contexto histórico global das últimas décadas. De acordo
aut
com Reishoffer & Bicalho (2009), a análise da proposta de uma determinada
ordem social [desejável] deve se dar intimamente ligada à análise histórica
dos saberes que se propuseram a gerir o controle social daquele contexto.
R
Sem nos articularmos a essa segunda análise, corremos o risco de fazer coro
à defesa de uma ordem social contra qualquer força que se lhe faça opositora,
o
colocando tal ordem como natural e qualquer insurgência de mecanismos de
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que dele se poder ter se originam nessa produção (Foucault, 1997, p. 161).
ver
or
ser produzida/defendida no contexto brasileiro (Reishoffer & Bicalho, 2009).
od V
Entre as disciplinas e o controle sob os quais vivemos, quais vetores
aut
podemos identificar na composição da “ordem social desejável” brasileira?
Quais delineamentos entre o que se dá como ordem e como desordem no
Brasil podemos elencar para análise? E como escolher os vetores para que
R
esta análise se faça de maneira crítica, pragmática e pertinente?
o
2. (In)segurança pública, racismo e necropolítica
aC
“ordem”, pois esta era uma ordem que se misturava com os interesses das for-
ças sociais dominantes daquele contexto, especificamente do Estado e das oli-
garquias que se mantinham no poder desde o século anterior; uma ordem que
deveria ser defendida e mantida pelas polícias (Reishoffer & Bicalho, 2009).
A ideia da defesa e manutenção de uma determinada ordem que seja pública
or
sobre a função das polícias militares instituídas em lei, evidenciando que
od V
salvaguardar a “Segurança Nacional” e se mobilizar pela “segurança interna
aut
e manutenção da ordem”, sem atualizações e formulações de políticas críticas
à organização e manutenção do poder do regime anterior, simplesmente cum-
prem a mesma função de uma concepção autoritária da ordem pública, que
R
percebe uma parcela de suas cidadãs e cidadãos como ameaça a esta ordem,
como “inimigos internos do regime”, e não como produtores e indivíduos
o
de direito dessa mesma ordem, ainda que constitucionalmente a segurança
aC
pública esteja descrita entre os direitos de todas e todas.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
zonas de guerra e desordem e que, por esses motivos, tornam-se “o local por
excelência em que os controles e as garantias de ordem judicial podem ser
suspensos – a zona em que a violência do estado de exceção supostamente
s
or
cisgêneros brancos pertencentes a uma elite financeira. Segundo dados do
od V
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2012), 72% dos brasilei-
aut
ros ganhavam até 2 salários mínimos em 2010 (pesquisa cujo salário mínimo
utilizado era de R$510,00). Em dados mais recentes, o IBGE (2017a) apontou
que aproximadamente 25,4% da população brasileira em 2016 viveu com
R
menos de R$ 387 por mês. Além disso, homens e brancos têm salários maiores,
em média, que mulheres e pessoas pretas e pardas: em 2016, o rendimento
o
médio mensal real de todos os trabalhos das mulheres foi 23% inferior ao do
aC
homem (IBGE, 2017b). Com relação à cor, os rendimentos médios mensais
guerras contemporâneas.
Podemos entender que a “ocupação colonial tardia difere em muitos
aspectos da primeira ocupação moderna, particularmente em sua combinação
disciplinar, biopolítica e necropolítica” (Mbembe, 2016, p. 14-15). O autor
toma de exemplo como caso mais bem sucedido de necropoder a situação
or
locais possuem uma liberdade outorgada de decidir quando e em quem atirar
od V
por seus próprios critérios.
aut
Ao trabalhar sobre as guerras contemporâneas, Mbembe (2016) faz refe-
rência a Bauman para identificar que as guerras da era da globalização não
têm como objetivo a conquista e gerência de um território, mas visam forçar
R
o inimigo à submissão, tendo como característica própria julgar irrelevantes
certas consequências imediatas e secundárias das ações militares. A superio-
o
ridade destes em relação às populações sedentárias surgia da velocidade de
aC
seu próprio movimento, da fluidez de seu aparecimento e desaparecimento,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
dar uma a ser criada. São constituídas por homens [e mulheres] armados[as],
que se organizam em divisões e uniões de acordo com cada contexto. Estas
podem funcionar com o empréstimo de exércitos regulares ao mesmo tempo
em que estes podem se apropriar de suas características. As máquinas de guerra
possuem tanto característica de organização política quanto de uma empresa
mercantil, podendo até mesmo forjar ligações diretas com redes transnacionais
(Mbembe, 2016). No contexto brasileiro, pudemos identificar anteriormente
o tal inimigo ficcional-interno, cujas características descritas acima são a ele
pertinentes também, como veremos a frente.
Diante de tal conjuntura e de seu extremismo, podemos perceber algu-
mas diferenças entre o comando colonial e essa forma de governabilidade.
Nesta, a escolha entre a vida e a morte se dá a partir de tecnologias mais
or
táteis, mais anatômicas e sensoriais, sob as quais o controle dos corpos em
od V
aparatos disciplinares é menos importante do que sua inscrição na ordem
aut
da economia máxima – figurada como “massacre”. Uma generalização da
insegurança aumenta a distinção social de possuir armas, e as guerras não se
dão apenas entre exércitos de dois Estados soberanos, mas são travadas entre
R
grupos armados: os que agem através do Estado e os que não têm Estado, mas
que possuem o controle de territórios bastante específicos (Mbembe, 2016).
o
O Brasil é um país extenso e diverso, no qual coexistem práticas de con-
aC
trole também diversas, com similaridades e distanciamentos. De que maneira,
dios, a cada três assassinatos, dois são de pessoas negras (Waiselfisz, 2016).
Ed
de 16 (IPEA & FBSP, 2018), o que permite inferir que, 71,5% das pessoas que
ver
são vítimas de homicídio a cada ano no país são pretas ou pardas. Podemos
perceber uma grande desigualdade entre pessoas brancas e negras no que se
1 Os dados analisados provêm de informações publicadas em 2016 no Sistema de Informação sobre
Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS) e dos registros publicados no 10º Anuário Brasileiro de
Segurança Pública.
or
punição (Oliveira Junior & Lima, 2011).
od V
Fica evidente que, para analisar questões de raça no Brasil precisamos
aut
perceber seu recorte estrutural de opressão relacionada à população negra.
Para isso, é importante entendermos que essa realidade é composta também
a partir da noção de racismo institucional, que “pode ser definido como o
R
fracasso coletivo das instituições em promover um serviço profissional e
adequado às pessoas por causa da sua cor” (Oliveira Junior & Lima, 2011, p.
o
22). É uma modalidade do racismo que não se dá sob atos de discriminação
aC
manifestos, explícitos ou declarados, mas por um funcionamento diferenciado
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de Vitimização, segundo dados de 2010, 6,5% dos negros que sofreram uma
agressão no ano anterior tiveram como agressores policiais ou seguranças
privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga),
s
contra 3,7% dos brancos” (IBGE, 2012). Ao mesmo tempo, policiais negros
ver
representam a maioria das vítimas nas corporações: entre 2015 e 2016, 56%
dos policiais vítimas de homicídio eram homens negros (FBSP, 2017). Isso
demonstra que o racismo atravessa a instituição policial não apenas enquanto
agentes, mas também enquanto vítimas de um racismo institucional que se
manifesta em nossas próprias organizações policiais.
or
de 1980, com a redemocratização brasileira em curso, as principais mídias
od V
começaram a denunciar um grande aumento na violência urbana e, associada
aut
a esse aumento a necessidade de se intensificar “políticas de segurança nas
principais metrópoles brasileiras que, paradoxalmente, haviam elegido gover-
nos de oposição em plena transição democrática, baseados em princípios
R
condizentes à garantia dos direitos humanos” (Reishoffer & Bicalho, 2009, p.
7). Como já vimos anteriormente, tais políticas não foram redesenhadas para
o
a Constituição de 1988, o que compõe aquilo que Dornelles (2003) aponta
aC
como um revezamento entre dois modelos de segurança pública: o modelo do
or
aqui o estado prever sua diminuição de gastos, comum nas economias capita-
listas. Nesse sentido, o primeiro corte dos Estados é nos gastos sociais, como
od V
no Brasil são, especialmente, saúde, educação e previdência, conjuntura que
aut
compõe mais endividamentos à população pela falta de provisão pública. Mer-
tens (2017) expõe que o patrocínio do Estado a produtos financeiros torna-se
R
um substituto às tradicionais políticas sociais, resultando num novo esquema
que vem sendo denominado financeirização da vida cotidiana.
o
Através dessas políticas sociais baseadas em créditos, há a operação de
aC
um paradigma de política que enfatiza a promoção pública de ativos privados
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
em uma economia subjetiva e financeira da própria insegurança que dizem
od V
evitar. Em meio à multiplicação de riscos, cabe ao indivíduo privado/pri-
aut
vatizado garantir sua própria segurança, de forma que tal responsabilidade
social deixa de ser um empreendimento coletivo para tornar-se uma estratégia
individual (Castel, 1995).
R
Tais movimentos individualizantes identificados intensificam-se com
a lógica de “financeirização da vida” apresentada anteriormente. Produz-se
o
uma determinada ordem social que não se efetiva pela garantia de condições
aC
de cidadania para todas e todos, mas pelo direito de consumo de alguns e
Nicholas Barr (1998), no livro The Economics of the Welfare State, arti-
cula três linhas intelectuais de estudos sobre o tema do bem-estar social: o
problema da maximização do bem-estar social, questões de justiça social e
ão
or
seja, se a distribuição de cuidados de saúde ou educação não está atingindo
bons resultados, dever-se-ia modificar a distribuição de renda. O autor argu-
od V
menta que este é um erro do primeiro tipo.
aut
A visão de que “cuidados de saúde / educação / habitação são direitos
R
básicos e, portanto, devem ser fornecidos pelo Estado” é ilógica, porque
as palavras “e, portanto,” simplesmente não seguem a premissa inicial. Se
o
os cuidados de saúde, etc., são direitos básicos, então também a comida,
que é bem fornecida pelo setor privado. Pela mesma razão, o argumento
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
para a saúde da dieta e decisões sobre estilo de vida, bem como a mobi-
lização de recursos e o gerenciamento do NHS (National Health Service)
(Barr, 1998, p. 279).
or
e todos morreriam de fome. A saúde, então, é apenas uma entrada; o inves-
od V
timento é na melhoria da saúde. Porém é algo dificílimo de mensurar, uma
aut
vez que não pode ser pensado a partir de entendimentos causais simplórios.
O autor elenca: entre mortalidade infantil, expectativa de vida e estimativas
R
de carga de doença, até que ponto alguma melhoria na saúde é causada por
cuidados médicos?
o
A recuperação completa de um paciente pode ser devida inteiramente ao
aC
A ideia do papel do prefeito. [...] O que que cabe à cidade ajudar na con-
s
O prefeito pode fazer uma série de coisas. O prefeito pode investir numa
guarda municipal mais próxima, pode trabalhar junto com o governo do
estado em mapas da violência... [...] Onde que a violência foi reduzida,
onde que melhorou os índices de segurança pública?! [...] Investiram,
por exemplo, em iluminação pública. [...] É óbvio que só iluminação não
vai garantir segurança pública, [...] mas é claro que o prefeito tem que
ser chamado!3
or
pal, como aponta um fator de segurança pública pensado em diversos países e
od V
ignorado no Rio de Janeiro: a iluminação pública. Tal fator não é comumente
aut
pensado para a garantia de segurança no Brasil, o que evidencia direciona-
mentos de nossas políticas nesse âmbito: em que se investe pela segurança?
R
Onde há segurança? De que maneira nosso Estado investe na melhoria da
segurança? E quem fica realmente mais seguro com tais políticas? Mais uma
o
vez, torna-se nítido que a segurança pública no Brasil é pensada para regiões
geográficas, classes e raças bastante específicas.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
4. Conclusão
visã
Percebe-se que as discussões críticas acerca da garantia de direitos tor-
nam-se a ferramenta mais fundamental e pragmática a fim de elaborar dire-
trizes para políticas nacionais. Analisando certas racionalidades presentes no
itor
por aquilo que “deveria existir”, o que pode nos levar a lógicas simplórias
ver
3 <https://extra.globo.com/casos-de-policia/veja-como-foi-debate-de-flavio-bolsonaro-marcelo-freixo-sobre-
-seguranca-publica-20907174.html>.
or
Estado acoplado ao neoliberalismo como modelo econômico caminham para
od V
privatizações dos direitos, como saúde e educação, promovendo um Estado
aut
cuja ocupação final é a da segurança pública. E a segurança pública, para
um cidadão modelar, em tal contexto, visa à garantia da propriedade privada
R
deste. Como pensar políticas públicas de segurança diante da exposição de
tais racionalidades? Entendemos que tal contexto produz urgência em uma
o
abordagem pragmática e humana do tema, cuja instrumentalização mais per-
tinente, no momento, se encontra nos estudos bio-necropolíticos.
aC
REFERÊNCIAS
Barr, N. (2012). Economics of the welfare state. London: Oxford Univer-
sity Press.
or
Janeiro: Revam.
od V
Castel, R. (1995). A insegurança social. O que é ser protegido? Petrópolis: Vozes.
aut
Coimbra, C. M. B. (2001). Operação Rio: o mito das classes perigosas: um
R
estudo sobre a violência urbana, a mídia impressa e os discursos de segurança
pública. Rio de Janeiro: Oficina do Autor; Niterói: Intertexto.
o
Deleuze, G. & Guattari, F. (1997). Tratado de Nomadologia: máquinas de
aC
guerra. Mil platôs V - capitalismo e esquizofrenia, (pp.11-110). São Paulo:
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Ed. 34.
forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2017/11/infografico-consciencia-
a re
negra-FINAL.pdf
or
de Segurança Pública (2018). Atlas da violência 2018.
od V
Lisboa, F. A. (2018). Do conflito com a lei ou da lei em conflito?na privação
aut
de liberdade, outro estatuto re(existe). Dissertação (Mestrado em Psicologia),
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
R
Mbembe, J. A. (2016). Necropolítica. Arte & Ensaios, 32, 122-151.
o
Mertens, D. (2017). Borrowing for social security? Credit, asset-based welfare
aC
and the decline of the German savings regime. Journal of European Social
los Países del Cono Sur: propuestas e recomendaciones. São Paulo - Santiago:
Friedrich Ebert Stiftung.
id/538498/Cidadania_598.pdf?sequence=1
ver
or
Clara Oliveira Barreto Cavalcante
João Paulo Pereira Barros
V
Ingrid Sampaio de Sousa
aut
Larissa Ferreira Nunes
Ivne Alencar Farias
Vanessa Amarante de Souza
CR
do
1. Introdução
são
ponto de vista acadêmico, reformas curriculares a partir das Diretrizes Cur-
riculares para os cursos de graduação em Psicologia têm buscado incluir
ra
disciplinas com essa temática na formação de estudantes. Já sob a perspectiva
da profissão, a criação do Centro de Referência Técnica em Psicologia e Polí-
i
rev
e Ferreira Neto (2017) pontuam que marcos importantes disso foram o fim
do regime militar, o processo de redemocratização e a constituição de 1988.
op
or
et al. (2014) frisam que processos de normalização e ajustamento, caros à
od V
constituição histórica das práticas psicológicas em suas relações com o que,
aut
sob a ótica foucaultiana, conhecemos como instituições de sequestro, podem
adquirir roupagens distintas nesses contextos de atuação emergentes.
Frente a tais práticas e situações acadêmico-profissionais, a partir das
R
ferramentas de autores como Foucault e Deleuze, cabe-nos cartografar as
forças em jogo, as singularidades dos acontecimentos, os estados mistos,
o
os agenciamentos e dispositivos, enfim, as dimensões macro e micropolí-
aC
ticas que envolvem essa atuação. Isso significa pensar as políticas públicas
ximação com tais políticas públicas, já que uma das principais preocupações
advindas da crescente inserção da psicologia nas políticas públicas é garantir
uma formação condizente com a atuação nesses âmbitos e ao mesmo tempo
problematizadora desses âmbitos, ao invés de tomar psicologia, políticas
públicas e seus agenciamentos como auto-evidentes (FERRAZZA, 2016).
par
Ferreira Neto (2017) aponta que uma das ressonâncias possíveis é a realização
Ed
or
âmbito da psicologia frente a vicissitudes e horizontes concernentes às suas
od V
incursões no multifacetado campo das políticas.
aut
O texto está dividido em mais duas seções. Em uma delas, relatamos as
ações de um projeto voltado ao desenvolvimento de atividades acadêmicas
para estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará, no
R
tocante às conexões entre Psicologia, Políticas Públicas e Direitos Humanos.
Na outra seção, apresentaremos as atividades de um dos projetos de extensão
o
desenvolvidos também pelo VIESES, que enfoca o campo da socioeducação.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mológicas que orientam as práticas psi neste campo, bem como os diferentes
a re
os campos das políticas públicas, dos direitos humanos e seus desafios e pos-
ver
or
psicologia no campo das políticas públicas, mas também sobre alguns perigos
imanentes a esse contexto de inserção crescente. Um deles é o de investir
od V
numa formação excessivamente operativa e pragmática, em resposta ao viés
aut
conteudista de outrora. O perigo que aí se encontra é abdicar do devido aden-
samento conceitual e reiterar dicotomias entre teoria e prática. Concordamos
R
com Ferreira Neto (2011, p. 45) que “uma formação que tem na teoria seu
fundamento e na prática sua aplicação está longe de ser de fato uma formação
o
crítica”. Nesse sentido, uma pista interessante pode ser encontrada no diálogo
aC
entre Foucault e Deleuze sobre o papel do intelectual: “a prática é um conjunto
or
e da sexualidade; Direitos humanos, Políticas públicas e Juventudes marcadas
od V
pela violência: implicações da (à) Psicologia; Impasses e reinvenções das
aut
políticas públicas no Brasil; Mídia e Produção de Subjetividades: violações
de direitos humanos e formas de resistência em debate; Políticas Públicas
R
de Assistência Social e a inserção da psicologia; Violência contra a mulher:
interseccionalidade entre gênero, classe e raça e desafios à aspectos éticos
para a atuação em Psicologia; Políticas Públicas de Saúde Mental e Políticas
o
Públicas no campo da Justiça: impasses e interfaces com a Psicologia. Esses
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
cas (REIS et al, 2014). Não obstante, a fim de exercitar movimentos críticos
e produção de novos horizontes, também pusemos em análise dilemas dessa
inserção em políticas públicas nos últimos anos, tais como as precarizações
das condições e dos processos de trabalho de profissionais de psicologia em
par
or
2.2 Seminários Temáticos do VIESES
od V
aut
Atividade iniciada em 2017, os seminários temáticos são momentos
formativos organizados pelo VIESES e abertos a estudantes e profissionais
da Psicologia e áreas afins, com intuito de propiciar o contato com o que
R
vinha-se pensando e observando, no fazer cotidiano das práticas sociais, em
torno do fenômeno da violência urbana, no que diz respeito às juventudes
o
marginalizadas de territórios com altos índices de homicídios (Bom Jardim,
aC
or
curso, houve, em 2016 e 2017, a participação do VIESES durante a semana
od V
de recepção dos alunos recém-ingressos e, também, na disciplina “Introdução
aut
à Universidade e ao Curso”, momentos em que ações de pesquisa, ensino
e extensão do núcleo sobre violência, juventude e direitos humanos foram
apresentadas. No início do primeiro semestre de 2018, tivemos a apresen-
R
tação das atividades desenvolvidas pelo VIESES na recepção dos alunos
recém-ingressos na Universidade e no processo seletivo realizado para se
o
vincular ao núcleo.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
extensão Pasárgada.
Em agosto do mesmo ano, ocorreu o VII Simpósio Internacional sobre
a Juventude Brasileira – JUBRA, evento bianual ocorrido em Fortaleza e
que recebeu participantes de todo o país, o qual, também, contou com nossa
par
na cidade.
Desde fevereiro de 2018, o VIESES participa do “Movimento Cada Vida
Importa”, mobilização de docentes e estudantes de dezenas de instituições de
s
or
Cearense da Luta Antimanicomial (FCLA). Em junho, houve participação
e organização na exibição do filme “Cidade de Deus”, em parceria com o
od V
Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (Nucepec), da UFC,
aut
e o Movimento Cada Vida Importa, para discutir o tema do extermínio de
adolescentes e jovens no Brasil.
R
3. Projeto Histórias Desmedidas: trajetórias
o
juvenis em outros riscos
aC
or
subjetiva capitalística.
od V
Nesse sentido, consideramos que as forças capitalísticas, as quais têm
aut
incidido de forma mais violenta na produção da infância, adolescências e
juventudes desiguais, afirmam-se por modos de dominação no plano econô-
mico e social, assim como na produção de subjetividade. Essa produção de
R
subjetividade, no contexto do Capitalismo Mundial Integrado, é serializada,
normalizada e centralizada em torno de uma imagem e consenso, sendo esse
o
seu enquadramento, o que permite a sua propagação na forma de produção e
aC
consumo das relações sociais. (GUATTARI; ROLNIK, 2005). Constitui-se,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
mento de metas, destinado a cumprir durante uma década (2018-2028), para a
od V
melhoria do sistema socioeducativo no Estado. Os próximos monitoramentos
aut
no sistema socioeducativo se darão a partir desse plano, por isso sua impor-
tância. A principal atividade consistiu em compor a Comissão Socioeducativo
composta, também, pelo Fórum-DCA, Cedeca, Comdica, Cress-Ce e CRP-11.
R
Outra atividade se trata da Comissão Intersetorial de Elaboração do Plano
Decenal, a qual definirá, até o fim do ano de 2018, o Plano Decenal final. Nas
o
reuniões, foi possível identificar algumas denúncias de familiares e socioe-
aC
ducandos/as, a partir das organizações não governamentais presentes, como:
or
ao final do semestre, a produção de um vídeo com ajuda dos adolescentes sobre
o Cuca Barra, com o intuito de que fosse apresentado a novos adolescentes
od V
jovens que chegassem ao equipamento, para que estes pudessem conhecê-lo
aut
sob a perspectiva daqueles que o frequentam e que nem sempre adquirem
visibilidade e dizibilidade.
R
3.2.3 Campanha de discussão sobre a Redução da Maioridade Penal
o
com Jovens em parceria com a Rádio Cuca
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
por meio de observações participantes, em cinco encontros de um grupo de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assis-
od V
tida, no CREAS da Secretaria Executiva Regional V, que que atende pessoas
aut
do Grande Bom Jardim e Mondubim, contextos onde o VIESES já atuava. Em
média participaram do grupo 15 adolescentes, em sua grande maioria do sexo
R
masculino. Acompanhamos discussões relacionadas a temas como racismo,
hip hop/cultura negra e capoeira como expressão cultural, conduzidas por
o
educadores sociais contratados pelo Governo do Estado do Ceará. Ao término
aC
do grupo, a atividade de inserção foi o acompanhamento de três acolhidas a
4. Considerações finais
Ed
or
de pesquisa, ações que oportunizem aos estudantes e ao público envolvido
tanto a potencialização de reflexões e deslocamentos atinentes à efetivação
od V
da cidadania de juventudes que habitam as margens urbanas, quanto o desen-
aut
volvimento de ferramentas de intervenção que problematizam a escalada de
violências contra esses segmentos sociais, numa perspectiva micropolítica,
R
e as respostas tradicionais ao problema da violência urbana, as quais têm
passado pelo recrudescimento de lógicas punitivo-penais.
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
REFERÊNCIAS
BRIGAGÃO, Jaqueline; NASCIMENTO, Vanda Lúcia Vitoriano do; SPINK,
Peter Kevin. As interfaces entre psicologia e políticas públicas e a configuração
de novos espaços de atuação. REU - Revista de Estudos Universitários,
v. 37, n. 1, p. 199-215, 2011.
or
CASTRO, Rosangela de Barros. Psicologia e políticas públicas: articulações
od V
possíveis. Psicologia política, v. 11, n. 22, p. 377-381, 2011.
aut
DIMENSTEIN, Magda; MACEDO, João Paulo. Formação em Psicologia:
R
Requisitos para Atuação na Atenção Primária e Psicossocial. Psicologia ciên-
cia e profissão, v. 32, n. esp., p. 232-245, 2012.
o
aC
FERRAZZA, Daniele Andrade. Psicologia e políticas públicas: desafios
210, 2016.
HUNING, Simone Maria; SILVA, Wanderson Vilton Nunes da; SILVA, Aline
Kelly. Currículos e interface entre clínica psicológica e o sistema único de
saúde brasileiro. Revista Psicologia e Saúde, v. 6, n. 2, p. 11-19, 2014.
or
mento sobre risco e vulnerabilidade social como sustentação das práticas
od V
em políticas públicas. Estudos de Psicologia, v. 31, n. 4, p. 583-593, 2014.
aut
LEMOS, F. C. S.; SCHEINVAR, E.; NASCIMENTO, M.L. Uma análise do
acontecimento “crianças e jovens em risco”. Psicologia & Sociedade. v. 24,
n. spe., p. 25-30, 2012.
R
o
SILVA, Rafael Bianchi; CARVALHAES, Flávia Fernandes de. Psicologia e
aC
políticas públicas: impasses e reinvenções. Psicologia & Sociedade, v. 28,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
n. 2, p. 247-256, 2016.
28/02/2020 13:12:55
EL PROYECTO DE CIUDAD CREATIVA
Y EL ENTORNO SOCIAL DEL PARQUE
MORELOS DE GUADALAJARA4
or
V
Bernardo Jiménez-Domínguez
aut
1. Introducción
CR
do
Las ciudades latinoamericanas, como afirma Borja (2003), han confun-
dido la urbanización con la sub-urbanización, de ahí la enorme fragmentación
político-administrativa, social y de usos con la consecuente privatización,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
4 Esta es una versión resumida de un texto previo presentado en la Mesa “Gentrificación y el Proyecto de la
Ciudad Creativa Digital, en el Museo Regional de Guadalajara, el 19 de julio de 2018.
or
od V
La CC se ubica en lo que se ha denominado la paradoja entre deseabilidad
aut
urbana y habitabilidad suburbana, presente en conceptos actuales tales como
el de la misma ciudad compacta, pero también en otros relacionados como los
de ciudad creativa, ciudad digital, crecimiento inteligente, comunidad sana,
R
nuevo urbanismo y en conjunto, desarrollo urbano sostenible (DUS). Las
Ciudades Compactas son llamadas también, ciudades inteligentes, creativas,
o
desarrollos orientados al tránsito o pueblos neotradicionales como parte del
aC
or
afrontar las situaciones de crisis. Los líderes urbanos deben estar capacitados
od V
para lidiar con las interconexiones complejas de las nuevas instituciones y
aut
sus asociados. Dicha agenda se extendió a las 17 Metas para el desarrollo
sostenible en 2018 que abarcan el contexto propiciatorio realista para ir mas
allá del discurso tradicional sobre el tema: en primer lugar, acabar con la
R
pobreza en todas sus formas y en todas partes. Luego sigue acabar con el
hambre, lograr la seguridad alimentaria, mejorar la nutrición y promover la
o
agricultura sostenible. En tercer lugar, asegurar vidas saludables y promover
aC
el bienestar para todos y para todas las edades. De ahí se sigue con la inclu-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
desigualdad entre y dentro de los países. Hacer que los asentamientos sean
humanos y las ciudades sean incluyentes, seguros, resilientes y sostenibles.
Asegurar los patrones de producción y consumo sostenibles. Hay que impul-
sar acciones urgentes para combatir el cambio climático y su impacto. La
conservación y uso sostenible de los océanos, mares y recursos marinos para
par
or
e histórica de un enfoque simétrico, integral y sostenible. En ese sentido, la
od V
sostenibilidad urbana es multidimensional y asume una ética de las ciudades
aut
que solo es posible a partir de las personas en su entorno local. Tal como se
planteó en el Fórum Barcelona en 2004, son los residentes los verdaderos
R
activos a ser incluidos en los procesos de revitalización urbana. Por eso
es preciso proteger la identidad cultural y controlar a los agentes inmo-
biliarios para que se adapten a ella y no que pasen por encima con justi-
o
ficaciones puramente especulativas, inmediatistas y unilaterales. O como
aC
or
de forma unilateral que los vecinos estarían conformes con el precio por
od V
encima del mercado vigente que les ofrecía el Ayuntamiento por sus viviendas
aut
o con el plan de convertirse en inversionistas. Pero no fue así, en este lugar
hay ciudadanos que han sido vecinos por más de tres generaciones y se sien-
R
ten satisfechos y orgullosos de vivir ahí. Son conscientes de su patrimonio,
cultura y relaciones de cercanía entre vecinos y con el centro histórico de la
o
ciudad. Priorizan todo lo anterior pese al deterioro creciente de la zona y en
aC
especial del abandono del Parque Morelos. Es decir, a su manera los vecinos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
nada menos que el presidente Calderón− que el nuevo proyecto para la rege-
neración del parque, su entorno demolido y el centro histórico como tal, era
la creación de la Ciudad Creativa Digital con base en un estudio realizado
por el MIT en el que se seleccionó a la ciudad como el espacio más adecuado
par
nectada y con arcos coloniales para ubicar la nueva ciudad creativa digital.
En una entrevista, Carlo Ratti director del SENSEable City Lab del MIT y
diseñador en jefe del proyecto de la CCD, reconoció que tiene que ser un
proyecto efectivo de regeneración urbana, que tiene que estar relacionado
or
Pasemos del concepto, la promoción empresarial y los planes de desarro-
od V
llo de la CCD vista desde el MIT, a los problemas situados una vez el proyecto
aut
fue presentado por el presidente en turno el 30 de enero de 2012. El primer
problema es que el presidente mismo señaló que se impulsaría a partir de pro-
gramas de dependencias federales como el programa para el desarrollo de la
R
industria del software, programa de promoción de innovación tecnológica, el
CONACYT, BANOBRAS, CONACULTA, Secretaría de Educación Pública,
o
pero a la hora del cabildeo para gestionar los recursos indispensables para
aC
dar inicio a las obras, argumentó que se le cruzó el cambio de gobierno. Se
nos de esos predios enfrentan juicios porque los dueños exigieron mayor
pago. Muchas viviendas fueron derrumbadas, adquiridas a bajos precios por
agencias inmobiliarias y revendidas al ayuntamiento de Guadalajara a un
ão
or
pocas décadas con el propósito de generar ambientes sustentables a tra-
od V
vés de la eficiencia energética a lo que se han sumado las tecnologías de
aut
la información como directriz de su desarrollo. La CCD de Guadalajara se
propone integrar según sus metas, infraestructura y sistemas de conectividad,
sensores, recolección y análisis de datos para comprender su funcionamiento
R
y así poder brindar una mejor calidad de vida a sus habitantes. Dichas deci-
siones informadas están a la base de las metas de la reducción de costos, la
o
eficiencia energética y el mejoramiento en las condiciones de vida urbana.
aC
Por ello, la misma IBM ha definido la ciudad inteligente como aquella en
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
próxima década.
Una vez definido el proyecto desde arriba, diseñado por el MIT, plan-
s
con especialistas sobre una serie amplia y variada de temas relacionados con
la CCD, tales como espacio público, ambiente, equipamiento, infraestructura,
movilidad, vivienda, patrimonio y diseño arquitectónico, que se llevaron a
cabo del 21 de agosto al 2 de octubre de 2012. Los aportes fueron registrados
y se sintetizaron en recomendaciones generales, las cuales resultan en buena
parte difíciles de integrar en el proyecto tal cual, pero además no trascendie-
ron o se fue más allá de hacer la consulta y colgar la síntesis. Es decir, los
or
especialistas y la ciudadanía y vecinos convocados no fueron integrados al
od V
proyecto, difícilmente se puede decir que se integrarán sus aportes, y el pro-
aut
yecto continúa su marcha tal como aparece definido en el sitio. Veamos las
recomendaciones generales que surgieron de las mesas y veremos que hay un
eje común que gira alrededor de lo local y la población afectada:
1. R
Mejorar la calidad de vida de vecinos y usuarios del centro histórico.
o
2. Repoblar sin desplazar a las poblaciones actuales.
aC
3. Integrar a las personas en situación de calle.
ser sustentable.
9. Los espacios públicos deben ser regenerados y la calle generar
encuentros y expresiones.
10. El uso del espacio debe ser democrático y garantizar la conectividad
par
en la zona.
11. Mejorar la calidad ambiental de la zona.
Ed
or
1. No entiendo cómo no hablan de la comunidad que está en
od V
los alrededores….
aut
2. Mi casa no se las doy… nuestras casas no aparecen en los planos
del proyecto…
3. Los drenajes no están bien y son muy antiguos…
R
4. En la zona hay deficiencias fuertes… Las tomas de agua en las casas
tienen problemas…
o
aC
La gente que tiene toda una vida en la zona y que ahí mismo trabaja o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
prensa ha informado sobre los malos manejos que se resumen en los siguientes
datos oficiales en julio de 2018 conforme a lo publicado por #44Lab: En las
revisiones de la Auditoría Superior de la Federación, Auditoria Superior del
Estado y Contraloría del Estado se encontraron presuntos pagos por obras
inexistentes, contratación simulada de personal, adjudicaciones directas ile-
par
Como hemos visto hasta aquí, se ve diferente desde arriba, por afuera
s
or
maquilarán por sueldos miserables para convertirlas en productos altamente
od V
cotizados. La diversidad y los contrastes en los diversos ritmos y modos de
aut
vida entre las dos ciudades, la digital y la barrial, parecen desaparecer. Una
evidencia preocupante son los testimonios de las vecinas que encuentran sus
domicilios reemplazados por instalaciones de la CCD en las maquetas que
R
les presentan, lo cual pone en duda el discurso inclusivo de la información
promocional y puramente propagandístico del proyecto, pero más grave aún
o
es que no les puedan dar una explicación lógica al respecto. Tampoco les han
aC
ofrecido comprar sus propiedades, como se hizo en el pasado proyecto de
or
fue acuñado por Ruth Glass (1964) en la introducción de un libro por el Centro
od V
de Estudios Urbanos de UCL al describir lo que llamaba la invasión de los
aut
barrios populares por parte de la clase media y media alta en Londres, lo cual
lleva rápidamente al desplazamiento de la mayoría de pobladores originales.
Dicha segregación del espacio urbano incluye también cambios en el espacio
R
público y el comercio. Como bien lo plantea Clerval (2012), se trata de una
imitación de la ecología urbana de la Escuela de Chicago, la vuelta al centro
o
en lugar de la salida al suburbio vinculada con la reinversión del capital en el
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
centro urbano por parte del sector inmobiliario en alianza con el sector público,
como lo ha explicado Smith (1996), para los inversionistas es una clara opor-
tunidad de ganancias rápidas. Es lo que se ha denominado, acumulación por
expoliación, que a partir del año 2000 se extendió a muchas ciudades en el
visã
mundo como sinónimo de regeneración urbana, ya vimos antes el concepto
de ciudad compacta y sostenibilidad urbana que les sirven de soporte.
De nuevo hay que recordar la Agenda Copenhagen para la que las ciu-
itor
dades sostenibles viables deben ser ciudades participativas en las que la pla-
a re
REFERÊNCIAS
Borja, J. (2003) La ciudad conquistada. Madrid: Alianza Editorial.
or
Clerval, A. (2008). La gentrification a Paris intra-muros: dinamiques spatiales,
od V
rapports et politiques. Tesis de doctorado en geografía. U. de París 1.
aut
Fernández, R. (2000) Gestión ambiental de ciudades. México: PNUMA.
R
Glass, R. (1964). Introduction. In Centre for Urban Studies (Ed.) London:
o
Aspects of Change. London: McKibbon&Kee.
aC
Smith, N. (1996) The new urban frontier: gentrification and the revanchist
Ed
ment. The City of Copenhagen Actions Plan for the Sustainable Development
Goals. The City of Copenhagen Department of Finance.
s
ver
or
V
Beatriz Vilar Lessa
aut
Marcelo de Almeida Ferreri
CR
1. Linhas de acesso a um cotidiano como objeto
do
Este texto5 se volta para tensões produzidas historicamente por trans-
formações socioculturais vividas no cotidiano em diversos povoamentos do
território do Baixo São Francisco sergipano, a partir de uma leitura conceitual
pouco usual para esse assunto: a do dispêndio.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
Os lugares foram percorridos em função da demanda de produção de
laudo pericial – concluído em 2016 – em um caso de apreciação de impacto
ra
socioambiental, pela construção e funcionamento da barragem de Xingó no
i
município de Canindé do São Francisco / SE. As referidas transformações
rev
como caminho de análise. A aposta dessa reflexão é que tal análise permite
acesso a elementos importantes da vida comum do lugar e seus respectivos
E
5 Este texto foi produzido com base na pesquisa Tensões nos modos de vida do Baixo São Francisco e dis-
pêndio: Um estudo sobre o cotidiano ribeirinho, vinculada ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica da Universidade Federal de Sergipe, 2018/2019.
or
modos de vida sem o apoio categórico da antropologia, o acionamento da
od V
noção de dispêndio fora da filosofia da história que o próprio Bataille a ins-
aut
creveu. É, sobretudo, a circulação do interesse em psicologia social longe dos
domínios teóricos e habituais de sua consagrada trajetória, para marcar um
lugar próprio de análise. Uma psicologia que deixou a própria casa e seguiu
R
pela margem do rio, com estranhas companhias. Para mostrar isso primeiro
aparece a região do rio, depois o arranjo conceitual. Ao fim as indicações
o
do caminho.
aC
pelas margens interioranas do rio. No Brasil-Colônia foi chamado rio dos cur-
rais pelo uso deles como estratégia para povoamento das margens e circulação
Ed
or
Francisco, São Francisco e Telha. A população total do território é de 125.193
od V
habitantes, dos quais 52.536 vivem na área rural, o que corresponde a 41,96%
aut
do total. Possui 6.900 agricultores familiares, 907 famílias assentadas e 4
comunidades quilombolas. Seu IDH médio é 0,61 na escala de 1.
R
Ainda através de dados sociodemográficos, a maior parte produzidos
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região apre-
o
senta o menor IDH do estado de Sergipe, abriga apenas pequena parte da
população, tem Produto Interno Bruto (PIB) bastante pequeno, além do que,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
devido à proximidade com o rio, essa região foi considerada região para
desenvolvimento em meados do século passado. A região como um todo
abriga sete comunidades quilombolas e pelo menos treze assentamentos de
visã
reforma agrária, que demandam políticas públicas diferenciadas. Um programa
governamental chamado Territórios da Cidadania do anterior Ministério do
Desenvolvimento Agrário, hoje Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste-
itor
or
práticas, crenças e valores que perpassam as relações entre órgãos estatais,
od V
empresas e grupos comunitários, possível via para conhecer as tensões vividas
aut
na região (MENDONÇA FILHO; ANDRADE, 2016).
Os registros, em seu conjunto, apresentam as idas e vindas de uma
região programada para cumprimento da missão desenvolvimentista histori-
R
camente incumbida. Impressões de organização, ajuste e preparo no trato das
transformações sócio-culturais da região, especialmente das que provêm da
o
intervenção do desenvolvimento regional, emergem como elemento analítico
aC
privilegiado para caracterizar a relação entre Estado, corporações e modo de
dos ribeirinhos.
a re
or
volvimentismo na medida em que as famílias camponesas ficam “na luta acir-
od V
rada pela manutenção da vida” e a miséria é estabelecida, enquanto o capital se
aut
beneficia com grandes rendimentos, atendendo ao mercado (SOUSA, 2011).
Na esteira das alterações acima, Shimada (2011) ressalta que em Ser-
gipe, a economia açucareira, cuja modernização conta ainda com emprego
R
(temporariamente) de grande número de trabalhadores na sua produção, tem
grande destaque. Segundo a autora, a cana-de-açúcar está incorporada na
o
ordenação do agronegócio, se adequando às imposições do mercado, com o
aC
aumento da produção do açúcar e de álcool etílico para agrocombustível. Uma
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Seguindo Bataille, não se discute de forma plena o valor fundamental
od V
da lógica da utilidade, e suas repercussões filosóficas e econômicas para a
aut
ideia do produtivo, da produção, havendo um falseamento do debate e o
questionamento inicial sendo evitado. Para o autor, a discussão da utilidade
R
presente no tipo de pensamento corrente camufla o dispêndio, a perda que
há nas relações produtivas e prestações, elemento fundamental das relações
o
econômicas. De acordo com Bataille, o consumo da atividade humana pode
ser decomposto em dois momentos diferentes. O primeiro diz respeito ao
aC
daquela sociedade. Entretanto, esses fatos sociais são “totais” não porque
abrangem toda a organização social, mas pela força e reverberações dessas
Ed
ele observadas.
ver
or
não é somente para manifestar poder, riqueza e desprendimento que escra-
vos são mortos, que óleos preciosos são queimados, que o cobre é lançado
od V
ao mar e até mesmo casas suntuosas são incendiadas. É também para
aut
sacrificar aos espíritos e aos deuses, em verdade confundidos com suas
encarnações vivas, os portadores de seus títulos, seus aliados iniciados
R
(MAUSS, 2003, p. 206).
o
Mauss ainda atenta para o que ele denominou teoria da esmola, a qual
tem suas bases na concepção moral da dádiva e da fortuna, mas também na
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
início do século XX. Isso porque, como apontado no Ensaio sobre a dádiva,
observa-se valores semelhantes aos do potlatch, em que objetos têm, além
do valor venal, valores afetivos; do mesmo modo que se deve retribuir mais
do que se ganhou. É comum, também que as famílias despendam mais do
par
melhores formas de gestão nas sociedades modernas. Tal nota se deve aos, de
acordo com Mauss, resquícios da noção de valor das economias de sociedades
arcaicas (impregnadas de elementos religiosos e com fortes relações de poder)
s
or
modernas, o dispêndio pagão e os grandes sacrifícios em cultos deram espaço,
od V
com a disseminação do cristianismo, a práticas menos exuberantes, menos
aut
chamativas, mais comedidas em seu acionamento como a esmola livre (a qual
não provoca grandes perdas materiais). Se classicamente era doada pelos ricos
aos mosteiros e igrejas, essa prática encontra lugar no cotidiano, entretanto,
R
estendida para além de sua comunidade religiosa muitas vezes. Desse modo,
se percebe proximidades que o dispêndio vai adquirindo na vida comum.
o
Bataille levou adiante essa inscrição do dispêndio no cotidiano; nomeou
aC
situações e coisas que teriam poder de perda improdutiva na vida de hoje das
arrebatador que faz com que toda a atividade produtiva caminhe na direção
Ed
de sua culminância.
Porém, é necessário estabelecer com que linhas se vê o cotidiano para
amparar esse componente intempestivo do dispêndio. Nesse ponto, Certeau
ão
se liga à astúcia, que “opera golpe por golpe”. A trama das estratégias e táti-
cas configura com primor o âmbito no qual o olhar dirigido ao cotidiano se
concentra: o das práticas.
Para Certeau, no que tange ao cotidiano, “a questão tratada se refere a
modos de operação ou esquemas de ação e não diretamente ao sujeito que
é seu autor e veículo” (CERTEAU, 1994, p. 38). No lance em que retira o
sujeito da centralidade do olhar, o olhar naturalizante da psicologia fica des-
or
locado; no ato seguinte ele vai assinalar o lugar das astúcias como o ponto
od V
privilegiado da pesquisa: “esse trabalho tem, portanto, por objetivo explicitar
aut
as combinatórias de operações (dos consumidores). O cotidiano se inventa
com mil maneiras de caça não autorizada” (CERTEAU, 1994, p. 38). Desse
modo fica caracterizado a maneira como o cotidiano vira terreno de conflitos,
R
longe da paz de uma duradoura mesmice.
A aproximação entre dispêndio e cotidiano traçados dessa forma é pro-
o
missora e, ao mesmo tempo, perigosa. Não há encaixe mecânico e harmônico
aC
entre os termos, já que esses aportes conceituais se mexem em registros, ao
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
combinação conceitual tão arisca? Qual ajuste de termos possível para isso?
Não se trata, portanto, de meras aplicações conceituais; algum artesanato se
Ed
ceitual favorece que apareça o plano de ações como âmbito por excelência
ver
or
ria), destrutivo nesse ponto, seja porque outro autor referenda práticas não
od V
autorizadas de consumo, pela artimanha de subverter o modo pré-concebido
aut
de uso das coisas. Por uma via ou outra é a dominação que se vê alijada de
suas possibilidades expansionistas.
Mas, indicadas essas linhas, como se chega ao que se vê da região ribei-
R
rinha? Como ver o Baixo São Francisco nessa pequena engenhoca conceitual?
Nesse ponto, algumas apostas que seriam, então, irresistíveis: que o lugar
o
não seja propriamente passivo em relação às encomendas desenvolvimen-
aC
tual tornaria visível uma gama de ações inscritas no próprio âmbito da vida
a re
precarizada das relações de trabalho, para mostrar algo mais que a produção
massiva de dependência. Dessa forma, apontar para uma parte do cotidiano
em que atividades deixadas de lado pela visão econômica dominante, porque
improdutivas ou impróprias, assumem protagonismo para conhecer a vida do
par
lugar, a habitação da beira do rio. Indicações, não mais que apostas... fazer o
(im)possível ganhar pernas e andar pelas margens do São Francisco sergipano.
Ed
ão s
ver
REFERÊNCIAS
BATAILLE, George. A parte maldita: precedida de ‘a noção de dispêndio’.
2. ed. rev. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.
or
RJ: Vozes, 1994. v. 1.
od V
LEITE, Rogério P. A Inversão do Cotidiano: Práticas Sociais e Rupturas na
aut
Vida Urbana Contemporânea. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro,
v. 53, n. 3, p. 737-756, 2010.
R
MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas socieda-
o
des arcaicas. In: Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:12:58
O TEMPO, A JUVENTUDE E O
PRECÁRIO – REFLEXÕES SOBRE
AS (IM)POSSIBILIDADES DE UMA
or
VIDA LIVRE, ÉTICA E BELA
V
aut
Iolete Ribeiro da Silva
Enio de Souza Tavares
CR
do
1. Introdução
Um texto que se propõe a falar de tempo recai sobre uma questão ampla
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
e complexa. Muito embora a provocação não seja de se pensar o tempo como
categoria, mas o tempo em que estamos vivendo, e pensá-lo como precário. No
ra
entanto, entendemos que uma boa reflexão sobre o tempo se liga diretamente
ao nosso tema e, em especial, ao tempo do ponto de vista psicológico que é
i
o campo de onde queremos falar inicialmente. Para tanto, começamos por
rev
liams, entre outros. Não citaremos uma publicação específica desses autores
por sua posição a esse respeito ser algo que acompanhas suas respectivas
obras. Estes autores, inclusive, sendo bastante influenciados pela teoria das
relações objetais, na qual Melanie Klein tem papel fundamental. Outra forma
de olhar a conjuntura do nosso tempo será a tentativa rápida de refletir sobre
a reforma do ensino médio a ser instaurada em nosso país, neste tempo.
Nossa hipótese é de que a subjetividade forjada na escolarização proposta
pela reforma do ensino médio retira do sujeito estudante, que é o sujeito
cidadão e o sujeito psicológico ao mesmo tempo, recursos importantes para
lidar com a vida e com a precariedade próprias desse tempo, e, de forma geral,
or
od V
Iniciamos nosso caminho falando da subjetividade por intermédio da
aut
teoria psicanalítica kleiniana. A psicanálise foi a primeira no campo psi a
resgatar a subjetividade como objeto importante (PRADO FILHO; MAR-
R
TINS, 2007), na contramão de outras teorias, as quais, no afã de contribuir
para a cientificidade de psicologia, de-subjetivava e expurgava a experiência
o
psi de tudo o que era sinônimo de erro, paixões, vícios, ou seja, a própria
subjetividade (FIGUEIREDO, 1997; GONZÁLEZ REY, 2007, 2002), prin-
aC
momento de sua obra (Em A hermenêutica do sujeito) ele fala do homem grego
antigo e da necessidade que se propagava de o cidadão grego cuidar-se de si
ão
mesmo. Não está voltado para si, mas para uma imagem que criou de si com
uma qualidade de beleza e inteligência que são incapazes de tocar a realidade
multifacetada de qualquer experiência subjetiva.
Iniciamos enfatizando como que essa “defesa da psicanálise” ou seu
elogio por acharmos que o projeto da reforma do ensino médio atual como
um cenário que estamos tentando analisar aqui, muito próximo do modelo de
homem mecânico, sem desejo, e coincidente consigo mesmo que é subjeti-
or
vado no auge da modernidade cientifica (FIGUEIREDO, 2004). Entendemos
od V
que a lógica por trás da reforma do ensino médio se coaduna com aqueles
aut
pressupostos modernos, sem deixar de conter especificidades e interesses
específicos deste tempo. Assim seguimos a desenvolver a metáfora sugerida
por Melanie Klein.
R
A psicanálise kleiniana, diferente da produção freudiana, vai pensar o
desenvolvimento do psiquismo em termos de duas posições. Essas “posições
o
psíquicas” descrevem o tipo de funcionamento ou estado de funcionamento no
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mente maus e persecutórios (a mãe má, seio mau). Disso já podemos pensar
a re
como deva ser difícil alguém que encena psiquicamente esse funcionamento
na vida adulta, tomando o mundo como dividido em bom ou ruim, sem ter
condições de olhá-lo com maior riqueza.
Dizemos que na posição esquizoparanóide o sujeito não tem recurso para
par
Essas são as formas mais infantis 6 que temos de lidar com a vida. Se
ver
6 O termo infantil aqui é apenas utilizado segundo a visão kleiniana e entendemos que é carregado de valor
adultocêntrico, posição do qual somos críticos. Decidimos manter o termo pela coerência teórica e também
pela possibilidade de refletirmos sobre o mal-estar que este termo pode eventualmente produzir no leitor
or
A história corre no tempo e é em uma posição mais amadurecida como é
od V
o caso da posição depressiva que, ao lamentar a realidade, inventa-se um jeito
aut
mais rico de lidar com ela. A recriação da história é recurso mais primitivo.
Na posição depressiva há um sujeito intérprete, produtor de sentidos, sujeito
que decide também sobre o insalubre e sobre os dissabores. Esse sujeito que
R
é uma conquista da posição depressiva também é o sujeito que é capaz de
decidir com relativa autonomia, capaz de tolerar em si também uma certa
o
negatividade, o que consideramos ser algo importante na conquista da liber-
aC
(OGDEN, 2017)
Ed
[...] para Klein ainda não existe uma pessoa intérprete da própria expe-
riência. Também ainda não existe um “eu”. A posição esquizoparanoide
é o domínio do “isso”, apesar de não ser exclusivamente o domínio do
ão
como produziu nos autores. O mesmo se aplica ao termo primitivo, específico teoricamente por significar
algo que se instaurou mais precocemente no desenvolvimento de um indivíduo.
or
que tenho de mim mesmo é...”. O self na posição esquizoparanoide é uma
self-objeto, não um self criador e intérprete de pensamentos, sentimentos,
od V
percepções e análogos. o self-objeto corresponde ao self não falado e não
aut
reflexivo na frase “Está quente” (em oposição a “Estou ciente de que me
parece quente), ou “Ele é perigoso” (em vez de “Estou ciente de que o
R
vejo como perigoso”) (OGDEN, 2009, p. 57-58).
o
rização e de institucionalização, de modo geral, como esse processo de for-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mação de pessoas não reflexivas, não intérprete das suas próprias realidades.
Embora estejamos fazendo uma conceitualização dentro do escopo de uma
teoria que se funda mais no determinismo psíquico e a teoria se reafirme na
visã
clínica individual (que é por excelência o campo da psicanálise) como uma
verdade, ela pode ser cartografada no corpo social de produção da subjetivi-
dade e seus agenciamentos, até mesmo se tomarmos emprestado o conceito
de inconsciente maquínico de Guattari (1988), como esse inconsciente não
itor
plos que me fogem agora. Mas somente pra pensarmos nos processo educa-
tivos, mesmo depois de conhecermos as ideias de Wallon (GALVÃO, 2013)
ver
que afirma que a agitação das crianças em sala de aula muitas vezes é o pré-
-requisito para que a aprendizagem aconteça com sucesso, não somos capazes
de em nossas escolas destinadas à infância incorporar esses fenômenos como
parte de um processo saudável e inerente ao aprender.
or
(2009) sobre os dispositivos de adestramentos e a formação dos corpos dóceis
od V
e ainda tão atual e aplicáveis às nossas instituições de ensino.
aut
3. Denunciando o mundo: o que significa ensinar? Como
R
ensinamos? O que ensinamos? Por que ensinamos?
o
O significado de ensinar descolado do processo de aprender, leva a sig-
nificações muito específicas que organizam essa prática. Ensinar tem sido
aC
O diálogo como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir,
Ed
puros, donos da verdade e do saber, para quem todos os que estão fora
são “essa gente”, ou são “nativos inferiores”?
Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de
homens seletos e que a presença das massas na história é sinal de sua
deterioração que devo evitar?
or
tiva, interventora, que quebra, desfaz e refaz a realidade. Quem não pode usar
(pronunciar, denunciar, problematizar, etc) se encontra em estado de opressão.
od V
Pensamos que Freire usa o termo pronúncia do mundo de modo parecido com
aut
a poética. Pronunciar é criar. Se alguém acredita não poder inventar uma outra
vida além da que já conhece e sabe, deste lugar não poderão sair facilmente
R
mudanças em níveis individuais e nem alcançaram o nível do coletivo.
o
Se alguém não é capaz de sentir-se ou saber-se tão homem quanto os outros,
aC
é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
com eles. Neste lugar de encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios
absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais [...].
A fé nos homens é um dado a priori do diálogo. Por isto existe antes mesmo
visã
de que ele se instale. O homem dialógico tem fé nos homens antes de
encontrar-se frente a frente com eles (FREIRE, 2011, p. 112).
Desta forma, à esteira de Freire pensamos ser difícil (para sermos genero-
itor
sos com as palavras) um outro modo de subjetivação onde os jovens sejam par-
a re
cientifica uma negação dos saberes da juventude. Os jovens não têm o que
Ed
dizer, não são vistos como capazes de exercer sua liberdade, de modo geral
são vistos como naturalmente rebeldes e tais características podendo ser expli-
cáveis em termos de uma certa normalidade. Como se fossem características
ão
por outro como um determinismo psíquico que vislumbra como natural esse
ver
or
não tem lugar de intérprete. Ele é depósito, não é reconhecido como um outro
od V
“eu” que ressignifica e faz operações sobre o que é dito ou lido. Esse não
aut
reconhecimento sugere o tipo de conteúdo a ser que deve ser transmitido: o
conteúdo duro da matemática e da gramática normativa. Pegando carona neste
gancho, podemos pensar nas consequências subjetivas da atual reforma do
R
ensino médio, como produto da medida 746 de 2016, que torna facultativo
os componentes curriculares ligado às humanidades. Tal reforma já pode ser
o
criticada pelas concepções que adotamos aqui pela própria falta de diálogo
aC
que houve na sua proposição. A sociedade não foi amplamente convocada
parece é que a reforma apresenta uma aparente abertura para que o estudante
a re
possa escolher, mas no final das contas essa escolha será sempre pressionada
pelas possibilidades de construção de itinerários composto por disciplinas que
puderem ser oferecidos nas diferentes escolas e planejadas pelos diferentes
sistemas de ensino nos estados. Além do mais a própria lógica de acesso ao
ensino superior, força os estudantes a optarem por determinadas disciplinas
par
subjetiva, no mundo das relações, nos tempos precários, nos tempos de crise
ver
formas de vida, abrir as portas para as outros discursos que expliquem a vida
no seu devir e no que ela tem de indeterminado. Como pensamos do ponto
de vista da psicologia, pensamos que aí se assentam os fundamentos do que
podemos chamar de saúde psíquica: a possibilidade de um repertório rico
para explicar a vida e nos tornarmos intérpretes com mais recursos internos.
Pensamos nisso do que lugar que falamos porque nos diversos espaços
por onde temos contato com a juventude desde a socioeducação, nas escolas
or
públicas e no espaço da clínica psicológica, vimos crescer o índice de ado-
od V
lescentes e jovens de modo geral com uma certa incompetência interna de
aut
negociar com a vida, chegando frequentemente à automutilação e à ideações
suicidas ou, infelizmente à tentativas de suicídio e ao próprio suicídio. Esta
realidade não é novidade pra ninguém e não é notícia apenas para os profis-
sionais da saúde.
R
Nossa denúncia do mundo, para usar o termo freiriano, se localiza com
o
indagação sobre as relações entre a atual escolarização e a falta de recursos
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que todos nós, não só a juventude, temos pra negociar com a vida. Em uma
sociedade escolarizada, qual o papel da sociedade nesse processo? E quais as
potencias de transformação do cenário social que a própria escola pode ter?
Entendemos que o enfretamento de tempos difíceis, social ou individual-
visã
mente, exige uma capacidade de construir novos caminhos na produção da
subjetividade, tomando essa produção não como algo somente do indivíduo,
mas que tem a ver com a sociedade e seus agenciadores. Motivado por isso
itor
ou pelo menos sem determinar como ser e conhecer o saber exige o retorno
de cada um a si mesmo e o trabalho de construção de um modo diferente
de perceber-se ou de ser percebido pelo outro.
s
or
em que o modo de produção da subjetividade se caracterizava por outros
patamares e a relação que o sujeito estabelecia consigo tinha uma convoca-
od V
ção muito especifica: voltar-se para si. O convite do grego arcaico presente
aut
na religião grega e depois na filosofia, passando pela cultura romana era de
um cuidado para consigo mesmo (cura sui). Ao fazer sua história, Foucault
R
reflete sobre como os antigos tinham uma relação muito diferenciada daquela
que hoje temos em um mundo cristianizado e ocidental, onde o apelo mais
o
forte é o da renúncia de si.
aC
Já pensando na relação que isso pode ser estabelecida com as práticas
essa obediência tem um fim bem definido, um fim que é exterior a ela
[...] Segundo a direção antiga supõe, de parte do mestre, certa forma de
Ed
or
nosso próprio projeto de sociedade ou pelo seria bom que assim o fizéssemos.
od V
Bion ao longo de sua obra aponta que grande parte da construção do
aut
sujeito psíquico (tomado em Bion não como assujeitado), aquele que é intér-
prete e que se dá da passagem da posição esquizoparanoide para a posição
depressiva, se deve às capacidades da mãe de conter as vivências da criança
R
(GROTSTEIN, 2017). Um paralelo se dá na prática clínica em que o terapeuta
ou analista funciona como esse continente-mãe ou mãe-continente. Me parece
o
que o que Bion narra serve como metáfora para as relações estabelecidas entre
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
na sua vida, não o tomava apenas como objeto de seus interesses sexuais, era
a re
de construir uma vida que seja bela para si pela conquista da sua liberdade.
Por vida bela gregos tomam aquela vida feita produzida por cada um, por
que cada um saberia o que é melhor para si, por estar sempre voltado para si,
s
das práticas de si por meio das quais “[...]os homens não apenas se fixam em
regras de conduta, mas buscam a transformar-se a si próprios em seu ser sin-
gular e fazer de sua vida uma obra de arte que possui certos valores estéticos
e que responde a certos critérios de estilo” (DUARTE, 2016, p. 39)
or
em obra de arte (p. 39).
od V
Por esta razão, Foucault aponta que o sujeito ético, aquele que conse-
aut
gue fazer escolhas, é também o sujeito livre. Segundo Foucault “A liberdade
é a condição ontológica da ética. Mas a ética é a forma refletida assumida
R
pela liberdade (2006, p. 267)”. Na sua visão, a liberdade corresponde a uma
agonística, ou seja, conquistada por meio de um esforço, de uma luta entre as
o
forças do querer e as práticas da liberdade (CANDIOTTO, 2016)
aC
Nesse sentido que retomamos também a ideia de capacidade negativa
de toda forma de prazer, onde não cabe afetos diversos como a tristeza. E de
a re
sões dessa convocação e quem poderia viver o cuidado de si nos faz pensar
ver
Assim o cuidado de si, o retorno para si era algo para ser vivenciado
desde muito jovem ou para ser pensado por quem queria governar os outros,
sendo também algo que se deveria tomar como premissa quando se estivesse
chegado à vida adulta, como foi o caso de Alcibíades. No seu encontro com
Sócrates. Também alguns grupos entendiam que o retorno a si só poderia ser
vivido por quem tinha privilégios e não precisava trabalhar ou ter outra ocupa-
ção, sendo um apelo que, embora direcionado à todos, poucos realmente teriam
or
condições de vivenciar. Depois o apelo era voltado para quem já era ancião,
od V
voltando, posteriormente, o apelo a todo mundo e em qualquer condição.
aut
Estimulado por essa característica histórica é que pensamos em que
sentido podemos pensar uma vida bela e artista, nos termos gregos, uma vida
estética, e livre. Pesamos que olhar apenas para o indivíduo seria a reprodução
R
dos ideais da filosofia liberal e capitalística. Não achamos que a aposta de
Foucault, tenha esse viés, apesar de muitas vezes ele o seja assim pensado.
o
Evidentemente que tal crítica desconhece às duras palavras do filósofo a
aC
respeito do sistema e do capital.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Pensamos, então, numa via que seja compatível com nosso tempo, com
os recursos que temos construído neste momento histórico e optamos por
pensar em uma reflexão que leva em conta as ideias em torno do conceito
visã
da promoção da saúde. Pensando que as reflexões e iniciativas em torno
da temática da promoção da saúde compõe um cenário pensado nos nossos
tempos como forma de enfretamento da precariedade da vida e das aborda-
itor
chamar de vida bela, tomando o conceito amplo de saúde, o qual leva em conta
o ser humano como um todo: como um ser biológico, psíquico, social, histó-
rico, cultural e espiritual. Desta maneira, segundo o paradigma da promoção
s
da saúde preconiza que não basta o indivíduo fazer escolher saudáveis, ele
ver
precisa ter a opção de fazer essa escolha. Por esta razão o fazer e o pensar
da promoção da saúde sempre implica um comprometimento intersetorial.
Pensar em saúde é pensar em engenharia de trânsito, em educação, arquitetura
urbana, economia, entretenimento e lazer, segurança pública, administração
sanitária e demais setores.
Pensamos isso por acharmos que o sujeito escolhe dentro dos limites e
das possibilidades dadas pelo contexto. Nossos contextos precisam possibilitar
a experiencia da liberdade e da construção de uma vida ética. No entanto, não
conseguimos pensar na construção desse sujeito ético sem considerar que pre-
cisamos construir como sociedade um ethos mais solidário. Alguns filósofos,
inclusive Foucault, chama atenção para a amizade como um caminho possível.
A amizade é espaço de experimentação, caminho para ética. Evidente-
or
mente que o filósofo fala da amizade tendo como pano de fundo a experiência
od V
homossexual como protótipo de um tipo de vinculação que seria ao mesmo
aut
tempo não fusional como o amor e vinculação que permite vários arranjos
relacionais, para além dos já sabidos. Um território de novas possibilidades.
Acreditamos seriamente que a criação de experiencia de amizade não só entre
R
jovens, mas entre gerações diferentes pode ser um contexto favorável para a
produção de novas formas de subjetivação que sejam também formas de resis-
o
tências frente aos tempos precários. Locais (não necessariamente físicos) onde
aC
nisso o melhor sabor, seu melhor tempero, nos diversos arranjos e gostos que
a re
podem ter. mas não isolados, abraçados por uma comunidade aberta para
experiências de liberdade. Talvez, um devaneio, mas o que Foucault tem nos
ensinado na sua obra tem sido muito isso: não devemos apenas ficar tentando
entender o que somos, mas essencialmente nos tornamos sempre outra coisa.
par
E neste processo, imaginar tem uma função crucial, função inventiva, criadora
e produtora de uma nova forma de viver, de existir e de produzir sentidos.
Ed
ão s
ver
REFERÊNCIAS
CANDIOTTO, C. Práticas de subjetivação e experiência da sexualidade em
M. Foucault: sobre O uso dos prazeres e O cuidado de si. In: RESENDE,
H. (Org.). Michel Foucault: Política – pensamento e ação. Belo Horizonte:
Autêntica, 2016.
or
CARVALHO, W. L. Pensar a educação a partir de Foucault: do humanismo
od V
ao cuidado de si. São Paulo: Loyola, 2014.
aut
DUARTE, A. Foucault e os coletivos políticos: novas formas de vida para além
R
do sujeito identitário de direitos. In: RESENDE, H. (Org.). Michel Foucault:
Política – pensamento e ação. Belo Horizonte: Autêntica, 2016.
o
aC
FIGUEIREDO, L. C. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
______. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. 36. ed. Tradução
de Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 2009.
ão
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
s
or
od V
PRADO FILHO, K.; MARTINS, S. A subjetividade como objeto da(s)
aut
psicologia(s). Psicol. Soc. Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 14-19, dez. 2007.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
d=S0102-71822007000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em : 11 dez.
R
2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822007000300003.
o
aC
or
V
Louine Costa Lima Cruvinel
aut
Cristiane Souza Borzuk
Andressa Cabral Domingues
1. Introdução
CR
do
No atual cenário político é possível perceber a ascensão de líderes nos
países ocidentais que defendem governos autoritários. Podemos afirmar que
esses líderes representam parte da população que, de forma democrática, lhes
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
deram poder. Segundo Carone (2012), a ascendência de líderes com estas
características tende a se fortalecer em momentos de instabilidade política e
ra
econômica, como uma alternativa para mudança. Neste cenário de instabili-
dade política, econômica e de valores sociais, podemos perceber a disposição
i
dos indivíduos para aderir e concordar com princípios autoritários.
rev
or
da propaganda antidemocrática e da personalidade autoritária, na busca por
mecanismos psicológicos e sociais envolvidos neste processo. Por meio de
od V
suas contribuições, é possível uma compreensão abrangente da relação estabe-
aut
lecida entre líderes e seguidores, principalmente pela descrição de uma série
de elementos com o caráter de manipulação inconsciente predominante na
R
propaganda antidemocrática. Considerando o quadro político instável carac-
terístico da ascensão e consolidação de movimentos antidemocráticos, e a
o
delicada situação em que o Brasil atravessa atualmente, a intenção deste texto
aC
é contribuir, do ponto de vista da psicologia social, para a compreensão dos
or
A partir desse ano, surgiu toda uma literatura que tinha como propósito
a resposta à pergunta: “quais os mecanismos psicanalíticos que explicam a
od V
onipotência da ideologia burguesa?” (Rouanet, p. 15). No movimento psi-
aut
canalítico, Siegfried Bernfeld, Otto Fenichel e Paul Federn demonstraram
interesse nesta articulação, mas foi Reich o seu “proponente mais vociferante”
(Jay, 2008, p. 133).
R
Neste mesmo movimento, pode-se localizar o trabalho desenvolvido
o
pelos membros do Instituto para Pesquisa Social, da Universidade de Frank-
aC
furt, no período compreendido sob a direção de Horkheimer. Segundo Jay
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Que ligações podem ser estabelecidas num grupo social específico, numa
época específica, em países específicos, entre o papel econômico desse
grupo, as mudanças na estrutura psíquica de seus membros e os pensa-
mentos e instituições que são um produto dessa sociedade e que têm, como
par
beram que a classe operária não foi capaz de cumprir seu papel como Marx
concluía em seus estudos. De acordo com Jay (2008), Marx considerava que
s
a revolução poderia partir apenas da classe operária. Como esse papel não
ver
8 Trecho da conferência intitulada Sobre a Psicologia da Política (Zur Psychologie der Politik). Citado por
Rouanet, p. 15.
9 Citado por Slater, p. 28.
or
(Jay, 2008, p. 1310).
od V
Os pesquisadores perceberam a falta de um elo psicológico para com-
aut
preensão da disposição da classe operária em continuar sendo oprimida, o
que pôde ser suprida pela inserção da psicanálise nas pesquisas posteriores.
R
7. A pesquisa sobre A Personalidade Autoritária
o
aC
Realizada no final da Segunda Guerra, a pesquisa intitulada La Perso-
or
de procesos históricos como de acontecimientos sociales del momento.
Dichas ideologías ejercen sobre cada indivíduo diferente grado de atrac-
od V
cíon, lo cual depende de sus necesidades y de la medida en que éstas son
aut
satisfechas or frustradas (Adorno, t. et al., 1965, p. 28)
R
Logo na introdução, Adorno et al. (1965) afirmam que os indivíduos
não expressam as tendências antidemocráticas do mesmo modo. Alguns acei-
tam a propaganda antidemocrática de imediato, outros esperam para aceitar
o
depois que se torna um movimento forte e outras pessoas não aceitam (p.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
también de las predisposiciones que se le opongan. Las fuerzas inhibidas
de la personalidad se encuentran en niveles más profundos que aquellas
od V
que se expresan inmediata y constantemente en un comportamiento franco
aut
(Adorno, et al., 1965, p. 30).
R
Se é verdade, como afirmam Adorno et al. (1965, p. 30), que a perso-
nalidade é uma organização mais ou menos permanente das forças internas
do indivíduo, e que estas forças contribuem para determinar a resposta deste
o
indivíduo diante das diversas situações com que se defronta, ela é, por sua
aC
or
natural e necessário. Além disso, em nossa organização social, as tendências
od V
sádicas e masoquistas encontram gratificações. Essas gratificações possuem
aut
uma relação com as resoluções de conflitos no complexo de Édipo. De uma
forma simplificada, o amor que a criança sente pela mãe se torna um tabu,
geralmente barrado pela figura do pai. A criança passa a odiar o pai, esse ódio
R
se transforma em amor por meio de formações reativas. Essa transformação
leva a um tipo particular de superego.
o
Na Síndrome Autoritária, a conversão de ódio em amor é uma tarefa
aC
difícil e não possui bom êxito. Parte da agressividade sentida é absorvida
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
esse indivíduo pode se tornar capaz de atacar quem considera fraco e se presta
a re
or
de comunicação de massa passam a influenciar decisivamente as crianças e
od V
jovens com ideais e valores que beiram a perfeição, assim a família não possui
aut
condições de competir com a indústria cultural (1990, p. 151).
Para o autor, a influência direta de valores externos torna os superegos
R
mais frágeis. O ódio que, antes, na constituição da personalidade autoritária,
era dirigida ao pai, passa a não ter um objeto específico, podendo direcioná-
-lo a tudo. Com os diversos modelos de identificação que a criança passa a
o
ter, o ego é construído de forma frágil, possui dificuldades na formação do
aC
interior, ódio reprimido sem limites, desejos orais não satisfeitos, dependência
a re
9. Considerações finais
or
personalidade que favorecem a adesão a tendências antidemocráticas. É notá-
od V
vel que o surgimento de movimentos do tipo totalitário emerja em momentos
aut
conturbados da sociedade, em que a política, a economia e a cultura estejam
passando por mudanças, mas são fatores subjetivos, como as características
R
de personalidade dos indivíduos, que favorecem a adesão ou não a estes
movimentos. Características da personalidade que contribuem para a adesão
a movimentos antidemocráticos foram encontradas nos sujeitos da pesquisa
o
sobre a personalidade autoritária, entre elas estão a falta de motivações racio-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
característica aceitam “falácias” como verdade, sem passar por uma análise
crítica e ponderar se as informações recebidas correspondem à realidade. A
intenção deste trabalho, ao apresentar os elementos constituintes da existência
subjetiva dos indivíduos que possuem disposições para aderirem a tendências
par
REFERÊNCIAS
Adorno, T. (1965). et al. La personalidad autoritária. Buenos Aires.
or
net/revistas/index.php/rsr/article/view/2carone2/9.
od V
Crochík, J. L. (1990). A personalidade narcisista segundo a Escola de Frank-
aut
furt e a ideologia da racionalidade tecnológica. Psicologia-USP, São Paulo.
1(2),141-154.
R
Jay, M. (2008). A imaginação Dialética: História da escola de Frankfurt e
o
do instituto de pesquisas sociais 1923-1950. Rio de Janeiro. Contraponto.
aC
Senra, R. (2017). ‘Sou nazista, sim’: o protesto da extrema direita dos EUA
contra negros, imigrantes, gays e judeus. BBC Brasil, Charlottesville, Encon-
a re
or
José Araújo de Brito Neto
Flávia Cristina Silveira Lemos
V
Luanna Tomaz de Souza
aut
1. Introdução
CR
O presente artigo visa analisar a política de drogas no Brasil e as per-
do
manências de uma racionalidade autoritária de justiça penal. Para tanto, será
apresentada uma análise dialética e histórica que destaca os conflitos que
se delinearam a partir da expansão da política contra as drogas, no Brasil,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
tomando como base pesquisa bibliográfica e documental. O tema da proi-
bição das drogas é de extrema relevância na medida em que o tráfico de
drogas é o crime que mais encarcera no país, aumentando 339% desde a
ra
Lei 11.343/200610. Torna-se fundamental, nesse contexto, compreender a atual
i
política de drogas implementada no Brasil. A chamada “guerra às drogas”
rev
(1998, p. 123): “[...] sejam eles jovens negros e pobres das favelas do Rio de
Janeiro, sejam camponeses colombianos, sejam imigrantes indesejáveis no
Hemisfério Norte”.
Esse autoritarismo penal não contribuiu para inibir o consumo, pelo
contrário, e ainda ampliou o encarceramento e construiu uma lógica que
aperfeiçoou o viés punitivo do sistema penal. No Brasil, a transição demo-
crática brasileira esbarrou em enorme dificuldade de inserir a justiça penal
or
(PASTANA, 2009). Observa-se, na prática, uma forte resistência do campo
od V
jurídico penal em assumir a sua responsabilidade política na consolidação
aut
democrática o que ajusta-se ao projeto neoliberal também em curso no país
de suprimir ao máximo direitos previstos em lei reafirmando um discurso
que amplia o controle do Estado sobre os indivíduos para suposto controle
da criminalidade.
R
o
2. A guerra as drogas e o proibicionismo no Brasil
aC
assim um enorme “poço” que separava as elites letradas das camadas mais
baixas da população. Já na República, em 1890, com a aprovação do primeiro
Código Penal Republicano, foi tornado crime contra saúde pública a venda
ão
11 Em 1830, foi instituída pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a Lei do Pito do Pango, na qual prelecionava
que: "É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os
contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele
usarem, em três dias de cadeia. "
or
delito “expor à venda, ou ministrar, substâncias venenosas sem legítima
autorização e sem as formalidades prescriptas nos regulamentos sanitá-
od V
rios”. Submetendo o infrator à pena de multa.
aut
Esse período do começo da República foi caracterizado por grandes
R
transformações socioeconômico-político-culturais, de maneira que o país,
que antes era sustentado pelo sistema escravocrata, naquele momento passa
o
a adequar-se ao sistema assalariado. As pessoas escravizadas passam a ser
consideradas “libertas”, porém, sem nenhuma assistência, vindo a contribuir
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Esse descaso com o negro gerou problemas sociais sérios. Os poucos que
visã
tinham alguma profissão faziam biscates (bicos), comiam e dormiam onde
fosse possível. Outros iam sendo forçados à marginalidade, vivendo do
roubo ou da caridade pública, embriagando-se. Alguns foram vitimados
pela tuberculose ou por outras doenças, favorecendo, dessa forma, a orga-
itor
pital Psiquiátrico D. Pedro II, os asilos São Vicente de Paula, entre outros.
(RAMOS, 2012). Era o chamado higienismo, que, desde 1900, estava na pauta
principal da condução do Estado. Nesse mesmo período, é importante frisar
Ed
inclusive ocorrer, por meio desse documento, sua internação, requerida pelo
mesmo, por sua família ou pelo próprio judiciário (FIORE, 2005).
No Brasil, se assistia a emergência de um contexto de higienização social.
O Código Sanitário da República de 1890 disciplinava o uso do espaço urbano
segundo padrões europeus, condenando o uso público de drogas. Na década
or
nhado aos Estados Unidos.
od V
Adiante, observa-se que paulatinamente a legislação brasileira assume
aut
um papel de seletividade com relação ao consumo de drogas com foco na
população negra. Faz-se constatar que, mesmo com o advento do higienismo
e da influência das legislações mundiais, a elite consumidora será excluída,
R
de fato, desse processo de proibição do consumo.
Sobre o aspecto da legislação, houve a Consolidação das Leis Penais,
o
em 1932, sendo alterado o caput do artigo 159 do Código de 1890, acrescendo-
aC
lhe doze parágrafos e a previsão de prisão celular. Ocorreu então a substituição
12 A Convenção Internacional do Ópio, assinada em Haia em 23 de janeiro de 1912, durante a Primeira Con-
ferência Internacional do Ópio, foi o primeiro tratado internacional de controle de drogas.
or
GUES, 2002). A ditadura varguista, entre 1937 e 1945, teve também forte
influência moral na construção do imaginário sobre a droga e a marginalidade
od V
da população pobre. Com a “dignificação” do trabalho, o adestramento dos
aut
corpos pelos padrões de normalidades sociais, as parcelas marginalizadas da
população foram facilmente estigmatizadas, originando o exemplo do “crime”
R
de vadiagem, sempre previsto no ordenamento jurídico brasileiro, entretanto,
ganhando força nesse período, com sua alocação na lei de contravenções
o
penais, em 1940.13 Nesse mesmo sentido, é publicado o Código Penal, atra-
aC
vés do Decreto-Lei n.2.848/40, sendo previsto na epígrafe do seu artigo 281
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
um discurso autoritário e estigmatizador do usuário de drogas. A Lei n. 4.451
de 04 de novembro de 1964 alterou a redação do artigo 281 do Código Penal
od V
Brasileiro incriminando o plantio de substâncias entorpecentes e confirmando
aut
o proibicionismo no que se relaciona ao porte, instigação e comércio de subs-
tância entorpecente em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.
R
Por conseguinte, foi editado o Decreto-Lei n. 159/67 igualando os
entorpecentes às substâncias capazes de determinar a dependência física e/
o
ou psíquica. Em 1968, foi publicado o Decreto-Lei n. 385, que, contrariando
aC
a orientação internacional, rompeu com o discurso da diferenciação e crimi-
or
visou à extinção das instituições psiquiátricas, nas quais as práticas eram
baseadas na exclusão social. Tendo amplo apoio dos usuários e familiares,
od V
tal movimento de reforma contribuiu para a formulação de novas práticas de
aut
cuidado na saúde mental, sendo referência até hoje, além de ser reconheci-
damente apoiado pela Organização Mundial da Saúde (AMARANTE, 2005
R
apud RAMOS, 2012). No dizer de Baságlia (1980, p. 52):
o
[...] . O hospital em si é doente. Todos afirmam que a organização não está
bem. É difícil sair dessa gaiola porque a organização da medicina é feita
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
assim. Seria preciso mudar a lógica da medicina para sair desse drama.
Não estamos satisfeitos nem com os médicos, nem com os hospitais, nem
com a medicina, nem com a maneira pela qual se organizam os serviços
visã
de saúde pública. Na verdade, não estamos satisfeitos com nada.
dura militar corroboraram com o enrijecimento das legislações nos anos 70.
As instituições paulatinamente passaram a adotar posturas criminalizadoras e
patologizantes, assim o debate se estendeu a nível político e centrado também
na lógica de salvação nacional.
De outro aspecto, é importante frisar que dois crimes ocorridos no Bra-
par
com evidências de abuso sexual. Tal crime, por envolver jovens de famí-
ver
or
e a repressão às drogas no país, o que desencadeou a emergência da Lei n.
od V
6.368/76 (RODRIGUES, 2004).
aut
A Lei n. 6.368, de 21 de outubro de 1976, promulgada pelo então pre-
sidente Ernesto Geisel, representou mais um enrijecimento proibicionista no
que tange ao controle do Estado sobre o uso, produção e tráfico de substân-
R
cias entorpecentes. O regime militar buscou reforçar seu controle através da
criminalização ou patologização das condutas. Para Karam (1997, p. 344):
o
aC
Neste ponto, é significativo, em nossa legislação, a utilização de lingua-
or
do viciado, sim a de dependente, demonstrando certo avanço com relação à
od V
legislação anterior, porém ratificando o modelo hospitalar para a internação
aut
e prevendo, quando necessário, o modelo extra-hospitalar com a assistência
do serviço social competente. Essa política repressiva e patologizante retor-
R
nou por quase três décadas com um emaranhado de fórmulas proibicionistas,
conectadas a uma postura não somente repressiva, mas também vinculada a
o
condução de um governo militarizado e alinhado a postura dos Estados Unidos
da América, bem como às Convenções da ONU.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
por longos períodos nos Estados Unidos no decorrer das décadas seguintes e
também influenciarão parte da América Latina nesta condução da repressão
ao tráfico e ao usuário de drogas. Neste mesmo período, o Brasil vivia os anos
de abertura política. No final dos anos 70, a Lei de Anistia (Lei nº 6.683, de 28
par
4. O processo de redemocratização no
or
país e a política de drogas
od V
aut
A “devolução” do poder político aos civis, todavia, não foi marcada por
debates sociais sobre o modelo de democracia. Isso ocorreu porque, segundo
R
parte dos militares, o país que deveria emergir com a abertura era um Estado
comandado pela elite beneficiada pelo militarismo.
o
O processo de transição para o regime democrático, contudo, teve forte
influência por outros setores como os partidos políticos bem como organiza-
aC
or
imprensa se referiu como “entulho autoritário”. O debate acerca de outros
modelos alternativos à repressão ganha as ruas também em função de que
od V
estavam evidentemente revogados os dispositivos legais que impunham a
aut
censura prévia a respeito do tema drogas, sendo certo que, até então, sequer
era possível a realização de uma conferência sem prévia autorização [...].
R
Em 15 de novembro de 1989 e, em 17 de dezembro do mesmo ano,
o
conforme previsto na nova Constituição Federal de 1988, no Ato das Dis-
posições Constitucionais Transitórias, em seu artigo 4o, parágrafo primeiro,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
Na transição da ditadura para a “democracia” (1978-1988), com o desloca-
aut
mento do inimigo interno para o criminoso comum, com o auxílio luxuoso
da mídia, permitiu-se que se mantivesse intacta a estrutura de controle
social, com mais e mais investimentos na “luta contra o crime”. E, o que é
R
pior, com as campanhas maciças de pânico social, permitiu-se um avanço
sem precedentes na internalização do autoritarismo. Podemos afirmar sem
o
medo de errar que a ideologia do extermínio é hoje muito mais massiva e
aC
introjetada do que nos anos imediatamente posteriores ao fim da ditadura.
or
de drogas o que se coaduna também perfeitamente com o entendimento de
od V
Zaluar (1999, p.14) quando diz que: “A violência, como qualquer outro ins-
aut
trumento, pode, portanto, ser empregada racional ou irracionalmente, pode
ser considerada boa ou má, justificada ou abominada [...]”.
Sobre outro aspecto, no Brasil, em 11 de janeiro de 2002 foi sancionada
R
pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, a Lei n.10.409/02, a chamada
nova Lei de Drogas. Esta Lei não representou avanços significativos no que
o
atine a descriminalização. De acordo com Carvalho (2013), ocorreu a revoga-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ção parcial da Lei nº.10.409/02. No projeto dessa nova Lei, o caráter delitivo
do porte de drogas para uso pessoal se manteve, no entanto, foi adotado como
medida uma política criminal não encarceradora, com o advento das penas
alternativas. A criminalização do comércio de drogas ilícitas também persis-
visã
tiu, o que demonstrou o caráter proibicionista do legislador, inclusive com a
mesma espécie e quantidade de pena prevista na lei anterior. Todavia, após
a sua aprovação pelo congresso, alguns artigos dessa nova lei foram vetados
itor
A Lei 11.343/06 é apenas mais uma dentre as legislações dos mais diversos
países que reproduzindo os dispositivos criminalizadores das proibicionis-
tas convenções da ONU, conformam a globalizada intervenção do sistema
penal sobre produtores, distribuidores e consumidores das selecionadas
or
substâncias psicoativas e matérias-primas para sua produção, que, em
razão da proibição são qualificadas de drogas ilícitas.
od V
aut
Com o advento da Lei 11.343/2006 cresce a repressão e o número de
presos por tráfico de drogas, principalmente os jovens negros. Assiste-se um
R
processo de estigmatização de drogas associadas a essa população, como o
crack. De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, este delito
o
era responsável por 7,5% dos adolescentes presos em 2002. Em 2011, pas-
sou para 26,6%, segundo dados da Secretaria de Direitos Humanos (SDH)15.
aC
15 FOLHA. Triplica parcela de jovens internados por tráfico de drogas. Disponível em: <http://www1.folha.
uol.com.br/cotidiano/2013/08/1324683-triplica-parcela-de-jovens-internados-por-trafico.shtml>. Acesso em:
s
16 jul. 2018.
ver
or
§1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
od V
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física
aut
ou psíquica.
§2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz
R
atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e
às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
o
§3º As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão
aC
aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Contudo, a partir dos estudos da criminologia crítica se observa que con-
od V
tinuou atuando como um mecanismo de controle social sobre determinados
aut
grupos como a população negras e as classes mais pobres. A Lei 11.343/2006
sustenta uma lógica de repressão policial e segurança pública para as dro-
gas, segregando parte da população que utiliza dessas substâncias. Vende-se
R
pela mídia e pelo discurso oficial um discurso estereotipado de um traficante
perigoso, que comanda grandes quartéis de drogas e estruturas, aliciando a
o
população, o que justifica a intervenção penal. Todavia, segundo dados do
aC
Instituto Sou da Paz, mais de 67,7% dos encarcerados por tráfico de maco-
usuário como traficante a depender de sua cor da pele, bairro em que reside,
roupas, dentre outras características arbitrárias conferidas pelo juiz a partir
do art. 28, §2º da Lei 11.343/2006. Segundo Machado (2010, p.1098): “em
nome de um combate contra um “traficante” de drogas que foi estereotipado,
apoiado por uma legislação penal comprovadamente seletiva, o Estado brasi-
par
6. Considerações finais
ão
or
Percebe-se assim que as políticas de drogas no Brasil ainda transitam por
od V
vertentes proibicionistas, mescladas por perspectivas patologizantes. Em que
aut
pese para alguns autores a lei ter trazido avanços, essa ilusão é desconstruída
diante da realidade em que o usuário jovem, pobre e negro continuou com
o estigma do criminoso e mesmo que sua pena seja considerada em tese, de
R
menor intensidade, passará pelo crivo dos controles formais. Segundo Car-
valho (2013b, p. 43): “Embora o dispositivo seja destinado ao juiz, sabe-se
o
que a primeira agência de controle que é habilitada ao exercício criminalizar
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
é a policial”.
Ao final, podemos destacar a importância de repensarmos a política de
drogas no país, rompendo com seu contexto autoritário de implementação.
A atual lógica proibicionista tem levado milhares de pessoas a prisão e tem
visã
intensificado o viés punitivo do sistema penal em especial contra a popula-
ção negra e jovem do Brasil. A permanência autoritária na guerra contra as
drogas pode ser compreendida se percebermos como serviu para garantir a
itor
dade que precisa ser descortinada e essas permanências precisam ser rompidas
para a construção de um direito penal que realmente se adeque a um Estado
Ed
Democrático de Direito.
s ão
ver
REFERÊNCIAS
AMUY, Liliane Maria Prado. A Lei anti-tóxicos (nº 6.368/76): Os critérios
científicos utilizados em sua elaboração e a execução do álcool. Dissertação
(História da ciência). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2005. 103f.
or
od V
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre
aut
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998.
R
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso
em: 22 de jan. 2016.
o
aC
BRASIL. Lei nº 4.451, de 04 de novembro de 1964. Disponível em: <http://
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. São Paulo: Editora da Univer-
sidade de São Paulo, 2009.
or
od V
GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei de Drogas Comentada: Lei 11.343,
aut
de 23.08.2006. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
R
ONU. Convenção de Viena. 1971. Disponível em: <http://www.unodc.org/
lpo-brazil/pt/drogas/marco-legal.html>. Acesso em: 05 jan. 2016.
o
______. Convenção de Viena. 1988. Disponível em: <http://www.unodc.org/
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
RIBEIRO, Maurides de Melo; ARAÚJO, Marcelo Ribeiro. Política mundial
od V
de drogas ilícitas: Uma reflexão histórica. In: Silveira DX; Moreira FG. (Org.).
aut
Panorama atual de drogas e dependências. São Paulo: Atheneu, 2005.
p. 457-468.
R
RODRIGUES, Thiago M. S. A infindável guerra americana: Brasil, EUA e
o narcotráfico no continente. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 16,
o
n. 2, p. 102-111. 2002
aC
or
V
Morgana Moura
aut
Dolores Galindo
Ricardo Pimentel Méllo
Tatiana Bichara
CR
do
1. Introdução
Este texto apresenta parte dos resultados de uma pesquisa cujo objetivo
foi mapear as estratégias de cuidado às pessoas que fazem uso de drogas na
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
cidade de Cuiabá (MT). Para isso, utiliza-se de crônicas como narrativa de
pesquisa para evidenciar os arranjos da política de guerra às drogas, bem
ra
como seus atravessamentos nos processos de construção de uma rede de
atenção e cuidado.
i
rev
como dispositivo de poder para governo dos corpos (FOUCAULT, 2007; CAS-
TRO, 2016). A judicialização ancora-se nas leis, para intensificar as práticas
do poder judiciário em prol do enfraquecimento político do poder executivo.
Seguindo em confluência, os arranjos Bélico e de Rendimento focali-
zam as disputas de força pelo viés de Guerra às Drogas, na qual os processos
de combate proibicionista se dão com estratégias afecto-políticas, condução
do medo e desamparo, para justificar a aniquilação de vida e alimentar a
or
máquina capitalista. O arranjo Bélico se refere especificamente às estratégias
od V
de mortificação, conduzidas pela lógica de Guerra às Drogas e diz respeito aos
aut
processos de dominação, sujeição e mortificação, não somente de subjetiva-
ções, mas da vida mesma, práticas que buscam se justificar pela articulação
do dispositivo Guerra às Drogas.
R
Mesmo atravessado pelos arranjos bélico, médico, jurídico e de ren-
o
dimento, as forças que emergem do plano de atenção, propiciam linhas
maleáveis, segmentos fluidos que se atualizam na atenção dos serviços num
aC
como argumento para aniquilação não somente dos serviços, mas principal-
mente dos usuários destes.
Ed
****
Cheguei na Unidade 320 e as telas ainda estavam encostados nas árvores
ão
grafite nos muros da cidade e que estava com um projeto de levar essa arte
ver
20 Unidade 3 é uma das unidades do Centro Integrado de Atenção Psicossocial Adauto Botelho, sendo assim
uma unidade hospitalar psiquiátrica.
or
alguém que faz painéis em muros e prédios em demolição, na rua onde o
od V
efêmero do instante em acontecimento que dita da experiência da arte e não
aut
uma explicação prévia. Mesmo em estranhamento, mantive o silêncio. Mas
a arte-terapeuta interviu e disse que o diálogo com os pacientes seria bom,
mas que seria mais interessante eles experenciassem o trabalho primeiro,
R
trazer as impressões e o que sentiu. E assim acordaram.
No sábado, estive na “inauguração da exposição”, personagens na tele
o
que me remetiam aqueles que já vi na rua. Uma exposição contemplativa, com
aC
uma explicação de cada detalhe, das lâmpadas que remetiam a luz divina, o
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
barco que remetia ao processo de navegar tendo “Deus como guia”. Acabou
a fala, serviram o lanche, fui embora. Na quinta-feira seguinte as telas ainda
estavam ali, fiquei me perguntando o porquê, mas logo passei pelo o pátio e
visã
segui para a sala de reuniões.
Há quase dois meses que já estava acompanhando as equipes de saúde
mental de Cuiabá trabalhando temática tais como noção de droga, construção
itor
or
tuição para acolhê-lo, desconsiderando o conhecimento técnico de médicos,
od V
enfermeiros, psicólogas, assistentes sociais, nutricionista, farmacêutica e
aut
arte terapeuta que afirmava que não tinha mais motivos para ele permanecer
ali. E assim seguia. Uma disputa de força onde a vontade do juiz sobre a
decisão técnica da equipe era colocada sem justificativa legal, somente pelo
R
argumento de que a alta seria um risco para ele e para os outros, sem neces-
sariamente ter um porquê do risco. Dessa vez, a equipe havia feito arranjos
o
com a equipe sociassistencial do município para fazer o acompanhamento
aC
externo e com a equipe do CAPS para dar continuidade ao tratamento. E
sobreviver” (DELIGNY, 2015, p. 18). Cada pessoa pode atuar como arac-
niano compondo suas próprias redes de fluxos, ligações por afetos e cortes
s
projetos pensados que acabavam por amarrar mesmo sem cordas as vidas
que estavam ali, incluindo sua prática.
Num segundo momento entreguei uma folha de seda e pedi que colocasse
sobre o mapa e que retomasse a conceito de rede aracniana de Deligny, onde
ele faz uma distinção específica na noção de rede em oposição a um objeto
ou ferramenta para lidar com as coisas, o mundo. Na proposta aracniana,
o que possibilita a rede não é aquilo que está fechado, acabado, mas sim a
or
falha, a ruptura, a brecha.
Contaminadas por essa proposição, com cor diferente do desenho de
od V
baixo, peço que retomem as experiências de ruptura, as brechas, as estratégias
aut
de resistência ante aquele projeto pensado do mapa de baixo. Cozinha como
espaço de encontro, potentes vínculos com outras instituições e até situações
R
de fuga da internação, muros e cercas pulados como ato de sobrevivência.
Na atividade, a imposição judicial retornar: “a gente sabe que aqui
o
não é o melhor lugar, a internação é difícil, mas sabemos de nossa prática.
aC
Eu sei da minha técnica, eu tenho domínio do que faço. Por que ele [o juiz]
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
acha que sabe mais do que eu sobre a minha profissão?”. Trabalhamos os nós
enrijecidos e as potências de ruptura da atual rede. E ali, com as angústias de
profissionais que tinham dimensão das limitações institucionais e de atuação,
visã
entendi que a rede enquanto cuidado em saúde funcionava, mas estratégias
para sua deslegitimação vinha de outra ordem, e com canetadas.
Finalizamos o encontro e eu ainda iria trabalhar a mesma temática nos
itor
CAPS. Saio um pouco inquieta e pelo pátio resolvo parar para ver novamente
as telas. Por que não foi possível levar os pacientes para fazer um tour pela
a re
cidade e ver as imagens do artista nos muros e prédios? Ah, não tinha carro.
Mas se pedir de outra instituição emprestado? É perigoso, vai que foge? Pode
fugir daqui também. No final ao lado das telas há um aparelho enferrujado
de ginástica que já compõe a paisagem há anos, olho em detalhe as roldanas
par
_____________________________________________________________
Como uma das redes temáticas do Sistema Único de Saúde (SUS), a rede
de atenção psicossocial (RAPS) foi normatizada pela resolução 3.088/2011
s
or
ampliada do processo saúde-doença, concebendo e organizando as políticas
od V
e ações de saúde numa perspectiva interdisciplinar, buscando a efetividade
aut
dos princípios de integralidade e equidade do SUS.
Como uma rede de saúde, a RAPS também considera os diferentes níveis
R
tecnológicos no atendimento as pessoas que fazem uso de drogas tendo as
unidades básicas de saúde a centralidade de comunicação. Nesta organização,
há de se considerar os pontos de atenção às usuárias e usuários: as unidades
o
básicas de saúde, equipe de atenção básica para populações específicas (equipe
aC
(BRASIL, 2011).
O município quando organiza sua RAPS não necessariamente precisa
ter todos os componentes normatizados pela resolução nacional, compete
aos gestores e técnicos responsáveis considerar as demandas do território,
par
21 No final de 2018, o Ministério da Saúde fez um reordenamento da política de saúde mental passando a
considerar os serviços ambulatoriais e os leitos em hospitais psiquiátricos, desconsiderando o processo de
reforma psiquiátrica legitimado pela Lei 10.2016/2001.
or
básica; em nível secundário, a atenção é formada por serviços responsáveis
od V
por oferecer tratamento especializado; e o nível terciário comporta os serviços
aut
de alta complexidade abrangendo cirurgias e demais procedimentos invasivos.
Envolvendo também todos os níveis de governo (municipal, estadual e
federal), essa atenção compreende tanto o campo da assistência em saúde, as
R
intervenções ambientais e as políticas externas em uma dimensão de aten-
ção intersetorializada, na qual outros dispositivos são chamados a compor a
o
atenção, mesmo não sendo necessariamente de saúde, tais como educação e
aC
serviços socioassistencias (BRASIL, 1996).
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
falta de uma atenção básica para fazer a cobertura da atenção ao uso de drogas
no território de cada usuário do serviço. Se efetivamente levassem a cabo o
cuidado na atenção básica, os municípios de pequeno porte teriam subsídios
para o atendimento a esses usuários e demais usuários de saúde mental, sem
fazer o movimento de “despachar a demanda” para capital.
Andrade (2016) afirma que um CAPS sem território “é uma unidade de
saúde mental ou de atenção ao uso de drogas em condições muito inferiores
or
ao que seria um hospital psiquiátrico” (p. 39). Com guarda aberta para receber
od V
porrada dos antirreformistas pois está descaracterizado ao não ter atenção em
aut
seu aspecto psicossocial. Nestes casos, o que existe não é uma rede, mas um
protocolo de encaminhamento. Isso escapa ao que efetivamente é a noção de
R
atenção integral em saúde, seguindo o princípio de equidade.
Enquanto rede de atenção disponível em Cuiabá, há a ausência de manu-
tenção dos serviços existentes e pouca mobilização no que diz respeito a
o
criação de outros que poderiam suprir as demandas locais. Mas para além de
aC
questão das drogas, em 2004, a Política Nacional sobre Drogas (PNAD), até
então configurada como Política Antidrogas, sofre um realinhamento das
ações adotando estratégias de cooperação mútua e articulação de esforços
entre governo, iniciativa privada, terceiro setor e cidadãos.
par
menos atenção que as drogas injetáveis pois pode ser misturado ao tabaco e
à maconha (pistilo).
A expansão do uso de crack confirmada pelos indicadores epidemio-
lógicos, assim como a complexidade do atendimento dado as pessoas que
fazem uso de drogas fizeram com que em 2010 fosse instituído no país o
plano integrado de enfrentamento ao crack e outras drogas. O novo plano
tem como proposta a ampliação e fortalecimento das redes de saúde e
assistência social; capacitação dos profissionais envolvidos na atenção aos
usuários e no enfrentamento ao tráfico de drogas; ampliação da participação
comunitária; divulgação de informações sobre as substâncias e elaboração
or
de novas estratégias de enfrentamento ao tráfico (BRASIL, 2010). Desde
então foram elaboradas várias estratégias de capacitação para os agentes
od V
envolvidos nesse plano integrado.
aut
Em Mato Grosso, o Plano Estadual de Enfrentamento às Drogas foi
elaborado em 2011, trazendo especificações do estado, tal como a extensa
R
fronteira com a Bolívia, que facilita o tráfico em acesso pelo Pantanal
(MATO GROSSO, 2011). Na proposta estadual, vemos descritas várias
o
propostas de ações (de prevenção, tratamento, repressão e financiamento)
aC
que envolvem articulações entre secretaria de justiça e direitos humanos,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
cinco meses no hospital psiquiátrico mesmo que a equipe reafirme a sua alta.
Ou seja, nas estratégias voltadas para os usuários de drogas, os fluxos da
Ed
3. Processo de desmonte
or
processo de desmonte que se dá em dois movimentos: precarização dos ser-
od V
viços e deslegitimação da equipe.
aut
No processo de precarização dos serviços o movimento de desabas-
tecimentos das unidades e não manutenção, até mesmo predial, é uma das
estratégias. A exemplo, o CAPSad funciona “provisoriamente” há mais de 5
R
anos em uma casa alugada pois o projeto de reforma e ampliação da unidade
foi embargado pela justiça, como anunciado pela coordenadora do CIAPS
o
em entrevista “a obra está parada sem previsão de retorno pois está em uma
aC
área de proteção ambiental aqui no parque [parque Zé Bolo Flô]”. O espaço
mentos para realizar oficinas, não há carro para realizar ações no território
a re
das práticas, algo que é reconhecido pelas equipes como descreve uma arte
terapeuta de um dos CAPS: “não recebi formação pra vim pra cá, sou arte-
são, ensino o artesanato, mas os adolescente não querem recortar e fazer
aquilo que consigo propor, mas também não consigo suporte para trazer
outras possibilidades”. Nesta ausência dos gestores, alguns servidores que
or
unidades básicas de saúde ou os prontos atendimentos. Ao longo do curso
od V
isso se evidenciou pelas colocações das equipes. No CAPSad uma técnica
aut
de enfermagem disse que também atuava no hospital geral e percebe como a
equipe de lá tem dificuldade de atender pessoas em situação de consumo de
drogas ou em situação de surto “não que não tenham conhecimento, é aversão
R
mesmo. Sei por estar no CAPS. As formações que recebem são técnicas e não
de sensibilização pra atender esse público”.
o
Operando por linhas maleáveis, as equipes da atenção especializada se
aC
rearranjam ante a estratégia de desmonte do Estado pela desassistência aos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
como foco criar justificativas para uma não funcionalidade desse modelo de
atenção. Visto que neste processo de precarização emergem essas possibi-
lidades de desestratificação relativa, outro movimento que é lançado como
s
or
um aparato de rendimento, para os servidores o estudo se configura como
od V
uma segmetarização maleável ante as linhas duras de controle. Cria-se uma
aut
fissura nos moldes bélicos da proibição quando a equipe se atualiza e acessa
conteúdos que contrapõe os modelos de controle.
Ante a este tipo de resistência, as forças jurídicas que atuam em con-
R
fluência com os arranjos do rendimento atuam impondo práticas de poder,
tais como barrar alta coletiva da equipe, deslegitimando o conhecimento dos
o
profissionais. Deslegitimação está amparada não necessariamente por aparatos
aC
legais, mas por afetos, como o medo do que o paciente poderá fazer se sair em
pelo judiciário. Vemos uma pressa em “alcançar uma cura”, não pela urgência
do caso, mas pela emergência dos resultados mapeados em registros e fichas.
Por isso opera bem, sem questionamentos social, grupos que tem como didá-
ão
tes que “não raro tornam-se despóticos em seu psiquismo” (HUR, 2015, p.
272). Uma sutura apressada, uma prótese psíquica com estatuto de verdade
or
tórios cristalizados.
od V
Fixa-se a imagem da “cara da droga” e esta se estende aos modos de
aut
cuidado nos serviços de saúde mental. A captura do pensamento pelo regime
de representação se fixa em significante despóticos e não lançamos mão de
R
métodos para traçar ou experenciar essa cara, mas operamos por reconhe-
cimento por imagens pressupostas, estratificadas pela lógica do capital. O
pensamento é modulado à lógica do capital e a forma de pensar o cuidado
o
também, os serviços que foram pensados a lógica de uma ruptura com os
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que se guiam pela perspectiva que não tinham a abstinência como prioridade
é que elas “não funcionavam, pois, a pessoa voltava a usar droga”. Uma
afirmação guiada pela perspectiva proibicionista que tem como sinônimo de
s
Quando projetavam essa argumentação aos CAPSs via isso como algo
simplório que particularmente não relevava por não consegue capturar
quais forças operavam ali. Somente na instituição de internação, um espaço
de abstinência, que a noção de não funcionalidade da rede tomou forma e
or
pontos da rede, sendo externada em alguns momentos pelos servidores das
od V
instituições onde estava inserida. Instituições como o CAPS que atua como
aut
uma perspectiva que não tem a abstinência como finalidade as vezes trazia
falas de afirmação de uma “não funcionalidade” sem se questionar se essa
estava ligada a lógica do Estado.
R
Entendo que caberia à rede de atenção cuidar, ou seja, construir práticas
que funcionem para potenciar as vidas dos usuários e não cercear para lucrar
o
(MÉLLO, 2018), isso vai na contramão da prioridade do Capital, por isso a
aC
recorrência de uma noção de não funcionalidade. Para além das estratégias de
cultura, esporte, etc.) para levar a cabo a noção de rede de atenção psicossocial.
O cuidado pela via da atenção psicossocial é uma proposta ético-política
(SANTOS; YASUI, 2016), ou seja, olhar para o sofrimento para além do
diagnóstico, e isso as equipes fazem em sua atuação coletiva interna. Mas as
ferramentas para ação externa são cerceadas pelos arranjos que se mobiliza-
par
ção pelas forças de rendimento que lidam com a rede como somente fluxo,
Ed
os leitos em hospital geral, por exemplo. É preciso que haja uma sensibilização
ver
or
serviço privado. Há uma gestão dos afetos das equipes também como forma
od V
de diminuição de sua potência, um investimento da máquina capitalística na
aut
estratégia de captura do estranhamento, da sensibilização que alimentam as
formas potentes de cuidado. Isso não somente pelo cerceamento de coisas e
cortes de ações, mas também pela valorização dos espaços de clausura como
R
a autorização da reforma do Hospital Psiquiátrico Adauto e os projetos de lei
estaduais visando investimento das comunidades terapêuticas.
o
Quando o Estado afirma uma não funcionalidade da rede é como uma
aC
estratégia de imposição de poder. E se nos guiamos pela compreensão de que
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Este movimento de trama que é construído nos serviços opera por fluxos
maleáveis, divergindo do movimento unidirecional das linhas duras. São
práticas que detectam “linhas de vida tênues, muitas vezes quase invisíveis,
ão
foco em outros aspectos, outras conexões para além da droga, como por
exemplo um grupo de cidadania para falar sobre direitos humanos e política
de saúde mental com os usuários. Pontuar esse aspecto não implica uma defesa
de uma instituição de internação, mas uma observação de que para além de
or
seus direitos e suas violações. Nesta prática “não importa o que ele vai usar
od V
[quais drogas] saindo daqui, mas as conexões para manter essa vida após
aut
sair” (psicóloga da Unidade 3). Práticas que podem ser descritas como práticas
libertárias (MÉLLO, 2018), que provocam desestabilizações, questionando
as padronizações da atenção. Potentes estratégias que minam o recurso da
R
não funcionalidade justamente por não operarem na lógica unidirecional de
mensurar a funcionalidade de uma estratégia pelo viés da abstinência.
o
aC
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Tarcísio Mattos de. Panorama atual da política de drogas no
Brasil: a redução de danos. In.: SOUZA, Ândrea Cardoso de et al. Entre
pedras e fissuras: a construção da atenção psicossocial de usuário de drogas
no Brasil. São Paulo: Hucitec editora, 2016, p. 23-59.
or
od V
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.203, de 05 de novembro de 1996.
aut
Aprova a Norma Operacional Básica 01/96 do Sistema Único de Saúde.
Brasília, 1996.
R
______. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011.
o
Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou trans-
torno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
São Paulo: Hucitec editora, 2016. p. 88-106.
od V
aut
R
o
aC
or
V
Vânia Aparecida Calado
aut
Marilene Proença Rebello de Souza
1. Introdução
CR
do
Em período de férias, um casal aluga uma casa na praia e leva sua
filha de três anos. Chegam em um dia quente de janeiro, no litoral do Rio
de Janeiro e dirigem-se ao restaurante para almoçar. Após aguardar por
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
teúdo dos dois sobre a toalha. Os pais atônitos, tiram rapidamente os vidros
de Luiza, a repreendem e ficam surpresos com o comportamento da menina.
to
e que pode indicar que Luiza terá um transtorno que é muito comum entre as
crianças da atualidade: TDAH. Explica aos pais que se trata do Transtorno
ver di
e receita metilfenidato para que a criança possa ter mais foco em suas ações
e não se disperse com o que está à sua volta. Os pais, tendo esta informação,
E
or
atuam sobre o Sistema Nervoso Central com um grande número de efeitos
od V
colaterais graves.
aut
Esse fato, no Brasil, tem se confirmado, quando se analisa a veicula-
ção de medicamentos entre a população. Levantamento recente realizado
pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015) junto
R
à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, órgão regulador dos
medicamentos no país, constata que o Brasil é o primeiro país no mundo
o
no consumo de Clonazepam, benzodiazepínico usado principalmente como
aC
um antiepilético. Este medicamento movimentou um mercado de vendas de
oferecemos mas sim que ele teria um distúrbio orgânico que dificultaria o seu
Ed
or
constituídos pela escola. São “doenças” que acometem os estudantes que estão
od V
no início do processo de alfabetização, como a dislexia e o TDAH ou ainda
aut
os adolescentes, que se encontram em processo de construção de valores e
direitos sociais, como o TOD.
O passo seguinte ao diagnóstico da suposta patologia é o tratamento.
R
De maneira geral, o tratamento dado às crianças e adolescentes com difi-
culdades escolares centra-se na dispensação de psicofármacos. O Brasil
o
comparece como o segundo consumidor mundial de Cloridrato de Metilfe-
aC
nidato, psicoestimulante utilizado no tratamento de TDAH, saltando de 919
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
(Souza, 2010).
A quem interessa a contenção química de crianças e adolescentes? Esta
pergunta vem sendo realizada por psicólogos, fonoaudiólogos, pediatras,
psiquiatras, neurologistas, professores, nutricionistas, farmacêuticos, enfim,
uma gama de profissionais que questionam as interpretações simplistas e
or
crianças que iniciam seu processo de escolarização, visando problematizar
od V
tais encaminhamentos e tratamentos oferecidos.
aut
2. Escolarização de crianças e o processo de medicalização
R
Para discutir as implicações do processo de medicalização e patologização
da educação serão expostos brevemente 11 casos, sendo dois adolescentes e
o
nove crianças, residentes no município de Natal/RN que foram atendidos por
aC
estagiários do 7º, 9º e 10º períodos do curso de Psicologia de uma instituição de
or
TDAH, Transtorno
L Masculino 10 Particular 5o ano E.F. de Conduta e Sem medicamento
desestrutura familiar
od V
M Feminino 8 Pública 3o ano E.F. Desestrutura familiar Sem medicamento
aut
Entendemos que todas essas crianças e adolescentes acima viviam as
R
consequências do fenômeno da medicalização da educação, em função de um
processo de escolarização de má qualidade, atravessado por políticas públicas
educacionais e atendimento em serviços de saúde também de baixa qualidade.
o
A partir de agora, discutiremos os aspectos em comum e específicos
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
e educação.
a re
3. As escolas
característica em comum.
Muitos professores da escola pública relatavam cansaço, estresse, adoe-
cimento físico e sofrimento psíquico causado pelo trabalho, o que provocava
frequentes faltas e licenças médicas. A desvalorização profissional, as pre-
cárias condições de trabalho, os baixos salários, geram sofrimento, o que
or
que não podia dar suporte pedagógico aos professores, seja por meio de reu-
od V
nião ou individualmente. As reuniões de planejamento aconteciam apenas
aut
nas férias letivas.
Asbahr & Souza (2007), a partir dos fundamentos da psicologia histórico-
cultural, discutem o impacto das precárias condições de trabalho do professor
R
no seu processo de humanização na realização da atividade pedagógica. Consi-
deram fundamental que no trabalho pedagógico sejam preservados momentos
o
coletivos para a construção do projeto político-pedagógico da escola, pois o
aC
documento e seu processo de construção representam um projeto-atividade
de informática não eram usadas, mesmo quando a escola tinha esse recurso,
a re
escolar dos filhos por parte dos responsáveis em função da desestrutura fami-
ver
liar. A crença que deposita sobre o organismo da criança ou sobre sua família
as causas do não aprender na escola retira do educador o saber construído na
prática docente para lidar com o processo de aprendizagem.
Os relatos dos professores de escola pública apresentaram também con-
cepções atravessadas pelo preconceito social que localizam na pobreza o
or
fazer nada pelos alunos, pois não sabiam o que deveria ser elaborado para
promover a aprendizagem dos mesmos. Por outro lado, os profissionais das
od V
escolas em que crianças e adolescentes com diagnóstico e laudo estudavam,
aut
também diziam que não podiam fazer nada, pois seus alunos eram doentes,
tinham transtornos e precisavam de um serviço especializado que muitas
vezes não podiam oferecer.
R
Alguns professores demonstraram interesse em receber orientações de
o
como desenvolver diferentes práticas pedagógicas, porque entendiam que era
aC
seu papel fazer isso, mas tal visão não era consensual. No geral, esses profis-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Dessa forma, o que resta a esses professores é buscar alternativas que são
apresentadas no ambiente escolar como solução para os problemas de
comportamento, de forma a-histórica. O encaminhamento ao médico é uma
ão
4. As famílias
Conseguimos contato e desenvolvemos intervenção com as famílias
de 10 das 11 crianças e adolescentes atendidos. As famílias acompanhadas
expressaram grande preocupação em função da trajetória escolar das crianças
or
rismo e desrespeito na relação com os professores e gestores, o que preju-
od V
dicava o acompanhamento dos filhos, pois precisavam de orientações e não
aut
tinham isso da escola. Tal situação provocava afastamento dos pais da escola,
pois o contato se dava apenas para receber reclamações e encaminhamentos
a especialistas.
R
Essa relação autoritária da escola com os familiares provoca afastamento
e prejudica a relação entre ambos (Souza, 2007b). A relação entre essas duas
o
instituições sempre foi marcada por conflitos e culpabilização de um dos lados,
aC
o que não é favorável para o processo de ensino-aprendizagem das crianças
era de que seus filhos poderiam ter uma doença que prejudicava sua apren-
a re
outro, pois não sabiam como cuidar do filho. Illich (1975) alerta que o processo
Ed
de medicalização, leva a um diagnóstico que, por sua vez, nomeia uma doença,
dá ao sujeito um papel social, além disso, isenta a família e a sociedade de
sua responsabilidade, localizando no problema no corpo do indivíduo. Nos
ão
or
od V
5. As crianças e os adolescentes
aut
As crianças e adolescentes demonstraram grande desconforto em função
R
de sua trajetória escolar marcada por queixas, dificuldades, humilhação e
estigma. Na escola e na família eram vistos como pessoas incapazes, o que
as tornavam inseguras e descrentes da própria capacidade de aprender. Elas
o
nem tentavam ler ou escrever, evitavam essas situações durante os atendimen-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
liares não podiam estar presentes, levar para outros espaços ou permitir que
a re
or
ficar parado” (sic) e saiu correndo pela sala de aula e pela escola. Ninguém
od V
tentava interagir com ele, brincar, ensinar porque ele era “TDAH”.
aut
As crianças que não tinham diagnóstico também achavam que a causa
de seu problema era uma doença, elas se achavam incapazes de aprender,
muitas vezes, o comportamento agitado e agressivo refletia isso. Como no
R
caso do menino L, que não ficava em sala de aula, cuspia, agredia física e
verbalmente quando chamavam sua atenção. Após construção de vínculo e
o
aproximação, descobrimos que não sabia ler e escrever e que por isso não
aC
or
volvimento e a valorização docente. O trabalho com os profissionais focou a
od V
reflexão e elaboração de práticas pedagógicas.
aut
Os pais e professores receberam informações acerca do desenvolvimento
humano a partir da psicologia histórico-cultural. Vigotski (2007) estudou os
R
processos psicológicos humanos e compreendeu que o processo de trabalho,
a atividade social e histórica constitui o universo social e uma cultura acu-
mulada, sendo que o homem ao se inserir nesse universo, se apropria dessa
o
cultura e se modifica. A transmissão cultural realiza a função mediadora entre
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
à criança e não focar apenas aquilo que ela já faz sozinha e tem desenvolvido.
A escola tem papel fundamental no desenvolvimento das funções psicológicas
superiores por meio da mediação do professor.
s
or
tos, além de levarmos informações acerca do desenvolvimento e aprendiza-
od V
gem, buscamos destacar situações em que era possível identificar realizações
aut
de seus filhos, por meio da exibição de produções dos mesmos, bem como de
ações desenvolvidas nos grupos e atendimentos individuais (Souza, 2007c).
R
Esclarecemos todas as dúvidas, apresentamos informações sobre seus direitos
e deveres em relação ao acompanhamento da vida escolar de seus filhos, como
por exemplo, de discutir a proposta pedagógica da escola, o que é garantido
o
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Rio Grande do Norte, 2011).
aC
usar estudos de caso e filmes, pois por meio da arte e da experiência esté-
tica, os participantes se distanciam da realidade, mas ao mesmo tempo trazia
elementos dela, o que favorecia a reflexão (Santos et al, 2013). No caso de
ão
or
filho. Elaboramos um relatório com o relato e análise do desenvolvimento da
od V
criança e sugerimos que a mãe procurasse outra avaliação, pois consideramos
aut
que os termos diagnósticos não procediam.
O caso de A. deve ser destacado, pois o mesmo tinha hipótese de dislexia.
Segundo relato da professora, o estudante apenas reconhecia as letras, tanto
R
ele quanto sua família não acreditavam que era capaz de aprender. Porém, em
três meses de atendimento, com a valorização de seu raciocínio, a parceria
o
da família e da escola, ele passou a ler e a escrever frases, com a certeza de
aC
que não tinha nenhum transtorno.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
7. Considerações finais
par
Ed
or
sões sociais, culturais, políticas, institucionais, pedagógicas e relacionais.
od V
Precisamos sim considerar esses aspectos em nossa análise a respeito dos
aut
encaminhamentos escolares, das dificuldades apresentadas em cada momento
do trabalho pedagógico.
Ao compreendermos a escolarização em sua dimensão ético-política
R
e analisarmos os compromissos assumidos pela Psicologia nesse contexto
estaremos contribuindo para a democratização da sociedade e da escola bem
o
como para a emancipação humana. Deixamos muito clara essa posição em
aC
REFERÊNCIAS
Asbahr, F. S. F. ; Souza, M. P. R. (2007). Buscando compreender as políticas
públicas em educação: contribuições da Psicologia Escolar e da Psicologia
Histórico-Cultural. In: Meira, Marisa Eugênia Melillo; Facci, Marilda Gon-
çalves Dias. (Org.). Psicologia Histórico-Cultural. Contribuições para o
or
encontro entre a subjetividade e a educação. 1, 185-220. (1.ed.). São Paulo:
od V
Casa do Psicólogo,
aut
Checchia, A. K. A. ; Souza, M. P. R. de. (2016). A disciplina Psicologia da
R
Educação na formação de professores: reflexões a partir da Psicologia Educa-
cional e Escolar. In: Herculano Ricardo Campos; Marilene Proença Rebello
de Souza; Marilda Gonçalves Dias Facci. (Org.). Psicologia e Políticas Edu-
o
cacionais. 1, 297-319. (1. ed.) Natal: EDUFRN - Editora da Universidade
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Brasília: CFP.
University Press.
s
or
Illich, I. (1975). A expropriação da saúde: nêmesis da medicina. Botafogo,
RJ: Editora Nova Fronteira. Recuperado de https://www.nescon.medicina.
od V
ufmg.br/biblioteca/imagem/3205.pdf
aut
Leonardo, N. S. T. & Suzuki, M. A. (2016) Medicalização dos problemas
R
de comportamento na escola: perspectivas de professores. Fractal, Rev. Psi-
col., 28(1), 46-54.
o
Lima, R. C. (2005). Somos todos desatentos? O TDA/H e a construção de
aC
CONSECRN, 174 p.
Santos, K. Y. P. dos, et al (2013). O cinema usado como intervenção no
s
or
Souza, B. de P. (2014). Puxando o tapete da medicalização do ensino: uma
od V
outra educação é possível. Nuances: Estudos sobre Educação, Presidente
aut
Prudente-SP, 25(1), 299-316, jan./abr. 2014. Recuperado de http://revista.fct.
unesp.br/index.php/Nuances/article/viewFile/2733/2533
R
Souza, M. P. R de (2013). Patologização do Fracasso Escolar e Medicalização
do Ensino. In: Farias, A. M; Muraro, D. N., Eidt, N. M. (Org.). Anais do V
o
Simpósio de Pesquisa e Pós-graduação em Educação e XV Semana de Edu-
aC
cação [livro eletrônico]: Da formação à ação docente: impactos na educação
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Paulo: Moderna.
Ed
28/02/2020 13:13:11
PROCESSOS DE MEDICALIZAÇÃO E
AS LACUNAS DA EFETIVAÇÃO DA
EQUIDADE NO SUS: alguns apontamentos
or
V
Flávia Cristina Silveira Lemos
aut
Dolores Galindo
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Geise do Socorro Lima Gomes
do
1. Introdução
são
equidade, de integralidade, de universalidade e de intersetorialidade. Desde sua
aprovação, em 1990, e de sua efetivação, no Brasil, há setores que questionam
ra
a sua efetividade. Mesmo após esses anos, ainda há muito a efetivar e a lutar
para que os princípios, o financiamento, a cobertura universal, a integralidade,
i
a intersetorialidade e a equidade se constituam, de fato, como idealizados por
rev
or
década do século XX, com modificações nas formas de governamentalidade,
od V
em função do desenvolvimento de uma fobia do Estado (Foucault, 2008;
aut
Miller & Rose, 2012) e do crescimento das parcerias entre público e privado.
O surgimento da arte de governar neoliberal, “na reflexão de Foucault, indica
significativas transformações nas práticas de governo de pessoas, populações
R
e da circulação de coisas” (Rodrigues, 2013 p. 136). Nos processos neolibe-
rais, o Estado tem por função regular uma gestão governamental de regula-
o
mentação legal e menos financiamento, de modo a exercer uma vigilância e
aC
monitoramento sobre a sociedade a funcionar enquanto empresas e por meio
or
É possível afirmar que essas práticas entrecruzadas criam efeitos especí-
od V
ficos na oferta de políticas públicas brasileiras. Nesse sentido, Ferreira Neto
aut
(2011) ressalta que o SUS foi aprovado e começa a ser efetivado, no Brasil,
em pleno período de efervescência neoliberal. Inclusive, nesse momento,
era o país governado pelo Presidente Fernando Collor de Mello, o qual abriu
R
as portas brasileiras para o capital estrangeiro e iniciou as privatizações. Os
movimentos sociais conseguem criar inflexões frente às pressões externas e
o
internas de privatização das políticas de saúde e dos interesses fortíssimos
aC
dos empresários defensores da lógica hospitalocêntrica, de internação e de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de riscos, encaminhando para a rede privada os que são colocados nos gru-
pos chamados de extremamente vulneráveis pelos gestores dessas artes de
governar (Foucault, 2008).
A biopolítica tenta rotular “um novo método de racionalidade política
e ordenação das populações que substitui a velha repressão coercitiva direta
or
cie a ser gerido, para um fazer viver e o deixar morrer. O governo da vida
entra na história, em nome da saúde e da segurança, de acordo com Foucault
od V
(1988). A medicina social, em articulação com outros saberes, tais como os da
aut
psicologia, da educação, do direito, da pedagogia, da estatística, da geografia,
da epidemiologia, da demografia, da ciência política, da administração e da
R
economia, passa a sustentar as práticas biopolíticas com a medicalização das
condutas. Na biopolítica, o poder, ou biopoder, tem como função fazer viver
o
e deixar morrer, através da criação de estratégias de regulação para intervir
aC
no aumento da longevidade, controlar acidentes e eventualidades, melhorar
de acesso às vacinas, por exemplo, ninguém irá fazer uma crítica à medi-
calização, em sua positividade de cuidado em saúde. Todavia, essa intensa
medicalização em metrópoles e interiores, sobretudo no Sudeste e Sul do país
e em setores, grupos, classes e lugares do Norte, Nordeste e Centro-Oeste,
está se transformando e se aliando a outras práticas de cuidado à saúde.
or
o poder disciplinar que individualiza as condutas e pode efetuar uma prática
od V
de direitos e liberdade, em relação, para que a equidade seja concretizada.
aut
Todavia, a individualização posta na lógica disciplinar, desde final do século
XVII, atua pela culpabilização, caso as normas não sejam cumpridas, e implica
sanções, comparações, vigilâncias e hierarquias, o que difere do plano equi-
R
tativo enquanto singularização.
Para Foucault (1999), a disciplina dos corpos fomenta docilidade, sub-
o
missão política e aumento da produtividade. Portanto, está mais voltada para
aC
as práticas de dietas rigorosas, de exercícios físicos administrados, de gestão
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
prática. Nesse caso, podemos nos referir a uma medicalização dos indigentes
de cunho autoritário. Segundo Barata (2009), as iniquidades fazem mal à
saúde coletiva e mental. A discriminação, seja contra negros, seja aos povos
s
Saúde, no Brasil.
Nessa direção, Wieviorka (2007) ressalta que hoje é muito comum o
racismo institucional nas instituições, através das práticas cotidianas. Tornou-
se uma rotina nos atendimentos e situações de trabalho variadas, afetando
a saúde, a educação, o acesso ao trabalho e às promoções, nesse contexto,
or
Ainda vale ressaltar que a segregação ocorre em internamentos e aprisio-
od V
namentos, na estigmatização da oferta da atenção com ofensas e na atribuição
aut
das nomeações com constantes inferiorizações dos povos negros. A política
de saúde, nos presídios e em comunidades terapêuticas, em asilos e hospitais
psiquiátricos, em hospitais de custódia, em unidades socioeducativas de pri-
R
vação de liberdade de adolescentes e em abrigos para pessoas em situação de
rua, muitas vezes é limitada por perspectivas moralizantes dos funcionários
o
da rede, os quais rejeitam atender a essa parcela do povo por preconceito
aC
étnico-racial e de classe.
geral. Hoje, ele está vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU) e
ver
or
popular, realizada com objetivos de inserção social. Foram igualmente fir-
od V
mados convênios entre os ministérios e as universidades, para a formação de
aut
professores e trabalhadores da saúde, da assistência social e da segurança em
cursos de especialização, por meio da educação em direitos humanos. Essas
políticas vêm ganhando intersetorialidade com o SUS e resultam em ganhos
R
substanciais para os povos discriminados.
A equidade no território é outra questão relevante a analisar. As segre-
o
gações urbanas; a ausência de cobertura do saneamento básico em grande
aC
parte das cidades brasileiras; a falta de acesso à cultura e à mobilidade por
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
política de saúde.
Obviamente, certos Programas, como a Estratégia Saúde da Família
(ESF), os Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF), os Centros de
Atenção Psicossociais (CAPS), as unidades básicas de saúde, os programas de
educação em saúde, a política de redução de danos, entre outros, são muitos
or
por um trabalho chamado de apoio matricial à saúde mental e coletiva, na
od V
atenção básica. O objetivo era uma atuação com equipes multiprofissionais do
aut
ESF, visando a discutir casos conjuntamente e produzir projetos terapêuticos,
singularizando o atendimento (Dimenstein, Lima & Macedo, 2013).
As iniciativas de repensar os currículos na formação em saúde são igual-
R
mente relevantes, configuram um dos desafios, não apenas na promoção da
equidade, como na quebra das práticas de medicalização. Todavia, precisam
o
ser expandidas via programa de humanização da saúde e na recepção de
aC
docentes e pesquisadores os quais atuam na formação com certa resistência
sionais dos NASFs e ESFs, cria uma nova intervenção e educação em saúde e
de relação com o território pela aproximação com a comunidade e seus cole-
tivos protagonistas. Porém, um desafio se coloca, no que concerne ao fato de
ão
or
com renda mínima e os trabalhadores informais.
od V
Curiosamente, ao rigor da exigência disciplinar e da culpabilização dos
aut
usuários de saúde, em alguns setores da atenção básica, em função de uma
alimentação inadequada e de uma vida sedentária, é possível analisar que
essa política deveria abarcar outros pontos interessantes que são deixados
R
de lado em um paradoxo, porque uma política coletiva passa a funcionar por
mecanismos individualizantes das condutas de dieta, adesão e monitoramento
o
de exercícios físicos (Ferreira Neto & Kind, 2011).
aC
O UNICEF (1998; 2003; 2009) enfatiza que ainda há um quadro de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
nologias de saúde, em função de lacunas no âmbito da promoção da atenção
od V
básica, apesar da crescente ampliação dessa rede, que ainda é insuficiente
aut
e está distribuída de forma desigual pelo território brasileiro (Paim, 2009).
Também vale observar os processos de medicalização de uma indústria
farmacêutica formada por grandes corporações organizadas em oligopólios,
R
com ampla adesão de profissionais da saúde e recepção positiva da sociedade,
por ausência de uma crítica ao uso indiscriminado de medicamentos, de sorte
o
que é preciso pensar táticas de resistência a essa prática – e a escrita deste
aC
artigo pretende ser uma delas. Nesse caso, tratamos da lacuna da equidade, em
Paim (2009) e Ferreira Neto (2013) ressaltam que, a despeito dos desa-
fios, o SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde, no âmbito mundial.
Assinalam igualmente como é uma ousadia sustentar essa política em tempos
neoliberais e de grande pressão nacional e internacional de privatização da
saúde. Destacam que a rede é rica em propostas de programas e esbarra em
or
efetiva, na construção permanente na política de saúde e no seu controle social,
od V
pela fiscalização e acompanhamento de seus resultados e maneiras de ela ser
aut
implementada. Contudo, Ferreira Neto e Kind (2013) pensam que o trabalho
com as desigualdades sociais tem ficado de lado, frente à crescente indivi-
dualização da atenção cada vez mais focada em modelos oriundos da clínica
R
privada. A vertente de gestão de riscos, individualmente, ganha um espaço
significativo, em contraponto ao campo do cuidado coletivo. Instala-se um
o
amplo mercado da saúde, com o apoio da Agência Nacional Suplementar de
aC
Saúde (ANS) e de planos de saúde privados cada vez mais internacionalizados.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
os seguintes efeitos:
Ed
apenas têm acesso aos serviços públicos de saúde e aqueles que podem pagar
e possuir serviços privados, mas que constitucionalmente estão assistidos
pela saúde pública (Cordeiro et al., 2010). Nessa configuração, a equidade se
efetiva constitucionalmente como avanço e a ela se recorre como princípio,
um anteparo ante uma racionalidade neoliberal e privatizante que a torna cada
vez menos traduzível em práticas efetivas. Efetivar a equidade requer uma
racionalidade de governo outra e, por isso, mesmo com as lacunas observáveis,
or
permanece sendo fundamental para diminuição das desigualdades em saúde.
od V
aut
Considerações finais
R
Neste artigo, foram interrogadas algumas práticas de medicalização da
saúde como paradoxo das lacunas da promoção da equidade no Sistema Único
o
de Saúde (SUS), no Brasil. O racismo institucional, a alimentação, a habitação,
a distribuição territorial e o crescimento da privatização e precarização foram
aC
or
essas mesmas políticas são atravessadas por utilitarismos, individualizações,
od V
prevenções de gestão de riscos, baixa cobertura e presença de preconceitos
aut
e racismos. Dessa maneira, a equidade, ainda que não plenamente efetivada,
permanece como um princípio axial a não abandonar.
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
REFERÊNCIAS
Azevedo, N. S. (2012). Núcleos de apoio à saúde da família: o processo de
implantação em Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Univer-
sidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte.
or
Barata, R. B. (2004). Como e por que as desigualdades sociais fazem mal à
saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.
od V
aut
Benevides, R., & Passos, E. (2005). A humanização como dimensão pública
das políticas de saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 10(3), 561-571. doi: http://
dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000300014
R
Carvalho, J. M. de. (2001). Cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de
o
Janeiro: Civilização Brasileira.
aC
Castel, R. (2008). A discriminação negativa. Cidadãos ou autóctones? Petró-
Janeiro: Graal.
Foucault, M. (1999). Vigiar e punir: a história da violência nas prisões.
Petrópolis: Vozes.
Foucault, M. (2008). Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Martins Fontes.
Fundo das Nações Unidas para a Infância. (1998). A infância brasileira nos
anos 90. Brasília, DF: UNICEF.
Fundo das Nações Unidas para a Infância. (2001). Situação da infância bra-
sileira 2001. Brasília, DF: UNICEF.
or
adolescência brasileiras. Brasília, DF: UNICEF.
od V
Fundo das Nações Unidas para a Infância. (2009). Situação da Infância e da
aut
adolescência brasileiras. Brasília, DF: UNICEF.
R
Gohn, M. da G. (2010). Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no
Brasil contemporâneo. Petrópolis/RJ: Vozes.
o
Jorge Sobrinho, E. (2006). A mobilização instituinte (décadas de 1970 e 1980).
aC
In: V. de P. Faleiros, J. de F. S. da Silva, L. C. F. de Vasconcellos, & R. M.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
saúde coletiva. In: S. Paulon, S., & R. Neves, R. (Orgs.). Saúde mental na aten-
ção básica: a territorialização do cuidado. (pp.17-38). Porto Alegre: Sulina.
s
28/02/2020 13:13:14
CURRÍCULO, FOUCAULT E
A MEDICALIZAÇÃO DAS
SUBJETIVIDADES: resistências
or
e campo de tensão
V
aut
Geise do Socorro Lima Gomes
Flávia Cristina Silveira Lemos
do
1. Introdução
são
de Foucault para interrogar a formação em psicologia, trazendo o debate
epistemológico formado pelo referencial teórico-metodológico para o campo
da psicologia social em interface com a educação e a saúde. Busca-se pro-
ra
blematizar as relações nas quais nasce e se produz um documento como o
i
currículo, por meio de um conjunto de práticas sociais e de formação.
rev
des, em disputa.
Os processos de medicalização são diversos e podem se materializar por
ver di
também por meio das resistências, forjadas no próprio plano de uma dinâmica
de diferenciação das forças que operam tentativas de captura e produção
E
or
vez mais relevante.
od V
Assim, romper com a naturalização das práticas curriculares e questionar
aut
a construção do currículo é um ato que demanda coragem e historicização
com o objetivo de colocar em xeque os efeitos normalizadores e de adequa-
ção social de um currículo a serviço das grandes corporações do capitalismo
R
neoliberal e também interrogar a noção tão banalizada de formação para o
mercado. Falar de currículo não é apenas um ato de organizar e administrar
o
o ensino e, sim uma prática política da história da verdade e da construção
aC
or
que vier a ocorrer com um virá a produzir efeitos no outro e vice-versa
od V
(VEIGA-NETO, 2009, p. 19).
aut
Por sua vez, seguindo essa mesma linha de pensamento, em “Documentos
de identidade”, Tomaz Tadeu da Silva (2011) introduz seu livro questionando
R
o que seriam as “famosas” “teorias do currículo?”. Na verdade, trata-se de
uma provocação acerca das inúmeras publicações que tematizam sobre esse
o
assunto. Ele argumenta que normalmente as teorias que buscam “explicar”,
aC
conceituar, delinear questões acerca do currículo iniciam justamente tentando
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
centralidade no cérebro como produtor de conhecimento, etc.; naturalizando
od V
determinados acontecimentos. A fim de apreender críticas a essas posturas,
aut
no lugar do desenvolvimento de teorias, começou-se a trabalhar com o con-
ceito de discurso, ou seja, de produção de discursos. A partir dessa postura
se entende que não mais existem objetos a serem descobertos, ou essências
R
a serem desveladas e verdades a serem postuladas, mas todo um processo de
discursividades que pautam sobre um determinado tema, produzindo acon-
o
tecimentos, forjando objetos.
aC
produções discursivas.
Cada teoria irá descrever ontologicamente aquilo que ela acredita
que seja currículo e em uma perspectiva de discurso, iremos apontar as
condições de possibilidades de emergência daquele currículo e se voltar
par
muito mais para tentar entender que “questões” essa “teoria” do currículo
busca responder (SILVA, 2011). O autor acima citado aponta que existem
Ed
melhor: “no que devem se tornar?”, porque, de acordo com Silva (2011)
ver
or
das narrativas. Cada “teoria” dessas, portanto, compõem uma narrativa para
od V
explicar seus objetos de estudo e a forma como se relacionam e são forjadas
aut
com o tempo e o espaço. Assim, as teorias tradicionais se situam no campo de
uma postura de “neutralidades” científicas e “desinteressadas”. Elas aceitam o
“status quo”, tal como é definido, sem questionar os saberes e conhecimentos
R
“dominantes”. Interpreta-se a pergunta “o que” como óbvia e partem para o
“como” devem ser ensinados os conteúdos? Preocupando-se com a técnica,
o
com a organização do conteúdo de forma a melhorar o “como” serão “repas-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
concede a soberania aos atores e à agência humana nas explicações da
od V
mudança naquelas estruturas (POPKEWITZ, 2002, p. 180).
aut
Nessa perspectiva para Lyotard (2008) após os anos de 1950, o que
vamos ter é a instalação de uma crise nos “dispositivos” legitimadores da
R
modernidade. O que também é observado por Foucault (2011a, p. 253) na
seguinte passagem:
o
aC
or
estudos sobre determinado currículo, tal como pontua em um exemplo Pacheco
od V
(2005, p. 59):
aut
O currículo depende também dos condicionalismos económicos (sic) exis-
R
tentes em uma dada sociedade: os recursos educativos; a valorização da
carreira dos professores; as expectativas profissionais dos alunos; as opções
curriculares dos alunos; a pressão dos grupos económicos nas escolhas
o
das áreas de conhecimento, etc.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Ou ainda,
tal como cita Popkewitz (2002), tem como uma de suas funções regular e
disciplinar o indivíduo.
ão
or
Se o Estado devia ser responsável pelo bem-estar de seus cidadãos, a
od V
identidade dos indivíduos devia ser vinculada aos padrões administrativos
aut
encontrados na sociedade mais ampla. Em múltiplas arenas sociais, ocor-
rem estratégias de intervenção e reformas estatais, à medida que aparecem
R
novas instituições de saúde, trabalho, educação e novas estruturas mentais,
juntamente com a emergência dos novos objetivos de bem-estar social do
Estado (POPKEWITZ, 2002, p. 187-188).
o
aC
E o poder tal como ele é percebido por Foucault, por sua vez, também
que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e
lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter
Ed
or
a produção desses documentos não é neutra, como bem adverte Foucault
od V
(2000a), existe uma arena arquitetada nas lutas empreendidas pelas diferentes
aut
teorias, demarcando posições de poder.
Para Corazza (2004) devemos questionar o currículo, torná-lo “estranho”,
para assim transportá-lo do lugar comum visionado. Se entendido como uma
R
linguagem “[...] a natureza de sua discursividade é arbitrária e ficcional, por ser
histórica e socialmente construída” (CORAZZA, 2004, p. 9-10). Se percebido
o
como um ser falante, pergunta-se: “o que está dizendo? O que quer dizer, com
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
isto que está dizendo? O que você quer?”. Ainda, de acordo com a autora:
(2000a, p. 7):
[...] O documento, pois, não é mais, para a história, essa matéria inerte
ão
or
parte de um projeto social de grande monta e internacionalizado. Deste
od V
modo, um profissional medicalizante e adaptador de condutas será formado
aut
por um currículo comum a este eixo de sustentação.
Definimos medicalização como um campo de tensões em que os discur¬-
sos médicos, sobretudo, têm se colocado como um dos principais elementos
R
na produção de corpos dóceis e controlados. Isso pode ser observado tanto
na esfera da prescrição de medicamentos quanto na esfera da expansão das
o
chamadas “performances” educativas, corporais, de trabalho etc, produzindo
aC
REFERÊNCIAS
CORAZZA, Sandra Mara. O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas
em educação. Petrópolis: Vozes, 2004.
or
Neves. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000a.
od V
FOUCAULT, M. A ordem do discurso: Aula inaugural no Collège de France,
aut
pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Trad. Laura Fraga de Almeida Sam-
paio. São Paulo: Loyola, 2004a.
R
FOUCAULT, M. O estilo da história [1984]. In. Arte, epistemologia, Filoso-
o
fia e História da Medicina. Coleção: Rio de Janeiro: Forense Universitária.
aC
(Ditos e Escritos VII), 2011a.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:15
POLÍTICAS PÚBLICAS E SAÚDE
MENTAL: processo de trabalho no
cuidado psicossocial à crise
or
V
Herbert Tadeu Pereira de Matos Junior
aut
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Breno Ferreira Pena
1. Introdução
CR
do
Nesse ensaio realizaremos um debate crítico sobre políticas públicas de
saúde mental, com foco na estrutura e funcionamento do cuidado psicossocial
de urgência e emergência. Abordaremos o tema do processo de trabalho de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
profissionais da equipe multiprofissional de saúde, da clínica às pessoas em
crise nas psicoses, na atualidade de estabelecimentos de saúde. O texto apre-
ra
senta um diálogo entre os teóricos especializados e normativas técnicas do
Ministério da Saúde do Brasil, referentes ao processo de trabalho no modelo de
i
rev
or
mento do processo de trabalho nos estabelecimentos da rede de saúde mental,
od V
do cotidiano de intervenções das equipes especializada na alta complexidade
aut
no Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS).
É importante compreendermos que na história do Brasil, durante os pri-
meiros quatro séculos desde a invasão dos colonizadores, as políticas públicas
R
de atenção à saúde mental, quando existiam, estiveram voltadas ao objetivo
de isolamento do restante da sociedade de pessoas consideradas como loucas,
o
assim configurando-se, enquanto modelo baseado na exclusão e de sucessivas
aC
violações aos direitos humanos (BRASIL, 2011). Progressivamente com o
or
a possibilidade de ativação de recursos intersetoriais e comunitários (AMA-
od V
RANTE, 2012, p. 356). O autor pondera que, esta perspectiva é importante
aut
para o entendimento da necessidade de articulação dos serviços de saúde com
os recursos sociais do território, com a vida no cotidiano das cidades e resi-
dências, estratégias que precisam de um constante processo de aproximação
R
e investimento dos estabelecimentos de profissionais parte da rede de saúde
mental básica e especializada.
o
Dentro desse debate, é importante também ressaltar que, estes e outros
aC
serviços foram criados para atuar em conjuntos especializados, no encami-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
modelo de saúde mental, mas também das relações entre os serviços, usuário
e família, e entre estes e a comunidade (AMARANTES, 2014). O modelo de
cuidado psicossocial visa auxiliar a pessoa portadora de transtorno mental,
s
or
de saúde.
Os serviços atuam dentro da lógica de atenção comunitária à saúde de
od V
usuários23, não mais considerados como pacientes psiquiátricos que precisam
aut
ser tutelados e dirigidos em suas escolhas, mas sujeitos de suas vidas que,
precisam ser assistidos em suas demandas em alguns momentos, visando a
R
plena promoção de saúde, das capacidades de autonomia dessas pessoas no
protagonismo do convívio em sociedade.
o
A atenção psicossocial propõe um novo modelo assistencial, tendo como
aC
23 O termo 'usuário' foi induzido pela legislação do SUS (lei n.8.080/90 e 8.142/90), às quais já me referi, no
ver
sentido de destacar o protagonismo do que anteriormente era apenas um 'paciente'. Significa um desloca-
mento no sentido do lugar social das pessoas em sofrimento psíquico (AMARANTES, 2014, p. 84).
24 Art. 6º A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que carac-
terize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II – internação involuntária:
aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III – internação compulsória:
aquela determinada pela Justiça(Lei 10.216/2001, grifo dos autores).
or
o atendimento de urgência e emergência em psiquiatria para funcionar em
od V
hospitais gerais, juntamente com outras clínicas de especialidade médica,
aut
associado a implantação de atendimento em conjunto entre enfermarias espe-
cializadas e serviços extra-hospitalares, da possibilidade de acompanhamento
R
dos casos, antes e após o cuidado especializado na alta e média complexidade
nas redes de saúde.
o
Também fizeram parte dessas tentativas: a implantação de serviços de
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de Saúde (SUS), destacamos, o debate que resultou nas bases da agenda: Pro-
grama Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH), instituído
pela portaria n. 251/GM, de 31 de janeiro de 2002.
O PNASH foi um dispositivo de avaliação em saúde criado como parte
par
or
havendo apresentado resultados interessantes na avaliação desses serviços
que precisariam de continuidade e mais dados atualizados.
od V
Talvez o mais importante marco desse processo, a Rede de Atenção
aut
Psicossocial (RAPs) 25 criada pelo Decreto Presidencial n.° 7.508, de 28 de
junho de 2011, configura-se como uma estratégia de organização de serviços/
R
profissionais/ações para atender pessoas em sofrimento psíquico ou trans-
torno mental, com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas
o
(BRASIL, 2011). Nos interessa mais compreender, como esta rede de servi-
aC
ços é estruturada para o acompanhamento dos usuários, assim destacamos
DEZEMBRO DE 2011).
ver
25 Devo justificar que nesse momento o foco da pesquisa está em compreender o segmento hospitalar da Rede
de Atenção Psicossocial, sem que com esse destaque, estejamos esquecendo a importância da implantação
da saúde mental através dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e dos demais dispositivos de Atenção
Básica de Saúde. Nesse sentido consultar: Roberta Rodrigues (2013), Sâmea Quebra (2011) ou Magda
Dimenstein (2005).
or
tanto mais de base territorial no cuidado psicossocial, quanto mais desen-
od V
volver relações com os vários recursos existentes no âmbito de sua comu-
aut
nidade. Nesse sentido, relacionado ao princípio da integralidade no SUS,
de estratégias que perpassem os vários setores sociais da Rede de Atenção
Psicossocial, da saúde, assistência social, segurança, educação, sociedade
R
civil, bem como, da sociedade como um todo, em sua relação com o processo
de adoecimento mental.
o
O cuidado psicossocial em saúde mental implica em um constante ques-
aC
tionamento do lugar ocupado pela loucura nas comunidades, no empreendi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
sobre a criação e funcionamento dos serviços de urgência e emergência no
od V
país. Composta por sete portarias, vale destacar dentre estas atribuições men-
aut
cionadas, algumas que nos ajudam a definir as competências técnicas dos
serviços de urgência em saúde mental (Apud JARDINS, 2017).
R
Urgências Psiquiátricas: são as que circunscrevem as psicoses, tentativas
de suicídio, depressões, síndromes cerebrais orgânicas. Procedimentos:
o
reconhecer sinais de gravidade das patologias psiquiátricas em situações
aC
de urgência na cena da ocorrência. Descrever ao médico regulador os
A Portaria GMS 1863/03, no seu Art. 2º §1º atesta que a Política Nacional
de Atenção às Urgências deve ser organizada de forma que permita garantir
itor
26 Etapas previstas de um determinado caso, desde a identificação até a finalização do procedimento realizado
na urgência/emergência (MS, BRASIL, 2002).
or
mados transtornos do humor, dependências à substancias psicoativas, as sín-
dromes associadas ao stress, e aos transtornos de personalidade, com base
od V
nas classificações americanas (DSM) (ROCHA; TENÓRIO, 2009, p. 3).
aut
A REUE apresenta estrutura e funcionamento baseados em estratégias
R
de resolutividade imediatas às demandas apresentadas nos agravos de saúde,
as urgências buscam seguir uma proposta biomédica de intervenção, de res-
o
taurar o funcionamento do organismo (JARDINS, 2017). Nesse sentido, a
aC
autora argumenta que, a demanda dos serviços de saúde é sempre voltada à
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
quiátrica pregressa, apresentando uma crise aguda (BARROS, 2010, p. 72).
od V
A portaria SAS/MS nº 189/91 iniciou o processo de normatizar a siste-
aut
mática para as internações em instituições de tratamento em saúde mental no
Brasil, inserindo-as nos critérios de assistência à saúde no SUS. A portaria
R
determina que o usuário, ao chegar ao serviço de Emergência Psiquiátrica
deve ser atendido por uma equipe multiprofissional, composta de médicos
o
psiquiatras e clínicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
educador físico, enfermeiros e técnicos de enfermagem, com admissão de
aC
para até 72 horas, podendo neste último caso, o atendimento ser estendido
mediante solicitação da equipe assistente do serviço (BRASIL, 1992).
Assim, como forma de nos explicar mais da importância da porta-
s
or
dos confusionais agudos, além de pacientes psiquiátricos acometidos por
doenças clínicas e cirúrgicas que necessitem de retaguarda de unidades
od V
de tratamento semi-intensivo ou intensivo (p. 74).
aut
As portarias de n.189/91 e n. 224/92, ajudaram no estabelecimento e
regulamentação dos novos procedimentos em atenção psiquiátrica na rede de
R
atenção psicossocial. Além de regularem as consultas ambulatoriais e as inter-
nações psiquiátricas, passaram a tornar possível o atendimento em serviços
o
de atenção psicossocial fora dos hospitais, como nos Naps/Caps, ou ainda,
aC
em novos modelos hospitalares, como o Hospital-Dia e oficinas terapêuticas.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
A Reforma Psiquiátrica considera a loucura como uma questão política
e social, não sendo uma exclusividade da técnica dos profissionais produzir
od V
respostas a essas demandas (ROCHA; TENÓRIO, 2009). Tal pensamento,
aut
significa a importância de contato com o meio social nas intervenções de
saúde mental integradas à sociedade, da constante problemática que envolve
R
o cuidado em saúde, relativo à compreensão sobre os modos de vida das pes-
soas, como determinantes sociais do processo de adoecimento e manutenção
das enfermidades.
o
aC
O tratamento consiste em levar o paciente a um funcionamento mais favo-
or
relações entre sujeitos, sujeitos que escutam e cuidam, médicos, enfermei-
ros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, dentre muitos
od V
outros autores que são evidenciados neste processo social complexo, com
aut
sujeitos que vivenciam as problemáticas – os usuários familiares e outros
atores sociais (AMARANTES, 2014, p. 84).
R
Kondo et al. (2011) afirmam a importância fundamental da criação do
vínculo entre profissional-paciente para o sucesso do atendimento em saúde.
o
Pois segundo as autoras, em um atendimento de qualidade, a comunicação
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mental nas EPs, parte das funções deste tipo de estabelecimento de saúde
na rede de serviços a que está relacionada. Há situação e momentos em
que a internação entra como exigência de limites ao sujeito, de lei, de
lugar intermediário que possa garantir distância e uma mediação para o
desatino do mesmo (FEITOSA, 2017, p. 455).
par
sociais (FEITOSA, 2017). Estes espaços sociais são reintegrados como partes
da existência de cada um na sociedade, buscando formas e estratégias distintas
de produção de suas subjetividades, vistas como elementos componentes do
s
em saúde.
Ao contrário do que se espera da atuação na alta complexidade, em hospi-
tais e suas complexas máquinas, como diz Lancetti (2006), quando ao cuidado
em saúde mental, a grande complexidade se encontra no território de produção
da saúde, em acessar os lugares onde as pessoas vivem, relacionamento com
or
é fundamental conseguir enxergar suas potencialidades para o atendimento,
procurar descobrir o sentido que a pessoa que passa por este sofrimento con-
od V
fere ao ocorrido, e a partir deste encontro entre sujeitos, pactua estratégias de
aut
cuidado coletivas para resolução dos problemas e de novas formas de levar
a vida (JARDINS, 2017).
R
Nesse sentido, o momento de crise é entendido como o resultado de uma
série de fatores que envolvem os modos de vida de pessoas em sociedade, com
o
seus familiares, amigos ou consigo mesmos (AMARANTES, 2015). O foco
aC
está na complexidade de determinação social do processo de adoecimento
or
estamos desconsiderando as diretrizes do cuidado integral normatizadas pelo
SUS. A loucura não é uma doença, e sim, uma forma de funcionamento dife-
od V
renciado de alguém que demandará um cuidado em subjetividade visando não
aut
somente o seu corpo físico, mas tudo aquilo que envolve o conceito ampliado
de saúde integral. A medicação deve ser vista como mais um instrumento pos-
R
sível no cuidado e não como única solução dos problemas (SANTOS, 2010;
apud JARDINS, 2017).
o
aC
Exatamente porque viver é correr riscos, que podemos desconfiar das
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
problemática de falta de preparo das equipes para lidar com essas situações de
sofrimento intenso, mas que, as causas identificáveis no processo de trabalho
são relativas ao medo de entrar em contato com as demandas, do que pode
acontecer nestes casos, o que contribui para maior quantidade no cuidado aos
par
psiquiátrico e seus técnicos precisam ter clarezas das razões que sustentam a
crítica à instituição psiquiátrica tradicional (JARDINS, 2017). Se enquanto
técnicos nos colocamos acima dos usuários e familiares, nos vangloriamos
ão
or
de coletivo, esse é um processo audacioso e sem precedentes, como defende
Katita Jardins (2017), a Reforma Psiquiátrica é um modelo de implementação
od V
de civilidade nas sociedades, que não deve se restringir aos ambientes de
aut
saúde e aos locais de ensino das profissões, devendo ser exercido e discutido
em todos os espaços de coletividade.
5. Considerações disparadoras R
o
aC
Argumentamos a função da clínica para os profissionais na área da saúde
or
intervenções clínicas construídas coletivamente, a partir daquilo que o próprio
usuário produz, problematiza e escolhe para sua vida.
od V
Sendo um formato de clínica em saúde, precisamente orientada pelo
aut
trabalho em equipes multiprofissionais, a internação em emergências de saúde
mental, enquanto instituição de tratamento, deve estabelecer ferramentas que
R
possam não somente interrogar suas intervenções, mas também reorientá-las
em prol da clínica do sujeito. As palavras ditas, os gestos esboçados, os inte-
o
resses despertados, precisam ser acolhidos. Devemos pensar não somente em
aC
relação aos motivos que acarretaram a internação, mas também sobre aqueles
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Algumas observações críticas sobre a formação em
saúde mental. 2017. In: LOBOSQUE, A. M. Caderno Saúde Mental: Os
Desafios da Formação. ESP-MG, 2017.
or
______. Saúde Mental, desinstitucionalização e novas estratégias de cuidado.
Rio de Janeiro: FIOCRUZ. In: Políticas e Sistemas de Saúde no Brasil.
od V
GIOVANELLA L, et al. (Orgs.). 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Centro
aut
Brasileiro de Estudos de Saúde; 2012.
R
______. Saúde Mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ.
2014.
o
aC
BARROS, Régis Eric Maia; TUNG, Teng Chei; MARI, Jair de Jesus. Serviços
S1413-73722012000200006>.
-MJ/NUTE-UFSC, 2014.
or
od V
______. Ministérios da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
aut
de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde Mental no SUS: centros de
atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2006, p. 77-84.
R
______. Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa
– SGEP Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS. Avaliação
o
dos Hospitais Psiquiátricos no Âmbito do Sistema Único de Saúde Ação
aC
Nacional - PT GM/MS nº 2.398/2011, novembro de 2011.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
org/10.1590/S1983-14472010000200011>.
od V
aut
QUEBRA, Samea C. Ferreira. Discurso Moderno e Psiquiatria Reformada:
considerações sobre um centro de atenção psicossocial (CAPS), 2011. Dis-
ponível em: <http://www.ppgp.ufpa.br>.
R
ROCHA, F.; TENÓRIO, E. C. A psicopatologia como elemento da atenção
o
psicossocial. In: ALBERTI, S.; FIGUEIREDO, A. C., Psicanálise e saúde
aC
mental: Uma aposta. Rio de Janeiro, Companhia de Freud, 2009.
or
V
Marli Lucia Tonatto Zibetti
aut
Élida Furtado do Nascimento
Patrícia Guedes Nogueira
1. Introdução
CR
do
Estudar as políticas educacionais, a partir de referenciais críticos do
campo da psicologia escolar, tem nos permitido compreender os processos
de escolarização como historicamente constituídos e decorrentes de determi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
nações políticas e econômicas mais amplas, mas também marcados por apro-
priações realizadas pelos sujeitos que materializam no dia a dia das escolas a
ra
educação oferecida aos estudantes que frequentam as instituições educativas
i
em nosso país.
rev
or
as principais ferramentas para transmissão do conteúdo escolar, ganham rele-
od V
vância no momento em que se defende essa forma de escolarização para
aut
parcelas significativas da população como solução para a falta de docentes,
principalmente em áreas específicas27.
Desta forma, neste texto apresentamos, inicialmente, argumentos teó-
R
ricos que denunciam as transformações nas formas de exclusão na escola
pública brasileira referindo-se à negação do direito de acesso ao conhecimento,
o
situando os projetos de correção de fluxo como ações políticas que suposta-
aC
mente enfrentariam essa exclusão. Em seguida descrevemos os projetos ana-
or
de completar a escola fundamental, sobretudo por processos de exclusão
existentes no interior das escolas: descontinuidade técnica e administra-
od V
tiva, permanente, por motivos político-partidários; equívocos tecnicistas;
aut
preconceito étnico e social de educadores contra o usuário típico da escola
pública; despreparo docente; remanejamentos constantes dos alunos;
R
classes especiais onde eram depositados os indesejáveis; reprovações
frequentes por critérios que iam além do rendimento e que se tornavam
condenações ao fracasso permanente; impossibilidades dos usuários de
o
arcar com despesas exigidas pela escola “gratuita” e assim por diante. Hoje
aC
assiste-se ao crescimento de um novo tipo de analfabeto: o analfabeto que
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
do ensino em algumas regiões do país, mas por outro contribuiu para gerar
um novo tipo de exclusão escolar, conforme conceitos cunhados por Ferraro
em 1985, denominados de exclusão DA escola e NA escola. Para o autor, o
s
or
tas realidades captadas de forma imediata como o não-acesso, a evasão, a
reprovação e a repetência ganhariam unidade primeiramente sob as cate-
od V
gorias analíticas de exclusão da escola e exclusão na escola e finalmente
aut
sob o conceito mais geral de exclusão escolar (FERRARO, 1999, p. 24).
R
Desse modo, consideramos que a exclusão, não mais somente da escola,
mas na escola aparece como o novo desafio da educação brasileira após os
o
anos 2000, pois as políticas educacionais que têm objetivado compensar o
grande déficit de vagas gerado pelo descaso com a educação, por meio da
aC
tivo em franca ampliação, por vagas e qualidade, por outro lado, a agenda
política conservadora e fortemente alinhada ao ideário neoliberal coloca para
a re
antemão uma postura crítica frente à forma como elas são planejadas e imple-
mentadas, tomando como principal aspecto para análise sua efetividade em
ão
or
vido pela humanidade não ocorre de forma natural, ou seja, pelo simples
od V
fato de estar em sociedade, mas o desenvolvimento das aptidões humanas é
aut
produzido por meio da comunicação entre humanos, no processo de educação
sistemático e intencional.
A educação escolar, portanto, de acordo com a Psicologia Histórico-Cul-
R
tural, se insere na forma intencional de garantir a cada indivíduo a apropriação
do que de mais desenvolvido a capacidade criadora humana já produziu.
o
Assim, essa concepção psicológica possibilita novo e diferente olhar à edu-
aC
cação pública, pois proporciona a reflexão sobre seu papel na transformação
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
humana. Para isso, a escola, mais do que preparar para o mercado de trabalho,
deve garantir o acesso ao conhecimento que possibilita a participação social
dos sujeitos como atores da história humana, capazes de compreender os
visã
processos de trabalho, de forma ampla e, principalmente, os seus modos de
organização na sociedade capitalista. Para Vygotsky (1930/2004) a educação:
itor
Tal horizonte não deve estar apenas na prática de cada professor no con-
texto de escolarização, mas também na forma como as políticas educacionais
são planejadas, evidenciando-se nas diretrizes pedagógicas e curriculares, nos
materiais didáticos, na formação continuada dos professores, entre outras.
Logo, a concepção de sujeito do conhecimento, pela qual as políticas educa-
cionais são concebidas e de cada professor que as materializa no espaço da
sala de aula, tem implicações diretas, na garantia, ou não, do desenvolvimento
or
do humano.
od V
aut
3. A metodologia telessala e a formação de
professores em projetos de correção de fluxo
R
As pesquisas de Nascimento (2016) e Nogueira (2016), desenvolvidas
no Programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de
o
Rondônia, analisaram dois projetos de correção de fluxo desenvolvidos nos
aC
O público alvo dos projetos são estudantes dos anos finais do ensino
a re
prevê que é possível aprender os conteúdos dos anos finais do ensino fun-
damental em até 12, 18, 24 ou 30 meses. Trata-se, ainda segundo o mesmo
documento, de “Uma proposta pedagógica voltada para o mundo do trabalho,
para o desenvolvimento de competências e para formação da cidadania, que
possibilita ao estudante completar a educação básica, com qualidade e um
or
na luta por uma educação básica de qualidade” que buscam uma estratégia
od V
para enfrentar desafios educacionais como meio capaz de “[...] motivar os
aut
estudantes, elevar a autoestima dos estudantes, trabalhar projetos; formar
educadores, implementar a cultura de paz e do diálogo; conectar a escola e
comunidade; criar comunidade de aprendizagem e outros [...]” (FUNDAÇÃO
R
ROBERTO MARINHO, 2013, p. 171).
No mesmo documento, defende ainda, que os investimentos aplicados
o
na metodologia telessala são justificados pelos seus resultados. Assim,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
[...] ela não tem preço. [...] vem possibilitando que os governos invistam
no tratamento dos grandes problemas da educação - tais como repetên-
cia, evasão e distorção idade ano - com inovações eficazes e viáveis. De
visã
fácil aplicação, considerando os materiais disponíveis e procedimentos
já sistematizados, essa abordagem tem impacto social comprovado por
avaliações qualitativas e quantitativas (FUNDAÇÃO ROBERTO MARI-
itor
or
No estudo de Nascimento (2016) sobre o Projeto Poronga desenvolvido
no Acre as professoras apontaram que, no início de cada módulo, são realiza-
od V
dos encontros de formação. Inicialmente essas formações eram oferecidas por
aut
profissionais da Fundação Roberto Marinho e, posteriormente por formadores
da própria secretaria de educação estadual:
R
O processo de formação ele acontece, assim: a gente é convidada quando
o
termina o módulo e vai iniciar o bloco de matemática. São cinco dias: três
dias para matemática e dois dias para geografia. Aquela capacitação é o
aC
denação organiza as cadeiras do jeito que estava ali e quando termina ela
retira e guarda. As equipes que trabalham em sala, nós professores também
Ed
Ah, eu acho que é muito importante, porque é a partir dali que a gente
vai para sala de aula preparada. Além disso, como se trata de disciplinas
diferentes, a gente precisa desse planejamento para poder tirar as dúvidas.
28 As participantes ouvidas no Acre foram identificadas com as iniciais AC. As de Rondônia com RO.
or
A nossa sequência ela é bem detalhada, então se o professor vai colocar
od V
aquela tarjeta lá no quadro, tem que estar aqui no cartaz. [...] a vivência
aut
é ir lá fazer o cálculo, tirar as dúvidas do professor, por que que deu esse
resultado? Por que não aquele? Então, é uma aula mesmo. A gente trabalha
R
todo o plano, passo a passo, na vivência, que é para o professor ir para sala
de aula preparado. Então o professor tem que ir para a sala seguro, e esse
o
momento de estudo, dentro do planejamento, é muito importante para que
aC
o professor vá com segurança para a sala de aula (Assessora Antônia, AC).
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
aluno. Eles trabalham muito isso. Muitas técnicas de como você vai tra-
balhar determinado conteúdo. Eles não vão ensinar o conteúdo que você
vai trabalhar (Professor Floriano, RO).
ão
pessoas de renome que vão falar sobre o assunto. Por exemplo, nesse
ver
fazer. Aí eles vão repassando toda essa prática, para você repassar para
seus alunos (Professora Camélia, RO).
or
orienta “o passo-a-passo” de cada aula.
od V
Conforme destaca uma das professoras, o conteúdo não é o foco da for-
aut
mação, e sim as técnicas e a “análise de mundo” com pessoas de “renome”
(Professora Flora, RO). Por meio das entrevistas, identificamos que o material
disponível, bem como o processo formativo orientam os professores a desen-
R
volver um trabalho flexível que incentive a participação, desafie o pensamento
e melhore a autoestima dos alunos. Isso deve ser feito com a divisão da turma
o
em equipes, a organização das cadeiras em círculos, ensinando os alunos a
aC
lerem imagens, investindo na criação de vínculos com os alunos, buscando
das formações.
Conforme apontado por Nascimento (2016) em Cruzeiro do Sul o acom-
panhamento dos professores no processo de planejamento é constante, o que
parece minimizar as dificuldades com a falta de domínio dos conteúdos espe-
par
meses e os professores não contam com outro tipo de apoio, limitando suas
possibilidades de contribuir com a formação dos estudantes, conforme explica
uma das professoras: “[...] quando chega naquela matéria de tabela periódica,
ão
chega nessa parte, quem não é da área tem um pouco de dificuldade. Quando
vai entrando para química eu tenho dificuldade só que procuro pesquisar. Eu
sei que eu não consigo alcançar todo o objetivo” (Professora Magnólia, RO).
s
Sempre vem. Comigo eles estão sempre vindo. Antes de começar uma
capacitação, eles vêm e quando termina a capacitação, eles vêm de novo.
O ano passado, acho que vieram umas quatro ou cinco vezes. Esse ano já
estiveram aqui. É de acordo com a capacitação. [...]. Eles entram e con-
versam com os alunos. Pedem para ver o memorial dos alunos e pedem
para ver meu memorial. Eu tenho recebido muitos elogios [risos], pena
que não dá dinheiro [risos] (Professora Rose, RO).
or
afirma que elas acontecem a cada módulo e, às vezes, contam com a presença
dos formadores durante as aulas. Em sua concepção, trata-se de uma entrevista
od V
“[...] sobre o que está acontecendo, sobre que conteúdo que estou dando, é
aut
mais com o professor mesmo.”
Em Cruzeiro do Sul, o processo de acompanhamento se dá nos encontros
R
semanais e também em visitas as salas de aula. Para a maioria das professoras
esse acompanhamento é de fundamental importância para que as atividades do
o
Projeto apresentem resultados positivos. No entanto, alguma delas reconhecem
aC
haver nessa forma de acompanhamento certo mecanismo de controle por parte
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
do Estado: “[...] há uma fiscalização muito grande, porque toda semana tem
uma coordenadora na nossa sala. Você sabe que a coordenadora vai, não é só
para saber se os alunos estão bem, elas vão para fiscalizar mesmo, para ver
visã
se a metodologia está sendo colocada em prática”. (Professora Graça, AC).
or
maximizam-se os efeitos de sua intervenção (SAVIANI, 1999, p. 24).
od V
Peroni (2010) esclarece que o limite à autonomia docente é comum nas
aut
parcerias público-privadas e se estendem a outras instâncias dos processos
educativos com grandes prejuízos à gestão democrática da educação.
R
[...] a diminuição da autonomia do professor, que entre outros fatores
fica minimizada, desde quando recebe o material pronto para utilizar em
o
cada dia na sala de aula e tem um supervisor que verifica se está tudo
aC
certo, até a lógica da premiação por desempenho, que estabelece valores
projetos e atuar para que apresentem ótimos resultados, pelo menos enquanto
índices de aprovação.
Somadas ao material didático, a formação e o acompanhamento peda-
gógico são tidos pela FRM como suficientes para que o professor unido-
cente se aproprie de uma rotina estruturante tornando-se capaz de orientar a
or
a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências, é
od V
tida como mais desejável.” Portanto, aprender sozinho contribuiria para a
aut
autonomia do estudante, diferentemente da transmissão de conhecimen-
tos realizada por outra pessoa que seria, muitas vezes, um obstáculo para
essa aprendizagem.
R
A visão de professor como centro do conhecimento já está ultrapassada.
o
[...] Eu achava que era só para encher linguiça, mas agora, a partir de toda
aC
essa formação que nós tivemos e de todas as pesquisas que a gente tá
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
fazendo na educação eu acho que ela é válida. Porque tira aquela ideia do
professor como único sabedor. Como único dono da verdade (Professora
Magnólia, RO).
visã
tes, além de fornecer condições para que os estudantes, de fato, possam buscar
o conhecimento em outras fontes, ainda assim não abrem mão do papel do
professor como aquele que ensina conhecimentos fundamentais à formação
de todo e qualquer cidadão.
par
or
de conhecimentos e valoriza as famosas aprendizagens significativas, está
presente tanto no movimento escolanovista como no construtivismo. Saviani
od V
(1999, p. 53) explica que a pedagogia tradicional, a pedagogia da essência,
aut
que vai fazer uma defesa intransigente da igualdade essencial dos homens,
não serve à burguesia que acaba por propor a pedagogia da existência (escola
R
nova). Nela, “os homens não são essencialmente iguais; [...] Então, há aqueles
que têm mais capacidade e aqueles que têm menos capacidade; há aqueles que
o
aprendem mais devagar.” Desta forma, a metodologia com base nesse tipo
aC
de pedagogia acaba por legitimar a dominação e as desigualdades, ao mesmo
dos grupos colaborativos, bem como a utilização dos vídeos tentam resgatar
a ideia de que o estudante não está sozinho no processo de aprendizagem
s
quando na verdade está, uma vez que o “fazer em colaboração” não inclui o
ver
or
humana por meio dos processos de escolarização, os quais farão a mediação
od V
entre níveis mais elementares de desenvolvimento e níveis superiores.
aut
Nessa perspectiva, também defendemos que o processo de ensino seja
criativo, inovador, desafiador. Entretanto, o foco principal do processo de
ensino deve ser a apropriação de novos conhecimentos, pois eles são condição
R
imprescindível para que os seres humanos desenvolvam as formas humanas
mais elaboradas de conduta. Conforme Leontiev (1978, p. 273), “Quanto mais
o
progride a humanidade, mais rica é a prática socio-histórica acumulada por ela,
aC
mais cresce o papel específico da educação e mais complexa é a sua tarefa”.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
4. Considerações finais
itor
a re
papel de fiscalizador dessas ações que são vendidas como mercadoria ao poder
público por meio dos seus resultados, considerados apenas como impacto nos
índices de escolarização, progressão na escolarização e correção da distorção
s
idade-série.
ver
or
os problemas da escola, desde que os professores desempenhem, de forma
od V
competente e entusiasmada a parte que lhes foi atribuída.
aut
As análises mais aprofundadas dessas relações, entretanto, evidenciam
que a adesão acrítica ao discurso milagroso das soluções fáceis, contribui para
a manutenção e o reforço a estereótipos sobre o fracasso escolar que persiste
R
na escola pública. Sem acesso ao conhecimento, recebendo um arremedo de
escolarização, os egressos desses programas não conseguem acompanhar o
o
ensino regular e se constituem em público potencial para novos programas
aC
quanto de estudantes.
REFERÊNCIAS
ACRE. Diretrizes do Poronga. Estabelece as diretrizes e orientações para o
Projeto Poronga, [2011?]. Documento recebido por: < n_furtado@hotmail.
com>. em: 11 set. 2015.
or
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Dis-
ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituica-
od V
ocompilado.htm>. Acesso em: 16 set. 2018.
aut
DUARTE, Newton. As pedagogias do “aprender a aprender” e algumas ilu-
R
sões da assim chamada sociedade do conhecimento. Revista Brasileira de
Educação, n. 18, p. 35-40 set./out./nov./dez. 2001. Disponível em: <http://
www.scielo.br/pdf/rbedu/n18/n18a04>. Acesso em: 10 fev. 2016.
o
aC
FERRARO, Alceu Ravanello. Diagnóstico da escolarização no Brasil. In:
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Associados, 2004.
or
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Fundação Universidade Federal de
od V
Rondônia, Porto Velho, 2016.
aut
OLIVEIRA, Romualdo Portela de. Da universalização do ensino fundamen-
R
tal ao desafio da qualidade: uma análise histórica. Educação e Sociedade,
Campinas, v. 28, n. 100 - Especial, p. 661-690, out. 2007. Disponível em:
o
<http://www.cedes.unicamp.br.> Acesso em: 30 dez. 2015.
aC
or
______. Transformação Socialista do Homem. Psychology and Marxism
od V
Internet, 1930/2004. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/
aut
vygotsky/1930/mes/transformacao.htm>. Acesso em: 29 out. 2015.
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
28/02/2020 13:13:21
GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E
FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA: há
possibilidades de diálogo em tempos precários?
or
V
Eliz Marine Wiggers
aut
1. Introdução
CR
Este capítulo tem o intuito de estabelecer inicialmente um diálogo sobre
do
gênero, diante de tempos precários em que se afirma por todos os cantos a
lógica da heteronormatividade. Ainda, temos vivenciado tempos precários do
ponto de vista da violação de direitos, do ódio contra as expressões de gênero
e muitas vezes isso sendo exercido por profissionais de saúde. Se discute,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
numa segunda parte de discussão, se é possível romper com a lógica da pato-
logização na Psicologia. Para apontar algumas possibilidades são apontadas
ra
algumas legislações brasileiras, que tem afirmado a promoção de direitos
humanos, o enfrentamento à discriminação e aos preconceitos. Ainda, são
i
rev
[...] essa relação absoluta, linear e direta entre sexo, gênero e orientação
sexual, que a sociedade estabelece e “naturaliza”, fazendo que pareça
determinação da natureza. Não passa, porém, de um recurso discursivo,
do domínio da linguagem, transformado em dispositivo totalitário e hege-
or
mônico, fruto da aplicação compulsória das normas binárias de condutas
de gênero.
od V
aut
Assim, se vive em um cenário marcado pela homofobia, lesbofobia e
transfobia. Em que qualquer sujeito que se reconhece fora deste padrão con-
R
siderado “normal” da heterossexualidade, merece vivenciar sofrimentos e
sofrer processos de exclusão. Mas, que conceitos estão em jogo? O que se
o
caracteriza como sendo Sexo, gênero e orientação sexual? Lanz (2017, p. 38)
aC
argumenta que quando se cita sobre sexo “o primeiro significado que está
das, pois os dispositivos destas instituições passam a estarem mais sutis entre
todos nós e todos nós os legitimamos. Os lugares, os saberes e as práticas
mudam, mas as estratégias de individualização permanecem e se perpetuam,
principalmente em tempos precários que temos vivido. Rosato (2011, p. 15)
argumenta, ao atentar a história da profissionalização da Psicologia no Brasil,
que “[...] não há como se furtar de que a Psicologia veio como um lugar de
saber/poder, muitas vezes, a serviço da repressão e da lógica normatizadora
do sujeito” (ROSATO, 2011, p. 15). Mas, Lanz (2017, p. 40-41) é enfática
ao afirmar:
Gênero não existe na natureza. Ao contrário do sexo, que pode ser consi-
derado como uma produção da natureza, o gênero é uma construção social
or
que varia intensamente de cultura para cultura e de época para época. [...]
até meados da década de 1960, gênero não existia, nem como conceito,
od V
nem como categoria de análise sociológica. [...] O conceito de gênero veio
aut
para descontruir, desautorizar e combater a milenar visão essencialista de
que as diferenças entre homens e mulheres, assim como seu lugar político,
R
cultural, religioso e econômico na sociedade já são determinados biolo-
gicamente, junto com o seu sexo genital.
o
Bento (2014), nesta mesma direção, enfatiza que refletir sobre gênero
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
atentado mais para o doente e para a doença? Aqui cabe considerar que muitas
a re
or
mera variação da homossexualidade e como patologia, mais precisamente
como “transtorno mental”, ou nos termos “amasiados” do DSM V como
od V
“Disforia”. Essa tendência reflete o atraso da sociedade brasileira no reco-
aut
nhecimento dos direitos civis das pessoas transgêneras, como já ocorreu
em diversas partes do mundo, inclusive nas vizinhas Argentina e Uruguai.
R
Respaldada por um machismo exacerbado e por doutrinas evangélicas
fundamentalistas, a sociedade brasileira continua submetendo as pessoas
o
gênero-divergentes a uma elevadíssima carga de estresse físico e mental
resultante do intenso e contínuo constrangimento sociopolítico-cultural
aC
or
cer violação de direitos na sua atuação. E destacamos os aspectos fundantes
da Psicologia como profissão, em pleno contexto ditatorial, em que foi pro-
od V
mulgada a Lei nº 4.119/1962. Rosato (2011, p. 14) denuncia que
aut
[...] que não é à toa que exatamente num governo ditatorial se gesta uma
R
profissão que busca criar perfis e trabalhar para o ajustamento de pessoas
que não se enquadram ao “normal”. Fatos como esse revelam as constru-
ções históricas que são feitas, de acordo com seus respectivos contextos
o
e possibilidades.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
doença ou outras formas desrespeitosas ou preconceituosas.
od V
Cabe destacar que tanto as legislações relativas aos profissionais da saúde
aut
já contemplam também a(o) Psicóloga(o), pois o Ministério da Saúde promul-
gou a Resolução CNS nº 218/1997, que reconhece a Psicologia como uma
R
das treze categorias que compõem a área da Saúde. No âmbito específico da
Psicologia, que se refere ao Código de Ética Profissional da(o) Psicóloga(o),
o
cabe destacar o que consta nos Princípios Fundamentais:
aC
or
população trans, bem como à qualquer pessoa a sua livre expressão de gênero,
od V
ou orientação sexual, exercendo o respeito à dignidade e o acesso aos servi-
aut
ços públicos de saúde. Além disso, a assegurar a toda(o)s a(o)s Transgentes,
como propõe Lanz (2017), que não sejam considerada(o)s a partir de uma
condição patológica, justamente por transgredirem a concepção normativa de
R
coerência entre sexo biológico, gênero e orientação sexual, conforme consta
em Nota Técnica publicada pelo Conselho Federal de Psicologia em 2013,
o
sobre a atuação da(o) Psicóloga(o) frente ao processo transexualizador, e
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
práticas homoeróticas.
Art. 3° – os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a pato-
logização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão
ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não
ão
or
bússola norteadora que indica o grau de civilidade de uma sociedade. Isso
não se refere apenas ao respeito formal, pois importantes textos foram assi-
od V
nados pelo Brasil, conforme já colocado anteriormente, sendo referências
aut
no assunto. Trata-se aqui da construção de uma cultura que respeite os
Direitos Humanos efetivamente para todas as pessoas.
R
4. E, na formação da(o) psicóloga(o) como romper
com preconceitos e defender direitos humanos?
o
aC
A partir de experiência vivenciada no âmbito do Estágio Específico
regulamentam a atuação.
Num contexto em que para ser possível a mudança de nome e sexo em
todos os documentos, bem como tratamentos de hormonioterapia, no caso
do público Trans, se demandavam atendimentos psicológicos, e autorização
judicial, e para que isso fosse possível no âmbito acadêmico, houve articulação
par
or
Direitos humanos são aqueles comuns a todos, a partir da matriz de direito
od V
à vida, sem distinção alguma decorrente de origem geográfica, caracteres
aut
do fenótipo (cor da pele, traços do rosto e cabelo), da etnia, nacionali-
dade, sexo, faixa etária, presença de incapacidade física ou mental, nível
socioeconômico ou classe social, nível de instrução, religião, opinião
R
política, orientação sexual ou de qualquer tipo de julgamento moral. São
aqueles que decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca de todo
o
ser humano.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Mas, ainda enfatizam que “Resta-nos, como psicólogos, tomarmos nas
mãos nosso projeto de uma formação em Psicologia guiada pelos direitos
od V
humanos, sabendo que isso exigirá uma revisão corajosa de nossas teorias e de
aut
procedimentos tradicionais de formação” (BOCK, GIANFALDONI, 2010, p.
101). Pois, a supremacia da técnica, a rasa ou falta de posicionamento crítico,
R
terá que ser deixado de lado para dar espaço a uma educação efetivamente
crítica. Como nos escreve Freire (2006, p. 45)
o
[...] é preciso que a educação esteja - em seu conteúdo, em seus pro-
aC
gramas e em seus métodos – adaptada ao fim que se persegue: permitir
posta de discussão, nada fechada, se aponta: cabe a(o) psicóloga(o) atuar como
um mediador da promoção da qualidade de vida mediante o acolhimento.
Promover que a diversidade de gênero seja expressão das mais variadas pos-
s
REFERÊNCIAS
BENEVIDES, M.V. Direitos humanos: desafios para o século XXI. In: SIL-
VEIRA, R. M. G. et al. (Orgs.). Educação em direitos humanos: funda-
mentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
p. 335-350.
or
BENTO, Berenice. O que pode uma teoria? Estudos transviados e a despato-
od V
logização das identidades trans. Florestan, n. 2, 2014, p. 46-66.
aut
BENTO, Berenice; PELÚCIO, Larissa. Despatologização do gênero: a poli-
R
tização das identidades abjetas. Estudos feministas, 2012. p. 569-581.
o
BOCK, Ana Mercês Bahia Bock; GIANFALDONI, Mônica Helena Tieppo
aC
Alves. Direitos Humanos no Ensino de Psicologia. Psicologia: Ensino &
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ago. 2019.
or
od V
______. Resolução CFP nº 001/2018. Estabelece normas de atuação para
aut
as psicólogas e os psicólogos em relação às pessoas transexuais e travestis.
Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wpcontent/uploads/2018/01/Resolu%-
C3%A7%C3%A3o-CFP-01-2018.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2019.
R
______. Resolução nº 010/2005. Código de Ética Profissional do Psicó-
o
logo, Brasília, 2005. Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/
aC
uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>. Acesso em: 19 ago. 2019.
or
DO PLANTÃO PSICOLÓGICO
V
aut
Adriana Alcântara dos Reis
Emanuel Meireles Vieira
CR
do
1. Introdução
são
mações nas últimas três décadas. Há 30 anos, quando o Conselho Federal
de Psicologia publicou resultados de uma pesquisa que perguntava quem
ra
era o psicólogo brasileiro, a resposta era muito atrelada a um perfil clara-
mente liberal, feminino, muito concentrado no Sul e Sudeste do país, com
i
predominância em consultórios particulares (CONSELHO FEDERAL DE
rev
PSICOLOGIA, 1988).
Fazer psicologia clínica e fazer psicoterapia eram sinônimos, de modo
to
que a clínica, mais até do que uma área de atuação, era pensada como um lugar
físico, o espaço da clínica propriamente dito. Fazer clínica, portanto, signifi-
ara
cava ter um consultório particular, num serviço acessível apenas para poucos,
a fim de trabalhar problemas emocionais numa perspectiva que, segundo Lo
ver di
que, por si, é incontrolável. Afinal, como controlar as paixões, nosso medo
da finitude, nossa impotência diante das intempéries da existência? A tradição
médica, de controle, de cura do que Figueiredo (1992) chama de dejeto do
sujeito da modernidade acompanha o lugar atribuído de extirpação ou adap-
tação do mal-estar. E às abordagens de Psicologia, tão marcantes nas práticas
psicoterápicas, cabe decidir eticamente o rumo que desejam seguir – se o da
adequação ou do acolhimento.
or
Embora a psicoterapia mantenha sua importância e lugar, a partir da
od V
inserção da Psicologia nas políticas públicas, o perfil do profissional mudou
aut
consideravelmente, e a noção do que é fazer clínica acompanhou esse pro-
cesso. Antes tida como lugar, conforme dito acima, a clínica passa a ser
compreendida como uma abordagem, um modo de cuidar dos aspectos da
R
experiência humana descritos acima e que não encontram eco num campo
social mais amplo, ou, dito de outro modo, de experiências de desamparo.
o
Isso ganha contornos ainda mais específicos quando pensamos, por exem-
aC
plo, em trabalhos cuja reprodução de um modelo psicoterápico é, inclusive,
atuação. Vale dizer que o mesmo raciocínio pode ser aplicado ao trabalho no
Sistema Único de Saúde (SUS) e outras políticas públicas.
A própria noção de escuta ganha características muito peculiares. Escu-
tar, nesse caso, não pode se limitar a tomar o discurso do outro como início e
fim, mas pô-lo em diálogo com formas de cuidado que a Psicologia sozinha
não alcança, embora faça parte delas. A uma família desassistida do básico
pelo Estado, é muito importante ser ouvida, acolhida, ter sua dignidade como
or
pessoas escutada, mas isso precisa se articular a outras formas de cuidado
que o Estado tem obrigação de prover e que a escuta por si só jamais será
od V
capaz de transformar. A escuta nesse cenário, portanto, parte daquilo que a
aut
pessoa que procura ajuda diz e caminha em direção ao que existe de possi-
bilidade de cuidado fora do âmbito físico em que a relação ocorre. Trata-se,
R
portanto, de uma escuta que parte da relação, valoriza-a, mas reconhece que
aquela frequentemente é insuficiente como forma de cuidado e dialoga com a
o
cidadania, com a garantia de direitos, com o fomento à participação popular,
aC
etc. Escutar, nesse caso, parte do ouvido e caminha em direção a um contato
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
com uma escuta atenta e intensa. Além disso, indica que, em vez de procurar
um serviço quando este comunicar que é possível, aquele que o deseja deve
fazê-lo quando sentir necessidade.
s
or
apenas uma triagem para a psicoterapia e não tem compromisso com encami-
nhar todos os que o procuram para se submeter a um processo psicoterápico.
od V
Segundo Perches (2009), por essas características, o plantão tem como
aut
princípios norteadores: uma maior abrangência do serviço, na medida em
que abre o leque de possibilidades de situações em que as pessoas procuram
R
imediatamente ajuda psicológica; uma consequente ampliação de demandas
a serem atendidas, uma vez que não há um centramento no problema, mas na
o
pessoa que busca ajuda; e uma tentativa de diminuição da cronicidade, uma
aC
vez que, antes de o sofrimento se agravar, a pessoa tem a possibilidade de ser
raro que pessoas cheguem objetificando o que sentem, sem tanta implicação
quanto ao que se passa consigo. Nesse sentido, Mahfoud ainda aponta a
necessidade de, mesmo mantendo respeito à autonomia do outro diante de
s
or
mobiliza, que de algum modo atravessa e toca a pessoa que dela fala. Bondía
(2002) compreende que o excesso de informação, o excesso de opinião, a
od V
falta de tempo e o excesso de trabalho são inimigos da possibilidade de uma
aut
experiência nos ocorrer. Isso “requer parar para pensar, parar para olhar, parar
para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar”
R
(p. 24). O sujeito da experiência, portanto, é capaz de parar, olhar atentamente
para si, acolher e compreender o que ocorre consigo e só então se posicionar.
o
O plantão psicológico é, portanto, espaço de elaboração da experiência na
aC
medida em que é oferecido a quem procura ajuda exatamente a possibilidade
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que reconhece nela limites (VIEIRA; BORIS, 2012). É nesse sentido de reco-
nhecer no que podemos chamar de humildade da escuta seu potencial e não
um problema que o plantão encontra possibilidade de dialogar com o trabalho
da Psicologia com diversas políticas públicas. Entre esses diálogos possíveis,
par
a mulher pode estar sob risco tanto fora (situações de violência urbana, por
exemplo), quanto dentro de casa.
De acordo com a pesquisa “Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e
Privado”, da Fundação Perseu Abramo (2010), 01 em cada 05 mulheres brasilei-
ras já sofreu alguma forma de violência doméstica cometida por um homem. No
Brasil, estima-se que 80% dos casos de agressão contra mulheres foram cometi-
dos por parceiros ou ex-parceiros. No balanço dos relatos de violência registra-
or
dos de janeiro a outubro de 2015 pelo Ligue 180 – Central de Atendimento à
Mulher em Situação de Violência, serviço gratuito instituído desde 2005 com
od V
o objetivo de receber denúncias de violência e orientar as mulheres sobre seus
aut
direitos, a legislação vigente e os serviços disponíveis em seu território, 85,85%
dos casos atendidos eram situações de violência doméstica e familiar contra as
R
mulheres, 67,36% dos relatos tratavam-se de violências cometidas por homens
com quem as mulheres tinham ou já haviam tido algum vínculo afetivo. Dados
o
mais recentes do Ligue 180 (janeiro a julho de 2018) apresentaram o registro
aC
de 27 feminicídios, 51 homicídios, 547 tentativas de feminicídios e 118 tentativas
como uma violação de direitos. Além disso, ainda havia a manutenção da crença
ver
or
Mulher, conhecida como a Convenção de Belém do Pará. Ocorrida em 1994,
od V
conceitua a violência contra as mulheres, reconhecendo-a como uma violação
aut
aos direitos humanos, e estabelece deveres aos Estados signatários, com o
propósito de criar condições reais de rompimento com o ciclo de violência
identificado contra mulheres em escala mundial.
R
Impulsionado pelas deliberações desses eventos internacionais, fruto
da articulação internacional do movimento de mulheres do mundo inteiro,
o
o Brasil iniciou o processo de elaboração das políticas públicas hoje vigen-
aC
tes voltadas para a garantia dos direitos das mulheres. No período de 1992
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicoló-
gico e dano moral ou patrimonial” (BRASIL, 2006). A lei Maria da Penha
especifica como formas de violência contra a mulher os seguintes tipos de
ão
or
que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
od V
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou
aut
recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”
e violência moral – “qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou
injúria” (BRASIL, 2006).
R
Uma rede de serviços especializados e políticas públicas voltadas para as
mulheres em situação de violência foram criadas no Brasil, a partir da criação
o
da Secretaria de Políticas para as Mulheres (2003) e em função do que foi
aC
estabelecido pela Lei Maria da Penha (2006). Além de Juizados de Violência
or
mente psicológica, conforme definida na Lei Maria da Penha, evidencia que,
od V
para além dos riscos e efeitos visíveis no corpo das mulheres, a violência
aut
apresenta múltiplas configurações e acarreta impactos de ordem emocional.
Desta forma, está associada como fator desencadeante de casos de depressão,
ansiedade, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), além de ser fator
R
de risco para o suicídio em mulheres, conforme levantamento realizado por
Medeiros (2010). É diante deste cenário que a atuação de psicólogxs assume
o
um papel importante nos diferentes serviços da rede de atendimento à mulher
aC
em situação de violência.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
sentimento de culpa e vergonha pela situação vivida, e, por conta disto, têm
dificuldade para pedir ajuda e relatar os episódios de violência já vivencia-
dos. Tal panorama exige que os serviços que se destinam ao atendimento de
ão
risco e/ou de ameaça a essa mulher. Neste momento, quanto mais qualificado
e completo for o atendimento prestado, maiores as chances de garantir a
segurança física e psicológica da mulher em situação de violência, podendo
inclusive evitar as situações de reincidência, tão comuns no que diz respeito
à violência contra mulher.
or
de violência. Isto pode estar associado a fatores diversos, dentre eles ao fato
de que após um intervalo de tempo a situação-problema pode ser resolvida
od V
de alguma forma que, mesmo não sendo a ideal, traz algum tipo de alívio
aut
imediato, ainda que implique em possível reincidência na busca pelo serviço.
Além disso, ainda há o receio do estigma atrelado ao atendimento psicológico
R
como “coisa de doido” e a possibilidade de falta de dinheiro ou outras difi-
culdades pessoais para retornar ao serviço em um outro momento.
o
Diante das dificuldades apontadas, o plantão psicológico é uma moda-
aC
lidade de atendimento psicológico que se adapta aos fatores mencionados e
gico como:
Ed
relação que, por curta que seja, pode ser bastante significativa na busca de
alternativas para lidar com a situação que desencadeou o processo de busca
por ajuda. Em vez dos julgamentos que ela mesma faz sobre sua própria
situação, oferece-se a compreensão, convida-se a mulher a narrar e (re)avaliar
sua própria experiência sem as interjeições que, por uma série de condições
or
em situação de violência, ao chegarem em busca de ajuda, geralmente após
a ocorrência de situação de violência. Assim, elas teriam acesso mais rapida-
od V
mente a um acolhimento adequado, caracterizado por uma escuta aceitadora,
aut
pautada pela compreensão de sua experiência. O trabalho funcionaria como
um auxílio no processo mais imediato de resolução de problema e de tomada
R
de decisão, que envolve a vivência de situação de violência.
A despeito disso, não é a resolução do problema ou a tomada de decisão
o
o foco, mas a experiência da mulher que procura ajuda. Compreender, nesse
aC
caso, é adotar uma postura de empatia, ou seja, de capacidade de se colocar
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
no lugar do outro e, assim, tentar perceber seu mundo tal como ela o percebe.
Evidentemente os desdobramentos que esta compreensão pode ter são muito
importantes e desejáveis, mas tomá-los como o fim do trabalho pode significar
visã
ignorar uma situação de sofrimento presente que pede para ser cuidada no
agora, e não apenas um meio para que se chegue uma situação ulterior. O plan-
tonista comunica, através de suas ações (e não de palavras), que aquele é um
espaço diferenciado para olhar para aquela questão. Possivelmente, um lugar
itor
inédito, em que a pergunta sobre “como você está” não é uma mera formali-
a re
or
4. Considerações finais
od V
aut
Discutiu-se neste texto o cenário de profundas transformações por que
vem passando a Psicologia Clínica no Brasil – de uma lógica privativista e
R
liberal em direção a uma maior contextualização de práticas de cuidado com
o sofrimento do outro. Neste sentido, diferenciou-se Psicologia Clínica de Psi-
o
coterapia – até bem recentemente sinônimos. Fundamental neste processo foi a
aC
inserção de profissionais de Psicologia em políticas públicas. Nelas, conforme
da mulher não pode se reduzir a uma perspectiva que não dialoga com ques-
tões culturais, legais, educativas, enfim, de toda a formação social que leva
a situações de violência de gênero. É esse olhar amplo que torna o plantão
s
REFERÊNCIAS
AMORIM, F. B. T; ANDRADE; A. B. de; CASTELO BRANCO, P. C. Plantão
psicológico como estratégia de clínica ampliada na atenção básica em saúde.
Contextos clínicos, v. 8, n. 2, 141-152, 2015.
or
BEZERRA; E. N.; MONTEIRO, C. A. S. Serviço de plantão Psicológico
para Idosos: um espaço afetivo de promoção de saúde e qualidade de vida.
od V
In: TASSINARI, M. A.; CORDEIRO, A. P. da S.; DURANGE, W. T. (Org.).
aut
Revisitando o plantão psicológico centrado na pessoa. Curitiba: CRV, 2013.
p. 145-157.
R
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista
o
brasileira de educação, n. 19, p. 20-28, 2002.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
MAHFOUD, M. A Vivência de um Desafio: plantão psicológico. In: ROSER-
od V
NBERG, R. L. (Org.). Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa
aut
São Paulo: EPU, 1987, p. 75-83.
R
______. Desafios sempre renovados: plantão psicológico. In: TASSINARI,
M. A.; CORDEIRO, A. P. da S.; DURANGE, W. T. (Org.). Revisitando o
plantão psicológico centrado na pessoa. Curitiba: CRV, 2013. p. 33-50.
o
aC
MEDEIROS, Marcela Novais. Violência conjugal: repercussões na saúde
or
TASSINARI, M. Plantão psicológico como promoção de saúde. In: BACEL-
od V
LAR, A. A psicologia humanista na prática: reflexões sobre a abordagem
aut
centrada na pessoa. Palhoça: Editora da UNISUL, 2009.
R
de interlocução da psicologia clínica com as políticas públicas. Estudos e
Pesquisas em Psicologia (UERJ), v. 12, p. 883-896, 2012.
o
aC
VIEIRA, E. M.; DOS ANJOS, K. P. L. Tornar-se plantonista: o fluxo das
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:25
PERCEPÇÃO DE PROFISSIONAIS DA
ATENÇÃO BÁSICA EM SAÚDE DE
UMA METRÓPOLE DA AMAZÔNIA
or
BRASILEIRA SOBRE VIOLÊNCIA
V
CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
aut
CR Milene Maria Xavier Veloso
Celina Maria Colino Magalhães
do
Isabel Rosa Cabral
1. Introdução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
A decisão em intervir em casos de violência e consequentemente realizar
ra
os procedimentos necessários pode ser uma tarefa árdua para os profissionais de
saúde, tanto por receio em ter feito uma avaliação imprecisa e, portanto a sus-
i
rev
peita não ser confirmada, quanto à decisão sobre o momento que se deve inter-
ferir em situações que envolvem casos de violência doméstica/ intrafamiliar. 29
Adicionado a esse contexto, tem-se a questão do vínculo de confiança
to
or
adolescentes, foram estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) que receberam incumbências específicas como: a identificação, a noti-
od V
ficação da situação de maus tratos e a busca de formas para proteger as vítimas
aut
e dar apoio às famílias. Segundo Bourroul (2005), em consonância ao que
estabelece o ECA, a Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por
R
Acidentes e Violência (Portaria nº 737, publicada pelo Ministério da Saúde
em 16 de maio de 2001), preconizou a realização do atendimento específico às
o
vítimas de acidentes e da violência e os fundamentos do processo de promoção
aC
da saúde e da qualidade de vida das vítimas, tendo como estratégia básica a
gem e seis Agentes Comunitário de Saúde (ACS), que são responsáveis pelo
ver
or
atua; ter idade mínima de dezoito anos; ter ensino fundamental completo, ter
disponibilidade de tempo integral para exercer suas atividades e ter concluído,
od V
com aproveitamento, curso introdutório de formação inicial e continuada.
aut
Algumas dessas prerrogativas não são exigidas para a contratação de outros
profissionais da ESF, como ser residente na área onde atuam (BRASIL, 2006;
SANTOS et al., 2011).
R
É válido ressaltar ainda que os profissionais são agentes de proteção,
o
com a responsabilidade de notificar os casos suspeitos ou confirmados de
aC
violência e encaminhar às instituições que fazem parte do Sistema de Garantia
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Dessa forma, Souza et al. (2014) ressaltam que o profissional tem respon-
sabilidades tanto com os aspectos relacionados ao atendimento das vítimas,
Ed
2. Contexto da pesquisa 30
Após a aprovação pelo CEP do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), sob
o protocolo (CAAE 0078.0.073.073-11 e parecer nº087/11 CEP-ICS/UFPA),
bem como ser autorizado pela Secretaria de Saúde do Município de Belém-PA,
foram realizadas as atividades necessárias para o desenvolvimento da pesquisa,
seguindo as etapas relacionadas a seguir: (1) estudo piloto (2) estruturação
or
dos questionários, (3) contato com os gestores das unidades de saúde e com
os participantes para agendar as entrevistas (4) aplicação dos instrumentos
od V
com os profissionais de saúde que aceitaram participar, (5) Elaboração e
aut
alimentação do banco de dados em planilhas do Excel® (6)
Foram entrevistados 174 profissionais de saúde, mas para esse capítulo,
R
selecionamos para análise, 129 profissionais de saúde da família que atuam
em um Distrito Sanitário do município de Belém-PA. Todos os entrevistados
o
assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido, sendo uma amostra
aC
não probabilística, obtida por conveniência.
30 O presente capítulo é uma parte da Tese de Doutorado intitulada “Maus tratos contra crianças e ado-
lescentes: limites e possibilidades de atuação dos profissionais de saúde” desenvolvida pela Professora
Milene Maria Xavier Veloso, docente da Universidade Federal do Pará (UFPA), orientada pela Profa. Dra.
Celina Magalhães vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, da
UFPA e coorientada pela profa. Dra. Isabel Rosa Cabral da Faculdade de Biomedicina também da UFPA,
defendida em 2015.
or
perguntas do questionário, o que foi suprimido na presente pesquisa, pois, o
objetivo era analisar a percepção desse profissional de forma não induzida.
od V
O questionário 2, portanto, apresenta um elenco de 51 perguntas, algumas
aut
abertas como as quatro primeiras questões, que solicitava ao entrevistado a
descrição de três sinais que poderiam chamar a atenção que uma criança e ou
R
adolescentes estaria sofrendo violência física, sexual, psicológica e negligên-
cia. A sexta questão foi organizada elencando situações de maus-tratos também
o
envolvendo os tipos de violência. Pedia-se que os profissionais indicassem se a
aC
sentença descrita era ou não violência ou se tinham dúvidas quanto a questão.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
veis tais como idade, número de filhos e renda familiar, foram organizados,
tabulados e submetidos à análise estatística descritiva. Os demais dados do
Ed
5. Principais resultados
Dos 129 profissionais entrevistados, 101 eram do sexo feminino (78,29%)
e 28 do sexo masculino (21,70%). Em relação a idade os profissionais tinham
em sua maioria entre 20 e 40 anos e os ACS tinham em média 36,89 (±10,46).
Não foram encontradas diferenças significativas entre idade e sexo na amostra
da ESF, cujos dados são apresentados na Tabela 1.
or
Tabela 1 – Distribuição dos profissionais da Estratégia Saúde da Família,
od V
segundo a faixa-etária e sexo, de um distrito administrativo em Belém-PA
aut
SEXO
FAIXA ETÁRIA TOTAL %
Feminino % Masculino %
20 |- 30
30 |- 40
33
26
R 32,7
25,7
10
13
35,7
46,4
43
39
33,3
30,2
o
40 |- 50 29 28,7 4 14,3 33 25,6
50 |- 60 12 11,9 1 3,6 13 10,1
aC
que corresponde a 67,44%. Apenas 7,5% disseram ter notificado algum órgão
responsável. A resposta conversar com a mãe da vítima foi a mais indicada
por todos os profissionais de saúde da ESF, independente do tipo de violência,
ão
or
Saúde da Família (n= 129) que identificaram sinais de violência
durante atendimento de crianças e adolescentes, e as atitudes
od V
identificadas em uma questão multirresposta, Belém-PA
aut
Tipos de violência Física Sexual Psicológica Negligência MÉDIA
Identificou ou suspeitou
Sim
R
50 (38,75%)
23
(17,82%)
26
(20,15%)
103
69
(53,48%)
60
42 (32,55%)
o
Não 79 (61,24%) 106 (82,17%) 87 (67,44%)
(79,4%) (46,51%)
aC
8 4
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
5 2 2
Não soube o que fazer 2 (8;70%) 2,13%
(10%) (7,69%) (2,90%)
Ed
or
segundo o sexo, tem-se que 39,13% dos ACS do sexo masculino possuem o
ensino superior completo ou em curso, enquanto somente 18,75% do sexo
od V
feminino encontram-se nessa condição. Esses dados apontam para maior
aut
escolaridade no sexo masculino, todavia essa diferença não é sustentada em
teste estatístico, possivelmente pelo tamanho da amostra do sexo masculino
R
(teste G: G= 9,414; p= 0,094). Em relação ao estado civil, os solteiros corres-
pondem a 47,12% em ambos os sexos, nas outras categorias: os casados do
o
sexo masculino somam 13,04% e no sexo feminino 20,31%. Aparece apenas
aC
no sexo feminino um percentual de 4,68% como separadas/divorciadas. Em
Masculino % Feminino %
Sexo
Ed
23 26,44% 64 73,56%
Estado Civil
13 56,52% 28 43,75%
solteiro(a)
casado(a) 3 13,04% 13 20,31%
em união estável 6 26,09% 17 26,56%
ão
B1
ver
B2 5 21,74% 5 7,81%
C1 12 52,17% 23 35,94%
C2 3 13,04% 22 34,38%
D 1 4,35% 9 14,06%
E 0 0,00% 1 1,56%
*p<0,05
A maioria dos ACS (66,6%) trabalha entre dois a três anos na ESF. O
percentual de 8,75% tem outra atividade econômica e estão divididos segundo
o sexo sendo 13,04% para o sexo masculino e 6,25% para o feminino. Em
relação a questão de capacitação para atuação no tocante a violência, 62,06%
disseram não ter realizado treinamento sobre maus-tratos contra crianças e
adolescentes e 33,33% disseram que sim. Entre os que disseram ter realizado
treinamento 19,54% o fizeram entre os anos de 2010 a 2013.
or
od V
7. Percepção dos ACS sobre maus tratos
aut
contra crianças e adolescentes
R
Foram apresentadas questões objetivas para identificação de situações
incluindo os diferentes tipos de violência, sem tipificação. Os resultados indi-
caram que a violência sexual com contato físico foi a única que não gerou
o
dúvida em qualquer ACS. A exposição das crianças e/ou adolescentes às
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
destaque que a violência física como forma de disciplinar, é aceita por 5,75%
a re
ter dúvidas quanto esta forma de violência, e 4,06% dizem que não é violência.
As questões que avaliaram a identificação dos diferentes tipos de vio-
Ed
lência na rotina de trabalho revelaram que 77,01% dos ACS nunca identi-
ficaram ou suspeitaram de casos de violência física. Dentre os 22,98% que
identificaram esse tipo de violência, em questões de multirresposta, 37,84%
ão
violência física, somente 20,00% dos que a identificaram disseram ter reali-
zado a notificação.
Sobre a identificação de casos de violência sexual, 90,82% responde-
ram nunca ter identificado ou suspeitado de casos em sua rotina de trabalho,
enquanto 9,18% relataram ter identificado essa situação. Dos que responderam
or
ou suspeitado. Quanto ao que fez ou sentiu, somente 6,66% desses referem
od V
ter realizado a sua notificação; 33,33% conversaram com a mãe da vítima;
aut
24,24% conversaram com o pai da vítima; 15,15% conversaram com os cole-
gas buscando um encaminhamento; 12,12% conversaram com o chefe ime-
diato; 3,03% tiveram medo de represálias por parte do agressor; 3,03% teve
R
medo de represália por parte da família da vítima; 3,03% teve medo de sofrer
consequências no trabalho e 6,06% não soube o que fazer.
o
Quanto à percepção da negligência, 54,02% responderam nunca ter,
aC
enquanto 45,96% responderam que a perceberam ao menos uma vez. Quanto
em 23,85%, 56,32% dos ACS disseram que notificar casos suspeitos e/ou
a re
atuam 42,27% dos ACS disse que sim, 36,78% disseram que não e 8,04%
disseram não saber.
Dentre os motivos apresentados pelos ACS para a não realização da
ão
para isso”; 3) “porque não tem meio de influência na forma que a criança é
tratada”; 4)“porque na atenção básica é para prevenir e promover a saúde e
não é dever nosso”; 5) “por inúmeras situações de não se envolver a famí-
lia”; 6) “tem órgãos específicos para isso”. No entanto, 96,55% dos ACS não
conhece a ficha de notificação para casos de violência. Quanto ao conheci-
mento sobre o ECA, 47,12% deles disseram que leram em parte, 45,97%
disse que já ouviu falar através a mídia, mas não leu e apenas 4,59% deles
or
disseram ter realizado capacitação sobre o ECA. Quanto aos órgãos da rede
od V
de proteção, o Conselho Tutelar foi o mais citado (70,11%), seguido da
aut
Divisão de Atendimento ao Adolescente (DATA) com 26,43%, do PROPAZ
(Fundação Santa Casa de Misericórdia) com 16,09% e o Centro de Referência
de Assistência Social (CRAS), com 14,94%. Vale ressaltar que 32,18% deles
não responderam a questão.
R
o
8. Discussão dos principais resultados
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
des entre 20 e 40 anos (69,9%); 53,2% eram casados e 45,1% tinham filhos.
Na ESF houve a predominância da classe C1 e C2 seguida da classe
B. Cabe ressaltar que na ESF havia um número significativo de ACS, o que
ão
or
que demonstra uma ampliação do nível de escolaridade desses profissionais,
od V
embora também tenha sido identificado um ACS que não havia concluído
aut
o Ensino Fundamental. Apesar de grande parte declarar que não identificou
casos de maus-tratos contra crianças e adolescentes em sua rotina de trabalho,
estudos como os de Palmezoni e Miranda (2011); Scaranto, Biazevic e Crosato
R
(2007) enfatizam a ideia de que a natureza da relação do ACS para com as
comunidades com as quais estão envolvidos pode ser um aspecto relevante
o
para a atuação profissional frente aos casos de violência, logo, fornecer infor-
aC
mações adequadas sobre a temática para estes profissionais é passo importante
(2010). Ainda nesse contexto, uma pesquisa realizada por Pires (2005) em
a re
Porto Alegre, com 92 pediatras, apontou que 11,0% relataram terem sido víti-
mas de maus-tratos na infância e, desses, apenas 50,0% notificaram casos de
maus-tratos na sua prática. Além disso, parece que as experiências pessoais
de violência podem tanto influenciar na mobilização do profissional de saúde
para a temática, quanto inibir sua atuação, como forma de evitar o contato
par
Segundo Noguchi, Assis e Santos (2004) não se pode negar que este
tema desperta em muitos profissionais sentimentos intensos, que são muitas
vezes difíceis de manejar. No entanto, é necessário que o profissional da
ão
saúde não perca de vista seu compromisso ético e procure estabelecer uma
relação de cooperação sem angústia ou culpabilidade no trato com as vítimas
e seus familiares. O compromisso ético não precisa ultrapassar as fronteiras
s
disso, a questão dos maus-tratos contra crianças e adolescentes, pode ser tão
ameaçadora para o profissional que sua única possibilidade pode ser a nega-
ção (ANDRADE et al., 2011). O que não seria difícil de compreender visto
que a identificação dessas situações irá mobilizar a realização de diversos
or
de suas funções. Segundo as autoras vários tipos e níveis de violência estão
od V
imbricados na atuação dos profissionais da enfermagem e são reconhecidos
aut
por eles como tal, sejam as violências territoriais/estruturais, institucionais e
a violência intrafamiliar.
Esse processo implica em um reconhecimento de limites pessoais, para
R
que o papel profissional não cause prejuízos à sua saúde física e emocional.
Assim, precisam compreender e se aproximarem dos processos aos quais
o
estão submetidos no seu ambiente de trabalho, bem como estar atento a fatores
aC
como a tensão emocional, o sentimento de impotência e a pressão frente ao
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mas, por outro lado, ter ou não visibilidade depende, dentre outros aspectos,
da escuta e do olhar ampliados que o profissional consegue imprimir em
seu atendimento.
Merece destaque, que em sua maioria os profissionais da ESF, mesmo
os profissionais de nível superior, não destacaram seu receio quanto a sofrer
represálias, das famílias das vítimas, do suposto agressor, tampouco no tra-
balho. Fica a questão quanto às limitações do instrumento para avaliar essa
or
questão, ou mesmo o temor dos profissionais em admitir que manejar os casos
od V
de violência pode ser fonte de sofrimento e, portanto, preferem “negar” ou
aut
mesmo não entrar em contato com essa problemática. Apesar disso, quase
todos afirmam que tanto notificar, quanto realizar esse tipo de atendimento
na atenção básica é obrigação e compromisso do profissional de saúde, ou
R
seja, estão cientes de suas atribuições.
Percebeu-se que a negligência, a violência psicológica e a física, são as
o
formas de violência mais identificadas pelos ACS, em sua rotina de trabalho.
aC
Mas há um importante percentual daqueles que mesmo em visitas constan-
considerada como tal, ela pode ser fator de risco para a ocorrência de vários
a re
confiança das famílias, e até mesmo por achar que essas ações não são de sua
responsabilidade, o que foi mencionado por alguns profissionais no momento
da entrevista.
ão
apesar de ser vista como tal é defendida como “medida educativa”. Consta-
taram ainda, que os profissionais de saúde têm dificuldade em compreender
a violência como consequência de uma dinâmica relacional complexa.
Holge-Hazelton e Tulinius (2010) também chamam atenção para a cons-
tatação de que muitos casos não se originam em problemas das crianças, mas
or
mentos necessários.
Outro contexto importante diz respeito à atuação do Conselho Tutelar,
od V
pois foi o órgão mais identificado como parte da rede de enfrentamento da
aut
violência contra crianças e adolescentes. Aparentemente, a prática adotada
pelos profissionais de saúde é, dependendo do caso, comunicar o Conselho
R
Tutelar sobre os casos, ainda que não haja um protocolo na unidade quanto
aos procedimentos a serem adotados. Outros profissionais conversam entre
o
si, ou com a chefia imediata, embora de forma isolada e desarticulada, o que
aC
dificulta ainda mais a notificação, pois não parece haver um consenso na sua
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
isolado, poderá não trazer o resultado desejado, pois a manutenção dos ciclos
de violência podem se repetir ao longo do tempo e sem uma intervenção mais
ampla e contínua poderá impactar de forma ainda mais severa na saúde e no
desenvolvimento das vítimas. Alguns autores sugerem que isso se deve em
par
parte pela descrença dos profissionais de saúde que sua intervenção trará
benefícios concretos para as vítimas, visto que não confiam na capacidade dos
Ed
que há uma oscilação por parte dos profissionais entre a crença e a descrença
da resolubilidade dos casos e a presença de medo e insegurança emocional.
Também foram destacados os problemas relacionados à lacuna desse tema
na formação profissional e a reprodução de padrões culturais de que não se
deve interferir em assuntos familiares.
or
das evidências físicas.
od V
Para que os profissionais dos serviços se sintam mais seguros quanto
aut
à notificação de suspeita de violência, o Ministério da Saúde (Brasil 2010)
recomenda a busca de apoio dos serviços definidos pelo gestor como unidade
R
de referência para atenção integral às vítimas de violência que integram a
rede de cuidados e proteção social, de modo a tornar mais adequadas as
o
ações necessárias para a proteção da criança ou do adolescente. Caberia,
portanto, à coordenação dos serviços de saúde definir o(s) responsável (eis)
aC
9. Considerações finais
informação sobre o tema, esse fato isolado, pode não garantir uma interven-
ção efetiva e principalmente resolutiva. Também é necessário que o debate se
faça no campo da ética e da cidadania, pois muitos se perguntam: quando o
s
or
quando suspeitos, mas principalmente, para a tomada de decisão quanto aos
od V
encaminhamentos subsequentes. No entanto, é de suma importância que as
aut
famílias sejam acompanhadas, e que os canais de comunicação sejam estabe-
lecidos a partir de um vínculo de confiança. Devem ser evitadas as posturas
de cunho moralista, assim como, a tendência em julgar e apontar culpados.
R
Os profissionais devem propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento
de parcerias, ou seja, evitar o isolamento e a reprodução de padrões abusivos
o
ou omissos, semelhantes àqueles vivenciados pelas famílias.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
ANDRADE, E. M. et al. A visão dos profissionais de saúde em relação à
violência doméstica contra crianças e adolescentes: um estudo qualitativo.
Saúde e Sociedade, 2011. p. 147-155.
or
ASSIS, S. G.; DESLANDES, F.; MARQUES, M. A. B. “Violência contra
crianças e adolescentes – em busca de uma definição”, In: MARQUES (Org.).
od V
Violência contra crianças e adolescentes. Petrópolis, RJ, Vozes, 1994.
aut
BOURROUL, M. L. M. A violência doméstica contra a criança e o ado-
R
lescente e o ensino de pediatria na residência médica. (Dissertação de
Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Ciências da Coordenadoria de
o
Controle de Doenças da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 2005.
aC
docs/portaldab/publicacoes/manual_instrutivo_PMAQ_AB2013.pdf>. Acesso
ver
or
FALEIROS,V. P.; FALEIROS, E. T. S. Circuitos e curtos-circuitos. Aten-
od V
dimento, defesa e responsabilização do abuso sexual contra crianças e
aut
adolescentes. Brasília: Veras Editora, 2001.
R
GOMES, R., et al. A abordagem dos maus-tratos contra a criança e o adoles-
cente em uma unidade pública de saúde. Revista Ciência & Saúde Coletiva,
o
v. 7 n. 2, p. 275-283, 2002.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
NUNES. Trad. Almeida, Homen e Melo. Saúde Mental na Atenção Básica:
aut
Sentidos Atribuídos pelos Agentes Comunitários de Saúde. Psicologia: Ciência
e Profissão. Print version ISSN 1414-9893. Psicol. cienc. prof. v. 35, n. 1,
jan./mar. 2015. Brasília.
R
PALMEZONI, V. P.; MIRANDA, F. J. S. A identificação da violência intra-
o
familiar contra crianças e adolescentes pelo agente comunitário de saúde.
aC
Revista Saúde Coletiva. v. 49, n. 8, p. 88-92, 2011.
or
n. 3, p. 773-784, 2014. Doi: 10.1590/1413-81232014193.18432013.
od V
aut
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
28/02/2020 13:13:28
AS AÇÕES DE ENFRENTAMENTO
DA EXPLORAÇÃO SEXUAL CONTRA
CRIANÇAS E ADOLESCENTES
or
NO MUNICÍPIO DE JURUTI (PA)
V
A PARTIR DA IMPLANTAÇÃO
aut
DO PROJETO ALCOA
do
Genylton Odilon Rêgo da Rocha
são
Eva Faleiros (1994), ao fazer uma análise sobre o fenômeno da explo-
ra
ração sexual de crianças e adolescentes, conceitua tal violência como uma
relação de mercantilização (exploração/dominação) e abuso (poder) do corpo
i
rev
or
od V
A exploração sexual comercial é uma violência sexual sistemática que se
aut
apropria comercialmente do corpo, como mercadoria para auferir lucro.
Mesmo inscrito como “autônomo” sem intermediários, o uso (abuso)
do corpo, em troca de dinheiro, configura uma mercantilização do sexo
R
e reforça os processos simbólicos, imaginários e culturais machistas,
patriarcais, discriminatórios e autoritários. Essa “imagem de marca”,
o
parafraseando o moderno marketing, não é só característica das zonas de
garimpo, mas de modernas redes que oferecem nos anúncios “corpinho
aC
os turistas estrangeiros. Por outro lado, são os próprios residentes desses locais
os principais exploradores de crianças e adolescentes das regiões ribeirinhas.
Ed
or
da forma de exploração sexual de pessoas adultas, pois se trata de um modo
od V
particular de exploração sexual, por apresentar elementos de ordem cultu-
aut
ral e de ordem econômica: de ordem cultural, há o caráter adultocêntrico,
pedófilo/hebéfilo31, sexual e de gênero simbólico. Quanto aos componen-
R
tes de ordem econômica, a autora cita: a classe social e o trabalho infanto-
juvenil. Ela salienta que a violência sexual contra crianças e adolescentes
o
praticada por adultos se perfaz numa relação de poder, autoritária, na qual
aC
estão presentes e se confrontam autores/forças com pesos/poderes desiguais
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
além disso, mais de 50% da população está entre a faixa etária de 0 e 19 anos.
De acordo com o documento denominado Indicadores de Juruti: moni-
Ed
31 Efebofilia ou hebefilia (do grego ¨efhebos¨) é uma orientação ou preferência sexual, na qual um adulto tem
uma atração sexual primária por adolescentes. As atividades efebofílicas podem ser fantasiadas durante a
masturbação ou ato sexual com parceiros adultos. A pedofilia (preferência sexual por crianças até a puber-
dade) é classificada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como uma doença, enquanto a efebofilia
não é listada como doença ou desordem sexual.
or
de 2005, houve 11 situações desse tipo de violência sexual em relação aos 10
casos notificados no ano de 2010. Vejamos o quadro abaixo:
od V
aut
Quadro 01 – Número de notificações de exploração e abuso sexual
contra crianças e adolescentes no município de Juruti (PA)
o
Nº de
0 0 0 1 5 7 12 12 16
casos
aC
or
tamento à Violência e Sexual Contra crianças e Adolescentes, Juruti-Pará, 2010
– 2019 (JURUTI, 2010) nos mostra a estatística no período de 2000 a 2008,
od V
sendo que o número de crianças vítimas de violência sexual, considerando o
aut
período de 2000 a 2010, aumentou de 4 para 40 casos, de acordo com o Conse-
lho Tutelar de Juruti. À guisa de exemplificação do cenário de violência sexual
R
contra crianças e adolescentes, no município de Juruti, apresentamos alguns
elementos afetos ao fenômeno investigado junto ao Centro de Referência de
o
Assistência Social (CRAS), tendo em vista o período de 2007 a 2012. Vejamos:
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Observa-se também que, nos anos de 2009, 2010 e 2011, houve signi-
ficativo aumento dos casos notificados. Técnicos do CRAS atribuem essa
or
IDADE DAS VÍTIMAS 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Criança (0 a 11 anos) 02 01 04 05 03 03
od V
Adolescente (12 a 18 anos) 05 08 13 10 11 09
aut
Total 07 09 17 10 14 12
GÊNERO DAS VÍTIMAS 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Masculino 00 00 00 00 00 01
Feminino
Total
R 07
07
09
09
17
17
15
15
14
14
11
12
o
Fonte: Indicadores de Juruti: monitoramento 2011 (JURUTI, 2011a).
aC
entre cada três a quatro meninas, e um, a cada sete a oito meninos, são sexual-
mente agredidos até os 18 anos. Acrescentam que, embasados nos dados da
Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescên-
ão
or
esclarece que o número de meninas envolvidas em prostituição é significativa-
od V
mente maior do que o de meninos, mas o número destes é também expressivo,
aut
particularmente na oferta de trabalho sexual para o público homoafetivo, com
aumento da população de adolescentes travestis.
Observando-se o próximo quadro, referente ao perfil das pessoas que
R
praticam a violência sexual contra crianças e adolescentes, no município de
Juruti, percebe-se que os adultos do gênero masculino, na faixa etária de 26
o
a 59 anos, são os que mais cometem esse tipo de violência. Essa realidade não
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Total 07 09 17 15 14 12
O Guia Escolar (SANTOS, 2011) assegura que traçar o perfil dos clien-
ver
médio e alto. Infelizmente, estudos dessa natureza ainda não foram realizados
em cidades impactadas por grandes projetos, como é o caso de Juruti.
O próximo quadro mapeia a situação socioeconômica das famílias das
vítimas atendidas pelo CRAS do município de Juruti. Os dados revelam que
as famílias que possuem renda entre ½ e 1 salário mínimo (33 famílias) são
aquelas que mais tiveram, em seu contexto, crianças e adolescentes vítimas
de violência sexual, seguidas das famílias com salários de referência de 1
or
a 5 salários mínimos (26 famílias). Em terceiro lugar estão as famílias que
od V
recebem até ½ salário de referência (15 famílias):
aut
Quadro 5 – Situação socioeconômica da família das
vítimas atendidas pelo serviço CRAS
RENDIMENTO
Abaixo de ½ salário de referência
R2007
00
2008
00
2009
00
2010
00
2011
00
2012
00
o
Até ½ salário de referência 01 03 04 03 02 02
aC
Acima de ½ a 1 salário de referência 03 03 07 06 08 06
or
decorrência da não possibilidade de trabalho e possível remuneração para
od V
o sustento da família, muitos pais passaram a “fechar os olhos” diante do
aut
comércio da exploração infantojuvenil.
R
crianças e adolescentes no Município de Juruti
o
No ano de 2009, a Prefeitura Municipal de Juruti, em parceria com o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
para obter satisfação pessoal [...].
od V
Recomenda aos dirigentes e professores do Ensino Fundamental integran-
aut
tes da rede pública municipal e estadual de ensino de Juruti (Zona Urbana e
Rural) que comuniquem ao Conselho Tutelar, mediante oficio ou outro meio
R
eficiente, os casos de suspeita ou confirmação de violência (agressões físicas,
agressões psicológicas, maus-tratos, negligência, abuso e exploração sexual)
o
contra crianças ou adolescentes, de que tenham conhecimento, para adoção
aC
das providências legais.
or
descentralização político-administrativa; a regionalização; a municipalização;
od V
a sustentabilidade; e a responsabilização.
aut
A construção do Plano Decenal Municipal de Enfrentamento à Vio-
lência Doméstica e Sexual contra Crianças e Adolescentes do Município
de Juruti, 2010-2019 (JURUTI, 2010) foi o resultado de um processo de
R
sensibilização e informação de profissionais que atuam junto a crianças e
adolescentes do município e de representantes da sociedade civil, acerca da
o
violência sexual, no contexto local, o qual foi acentuado na última década, em
aC
decorrência da instalação de uma unidade de extração de bauxita na região.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
tias de Direitos;
• Ano 2011: Inclusão de temas sobre a violência doméstica e sexual
nos conteúdos transversais;
• Ano 2011: Capacitação de adolescentes e jovens multiplicadores
para falar sobre o tema com outros jovens e adolescentes;
or
sociofamiliar para a prevenção da violência doméstica e sexual;
• Ano 2011: Em parceria com a Guarda Municipal, promover a
od V
implantação da Ronda Escolar;
aut
• Ano 2011 a 2019: Elaboração de cartilha informativa para crianças
e adolescentes.
R
A partir dos planos e políticas existentes no município de Juruti relacio-
o
nados ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes,
aC
observamos que há em todos eles a responsabilidade do envolvimento da
4. Conclusão
O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos
é uma conquista recente, na sociedade brasileira. A família e a sociedade con-
par
e dignos, no contexto social do qual fazem parte. Dentre esses direitos estão
os direitos sexuais. As crianças e os adolescentes têm o direito de dizer não a
toda forma de abuso e exploração sexual, seja intrafamiliar, seja extrafamiliar,
ão
No município de Juruti (PA), por meio dos dados obtidos nos documen-
tos e da pesquisa realizada no Centro de Referência de Assistência Social,
verificou-se uma intensificação da violência sexual contra crianças e adoles-
centes, desde a instalação do projeto ALCOA no território do município, colo-
cando muitas vidas púberes em permanente estado de risco social, sofrendo
maus-tratos, abuso sexual e tornando-se “mercadoria humana” no processo
de exploração sexual.
or
Infelizmente, como em outras cidades brasileiras impactadas por grandes
projetos, politicas públicas voltadas ao enfrentamento da violência sexual
od V
contra crianças e adolescentes não foram implementadas antes da instalação
aut
do empreendimento. As políticas por nós identificadas foram elaboradas após
a chegada do grande projeto e dos problemas sociais que dele decorreram.
R
Por meio desta investigação, consideramos que o aumento da violência
sexual contra crianças e adolescentes no município de Juruti (PA), sobre-
o
tudo dos casos de exploração sexual, deve-se, entre outras causas, ao fato
aC
de a instalação de um grande projeto no território do município ter trazido
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
ABRAPIA. Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e
Adolescência. Relatório anual do sistema nacional de combate à explora-
ção sexual infanto-juvenil. Rio de Janeiro, RJ: Autor, 2003.
or
BASSOLS, A. M. et al. A visão do psiquiatra de criança e adolescente na
avaliação e no atendimento de crianças abusadas sexualmente. In: AZAM-
od V
BUJA, M. R.; FERREIRA, M. H. et al. Violência Sexual contra Crianças
aut
e Adolescentes. Porto Alegre: Artmed, 2011.
R
BRASIL. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cida-
des. 2017. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.
php?codmun=150390>. Acesso em: 17 jun. 2014.
o
aC
______. Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto/
or
Goiânia: Universidade Católica de Goiás, 2004. Disponível em: <http://www.
books.google.com.br>. Acesso em: 14 abr. 2014.
od V
aut
______. (Org.). O abuso sexual contra crianças e adolescentes: os (des)
caminhos de denúncia. Brasília: Presidência da República, Secretaria Especial
de Direitos Humanos, 2003.
R
o
______. Repensando os conceitos de violência, abuso e exploração sexual
de crianças e de adolescentes. Brasília: MJ-SEDH-DCA/FBB/UNICEF, 2000.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
______. Histórico do Município de Juruti. 2012. Disponível em: <http://
od V
www.pmjuruti.pa.gov.br/portal1/municipio/historia.asp?iIdmun=100115063>.
aut
Acesso em: 15 maio 2012.
R
tica e Sexual Contra Crianças e Adolescentes em Juruti –Pará: 2010- 2019.
Juruti – PA, maio 2010.
o
aC
______. Projeto Indicadores de Juruti: para onde caminha o desenvolvi-
CECRIA, 1998.
PACTO visa Pará sem abusos sexuais contra crianças. Diário do Pará, 20
jul. 2014. Disponível em: <http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/
or
noticia-294440-pacto-visa-para-sem-abusos-sexuais-contra-criancas.html>.
od V
Acesso em: 27 ago. 2014.
aut
PROJETO Tecendo a Rede. 2014. Disponível em: <http://www.childhood.
org.br>Acesso em: 21 set. 2014.
R
SANDERSON, Christiane. Abuso sexual em crianças: fortalecendo pais
o
e professores para proteger crianças contra abusos sexuais e pedofilia. São
aC
Paulo: M. Books do Brasil, 2005.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Educação, 2011.
28/02/2020 13:13:31
“A CULPA DEVE SER DO SOL” –
BIOPOLÍTICA DA EXCLUSÃO DA
JUVENTUDE E ESVAZIAMENTO
or
ESCOLAR EM BELÉM-PA (2000-2017)
V
aut
Carlos Jorge Paixão
Letícia Carneiro da Conceição
CR
1. “O suor que embaça os olhos e a razão”
do
O suor amontoado nas sobrancelhas
correu-me de súbito pelas pálpebras abaixo
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
embate que ocorre não apenas fisicamente, com os corpos das forças policiais,
mas também simbolicamente, com os corpos de “gente ordeira e virtuosa”
ver di
da chamada área nobre da cidade. Gente que “apela pra polícia despachar de
volta o populacho pra favela. Ou pra Benguela, ou pra Guiné” e, assim, opera
op
32 “É um dia de real grandeza, tudo azul/Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos/Um sol de torrar
os miolos/Quando pinta em Copacabana/A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba/A caravana do
Irajá, o comboio da Penha/Não há barreira que retenha esses estranhos/Suburbanos tipo muçulmanos do
Jacarezinho/A caminho do Jardim de Alá/É o bicho, é o buchicho, é a charanga/Diz que malocam seus
facões e adagas/Em sungas estufadas e calções disformes/É, diz que eles têm picas enormes/E seus sacos
são granadas/Lá das quebradas da Maré/Com negros torsos nus deixam em polvorosa/A gente ordeira e
virtuosa que apela/Pra polícia despachar de volta/O populacho pra favela/Ou pra Benguela, ou pra Guiné/
Sol/A culpa deve ser do sol que bate na moleira/O sol que estoura as veias/O suor que embaça os olhos
e a razão/E essa zoeira dentro da prisão/Crioulos empilhados no porão/De caravelas no alto mar/Tem que
bater, tem que matar, engrossa a gritaria/Filha do medo, a raiva é mãe da covardia/Ou doido sou eu que
escuto vozes/Não há gente tão insana/Nem caravana do Arará/Não há, não há”
periferias – nas escolas da área urbana central de Belém e nos sujeitos que a
frequentam. Ou deveriam frequentar.
A diminuição do quantitativo de alunos jovens matriculados nas esco-
las das redes públicas (federal, estadual e municipal) e privada da cidade de
Belém-PA é perceptível, desde aproximadamente a metade da década de 2000.
De maneira empírica, o fenômeno se manifesta na diminuição crescente de
or
carga horária disponível para a lotação de professores na educação básica nas
unidades escolares em questão. Como desdobramento da diminuição de alunos
od V
e turmas, turnos e até escolas vem fechando e deixando, definitivamente, de
aut
ofertar as vagas ociosas.
No campo empírico, professores e demais trabalhadores da educação
R
(dos diretores aos porteiros das escolas) apresentam em suas falas cotidianas
um cenário passado bem diverso: salas de aula e turnos cheios, filas na porta
o
da escola, ainda de madrugada, nos dias de matrícula. Surpreendentemente,
aC
eles não falavam de um passado remoto: esta espécie de “Era de Ouro” do
ajudar a explicar a queda registrada nas duas últimas edições: desde 2017 o
exame deixou de servir para certificação de conclusão do ensino médio. Mas
s
33 A divulgação foi realizada através de Assessoria de Comunicação Social, com uma coletiva de imprensa no
Ministério da Educação (MEC) com transmissão ao vivo nas redes sociais. A apresentação está disponível
em: <icoes_enem2018.pptx.pdf>.
or
São popularmente chamadas de escolas “do corredor” as que se localizam
od V
nas principais vias do centro urbano de Belém. Não por acaso, são também as
aut
mais antigas e tradicionais da cidade. Enquanto foram as únicas, atenderam
aos filhos das elites econômicas – classe social que, como era costume até
R
aproximadamente o período de nossa redemocratização, na década de 1980,
frequentava a rede pública – e também atenderam à diversidade que passava
o
pelas barreiras de acesso existentes na oferta educacional de então.
aC
Remanescentes do período anterior à universalização do acesso, ocorrida
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
34 Uma série de acréscimos e subtrações ao texto original da LDB vai construir, ao longo de anos, a legislação
atual acerca da universalização do acesso ao Ensino Médio e a garantia de oferta da EJA. Vale mencionar a
Lei nº 12.061, de 2009, que trata da universalização do Ensino Médio gratuito e a Lei nº 12.796, de 2013 que
inclui esta etapa na definição de educação básica exposta no Art. 4., inciso I. Sobre a oferta de EJA, a Seção
V apresenta suas normativas referentes à oferta da modalidade. Um intenso debate vai, posteriormente,
acrescentar limites de idade à conclusão do curso e a Lei nº 13.415, de 2017, sinaliza que os sistemas de
ensino disporão sobre a oferta “adequada às condições do educando”, de EJA e de ensino noturno regular.
da qual a escola faz parte e nos dados gerais do município. A oferta pública
de Ensino Médio das redes estadual (atualmente realizada em 57 escolas) e
municipal (em uma única) nos limites físicos da cidade evidenciam a dimi-
nuição com mais ênfase que as três instituições federais que, por sua natureza
diferenciada, costumam ainda ter demanda altíssima, fila de espera e seleção
de ingresso através de teste admissional.
A rede privada não demonstra a queda de matrículas de maneira tão signi-
or
ficativa, tendo apresentado ao longo do período analisado a diferença de 4.398
od V
matrículas entre o ano com maior (2006, com 16.940) e menor número (2009,
aut
com 12.542). Não é perceptível na rede, no entanto, a absorção da perda de
alunos da rede pública – dado que descarta a hipótese do esvaziamento da
escola pública significar a migração de alunos para a rede particular.
R
Gráfico 1 – Evolução das matrículas iniciais do ensino
o
médio regular na cidade de Belém-PA (2010-2015)
aC
100.000
Quantitativo de matrículas
80.000
visã
60.000
40.000
20.000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
itor
Anos
60.000
Quantitativo de matrículas iniciais
50.000
ão
40.000
30.000
s
20.000
ver
10.000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017
Anos
Fundamental Médio
or
– Índice de Oportunidades da Educação Brasileira35 – cruza os dados de fluxo e
od V
desempenho do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado
aut
em 2007, pelo Inep) com os dados do Índice de Desenvolvimento Humano
(IDH) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e
classificou Belém como a pior das capitais e o Pará como o pior dos estados
brasileiros em oportunidades educacionais. Na edição de 2017, Belém subiu
duas posições, se tornando a antepenúltima capital, e o Pará permaneceu como R
o
a última unidade da federação no ranking. Nas notas técnicas, a defasagem
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
10000000
Quantitativos de inscrições confirmadas
9000000
par
8000000
7000000
6000000
5000000
Ed
4000000
3000000
2000000
1000000
0
1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
ão
Anos
Inscrições
Fonte: INEP.
s
sua instituição, à medida em que ele foi sendo mais e mais utilizado no
acesso ao ensino superior em todo país. E, mesmo com a perda da função de
certificação do Ensino Médio, suas inscrições ainda nos dizem muito sobre
35 Disponível em: <http://www.ioeb.org.br/>.
or
dinâmicas sociais da vida urbana.
Quer se trate das dimensões simbólica do espaço da casa ou da
od V
cidade, Foucault nos lembra que a organização do espaço alcança objetivos
aut
econômico-políticos.
R
É preciso [...] não ficar somente dizendo que o espaço predetermina uma
história que por sua vez o modifica e que se sedimenta nele. A fixação
o
espacial é uma forma econômico-política que deve ser detalhadamente
estudada (2012, p. 322).
aC
or
econômica da cidade continuam no mesmo lugar. Mas sua potência, os alunos
od V
que lhe dão vida e sentido, já não representam esta classe. São jovens que pre-
aut
cisam vir de um “longe” que as contradições sociais expressas nas dinâmicas
urbanas estão deslocando para cada vez mais longe, acrescentando gastos de
tempo e dinheiro cada vez maiores à atividade cotidiana de ir para a escola.
R
As instituições escolares permanecem em localização privilegiada – que
a especulação imobiliária costuma tornar cada vez mais privilegiada, até fazer
o
do conceito de privilégio um valor agregado aos imóveis da região. A escola,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
no decorrer deste processo, estará rodeada por uma vizinhança cujos filhos
já não a frequentam. Vizinhança que, possivelmente, não se reconhece nos
sujeitos que a utilizam – e não os quer no seu projeto de vizinhança.
Mais que a estrutura física, normalmente imponente, é a função social
visã
da escola que parece destoar dos interesses que determinam o funcionamento
da cidade. A escola Lauro Sodré, por exemplo, foi construída em 1893 como
“Instituto Paraense de Educando Artífices”. Diversos (des)caminhos leva-
itor
Seria preciso fazer uma “história dos espaços” – que seria ao mesmo tempo
Ed
36 Termo cunhado pela socióloga britânica Ruth Glass em 1964. Segundo Rangel (2015, p. 40), “as primeiras
definições de gentrificação têm maior foco na questão do mercado imobiliário e na substituição da população
mais pobre pela nova classe média”. Definições posteriores, como as de Neil Smith, vão ressaltar “o fato de
que envolve não apenas uma mudança social, mas uma mudança física de habitação local, combinando a
higienização social com a reabilitação das áreas para que a classe média possa habitá-las.” O fenômeno,
portanto, provoca aumento do custo de vida e na especulação imobiliária, orientado por interesses econô-
micos privados.
or
riza, como “princípio e método de racionalização do exercício de governo
– racionalização que obedece, e aí está a sua especificidade, à regra interna
od V
da economia máxima [...] orientada para objetivos e se regulando através de
aut
uma reflexão contínua” (FOUCAULT, 1997, p. 90) Logo, a sociedade – e a
educação, a escola e seus sujeitos - estarão orientadas para essa economia
R
máxima e mercadorização. Se prédios públicos têm seus destinos traçados
em gabinete e a função social da escola não pesa na balança, o que dizer de
o
seus sujeitos? A quem interessa que mereçam permanecer como sujeitos?
aC
um árabe, também em uma praia. Num dia em que “o sol excessivo que fazia
estremecer a paisagem, tornava-a deprimente e inumana”, o calor parecia
mesmo ser o culpado pela violência irracional.
37 “pé negro” em tradução literal, a expressão designa os franceses das então colônias da região Norte do
continente africano.
or
barulho ao mesmo tempo seco e ensurdecedor, que tudo principiou. Sacudi
o suor e o sol. Compreendi que destruíra o equilíbrio do dia, o silêncio
od V
excepcional de uma praia onde havia sido feliz (CAMUS, 2018, p. 64).
aut
Na obra de Camus, o julgamento de Meursault vai se concentrar mais na
R
apatia dele diante da morte da mãe, imprevisto que o levou à cidade, do que
no ser humano que foi assassinado na praia, sob o calor do sol. Sobre este,
só sabemos que se trata de “um árabe”. O escritor argelino Kamel Daoud
o
explica, voltando à história através do irmão do personagem assassinado, a
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Devo dizer que é uma história que remonta a mais de meio século. Ela
aconteceu de fato, e foi muito comentada. As pessoas ainda falam dela,
visã
mas, com o maior descaramento, evocam apenas um morto, sendo que
havia dois: não um morto, mas mortos. Sim, dois. Qual o motivo dessa
omissão? (DAOUD, 2016, p. 7).
itor
a re
um homem que sabe escrever mata um árabe que nesse dia não tem nem
par
não existe e por causa daquilo que ele acabara de compreender sob o sol
e porque o sal do mar o obrigou a fechar os olhos. De repente, o assassi-
nato se torna um gesto absolutamente impune e deixa de ser um crime,
ão
pois não existem leis em vigor entre o meio-dia e as duas horas da tarde
(DAOUD, 2016, p. 10).
s
massivo e industrial nazista, realizada para o jornal The New Yorker, a autora
o retrata como alguém terrível e horrivelmente normal. “Eichmann não era
senão um burocrata comum, o funcionário que se limitava a cumprir zelosa
e eficazmente as ordens recebidas [...] com zelo, por amor ao dever, sem
considerações acerca do bem e do mal” (GIACOIA JUNIOR, 2011, p. 8).
or
ultrajante burrice? Ou é simplesmente o caso do criminoso que nunca
se arrepende (Dostoiévski conta em seu diário que na Sibéria, em meio
od V
a multidões de assassinos, estupradores e ladrões, nunca encontrou um
aut
único homem que admitisse ter agido mal), que não pode se permitir olhar
de frente a realidade porque seu crime passou a fazer parte dele mesmo?
R
No entanto, o caso de Eichmann é diferente do criminoso comum, que
só pode se proteger com eficácia da realidade do mundo não criminoso
o
dentro dos estreitos limites de sua gangue. Bastava a Eichmann relembrar
o seu passado para se sentir seguro de não estar mentindo e de não estar
aC
de jovens nas escolas das redes públicas de Belém, analisada aqui através
ver
or
autonomia em relação aos poderes, hoje nossa vida parece integralmente
submetida a esses mecanismos de modulação da existência. Até mesmo o
od V
sexo, a linguagem, a comunicação, a vida onírica, mesmo a fé, nada disso
aut
preserva já qualquer exterioridade em relação aos mecanismos de controle
e de monitoramento. Para resumi-lo numa frase simples: o poder já não se
R
exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por dentro, ele pilota
nossa vitalidade social de cabo a rabo (2007, p. 57-58).
o
Transposta para as escolas do corredor, podemos perceber essa “vita-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
poder produtivo. Este poder sobre a vida, vamos chamar assim, biopoder,
a re
não visa mais, como era o caso das modalidades anteriores de poder, barrar
a vida, mas visa encarregar-se da vida, visa mesmo intensificar a vida,
otimizá-la. Daí também nossa extrema dificuldade em resistir. Já mal sabe-
mos onde está o poder e onde estamos nós (PELBART, 2007, p. 57-58).
par
Corpo, vida e espécie humana não estão aqui sendo empregados apenas
em sentido metafórico. “O homem, durante milênios, permaneceu o que era
para Aristóteles: um animal vivo e, além disso, capaz de existência política;
38 conjugam os dispositivos complementares de disciplina e sexualidade por meio dos biopoderes dos processos
de normalização e regulamentação (GADELHA, 2013).
o homem moderno é um animal, em cuja política sua vida de ser vivo está
em questão” (FOUCAULT, 2012, p. 156). Estamos falando de vidas de seres
vivos que, literalmente, estão em questão, sob ameaça. O Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segu-
rança Pública (FBSP) analisou os números e as taxas de homicídio no país
e divulgou os resultados no dia 5 de junho, no Atlas da Violência 201839. De
acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da
or
Saúde (SIM/MS), o Brasil teve 62.517 homicídios em 2016, o que gera uma
od V
taxa de 30,3 mortes por 100 mil habitantes, bem acima do quantitativo de 50
aut
mil a 58 mil mortes, ocorridas entre 2008 e 2013.
R
mência de ações compromissadas e efetivas por parte das autoridades
nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. [...] Além de
o
outras consequências, essa tragédia traz implicações na saúde, na dinâ-
aC
mica demográfica e, por conseguinte, no processo de desenvolvimento
estados com crescimento superior a 80% nas taxas de homicídios e dez dos
onze estados que apresentaram crescimento gradativo da violência letal nos
últimos 10 anos fazem parte das regiões Norte e Nordeste do país. Enquanto
as regiões Sudeste e Centro-Oeste estabilizaram seus dados, houve um cres-
par
or
da escolarização formal na cidade de Belém. Tal processo articula o município
com a realidade apresentada nos demais centros urbanos, o que evidencia uma
od V
política pública educacional segregatória e elitista, com diretrizes orientando
aut
práticas que sistematicamente expõem tal faixa etária à reprodução do ciclo
da pobreza e a vulnerabilidades que, neste início de século, representam a
R
negação do direito à própria vida. Com uma concepção social de escola enfra-
quecida, nutrida por discursos oficiais contrários à potência de transformação
o
da educação, nossos jovens estão esvaziando as salas de aula e preenchendo
aC
as mais perversas estatísticas de evasão escolar e genocídio da juventude –
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
o direito à cidade tanto como lema operacional quanto ideal político, justa-
mente porque ele enfoca a questão de quem comanda a conexão necessária
Ed
desejo de dominar seu próprio começo, mas de recriar um corpo que tenha o
poder de começar” (PELBART, 2007, p. 65). Assim, o poder pode ser pensado
“inversamente, e sobretudo, em sua positividade, ou seja, em sua capacidade
construtiva, instituinte, criadora de novas realidades – valores, práticas, sabe-
res, funcionamentos, subjetividades, etc.” (GADELHA, 2013, p. 41).
or
od V
Homo sacer é aquele que foi excluído da comunidade religiosa e de toda
aut
vida política: não pode participar dos ritos de sua gens, nem (se foi decla-
rado infamis et intestabilis) cumprir qualquer ato jurídico válido. Além
disto, visto que qualquer um pode matá-lo sem cometer homicídio, a sua
R
inteira existência é reduzida a uma vida nua despojada de todo direito, que
ele pode somente salvar em uma perpétua fuga ou evadindo-se em um país
o
estrangeiro. Contudo, justamente por ser exposto a todo instante a uma
aC
incondicionada ameaça de morte, ele encontra-se em perene relação com
viemos ao mundo para iniciar algo novo, posto que “a essência da educação é
a natalidade, o fato de que seres nascem para o mundo” (ARENDT, 2005, p.
223). A educação é, essencialmente, ação e criação de uma novidade radical.
ão
Como elemento do que a autora vai chamar de vita activa, a ação humana
carrega consigo a imprevisibilidade e a irreversibilidade, que a distingue do
trabalho e do labor. Que esta vida ativa, imprevisível e irreversível, possa ter
s
lugar ao sol - inclusive nos corredores ensolarados das escolas vazias. Que
ver
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, G. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2007.
or
III). São Paulo: Boitempo Editorial, 2008.
od V
ARENDT, H. A condição humana. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Uni-
aut
versitária, 1995.
R
______. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
o
aC
______. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2005.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
GIACOIA JUNIOR, O. O Mal Radical e o Mal Banal. O Que nos Faz Pensar
(PUCRJ), v. 29, p. 137-178, 2011.
or
od V
______. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
aut
PELBART, Peter Pál. Biopolítica. Sala Preta, Brasil, v. 7, p. 57-66, nov. 2007.
R
RANGEL, N. F. A. O esvaziamento do conceito de gentrificação como estra-
tégia política. Cadernos NAU, v. 4, p. 39-57, 2015.
o
aC
TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. ESPACIALIDADES E TEM-
or
V
Leilanir de Sousa Carvalho
aut
Fauston Negreiros
1. Introdução
CR
do
A realização desse estudo tem a intenção de agregar os dados do estado
da arte sobre a psicologia e as políticas educacionais, através de uma visão
mais próxima e compreensiva de como elas se contextualizam. Portanto,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
objetivou-se levantar e analisar as produções acadêmicas que relacionam a
psicologia com as políticas educacionais. Visando a elaboração de uma visão
ra
crítica sobre essas políticas a qual sustentam ações articuladas e construtivas.
i
Os estudos relativos ao “estado da arte” podem ser definidos como uma
rev
or
são divididas em programas, como os de Saúde, Educação ou Assistência
od V
Social. Outras se organizam em categorias com temas transversais aos seto-
aut
res, como o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.
O desempenho por área é por ciclos dinâmicos e de aprendizagem, abran-
gendo processos macro e micropolíticos (Barreyre, Bouquet, Chantreau &
Lassus, 2006; Souza, 2007).
R
O semelhante em todos esses processos de descentralização das políticas
o
públicas, como: saúde, assistência social, educação, qualificação profissional,
aC
será ligado à esfera política e aquela atmosfera conflitiva, mas com uma infi-
nidade de princípios e diretrizes, que são estabelecidos democraticamente sob
a influência de movimentos sociais (Souza, Yamamoto, & Galafassi, 2014).
ão
or
Entretanto, há muito que fazer, pois as políticas educacionais estão ainda
od V
tomando consistência. Sua difusão se faz necessária à medida que o psicólogo
aut
escolar assumir a luta e o trabalho, com o propósito de construir uma profis-
são moderna, comprometida com a sociedade e focada na transformação das
práticas cotidianas na escola (Guzzo, 2008).
R
A produção científica em Psicologia concentra esforço para entrar no
ritmo da interdisciplinaridade solicitada na análise da prática. A subjetividade
o
é cada vez mais valorizada, incluindo as estratégias de potencialização. Entre-
aC
tanto, é cada vez mais atual na literatura a preocupação em não se empreender
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
a 2017. As informações foram selecionadas com base nos seguintes indicado-
od V
res pré-estabelecidos: grau de titulação, distribuição anual, região brasileira
aut
que faz parte o programa de pós-graduação, programas de pós-graduação em
que as pesquisas foram produzidas, e eixo temático, os quais foram suficientes
para obter as principais características dos títulos selecionados.
R
Os critérios de inclusão no banco de teses e dissertações da CAPES
foram às teses e dissertações defendidas nos últimos cinco anos, pertencentes a
o
grande área de conhecimento das ciências humanas, área de conhecimento da
aC
psicologia, área de concentração na psicologia e psicologia escolar. Já o crité-
Exclusão
Seleção Final
CAPES BDBTD
21 32
Fonte: Pesquisadores.
or
como: Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Fundamental
e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEF (Brasil, 1996)
od V
e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valo-
aut
rização dos Profissionais da Educação – FUNDEB (Brasil, 2007), além dos
marcos regulatório norteado pelos princípios democráticos.
R
Com base no critério de exclusão restaram 21 teses e dissertações no
banco de teses e dissertações da CAPES e 32 teses e dissertações na biblio-
o
teca digital brasileira de teses e dissertações – BDBTD que serão analisadas
aC
e primeiramente, assim distribuídas no que tange ao grau de titulação:
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Total BDTD 32
a re
Mestrado 20 95%
CAPES
Doutorado 1 5%
Total CAPES 21
or
conforme figura 2, apresentada a seguir, nota-se coerência no número de
pesquisas ao longo dos últimos cinco anos, apresentando um número maior
od V
no ano de 2016, em que foi registrado um total de 07 dissertações defen-
aut
didas tendo como foco de estudo a psicologia e políticas educacionais.
Tal fato pode estar relacionado às políticas públicas ligadas à educação,
R
despertando interesse aos pesquisadores e também ao aumento da oferta
de pós-graduação no Brasil, que foram amplamente acessadas em anos
o
anteriores e, consequentemente, chegaram aos períodos de defesas nesse
aC
referido ano, destacando-se entre os demais anos.
8
a re
7
BDBTD Dissertações
6
5
BDBTD Teses
par
4
3
Ed
CAPES Dissertações
2
1
CAPES Teses
0
ão
24
or
9 9
od V
6
aut
5
Norte
R
Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
o
Fonte: Banco de teses da CAPES: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses e Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações: http://bdtd.ibict.br/vufind/>. Acesso em jul. 2018.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
foram produzidas (ver quadro 2), verifica-se que a maioria dos estudos é
oriunda de Programas da área da Psicologia, seguida pela de Educação.
ão
Psicologia 22 41%
ver
Educação 11 21%
Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano 3 6%
continua...
40 Conselho Regional de Psicologia 6ª Região. Profissionais por regional. Atualizado em: 23 jul. 2018 às
03:00:05. Disponível em: <https://transparencia.cfp.org.br/crp06/psicologo/psicologos-por-regional/>. Acesso
em: 25 jul. 2018.
Programa Número %
Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde 3 5%
Desenvolvimento Humano 3 5%
Distúrbios do Desenvolvimento 2 4%
Políticas Públicas 1 2%
Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações 1 2%
Saúde Coletiva 1 2%
or
Sociedade, Cultura e Fronteiras 1 2%
Ciência da Informação 1 2%
od V
Psicanálise 1 2%
aut
Teologia 1 2%
Mudança Social e Participação Política 1 2%
Integração da América Latina 1 2%
R
Fonte: Banco de teses da CAPES: <http://www.capes.gov.br/servicos/
banco-de-teses> e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações:
o
<http://bdtd.ibict.br/vufind/>. Acesso em: jul. 2018.
aC
Brasil, 2013; Campos, 2013; Gemelli, 2013; & Kinpara, 2013); políticas de
atendimento à diversidade, com 12 trabalhos que apontam a investigação e/
ou discussão sobre as políticas de direitos humanos, políticas educacionais
de gênero, etnias indígenas, populações afrodescentes, LGBT, Educação de
Jovens e Adultos e Cotas nas universidades (Santos, 2017; Bonfim, 2016;
Camargo, 2016; Melo, 2016; Moura, 2015; Barros, 2014; Braz, 2014;
or
Cunha, 2014; Palma, 2014; Meirelles, 2013; Rocha, 2013; & Silva, 2013);
e políticas para educação inclusiva, com 10 trabalhos abordando o tema
od V
através da investigação e/ou discussão da política de inclusão escolar,
aut
geral ou de algum segmento específico, como: acessibilidade, deficiência
visual, deficiência auditiva, deficiência intelectual, Transtornos do Espectro
R
Autista – TEA – o ensino especial, geral ou de alguma especialidade, bem
como atendimentos educacionais em geral para estas pessoas e formas de
o
atuação profissional no atendimento a esses alunos (Zanetti, 2017; Gar-
aC
cia, 2016; Leonel, 2014; Martins, 2014; Ribeiro, 2014; Tibyriçá, 2014;
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
e a assistência social, tais como trabalhos que tratem da saúde dos profissionais
da educação, escolarização da infância em abrigos, adolescentes em conflito
Ed
or
escolares em prol de resultados satisfatórios ao desenvolvimento dos
3 Melhoria da alunos. Discussão presente nos trabalhos de: Pedroso, 2017; Albuquerque,
Educação 2016; Lucca, 2016; Nascimento, 2016; Ferreira, 2015; Oyama, 2015;
od V
Albuquerque, 2014; Matheus, 2014; Miguel, 2014; Nascimento, 2014; Silva,
aut
2014; Brasil, 2013; Campos, 2013; Gemelli, 2013; & Kinpara, 2013.
A partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Políticas de
Nacional (Lei Nº. 9394/96), que aponta com maior nitidez e compromisso a
4 Formação de
Professores
R
formação e a prática do professor, discutido em: Rodrigues, 2017; Almeida,
2017; Vital, 2016; Costa, 2015; Eugenio, 2013; & Pedrinho, 2013.
Trabalhos que discutem os modos pelos quais se ampliam as possibilidades
o
Políticas de de participação da sociedade nos processos políticos, promovendo
5 Atendimento à a democracia. Discussão presente em: Santos, 2017; Bonfim, 2016;
aC
Diversidade Camargo, 2016; Melo, 2016; Moura, 2015; Barros, 2014; Braz, 2014;
Fonte: Pesquisadores.
itor
or
de escolarização dos surdos, sob a perspectiva deles, evidenciando suas arti-
od V
culações com as políticas e filosofias educacionais e como o cotidiano escolar
aut
se relaciona aos processos formativos (Ribeiro, 2014).
A psicologia precisa focar no desenvolvimento e fortalecimento de todos
R
que fazem parte da escola, assumindo um compromisso ético e político com
a sociedade. E não mais assumir a postura de profissional preocupado com a
o
desordem e patologias. Essa postura se consolidará a partir da formação do
psicólogo crítico, que construa ferramentas apropriadas para o contexto em
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
profissional, restringindo e dificultando uma prática competente, consequen-
od V
temente, uma formação profissional refinada. Nota-se uma diferença entre
aut
ser psicólogo no Brasil e ser psicólogo para o Brasil, e essa diferença está
justamente na formação desse profissional e na forma como ele atua, pois se
faz necessário que os psicólogos mudem suas posturas tradicionais e assumam
R
posições de maior risco e desafios na defesa de questões sociais e políticas
(Guzzo, 2008). Atualmente, a Psicologia Escolar tem sido alvo de discussões
o
no que se refere à atuação do profissional, onde se defende que seja consciente
aC
e transformadora, além de discussões sobre a ampliação de práticas voltadas
(Matheus, 2014); como ocorre a relação entre saúde e educação por meio de
políticas que propõem melhorias nas condições de vida do público escolar,
tomando por referência programas no Brasil e Portugal (Lucca, 2016) além
das políticas brasileiras de álcool e outras drogas (Pedroso, 2017); análise
par
uma reflexão sobre como ocorre a sua execução no âmbito do seu público
alvo (Miguel, 2014 & Campos, 2013).
Embasada nesses dados, percebe-se a educação como fonte para um
mecanismo estratégico para suprir as novas necessidades da sociedade em
or
desenvolver estratégias sócio-educacionais comprometidas com a comunidade
od V
(Góes & Machado, 2013).
aut
O eixo temático (4) políticas de formação de professores, demanda
o debate da formação e atuação docente frente às demandas e às premis-
R
sas educacionais inclusivas (Rodrigues, 2017); compreensão das políticas
educacionais como um espaço de constituição de sentidos e de que modo
o
estão articuladas ao sistema de ensino e compõem a subjetividade docente
(Costa, 2015; Eugênio, 2013 & Pedrinho, 2013); Investigação sobre a matriz
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
dos processos que contribuem para uma formação cultural genuína e eman-
cipatória, além de analisar as políticas educacionais voltadas para a sexuali-
dade (Santos, 2017; Bonfim, 2016; Barros, 2014 & Palma, 2014); o processo
de implementação da Lei de Cotas nas instituições de ensino, bem como
or
liativo, ensino-aprendizagem, teórico e em outras dimensões que a constituem
od V
como medida para superar o analfabetismo (Cunha, 1980 & Silva, 2013).
aut
O Brasil é caracterizado pela sua diversidade, na educação se faz
necessário refletir formas de valorizar essa diversidade. Neste sentido, Nardi
(2018) discute a necessidade de considerar o pluralismo dos contextos esco-
R
lares e reforça a importância do posicionamento contra as tendências padro-
nização dos indivíduos não potencializando suas particularidades. A criação
o
de espaços de representatividade na escola é uma tarefa indispensável para a
aC
democratização da escola e da sociedade como um todo.
Por fim, o eixo temático (6) políticas intersetoriais, aborda questões relati-
a re
problemas que ocorrem sobre uma população que ocupa um local específico.
ver
or
públicas educacionais, vêm se responsabilizando, de maneira gradual, pela
hipótese e fortalecimento de ações através de planos, programas e projetos
od V
que possibilitem melhorias nas condições de vida de todos que compõem a
aut
escola. Busca-se a participação social nos processos decisórios e a democrati-
zação das informações e do acesso aos bens e serviços públicos, o resgate da
R
autonomia e da identidade local, bem como a implementação de programas
intersetoriais, que visem ao atendimento do indivíduo em todas as dimensões
o
supracitadas (Senhoras & Silva Neto, 2014).
aC
A escola assumindo condições de diálogos para aqueles que a frequentam
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ciais, porém esse aumento se compara a luta por uma educação de qualidade
e que cumpra com seus propósitos, como o desenvolvimento e humanização
a re
dos indivíduos.
Considera-se que a escola atende aos padrões e tendências da sociedade
em que está inserida e carrega sua característica de forma social ou na trans-
missão dos conteúdos, suas contradições, incluindo a ausência de liberdade
par
e os obstáculos à experiência.
Ed
4. Algumas considerações
or
conhecimento sobre o referido eixo, em contrapartida é indicada a carência
od V
de discussões científicas significativas sobre as políticas intersetoriais, o que
aut
pode incidir na limitação de quadros analíticos desses segmentos.
Diante disso, o levantamento bibliográfico realizado permitiu destacar
R
alguns aspectos que poderão nortear pesquisas futuras de ambas as áreas.
Como a sistematização do estudo sobre cada eixo abordado, mas de forma
o
independente, verificando o motivo de quando o número de publicações encon-
tradas foram muito baixo, enquanto outros eixos o número foi muito elevado.
aC
REFERÊNCIAS
Azevedo, J. M. L. de, & Aguiar, M. A. da S. (2001). Políticas de educação:
concepções e programas. In: Wittmann, L. C. & Gracindo, R. V. (Org.). O
estado da arte em política e gestão da educação no Brasil (1991-1997). Bra-
sília: ANPAE; Campinas, SP: Autores Associados.
or
Barreyre, J. Y., Bouquet, B., Chantreau, A., & Lassus, P. (Org.). (2006). Nou-
od V
veau dictionnaire critique d’action sociale. Paris: Bayard.
aut
Bisinoto, C., & Marinho_Araujo, C. M. (2014). Sucesso acadêmico na edu-
R
cação superior: contribuições da psicologia escolar. Revista Eletrônica de
Psicologia, Educação e Saúde. 1. ano. 4, Disponível em: https://revistaepsi.
o
com/artigo/2014-ano4-volume1-artigo2/ . Acesso em: 20 jul. 2018.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
23 jul. 2018.
Brasil. (1996). Congresso Nacional. Lei Federal n°.: 9.394/96 das Diretrizes
ão
or
(Orgs.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro, RJ: Editora FIOCRUZ.
od V
aut
Cunha, L. A. (1980). Educação e desenvolvimento social no Brasil. Rio de
Janeiro, RJ: F. Alves.
R
Ferreira, N. S. (2002). As pesquisas denominadas “estado da arte”. Educa-
o
ção & Sociedade, 79, 257-272. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302002000300013&lng=pt &nrm=i-
aC
formação e prática. (3ª ed., pp. 75-91). Campinas, São Paulo: Editora Alínea.
tora Alínea.
Laplane, A. L. F. (2004). Notas para uma análise dos discursos sobre inclusão
escolar. In Góes, M. C. R., & Laplane, A. L. F. (Orgs.). Políticas e práticas
de educação inclusiva. Campinas, SP: Autores Associados.
or
od V
Marinho-Araujo, C. M., & Neves, M. M. B. J. (2007). Psicologia escolar:
aut
perspectivas e compromissos com a formação continuada. In Campos, H.
R. (Org.), Formação em psicologia escolar: realidades e perspectivas. (pp.
R
69-87). Campinas, São Paulo: Editora Alínea.
o
dimensões comuns e arranjos institucionais sinalizados em bases normativas
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
K. (Org.). Atuação do psicólogo na educação básica: concepções, práticas e
od V
desafios. (pp. 223-256). Uberlândia, MG: EDUFU.
aut
Souza, M. P. R. de. (2010). Psicologia Escolar e políticas públicas em Edu-
cação: desafios contemporâneos. Em Aberto, 23,(83), 129-149. Brasília,
R
DF. Disponível em: http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/
view/2255/2222. Acesso em: 20 jul. 2018.
o
aC
Zanin, N. Z., Silva, I. M. M., & Cristofoli, M. S. (jan./mar. 2018). Espaços
or
V
Glaybe Antônio Sousa Pimentel
aut
Luiz Miguel Galvão Queiroz
Paulo Sérgio de Almeida Corrêa
1. Introdução
CR
do
No Brasil, a implementação da gestão democrática e das eleições diretas
nas escolas públicas é fenômeno muito recente. Todavia, nos anos de 1990,
ganhou notoriedade no campo científico e nas reivindicações dos movi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
mentos sociais, o que resultou em sua expansão para diversas Unidades
Federadas do Brasil, tanto nas Capitais, quanto nos espaços Municipais
ra
(PARO, 1996, p. 377).
Atualmente o tema das eleições diretas nas escolas provoca muitos confli-
i
rev
livre nomeação.
41 Este artigo científico derivou da pesquisa CONTROVÉRSIAS E INCONSTITUCIONALIDADES SOBRE
O INSTITUTO DAS ELEIÇÕES DIRETAS PARA ESCOLHA DE DIRETORES DAS ESCOLAS PÚBLICAS
NO BRASIL, desenvolvida entre os meses de setembro de 2017 a maio de 2018, por ocasião do trabalho
docente na Disciplina História da Educação Brasileira e da Amazônia, ofertada no Curso de Licenciatura
Plena em Pedagogia da Faculdade de Educação do Instituto de Ciências da Educação, no 3º Período do
Calendário Acadêmico da Universidade Federal do Pará.
42 74% das cidades usam só indicação política para nomear diretor de escola. Nomeação por livre esco-
lha do poder público é comum na rede municipal. Governo federal quer priorizar outras formas de seleção
para o cargo. <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/08/74-das-cidades-usam-so-indicacao-politica-
-para-nomear-diretor-de-escola.html>. Acesso em: 21 nov. 2017.
or
fenômeno no contexto nacional brasileiro. Logo, considerando-se os escri-
tos de autores implicados com a historiografia educacional brasileira, quais
od V
são as controvérsias das quais se revestem o tema das eleições diretas nas
aut
escolas públicas?
Esta pesquisa foi conduzida com apoio na leitura de parte da produção
R
científica existente sobre o assunto, colhida a partir de busca dos textos na
internet, ocasião em que foram acessados trabalhos em diversos veículos,
o
tais como: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, REALIZ Editora; na
aC
ANPAE, o XXIV Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educa-
objeto de estudo teve seu início no ano de 1996 e final em 2017. O início da
a re
or
Quadro 2 – Autoria, Trabalhos e Veículos de circulação da produção científica
od V
Ano da
Autores Título da produção Veículo de circulação
aut
publicação
Eleições Diretas para
FREITAS, Priscila Alves de; In: IV Fórum Internacional de
Diretores Escolares:
ALEXANDRE, Francisca Pedagogia, Parnaíba- Piauí. A
Romelha; SILVA, Ciclene Ales
da.Universidade do Estado do
Rio Grande do Norte UERN
R
o caminhar da
democracia no interior
da escola pública
pesquisa na graduação: emancipação 2012
humana, práxis docente, trabalho e
educação.
o
brasileira.
In: Maria Beatriz Luce e Isabel Letícia
MEDEIROS, Isabel Letícia
aC
Gestão democrática e Pedroso de Medeiros. (Org.). Gestão
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Pedroso de.
escolha do diretor de Escolar democrática: concepções e 2006
Secretaria Municipal de
escola. vivências. Porto Alegre: Editora da
Educação de Porto Alegre
UFRGS.
O Instituto das eleições Dissertação (Mestrado) -
OLIVEIRA, Patrícia Soraya
visã
diretas para diretor de Universidade Federal do Pará,
Cascaes Brito de.
escolas municipais da Instituto de Ciências da Educação, 2017
Universidade Federal do Pará
Região Metropolitana Belém, 2017. Programa de Pós-
UFPA
de Belém. Graduação em Educação.
Eleição de Diretores
PARO, Vitor Henrique.
itor
(Usp)
prática.
SANTOS, Javan Araújo Gestão democrática In: 26º Simpósio Brasileiro de
dos; PRADO, Edna Cristina do. & eleição de diretores Política e Administração da
2013
Universidade Federal de escolares nos Educação - ANPAE, 2013, Recife/PE.
Alagoas – UFAL municípios alagoanos. Comunicações Orais G-J, v. 14.
Escolha de dirigentes
par
p. 191-192.
perspectivas.
MAIA, Graziela Zambão
Abdian; MANFIO, Aline.
Universidade Paulista, UNIP-
ão
O provimento do cargo
campus de Assis.
de gestor escolar e a Revista Brasileira de Política e
Secretaria Municipal de
qualidade de ensino: Administração da Educação - RBPAE 2010
Educação de Assis. Membro
análise de publicações – v.26, n.3, p. 477-494, set./dez.
do Conselho Municipal de
s
nacionais (1990-2005).
Educação de Assis como
ver
representante do ensino
superior privado.
or
e 2017. Entre 2000-2010, deu-se a publicação de 4 trabalhos, o que represen-
tou 50% da amostra, enquanto no intervalo 2012-2017, houve o acúmulo de 3,
od V
atingindo a média de 37,5%. Considerando-se tais incidências, verificou-se
aut
que no contexto do ano 2000 em diante, ampliou-se o interesse investigativo
sobre o assunto das eleições diretas nas escolas, seja sob a forma de trabalhos
R
apresentados em eventos ou configurados como artigos, capítulo de livro
ou dissertações.
o
Dentre o total dos 8 trabalhos escolhidos, estão representados 13 autores,
aC
sendo que 10 deles constituídos por mulheres (76,92%) e 3 do sexo masculino
Diante desse panorama, obtivemos uma amostra que se dispersa por diferentes
Regiões do território brasileiro: Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste.
São 4 os tipos de veículos por onde circularam os trabalhos objeto deste
ão
or
Simpósio, Reunião Anual, Congresso. Outros 25% foram atribuídos aos Arti-
od V
gos Científicos, enquanto 12% foi a representatividade do Capítulo de Livro e
aut
com esse mesmo valor percentual a Biblioteca Digital de Dissertações e Teses.
Portanto, os trabalhos são provenientes de veículos com grande inserção
social no meio da comunidade científica, logo, desfrutam de reconhecimento
R
e prestígio junto aos pesquisadores e estudiosos dos diversos assuntos propa-
gados nesses dispositivos adotados para publicação.
o
aC
3. Aspectos controversos no instituto das eleições diretas
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
em relação aos movimentos grevistas; a escola e o diretor ainda são frágeis
od V
no poder de barganha frente ao Estado; a eleição de diretor tem permitido o
aut
acesso ao cargo a um novo contingente de professores que, pelo critério da
nomeação clientelista, dificilmente viriam a se tornar dirigentes escolares; a
dimensão pedagógica ganha maior visibilidade nas ações do diretor.
R
Com relação à democracia na escola, as eleições passaram a mobilizar
vários setores; isto resultou em maior consciência política do pessoal escolar
o
e dos usuários da escola; a eleição tem sido privilegiada enquanto critério
aC
de escolha dos diretores, uma vez que a participação trouxe maior controle
or
Brasil, assume diferentes tipificações: nomeação pelo poder público; concurso
od V
público; eleição; esquema misto. A eleição seria a forma mais democrática,
aut
devido possibilitar a participação da comunidade e por isso defende que a
mesma precisa ser articulada a processos de democratização com participação
direta na escolha, no planejamento e organização da instituição. Contudo, há
R
polaridades entre os defensores do concurso para provimento desse cargo e
aqueles que optam pela eleição. Nessa perspectiva, destaca:
o
aC
Os defensores do concurso público apontam muitas fragilidades nos pro-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
gestores com as comunidades. Contudo, isoladamente, a eleição não seria
od V
suficiente para assegurar a democracia, porém eleva o exercício da educa-
aut
ção para a cidadania, para a democracia e na democracia. Assim, é para o
Projeto Político-Pedagógico e a gestão democrática que devem convergir os
interesses dos diversos setores envolvidos na organização e funcionamento
de cada unidade escolar.
R
No caso das escolas estaduais de Goiás, Brzezinski e Mata (2009) des-
o
tacam que as eleições diretas nas escolas resultaram de lutas sociais que
aC
impulsionaram governos estaduais e municipais a propor sua efetivação como
nesse processo.
Embora alunos e pais representem a maioria na comunidade apta a votar
nos pleitos eleitorais para escolha de diretores, os trabalhadores da educação
ão
or
qualidade do ensino. Todavia, deve-se assegurar a participação da comunidade
od V
nas tomadas de decisões e na escolha dos dirigentes.
aut
Na pesquisa de Freitas, Alexandre e Silva (2012), a eleição de diretores
das escolas foi percebida enquanto fenômeno resultante de processo democrá-
tico com impacto positivo no desenvolvimento educacional, mas isso não basta
R
para instaurar melhorias na qualidade total dos diversos processos educativos
envolvendo o ensino-aprendizagem. Defendem que no Estado representativo,
o
tal como ocorre no do Brasil, a participação popular é fundamental ao exercí-
aC
cio da democracia, particularmente da gestão escolar, uma vez que os espaços
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
sobre a educação e a escola; a gestão democrática implica em descentralização
od V
e autonomia das instituições escolares; deve-se inserir a comunidade na escola,
aut
a fim de que participe das decisões e na cultura organizacional da escola.
Embora a escolha dos diretores das escolas públicas ainda seja predo-
minantemente marcada pela indicação política, a eleição direta e a gestão
R
democrática constituem meios para promover a transformação social, já que
o diretor escolar também contribui com a consciência crítica dos educandos
o
e da comunidade escolar. Afinal, a eleição direta é apenas um meio para se
aC
efetivar a democracia, mas não é o único, portanto não se pode considerar
4. Conclusões
or
od V
O estudo da temática envolvendo as eleições diretas nas escolas, demons-
aut
trou que a historiografia educacional sobre o assunto abrange um longo período
histórico, o qual se estende desde os anos de 1960 até o ano de 2017, sendo
essa produção de autoria de pesquisadores de ambos os sexos, mas com pre-
R
dominância feminina e proveniente de instituições diversas.
A leitura e análise dessa produção, deixou evidente as diversas contro-
o
vérsias envolvendo o instituto das eleições diretas nas escolas, como foi o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de ensino, contudo aquela sozinha não produz efeitos positivos sobre esta.
ver
Partido Político (ou coligação partidária) que esteja à frente, poderá defender
a consolidação ou impedir que ocorram os processos eletivos, inclusive com
perseguição aos desafetos e favorecimento aos seus aliados.
Embora os agentes envolvidos com a escola tenham ampliado seu poder
nas decisões em razão da gestão democrática representativa, a participação
ainda é um princípio a ser fortalecido, pois muitas vezes a manifestação da
comunidade escolar resulta de compromissos corporativistas envolvendo
or
políticos, diretores, alunos, pais, técnicos, professores e conselheiros, não
od V
visa ao interesse público em defesa da qualidade do ensino.
aut
O desenvolvimento deste estudo permitiu constatar a histórica luta dos
movimentos sociais a fim de instituir as eleições diretas nas escolas públicas
do Brasil. Todavia, somente nos anos de 1980 e 1990, tornaram-se efetivas em
R
diversas capitais do país. Dentre as Unidades Federadas eleitas para servir de
referência nesta pesquisa, Rio Grande do Sul é aquela em que esse processo
o
foi desencadeado há mais tempo, enquanto no Estado do Pará a aprovação
aC
da lei na Assembleia Legislativa, deu-se no ano de 2014 e em Minas Gerais
catória, visto que, no mês de setembro do ano de 1988, quando ainda vigia
a outorgada Constituição do Brasil de 196743, o STF, pela primeira vez, com
43 Em pleno recesso do Congresso Nacional, que desde 13 de dezembro de 1968 estava impedido de funcionar,
tal Constituição sofreu Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, passando a matéria a ser
regulamentada na Seção VIII Dos Funcionários Públicos, no art. 97, §§ 1º e 2º.
or
em Constituição Estadual, Lei, Decreto, Resolução) a realização do pleito
od V
eleitoral para escolher o ocupante do cargo de diretor, atribuindo-lhe forma
aut
jurídica mediante lei expressa.
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
REFERÊNCIAS
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tramitação
do Projeto de Lei nº 811, de 2005. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.
br/propositura/?id=606927>. Acesso em: 21 nov. 2017.
or
BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 74% das cidades
usam só indicação política para nomear diretor de escola. Nomeação por
od V
livre escolha do poder público é comum na rede municipal. Governo fede-
aut
ral quer priorizar outras formas de seleção para o cargo. <http://g1.globo.
com/educacao/noticia/2015/08/74-das-cidades-usam-so-indicacao-politica-
R
para-nomear-diretor-de-escola.html>. Acesso em: 21 nov. 2017.
o
______. Supremo Tribunal Federal – STF. Jurisprudências.
aC
OLIVEIRA, Patrícia Soraya Cascaes Brito de. O Instituto das eleições dire-
tas para diretor de escolas municipais da Região Metropolitana de Belém.
2017. 249 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Instituto
de Ciências da Educação, Belém, 2017. Programa de Pós-Graduação em
Educação. <http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/8716>. Acesso em:
22 nov. 2017.
or
PARO, Vitor Henrique. Eleição de Diretores de Escolas Públicas: avanços e
od V
limites da prática. R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 77, n. 186, p. 376-395,
aut
maio/ago. 1996.
R
& eleição de diretores escolares nos municípios alagoanos. In: 26º SIMPÓSIO
BRASILEIRO DE POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO DA EDUCAÇÃO -
o
ANPAE, 2013, Anais... Recife/PE. Comunicações Orais G-J, 2013. v. 14.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:40
AS INTERFACES ENTRE AS POLÍTICAS
PÚBLICAS E O CAMPO DA SAÚDE DO
TRABALHADOR: ressonâncias no presente
or
V
Anaclan Pereira Lopes da Silva
aut
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Laura Soares Martins Nogueira
Ana Carolina Secco de Andrade Mélou
CR
do
1. As Origens do campo da Saúde do Trabalhador:
contexto histórico e as Conferências Nacionais
de Saúde Mental – primórdios
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
A constituição do campo da Saúde do Trabalhador apresenta um imbrin-
camento com o momento histórico o qual o Brasil atravessou nos anos 1980,
ra
propiciado pela abertura política pós-ditadura de mais de vinte anos e o for-
i
talecimento da política sindical após anos de repressão. Neste cenário mais
rev
or
respeito da constituição de serviços voltados à saúde do trabalhador inseriu-
se no contexto mais amplo de discussão sobre saúde de forma mais extensa,
od V
fomentada mais detidamente a partir da I Conferência Nacional de Saúde
aut
Mental, realizada em 1987 no Rio de Janeiro que ocorreu após a VIII Con-
ferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, em 1986. Tais encontros,
R
vinham a cabo das necessidades que emergiam dos trabalhadores da área
da saúde de discutirem temas atrelados à sua prática laboral, às mudanças
o
econômicas e sociais que começavam a impactar na saúde dos trabalhadores
aC
e, principalmente, ao debate a respeito da saúde mental com relação ao tra-
Marcia et al., 2011,p. 395)46. Deixando claro que o Sistema Único de Saúde
a re
começa a ser delineado ante aos impactos claros que o trabalho ocasionava
na saúde de seus trabalhadores e trabalhadoras. Na referida Conferência,
s
ver
44 OLIVEIRA, Maria Helena Barros de; VACONCELLOS, Luiz Carlos Fadel de. As Políticas Brasileiras de
Saúde do Trabalhador: tempos de avaliação. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, n. 55, p. 92-103,
maio/agosto 2000.
45 RAMMINGER, Tatiana; NARDI, Henrique Caetano. Saúde Mental e Saúde do Trabalhador: análise das
conferências nacionais brasileiras. Psicologia Ciência e Profissão, v. 27, n. 4, p. 680-693, 2007.
46 KARINO, Marcia Eiko et al. Reflexão sobre as políticas de saúde do trabalhador no Brasil: avanços e desafios.
Ciência Cuidado e Saúde, v. 10, n. 2, p. 395-400, abr./jun. 2011.
or
Brasília, tratava das ressonâncias que a implantação do SUS trouxe ao sistema
od V
de saúde nacional, assim como discutia a recente aprovação da Lei Federal de
aut
Saúde Mental, em abril de 2001. Além disso, versava sobre a reorganização
do trabalho em saúde mental, assim como da relação entre saúde e trabalho
(RAMMINGER; NARDI, 2007). O relatório desta Conferência ratifica a
R
importância do trabalho multiprofissional e interdisciplinar nas equipes de
saúde e ressalta também a preocupação com a saúde mental do trabalhador.
o
Desta forma, podemos perceber que há uma relação íntima entre o debate
aC
da saúde mental de forma mais ampla com a constituição do debate no campo
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
47 A Lei 8.080 de 1990, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes”. Trata da organização do Sistema Único
or
od V
1. Diagnóstico da situação de Saúde e Segurança dos Trabalhadores;
aut
2. Novas Alternativas e Atenção à Saúde dos Trabalhadores;
3. Política Nacional de Saúde e Segurança dos Trabalhadores48.
R
Um dado relevante desta Conferência foi o fato de ter estabelecido o
consenso de que a saúde dos trabalhadores vai além dos limites da saúde ocu-
o
pacional, o que a faz introduzir o conceito de saúde de forma mais ampliada.
aC
de Saúde (SUS). Lei No. 8080/90, de 19 de setembro de 1990. Brasília: DF. 1990. Disponível em: <https://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8080.htm>. Acesso em: 12 ago. 2018.
48 Cf. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Tra-
balhar Sim! Adoecer, Não!: o processo de construção e realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde
do Trabalhador. Relatório Ampliado. Brasília: Ministério da Saúde, 2011.
or
truindo uma Política de Saúde do Trabalhador”.
od V
Os grandes marcos desta II Conferência foram “a unificação das ações de
aut
Saúde do Trabalhador no SUS e a discussão das dimensões políticas, sociais,
econômicas, técnicas e gerenciais dessa política pública” (RAMMINGER;
NARDI, 2007, p. 689). Esses elementos são os pilares da constituição da
R
política da saúde do trabalhador e que, como veremos, ainda hoje estão em
processo de implementação.
o
Somente a partir da década de 1980, os pesquisadores brasileiros do
aC
campo da saúde mental começaram a realizar estudos na área da saúde do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
e da saúde. Até então e até mesmo naquele momento histórico (anos 1980),
muitos sofrimentos psíquicos do trabalhador eram traduzidos na forma de
doenças físicas, orgânicas ou por problemas relacionais com as chefias, assim
ão
or
dessa associação, quando o trabalhador é encaminhado aos peritos do Instituto
od V
Nacional do Seguro Social (INSS), enfrenta mais barreiras ainda, pois esses
aut
profissionais costumam desconsiderar o nexo causal entre trabalho e doença
mental, determinando que o trabalhador está apto a voltar às suas atividades,
ignorando que o próprio trabalho o/a adoeceu.
R
Para que essas dissonâncias fossem aplacadas, a Plenária Final da II
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador, indicou a necessidade de
o
as ações com relação à Saúde do Trabalhador fossem unificadas através do
aC
Sistema Único de Saúde (SUS).
suas demandas.
a re
mos só pelo salário e sim também por reconhecimento; somos afetados pelas
ver
não seria possível, mas sim diminuir os impactos maléficos do trabalho sobre
as pessoas, para que elas possam trabalhar de forma digna, saudável e produ-
tiva. A academia em muito contribuiu e contribui com estudos neste sentido.
A III Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador ocorreu de 24
a 27 de novembro de 2005 em Brasília e teve como tema “Trabalhar sim,
Adoecer Não! ”, com o intuito de ressaltar a positividade do trabalho, um
tanto perdida com a associação entre trabalho e sofrimento bastante arraigada
or
no discurso vigente. Esta Conferência, nas palavras dos próprios autores do
od V
relatório final, teve o seguinte cunho:
aut
“A 3ª CNST representou o resultado de um acúmulo histórico que tem
como marco o final dos anos 1970, traduzido em ações de defesa do tra-
R
balho digno e saudável, da participação dos trabalhadores nas decisões
quanto à organização e gestão dos processos produtivos e na busca da
o
garantia da atenção integral à saúde de todos” (BRASIL. Ministério da
aC
Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalha-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
trabalhadores/as?
or
avaliar essa participação na constituição das políticas públicas para que os/
od V
as trabalhadores/as assumissem um coprotagonismo nas propostas e ações a
aut
serem tomadas.
A 3ª CNST concluiu que houve um maior compromisso com a dimensão
política para que dispositivos constitucionais possam ser cumpridos efetiva-
R
mente com o intuito de garantir condições de trabalho adequadas, com garantia
de saúde aos seus/suas trabalhadores/as. Ocorreu uma participação maior de
o
trabalhadores na Conferência, assim como maior participação feminina, o que
aC
trouxe para o debate as especificidades do mundo do trabalho para as mulheres,
do trabalhador e da trabalhadora;
Subeixo 2 – Fortalecer a participação dos trabalhadores e das trabalha-
Ed
49 Notemos aqui a referência à diferenciação de gênero nunca antes frisada nas Conferências anteriores, ao
qualificar “trabalhadores” e “trabalhadoras”.
or
Iremos, a seguir, tratar do tema das políticas públicas associadas ao
od V
debate sobre a saúde do trabalhador no Brasil.
aut
3. Políticas Públicas e a Política de Saúde
do Trabalhador no Brasil
R
3.1 Políticas Públicas: um breve olhar
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
surge como uma subárea da ciência política, inaugura um caminho para este
último campo, de estudo do mundo público. O Estado (representado por seu
Ed
50 SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16,
p. 20-45, jul./dez. 2006.
“Não existe uma única, nem melhor, definição sobre o que seja política
pública. Mead (1995)51 a define como um campo dentro do estudo da
política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas e Lynn
(1980)52, como um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos
específicos. Peters (1986)53 segue o mesmo veio: política pública é a soma
das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delega-
ção, e que influenciam a vida dos cidadãos [...] A definição mais conhecida
or
continua sendo a de Lasswell (1958)54, ou seja, decisões e análises sobre
política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha
od V
o quê, por quê e que diferença faz”
aut
Existem outros vieses analíticos da temática que enfatizam o papel das
R
políticas na solução de problemas, porém esta perspectiva é criticada por não
atentar para o fato de que o território de debate das políticas públicas dá-se em
torno de disputas de ideias e interesses diversos, sendo que as “soluções” são
o
fruto de uma longa jornada de debates, tensões, rompimentos e acordos. Mas,
aC
a política pública”.
Ed
51 MEAD, Lawrence M. Public Policy: vision, potential, limits. Policy Currents, fev. 1995. p. 1-4.
ver
52 LYNN, Laurence E. Designing Public Policy: a casebook on the role of policy analysis. Santa Monica,
California: Goodwear. 1980.
53 PETERS, B. Guy. American Public Policy. Chatham, N. J.: Chathan House, 1986.
54 LASSWELL, Harold D. Politics: who gets that, when, how. Cleveland: Meridian Books, 1936/1958.
55 FARAH, Marta Ferreira Santos. Análise de políticas públicas no Brasil: de uma prática não nomeada à
institucionalização do “campo de públicas”. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro v. 50, n. 6, p. 959-979, nov./
dez. 2016.
or
dêmicos e dizem respeito à natureza das atividades do Estado, procurando
od V
entender e explicar o processo da política pública assim como os modelos
aut
utilizados pelos pesquisadores para analisar o processo de formulação e
implementação de políticas. A análise de políticas, por sua vez, corres-
ponde a estudos para políticas, envolvendo a geração e a mobilização de
R
conhecimento para subsidiar políticas públicas (grifos da autora).
o
Desta forma, fica claro o caráter de conselheiro/a que o/a analista polí-
aC
tico/a possui para os/as governantes (do Executivo) para ajudá-los/las na
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
essas análises era variada, já que não havia cursos de formação em políticas
naquele momento.
Na verdade, a formação e pesquisa no campo das políticas públicas são
recentes no Brasil. Datam dos anos 1990 e não tiveram, naquele momento,
o eixo de análise de políticas como um fator preponderante, como também
não foram acompanhadas da criação de cursos de formação de analistas de
políticas públicas, tal qual em outros países. Mesmo assim, as atividades de
or
análise de políticas públicas tomaram lugar sim em todo país.
od V
Ao longo do tempo foi ocorrendo uma ampliação dos lócus de desenvol-
aut
vimento e dos atores envolvidos, mesmo não tendo se constituído de imediato
em um campo de formação autônomo. Atualmente, vimos o surgimento de
diversos cursos de políticas públicas no Brasil (administração pública, gestão
R
pública, gestão social, gestão de políticas públicas), configurando um novo
cenário nesta área de estudo em nosso país, com muitas produções sobre esta
o
temática, a institucionalização de um novo campo de estudo e pesquisa, o
aC
trabalho” são formadas pelas ações desenvolvidas pelo Estado para que
vida, a realização pessoal e social dos trabalhadores, sem prejuízo para sua
saúde, integridade física e mental (SOUSA, M. I. F, et al., 2014, p. 63).56
56 SOUSA, Maria Iderlânia de Freitas et al. Uma Reflexão sobre as Políticas Públicas na Saúde do Traba-
lhador. Revista Ciência e Tecnologia, 1. ed. 2014, referindo-se à Política Nacional de Saúde do Trabalhador:
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas
or
SUS para atendimentos dos/das trabalhadores/as. Os pesquisadores apontam,
od V
ainda, dificuldades para a implementação de políticas no âmbito da saúde
aut
ocupacional, já que as políticas formuladas acabam não resultando em ações
concretas direcionadas ao público de trabalhadores/as. O mesmo cenário não
é percebido com relação às outras políticas de saúde, como a da mulher, de
R
combate a doenças como AIDS, hipertensão ou diabetes.
Em importante e já clássico artigo datado no ano de 2005, Gomez e
o
Lacaz57 indicavam o fato de que até aquele momento não havia sido implan-
aC
tada de fato uma Política Nacional de Saúde do/a Trabalhador/a no Brasil.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Estratégicas. Área Técnica de Saúde do (a) Trabalhador (a) – COSAT Política Nacional de Saúde do (a)
Trabalhador (a). Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
57 GOMEZ, Carlos Minayo; LACAZ, Francisco Antônio de Castro. Saúde do Trabalhador: novas-velhas questões.
Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 4, p. 797-807, 2005.
or
setor do trabalho e previdência, assim como representantes dos trabalhado-
od V
res para a elaboração de documento básico sobre a política de saúde dos/as
aut
trabalhadores/as. Em 2004, um documento construído em parceria entre os
ministérios da Saúde, Trabalho e Emprego e Previdência com o título de Polí-
tica Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST) foi divulgado
R
para consulta pública. Porém, tais iniciativas não redundaram em execução
e efetividade da nova política de saúde do/da trabalhador/a.
o
Gomez e Lacaz (2005, p. 798) ratificam este posicionamento, no
aC
De acordo com Sousa et al. (2014), este cenário não mudou muito desde
o estudo de Gomez e Lacaz de 2005, já que, como aponta os próprios autores
Souza et al. (2014, p. 70):
par
parece ainda longe de ser plenamente realizada em nosso país, o que não
significa que não tenham ocorrido avanços neste processo de implantação e
atuação. É evidente que o país caminhou em direção à uma proteção e cuidado
aos/às trabalhadores/as brasileiros/as, com tropeços, idas e vindas, mas com
conquistas visíveis.
or
ao mesmo tempo, com essas novas condições estruturais, muitas vezes, pro-
od V
vocadores de mortes dos trabalhadores, seja pelas condições de trabalho, seja
aut
pelo impacto psíquico que causa, abalando as boas condições de saúde física
e mental dos mesmos, volta à baila com intensidade. A intensidade talvez se
deva à “promessa de paraíso” que os avanços tecnológicos aventaram para
R
os trabalhadores, que não se efetivaram de forma global.
Assim, pensando também nessas modificações estruturais do mundo do
o
trabalho e no contexto social, econômico e político do Brasil, sabemos que a
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
vida, indo além da relação com o emprego, o que estabelece um olhar diferen-
a re
58 ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão – o novo proletariado de serviços na era digital. São
Paulo: Boitempo, 2018
59 ANDRADE, Elsa Thomé de et al. O Processo de Construção da Política de Saúde do Trabalhador no Brasil
para o setor público. Revista de Sociologia Configurações – Políticas Públicas, 10/2012.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Elsa Thomé de et al. O Processo de Construção da Política de
Saúde do Trabalhador no Brasil para o setor público. Revista de Sociologia
Configurações – Políticas Públicas, 10/2012.
or
ANTUNES, Ricardo. O Privilégio da Servidão – o novo proletariado de
serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 2018.
od V
aut
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departa-
mento de Ações Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde do (a)
R
Trabalhador (a) – COSAT Política Nacional de Saúde do (a) Trabalhador (a).
Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
o
aC
______. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde Ambien-
p. 797-807, 2005.
or
od V
MEAD, Lawrence M. Public Policy: vision, potential, limits. Policy Currents,
aut
fevereiro: p. 1-4. 1995
R
de. As Políticas Brasileiras de Saúde do Trabalhador: tempos de avaliação.
Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 24, n. 55, p. 92-103, maio/ago. 2000.
o
aC
PETERS, B. Guy. American Public Policy. Chatham, N. J.: Chathan
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
House, 1986.
28/02/2020 13:13:42
ATENÇÃO À SAÚDE DO IDOSO
(A) INSTITUCIONALIZADO: perdas,
ganhos e necessidades ocupacionais
or
V
Mara Daniele de Sousa Sarmento
aut
Karla Maria Siqueira Coelho
Airle Miranda de Souza
Victor Augusto Cavaleiro Corrêa
CR
do
1. Introdução
são
CHEZ, 2004). Em seus estudos, estes pesquisadores destacam estereótipos
que devem sofrer mudanças como: o idoso é sinônimo de doença, os velhos
ra
se sentem miseráveis e a melhor forma de adaptação é o isolamento da vida
social, os idosos não são produtivos, as pessoas idosas não são criativas e
i
rev
Health Statistics 2015, com dados de 2013) revelam que a Europa apre-
sã
senta 21% da sua população com pessoas na terceira idade e, na África, ape-
nas 5% da população têm mais de 60 anos, esses são os extremos em números
de idosos por continente. Cerca de 22 milhões de pessoas já tenha ultrapassado
os 60 anos no Brasil, algo em torno de 11% do total, estando a maioria em
contextos urbanos (MEDEIROS, 2018). Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística) (2017), no Brasil, cresceu 18% o número de Idosos
durante os últimos 05 anos, ultrapassando 30 milhões no ano de 2017 (PARA-
DELLA, 2018). Entre 2012 e 2017, o número de idosos teve um aumento em
todos os estados brasileiros, com destaque na proporção para o Rio de Janeiro
e o Rio Grande do Sul, que revelaram 18,6% de suas populações com pessoas
or
evolução rápida comparado com outras décadas (THE WORLD BANK, 2016).
od V
Estima-se que, em 2060, o percentual de habitantes com 65 anos ou mais será
aut
de 26,8% (NETO et al., 2017). O aumento dos idosos ocorreu mais precoce-
mente nos países desenvolvidos, indicando uma melhor qualidade da atenção
R
à saúde nesses locais, porém esse aumento também chegou a acontecer nos
países pobres, gerando problemas os quais requerem resoluções de forma
o
arriscada, por ser em locais onde os recursos são mais escassos (LEBRÃO;
LAURENTI, 2005).
aC
or
chama atenção que a institucionalização é a modalidade de serviço mais
od V
comum, entre as pessoas sem familiares, apresentando-se como um recurso
aut
para idosos que precisam de cuidados de longa duração. A mesma autora
declara que, por mais que esteja crescendo a procura por esse tipo de serviço,
ainda existem conceitos negativos a respeito das ILPI, colocando como justi-
R
ficativa o processo histórico da constituição desse tipo de residência.
As Instituições de Longa Permanência, específicas para Idosos, tiveram
o
início no Cristianismo, pelo Papa Pelágio II, entre os anos 520 e 590, nos hos-
aC
pitais prestadores de assistência aos pobres, que ofertavam tratamento físico
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
domiciliar até meio salário mínimo, alertando quanto aos cuidados necessário
Ed
discussão dos direitos da pessoa idosa, pouco se fez em relação aos idosos
ver
or
existem aproximadamente 130.000 idosos, dos 23.940.814 que residem no
od V
Brasil afirma que no Pará, o maior número de idosos está concentrado na
aut
capital paraense, Belém. O perfil social dessa população é de pessoas de baixa
renda, maioria mulheres, analfabetos, e mais da metade não possuem família,
os que possuem, não recebem visitas, e quando recebem, é comum à prática
R
torna-se escassa com o tempo (LOUREIRO; SILVA, 2015). Comparar esses
resultados com todo o esforço de mudança desde a promulgação da Política
o
Nacional do Idoso, em destaque a Política de Saúde da Pessoa Idosa (2006),
aC
assim como as meta e conquistas descritas nesses documentos, percebe-se
lizadas em um mesmo ambiente, sob uma única autoridade e com uma prática
ver
or
mesmo tempo em que acolhe e abriga, aprisiona e mortifica.
od V
Logo, promover ocupações que gerem mudanças no cotidiano dos idosos
aut
institucionalizados, assim como, elaborar estratégias com objetivo de estimular
os vínculos entre os próprios idosos e com a equipe, pode contribuir ao manejo
R
do sofrimento biopsicossocial resultante do processo de envelhecimento,
institucionalização, ausência do grupo familiar, contribuindo a melhoraria de
o
vida desses idosos (FERREIRA, 2011). Conhecer, fornecer condições de vida
e saúde para essas pessoas é necessário para o aperfeiçoamento e funciona-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
A Associação Americana de Terapia Ocupacional apresenta vários con-
od V
ceitos de ocupação, destaca a importância da mesma para gerar identidade e
aut
senso de competência, pois ao ser executada da melhor maneira, a ocupação
gera um significado revertido de valores pessoais (ASSOCIAÇÃO..., 2015).
Essa oportunidade e engajamento em realizar essa ação, podem resultar em
R
satisfações únicas, bem como a realização pessoal (PIERCE, 2001). Para
Crepeau, Cohn e Schell (2011), as ocupações devem satisfazer o ser humano,
o
pois somos um ser ocupacional, eles citam evidências baseada na teoria evo-
aC
lucionista, observáveis no processo de evolução da sociedade, onde o ser
de tomar posse; dedicar seu tempo a algo; trabalho, afazeres com que nos
ocupamos; modo de vida. Também faz referência ao sentido de manter-se ou
manter algo, executar uma ação em um determinado tempo e espaço, além do
investimento em recursos para alcançar um domínio específico. Diante disso,
percebemos que o conceito de ocupação expõe inúmeras definições (MAGA-
par
or
o indivíduo. Uma das primeiras investigações desenvolvidas para estudar e
od V
fomentar o assunto sobre esses aspectos da ocupação e fazer humano, é a
aut
Ciência Ocupacional (COSTA et al., 2017). Como uma disciplina emergente, a
ciência da ocupação realiza um estudo sistemático de comportamento humano,
com objetivo de desenvolver uma base estruturada de estudo que descreva
R
a participação em ocupações do ser humano (ARAÚJO et al., 2011). Desta
forma, podemos compreender a ligação da ocupação como fonte da Ciência
o
Ocupacional. Para Carrasco e Olivares (2008), a Ciência Ocupacional ou a
aC
Ciência da Ocupação é denominada como complexa, pois busca compreender
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
CORRÊA, 2018).
É na interação entre ocupação com o ambiente que emerge a Forma
ocupacional, isto é, quando as ideias mentais adquirem um tempo, um espaço
s
or
GÓMEZ, 2006). Por isso, a Ocupação fornece mecanismos para a interação
od V
e desenvolvimento do indivíduo dentro da sociedade, formando sua identi-
aut
dade tanto pessoal, como do local o qual está inserido, visto que a pessoa não
apenas se envolve em ocupações, mas também planejam e executam suas
ações em grupo, gerando resultados coletivos, mútuos e comunitários (WIL-
R
COCK, 1993). Nesse sentido, esta pesquisa buscou compreender o ocupar de
idosos em uma instituição de Longa Permanência.
o
aC
2. Percurso metodológico
or
entrada na instituição: Como você conheceu? Há quanto tempo mora aqui?
Quais projetos você participa dentro da unidade?; Informações sobre as ocu-
od V
pações: Como eram suas ocupações antes de entrar na unidade? Por que você
aut
realizava essas atividades? O que essas atividades significam para vocês? E
agora, como são suas ocupações? Por que você realiza essas ocupações? O
R
que elas significam para vocês? As entrevistas foram registradas em áudios
e transcritos para análise.
o
Para análise dos dados de cunho qualitativo, foi desenvolvido etapas de
aC
análise: a primeira foi à transcrição na integra das respostas aos questiona-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
conteúdos das respostas, inserindo as citações literais das falas dos sujeitos;
e, por fim a Interpretação referencial, ou seja, às interpretações das respostas
vinculadas aos conceitos que emergem nas entrevistas considerando os enfo-
ques teóricos, concomitantemente à descrição analítica.
or
entrevistadas, em sua maioria eram oriundas de municípios do Pará (85,7%),
od V
quanto à religião 71,4% católicos e 28,6% evangélicos. 85,7% dos idosos
aut
recebem renda mensal de até um salário-mínimo, apenas 14,3% dos ido-
sos declarou não receber auxílio financeiro. Com relação à escolaridade, a
porcentagem para sem escolaridade e com ensino fundamental incompleto
R
foram iguais, representado 42,8% em cada. E 71,4% dos idosos não possuem
contato com a família, mas 28,6% relataram receber visita ou receber ligações
o
telefônicas de familiares.
aC
Pesquisas mostram que o número de mulheres institucionalizadas é supe-
tativa de vida em relação aos homens, assim como, uma maior propabilidade
de ficarem viúvas e em condições socioeconômicas desfavorável, necessitando
com mais frequência cuidados.
A baixa escolaridade encontrada no estudo é previsível quando con-
sideramos a realidade da falta de oportunidades educacionais, bem como a
par
solteiro e 71% serem católicos é caraterístico, Polaro et al. (2012) relatam que
é uma peculiaridade da Região Norte e principalmente de idosos homens em
vulnerabilidade social, por estarem sujeitos as mazelas da rua, não consegui-
ão
or
o tempo vão se distanciando.
od V
aut
4. Perdas, ganhos e necessidades ocupacionais
do idoso institucionalizado
R
De acordo com pesquisas realizadas com idosos institucionalizados, a
o
prevalência dos motivos que levam os idosos a residirem em um ambiente
como uma ILPI são as perdas, como vínculos familiares fragilizados, o avanço
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mudança, entre essas, perdas funcionais, devido à idade, perda de ente que-
rido, outros a necessidade de cuidados básicos de vida, após acidente físico ao
Ed
“Minha mãe morreu, ai eu não tinha pra onde ir, ai vim pra cá”
(Laura, 73 anos).
“Foi pelo Estado. Foram no Ministério público e me botaram aqui. Antes
eu morava com uma família. Ai depois me botaram aqui, Há três anos tô
por aqui” (Wandeléa, 63 anos).
“Perdi tudo! Perdi tudo das minhas ferramentas. Fiquei mesmo bagun-
çado [...] bebendo cachaça, dormindo por cima do papelão, apanhando
tapa dos outros, às vezes sujos mesmo. Aí, eles acharam graça. Aí eles me
botaram no carro e me trouxeram [...]” (Vicente, 67 anos).
Vicente foi morador de rua por muitos anos, mas por ter habilidades e
boa comunicação, mesmo morando e dormindo pelas calçadas, desempenhava
or
algumas atividades remuneradas, como assar frango aos domingos e limpar
banheiro de lanchonetes, porém, gastava seu dinheiro com bebidas alcoólicas.
od V
Segundo Silva e Gutierrez (2013), morar nas ruas durante a velhice implica
aut
em uma série de males futuros, incluindo a exposição à violência e à crimi-
nalidade, morbidade, acesso precário a serviços sociais e de saúde e baixa
expectativa de vida.
R
Outros chegaram ao Abrigo após se depararem com a necessidade de
o
suporte de assistência a saúde como Jorge e Fagner:
aC
“É melhor aqui, porque eu estou bem. Aqui que é a minha casa, não
tenho casa mesmo. Aqui o que eu faço é comer, dormir, tomar banho”
(Wanderléa).
“Aqui eu não faço nada, acordo, lavo meu dente, minha boca, café, tomo
banho, mudo de roupa. Eu faço porque tenho que fazer ficar cheirosa
importante” (Laura).
or
conformismo, de ter uma boa assistência, diante da inexistência de outra
possibilidade de ser cuidado. Também no presente estudo observou-se que,
od V
durante a entrevista, poucos idosos relataram sobre o suporte básico como uma
aut
das ocupações que realizavam, a maioria destacou as atividades realizadas
com os colegas, técnicos e conhecidos, sendo a principal o assistir televisão:
R
“Tenho amigos aqui dentro, converso com eles, converso sobre o assunto
o
da televisão que tá tendo. Eu me sinto bem fazendo isso. É boa minha
aC
relação com os técnicos. Todo mundo é igual. Aqui dentro eu me sinto
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
bem” (Edy).
“Assisto televisão, gosto de assistir a novela, no globo. Programa do Faus-
tão, passa um monte de coisa, cantor cantando. Gosto de Filme” (Laura).
visã
“O que eu mais gosto de brincar é de dominó [...] Eu jogava pra tá se
distraindo [...] fico no quarto olhando a TV, eu me sinto bem. olhando a
TV, significa porque o nego se distrai. Assim como no dominó” (Fagner).
“Ai isso eu que gosto de fazer mesmo, molhar planta, andar, lavar o que
itor
é meu, lavar o apartamento lá que a gente mora, tem que fazer alguma
a re
mover-se de um lugar para outro, outros não podem sair sozinhos por perdas
funcionais, e a maioria não saem ou se promovem a algo diferente, por saber
que terá que contar com a ajuda de um monitor, os que os fazem sentir um
ão
“Ah minha filha, aqui no abrigo o nego vive por viver, mas não é como
ver
a gente tá liberto. [...] Aqui não faço nada porque não deixam eu fazer
nada” (Fagner).
“Antes era mais liberdade, agora é mais desse jeito, restrito. Tá muito
triste! Ah,..., inutilidade, é. Porque a gente se sente inútil. Era muita feli-
cidade, saber da capacidade que eu tinha de poder realizar tudo sozinha,
sem depender do outro” (Celly).
“Aqui eu não trabalho, aqui o que eu faço é morar, só mesmo ficar por
aqui, mesmo [...] eu faço é por que não tem outra coisa pra fazer” (Edy).
“Aqui eu não faço nada, Eu faço porque tem que fazer” (Laura).
“Não significa uma coisa muito boa, porque eu quero fazer e não
posso. Mas tá tudo bem! Eu quero fazer as coisas, mas tem quem faça”
(Wanderléa).
or
porque em algumas instituições, não conseguem manter um mínimo aceitável
od V
de privacidade. O idoso passa por perder autonomia, pois é levado a adaptar
aut
seus hábitos, horários, dietas com o de outras pessoas e de acordo com as nor-
mas do local. Para Lima, Silva e Galhardoni (2008), um dos maiores almejos
no decorrer da vida e principalmente na velhice é a autonomia, a qual segundo
R
Gomes e Diogo (2004) abrange liberdade de escolha de ação, a privacidade,
a capacidade de buscar suprir as suas necessidades, bem como satisfação e
o
autocontrole sobre a vida.
aC
Reconhecer que os idosos são seres dotados de particularidades e his-
ASSIS, 2013).
a re
5. Considerações finais
Relacionar as perdas, bem como os ganhos e necessidades dos idosos
institucionalizados, acaba por resumir as relações que o homem tem com
par
REFERÊNCIA
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº. 283, 26
de Setembro de 2005. Diário Oficial da União. Disponível em: <http://por-
tal.anvisa.gov.br/documents/10181/2718376/RDC_283_2005_COMP.pdf/
a38f2055-c23a-4eca-94ed-76fa43acb1df>. Acesso em: 10 abr. 2019.
or
ALENCAR, M. A. et al. Perfil dos idosos residentes em uma instituição
od V
de longa permanência. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v.
aut
15, n. 4, p. 785-796, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbgg/
v15n4/17.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2018.
R
ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE TERAPIA OCUPACIONAL. Estrutura
o
da prática da Terapia Ocupacional: Domínio & Processo. Revista de Terapia
aC
Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 26, p. 1- 49, 2015. Disponí-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
COSTA, E. F. et al. Ciência Ocupacional e Terapia Ocupacional: Algumas
aut
reflexões. Revisbrato, Rio de Janeiro, v. 1, n. 5, p. 650-663, 2017. Disponível
em: <https://www.researchgate.net/publication/324862727>. Acesso em: 12
nov. 2018.
R
o
CREPEAU, E. B; COHN, E. S; SCHELL, B. A. B. Willard & Spackman:
Terapia Ocupacional. 11. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
aC
or
FIOCRUZ. Sistema de Indicadores de Saúde e acompanhamento de polí-
od V
ticas do Idoso. 2010. Disponível em: <https://sisapidoso.icict.fiocruz.br/
aut
consulta-por-municipio>. Acesso em: 17 nov. 2017.
R
FILHO, W. J; KIKUCHI, E. L. Geriatria e Gerontologia Básicas. Rio de
Janeiro, RJ: Elsevier, 2011.
o
aC
FRIZZO, H. C. F.; CORRÊA, V. A. C. Terapia Ocupacional em Contextos Hos-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
censo2010.ibge.gov.br/sinopse/index.php?dados=26&uf=15#topo_piramide>.
ver
or
ment of occupation: Historico-political perspectives. In: WHITEFORD, G.;
HOCKING, C. (Ed.). Occupational science: Society, inclusion, participation.
od V
aut
Oxford: Blackwell Publishing Ltd., p. 38-53, 2012.
R
SABE no Município de São Paulo. Revista brasileira de epidemiologia,
v. 8, n. 2, p. 127, 2005.
o
aC
LIMA, A. M. M.; SILVA, H. S.; GALHARDONI, R. Envelhecimento bem-
or
od V
OLIVEIRA, J. M.; ROZENDO, C. A. Instituição de Longa Permanência para
aut
Idosos: um lugar de cuidado para quem não tem opção? Revista Brasileira
de Enfermagem. Maceió, AL, v. 67, n. 5, p. 773-779, set./out. 2014.
R
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Envelhecimento ativo: uma
o
política de saúde. Organização Pan-Americana da Saúde, Brasília, 2005.
Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/envelhecimento_
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
TIRADO, M. G. A.; BARRETO, K. M. L.; ASSIS, L. O. Terapia Ocupacional
aut
em Gerontologia. In: FREITAS, Elizabeth Viana de. Tratado de Geriatria e
Gerontologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, Cap. 127. p. 1422-
1427. 2013
R
THE WORLD BANK. Life Expectacy at birth. 2016. Disponível em:
o
<https://data.worldbank.org/indicator/SP.DYN.LE00>. Acesso em: 27 set.
aC
2017.
www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/14427591.1993.9686375>. Acesso
em: 12 nov. 2018.
ão
or
V
Thamyris Maués dos Santos
aut
Edson Marcos Leal Soares Ramos
Fernando Augusto Ramos Pontes
Simone Souza da Costa Silva
CR
do
1. Introdução
são
(PA). Para tanto, foram realizadas entrevistas sociodemográficas com 488 par-
ticipantes residentes no município, utilizando o Inventário de Pobreza Familiar
ra
(IPF – BARROS et al., 2016) e o Inventário Socio Demográfico, construído
pelo Laboratório de Ecologia do Desenvolvimento da Universidade Federal
i
rev
or
ção, 25,4% dos brasileiros possuía menos de R$ 387 por mês para sobreviver,
od V
em 2016 (IBGEa, 2017).
aut
Uma vez que as medidas escolhidas para avaliar a pobreza baseiam-se
nas concepções dos atores sociais que formulam as políticas públicas focadas
no fenômeno (PONTES, 2010), a fim de engloba-lo de modo mais amplo e
R
preciso, estudiosos ocupam-se com a construção de medidas multidimensio-
nais. O pioneiro nesta proposta foi o economista indiano Amartya Sen, para
o
quem a pobreza é a privação das capacidades básicas individuais e não apenas
aC
a inferioridade de um limite pré-estabelecido de renda (SEN, 2000). Suas
da pobreza os mais afetados são as famílias nas quais vivem mulheres pretas
Ed
ou pardas sem cônjuge e com filhos de até 14 anos, que perfazem um total
de 7,4 milhões de indivíduos no país (IBGEa, 2017). Estes grupos também
são mais propensos a viver na pobreza quando se consideram as dimensões
ão
YUNES et al., 2007). Isto porque, em geral, mães que são sobrecarregadas
com a criação e educação dos filhos e subsistência doméstica precisam lidar
com o acúmulo de tarefas fundamentais e exigentes. Esta sobrecarga conduz
ao processo de feminização da pobreza, no qual ocorre o aumento da pobreza
feminina em função das desigualdades sociais de gênero, tornando as mulheres
mais pobres que os homens ao longo dos anos (MAIA et al., 2015). Deste
modo, torna-se ainda mais desafiador lidar com as condições de pobreza, con-
siderando a falta de suporte social, em especial do companheiro que dividiria
as tarefas parentais (ATTREE, 2005).
Além dos aspectos intrafamiliares, também é importante atentar para
aspectos macrossociais que influenciam na vida de quem vive na pobreza
(BRONFENBRENNER, 1979/1996). O Brasil caracteriza-se por ser um país
or
no qual a desigualdade de renda é uma das maiores do mundo, sendo conside-
rada uma característica estrutural, dada a transgeracionalidade do fenômeno
od V
(OLIVEIRA et al., 2017; SILVA et al., 2017). Tal diferença de disponibili-
aut
dade e de utilização de recursos socioeconômicos também se expressa entre
as regiões do país, sendo a região Norte mais empobrecida, expressando esta
R
desigualdade regional (OLIVEIRA et al., 2017).
Um dos aspectos que se destaca na pobreza brasileira diz respeito a uma
o
tendência de metropolização, que é definida como o aumento dos índices de
aC
pobreza em ambientes metropolitanos (MONTALI; TAVARES, 2008). Con-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
serem, em geral, mais desenvolvidas que as regiões rurais (SILVA et al., 2017),
na região metropolitana de Belém, ocorreu o mesmo padrão encontrado na
análise estadual, no qual o crescimento econômico não favoreceu necessaria-
ão
2. Método
2.1 Delineamento
2.2 Participantes
or
od V
Participaram deste estudo 448 mães/ responsáveis de famílias pobres
aut
residentes na porção continental do município de Belém (PA). Para alcançar
esta quantidade de participantes, foi realizado um planejamento amostral,
cujos critérios para a inclusão das famílias foram: (a) Famílias inscritas no
R
Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal até o mês de agosto de 2015,
residentes na porção continental do município de Belém. Este critério foi
o
estabelecido em função de que para as famílias estivessem inscritas no CadÚ-
aC
nico, sua renda per capita deveria ser de até meio salário mínimo, o que as
2.3 Ambiente
a re
cerca de 70% da população estava em idade ativa, com apenas 30,5% vin-
culado a um emprego formal. Como consequência, a taxa percentual da
Ed
população que sobrevivia com rendimento nominal mensal per capta de até
meio salário mínimo, ou seja, em situação de pobreza monetária, era de 39%
(IBGEb, 2017). Deste modo, em 2016, havia 144 mil famílias residindo
ão
2.4 Instrumentos
or
vimento, sendo constituído por 41 itens (SILVA et al. 2010), demarcando o
od V
primeiro contato com as famílias. Deste modo, possibilitou o início da relação
aut
entre pesquisador e pesquisado. Neste estudo, foram utilizadas as informações
referentes ao status familiar, estado civil, situação laboral, idade, escolaridade
e quantidade de filhos das participantes, além de informações acerca da estru-
R
tura familiar e da participação no PBF.
o
2.4.2 Índice de Pobreza Familiar (IPF)
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
divididos em quartis, sendo estabelecidas as seguintes divisões: famílias mais
od V
pobres (correspondentes ao quartil 1 ou as 25% mais pobres), famílias em
aut
média pobreza (correspondente aos quartis 2 e 3 ou as famílias localizadas
entre 26% a 75% na distribuição ordinal) e famílias menos pobres (corres-
pondentes ao quartil 4 ou as 25% menos pobres).
R
Tabela 1 – Estatísticas e Categorias referentes ao Índice de Pobreza Familiar e
o
suas dimensões em Famílias Pobres Residentes no Município de Belém (PA)
aC
or
Bussab, 2005). Após os cálculos estatísticos realizados para a produção do
plano amostral, foi possível obter a quantidade necessária de participantes,
od V
que foi de 426 famílias.
aut
No tocante à preparação da equipe de pesquisa para a coleta de dados,
após a seleção dos instrumentos a serem aplicados, foi realizado um estudo
R
piloto com famílias de perfis semelhantes aos das participantes deste estudo.
Após o estudo piloto, foi decidido que as coletas seriam feitas através de
o
entrevistas individuais, para facilitar a supressão de dúvidas dos participantes.
aC
Posteriormente, foi realizado contato com a FUNPAPA, solicitando auto-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
rização para a realização de entrevistas nos ambientes dos CRAS. Com esta
permissão, foram feitos contatos com os coordenadores dos CRAS, explicando
o objetivo da pesquisa, os procedimentos que seriam adotados e solicitando os
visã
dias de atendimento a pessoas que tivessem demandas de CadÚnico/ Programa
Bolsa Família. Tendo em vista que a população participante deste estudo
residia apenas na área continental do município de Belém, foram excluídos
os CRAS das ilhas de Mosqueiro e de Outeiro, além de famílias ribeirinhas
itor
em que morava? (c) Se possuía filhos ou crianças sob as quais era responsável
com idade entre cinco e 18 anos incompletos. Uma vez que as respostas a
estas perguntas estavam de acordo com o requerido pela pesquisa, solicitava-
ão
o ano de 2016.
ver
3. Resultados e discussão
Nos resultados constam informações acerca de características sociode-
or
mográficas e do IPF das famílias, bem como a distribuição da frequência e
do IPF médio por bairro do município de Belém. Na Tabela 2 são expostos os
od V
dados acerca do status familiar, do estado civil, da situação laboral, da idade,
aut
da escolaridade e da quantidade de filhos das participantes, além da estrutura
familiar e da inserção no PBF das 448 famílias.
R
Tabela 2 – Características sociodemográficas das famílias
pobres residentes no município de Belém (PA) (n=448)
o
Status familiar
aC
Mãe Pai Avó Outro Não informado
132 (29,4%) 12 (2,6%) 25 (5,5%) 28 (6,2%) 145 (32,3%) 4 (0,8%) 16 (3,5%) 86 (19,1%)
Situação Laboral
Empregada Desempregada
259 (57,8%) 189 (42,2%)
Beneficiária do PBF
par
Sim Não
411 37
Ed
Idade
20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 Não informado
88 (19,6%) 217 (48,4%) 98 (21,8%) 32 (7,1%) 8 (1,7%) 1 (0,2%) 4 (0,8%)
Escolaridade
ão
chefiadas pela mãe foram as mais frequentes (32,3%), seguidas por famílias
nucleares (29,4%). Em consonância a esta informação, a maioria das parti-
cipantes não apresentava um companheiro afetivo, sendo solteiras (46%),
separadas (6,7%) ou viúvas (1,6%). Além do mais, a maior concentração
etária estava na faixa de 30 a 39 anos (48,4%), sendo que a maior frequência
foi de dois filhos (40,8%). Com relação à escolaridade, a maioria das par-
or
ticipantes tinha o Ensino Médio Completo (51,1%), seguido de perto pelo
Ensino Fundamental (45,9%).
od V
As informações a respeito da idade média das mães participantes, de seu
aut
nível de escolaridade e da quantidade de filhos refletem tendências encontra-
das no cenário brasileiro atual (CABRAL, 2015). Tais propensões incluem
R
maior distância de tempo para que as famílias tenham filhos, que são em
menor quantidade, além de aumento da escolaridade dos membros fami-
o
liares, especialmente entre as mulheres (CABRAL, 2015). Estas alterações
aC
decorrem de mudanças na perspectiva cultural difundida na sociedade acerca
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
e pelo cuidado dos filhos, além de 55% das participantes não possuírem com-
panheiro afetivo. Este cenário pode constituir uma base para a permanência
ver
or
como separações conjugais (SARTI, 1994). Consequentemente, a tendência
é que as famílias pobres não apresentem um padrão nuclear e sim, de funcio-
od V
namento em rede, no qual o parentesco mais amplo é inserido em uma cadeia
aut
de obrigações morais (SARTI, 1994). Esta característica também é expressa
nos dados deste estudo, no qual cerca de 30% das famílias estudadas residia
com outros parentes além do pai ou da mãe.
R
Com relação às características de pobreza familiar medidas pelo IPF,
o
foram produzidos gráficos que permitem a visualização da distribuição das
aC
famílias quanto à medida geral e às dimensões do IPF. Estes gráficos são
IPF Geral
187
200
itor
164
150
a re
100
49 42
50
0 6 0 0 0 0
0
0 - 10,1% 20,1% 30,1% 40,1% 50,1% 60,1% 70,1% 80,1% 90,1%
par
10% - 20% - 30% - 40% - 50% - 60% - 70% - 80% - 90% - 100%
Ed
264
ão
305
141
32
s
84 9 2 0 0 0 0 0 0 0
ver
9,10%
0
32
18,20%
27,30%
45,50%
54,50%
36,40%
63,60%
72,70%
81,80%
90,90%
27
100%
157 121
112119
80 77
63 59
35 38
8 4 19
r
0 1 2 0 1
0%
0%
%
0%
0%
0%
0
0%
10%
20%
40%
60%
90%
uto
100%
30%
50%
70%
80%
50
,7
,3
RV
,7
,3
10
66
83
16
33
oa
210
100
82 88
55 58
86 32
52 59
aC
20
od 9
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
18 14 9 2 2 0 0 0
100%
16,70%
25%
33,30%
41,70%
50%
58,30%
66,70%
75%
83,30%
91,70%
8,30%
0
%
%
%
%
0%
,70
,30
0
50
,70
,30
10
66
83
16
33
visã
Na análise exposta na Figura 1, cerca de 80% das famílias participantes (351
famílias) apresentou nível de pobreza familiar de 20% a 40%, o queaos coloca
em uma posição na qual a vulnerabilidade econômica e social pela qual passam
itor
que ocorreu nas demais regiões do Brasil, os índices nesta região são os maiores
de todo o Brasil. Com relação aos estados que compõem esta região, destacam-se
Ed
o Pará e o Amapá como os dois estados nos quais a pobreza é mais acentuada
(FAHEL et al., 2016; OLIVEIRA et al., 2017; SILVA et al., 2017).
Analisando as dimensões que compõem o instrumento, no Acesso ao
são
NETO, 2013; SILVA et al., 2017). Isto porque existe uma tendência à trans-
missão intergeracional da pobreza, na qual indivíduos com níveis educacio-
nais mais elevados melhoram suas perspectivas de probabilidade de emprego,
salário e qualidade do trabalho, além de aumentarem as chances de que seus
filhos tenham níveis educacionais mais elevados. Tendência semelhante ocorre
com indivíduos com menores níveis educacionais, o que mantém o alto grau de
desigualdade que existe no Brasil (GONÇALVES; SILVEIRA NETO, 2013).
or
Indo além de um prisma individual, as políticas de redução das desigualdades
que atravessam o campo educacional perpassam a existência de cotas para o
od V
ensino superior, bem como maior apoio ao trabalho docente em todos os níveis.
aut
Porém, especialmente para a região Norte, bem como para o Nordeste, os
indicadores relacionados a saneamento básico e condições de habitação apre-
R
sentavam um peso maior que para as demais regiões do país. Nestas regiões,
as condições de acesso aos três sistemas fundamentais para o mínimo sanea-
o
mento, a saber, esgoto, água e coleta de lixo, não estão acessíveis a muitos
aC
moradores (IBGEa, 2017). Além disso, dentre as regiões metropolitanas exis-
or
Por fim, o último grupo de resultados deste estudo diz respeito à distri-
buição da condição de pobreza por bairro da porção continental do município
od V
de Belém, conforme apresentado na Figura 2:
aut
Figura 2 – Mapas representativos da distribuição de pobreza por
R
bairro no município de Belém (PA). No Mapa 1 os bairros estão
divididos em função da quantidade de famílias pobres participantes
o
do estudo. No Mapa 2, os bairros estão divididos em função do
nível de pobreza familiar das participantes do estudo
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Mapa 1
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
Mapa 2
or
od V
aut
R
o
aC
o qual foi criado recentemente, o que pode ocasionar confusão dos moradores
ver
or
de pessoas pobres, como o Bengui, apresentaram nível de pobreza familiar
mais baixo, por exemplo. Deste modo, no município de Belém, não obstante
od V
haja uma concentração maior de famílias pobres em alguns bairros e locais,
aut
o nível de pobreza das famílias não é equiparável à quantidade das mesmas,
o que leva à consideração de que a quantidade de famílias pobres residentes
R
em um bairro não define a intensidade da pobreza vivenciada pelas mesmas.
Esta característica da condição de pobreza do município de Belém
o
é concernente aos altos níveis de pobreza encontrados nas fontes oficiais
aC
(IBGEa, 2017). Sendo Belém, com sua Região Metropolitana, a capital bra-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
4. Considerações finais
itor
a re
or
se amplie às famílias que residem nas ilhas do município, comparando os
ambientes continental e insular a fim de avaliar diferenças entre os cotidianos
od V
e manifestações da pobreza e da vulnerabilidade.
aut
Por fim, as contribuições deste trabalho permitem compreender quais os
principais elementos envolvidos no cotidiano de famílias pobres, demarcando
R
formas de funcionamento que impactam diretamente no desenvolvimento
dos indivíduos. Além disso, auxiliam a formulação de políticas direcionadas
o
a estas populações de modo mais eficiente, uma vez que sejam específicas
aC
para suas principais problemáticas.
REFERÊNCIAS
ATTREE, P. Parenting support in the context of poverty: a meta-synthesis of
the qualitative evidence. Health and Social Care in the Community, v. 13,
n. 4, p. 330-337, 2005.
or
BANCO MUNDIAL. Banco de dados de riqueza e renda. 2017. Disponí-
vel em: <http://wid.world/world#sptinc_p99p100_z/BR/last/eu/k/p/yearly/s/
od V
false/24.8625/30/curve/false>.
aut
BARROS, R. P.; CARVALHO, M.; FRANCO, S. Pobreza multidimensional
R
no Brasil. IPEA, TD 1227, 2006.
o
BOLFARINE, H.; BUSSAB, W. Elementos de Amostragem. São Paulo:
aC
Edgar Blücher, 2005.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
panorama, 2017b.
ver
or
MOURA, L. N. B.; GOMES, K. R. O. Planejamento familiar: uso
od V
dos serviços de saúde por jovens com experiência de gravidez. Ciên-
aut
cia & Saúde Coletiva, v. 19, n. 3, p. 853-863, 2014. https://doi.
org/10.1590/1413-81232014193.10902013
R
OLIVEIRA, C. D. C.; SIMÕES, J. E. M.; SILVA, D. C. C. Análise da desi-
o
gualdade de renda e pobreza no estado do Pará. Revista Contribuciones a
las Ciencias Sociales, p. 1-18, fev. 2017.
aC
or
V
Rafaele Habib Souza Aquime
aut
Fernanda Teixeira de Barros Neta
Maria Lúcia Chaves Lima
1. Introdução
CR
do
O objetivo desse artigo foi abordar, teoricamente, as relações de gênero
inseridas nas práticas de saber-poder do Sistema Único de Assistência Social
(SUAS), ou seja, analisar os modos como as feminilidades e masculinida-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
des são performatizadas em torno dos benefícios e serviços previstos, nesta
política pública.
ra
A política de assistência social se ancora como política de seguridade
social não contributiva a partir da Lei Orgânica de Assistência Social (1993),
i
rev
60 Historicamente, a assistência social brasileira foi operada por meio de ações descontínuas e de cunho filan-
trópico direcionadas às camadas mais pobres, sendo as mulheres, por meio do primeiro damismo, uma das
principais personagens na gestão de tais ações. Um dos motivos se relacionava ao estigma de que o espaço
privado era de responsabilidade da mulher, sendo as intervenções assistencialistas localizadas em torno da
família, por meio do cuidado e caridade ao outro, em um panorama moralista e mantenedor do patriarcado.
or
enfrentamento das desigualdades sociais.
od V
Assim, este trabalho foi construído a partir de inquietações do cotidiano
aut
das autoras, as quais são servidoras públicas do Sistema Único de Assistência
Social e do Sistema Único de Saúde e pesquisadoras no campo da psicologia
social. Este trabalho teórico utilizou como ferramentas analíticas as diretrizes
R
gerais da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) e dos escritos do Ministério do Desenvolvimento
o
e Combate à Fome (MDS) para pensar as articulações dessa política com o
aC
debate sempre atual acerca dos Movimentos Feministas e das desigualdades
aparato policialesco, ou seja, por medidas repressoras que de modo geral não
almejam o enfrentamento das diversas desigualdades sociais, pelo contrário,
somente acirravam e ampliavam tais problemáticas. Segundo as autoras, a
ão
igreja, além de outras instituições inseriu-se para atuar nesse campo social por
meio do trabalho voluntariado e ações pontuais com viés caritativo.
Com o desenvolvimento extensivo do sistema capitalista nas décadas
s
or
uma sociedade verdadeiramente igualitária. Isso ocorre porque a reivin-
od V
dicação não contesta as raízes estruturais do sistema gerador de desigual-
aut
dades. Dessa forma, ao conquistar um direito, cria-se a ilusão de que as
relações, por meio da ação do Estado, passam a ser justas e igualitárias.
Tudo ocorre como se a luta perdesse o sentido (RUSSO; CISNE; BRET-
R
TAS, 2008, p. 134).
o
Cisne (2007) considera a Legião Brasileira de Assistência (LBA) a grande
aC
instituição pioneira da assistência social no Brasil, em 1942, durante o governo
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
período, e tal vinculação com essa figura da mulher se refere a um dos pilares
a re
eram analisados” (CISNE, 2007, p. 3). Tais princípios também estavam pre-
Ed
vida familiar, já que este era o papel social esperado. A caridade, o trabalho
voluntário e as ações fragmentadas traziam historicamente esse cunho assis-
tencialista à política. Depreende-se, dessa forma, que a Assistência Social
s
or
Seguindo tais princípios constitucionais, a Lei Orgânica da Assistência
od V
Social (Lei 8.742/1993) é promulgada em 1993, definindo que a assistência
aut
social é uma política de seguridade social não contributiva, que provê os
mínimos sociais, garantindo assim o atendimento às necessidades básicas
(BRASIL, 1993).
R
Segundo Cruz, Rodrigues e Santos (2014) a Política Nacional de Assis-
tência Social, estruturada em 2004, indica eixos para operacionalização dos
o
serviços socioassistenciais, dentre os quais são: territorialidade, financia-
aC
drogas, abuso sexual, ou seja, seus direitos foram violados (BRASIL, 2005).
Diante do breve histórico sobre as práticas assistenciais no país e a apre-
Ed
tência social, como era o caso da LBA, por este ser considerado uma extensão
do âmbito familiar. O positivismo carregava em si práticas discursivas que
colocavam à mulher a responsabilização com práticas de cuidado a família
s
or
efervescência militante e acadêmica onde determinadas pautas e questões das
mulheres se insurgiram. Cabe ressaltar que tal divisão é meramente didática
od V
e é uma versão da história desse movimento, o qual é pulsante e movente,
aut
desta forma, deve-se falar em histórias dos feminismos. Porém, no esforço
de compreensão foi apresentada neste ensaio a história oficial.
R
Os primórdios da primeira onda do feminismo encontraram terrenos
férteis na França, durante a Revolução Francesa quando as mulheres lançaram
o
manifestos e atos públicos reivindicando direitos políticos e de educação,
aC
denunciando, portanto, a subordinação dessas mulheres nessa sociedade.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Contudo, pode-se dizer que esta onda se estabeleceu de forma mais efetiva,
temporalmente, no século XIX, na Europa. Como principal pauta e bandeira
de luta estavam a busca pelo direito ao voto, pela participação na política e
visã
o acesso à vida pública, conhecido como movimento sufragista. Também se
questionou a submissão e a passividade das mulheres.
Célia Pinto (2009) coloca que a primeira onda de feminismo, no Brasil
itor
Europa e os Estados Unidos nas décadas posteriores e que ganhará mais força
na década de 1960, sendo o livro “Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir
um marcador importante que caracterizará e impulsionará a segunda onda.
Logo, a década de 1960 no Brasil marcará o início da ditadura militar e um
par
PINTO, 2009).
Na segunda onda do feminismo, destacou-se, sobretudo, a corrente deno-
minada: Feminismo Radical, que teve seu berço nos Estados Unidos, a qual
ão
or
Latina e sua dissolução, descolonização da África, e viu emergir a terceira
od V
onda do feminismo que trouxe em seu bojo, sobretudo, a pauta da intersec-
aut
cionalidade com a grande contribuição das mulheres negras e do feminismo
negro. A interseccionalidade surgiu como uma ferramenta analítica a qual
alertou as mulheres sobre a conjugação de outras opressões sofridas – raça,
R
classe, sexualidade – e, segundo Tiburi (2018), acrescenta-se a idade e a plas-
ticidade. É no seio da terceira onda que é lançada o início da Teoria Queer.
o
Com a redemocratização política em meados da década de 1980 o femi-
aC
nismo alcançou uma dimensão mais ampla, temas, tais como: sexualidade,
luta. Além disso, grande parte das lideranças feministas não apoiaria a luta
pelo sufrágio de homens negros, movimento que ocorria em paralelo, por
acreditarem não ser interessante estimular a supremacia masculina. Mesmo
s
or
genas e negras, por exemplo, possuem demandas específicas. Os avanços
od V
alcançados com as lutas feministas pela igualdade de gênero e liberdade
aut
são absolutamente inquestionáveis, mas Lugones (2014) pontua desafios ao
feminismo frente à opressão ainda presente ao gênero racializado, colonial e
capitalista heterossexualizado. É necessário resistir a esses sistemas de opres-
R
são que são heranças da modernidade.
Mayorga et al. (2013) destacam, na atualidade brasileira, os movimentos
o
das trabalhadoras rurais, das jovens negras feministas, de lésbicas, a rede bra-
aC
sileira de prostitutas, o movimento de travestis e transexuais, dentre outros,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Assistimos a um momento de redução do papel social do Estado, com
od V
o processo de desregulamentação das relações de trabalho – terceirização e
aut
precarização – e a flexibilização dos direitos sociais, onde as políticas sociais
adquirem, cada vez mais, a ideia de políticas para pobres.
R
Neste sentido, ao articular a Política de Assistência Social às discussões
das relações de gênero e feminismo, devem ser pensadas políticas que con-
o
tribuam para a eliminação da desigualdade e da hierarquia entre homens e
mulheres ao propor e formular ações, projetos e programas que versem sobre
aC
deste modo, criticam esse enfoque familialista e os seus efeitos, uma vez
ver
or
precisa levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as
od V
suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a
aut
família (MDS, 2004, p.15). A proteção social deve garantir as seguintes
seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia);
de acolhida; de convívio ou vivência familiar (p. 31). A organização da
R
Assistência Social tem as seguintes diretrizes, baseadas na Constituição
Federal e na LOAS: II – Participação da população, por meio de orga-
o
nizações representativas, na formulação das políticas e no controle das
aC
ações em todos os níveis; III – Primazia da responsabilidade do Estado
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ser cadastrado, é necessário: ter uma pessoa responsável pela família para
ver
Nesse sentido:
or
parti-se ainda, em muitos casos, do modelo de mãe dona de casa e pai
provedor (CARLOTO; MARIANO, 2008, p. 160).
od V
aut
A perda do benefício recai então sobre essa mulher, pessoa de refe-
rência da política por não manter os filhos na escola e não acompanhá-los
na política de saúde, condicionalidades do programa Bolsa Família. Os
R
homens, por conseguinte, não se tornam os responsáveis legais da família.
A centralidade na mulher é reforçada por “estereótipos da condição feminina
o
dentro de um viés biologicista que coloca como predisposições naturais
aC
a função de boa cuidadora no âmbito privado/doméstico” (CARLOTO;
uma vez que pode administrar o benefício do Bolsa Família, por exemplo,
pode ser uma importante figura no enfrentamento as diversas situações de vul-
nerabilidade social e fortalecimento dos vínculos familiares e/ou comunitários,
todavia, pontua-se que esta participação não pode estar associado a uma res-
par
or
tiona as contradições da PNAS no tocante à maternidade, por exemplo, pois
esta não é problematizada, apesar de ser um ponto central nas práticas viabi-
od V
lizadas no combate à pobreza. A mulher torna-se em grande medida objeto de
aut
intervenções e interlocutora da família. Além disso, além do elemento classe
social, o elemento raça precisa ser amplamente discutido, pois as mulheres
R
negras vivenciam de forma mais intensa os processos de desigualdade social
devido às heranças históricas escravocratas, logo: “sexo e cor são também
o
definidores das desigualdades sociais” (p. 902).
aC
Outro ponto apresentado pelos autores é que o Estado ao reforçar este-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
estar atento para não reforçar discursos sexistas, racistas. Há uma necessi-
a re
4. Considerações finais
or
reforçando a reprodução ideológica de que as mulheres cumpririam a missão
od V
sagrada de responsabilidade pela gestão no âmbito doméstico/familiar, favo-
aut
recendo o equilíbrio e a harmonia familiar concentrada na figura de cuidado
que é a mulher-mãe.
R
Conforme já apontado por Carloto e Mariano (2008), “as misturas entre
o público e o privado, entre o direito e o favor, entre direito e obrigação e a
o
fixação da mulher à maternidade definem os contornos desta cidadania fra-
aC
gilizada e sexuada” (p. 162).
or
homogeneizações nas políticas públicas como um todo, pois apesar de haver
um público-alvo ao qual a ações são destinadas, há várias performances pos-
od V
síveis de feminilidades e masculinidades, e para além do enfoque familialista
aut
como preconiza o SUAS.
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/>. Acesso em: 3 out. 2017.
or
Mulheres na Política de Assistência Social. Sociedade em Debate. Pelotas,
od V
p. 153-168, 2008.
aut
CARNEIRO, Anni de Novais. Reflexões Feministas sobre Políticas Públicas,
Gênero e Raça. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas, 2014.
R
CARNEIRO, Sueli. Mulheres em Movimento. Estudos Avançados, 2003.
o
aC
CISNE, Mirla. A “Feminização” da Assistência Social: apontamentos histó-
or
od V
MAYORGA, Cláudia. et al. As críticas ao gênero e a pluralização do femi-
aut
nismo: colonialismo, racismo e política heterossexual. Estudos Feministas,
Florianópolis, 2013.
R
MARIANO, Silvana, Aparecida; CARLOTO, Cássia, Maria. Gênero e Com-
bate à Pobreza: Programa Bolsa Família. Estudos Feministas, Florianópo-
o
lis, 2009.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:52
SEM MUROS E SEM BARREIRAS
NA AMAZÔNIA: programa
asas da florestania infantil
or
V
Kelly Cristina Costa Albuquerque
aut
Maria Ivonete Barbosa Tamboril
1. Introdução
CR
do
O capítulo trata do relato de uma pesquisa realizada sobre o programa
de ensino o “Asas da Florestania Infantil”, mais conhecido como “Asinhas”,
proposto pela Secretaria Estadual de Educação e Esporte (SEE), do Estado
do Acre, em 2009, para atender crianças de quatro e cinco anos residentes em
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
locais longínquos, sem acesso à Educação Infantil. Este trabalho, resultado
de uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso, analisou o Programa
ra
“Asinhas”, no período de 2009 a 2015, a partir de uma análise interpretativa
i
dos discursos, coletados com entrevistas semiestruturadas e das informações
rev
nica, uma gestora e uma familiar de criança atendida pelo “Asinhas”, todas
residentes em Rio Branco, capital do Acre. A seleção destas, realizada de forma
ara
aleatória, foi autorizada tanto pela SEE como pelas próprias participantes que
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
ver di
or
o desenvolvimento de intervenções concretas, com base em metas estipuladas
od V
pelos nossos dirigentes e a partir da realidade e necessidades que aquelas
aut
apresentam. O Asas da Florestania, no Acre, é uma ação inclusiva que pode
vir a ser referência para outros lugares com especificidades que comprometem
o acesso ao direito educacional.
2. O “Asinhas” R
o
aC
os pais cruzem a floresta e atravessem rios” para que cheguem a uma escola.
a re
61 Apenas após o período experimental do programa, dezembro de 2010, é que o Conselho Estadual de
Educação do Acre o validou como uma modalidade de educação infantil ofertada pela SEE/AC.
62 Organização de promoção da educação e cultura, que desenvolve, desde 2002, assessoria a projetos
educacionQais e sociais em diferentes instituições e Estados do país.
or
exclusão, instabilidades, (des)organização, programas como o “Asinhas”
od V
significam grande avanço para a educação infantil.
aut
Vale destacar que o Asas da Florestania Infantil, fundamental e médio
tem uma regularidade na oferta, garantida pelo CEE. A coordenadora entre-
vistada nos diz: “A gente já tinha investido no ensino fundamental, no ensino
R
médio, mas o nosso déficit com educação infantil no Estado é muito grande,
mesmo na zona urbana”.
o
A importância do “Asinhas” está relacionada à diminuição da margi-
aC
nalização vivenciada pelos povos da floresta na efetivação dos seus direitos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
“Em 5 delas as casas são próximas umas das outras (poucos metros), em 19
a distância é de 1 a 5 km aproximadamente e em 4 as casas ficam em mais
de 5 km distantes umas das outras”. A principal atividade econômica é a agri-
ão
or
criando as condições durante 6 anos, para que as prefeituras, gradativamente,
od V
assumam sozinhas a Educação Infantil na zona rural”.
aut
Quanto à abrangência, dos 22 municípios do Estado, 18 já ofertam o
“Asinhas”, sendo que de forma geral, os dados aferidos demonstram que 2.083
matrículas foram realizadas em 2014, sendo que 667 crianças foram rema-
R
triculadas, e 496 saíram do “Asinhas” e ingressaram no ensino fundamental.
Em 2015, o número de crianças atendidas pelo programa subiu para 2.188.
o
A coordenadora entrevistada afirma: “[...] Parece pouco, mas se você
aC
visualizar o que a gente atende hoje, pro que a gente atendeu, e a gente
regular não é ofertada a este público e também não atende às suas necessida-
des, e o programa está legalizado, aprovado pelo CEE/AC.
Destacamos ainda que, no programa, mesmo com o acompanhamento
da SEE, o pagamento dos agentes é de responsabilidade do município: “eles
são responsáveis de fazer o pagamento do agente, o Estado entra com todo
par
or
socioculturais no processo de escolarização e fomenta a observância destas.
od V
Inserir temas relevantes ao desenvolvimento social, político e cultural é funda-
aut
mental para a construção ética e cidadã dos estudantes. Assim, o aprendizado
ocorrerá por meio de estímulos conhecidos, despertando o interesse, ao mesmo
tempo em que permeará conteúdos previstos pela legislação educacional, o
R
que resultará em conhecimento significativo para a vida das crianças.
Segundo a coordenadora e a técnica entrevistadas, o diferencial do “Asi-
o
nhas” será: “[...] Eu acho que a grande ‘sacação’ do ASINHAS é o atendi-
aC
mento domiciliar, eu acho muito legal” (coordenadora), e “O diferencial do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Uhum... Percebo, porque ela não sabia, é... Diferenciar as cores, né...
Assim, o que era verde, azul... Ela já sabe! Já conhece as letras do nome
dela... Já conhece direitinho... Só os números que ela não sabe ainda,
par
né?! Mas o quê... Ela não tem uns três meses de aula... [...] Ontem ela
tava me mostrando umas fichinhas, dizendo o que era verde, o que era
Ed
amarelo... Então eu acho que já tá tendo, né?! [...] Ela gosta muito! Por
ela, ela estudaria todo dia! (Risos) Todo dia, todo dia! Mas não pode, né?!
ão
das crianças com o meio em que vivem, por meio da ludicidade, psicomo-
ver
or
Em muitos locais, as crianças não têm contato com o mundo da escrita
od V
e da leitura. O programa oferece alguns materiais didáticos que possibilitam,
aut
além do contato da criança com a leitura, escrita e contação de histórias,
também o dos demais membros da família, que, de forma geral, apresentam
R
nenhuma ou baixa escolaridade. Prejuízos, com certeza essas ações não cau-
sarão, neste caso, só têm a somar para o estímulo ao desenvolvimento das
crianças, já que a linguagem, pensamento lógico e imaginação serão forte-
o
mente estimulados.
aC
colagem em uma figura, usar o barro para moldar as miniaturas dos membros
da família, o bambu para brincar de cavalinho e outras estratégias que estimu-
lam, também, a criatividade e psicomotricidade das crianças. As experiências
s
or
como a transformação, organização e utilização de saberes. O “Asinhas”
od V
proporciona uma escolarização diferenciada a essa população que possui
aut
suas especificidades.
R
o
O “Asinhas” tem como base o princípio da oferta a todos, independen-
temente de quão difícil seja o acesso a estes, assim como levar em conta a
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
pela família, para em seguida ensinar outras, com atenção para as
od V
rimas, ritmos, sons corporais e o movimento com a dança;
aut
• “Vamos brincar” – momento quando por meio das brincadeiras
são trabalhados os temas propostos pelo currículo e o estímulo do
desenvolvimento das crianças. Dessa forma, estas se interessam e
• R
participam com satisfação das atividades;
“Descobrindo coisas do mundo” – as atividades desse momento se
o
caracterizam pela exploração do meio em que vivem, de explorar
aC
[...] nós temos a formação uma vez no mês, pra ver o ponto positivo, o
ponto negativo, o que pode ser melhorado... e a coordenadora sempre
está acompanhando pra saber se nós estamos trabalhando mesmo... Tá
certo, né, porque isso é bom! Eu gosto que a coordenadora esteja presente,
porque sabe... eu não tenho muita experiência no Asinha... E quando a
coordenadora tá lá, ela tá dizendo: Olha, isso tá certo! Isso não tá! Então,
é bem melhor que a gente já começa corrigindo, a gente não fica no erro!
or
inicial, a capacitação continuada e fornece os materiais didáticos até que os
municípios tenham autonomia para dar continuidade, sozinhos, o que ainda
od V
não aconteceu. O programa tem em sua proposta um termo de cooperação
aut
entre Estado e município para o seu desenvolvimento.
or
A agente A se apresenta da seguinte forma:
od V
aut
Ah! Aqui eu tenho a função de Agente de Educação, né?! Que é o mesmo
de professor de pré-escola! A gente pode denominar assim...”, enquanto
que a Agente B diz que sua função é ser professora, e também que “Bom,
R
meu trabalho é agente da educação [...].
o
Para ser um agente de educação, segundo a proposta pedagógica do
aC
programa “Asinhas” (SEE, 2009), é necessário apresentar as seguintes carac-
geração de renda, pois, além de ser difícil para outros que não tenham esse
perfil chegar às comunidades, também é positivo o fato de já serem conhecidos
das famílias, de já saberem das vicissitudes dos locais e ainda ganham seu
salário, favorecendo o desenvolvimento social e regional.
Atentando-nos ao viés pedagógico, podemos refletir se não haveria pre-
par
possuírem formação para tal. O que percebemos é que tal medida, adotada
pelo programa, possui, sim, pontos positivos como as citadas anteriormente,
e como negativo a não qualificação adequada dos profissionais. “Adequada”
ão
discurso das entrevistadas, permanece como está e acaba sendo uma medida
mais favorável do que desfavorável.
[...] porque esse jovem não teria formação em magistério, mas a gente
falaria com ele de Psicologia infantil, de Desenvolvimento infantil, sem
psicologizar muito... Sem usar uma linguagem muito técnica, mas que
ele compreendesse porque que essa atividade aqui é mais significativa
do que essa (Coordenadora).
or
cidos nas comunidades. Em Rio Branco (Acre), por ser capital, o acesso às
comunidades finda por ser mais fácil, sem, inclusive, em muitos casos, os
od V
mesmos terem que fixar moradia nesses locais. Das duas agentes entrevistadas,
aut
uma voltava para a cidade todos os dias e a outra apenas nos finais de semana.
Os interessados em ser agentes de educação do programa realizam o pro-
R
cesso seletivo simplificado e, quando aprovados, são contratados temporaria-
mente, por período determinado, podendo este ser renovado por igual tempo. A
o
jornada de trabalho diária é de até 6h, e até 30h por semana. Quando contrata-
aC
dos, participam do planejamento inicial, dos mensais, além de serem acompa-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
famílias? [...] Desde que trabalha no Asinhas, você passou a ler mais?
a re
[...] Relate brevemente como é que você se prepara para realizar o encon-
tro com as crianças e suas famílias. [...] Indique 4 aspectos que você
aprendeu nas reuniões pedagógicas realizadas pelo (a) supervisor (a)
do Asinhas. [...] A avaliação que você realizou sobre o processo de
desenvolvimento das crianças te ajudou a entender melhor como elas
par
aprendem? (CER/SEE/AC).
Ed
nas seções anteriores. As barreiras são muitas, mas não o suficiente para que
os mesmos desistam do compromisso que ora assumiram junto ao “Asinhas”,
como vemos no relato de um agente sobre a experiência em fazer parte do
s
Então pé na estrada, foi isto que fiz. Olhos e ouvidos abertos, que aí vem
aventura. Na primeira visita na casa do Claudsson, eu nunca imaginava
que eu era capaz de fazer a entrega dos materiais e falar sobre o projeto
depois de ser picada por uma cobra na porteira do terreiro. Foi um deses-
pero! Em uns vinte minutos realizei os primeiros cuidados. Vimos que
a cobra não era peçonhenta. A outra aventura foi correr para se livrar da
chuva e cair na lama...
or
Além dos animais silvestres, a mata fechada, barrancos, rios, igarapés, lama,
od V
Sol forte e chuvas compõem os caminhos percorridos por esses profissionais
aut
em seu dia a dia, o que lhes exige força e determinação.
Por esse contexto, na execução do programa, pensado para atender a
essa população específica, muitos agentes demoram horas para chegar às
R
casas das crianças atendidas. Alguns utilizam bicicletas, motocicletas, canoas
ou mesmo cavalos, mas a caminhada é uma das principais formas de chegar
o
até os destinos. Várias são as histórias que escutamos nas visitas às famílias.
aC
por parte dos agentes está relacionada, dentre outros, ao afeto desenvolvido
pelo programa e pelas crianças e à percepção de que as mesmas precisam
e, realmente, desenvolvem-se com as intervenções educacionais, propostas
pelo programa.
par
Não é uma jornada fácil! Porque é na Zona Rural, tudo é mais difícil...
mas vai da vontade de cada profissional, [...] eu tava dando aula em frente
a minha casa, mas eu tô gostando mais daqui, apesar de ficar longe de
s
or
ao desenvolvimento e à aprendizagem da criança.
od V
2.4 A formação pedagógica
aut
No início de cada ano letivo do “Asinhas” há um encontro de planeja-
R
mento geral, e, no decorrer do ano, encontros mensais de acompanhamento,
quando os agentes trocam experiências, estudam os materiais didáticos e rece-
o
bem várias orientações dos supervisores. Quanto à metodologia de aplicação
aC
do que é apresentado nas formações, a agente A diz: “A gente trabalha com
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
balhos de visitas. Os encontros entre agentes e crianças acontecem na casa da
od V
criança, com atividades voltadas para a vida desta e suas experiências, com-
aut
pondo a base para a aprendizagem e desenvolvimento. A resolução 02/2008
CNE/CEB e o parecer 03/2008 CNE/CEB amparam tal metodologia.
A agente A descreve como desenvolve o seu trabalho:
R
Olha só! Tem um encontro que a gente trabalha... Quase todos os encon-
o
tros, tem uma brincadeira. Então, a gente vem brincar no quintal, aí a
aC
gente explora o quintal. Aí são as brincadeiras... Tem cantiga de roda,
apenas por meio de relatórios e lista de frequência escritos, mas por meio
ver
É... são materiais concretos à realidade dos alunos, por exemplo: Zona
rural, né... Quando nós vamos fazer, por exemplo, uma brincadeira, tem
or
que ser brincadeira com que tenha o recurso é usado com que tenha lá,
por exemplo: massinha de modelar, a gente não tem massinha, a gente
od V
faz com barro. Quando é, por exemplo, o corpo humano, nós trabalha-
aut
mos o corpo humano, a gente utilizou o barro... Fez tipo uma massinha
de modelar, pra eles fazerem as atividades. E o jogo da trilha, quando é
R
na cidade, é diferente daqui. Aqui a gente faz um risquinho e faz aquela
brincadeira da trilha... (Agente B).
o
Aulas com atividades como a da trilha favorecem consideravelmente o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
2.5 Avaliação
or
que as crianças apresentam. Ressaltamos ainda que, para a educação infan-
od V
til, a avaliação não tem caráter de aprovação ou retenção e deve promover o
aut
desenvolvimento integral da criança.
• R
Registro de acompanhamento nas comunidades
o
aC
O registro de acompanhamento é um dos instrumentos de avaliação
panhar uma dessas visitas, que tem como objetivo supervisionar o trabalho
a re
quando já se avista a residência. Nesse caso, não havia porteira, assim, foi
necessário que a equipe pulasse a cerca de madeira e outra, mais adiante, de
Ed
or
2.5.3 Avaliação dos supervisores
od V
aut
Por meio da pesquisa documental foi possível ter acesso à ficha de avalia-
ção do agente e da autoavaliativa para o supervisor. Esta é denominada “Ava-
liar para melhorar: Avaliação do agente feita pelo supervisor”. Sua estrutura
R
é dividida em duas colunas, na primeira, tudo que deve ser observado pelo
supervisor em relação à prática do agente; na segunda coluna, indagações ao
o
próprio supervisor em relação a sua atuação durante a visita.
aC
As avaliações, de forma geral, apontam sempre para o fomento do
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
3. Considerações finais
ão
or
zação das suas crianças, almejando um futuro melhor, como disse a familiar
od V
entrevistada: “Quero que ela seja uma doutora”!
aut
Esta pesquisa é de grande relevância para o Estado do Acre e, especi-
ficamente, para a Educação Infantil em regiões de difícil acesso, pois traz
diversas reflexões sobre a situação atual da educação infantil e as políticas
R
que a norteiam, em contraponto ao que propõe o programa, analisando se
o mesmo atende ao mínimo do que está previsto pela Lei de Diretrizes e
o
Base da Educação. Também, porque, hoje, a Educação Infantil ganhou mais
aC
visibilidade, com a meta do Plano Nacional de Educação, recebimento de
forma modular. Vale ressaltar que no “Asinhas” ainda existe uma carência de
profissionais com formação superior para a Educação Infantil, no entanto, os
agentes educacionais recebem supervisão e formação contínua como subsídio
para a sua prática.
As entrevistadas destacam que diante das dificuldades e inseguranças
na implementação do programa, eram surpreendidas pela realidade em que
viviam as crianças e com os resultados que aquelas poucas horas por semana
or
lhes proporcionavam. Assim, vencem seus medos, passando a acreditar e
od V
defender enfaticamente a sua validade e permanência. No entanto, a pes-
aut
quisa demonstra que existe uma concepção equivocada por parte das agentes
educacionais em relação à educação infantil, pois atribuem ao trabalho que
realizam a preparação das crianças para o Ensino Fundamental.
R
A pesquisa revela que na ausência de oferta da educação infantil regular
para a população mais afastada, o programa garante o acesso a este direito
o
constitucional. Não contemplando todas as exigências da legislação, mas
aC
ofertando o que é possível diante da especificidade em que vivem as crianças
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
deslocar a escolas, pode levar horas e horas; sendo as crianças muito pequenas
a re
estudo mais aprofundado havia sido realizado. Desta forma, esta pesquisa
se destaca ao abordar a escolarização das crianças amazônidas, incluídas na
educação através do programa, numa perspectiva da Psicologia, da educação
ão
or
Estímulos ao movimento, exploração do ambiente, atividades direcionadas
od V
à linguagem, sinais e símbolos serão determinantes para o sucesso destas
aut
crianças na vida escolar e cotidiana. E através do programa “Asinhas” da
Florestania, as crianças de quatro e cinco anos, no Estado do Acre, estão tendo
acesso a estes estímulos.
R
Apontamos ainda que, uma das maiores dificuldades encontradas no
desenrolar deste estudo, foi ir a campo e realizar as entrevistas com as agentes
o
e familiar. No entanto, a disposição da equipe da SEE em ajudar tornou as
aC
REFERÊNCIAS
BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Fede-
rativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988.
______. Lei 9394 de 1996. Leis de Diretrizes e Base para a Educação Básica.
or
Brasília: 1996.
od V
______. Parecer. n. 3/2008. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 23/2007, que
aut
trata da consulta referente às orientações para o atendimento da Educação
do Campo.
R
______. Plano Nacional de Educação - PNE/Ministério da Educação. Bra-
o
sília, DF: INEP, 2014.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:55
A REVOLUÇÃO CABANA A
PARTIR DOS CONCEITOS DA
ANÁLISE INSTITUCIONAL
or
V
Evelyn Tarcilda Almeida Ferreira
aut
Lilian Lameira Silva
Luciano Imar Palheta Trindade
Merediane Barreto Gonçalves
do
1. Apresentando a proposta analítica
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
Esse texto advém das reflexões produzidas no decorrer da Disciplina
“Análise Institucional”63 que aconteceu no período de outubro de 2015 a abril
ra
de 2016 na graduação de Psicologia, da Universidade Federal do Pará, sob a
docência da professora Evelyn Tarcilda Almeida Ferreira64. O trabalho final
i
rev
dos trabalhos expostos ao final da matéria, cujo texto foi escolhido para ser
publicado nesta coletânea.
op
63 No Curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará, conforme o Projeto Político Pedagógico, a disciplina
Análise Institucional acontece no Bloco V, durante o 4º período e contempla uma carga horária de 60 horas.
Tem como ementa estudar o movimento institucionalista, como se deu a Análise institucional no Brasil,
articular os conteúdos da disciplina com as práticas de intervenção, analisar as lutas políticas e sociais no
contexto internacional e no Brasil e suas relações de saber/poder e as repercussões nas subjetividades.
Disponível em: : <http://www.faculdadepsicologia.ufpa.br/PPP%20-%20VERS%C3%83O%20APROVADA%20
PROEG%20MAIO%202011%20PROTOCOLADA%20e%20revista%20em%2004dejulhode2011.pdf. Acesso
em 27/01/2017>.
64 Foi professora substituta da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Pará no período de
30/06/2015 a 30/06/2017. É estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Pará, é Psicóloga Escolar da Secretaria de Estado de Educação.
or
maneira de intervir, transformar, provocar e revelar suas estruturas.
od V
Utilizar-se-á, neste artigo, a definição de Gregorio F. Baremblitt (2002)
aut
de que as instituições:
R
“São árvores de decisões lógicas que regulam as atividades humanas,
indicando o que é proibido, o que é permitido e o que é indiferente.
Segundo seu grau de objetivação e formalização, podem estar expressas
o
em leis (princípios-fundamentos), normas ou hábitos. Toda instituição
aC
compreende um movimento que a gera: o instituinte; um resultado: o
65 Contemplam as teorias cognitivas que se fundamentam na racionalidade do homem e no uso que este faz
de sua vontade para atingir seus desejos e objetos conscientes e as teorias instintivas da motivação, que
s
emanam da teoria evolutiva de Darwin, que pontua que o instinto seria uma disposição psicofísica hereditária
ver
inata que determina que seu possuidor perceba ou tenha a atenção voltada para objetos de uma certa
classe. In: LOBOS, J. Teorias sobre a motivação no trabalho. Rev Adm Emp, Rio de Janeiro v. 15, n. 2, p.
17-25, mar./abr. 1975.
66 Consiste em um modelo de produção industrial em escala, tem como característica a produção em série, a
aceitação de certo nível percentual de defeito, a utilização de esteiras rolantes, a tecnologia eletro-mecânica.
In: <http://www.feati.edu.br/revistaeletronica/downloads/numero2/modelosProdutivosIndustriais.pdf>. Acesso
em: 28 jan. 2017.
or
e articulação dessa comunidade, onde ela própria, conseguiria os recursos
od V
para a sustentação e o melhoramento de sua própria vida, culminando em um
aut
processo de auto-gestão.
A autoanálise e auto-gestão se dão dentro de condições desfavoráveis,
R
de tensão, de acirramento de disputas, envoltas em circunstâncias de con-
flito e assujeitamento, fazendo parte de um processo constante de construção
o
e desconstrução, buscando a estabilidade da organização social (MAN-
SANO, 2003). A fim de que a autoanálise seja praticada, é preciso que seja
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
dispositivo não era analisar o uno, a razão, o sujeito, mas sim que se interes-
sava por analisar os mistos, os agenciamentos. Era preciso, não remontar os
pontos, mas seguir e desemaranhar as linhas: uma cartografia, que implicava
em uma microanálise (2013, p. 113).
Nesse sentido, é possível considerar o Movimento Institucionalista como
par
um saber que lhe é inerente e singular, capaz de reconhecer aquilo que cons-
titui seus problemas e avaliando que esse conhecimento não deve ter origem
ão
ção. Não aspira ser uma verdade ou uma técnica fechada, o dispositivo é um
operador de intervenção. Podemos entender que um dispositivo pode tornar-se
um analisador se conseguir pôr alguma situação em análise (PASSOS, 2015).
Em conformidade com o trajeto que este texto deseja perseguir, utilizaremos
mais adiante articulações entre os conceitos de analisador e dispositivo.
or
portador da potência da mudança. Para Passos, o acontecimento analisador
tem materialidade expressiva totalmente heterogênea, podendo ser um acon-
od V
tecimento, uma enunciação, um indivíduo ou técnica, não tendo forma de
aut
irrupção privilegiada na fala. Caso decorrerem as condições necessárias, o
analisador tem potencial de intervenção. Ele tem talento para intervir, se
R
expressar, é um conceito que se materializa em ato, se constituindo enquanto
processo revolucionário.
o
Fazer uma análise institucional pressupõe pensar a complexidade dos
aC
acontecimentos sociais, das regras, das normas, dos lugares hierárquicos ocu-
2. Percurso metodológico
Para a execução da análise utilizou-se documentos como fotografias
retiradas da internet e artigos que versavam sobre a revolução. A escolha do
or
uma história de resistência, de entendimento a respeito de uma batalha dos não
od V
heróis, da luta de todos os homens e não somente de reis e grandes homens
aut
como nos ensina Le Goff (2003), esse exercício nos concede a oportunidade
de melhor examinar o sujeito na sociedade em que vive.
Revisitar a Revolução Cabana, e articular com a Análise Institucional
R
é prover uma crítica a uma continuidade histórica com Portugal, rejeitando
uma identidade desdobrada deste país, reivindicando uma narrativa própria,
o
permitindo dar destaque para um contexto que por muitos anos foi apagado dos
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
àqueles que estudam quanto os que são estudados são parte do processo de
pesquisa. A investigação se desenvolveu seguindo as etapas:
ão
or
de televisão, etc. (FONSECA, 2002, p. 32).
od V
3. Discussão em grupo.
aut
4. Elaboração de trabalho escrito.
5. Devolutiva dos saberes perante a classe de Psicologia, a qual o grupo
de pesquisadores pertencia.
R
o
Na seção seguinte iniciaremos as articulações entre a ferramenta teórica
aC
e o objeto estudado.
pobres, moradoras de cabanas às margens dos rios da região. Nesta luta, que
durou vários anos, destacaram-se as figuras do cônego e jornalista João Gon-
a re
or
a Portugal. Durante o processo de independência do Brasil, o Grão-Pará foi
od V
dirigido por “Juntas governativas” subordinadas a Portugal, se isolando do
aut
governo regente do Rio de Janeiro. Enquanto isso, em todo território nacional
já se presenciavam forças insurgentes de grande proporção como a Balaiada
(1838-1841) e a Guerra dos Farrapos (1835-1845) que clamavam por justiça,
R
buscando novos gerenciamentos e possibilidades, e no Grão-Pará não seria
diferente (FAUSTO, 2003).
o
Durante o período da renúncia de D. Pedro I (1831) até D. Pedro II assu-
aC
mir o poder (1841), uma onda revolucionária se dava em todo o Pará, a partir
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
uma parte da população se juntou a uma frente militar para iniciar uma revolta,
a re
68 Cal viva ou óxido de cálcio designa uma grande variedade de produtos obtidos pela calcinação do calcário.
A Cal e o Calcário são materiais utilizados em grande número de indústrias, na agricultura, nas construções
civis e nas indústrias químicas. O uso do Cal é feito para a calagem do solo, estimula a produção, diminui
a acidez, e fornece nutrientes às plantas. O calcário é usado como agregado no concreto, como carga e
como rocha de construção. É usada como aglomerante em construção civil, no concreto e como estabiliza-
dor de solos. A dolomita tem sua aplicação principal como fonte de magnésio e material para produção de
refratários. In: <https://docs.ufpr.br/~gazda/oxi_ca.htm>. Acesso em: 28 jan. 2017.
or
se encontrando entre as duas movimentações, a rígida do poder português
instituído e a revolucionária suscitada pelos “cabanos”.
od V
Com a renúncia de D. Pedro I e a impossibilidade de seu filho assumir
aut
o poder, foi decretado o Período Regencial (1831-1840), que se manteria
até que D. Pedro II alcançasse a maioridade. Muitos dos regentes nomeados
R
pelo Rio de Janeiro e que foram enviados ao Grão-Pará foram depostos pela
população revoltada, liderada por Batista Campos.
o
Os motivos que levaram a esses conflitos não se limitavam apenas à
aC
insubordinação a Portugal e ao que a Coroa portuguesa pretendia à popu-
estava imposto e nas próprias relações de poder. Desde 1831 ocorriam revol-
tas esporádicas em Belém, lideradas por Batista Campos. O então presidente
a re
obstante, não se manteve fiel aos Cabanos, que novamente se rebelaram. Con-
ver
or
as vilas e aldeias iam formando novos chefes, à medida que dentro da própria
od V
batalha estes homem vinham a falecer. Populações inteiras de índios e quilom-
aut
bolas foram chamadas à luta armada em um movimento vasto e complexo.
R
4. Convivem: Revolução Cabana e Análise Institucional
o
Cabana de diversos modos. Para tal, se faz importante elucidar o conceito de
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
criativa e revolucionária.
a re
or
tivos se dão em condições altamente desfavoráveis, severamente contrapro-
od V
ducentes. Isso decorre porque os coletivos insurgentes não são os detentores
aut
do saber, não são os donos da riqueza e dos recursos, ao contrário, servem ao
poder dos organismos e entidades de classe alta e grupos dominantes, fato
que foi observado na Revolução Cabana, levante este, composto por caboclos,
R
negros e índios, que carregavam estigmas de malvados e desobedientes.
Há estudos que esboçam que na segunda metade do século XIX, um
o
político e historiador paraense chamado Domingos Antônio Raiol, possui-
aC
dor do título nobiliárquico de Barão de Guajará correlacionou a insurgência
mentos históricos que pouco contam sobre o ele, são as práticas educacionais
ver
or
que ao chegarem ao poder, seguissem ordenamentos diferente dos interesses
do povo que os tinha aclamado. Tal afirmativa assegura a presença dos pode-
od V
res periféricos e moleculares que não foram confiscados e absorvidos pelo
aut
aparelho de Estado (FOUCAULT, 1979), que se organizam e insurgem na
forma como ocorreu a ação cabana.
R
Revoluções como estas são vistas para a organização do sistema como
um câncer, uma peste, algo de que temem o sistema social dominante. Visto
o
que os movimentos instituintes têm esse intuito, que os coletivos inventem
aC
suas soluções, se coloquem nos limites do possível e do impossível, como
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
pode ser notado nesta revolução, que explodiu em Belém do Pará, em 1835,
deixando mais de 30 mil mortos e uma população local que só voltou a crescer
significativamente em 186069.
visã
Outro aspecto que pode ser relacionado ao conceito de instituinte é que,
segundo Magda Ricci (2006), estes revolucionários fugitivos abriram outras
frentes de luta, ampliaram suas bandeiras e alteraram as formas de guerrear.
itor
69 Dados retirados de Domingos Antonio Raiol, Motins políticos ou história dos principais acontecimentos
políticos da Província do Pará desde o ano de 1821 até 1835, 2a edição, Belém, Universidade Federal do
Pará, 1970, v. 3, p. 1000 (1ª edição 1865-1891).
or
no Brasil (RICCI, 2006).
od V
aut
5. Alguns efeitos no território paraense
R
Nos anos de 1980, o movimento cabano renasceu e ganhou status popular
nas ruas e praças. O primeiro governador eleito depois da ditadura militar,
o
Jader Barbalho, se percebia como um novo líder cabano. Seu governo criou
o Memorial da Cabanagem70, financiou pesquisas, promoveu um concurso
aC
do estado e município.
a re
acontecimento histórico. Este monumento foi projetado pro Oscar Niemayer e abrigou por muitos anos
ver
os restos mortais dos líderes do movimento Cabano como o cônego Batista Campos e Eduardo Angelim.
Foi pensado para ser um símbolo do que foi a luta dos cabanos e sua relevância na história do povo para-
ense. O monumento se encontra no complexo do entroncamento, em Belém, tem 15 metros de altura e
20 metros de comprimento. O Memorial da Cabanagem, segundo a concepção de Niemeyer, representa a
luta heroica do povo cabano, que foi um dos movimentos mais importantes de todo o Brasil. Em SALLES,
V. Memorial da Cabanagem, esboço do pensamento político-revolucionário do grão Pará. Amazoniana: 3,
Edições CEJUP, 1992.
or
Estado produz uma burocracia que opera enquanto mecanismo organizador da
od V
separação, e essa compartimentação atravessa toda a vida social, refletindo-se
aut
em nossos modelos de educação e de produção de cultura, trabalhando para
que a historicidade cabana nos fosse alienada.
Atingindo a conclusão deste capítulo, pensamos ter tocado a ideia que
R
“inventamos”: dar fagulhas de luminosidade a memória cabana, formulando
proximidades entre História, pesquisa-ação e Psicologia Social. Ousamos
o
combinar a análise institucional e o movimento cabano, por pretender que
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
a Psicologia se erga nesse entremeio, que olhe além dos objetos habituais e
veja ser possível estabelecer essas análises, elucidar os saberes produzidos
pela instituição Cabanagem, os dispositivos que disparou, esboçar o equi-
pamento monumento da cabanagem com a história da cidade e/ou com seus
visã
silenciamentos e sucateamentos.
Pensamos ser esta uma Psicologia possível em tempos de impossíveis,
em temporadas de ataques aos processos democráticos de participação social,
itor
objeto de pesquisa.
Ed
s ão
ver
REFERÊNCIAS
BAREMBLITT, G. F. Compêndio de Análise Institucional e outras cor-
rentes: teoria e prática. Rio de Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992.
or
prática, 5. ed. Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari (Biblioteca Ins-
tituto Félix Guattari; 2), 2002.
od V
aut
CHIAVENATO, J. Cabanagem: O Povo no Poder. Ed. Brasiliense, São
Paulo, 1984.
R
DELEUZE, G. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 2013.
o
DEMO, P. Pesquisa e construção do conhecimento: metodologia científica
aC
EDUC, 2003.
or
od V
PASSOS, E.; ROSSI, A. Análise institucional: revisão conceitual e nuances
aut
da pesquisa-intervenção no Brasil. Revista EPOS; Rio de Janeiro-RJ, v. 5,
n. 1, jan./jun. 2014; ISSN 2178-700X; p. 156-181.
R
PEREIRA, W. Algumas contribuições da análise institucional para estudar
as relações entre os serviços públicos de saúde e a sua clientela. Rev. bras.
o
enferm., Brasília, v. 53, n. 1, p. 31-38, mar. 2000.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:13:57
A LEI 10.639/03 E SEUS
DESDOBRAMENTOS SOBRE A
CULTURA E IDEOLOGIA NO QUILOMBO
or
DE NOVA JUTAI BREU BRANCO-PA
V
aut
Oberdan da Silva Medeiros
1. Introdução
CR
do
Com o objetivo de realizar a divulgação/valorização do legado cultural
africano que recebemos desde o século XVI na educação brasileira, a Presi-
dência da República sancionou a Lei 10.639/2003, que institui a obrigatorie-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
são
dade na educação básica pública e particular do ensino de História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira. Tal lei buscou ampliar o restrito conhecimento a
ra
respeito da cultura afro, supondo a necessidade de se desenvolver uma nova
visão sobre a história africana e afro-brasileira, suas possíveis relações com
i
a construção histórica do nosso país, além de influenciar positivamente na
rev
escolares, em tese, reconstrói nos alunos e nos professores uma imagem posi-
tiva do continente africano, enquanto local de ascendência de uma grande
ara
sancionada de um dia para o outro, pelo contrário, antes passou por diver-
sos estágios que envolvem o repensar de elementos conjunturais dos povos
sã
or
perspectiva qualitativa de estudo, proposto para a compreensão dos objetivos
da pesquisa a partir da análise das respostas de membros de uma comunidade
od V
quilombola amazônica, às questões levantadas num instrumento geral e em
aut
questões específicas que são foco deste estudo. Optar pelo materialismo his-
tórico dialético, como fundamentação metodológica, traz necessariamente
R
formas de estruturar e compreender o sujeito como um ser social, e ainda
mais importante, possibilita a construção de medidas efetivas no sentido de
o
rompimento com a opressão histórica dos homens sobre os homens.
aC
Aplicamos de questionário, a observação e a realização de entrevistas
sobre a cultura.
O último eixo trata da relação da educação para as relações étnico e
Ed
luta por libertação e emancipação, sobre tudo a categoria pobre e negra, que
adoece frente ao modelo econômico capitalista neoliberal.
s
suas tradições, seus costumes, suas cores. Com isso contribuíram imensamente
para a formação cultural e social do povo brasileiro.
A necessidade de se destacar esta temática é algo importante para o nosso
país. Segundo Silva (1992), a história da África é importante a nós brasileiros,
porque ajuda a explicar-nos. Ela é relevante por seu valor próprio e por nos
fazer compreender o grande continente de onde provem quase a metade de
nossos antepassados.
or
Todavia nota-se o florescimento de metanarrativas que ampliam os conhe-
od V
cimentos científicos em torno das diferenças culturais que se configuram com
aut
a ontologia das sociedades humanas. No Brasil, a partir da década de 1930
constituíram-se pressupostos políticos à luz da identidade de mestiçagem
brasileira, isto contribuiu de certa forma para a valorização das diferenças
R
culturais. A estrutura de miscigenação compreendeu a base sociocultural do
Brasil, dada pela interpelação das raças negras, indígenas e branca.
o
Para Cavalleiro (2005, p.58), o grande responsável por disseminar essa
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ideologia foi o sociólogo Gilberto Freyre, em suas palavras ela faz o seguinte
comentário a respeito do autor:
Associação Cultural do Negro (ACN), que reuniu nomes como Abdias Nas-
cimento, Solano Trindade e Fernando Góes, tinham também como objetivo a
preocupação de construir uma ideologia para o negro brasileiro. A ideologia
aqui é empregada numa acepção positiva de “consciência de classe”, impri-
mida por Eagleton (1997), que significa um conjunto de crenças que reúne e
or
de 60, as escolas de samba tiveram um papel de destaque, sendo consideradas
od V
centros que congregavam negros, proporcionando um espaço de sociabilidade.
aut
Fatos como a luta dos negros norte-americanos pelos direitos civis, as guerras
de libertação dos países africanos colonizados e o fechamento político da
sociedade brasileira imposta pela ditadura militar a partir do golpe de 1964,
espalharam a militância negra.
R
Nas décadas de 1970 e 1980, o movimento negro aponta um alerta sobre
o
a evasão e o déficit de alunos negros na educação básica, entre outras causas,
aC
71 Fernando Henrique Cardoso governou o Brasil entre os anos de 1994 a 2001, caracterizando-se por conferir
estabilidade econômica ao país e o fortalecimento da nova moeda nacional, implementada a partir do
Plano Real.
or
Negro. A luta do movimento negro de intelectuais e diversos seguimentos da
od V
sociedade gerou uma série de medidas, particulares e oficiais, que resultaram
aut
na mudança da Lei nº. 9394 de 20 de dezembro de 1996 (que estabeleceu
as diretrizes e bases da educação nacional), sancionando a Lei nº. 10639/03.
Assim, a referida Lei passou a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
R
Art. 26-a. nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
o
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre a história e cultura Afro-
aC
-Brasileira. §2º – Os conteúdos referentes à história e Cultura Afro-Brasi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
3. Estratégias ideológicas e seus desdobramentos na cultura
aut
Antes de prosseguir, talvez fosse bom indagar se o tópico da ideologia
R
realmente merece toda a atenção que lhe conferimos. Serão as ideias assim tão
importantes para o poder político? Segundo Eagleton (1997), a maior parte das
o
teorias da ideologia surgiu no interior da tradição de pensamento materialista,
e faz parte desse materialismo ser cético quanto a atribuir qualquer prioridade
aC
or
[…] em geral, alguém dominado elo medo, pelo ódio e pela insegurança
od V
e não uma pessoa que imparcialmente chegou a certo juízo intelectuais
aut
sobre outras raças e mesmo que seus sentimentos não sejam motivados
por tais juízos, é provável que estejam profundamente entrelaçados a
estes juízos de que determinadas raças são inferiores. A ideologia, de fato,
R
pode ser basicamente uma questão de elocuções pejorativas (EAGLE-
TON, 1997, p. 26).
o
Nota-se que a consciência popular está longe de ser obediente irrestri-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
indígenas e asiáticos, todos influenciando na construção histórica do país e
od V
que devem ser vistos de tal forma. O privilégio de um grupo em detrimento
aut
a outro, representa o racismo, evidenciá-lo significa cidadania. Em Munanga
(2005), podemos perceber que o resgate da memória e da história coletiva da
comunidade negra é importante não só para os afrodescendentes, é interes-
R
sante a pessoas de outras ascendências, visto que ao receber uma influência
ideológica preconceituosa em nossos processos educativos, estes também têm
o
suas estruturas psíquicas afetadas.
aC
Neste processo a escola ganha espaço de destaque, uma vez que cabe
a ela a responsabilidade de legitimar normas morais e jurídicas por meio do
currículo escolar, determinando quem é incluído ou excluído na sociedade.
ão
or
pode ser imposta à força, como é o caso da ideologia racista da África do
od V
Sul, ou de forma simbólica, em nosso caso. Cabe citar que no primeiro caso a
aut
ideologia se torna hegemonia, que por sua vez é também uma categoria mais
ampla que inclui a ideologia, mas não pode ser reduzida a ela.
R
A categoria-chave no trabalho do colega marxista ocidental de Lukács,
Antônio Gramsci, não é a ideologia, mas a hegemonia, e vale a pena
o
ponderar a distinção entre esses dois termos. Gramsci normalmente usa a
aC
palavra hegemonia para designar a maneira como um poder governante
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Um exemplo da luta contra essa coerção pode ser notada pela afirmação
do negro, na figura de Abdias do Nascimento, intelectual, autor, ator, drama-
itor
turgo e político que incorporou em seu trabalho a causa negra, seja por meio
de sua colaboração no próprio Movimento Negro, seja pela criação do Teatro
a re
or
às margens dos nossos processos socioeconômicos e que tem isso avalizado
od V
pela difusão cultural. Devemos levar em consideração que a escola é um meio
aut
de transmissão cultural, o sentido empregado à cultura aqui é o de ideologia,
e como tal, são os fatores ideológicos que movem o processo educativo, e
neste caso são influenciados pela categoria social dominante.
R
Notadamente, Eagleton (1997) é categórico com relação aos meios de
transmissão de cultura:
o
aC
valiosa ferramenta que serve, se bem utilizada, de corretivo para uma ideo-
logia que exagera a importância da cultura e que utiliza da ideologia na manu-
Ed
or
que a Lei nº 10.639 poderia trazer ao processo de elaboração de uma ideolo-
gia mais aberta aos fatores étnico-raciais, relacionada à não abertura para a
od V
participação de entidades da sociedade civil organizada ligadas ao movimento
aut
negro. Segundo Eagleton (1993), neste caso se a cultura perfaz o contorno de
uma ordem social não dominadora, ela o faz mistificando e legitimando as
R
reais relações sociais de dominação. O segundo veto relacionava-se à proposta
referente aos cursos de capacitação para professores, que deveriam contar com
o
a participação de entidades do movimento afro-brasileiro, das universidades e
aC
outras instituições de pesquisa vinculadas ao tema. Segundo Williams (1992),
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Verifica-se que a lei nº 9.394, de 1996, não disciplina e nem tampouco faz
menção, em nenhum de seus artigos, a cursos de capacitação para professo-
itor
nal da Consciência Negra. Foi ainda criada, neste mesmo ano, a Secretaria
Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), com o
objetivo de influenciar na correção dos efeitos da escravidão, discriminação
ão
or
Sua economia está assentada, principalmente, na atividade agrícola de
od V
pequeno porte onde se cultiva as culturas da mandioca, arroz, milho, feijão,
aut
cacau e frutas, que garantem a subsistência da comunidade. O excedente de
arroz, cacau e farinha de mandioca é vendido nas cidades de Baião, Cametá e
Tucuruí. Há uma pesqueira, a maior parte da produção destina-se ao consumo
R
da própria comunidade. Além disso, criam-se animais de pequeno porte, tais
como as galinhas e porcos.
o
Na comunidade existem áreas de uso familiar e áreas de uso coletivo.
aC
As roças e casas são familiares, enquanto os rios, as árvores, as casas de fari-
hoje como canoas, que na época eram movimentadas por velas de saco, as
quais embalavam açúcar, nas viagens armazenavam águas para beber em uma
vasilha chamada Bilha ou Muringa, os alimentos eram preparados assados ou
cosidos na fogueira de lenha tirada no mato.
O óleo usado era de castanha do Pará, de bacaba, de babaçu, os temperos
favaca, chicória, alho em rama e o corante de urucum e o açafrão. O dinheiro
daquela época era o vitém, tostões, pataca e réis que eram guardados em reci-
or
pientes chamados butija. O artesanato destes descendentes que continua até
od V
os dias atuais é a fabricação de peneira, abano, paneiro de cipó chamado de
aut
jacitara, timbuí ou ambé, além de vassoura de olho de bacabeira ou timbuí.
Fabricavam suas próprias roupas de saco que vinham açúcar e costuravam
com linha fabricada de uma planta chamada curauá, cortavam a folha da planta
R
que eram cumpridas e batiam com pedaços de pau, e depois iam para a beira
do igarapé limpar a folha penteando com o pente até sair toda a coloração
o
verde da folha, para ficar bem branca. A partir daí começava a fabricação das
aC
roupas, o cinturão era de um cipó chamado batatarana.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mesmos nunca foi fácil, dentre eles destacamos a fala do Sr. João do Espírito
a re
Santo que dizia para seus netos, ao relatar aos mesmos sua história de vida.
não teve como objetivo levar educação igual para todos, mas sim uma maneira
ver
or
acadêmica com a temática. Podemos afirmar que ainda precisa se fazer muito
na prática para termos uma educação voltada para as relações étnico-raciais
od V
de fato e de direto.
aut
Quanto à educação, o racismo fica evidenciado nos índices de alfabeti-
zação e escolaridade da população negra, não apenas nessa escola, mais em
R
muitas no Brasil como afirmam: Davis (2000), Munanga (2005), Gonçalves
(2000), Gomes (2005), Cavalleiro (2001), que diagnosticam que os negros
o
são penalizados na educação por meio da exclusão do sistema formal de
aC
ensino como também nas outras esferas da vida social. Sobre esse aspecto,
Ser negro ou ser mestiço significa ter uma maior probabilidade de ser
visã
recrutado para posições sociais inferiores. Isto, numa estrutura social que
já é profundamente desigual. Então, no meu entender, o vínculo entre raça
e classe é exatamente esse: raça funciona como mecanismo de seleção
itor
social que determina uma medida bastante intensa qual aposição que as
pessoas vão ocupar (HASEMBALG, 1996, p. 46).
a re
e pareceres nas escolas, não por falta de compromisso dos mesmos, segundo
os entrevistados, mas por desconhecimento dos professores com relação,
s
5. Considerações finais
or
Nesta perspectiva, notou-se que as desigualdades foram conjugadas
od V
acerca do discurso político de cunho etnocêntrico do juízo da superioridade
aut
e da psicologia do ego. Isto vem sendo perpetuado ao longo da história e
ao mesmo tempo se constituindo como modelo de dominação natural das
sociedades humanas. Após a promulgação da lei 10.639 e do surgimento
R
de instituições que se dedicam a questão étnico-racial, há ainda uma longa
caminhada a ser percorrida até que se supere a ideia de democracia racial. É
o
necessária a análise desta questão por diversos pontos de vista, que abarcam os
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
soberana. Deve estar muito nítido que nossos processos educativos devem
a re
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) (lei
nº 9.394). Rio de Janeiro: Qualitymsrk, 1997.
or
Brasília, DF, 10 jan. 2003b, p. 01.
od V
CAVALLEIRO, Eliane. (Org.). Racismo e anti –racismo na educação-
aut
repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
R
DAVIS, Darien J. Afro-brasileiros hoje. São Paulo: Summus, 2000.
o
de 1961 à Lei 10.639, de 2003. Secretaria de Educação Continuada, Alfa-
aC
or
a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas. Durban, África do Sul, setembro
od V
de 2001.
aut
PEREIRA, E. A. Malungos na escola: Questões sobre culturas afrodescen-
dentes e educação. São Paulo: Paulinas, 2007.
R
PEREIRA, Luena Nascimento Nunes. “O ensino e a pesquisa sobre África
o
no Brasil e a lei 10639”. Revista África e Africanidades, São Paulo, ano 3,
aC
n. 11, p. 1-17, nov. 2010. Disponível em: <http://www.africaeafricanidades.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
28/02/2020 13:14:00
SOBRE OS AUTORES
Adriana Alcântara dos Reis
Psicóloga da Secretaria de Saúde Pública do Pará, Especialista em Saúde
or
Mental pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC – Minas),
V
Mestre em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade Federal
aut
do Pará (UFPA).
CR
Logoterapeuta, Doutora em Ciências Médicas pela Universidade de Campinas
(UNICAMP), Professora Titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
do
(IFCH/UFPA) e do PPGP/UFPA.
são
Doutoranda em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Pará (PPGP/UFPA). Mestra em Psicologia (PPGP/
UFPA). Bacharel em Psicologia e Psicóloga (UFPA). Pesquisadora na área
ra
de saúde mental relacionada ao trabalho (SMRT). Experiência profissional
i
de dez anos em Psicologia Organizacional e do Trabalho. Experiência como
rev
or
professor da Sociedade de Ensino Superior de Patos de Minas (SESPA),
od V
Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM) e Faculdade Patos de
aut
Minas (FPM). Trabalhou como psicólogo do CAPS 2 e atualmente desenvolve
trabalho como psicólogo do NASF 03 nas equipes da ESF de Patos de Minas
R
e Governo do Distrito Federal.
o
Beatriz Vilar Lessa
Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Sergipe.
aC
Camila Câmara
Graduada em Psicologia (PUC-RJ).
Ed
pela PUC–São Paulo, 1993; Doutorado em Educação pela UNESP, 1999; Pós-
ver
or
da Educação – EPsTEM / UFPA; 2) Pesquisador Colaborador do Grupo de
Estudos e Pesquisas PAIDEIA da FE-UNICAMP.
od V
aut
Celina Maria Colino Magalhães
Concluiu o doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universi-
R
dade de São Paulo em 1995. Atualmente é Professora Titular da Universidade
Federal do Pará. Diretora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento
o
(2017-2021). Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pes-
aC
quisa do Comportamento, no período de mar. de 2011 a fev. 2015 e Coorde-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Social pela PUC/SP, doutora em Psicologia pela USP com estágio pós-doutoral
ver
Dolores Galindo
Possui Pós-Doutorado (2015-2016), Doutorado (2006) e mestrado (2002)
em Psicologia Social pela Universidade Católica de São Paulo (PUCSP),
or
Universidade Federal de Mato Grosso (2013-2014). Lidera o Grupo de Pes-
quisa Ciências, Tecnologias e Criação (LABTECC). Foi da Diretoria Nacional
od V
da Associação Brasileira de Psicologia Social – ABRAPSO (2016-2017),
aut
Conselheira Alterna da ULAPSI (2016-2017) e integrou a Coordenação da
Red Latinoamericana de posgrados en estudios sobre la cultura – ReLaPec
R
(2014-2016). Compõe o GT Conhecimento,Subjetividade,Práticas Sociais da
ANPEPP. Foi Vice-Presidente da Regional Centro-Oeste da Associação Brasi-
o
leira de Psicologia Social – ABRAPSO (2012-2013) e Secretária (2014-2015).
aC
É membro associada da ESOCITE.BR – Associação Brasileira dos Estudos
or
Eliz Marine Wiggers
É graduada em Psicologia pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto
od V
Vale do Itajaí - UNIDAVI. Possui especialização Lato Sensu em Mediação
aut
Social pela Universidade do Planalto Catarinense - UNIPLAC e Mestrado
em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atua
R
como docente de graduação de Psicologia no Centro Universitário Avantis
- UNIAVAN. Tem experiência na área clínica, social e jurídica, atuando prin-
o
cipalmente com os seguintes temas: subjetividade, mediação social, políticas
aC
públicas, e relações de poder.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Fauston Negreiros
or
Psicólogo, graduado pela Universidade Estadual do Piauí (2005). Mestre e
od V
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (2012). É profes-
aut
sor-pesquisador adjunto IV do Departamento de Psicologia, do Programa de
Pós-Graduação (Stricto Sensu) em Psicologia e do Programa de Pós-Gradua-
ção (Stricto Sensu) Ciência Política da Universidade Federal do Piauí – UFPI.
R
Pesquisador no grupo de pesquisa Psicologia e Escolarização: políticas públi-
cas e atividade profissional na perspectiva histórico-crítica, da Universidade
o
de São Paulo/USP. Membro da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e
aC
Educacional, ABRAPEE. Membro do Fórum Nacional de Medicalização da
or
ao Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento e ao Programa de Pós-
od V
-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento e também é professor
aut
do Programa de Pós-graduação e Segurança Pública da UFPA. Membro do
Conselho Assessor do CNPq (2017-2019). Presidente da Associação Brasileira
R
de Psicologia do Desenvolvimento no período 2014-2016, e Vice-presidente
no período de 2016-2018.
o
Flávia Cristina Silveira Lemos (UFPA)
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
em Geografia (Geografia Física) pela Universidade de São Paulo (2001).
od V
Realizou estagio de pós-doutoramento no Institut National de Recherche
aut
Pédagogique da França (INRP), desenvolvendo atividades de pesquisa no
Service d’Histoire de l’Education, no período de novembro de 2006 a dezem-
R
bro de 2007. Professor Titular da Universidade Federal do Pará, exercendo
atividades no Programa de Pós-Graduação em Currículo e Gestão da Escola
o
Básica (Mestrado) e no Programa de Pós-Graduação em Educação na Ama-
zônia (Doutorado). É Diretor Geral do Núcleo de Estudos Transdisciplinares
aC
or
formação básica do Corpo Freudiano Escola de Psicanálise, sessão Fortaleza.
od V
aut
Iolete Ribeiro da Silva
Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (1990), mestre
(1998) e doutora (2004) em Psicologia pela Universidade de Brasília. Atual-
R
mente é Professora Associada III da Universidade Federal do Amazonas,
Diretora da Faculdade de Psicologia da UFAM (2012-2016, 2017-2020).
o
Bolsista Produtividade CNPq 2. Atua no Programa de Pós-Graduação em
aC
Educação – PPGE/UFAM e Programa de Pós-Graduação em Psicologia –
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
cas públicas de educação e assistência social com foco na promoção dos direitos
humanos da população amazônica; aspectos psicossociais da desigualdade e
processos de transformação social; psicologia, movimentos sociais e proces-
ão
or
em Saúde Pública, embasada em Epidemiologia.
od V
aut
Ivne Alencar Farias
Graduanda de Psicologia.
o
do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do
aC
Juan Telles
Ed
or
Larissa Ferreira Nunes
od V
Psicóloga Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará
aut
(UECE). Atualmente cursa Mestrado em Psicologia na Universidade Federal
do Ceará (UFC) e passou na seleção de Doutorado em Psicologia da UFC
para o ano de 2020. É integrante do Grupo de Pesquisa e Intervenções Sobre
R
Violência, Exclusão Social e Subjetivação - VIESES/UFC. Foi pesquisadora
colaboradora na pesquisa “Violência armada na cidade de Fortaleza e suas
o
consequências humanitárias” (Instituto OCA e Comitê Internacional da Cruz
aC
Vermelha) e é pesquisadora colaborado na pesquisa “Juventude e violência
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Possui graduação em História pela Universidade de São Paulo (2003), mes-
trado em Educacao pela Universidade Federal do Pará (2014) e doutorado
od V
em andamento pela Universidade Federal do Pará. Atuação profissional nas
aut
Secretaria Municipal de Educação de Belém/PA e Secretaria de Estado de
Educação do Pará. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
R
Ensino-Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: educação
ambiental, ambiente, juventude, educação de jovens e adultos e ensino médio.
o
Lilian Lameira Silva
aC
da UFG/Jataí.
Ed
que contou com o apoio do CAPE, este artigo constitui o segundo capítulo
da tese. Atuo como psicóloga clínica na Polícia Civil do Estado do Pará e no
PROPAZ/IML/Secretaria de Saúde Pública do Pará.
s
ver
or
Jurídica, Segurança Pública, Direitos Humanos, Direitos das Mulheres e das
Crianças e Adolescentes.
od V
aut
Luciano Imar Palheta Trindade
Mestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, na Linha
R
de Pesquisa Psicologia Clínica e Fenomenologia. Graduado em Psicologia
pela Universidade Federal do Pará (2019). Realizou período de mobilidade
o
acadêmica na Universidade Federal do Paraná, onde frequentou disciplinas
aC
isoladas e participou do grupo de supervisão da Prática de Avaliação Neu-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
convidada da linha de pesquisa “Acolhimento e inclusão de jovens em risco do
od V
IPCDHS/FCT, Univ. de Coimbra e consultora do Laboratório de Intervenção
aut
na Comunidade (LInC). É Vice-coordenadora do Laboratório Interdisciplinar
de Pesquisa e Intervenção Social (LIPIS, da PUC-Rio) desde 2006. Em 2010,
foi Coordenadora Adjunta do ProUnir, Protagonismo Universitário e Empo-
R
deramento Profissional, em convênio com a SEPPIR e consultora do projeto
em 2011. Foi docente do Mestrado em Psicologia Social na UNIVERSO
o
entre 04/2010 e 08/2012. Foi sócia da ABRAPSO (Associação Brasileira de
aC
or
od V
Maria Lúcia Chaves Lima
aut
Psicóloga (UFPA); Mestre em Psicologia (UFPA); Doutora em Psicologia
Social (PUC-SP). Professora adjunta IV na graduação e na pós-graduação
R
do curso de Psicologia (UFPA). Líder do grupo de pesquisa Inquietações.
o
Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (1999),
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
calização da Educação e da Sociedade. Realizou Estágio Pós-Doutoral na York
University, Canadá (2001-2002) e participou como Professora Visitante em 2007
od V
(bolsa do Consulado Canadense). É Bolsista Produtividade do CNPq, nível 1C.
aut
Coordenadora do Grupo de Trabalho Psicologia e Educação da Sociedade Intera-
mericana de Psicologia – SIP. Membro da AHILA – Associação de Historiadores
Latinoamericanistas Europeus.
R
o
Marli Lucia Tonatto Zibetti
aC
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
de Professores.
or
Orientação e Ética do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro e
participa do Fórum Permanente de Saúde no Sistema Penitenciário. Co-super-
od V
visiona, pelo Mestrado, estágios do Projeto “Psicologia e Justiça: Construção
aut
de Outros Processos”, baseados nos ideários dos Direitos Humanos e com
atuação entre os eixos Psicologia, Violência e Políticas Públicas.
Morgana Moura
par
e como docente pela Escola de Saúde Pública de Mato Grosso e pela Faculdade
FASIPE, com experiência de atuação nos serviços socioassistenciais e na atenção
em saúde mental. Em pesquisa se relaciona com os seguintes temas: processos
psicossociais e medicalização, saúde mental, redução de danos no uso de drogas,
psicologia e arte contemporânea.
or
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Rondônia (2016). Tem expe-
riência na docência do ensino de Biologia e na gestão escolar. Ministra oficinas e
od V
palestras na área de ensino de ciências. Integrante do Grupo Amazônico de Estudos
aut
e Pesquisas em Psicologia e Educação (GAEPPE). Tem interesse no campo da
Educação e da Psicologia Escolar com ênfase em processos de escolarização no
R
ensino fundamental, médio e formação de Professores.
o
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Pará (1988),
aC
or
Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como coordenador de
od V
integração acadêmica de extensão. Compõe, ainda, o Comitê Nacional de
aut
Prevenção e Combate à Tortura e a Comissão Permanente dos Direitos da
População em Situação de Privação de Liberdade do Conselho Nacional dos
Direitos Humanos (CNDH) do Ministério dos Direitos Humanos. Presidente
R
do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro.
o
Rafael Ventimiglia dos Santos
aC
Tem experiência na área de Psicologia com ênfase em Psicologia Clínica
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
- CEDS/SEJUDH.
or
Federal de Mato Grosso (2015), com bolsa CAPES. Graduada em Psicolo-
od V
gia pela Universidade Federal de Mato Grosso (2013). Desenvolveu durante
aut
a graduação Projeto de Pesquisa pelo Programa Voluntariado de Iniciação
Científica (2009-2010) e pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Científica (2010-2011), com bolsa CNPq. Realiza estudos sobre os processos
R
de medicalização e farmacologização da existência, capitalização da vida
nos mercados de saúde, produção de subjetividades e interlocuções entre os
o
estudos foucaultianos e feministas. Atualmente é Professora Titular do Curso
aC
de Psicologia do UNIVAG - Centro Universitário de Várzea Grande.
Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002 - Tese:
a re
Estudos sobre Drogas (UFC) e colabora com: Núcleo de Estudos sobre Práticas
Discursivas e Produção de Sentidos (PUC – SP); Núcleo de Lógicas Institucionais
e Coletivas (PUC – SP); Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Drogas (UFCG)
ão
or
cologia pela Universidade de Brasília (2006 e pós doutora em Ciências da
od V
Reabilitação pela Universidade de Dortmund - Alemanha (2012). Durante o
aut
mestrado, investigou a relação mãe-criança na situação de banho, no doutorado
ampliou seu foco e investigou a estrutura e dinâmica das relações familia-
res em uma comunidade ribeirinha da Amazônia. Atualmente é professora e
R
diretora adjunta do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC/
UFPA) onde ocupa o cargo de Diretora Academica da Unidade além de atuar
o
no Programa de Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTPC). Além das
aC
atividades desenvolvidas no PPGTPC atua na faculdade de psicologia e no
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Tatiana Bichara
Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (1998) e mestrado em Psicologia Social (Núcleo Organização e Ação Social
– prof. Dr. Peter Spink) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003).
É doutora em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de
par
or
Thamyris Maués dos Santos
Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento (PPGTC/UFPA) (2019). Pro-
od V
aut
fessora da Faculdade Uninassau - Belém (Grupo Ser) (2018-). Mestra em Teoria e
Pesquisa do Comportamento (2013). Psicóloga formada pela Universidade Federal
do Pará (2010). Participante do Programa Nacional de Cooperação Acadêmica
R
(PROCAD-NF/ CAPES), com Mestrado Sanduíche no Programa de Pós-Gra-
duação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGP/
o
UFRGS). Integrante do Laboratório de Ecologia do Desenvolvimento Humano
aC
(LEDH), do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (NTPC-UFPA).
28/02/2020 13:14:03
or
V
aut
CR
do
SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 x 19,3 cm
Tipografia: Times New Roman 11,5 | 12 | 16 | 18 pt
Arial 6,5 | 8 | 9 pt
Papel: Pólen 80 g/m² (miolo)
Royal Supremo 250 g/m² (capa)