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DIFERENÇA,
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SAÚDE COLETIVA
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E FORMAÇÃO
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dispositivos transdisciplinares
nas políticas públicas
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Coleção
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Transversalidade e Criação
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Ética, Estética e Política
Volume 12
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João Paulo Pereira Barros
Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo
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Karla Dalmaso de Souza
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Lauany Câmara Chermont Pinheiro
Marcelo Moraes Moreira
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Bárbara Moraes de Carvalho Leite
Eleazar Venancio Carrias
o
Ronilda Bordó de Freitas Garcia
aC Pamella Augusta Passos Ventura Pina
Marcelo Ribeiro de Mesquita
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Editora CRV
Curitiba – Brasil
2021
Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Imagem da Capa: Pixabay
Revisão: Analista de Escrita e Artes
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
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P962
Produção da diferença, saúde coletiva e formação: dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas
o
/ Flávia Cristina Silveira Lemos, Dolores Galindo, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, Aluísio Ferreira de Lima,
João Paulo Pereira Barros, Patrícia do Socorro Magalhães Franco do Espírito Santo, Karla Dalmaso de Souza,
aC
Lauany Câmara Chermont Pinheiro, Marcelo Moraes Moreira, Bárbara Moraes de Carvalho Leite, Eleazar
Venancio Carrias, Ronilda Bordó de Freitas Garcia, Pamella Augusta Passos Ventura Pina, Marcelo Ribeiro
de Mesquita, Sheyla Pereira Rocha, Cristina Simone de Sousa Reis, Helder Côrrea Luz, Daniel Castro Silva
DOI 10.24824/978655868956.0
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2021
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 - E-mail: sac@editoracrv.com.br
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Conselho Editorial: Comitê Científico:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andrea Vieira Zanella (UFSC)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Christiane Carrijo Eckhardt Mouammar (UNESP)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Edna Lúcia Tinoco Ponciano (UERJ)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Edson Olivari de Castro (UNESP)
or
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Érico Bruno Viana Campos (UNESP)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Fauston Negreiros (UFPI)
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Carmen Tereza Velanga (UNIR) Francisco Nilton Gomes Oliveira (UFSM)
aut
Celso Conti (UFSCar) Helmuth Krüger (UCP)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Ilana Mountian (Manchester Metropolitan
Três de Febrero – Argentina) University, MMU, Grã-Bretanha)
R
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Jacqueline de Oliveira Moreira (PUC-SP)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Marcelo Porto (UEG)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Marcia Alves Tassinari (USU)
o
Élsio José Corá (UFFS) Maria Alves de Toledo Bruns (FFCLRP)
aC
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Mariana Lopez Teixeira (UFSC)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Monilly Ramos Araujo Melo (UFCG)
Gloria Fariñas León (Universidade Olga Ceciliato Mattioli (ASSIS/UNESP)
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
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amparo parecem se dissolver como efeitos de processos de individualização,
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competição, quebra de laços sociais e privatismos variados. Nesta coletânea
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internacional, temos capítulos forjados à moda da resistência de grupos e
intelectuais, trabalhadores(as) que ousam lutar com a escrita, docência, exten-
são e a pesquisa, em um crucial tripé da formação universitária. Temos aqui
R
reunidos textos das seguintes universidades: UFPA, CUCSH (México), CUCS
(México), UFRA, UFAM, UFC, UFRJ, UFAC, UFMA, UFMT, UFRGS,
o
UNESP, UFMG, UFRB, UFBA, UFDPar, IFPA, UNIP, UNIPAR, UNINAS-
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SAU, UNAMA, UNOESTE, FACAP, UNIMEP, Estácio de Sá e UNICEUB.
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APRESENTAÇÃO
Este livro é uma coletânea internacional, formada por capítulos consti-
tuídos em níveis e camadas de aberturas em correlações diagramáticas, esca-
or
pando às classificações rápidas e reducionistas dos saberes cristalizados em
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disciplinas, teorias, métodos e técnicas. Visa-se operar uma radical transmu-
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tação da ordem discursiva e embaralhar os regimes de verdade forjados pelos
diferentes modos de produção dos dispositivos institucionais.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO........................................................................................... 13
or
A ESQUIZOANÁLISE COMO MÁQUINA DE GUERRA............................... 21
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Marcio José de Araújo Costa
aut
O RIZOMA COMO PERSPECTIVA PROBLEMATIZADORA NA
R
EPISTEMOLOGIA DA ARQUEOLOGIA........................................................ 31
Flávio Luiz de Castro Freitas
Arkley Marques Bandeira
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POR PROCESSO DE DESMEDICALIZAÇÃO ESCOLAR:
reflexões para novas possibilidades na sala de aula....................................... 43
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Fabiola Colombani
Alonso Bezerra de Carvalho
visã
Brunno C. Bonini Luengo
Dolores Galindo
Franco Farias da Cruz
Daiane Gasparetto da Silva
Renata Almeida
Carolline Septimio
or
Ataualpa Maciel Sampaio
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FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA A PARTIR DOS ESTÁGIOS: desafios
aut
metodológicos e políticos para a instituição de trabalhadores....................... 223
Rodrigo Toledo
R
João Eduardo Coin de Carvalho
o
psicologia e a educação................................................................................. 233
Rafaele Habib Souza Aquime
aC
Fernanda Cristine dos Santos Bengio
Fernanda Teixeira de Barros Neta
or
Normando José Queiroz Viana
Thuany Steffane Lima Martins
od V
Mariane Lopes da Paixão Costa
aut
ECOS NEOLIBERAIS E PUNITIVISMO JUVENIL..................................... 333
R
Valber Luiz Farias Sampaio
Cyntia Santos Rolim
Rafaele Habib Souza Aquime
o
aC
FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO CÁRCERE: uma proposta em
educação de jovens e adultos privados de liberdade.................................... 345
Fernanda Nazaré da Luz Almeida
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Bernardo Jiménez-Domínguez
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Vanessa Goes Denardi
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SUBJETIVIDADE POLÍTICA:
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quando novos sujeitos políticos emergem na cena....................................... 449
Vinicius Furlan
R
Emanuel Messias Aguiar de Castro
o
Diana Coeli Paes de Moraes
aC
Bárbara Moraes de Carvalho Leite
or
Antônio Soares Júnior
Pamella Augusta Passos Ventura Pina
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Cristina Simone de Sousa Reis
aut
PANÓPTICO, BIOPOLÍTICA E A NECROPOLÍTICA NA PANDEMIA
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DO NOVO CORONAVÍRUS: o enxame viral............................................... 583
Flávia Cristina Silveira Lemos
o
Felipe Sampaio de Freitas
Dolores Galindo
aC
Jéssica Modinne de Souza e Silva
Fabiana de Lima e Silva
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or
PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO EM TERRITORIALIDADES
URBANAS: deslocamentos decoloniais na pesquisa-inter(in)venção
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em psicologia................................................................................................. 665
aut
João Paulo Pereira Barros
Lara Brum de Calais
R
Dagualberto Barboza Silva
Carla Jéssica de Araújo Gomes
o
PSICOLOGIA SOCIAL CRÍTICA E MATERIALISMO HISTÓRICO-
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DIALÉTICO: alguns elementos para o debate.............................................. 681
Robert Damasceno Rodrigues
or
Marcio José de Araújo Costa
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Estamos há pouco mais de 50 anos dos eventos de maio de 1968, período
este tão curto quanto intenso, que deixou profundas marcas em nossa Cultura
e História. Esse movimento traçou novos rumos para a ação política, para o
R
comportamento, para o pensamento e talvez até mesmo para os nossos sonhos e
desejos. Uma das frases que os estudantes parisienses pintavam nos muros era:
o
“Sejamos realistas: tentemos o impossível!” Neste breve capítulo tentaremos, ins-
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pirados pelas efemérides dos 50 anos do mês que marcou o mundo, falar de uma
teoria e prática forjada tendo por inspiração aquele movimento: a esquizoanálise.
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cismos cotidianos que nos fazem amar o poder, ficar do lado do poder (FOU-
CAULT, 1991). A pergunta que anima a esquizoanálise é: por que desejamos
Ed
mulam nosso clamor para que o poder estatal controle cada vez mais nossas
vidas – clamor esse diretamente proporcional à nossa falta de alternativas
s
or
todo conceito é uma multiplicidade de limites imprecisos, remetendo sempre
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a outros conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 1992).
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É comum dizermos, ainda que de forma velada, que o pensamento possui
uma forma necessária e absoluta, lógica e universalmente válida, mediante a qual,
por meio de conteúdos os mais diversos, conseguiríamos alcançar um conheci-
R
mento verdadeiro. Este postulado anima o pensamento Ocidental há alguns sécu-
los, pelo menos desde Aristóteles. Quando afirmamos, do alto de nossa certeza
o
racional, que o psicótico delira e que a forma correta de pensar é a neurótica, forma
aC
em que o pensamento segue uma linha lógica e gramaticalmente correta, com
do-se o próprio modelo do que significa pensar. Como todo modelo, é estático,
servindo como critério para toda construção mental. Segundo Deleuze e Guattari
(2012a), a forma Estado possui duas cabeças: o mito e o discurso racional. Estas
cabeças remetem aos dois polos da soberania: de um lado, um Império do pen-
sar verdadeiro, a verdade como o Sol, que funda toda pretensão à verdade; de
par
me engano, e sei que me engano ou erro, é porque tenho em mim uma ideia,
ainda que vaga, de que existe uma verdade que está em mim e me julga, que me
alerta sobre o que posso, ou não, saber, sobre os erros e acertos do meu pensar.
Acabamos, com isso, por fundamentar a própria soberania política. Esta
ideia, de matriz platônica, anima todo empreendimento de fundação e funda-
mentação racional da soberania política, do Estado. Porém, antes de Platão,
segundo afirmam etnólogos e historiadores, essa forma-Estado no pensa-
or
mento, essa imagem do pensamento, tem dois representantes originários: o
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imperador, deus ou representante do deus, e os sacerdotes ou escribas, que
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interpretam os sinais da natureza para nos dizer que tudo significa Deus ou
os deuses (CLASTRES, 1982; DELEUZE; GUATTARI, 2010). Trata- se do
R
mecanismo da interpretação dos escribas e sacerdotes, esboço do pensamento
dialógico ou racional, e da fundação da verdade por um déspota, que diz o que
o
é a verdade. Enquanto o Imperador funda a verdade, como o significante do
Um, os sacerdotes interpretam todos os significantes da Lei para fundamentar
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Igreja. Nos séculos XVIII e XIX, esse sábio foi o filósofo, aquele que por meio
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nos aproximar (DELEUZE, 2006). Todavia, Deleuze enxerga uma outra forma
de pensar, um pensamento sem modelo ou imagem, um pensar como processo,
como afetação, como construção e produção de modos de vida. Este pensa-
mento sem imagem seria, por outro lado, ético, ontológico, pluralista e trágico
(MACHADO, 2009). Mas como se encontra esse pensamento sem imagem?
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Como podemos nos subtrair ao Estado que nos impõe suas formas corretas de
pensar e agir e seus representantes da Lei e da Ordem, seus policiais intelectuais?
O que efetivamente permite que se ligue a Lei ou Verdade à república
de espíritos livres é uma violência insidiosa e molecular, toda uma produção
descontínua, fragmentária e afetiva, que ata milhares de pensamentos des-
contínuos à forma da verdade. A Lei do verdadeiro não se faz sem batalhas,
sem uma apropriação desse nível molecular por uma ideia molar. Porém a
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produção molecular no pensamento, feita de variações de afetos e marcas dos
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encontros, é independente do recobrimento molar, representativo e estatal que
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se possa fazer dela (DELEUZE, 2016). Essa usina fervilhante de pensamentos
nos indica o que seria o pensamento sem imagem. O pensador desse tipo é o
R
nômade ou o pensador privado. Ele se opõe ao pensador de Estado, o professor
público, o pedagogo do pensamento, o sacerdote funcionário do poder estatal.
o
Chamamo-lo de pensador privado não porque ele seria um burguês fechado
em seu quarto com suas elucubrações íntimas. O pensador privado é, acima
aC
que o impede de se exercer e que querem impor uma maneira única e cor-
reta de pensar (DELEUZE; GUATTARI, 2012a). A máquina de guerra faz o
pensamento nascer. Não pensamos em virtude de uma faculdade do sujeito.
O pensamento não é natural, mas nasce em virtude de um encontro, surge de
par
fazer entender por uma outra diferença por meio da exterioridade das relações.
A semelhança é um produto de uma luta, uma construção, nascida de uma
multiplicidade diferencial fundamental. Não são os semelhantes que diferem,
mas sim as diferenças que se assemelham (DELEUZE, 2003). Uma faculdade
não nasce pronta, ela se produz no esforço da criação.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 25
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usos e apropriações dos mesmos, das forças que subjugam as ideias e valores
od V
para dar sentido à vida. A interpretação, segundo a esquizoanálise, seria mais
aut
próxima da ideia da interpretação na música: um problema de uso, de varia-
ções de intensidade, de ritmo, de espera e precipitação (GUATTARI; ROL-
NIK, 2010). A Máquina de guerra como processo de pensamento é pluralista
R
a avaliativa. Pluralista porque tem muitas perspectivas, tão diferenciais quanto
as expressões possíveis de vida; avaliativa porque avalia o sentido dos valores
o
(DELEUZE, 2018). Por isso, podemos dizer que um pensamento máquina de
aC
guerra é funcional, funcionalista. Não se preocupa com os significados das
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coisas, já que não há nada atrás das mesmas, como uma verdade única a ser
encontrada. Não se preocupa também com a definição, pois uma definição é
apenas uma força hegemônica que deu nome a uma coisa em uma determinada
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época (NIETZSCHE, 1991, 1998). A máquina de guerra esquizoanalítica
se preocupa com o funcionamento. Como funciona isso? Com que peças?
Conectada com o que? Produzindo o que? São estes os problemas de uma
itor
coletivo, uma população, mas este povo sempre falta (DELEUZE, 2013). O
Ed
povo que cria a máquina de guerra é sempre um povo oprimido. Assim como o
pensamento só nasce de encontros, da violência do acaso, a máquina de guerra
é a criação de um povo oprimido pelo acaso das lutas históricas. Por isso a
ão
dissemos, uma forma molar que recobre a produção molecular. Logo, não é por
ver
É nesse nível que a máquina de guerra promove a guerra, ainda que não seja
necessariamente violenta, contra o aparelho de Estado.
A essa altura, podemos encontrar os tipos personológicos ou personagens
conceituais que dizem respeito a cada uma das formas de pensar. O personagem
que a forma Estado impõe é, de um lado, o sacerdote ou escriba, aquele que
sabe a lei e nos a impõe, e o seu correlato, o indivíduo escravizado, o cidadão
disciplinado e docilizado, o sujeito uno e sintético, com seu senso comum e
or
bom senso, capaz de referir tudo a si, pois em si habita o Todo, o Imperador, o
od V
significante despótico, a Lei internalizada, a Verdade única. Por outro lado, o
aut
personagem conceitual da forma de pensamento máquina de guerra, que é um
pensamento sem imagem, é o nômade, o pensador privado, o experimentador,
o coletivo, mesmo quando se está absolutamente só, nunca fechado na forma
R
do eu, mas sim um revolucionário que busca criar formas de pensar e viver
que possam simular o desejo e o pensamento nascidos dos percursos que se
o
trilha. Quando Deleuze e Guattari falam do esquizofrênico, é preciso enten-
aC
der tal termo como a descrição de um personagem conceitual (DELEUZE;
diversas filosofias, condicionando suas soluções, a tal ponto que Kant chegou
a afirmar que a questão central, que sintetizava todas as outras em sua filosofia,
era: o que é o homem?
A forma de vida presente nos sacerdotes ou escribas remete a uma forma
de vida de tipo paranoico. Paranoia, aqui, não é pensável como uma patolo-
par
gia, como se existisse uma forma normal de ser; a própria noção de normal
Ed
vida paranoico, pois teme-se que o novo possa despedaçá-lo. Por outro lado, o
ver
formas de vida estratificadas que são suportes mínimos para o desejo. Quando
se dissolve tudo sem que nada se crie, ou quando a criação é absorvida somente
pelo movimento de destruição, corre-se o risco de cair numa linha de pura abo-
lição e morte (DELEUZE; GUATTARI, 2012c). O nazismo ou o fascismo não é
propriamente um desejo de conservação (este seria a paranoia e o totalitarismo),
mas um desejo de morte que quer abolir tudo, uma linha revolucionária de puro
vazio, um desejo maníaco pela destruição para supostamente criar tudo do nada.
or
Os microfascismos, nesse sentido, só produzem ainda mais endurecimento nos
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modos de vida, pois, depois do seu movimento de destruição, acaba por permitir
aut
que os estratos paranoicos se cristalizem ainda mais à nossa volta, fechando o
espaço para outros modos de vida mais potentes que querem se esboçar.
R
Em vista disso, podemos pensar sobre que critério temos para escolher
entre esses dois tipos de modos de vida, com suas respectivas formas de pen-
o
sar. Será que com esse pensamento pluralista não se recairia numa relativismo
de tipo pós-moderno, onde tudo é nada e nada é tudo, um niilismo tosco, uma
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ele mesmo seja avaliado por nada, é a própria vida (NIETZSCHE, 2005). A
vida que quer sempre mais vida, crescimento, multiplicação e diferenciação.
Um pensamento e modo de vida que nos enfraqueça, que destile a falta, o
ão
REFERÊNCIAS
AGOSTINHO, Sto. A Verdadeira Religião. São Paulo: Paulus, 2002.
or
p. 63-104.
od V
DELEUZE, G. Controle e Devir. In: DELEUZE, G. Conversações. 3. ed. Rio
aut
de Janeiro: Editora 34, 2013, p. 213-222.
R
DELEUZE, G. Desejo e Prazer. In: DOIS regimes de loucos: textos e entre-
vistas (1975-1995). São Paulo: Editora 34, p. 127-138, 2016.
o
aC
DELEUZE, G. Diferença e Repetição. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é a Filosofia? São Paulo: Ed. 34, 1992.
ão
Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 2012a,
p. 11-118. v. 5.
or
od V
FOUCAULT, M. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martis Fontes, 2002.
aut
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. 10. ed.
Petrópolis: Vozes, 2010.
R
MACHADO, R. Deleuze, a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
o
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NIETZSCHE, F. Genealogia da Moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia
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Flávio Luiz de Castro Freitas
aut
Arkley Marques Bandeira
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Breve estado da questão na epistemologia dos artefatos
o
A arqueologia se difere de outras áreas das ciências humanas por
aC
seus objetos de estudo, visto que a base da construção do conhecimento é
alicerçada na identificação e estudo dos sítios arqueológicos e dos materiais
neles presentes. Logo, a escavação dos sítios e a descoberta destes vestígios
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os produziram. Logo, a agência dos artefatos deve ser buscada nas relações entre
ver
or
a virada epistemológica dada pela arqueologia nos primórdios do século XX,
od V
resultou, dentre outras coisas, da percepção de que os aspectos materiais das
aut
civilizações é um dos caminhos para a diferenciação e a diversidade cultural.
No entanto, apenas no Pós-Segunda Guerra Mundial surgiram os primeiros
marcos para o estudo dos artefatos, muitos deles advindos da historiografia
R
francesa influenciada pela escola dos Annales, criada por Marc Bloch e Lucien
Febvre. Ainda na década de 1960, uma influência marcante surgiu da abordagem
o
semiológica, que considerava o objeto como um signo e a cultura material
aC
como um sistema discursivo. Nas últimas duas décadas, um novo elemento foi
or
Conceitualmente, os artefatos são objetos móveis modificados pelos
od V
povos, como os utensílios líticos, artefatos cerâmicos, instrumentos de
aut
metal, objetos de vidro, além de uma infinidade de outras categorias. Alguns
arqueólogos ampliaram o significado do termo artefato, para incluir todos os
elementos de um assentamento ou da paisagem modificados pelo homem,
R
como furos, buracos de armazenagens, postes (RENFREW, BAHN, 1993).
No entanto, estes componentes são considerados mais como estruturas
o
arqueológicas, visto que, em essência, artefatos não portáteis.
aC
Para Lucia Van Velthem (2012), os artefatos e objetos podem ser únicos,
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qualquer outro registro arqueológico que podem ser interpretados como sendo
ver
or
Este novo olhar vem superando o tratamento funcionalista e determinista
od V
no estudo artefatual, considerando-os como texto passível de ser lido e
aut
interpretado. Além disso, as construções materiais trazem consigo princípios
organizacionais mentais que estruturam o modo de fazer essencialmente
humano e dão pistas sobre o passado.
R
Para Shanks e Tilley (1987), os artefatos devem ser considerados
como uma produção social, ao invés de uma criação individual. Eles
o
podem ser concebidos como uma forma de comunicação ou mesma uma
aC
forma de “escrita”, visto que estão estruturados por significações. Eles
or
relações que existem entre o desejo e o social, bem como de que maneira o
od V
desejo é capaz de desejar sua própria repressão. A tese para desenvolver essa
aut
investigação propõe que o inconsciente é uma usina produtora de conexões.
A segunda parte desse projeto trata da teoria das multiplicidades, a qual está
publicada no texto de Mil platôs de 1980.
R
Naquilo que tange à aparição explicita e não apenas latente do conceito de
rizoma, ela aconteça mais precisamente num livro de 1975, cujo título é Kafka: por
o
uma literatura menor. Nesse trabalho de 1975, Deleuze e Guattari postulam que o
aC
desejo é processo e procedimento à medida em que constituí máquinas políticas
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or
um tubérculo que aglomera atos muito diversos, linguísticos, mas também
od V
perceptivos, mímicos, gestuais, cogitativos: não existe língua em si, nem
aut
universalidade da linguagem, mas um concurso de dialetos, de patoás, de gírias,
de línguas especiais. Um método de tipo rizoma é obrigado a analisar a linguagem
efetuando um descentramento sobre outras dimensões e outros registros.
R
O princípio da multiplicidade postula que o rizoma não possui nem
sujeito, nem objeto, mas apenas dimensões que à medida em que crescem
o
por conexão mudam de natureza, pois cada dimensão (cadeia semiótica e atos
aC
que compõe a cadeia semiótica) é diferente da outra em respeito ao princípio
que há ruptura no rizoma cada vez que linhas segmentares explodem numa
linha de fuga, mas a linha de fuga faz parte do rizoma. Estas linhas não
param de se remeter umas às outras. A linha de fuga compõe o rizoma, mas é
ão
ancorada no real. O mapa não produz nada, mas constrói tudo, inclusive
ver
or
posições numa estrutura profunda, são opções políticas para problemas, entradas e
od V
saídas, impasses que a criança vive politicamente, quer dizer, com toda
aut
força de seu desejo, o qual se move por rizoma. O rizoma funciona por meio
de impulsões exteriores e produtivas. Na verdade, o rizoma se move por
impasses, pois dele decorrem linhas de fuga e novas conexões heterogêneas,
R
que terminam por modificar o próprio rizoma. Então, o pré-requisito para
que haja uma movimentação e transformação no rizoma, mediante uma nova
o
conexão, é o impasse.
aC
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produtivo rizomático, reunindo conhecimento tradicional, influências exte-
od V
riores, poder de decisão, experimentação, repetição, bem como as motivações
aut
relacionadas com as questões de para que fazer e como fazer, pois como ressal-
tou Van Der Leeuw (1993), as escolhas, mais que os materiais e instrumentos
são cruciais na determinação da natureza e forma dos produtos.
R
Técnicas não podem ser usadas isoladamente, pois devem ser encara-
das como uma arena de mediação entre o que é materialmente possível ou
o
impossível, em certos aspectos de organização social. Técnicas não podem
aC
ser estudadas em termos estáticos, mas como um lócus de transformação em
• Das técnicas em si, que são entendidas como uma ação humana
efetiva levada adiante a partir da inter-relação de elementos como
ão
or
substância, a exemplo da matéria-prima, em um produto manufaturado, que
od V
envolvem o próprio corpo.
aut
É importante destacar que em todas as sequências culturais escolhas
foram feitas em consonância com o contexto natural, social e simbólico de
grupos humanos. Para Schiffer e Skibo (1987) as escolhas técnicas determinam
R
as propriedades formais ou os atributos dos artefatos.
Por sua vez, as propriedades formais afetam as características das per-
o
formances e das próprias cadeias semióticas, ou seja, a capacidade compor-
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tamental que um artefato deve possuir com vistas a partilhar suas funções em
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Considerações finais
or
por meio do conceito de rizoma.
od V
Semelhante vetor foi a posição de Lemonnier, a qual postulava a
aut
discussão do sistema tecnológico artefatual em três dimensões distintas e
complementares: técnicas, inter-relação entre as técnicas e a relação entre
as técnicas com outros fenômenos da ordem do artifício. Esse entendimento
R
permite a passagem do decalque para o mapa ao relacionar cadeias semióticas
heterogêneas com o fito de mostrar a dinâmica da produção de artefatos.
o
Essa dinâmica pode ser considerada o exercício da conexão entre cadeias
aC
REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos objetos. São Paulo: Perspectiva, 1973.
or
mundo. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
od V
aut
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs, volume 1. Tradução: Auré-
lio Guerra Neto e Célia Pinto Costa. São Paulo: Editora 34, 2000.
R
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O Anti-Édipo. Capitalismo e Esqui-
zofrenia, v. 1. Tradução de Luiz B. L. Orlandi. São Paulo: Editora 34, 2010.
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
e Etnologia-USP, 2007.
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od V
Brasileiro, 2003. Tradução Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires.
aut
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Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2011, v. 6 n. 1, p. 11-23, jan./abr. 2011.
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MOLES, Abraham. A teoria dos objetos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.
aC
VAN DER LEEUW, Sander Ernst. Giving the potter a choice. In: LEMON-
NIER, Pierre. (ed.). Technological choices: transformation in material culture
s
or
possibilidades na sala de aula
od V
aut
Fabiola Colombani
Alonso Bezerra de Carvalho
R
Brunno C. Bonini Luengo
o
Introdução
aC
A sociedade contemporânea está envolta por problemas e desafios cole-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
pretendido. Nessa lógica invertida, o diferente, que inclui também aquele que
sofre os efeitos da desigualdade social, passa a ser individualizado, ou se pre-
ferirmos, desindividualizado e invisibilizado, tendo como consequência a sua
exclusão dos bens e direitos que deveriam ser comuns e usufruídos por todos.
par
isto é, fundada em um saber que endossa ideias e práticas que legitimam os dita-
mes da ciência moderna. É como se houvesse genes que comandassem compor-
tamentos tão complexos e considerados desviantes como aqueles que conduzem
ão
impostas por diversas esferas sociais, entre elas: a educação e a saúde. Um dos
resultados dessas escolhas e práticas é a lógica medicalizante, que se estendeu
e se implantou na sociedade, com consequências profundas até os dias atuais,
merecendo, portanto, reflexões não apenas para compreender o fenômeno, mas,
sobretudo, para apontar alternativas que a enfrente e a supere. Deste modo, o
presente capítulo se organiza, em um primeiro momento, por expor a medicali-
zação, sobretudo, na escola; em seguida, apresentamos as críticas que a ele são
or
feitas por teóricos consagrados, tais como Foucault e Ivan Illich, entre outros;
od V
por fim, discorrermos acerca de possíveis saídas, no sentido de pensar o que
aut
seria uma educação em uma sociedade desmedicalizada.
o
bastante forte, embora no setor da saúde ele se apresenta de maneira evi-
aC
com a ajuda desses profissionais que não participam do ambiente escolar e que
nada conhecem sobre a realidade educacional em questão. Enfim,
or
nhavam, eram punidas com a palmatória, com puxão de orelha, tapinha,
ou até ajoelhando no milho. Agora, os “desobedientes”, “desatentos” ou
od V
“desconcentrados”, aqueles que insistem em resistir e rejeitar esta escola
aut
como a forma natural de aprender e viver o mundo, são envenenados com
o cloridrato de metilfenidato, substância presente em medicamentos como
R
Concerta e Ritalina (PLAPLER, 2020).
o
médico aplicado à educação praticamente determina e prediz o destino, o existir
aC
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sociais, dos estigmas sociais [...]” (NUNES, 2019, p. 94). Como também,
do papel dos estudantes de medicina que precisam precocemente entrar em
contato com diversas situações a respeito da queixa escolar, para que em sua
s
que rotula o aluno, quando na verdade poderia ser um ambiente para o cultivo de
parcerias altruístas, amigáveis, dialogais, pautadas pela cooperação e o respeito.
or
que as crianças e os adolescentes diferem quanto à sua capacidade de
atenção, são mais ou menos agitados, e acolherem e integrarem esses dados
od V
na sua prática pedagógica, enriquecendo a resposta educativa, eles vão
aut
servir para legitimar a ausência dessa resposta, remetendo a escola para
fora de si essa sua responsabilidade primordial (NUNES, 219, p. 271).
R
Essa visão médica, biologizante e geneticista da e na educação deixa
nebuloso o verdadeiro motivo que leva o aluno a um baixo aproveitamento
o
escolar. O fracasso escolar deveria ser visto, segundo Collares e Moysés
aC
or
a critérios estritamente quantitativos, de maneira a favorecer a elaboração e o
od V
fortalecimento de práticas disciplinares e medicalizantes. A partir de padrões de
aut
comportamento dados a priori e da exigência de que os sujeitos neles se enqua-
drem, essas práticas tornam eficazes os modos de categorizar os indivíduos,
classificando-os, localizando-os e registrando-os nos parâmetros da norma,
R
como já compreendera Foucault, em seu livro Microfísica do Poder (1979).
Enfim, lugar de encontro com o Outro, o que vemos na escola é um pro-
o
cesso de banalização e secundarizarão dos problemas de ensino-aprendizagem,
aC
restringindo as “doenças comportamentais”, os seus diagnósticos e tratamen-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Vigiar e Punir, obra clássica de Foucault (2008, p. 118-119), o autor esclarece:
od V
aut
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo,
que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõe uma relação
de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas” [...] O
R
momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do
corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades,
o
nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação
que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais
aC
Uma norma, uma regra, é aquilo que serve para retificar, pôr de pé, endireitar.
“Normar”, normalizar, é impor uma exigência a uma existência, a um dado,
cuja variedade e disparidade se apresentam, em relação à exigência, como um
indeterminado hostil, mais ainda que estranho [...] Com efeito, uma norma só é
uma possibilidade de uma referência quando foi instituída ou escolhida como
expressão de uma preferência e como instrumento de uma vontade de substi-
tuir um estado de coisas insatisfatórias por um estado de coisas satisfatórias.
or
Ou seja, a aplicação da norma e do que se entende por normal não é
od V
natural, mas sim construído historicamente, revisado e aplicado até ser insti-
aut
tuído como regra, em que o patológico e o anormal passa a ser controlado e
vigiado por tecnologias de maneira a tornar o homem mais produtivo e fun-
R
cional. Uma dessas tecnologias ou meios é o olhar observador, o “olho que
tudo vê”. Descrito pela primeira vez por Jeremy Bentham (2008) no final do
o
século XVIII, esse sistema, chamado por ele de panóptico, seria uma forma de
aC
visibilidade isolada, reconhecida por Foucault como uma tecnologia do poder
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
realmente garante toda a eficácia que possa ser dada à influência da puni-
ção ou do controle [...] Quem quer que seja que estabeleça uma escola de
a re
acordo com o máximo do princípio da inspeção tem que estar bem seguro
a respeito do mestre; pois, da mesma forma que o corpo do menino é o
fruto do corpo de seu pai, sua mente é o fruto da mente de seu mestre;
com nenhuma outra diferença que não aquela que existe entre o poder de
par
diz sobre o outro o que ele nem mesmo sabe: um exemplo disso atualmente
são as cadernetas dos professores e os boletins dos alunos abertos no dia de
conselho escolar e os laudos, que com sua Classificação Internacional de
s
Todas essas técnicas disciplinares são utilizadas até hoje como recursos
para um “bom adestramento”, e com a adoção de novas tecnologias tem um
objetivo - o corpo dócil como única mira do poder. Todas aquelas investidu-
ras violentas foram gradativamente dando lugar a outras formas de punição,
menos ruidosas, menos visíveis e nas quais o sofrimento físico e a dor tendiam
a ser atenuados. Acerca dessa questão Gadelha (2009, p. 79) contribui dizendo:
or
É nessa perspectiva que devemos entender a psicologização e a psiquia-
trização da infância: de um lado, produção dos “sujeitos-alunos-normais”,
od V
de outra, produção dos “sujeitos-alunos-problema”, dos “deficientes”,
aut
dos “anormais”, dos “incorrigíveis”, dos “carentes”, etc. É mediante tais
mecanismos, além disso, que a escolarização afeta a família nuclear, regu-
R
lando-a e induzindo-a a agir em conformidade e em complementaridade
com os processos de normalização propriamente escolares, mas também
com os processos de normalização médicos, assistenciais, etc.
o
aC
força sobre o outro que o imobiliza, que gera uma pseudo paz, em uma relação
que na falta da reação do outro perpetua-se o poder e os mecanismos de controle.
Ao desejar a cura e soluções mágicas para problemas que envolvem a
ão
O médico, por sua posição, representa uma classe que se encarrega de uma
série de preceitos de normalidade, bem como outros profissionais, tais como os
psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, biólogos, farmacêuticos,
nutricionistas, educadores, entre outros. Essa figura do saber-poder não é recente,
mas é um mecanismo político que gera tecnologia e é proveniente da disciplina
ainda da Idade Média e até mesmo da Antiguidade, que se solidificou no século
XVIII. A disciplina nada mais é que a inserção dos corpos em um espaço indi-
or
vidualizado, institucionalizado, classificatório e contínuo que se torna submisso
od V
e alvo de poder. E a medicalização escolar nada mais é do que o seu corolário
aut
contemporâneo, como podemos ver também no filósofo austríaco Ivan Illich.
Em sua obra mais conhecida, Sociedade sem Escolas (1985), Illich traz
uma crítica contundente a respeito da institucionalização e da mercantilização
R
da escola, de ter se tornado lugar legitimado para a normatização e para o
controle do outro bem como se colocar como o único meio para um futuro
o
profissional promissor. Neste sentido, ele considera como importante um
aC
processo de desescolarização da sociedade, por ser uma instituição que ao
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aula, ou seja, os alunos não participam dessa decisão e nem tampouco têm a
liberdade de expressar seus interesses.
Para Illich, a sociedade necessita reinventar outra forma de aprender,
pois a escola que temos não está preparada para ensinar. Um bom sistema
educacional seria composto por escolas que seriam capazes de
par
[...] dar a todos que queiram aprender acesso aos recursos disponíveis, em
Ed
que tenham possibilidade de que seu desafio seja conhecido. Tal sistema
requer a aplicação de garantias constitucionais à educação. Os aprendizes
não deveriam ser forçados a um currículo obrigatório ou à discriminação
s
or
principal discussão a ação médica e seu domínio sobre o corpo individual e
od V
coletivo, inclusive na instituição escolar. Segundo Moysés e Collares (2013,
aut
p. 13), ao usar o conceito de medicalização, Illich quer
R
dades das pessoas de lidarem com os sofrimentos e perdas decorrentes da
própria vida e com a morte, transformando as dores da vida em doenças.
o
Segundo o autor, a vida estaria sendo medicalizada pelo sistema médico
aC
que pretendia ter autoridade sobre pessoas que ainda não estariam doentes
do aluno, pois muitas vezes ela torna-se uma instituição tão dependente do
a re
or
aos professores, como já dissemos, eles já fizeram a sua parte anteriormente,
od V
relatando ou corroborando as queixas que os próprios pais apontam sobre
aut
seus filhos, facilitando a elaboração de laudos médicos que se tornam fontes
lucrativas para a indústria farmacológica.
Entretanto, nem tudo está perdido. Há experiências e ideias no Brasil e
R
no mundo que já estão superando aquilo que parece estar consolidado e aceite
pela comunidade escolar bem como pela comunidade científica, inclusive no
o
campo da educação. É na perspectiva de interpelar e problematizar a maneira
aC
medicalizante de conceber e praticar a educação que encontramos nas escolas
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democráticas uma possibilidade e uma saída, de tal forma que o aluno mal
comportado, desinteressado e “bagunceiro”, em uma palavra, o diferente,
possa ser respeitado em sua alteridade. Dizemos alteridade, pois aí está uma
visã
questão ética a ser considerada pelas escolas e a sociedade, tendo em vista a
questão do Outro, aquele que é diferente de mim e que precisa ser respeitado
e não submetido a um diagnóstico que pretende apenas domesticá-lo e des-
itor
tudo dentro de uma lógica capitalista, que deseja preparar o aluno para os
Ed
Era preciso repensar a escola, pô-la em causa. A que existia não funcio-
nava, os professores precisavam mais de interrogações do que de certezas.
Concluímos que só pode haver um projeto quando todos se conhecem entre
si e se reconhecem em objetivos comuns. Apercebemo-nos que um dos
maiores óbices ao desenvolvimento de projetos educativos consistia na
prática de uma monodocência redutora, que remetia os professores para
o isolamento de espaços e tempos justapostos, entregues a si próprios e
or
à crença numa especialização generalista. Percebemos que se há alunos
com dificuldades de aprendizagem, também os professores têm dificul-
od V
dades de ensino. Obrigar cada um a ser um outro igual a todos, é negar a
aut
possibilidade de existir como pessoa livre e consciente. Na nossa escola
todos trabalham com todos. Assim, nem um aluno é aluno de um professor
R
mas sim de todos os professores, nem um professor é professor de alguns
alunos, é professor de todos os alunos. Hoje, a nossa Escola assenta na
autonomia dos alunos (ESCOLA DA PONTE, 2020).
o
aC
Quando se decide fazer uma escola para a liberdade, deixando que seus
s
or
exterior”, conforme aponta a proposta pedagógica da Escola de Summerhill.
od V
aut
A filosofia da escola é permitir a liberdade do indivíduo - cada criança é
capaz de seguir seu próprio caminho na vida e seguir seus próprios interes-
ses para se transformar na pessoa que ela pessoalmente sente que deve ser.
R
Isso leva a uma autoconfiança interior e uma aceitação real de si mesma
como indivíduo. Tudo isso é feito dentro da estrutura de autogoverno
o
[self-government] da escola, por meio de reuniões escolares que estão no
aC
centro da escola e enfatizam a distinção entre liberdade e licenciosidade
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está a dimensão ética, o que significa dizer que desde a formação dos futuros
a re
mas é inútil encher a cabeça das pessoas antes da prática. O que importa é
partir dos problemas de ensino para, através da pesquisa, procurar a teoria
que os resolva. Está tudo invertido (PACHECO, 2020).
ão
or
de formação humana e esclarecida preconizada por Kant (1974). Se neste
od V
modelo de ação – a medicalização - a criança é menorizada, desconsiderada
aut
em sua autonomia, passando a ser tutelada e controlada, para Kant o sentido
e o objetivo da educação é justamente o contrário. Para ele, se formar, ou
melhor, esclarecer-se é justamente
R
a saída do homem de sua menoridade [...]. A menoridade é a incapaci-
o
dade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo
aC
[...]. É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da
movimento livre. Por isso, são muito poucos aqueles que conseguiram,
a re
Considerações finais
or
Esse processo de empobrecimento da subjetividade humana por meio das
od V
condutas medicalizantes, que rotulam e deformam a verdadeira origem das
aut
manifestações estudantis, podem impedir o desenvolvimento moral do aluno,
uma vez que o mantém na heteronomia, sob a coação e o domínio policialesco,
que normatizando, modelando e punindo aqueles que não correspondem aos
R
desejos de uma sociedade de consumo, com foco em apenas, obter soluções
imediatistas e superficiais.
o
Assim, para combatermos essa ideologia biologizante quem vem car-
aC
regada de um julgamento psicométrico, é importante unirmos condições
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para tal, porém, para isso é preciso antes de qualquer coisa compreender
a maquinaria dos fatos, como também, libertar o pensamento das fórmulas
mágicas, que desde sempre serviram para apenas questionar, mas que em
visã
nada mudam as práticas de uma sociedade que tende à atomização e à uni-
formização das condutas.
E o que fazer diante de tais constatações? Mesmo que teórica, a discussão
itor
aqui feita não quer estar descolada da realidade escolar, mas sim contribuir
a re
para um diálogo efetivo e concreto com chão do pátio, da sala dos professores,
da carteira do aluno enfim, a todos os lugares dentro da escola que clamam
por respeito, pois o único diagnóstico que precisa ser feito é o institucional,
onde as diversas vozes gritam por socorro e pedem urgência no plano de ação.
Ao desejarmos uma sociedade mais justa, com menos desigualdades
par
or
tendo em vista que ambas nasceram de uma concepção de mundo e de ciên-
od V
cia que é cartesiana, que segmenta o conhecimento e o ser, para controlá-lo,
aut
concluímos defendendo que é preciso desmedicalizar a vida como um todo
e a sala de aula como princípio, de tal maneira que aquilo que é visto como
indisciplina, desobediência ou dificuldade de concentração e aprendizagem,
R
seja na verdade reconhecido que, na maioria das vezes, é fruto da falta de
diálogo da instituição escolar com aquilo que tem mais significado para for-
o
mação da subjetividade dos alunos, seus interesses e desejos mais profundos.
aC
REFERÊNCIAS
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od V
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Acesso em: 21 mar. 2020.
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ESCOLA DE SUMMERHILL. Disponível em: summerhillschool.co.uk.
o
Acesso em: 22 mar. 2020.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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contemporâneos. Curitiba: Editora CRV, 2019, p. 267-275.
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S. Mutações do Cativeiro: escritos de psicologia e política. São Paulo: Hacker
o
Editore/ Edusp, 2000, p. 65-83.
aC
or
EMPRESARIAL
od V
aut
Flávia Cristina Silveira Lemos
Hélio Rebello Cardoso Júnior
R
Dolores Galindo
Franco Farias da Cruz
o
Daiane Gasparetto da Silva
aC
Introdução
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Busca-se com este capítulo pensar a sociedade atual por meio de operadores
visã
de Deleuze e Foucault, ao realizarmos conversações entre o panoptismo e socie-
dade de controle em meio aberto pela égide de mecanismos de segurança empre-
sariais. O excesso de visibilidade produz vigilância generalizara e exacerbada,
itor
or
produtos vendidos, na disputa de mercados e na concorrência entre empresas.
od V
A contratação de funcionários e os estilos de vida dos trabalhadores e estudan-
aut
tes passaram a ser parte de uma produção de imagens a comercializar. Assim,
esse artigo tem o objetivo de interrogar as relações constituídas entre marke-
R
ting, subjetividade, educação e política, no presente. Busca-se nas ferramentas
analíticas de Deleuze, Guattari, Virílio, Arendt e Foucault um suporte para
o
questionar a produção histórica das subjetividades imagéticas, das empresas
como marcas a zelar e a construir, a educação empresarial como vetor de
aC
Foucault (2008a) declara que fazer circular é um efeito das práticas neoli-
berais da fabricação de subjetividades capturadas pelos mecanismos produtivos
itor
ções são efeitos de um regime de separação dos que podem circular daqueles
impedidos de fazê-lo, classificados como perigosos e em risco de suposta-
mente, sendo internados, presos e/ou afastados, nas periferias distantes dos
ão
or
faz uma região ser demarcada como zona de risco, área vermelha e, até mesmo
od V
lugar visto enquanto perigoso. As avaliações dos especialistas e peritos para
aut
examinar a condição de vida de cada grupo, comunidade e espaço é reali-
zada por um conjunto de variáveis delimitadas pelo desvio de normas e leis.
Assim, vigiar e criar visibilidade, além de promover imagens empresariais
R
também define táticas de controle social, na política pública, justificado por
encomendas, tais como: realização de denúncias, proteção social pela detec-
o
ção precoce das doenças, prazer de visualizar a vida dos outros, prevenir as
aC
mais variadas formas de violência. Olhar o que se passa com alguém face às
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or
nomicamente rentáveis, no mercado da seguridade social (CASTEL, 1987).
od V
Os sonhos, sentimentos, projetos e conhecimentos passam a ser comer-
aut
cializados pela propaganda e publicidade, no mercado das marcas, o qual forja
a ilusão de ter sucesso e ser aceito (FLUSSER, 2008). O produto vendido
incorpora a imagem da empresa e visa ofertar objetos tais quais kits a vestir
R
para agenciar prestígio e competência investimento. A flexibilidade das ima-
gens deve ser grande em termos da disponibilidade de deixar e construir novos
o
projetos, conforme as encomendas recebidas, no mercado das marcas. A ética
aC
da criação e resistência cede lugar ao desgaste da repetição e ressentimento
chamado lugar de sucesso. Esse lugar ganha dimensões de fetiche, obtido pela
construção de imagens rentáveis no mercado das informações e na capitalização
dos estilos de existência. Lazzarato e Negri (2013) denominaram essa prática de
trabalho imaterial, a qual se efetua como uma capitalização do estilo de viver,
no contemporâneo. Deleuze afirma que a filosofia sempre teve muitos rivais.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 65
or
na sociedade atual, chegando a configurar um imperativo audiovisual a ser
od V
expandido ao nível do quase instante mesmo em que tenha ocorrida a fabricação
aut
do acontecimento. A velocidade da formação de espaços de visibilidades é a
disputa pelo tempo em que as imagens são divulgadas e veiculam serviços. A
vida é racionalizada pela égide dos investimentos feitos e os resultados destes,
R
em termos de agilidade na distribuição das imagens. A competição e a con-
corrência são termômetros da velocidade da difusão imagética, no formato da
o
veiculação massiva das marcas, atreladas aos estilos de existência classificados
aC
como de sucesso. Ser visível é funcionar como uma empresa ao ponto de efetuar
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or
internet e nem pelas imagens difundidas de sucesso empreendedor. A alienação
od V
e o vazio dessa situação só aumentam e o mercado das imagens, a venda de
aut
objetos com as insígnias das marcas e a frenética mutação do trabalho hoje não
dão suporte suficiente à construção das subjetividades e ao estabelecimento
das existências, no plano ético, político e estético (COSTA, 1997).
R
Ser clandestino e se esconder para resistir ao marketing
o
aC
plo, auxilia a forjar passagens em meio aos perigos das capturas que a vigilância
constante e a visibilidade contínua fabricam. Pensar e problematizar a veloci-
dade das imagens, a fabricação de subjetividades imagéticas, o engendramento
de marcas pela propaganda e o aprisionamento na posição de expectador é
par
tude de avaliação do que é feito com os outros e do que faz de si. Questionar
a massiva produção de processos de homogeneização e cooptação dos corpos
pela indústria cultural. Criar uma problemática da dramática da aceleração do
ão
or
dades de lucrar e ganhar com seus mínimos atos pontos na concorrência e com-
od V
petição, estabelecidas pelo estilo de vida neoliberal (Foucault, 2008b). Não
aut
desejar ser empresário e ganhar destaque é visto como anormalidade, hoje.
Estar fora desse diagrama é sair de campo e deixar de existir praticamente.
Entretanto, resistir ao ver sem parar e ao deixar ser visível o tempo todo
R
é possível, ao dissociar a imagem do tumulto da informação, conforme Caiafa
(2003) para realizar um deslocamento subjetivo e a criação de modo a superar
o
um consumo instantâneo e fazer ecoar a experimentação enquanto produção da
aC
diferença. Assim, para Deleuze (1992), resistir é tentar ser clandestino, decep-
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cionar e não ficar acuado, afinal, se alegrar é melhor do que aceitar a cooptação
política. Conceder às encomendas de aprisionar-se na lógica imagética é da ordem
da sobrevivência e causa diminuição da potência criativa, pois impede o inventar
visã
e reativa o ressentimento e medo. Ora, é nesse campo existencial que se colocar
a possibilidade de recusar-se a virar vedete, se esconder e resistir à visibilidade
em prol da problematização e efetuação das aberturas e passagens face às tenta-
itor
tivas de tudo dar notícia e de tudo mostrar para todos verem (DELEUZE, 1992).
a re
vida paisagem para conseguir criar lacunas e buracos por onde seja possível
respirar não se mostrando para não ceder à sedução das imagens transmitidas,
em seu fluxo interativo (VIRÍLIO, 2008).
s
or
sem fazê-lo limitar ao investimento econômico e funcional implicou em consti-
od V
tuir a criação sem perder o legado fabricado e sem abrir mão de tecer cuidados
aut
de si e dos outros. Um agenciamento do comum e do público é uma forma de
resistir à paixão avassaladora por si mesmo e à avidez por uma busca do sucesso
e da segurança técnica, impeditivas do experimentar e pensar (DIAS, 2011).
R
Deleuze (2002) alertava que nem tudo que é bom para um é também
bom para outrem. A experiência ética consiste na experimentação e não na
o
reprodução e cópia de um modelo de sucesso e supostamente de excelência a
aC
repetir. Os encontros são avaliados pela capacidade de ampliar e/ou reduzir a
Considerações finais
Ed
or
cidade e informação rápida implica em esvaziar as imagens, os controles finos
od V
e o mercado das relações é tecer um conjunto de práticas sociais, as quais
aut
podem auxiliar a criar linhas de fuga para forjar novos territórios de existência
(DELEUZE, 1992). Cultivar a vida pública e não sucumbir à privatização
de tudo passou a compor um esforço de problematizar os acontecimentos e
R
experiências do processo de singularização contemporâneo (SENNETT, 2003).
Criar tempo para abrir-se ao compromisso, restringir imagens e esconder-se
o
dos olhares que tudo querem saber e vigiar é importante para constituir vacúo-
aC
los e entremeios, os quais permitam tranversalizar as linhas duras e mover
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para as mesmas perguntas pode ser uma maneira de criar fôlego e ganhar
força, coragem, alegria para agenciar uma política da vida e uma estética da
existência (DELEUZE, 2004). Nesse plano de composição, busca-se um tor-
s
REFERÊNCIAS
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or
DA AMAZÔNIA SUL OCIDENTAL
od V
aut
Enock da Silva Pessoa
R
Introdução
o
O objetivo deste texto é expor o conceito de transdisciplinaridade, par-
aC
tindo das concepções de seu criador, Jean Piaget e de Edgar Morin, que tem
dado uma contribuição teórica significativa a esse conceito nos últimos 40
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or
três componentes:
od V
aut
Em primeiro lugar, refere-se ao conjunto de atividades superiores do
homem e não exclusivamente ao conhecimento: moral, estética, fé (reli-
giosa ou humanista), etc. Em segundo lugar, implica a possibilidade, do
R
ponto de vista do conhecimento, de que, sob as aparências fenomênicas e
os conhecimentos particulares, existe uma última realidade, uma coisa em
o
si, um absoluto, etc. Em terceiro lugar, uma reflexão sobre a totalidade do
real pode naturalmente conduzir a uma abertura no conjunto dos possíveis
aC
or
(2000) parte do pressuposto de que os grupos humanos têm naturezas comuns
od V
e por isso podem dialogar, criar laços comuns, produzir interações mútuas,
aut
além de poderem ser estudados conjuntamente diante dos consensos e dis-
sensos. As culturas se parecem com organismos vivos porque estão mudando
constantemente no tempo e no espaço, alimentadas por suas estruturas de
R
crenças e costumes, e motivadas interna e externamente por grupos sociais
antagônicos, mas em relação constante com seu ambiente significativo. Este
o
tipo de fenômeno é aqui estudado como pensamento complexo, assim exposto:
aC
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aproximação entre o todo e suas partes: Para Morin (1997; 2001 b e c; 2002)
o pensamento complexo trabalha com a união das coisas pertinentes à vida
Ed
or
partir de seis ideias-guia, estas constituintes da restauração do sujeito respon-
od V
sável, a partir de suas interconexões sociais antropológicas e históricas. 1) a
aut
ética da realiança ou do religamento, englobando tudo o que contribui para a
comunicação, a associação, a solidariedade e a fraternidade e opõe-se ao que
fragmenta, desloca, rompe ou fecha a comunicação pela ignorância do outro. 2)
R
a ética do debate, própria da filosofia, da ciência e da democracia, que valoriza a
argumentação lógica e ao mesmo tempo rejeita os julgamentos autoritários e as
o
expressões de desprezo. 3) a ética da compreensão que valoriza o conhecimento
aC
no que é parcial e a parte no todo, de modo que eles ajam sempre de modo
relacional e conjuntamente (MORIN, 2001b). Esta noção pode ser explicada
no entendimento contemporâneo de ecologia. Referindo-se a acontecimentos
ão
isoladamente [...]. È preciso pensar que isso também faz parte de uma
desordem aparente, porque a hipótese atualmente em voga é de que, em
sua origem, a Terra era uma lixeira cósmica espontânea – isto é, detritos
cósmicos se juntaram, se agregaram e, então um longo processo ocorre:
o que é mais denso vai para o centro, forma-se a calota, os continentes
etc. (MORIN, 1999, p. 24).
or
A noção de circularidade (looping) diz respeito ao caráter retroativo desse
sistema transdisciplinar, onde o próprio efeito se torna sua causa, rompendo
od V
com o determinismo. A compreensão do mundo através do pensamento em
aut
espiral nos leva à percepção que se pode aprender da observação integradora
e transdisciplinar do nossos mundos: interior e exterior.
R
Estamos num universo entregue ao ruído e num mundo que contém acon-
o
tecimentos que somos incapazes de decifrar. Graças à redundância, quer
dizer, a toda estrutura de conhecimentos adquiridos de antemão, podemos
aC
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extrair uma informação do barulho que nos chega. [...] A informação nasce
do nosso diálogo com o mundo, e nele sempre surgem acontecimentos que
a teoria não tinha previsto[...] Nós mesmos somos uma máquina térmica e
visã
quimicamente regulada [...] através do elo retroativo. Quando ocorre um
desvio em relação a uma norma, a máquina se dedica a corrigir o desvio
[...]. Às vezes o desvio não é corrigido, e então o feedback positivo pode
ir para a explosão ou para a transformação, a revolução etc. Portanto é
itor
conceito indica que o sentido da vida pode estar em muitos aspectos: biológico,
histórico-cultural, sociológico e ecológico (PESSOA, 2007).
Ed
alimentem uns dos outros como forma de continuidade da própria vida. Assim
também nas relações dialógicas humanas, as trocas de saberes, sentimentos
e experiências e dos humanos com a ecologia. O ciclo da vida é, ao mesmo
tempo, o ciclo da morte. Do mesmo modo, a semente passa pelo processo de
morte ao ser plantada, para se tornar uma árvore que produzirá outras sementes.
78
or
autocrítica de seus princípios, crenças e valores (PESSOA, 2007).
od V
O outro fundamento transdisciplinar do pensamento moriniano refere-se à
aut
proposta de ética da compreensão, baseada no princípio da incerteza e da eco-
logia da ação tolerante. O princípio da incerteza gera insegurança e conflitos
dentro de cada ser humano. Ninguém se sente bem ou feliz por estar inseguro.
R
Não parece motivo de orgulho para nós, humanos, a constatação de que não
nos conhecemos o suficiente para vivermos com a melhor qualidade de vida
o
que poderíamos viver. Somos muito limitados pela nossa fragilidade biológica
aC
diante dos perigos do mundo físico. Temos enormes limitações sensoriais
mas uma outra verdade profunda (NIELS BOHR, citado por MORIN, 1997
Ed
b). O inimigo está dentro de nós mesmos e não nos que afirmamos serem
nossos inimigos, afirma Morin.
As teorias de consistência cognitiva, formuladas nas décadas de sessenta
ão
or
nós mesmos, mas para o maior número possível de pessoas? Morin (2000)
od V
sugere em Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, que se dê uma
aut
guinada na direção gnosiológica através da busca da implantação de uma edu-
cação consciente, laica, democrática, livre e comprometida com o bem-estar de
R
todos os segmentos da sociedade. Essa educação laica penso eu, por ser livre,
consciente e democrática, não poderá cercear as liberdades de opinião e crença
de indivíduos e pequenos grupos de se manifestarem segundo os ditames de
o
sua consciência, respeitando sempre os limites legais (PESSOA, 2007).
aC
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or
não deveriam ser causa de brigas e ressentimentos, mas, deveriam
od V
gerar oportunidades de aproximação entre os diferentes grupos.
aut
6. Precisa-se ensinar o caráter ternário da condição humana que leva
as pessoas a se perceberem, como indivíduo/sociedade/espécie.
Com base nessas premissas, defende-se uma ética antropológica,
R
de desenvolvimento conjunto das autonomias individuais, das par-
ticipações comunitárias e da consciência de pertencer à espécie
o
humana (MORIN, 2000, p. 17).
aC
7. Precisa-se ensinar a antropoética (MORIN, 2000), como o sétimo
or
tentar agir e se dar conta de suas próprias limitações e restrições, sejam elas eco-
od V
lógicas, hereditárias etc. Liberdade para Morin significa “autonomia dependente”.
aut
O que produz autonomia produz dependência, que produz autonomia [...]
genos (organização genética) dá ao anthropos autonomia com relação ao
R
oikos (ambiente natural), mas colocando-o, ao mesmo tempo, em sua
dependência [...] a auto-organização viva associa, no indivíduo, de modo
o
indissociável e complementar, o genos (a espécie, o patrimônio heredi-
aC
tário, o processo de reprodução) e o phenon (o indivíduo hic et nunc) no
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elas devem fazer. O poder da ideologia tem feito muitos estragos entre os seres
humanos ao longo dos séculos, seja via religião dogmática e autoritária, seja
via regimes políticos autoritários e outras formas de dominação.
ão
de uma verdade única que deva ser imposta. Uma determinação autoritária
resultará em ideias reducionistas que certamente implicarão em políticas sociais
que privilegiarão apenas as elites da sociedade. A teoria da complexidade afirma
e discute a falência das explicações unilaterais e totalizadoras. Em vez disso,
propõe a criação da civilização das ideias e com ela superar a disciplinaridade
fechada, da especialização impotente, da arrogância da superioridade da cultura
científica sobre os saberes da tradição secular do ser humano. As concepções
or
puramente espiritualistas são rejeitadas porque defendem apenas o lado dos
od V
valores espirituais, esquecendo que os humanos precisam também de interação
aut
com as condições físicas, biológicas, histórico-culturais e sociológicas. A trans-
disciplinaridade se refere à troca de todos os saberes vividos pelos humanos
sem hierarquizá-los ou privilegiar uns sobre outros.
R
A autonomia humana e as possibilidades de liberdade se produzem, não
o
ex nihilo, mas pela e na dependência anterior (patrimônio hereditário), na
aC
dependência exterior (ecológica), na dependência superior (a cultura), que
or
tomam suas decisões e atitudes com base nas suas experiências totais. Circuns-
od V
tancialmente, determinados fatores pesam mais que outros, mas em função de
aut
valores socialmente postos, em oposição aos valores do indivíduo ou de seu
grupo mais próximo. Uma pessoa religiosa levará para seu ambiente laico de
cidadania suas esperanças, crenças e vivências e trará para o ambiente religioso
R
seus planos, objetivos, frustrações e as expectativas de todos os outros espaços
de sua vida. Na cultura ocidental, fortemente influenciada por valores religio-
o
sos cristãos, as pessoas não religiosas também tenderão a manifestar crenças,
aC
valores e atitudes próprios da cultura cristã. As vidas: política e religiosa for-
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e San Pedro de Bolpebra (Bolívia). Saiba que na palavra bolpebra, que signi-
fica: Bolívia, Peru e Brasil, existe implicitamente uma ideia transdisciplinar.
Ed
Desde 1890 até a década de 1970, toda essa vasta região era totalmente ocu-
pada pelos trabalhadores da floresta na exploração da borracha da seringueira. No
caso brasileiro, os trabalhadores vieram do semiárido nordestino. Muitos serin-
ão
or
Alguns fatores são fundamentais para se entender melhor a realidade da
od V
convivência social e as redes de comunicação entre os povos dessa região nos
aut
dias atuais. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que quase todos eles têm uma
origem comum: são filhos originários da floresta. Seus pais e avós foram serin-
gueiros e eles ainda mantêm alguma forma de relacionamento com o mundo
R
rural. As populações que vivem na Amazônia, em geral, são descendentes de
indígenas que habitavam na região e de nordestinos que vieram trabalhar no
o
extrativismo da borracha, formando o tipo caboclo. Em segundo lugar, preci-
aC
samos lembrar que não havia escola no seringal, por isso os seringueiros eram
em 1974 com a criação de mais cinco cursos. Hoje a UFAC tem quase cin-
quenta cursos de graduação. A Universidad Amazónica de Pando–UAP (Bolí-
via) foi criada em 1984 e a Universidad Nacional Amazónica de Madre de
Dios –UNAMAD (Peru) foi criada no ano 2000.
Entre 1999 e 2000 alguns intelectuais pertencentes a essas universidades
e líderes regionais organizaram a primeira iniciativa transdisciplinar para
discutir problemas e oportunidades regionais envolvendo: trabalhadores da
or
floresta e do campo, as diversas etnias de povos indígenas, estudantes etc.
od V
A Iniciativa e Fórum Madre de Dios, Acre e Pando (MAP) era um grupo de
aut
pessoas interessadas em discutir a região de modo transdisciplinar. Ao longo
desses anos até 2015, aconteceram cerca de dez fóruns MAP nas cidades de
Rio Branco, Brasiléia/Epitaciolândia, Cobija e Puerto Maldonado. As áreas
R
de convergência transdisciplinar eram Direitos humanos, Economia/ políticas
públicas e Meio ambiente. Nos intervalos entre os fóruns anuais, as áreas
o
específicas acima citadas se reuniam em algum local da região tri-nacional.
aC
Eu participei de quase todos esses Fóruns e de “mini-maps”, como um dos
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mente dessa ação uma equipe igualitária de Madre de Dios nas cidades de Assis
Brasil (Brasil), Iñapari, Ibéria (Peru) e San Pedro de Bolpebra (Bolívia). As
áreas trabalhadas de modo transdisciplinar foram: Cidadania e Cultura; Saúde
e Meio ambiente. O objetivo dessa ação foi despertar a consciência daquelas
comunidades para uma postura política e cidadã crítica. Metodologicamente,
par
or
positivamente evidenciada pela resposta da comunidade: grande afluxo de
od V
pessoas participando de cada etapa e do enceramento das temporadas.
aut
Outra atividade transdisciplinar foi desenvolvida nessa região tri-nacional,
quando estive à frente da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade
Federal do Acre (nov. 2012-nov. 2016 e em 2018). Iniciamos e buscamos man-
R
ter contatos permanentes com professores, técnicos e alunos da UNAMAD
(Peru) e da UAP (Bolívia) com o intuito de fortalecer os laços transdiscipli-
o
nares entre as nossas instituições de ensino superior da fronteira, inclusive
aC
com aqueles colegas da Unamad que já haviam trabalhado conosco no projeto
Considerações finais
par
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Garamond, 1999.
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aC
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-Ocidental p. 134-148. In: OLIVEIRA, Marcia Maria de; DIAS, Maria das
a re
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Amazônia Sul Ocidental. In: BRESLER, R. et al. (orgs.). Conexão Local Inte-
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ão
or
od V
PIAGET, Jean. A Epistemologia Genética. Os Pensadores: Piaget. 2. ed.
aut
Tradução: Natanael C. Caixeiro, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
R
2. ed. Tradução: Celia E. A. Di Piero, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
o
PIAGET, Jean. Sabedoria e ilusões da filosofia. Os Pensadores: Piaget. 2. ed.
aC
Tradução: Zilda Abujamra Daeir, São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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O USO DAS IMAGENS NAS
NARRATIVAS EM TEMPOS DE
PANDEMIA DA COVID-19
or
od V
Denise Machado Cardoso
aut
Introdução
R
A situação de isolamento social imposta pela pandemia decorrente do
o
Vírus SARS-CoV-2 provocou alterações substanciais no cotidiano de dife-
aC
rentes grupos sociais em escala planetária. Houve modificações nas rotinas
de trabalho, lazer e nas práticas familiares, ocasionando impactos socioam-
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bientais ainda em processo, mas que pedem estudos e reflexões acerca desse
momento histórico. Nesse cenário se observa que a interconectividade está
visã
sendo mais intensa, fazendo com que a comunicação por meio virtual seja
bastante elevada. Notadamente, as mídias sociais (ou as redes sociais) que
se utilizam de mensagens rápidas e com vocabulário adequado às limitações
itor
por caracteres (como é o caso do Twitter), Giff1, ou aquelas com vídeos, com
a re
1 Paulo Korpys, e sua equipe de investigação, define Gif (Graphics Interchange Format ou formato de inter-
câmbio de gráficos) como “uma imagem em loop que não é bem um vídeo, que não tem botão de reprodu-
ção nem som, que se repete até desviar o olhar (KORPYS, 2019) ”. Gif pode ser considerada como uma
micronarrativa utilizada na Internet.
2 A palavra meme tem origem grega, significando imitação. No contexto da Internet passou a ser utilizado como
o processo de “viralização” de uma informação, imagem ou vídeo e, geralmente, apresenta teor humorístico
(DAMASCENO, 2017). Uma outra característica dos memes é a utilização de intertextualidade, ou seja, há
algum diálogo/texto que o precede.
92
or
um desses fenômenos planetários que abrangem diversas culturas e que são
od V
interpretados e codificados em termos locais.
aut
A etnografia virtual me permitiu perceber que o Brasil vive um grande
desafio trazido pela pandemia. De um lado se tem os efeitos do próprio Vírus
SARS-CoV-2 e por outro há os embates decorrentes dos direcionamentos
R
políticos no âmbito federal e estadual. As narrativas apresentadas ao longo
desse período de estudo demonstram um imbrincado cenário onde constam
o
discussões nas quais destaco a saúde pública como um todo, as desigualdades
aC
sociais, os cuidados preventivos pela higiene e o isolamento social, as disputas
or
de pessoas infectadas, e consequentemente, reduz o número de óbitos. No
od V
estado do Pará, a campanha favorável ao isolamento social teve início em
aut
meados do mês de fevereiro e contou com a adesão do governo do estado e
instituições educacionais em vários níveis de ensino. Como já mencionado,
R
esse isolamento intensificou o uso de mídias sociais para o desenvolvimento
de diferentes tarefas, provocando o aumento no acesso a diferentes sites e
o
plataformas, bem como na troca de mensagens por diversos aplicativos.
No estudo sobre a maneiras de narrar esse momento optei pelo uso de
aC
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3 A OMS divulgou em seu site oficial um documento específico sobre a pandemia do SARS-CoV-2.
4 A partir da decisão colegiada pela interrupção de aulas, eventos acadêmicos e administrativos no molde
presencial, a maneira como passaram a ser exercidas as funções de docente e pesquisadora foi, predomi-
nantemente, via internet. A utilização do chamado home-office, ou trabalho em casa, provocou intensidade
s
na troca de mensagens e postagens por diferentes assuntos e motivações dentre aqueles profissionais
ver
que puderam permanecer em seus lares sem interrupção de seus afazeres. Esse cenário foi um fator
determinante para a realização dessa pesquisa, pois chamou minha atenção a intensidade e volume de
mensagens que passaram a ser trocadas nesse período.
5 Embora haja várias redes sociais como é o caso do Reddit e do LinkedIN, houve uma preferência para as
mídias/redes sociais que tenham ampla adesão e que possibilitem a participação de internautas. O Reddit
é um fórum de debate com reduzida adesão no Brasil e o do LinkedIN é voltado, predominantemente, para
a apresentação de perfil profissional.
94
or
desdobramentos acerca do COVID-19 procurei enfatizar aquelas que traziam
od V
memes e charges relacionados a esses temas e outros correlatos. Destarte,
aut
realizei a classificação das imagens postadas de acordo com os assuntos abor-
dados no período indicado.
R
As reações expressas nas postagens em diferentes comunidades virtuais
indicam o debate sobre as políticas públicas de saúde, questões sobre trabalho e
o
renda, ações governamentais em diferentes instâncias, o embate entre manifes-
tantes favoráveis ou desfavoráveis ao atual Presidente da República, e a questão
aC
6 Uma outra maneira de debater a etnografia nesses tempos de confinamento voluntário foi proposta nas
reflexões sobre o que defino como Etnografia da Janela, cujo texto foi publicado em 10 de abril de 2020 no
Blog “Cofinaria: etnografias em tempos de pandemia”: https://confinaria.hypotheses.org/category/textos
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 95
or
delas que o texto será estruturado e não o contrário. A construção do texto é
od V
iniciada, portanto, pelas imagens e elas darão sentido à descrição e interpre-
aut
tação do que é trazido pela pesquisa de campo.
Postas próximas umas às outras é possível estabelecer uma comparação
entre as charges, memes e outras formas de expressões imagéticas, propi-
R
ciando inferências sobre “como pensam as imagens”. Como indica Jorge Coli
(2012, 45) “comparar é uma forma de compreensão silenciosa da relação entre
o
as imagens” e as informações que delas podemos extrair depende do modo
aC
como as observamos agregadas, separadas, classificadas e outros exercícios.
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humano
tido como exclusivo dos seres humanos, foram ocupadas por animais que
haviam sido empurrados e estavam restritos ao chamado ambiente natural.
Tais comportamentos provocaram uma inversão nos habituais locais de cir-
culação e motivaram reflexões sobre o quão prejudicial são as atividades dos
seres humanos para os das demais espécies.
96
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aC
figuras 01, 02, 03 e 04, a liberdade dos chamados seres civilizados estava
ver
or
passou a ser quase obrigatório em diversos países e adotado como regra em
od V
vários estados do Brasil. O cálculo de distância entre corpos foi estabele-
aut
cido por critérios que surgiram pelas pesquisas de cientistas e profissionais
da área de saúde que vem investigando as manifestações da COVID-19 em
todos os continentes.
R
Novas posturas foram incorporadas às práticas sociais e nos modos de
o
interação nos espaços públicos. Quando nas ruas, tornou-se necessário manter
o distanciamento e, assim como os demais procedimentos, as mídias sociais
aC
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Figura 13 – Desigualdade de gênero, raça e classe
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presidente da república deixa de utilizar adequadamente sua máscara, revelando
od V
a desconsideração dos preceitos da OMS e das instituições de pesquisa.
aut
As desigualdades expressas em fotografias, memes e charges
R
Uma das principais constatações trazidas pela pandemia foi a existên-
cia da desigualdade social em diferentes países, embora haja o mito de que
o
as doenças contagiosas não conhecem classe ou outras barreiras e limites
aC
or
momentos em que antecedem o isolamento social (figuras 16 e 17). Mesmo
od V
quando houve recomendação para que as pessoas evitassem o estoque exage-
aut
rado de produto em suas casas, o que ocorreu em alguns países foi o contrário.
Além disso, a proteção para evitar o contágio também revelou desigualdades.
Adquirir os produtos necessários para impedir a doença ou o acesso aos hos-
R
pitais (e aparato para o tratamento) foram indícios de que a saúde está sendo
tomada como um bem a ser comercializado e consumido e pouco (ou nada)
o
se faz para tratá-la como um bem comum (embora conste em muitos países
aC
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Único de Saúde (SUS) está sendo atacado constantemente sob à suposta ale-
gação de que causa males econômicos decorrente dos seus déficits e fraudes
neste sistema. Diante do cenário da COVID-19, percebem-se mudanças no
discurso até então em voga de que a privatização do sistema público de saúde
na medida em que a rede privada – planos, clínicas e hospitais - mostrou-se
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Figura 18 – Economia ou vida? Figura 19 – Tipos de isolamento
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Embora não se retrate nas imagens a questão da violência doméstica,
aC
há registros do aumento da incidência de casos, o que dificulta ainda mais o
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escala global, refere-se às pessoas com idade acima de sessenta anos. Nas
figuras 22 e 23 se nota a expressão de tristeza nas pessoas idosas diante dos
embates e direcionamentos das políticas (figuras 24 e 25).
par
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o número de óbitos cresceu entre pessoas com mais de sessenta anos de idade.
O que configura as diferenças tanto de classe/raça quanto de geração. Nesse
aspecto da sociedade brasileira, fica patente que a pandemia evidenciou as
inúmeras desigualdades conforme pode ser observado a partir de seus dife-
rentes marcadores sociais.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 107
or
e capacidade de suporte dos hospitais da rede pública e privada foi incluída nas
od V
mais diferentes frentes de prevenção à pandemia. Nas figuras 26, 27, 28 e 29,
aut
a seguir, tem-se a presença de profissionais de saúde enfrentando a resistência
governamental, apesar das evidências em outros países.
R Figura 26 – Gripezinha
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7 Negacionismo é um posicionamento marcado pela negação das evidências, sem apresentação de algum
fato que o permita fazê-lo (GOMES, 2020). Esse negacionismo é preconizado pelo Presidente da república
e por seu entorno ideológico que se choca com a postura dos ministros da Saúde, primeiro Mandetta que
se assumia postura alinhada à OMS e depois Teich, mais contido, mas que saiu também devido à tentativa
da imposição da cloroquina.
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Figura 30 – Imunidade figura Figura 31 – Mentirinha
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8 Nota-se que, além das referências à suposta imunidade do presidente à doença, tem-se indicações a casos
de situações políticas, cujas denúncias não o atingem e nem aos membros de seu grupo de apoio.
9 “O efeito manada” é uma explicação elaborada pelo psicólogo Dan Ariely para o comportamento que leva
as pessoas a seguirem outras sem aplicarem raciocínio crítico em suas decisões. Segue-se o que a maioria
faz, copia-se o modo como a maioria se comporta, e assim por diante.
110
Figura 34 – Cegueira
or
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Como ocorreu com outras informações obtidas a partir dos dados obtidos
em pesquisas científicas, nem sempre seu uso está voltado para a maioria das
pessoas e nem leva em consideração as relações socioambientais.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 111
or
A postura que nega ou põe em dúvida as evidências dos conhecimentos
od V
científicos não ocorre ao acaso, e nem tampouco é decorrente da ignorância
aut
ou ingenuidade. Ao contrário, apresenta-se como uma eficaz estratégia política
que mina a confiança de possíveis opositores e faz com que o público em geral
seja levado a agir mais pela emoção do que por outras fontes.
R
Se há quem negue a pandemia, há quem a leve a sério e defendem os
procedimentos de prevenção, mesmo que o risco de problemas com a econo-
o
mia se anunciem. Uma maneira de demonstrar esse interesse em combater a
aC
pandemia e a negação de sua existência foi demonstrado em vários memes,
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partem da presidência.
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O tema da pandemia nas imagens encontradas nos perfis e contas de
aut
pessoas que apoiam o presidente diz respeito ao embate entre as emissoras de
televisão, conforme exemplificado na figura 40, e pouco tratam das discussões
sobre a OMS, profissionais de saúde e disputas partidárias. Contudo, cabe
R
mencionar que as ações contra profissionais de saúde e da comunicação, e
opositores políticos em geral, foram registradas em diversas manifestações
o
de rua ao longo do período de intensificação dos efeitos do Corona Vírus.
aC
or
discursava a favor de que se priorizasse a economia. Tal posicionamento fez
od V
crescer a popularidade do governador e mesmo os grupos políticos de oposição
aut
louvaram a iniciativa de priorizar a saúde e a vida.
Os memes foram surgindo com o diferencial de que incluía aspectos da
cultura local misturados a elementos de culturas outras. Diante disso, trago a
R
esse debate o aporte de Canevacci (2013) para explicar como se dá a elabo-
ração de narrativas em contexto local.
o
A pandemia do Corona Vírus evidenciou o caráter sistêmico das ques-
aC
tões socioambientais de um modo surpreendente e os meios de comunicação
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
aut
R
o
aC
Figura 42 – Super-herói
a re
par
Ed
s ão
ver
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 117
or
disso, surgiram memes onde Helder Barbalho foi representado como um
od V
comunista e esquerdista (figuras 43 e 44), pois assim o fazem com quaisquer
aut
pessoas que não se alinham ao presidente.
R
Figura 43 e 44 – Helder: o ditador comunista
o
aC
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visã
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a re
par
Ed
ão
10 Esta é uma referência à canção intitulada Porto Caribe, de autoria dos paraenses Paulo André Barata e
Ruy Barata.
118
Notas conclusivas
or
não restritas a esse período, ganharam uma dimensão planetária até então sem
od V
precedentes. Desse modo, a globalização econômica passou a ser experimen-
aut
tada de modo imbricado junto a outros níveis, o que provocou reações locais
ao que está a ocorrer em 2020. O Glocal explicita de maneira mais adequada
aquilo que não se restringe apenas a um espaço geográfico, nem tampouco a
R
uma paisagem cultural, na medida em que há interpretações antropofágicas,
indicadas por Canevacci (2013). Consequentemente, a pandemia não é algo
o
que seja processado como algo traduzido em narrativa única, ao contrário,
aC
Além dos cuidados que são tomados nos momentos que antecipam a pes-
quisa de campo, tem-se as discussões acerca dos procedimentos éticos quando a
Ed
pessoas, o que nos impõe alternativas para a realização desse tipo de “imersão”.
A pesquisa etnográfica em ambiente virtual já era realizada devido à
expansão dos usos das chamadas novas Tecnologias de Informação e Comu-
s
or
por pessoas anônimas. Portanto, as inúmeras imagens postadas em formato
od V
de memes e charges revelam a produção visual desse momento e permitem
aut
explicar esse instante da humanidade a partir do olhar de grande parte dos
seres humanos conectados em tempos de isolamento social.
No século XX a rede de computadores (ou Web), aboliu as delimitações
R
de centro e periferia e de marginal e oficial, conforme afirma D’Ancona
(2018). Entretanto, se por um lado essas dicotomias contribuem para explicar
o
realidades que são vivenciadas via Internet, elas nem sempre dão conta do
aC
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processo de releitura das ideias veiculadas nessa rede. A trama que sustenta as
paisagens culturais está permite interpretações e reinterpretações das mensa-
gens permeadas por aspectos particulares e outros mais abrangentes. Assim, o
que ocorre na construção de narrativas vai além dos binarismos e dicotomias.
visã
Diante de uma situação complexa como o é a que estamos vivenciando
em 2020, o interesse em buscar as explicações sobre a pandemia instiga a
conhecê-la sob vários enfoques e narrativas. Nesse estudo sobre as imagens
itor
11 As apresentações musicais nas varandas das janelas na Itália, os vídeos e as lives com apresentação de
ver
artistas em geral, ganharam repercussão devido à solidariedade e a constatação da importância das artes
na saúde das pessoas. Nesse período de quarentena foram liberados gratuitamente o acesso aos museus
virtuais e bibliotecas de universidades e de outras instituições. Vários cursos na modalidade à distância
foram oferecidos sem ônus para as pessoas interessadas em aprender a bordar, fotografar, representar e
desenhar. Os cursos também traziam a possibilidade de aprendizagem de línguas estrangeiras, falar em
público, e uma série de atividades de expressão artística (sem mencionar as inúmeras outras temáticas
para diferentes públicos)
120
REFERÊNCIAS
BOLSONARO tenta desconstruir ‘herói Mandetta’ antes de demiti-lo do
ministério https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/04/ministro-admite-
-que-avancou-sinal-e-bolsonaro-tenta-desconstruir-heroi-mandetta.shtml
or
BOLSONARO usa violência doméstica para criticar isolamento social
https://catracalivre.com.br/cidadania/bolsonaro-usa-violencia-domestica-pa-
od V
ra-criticar-isolamento-social/
aut
CANEVACCI, Massimo. Sincrétika: explorações etnográficas sobre artes
R
contemporâneas. São Paulo: Studio Nobel, 2013.
o
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Tradução: Roneide Venacio
aC
Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
detail/who-director-general-s-statement-on-ihr-emergency-committee-on-no-
vel-coronavirus-(2019-ncov).
s
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od V
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu da Costa. São Paulo:
aut
Editora 34, 2009.
R
Abril Cultural, 1976 [1922].
o
PACOTE anunciado pelo governo deve liberar R$ 1,2 trilhão aos bancos.
aC
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2020/03/24/
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
internas_economia,836224/pacote-anunciado-pelo-governo-deve-liberar-r-
-1-2-trilhao-aos-bancos.shtml
visã
SAMAIN, Etienne. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre. Ano 1, n. 2, p.
23-66, jul./set. 1995.
itor
fende-saloes-de-beleza-abertos-nao-tem-marido-que-va-aguentar.htm
par
Ed
s ão
ver
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s ão itor
par aC
a re
visã R
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o aut
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DESDOBRAMENTOS E EXPERIÊNCIAS
DO SEMINÁRIO EDUCAÇÃO,
ARTE E DIVERSIDADE
or
od V
Renata Almeida
aut
Carolline Septimio
R
Introdução
o
Dialogar é uma das experiências mais substanciais do repertório humano.
aC
Se há alguma pretensão nesse trabalho talvez seja dar possibilidade de que
a experiência aqui exposta possa conversar com quem a lê, atravessar-nos,
quem sabe, a ponto de trazer incômodo. Este capítulo apresenta-se como um
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com duas edições. Tal evento faz parte do planejamento da disciplina Arte
e educação: Fundamentos, metodologias e práticas, cujo ementário propor-
s
or
Houve palestras e centros de discussão sobre temporalidade, empoderamento
od V
feminino, mulheres na gestão e violência de gênero, além de mesas sobre
aut
educação infantil, arte, sociedade e diversidade religiosa. Outros momentos
foram mediados diretamente pelos estudantes com realização de oficinas de
fotografia, reciclagem, dança, cinema e artes marciais. Em todos os dias havia
R
exposição de obras artísticas, fotografias e apresentações de dança e música
com convidados externos ou estudantes e professores da instituição.
o
Em 2020 o seminário ocorreu no canal do YouTube “Pedagogia Estácio
aC
Castanhal em virtude do confinamento firmado pelo momento de pandemia.
como Walter Kohan, Maura Corcini e Flávia Lemos marcaram presença, além
a re
até mesmo passar a noite toda assistindo. Esse evento trouxe para minha vida
um significado enorme, me fez descobrir que estou no caminho certo, na
ver
profissão certa e que futuramente quero ser tão incrível quanto cada pales-
trante que estava presente no Seminário de Educação, Arte e Diversidade.
or
tro. Em uma mesa, por exemplo, foi possível reunir profissionais da psicologia,
od V
arte, pedagogia e esporte. Esses arranjos parecem ter formado construções
aut
diferenciadas e trazido uma beleza específica para o seminário. Poderíamos
comparar o momento a uma execução de peça artística com direito à certa
estética capaz de provocar seu público e evocar sentidos e sentimentos.
R
Nas práticas de fomento à formação humana nas diversas fases de desen-
volvimento o senso estético envolve uma dinâmica pedagógica, não em visão
o
unilateral do que seria o belo artístico, e sim em uma ampliação da sensibilidade
aC
humana mediada pela experimentação do sentir e pelo viés desse contato estético.
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especial, o público jovem, adulto e idoso pode merecer um olhar peculiar por se
entender quão receptivos somos a experimentações na fase infantil e no decor-
rer da vida somos incentivados a suprimir emoções e possibilidades criativas.
Nesse sentido, Stevens (1975) afirma que nos impedimos a fechar processos
desde a infância, quando somos incentivados a suprimir emoções. Nossos fazeres
e ímpetos criativos também tendem a sofrer sanções por meio do enrijecimento.
Há expressões que são corriqueiras na educação de nossas crianças e que trazem
or
conotações pejorativas a termos que se relacionam ao mundo artístico. “Deixa
od V
de teatro” dizemos quando queremos que uma tolice seja cessada. “Dançou!”
aut
empregamos quando alguém não obteve sucesso em algo. “Para de fazer arte” não
é incomum fazer parte de falas relacionadas a crianças peraltas ou mais ativas.
Empiricamente notamos que essas práticas construídas ao longo das vidas
R
humanas desdobram-se no âmbito acadêmico pelos agentes envolvidos nesse
contexto. Professores que se cristalizam em práticas conteudistas e estudantes
o
que parecem sentir que aprenderam somente quando um assunto é exposto no
aC
quadro de sala de aula, apresentado em slide ou quando há métricas avaliativas
parar quando vi que precisava preparar mais e mais para ter uma inspiração
mais dolorosa (DELEUZE, 1992, p. 173).
Ed
Como nos lembra Seibt (2015) seria mais nutridor pensar sobre nosso
pensamento, conhecer o que conhecemos e não tanto conhecer em si, liber-
tando-nos do conhecimento do saber. Poder-se-ia atribuir que um problema
sobre essa questão seria a própria maneira como compreendemos o processo
de ensinar e de aprender. Ao que complementamos com Deleuze (2008)
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 127
or
Na análise de fenômenos e enquanto construção de ciência, uma pers-
pectiva fenomenológica husserliana, por sua vez, possui uma preocupação
od V
singular com a “verdade”. Em um paradigma cartesiano a verdade é revelada
aut
a partir de um método positivista na relação funcional “causa e efeito”. A
legitimidade do que é científico, a partir do século XX, passou por uma ava-
R
liação baconiana de investigação experimental no campo das ciências huma-
nas. Quaisquer aspectos que proporcionassem inconsistência de uma verdade
o
passaram a invalidá-la. A preocupação de teorização de um fenômeno não
aC
poderia contrapor princípios filosóficos que antecederiam tal e qual ciência.
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mento, podem ter a função de evitar ansiedade geradas pela experiência nova,
do vazio da mudança. Enrijecimentos nesse sentido apontam cristalizações
de um mecanismo neurótico e o empobrecimento de possibilidade e de expe-
ão
or
Estamos com Larrosa (2015, p.12) quando nos diz “se a educação não
od V
quer estar a serviço do que existe, tem que se organizar em torno de uma
aut
categoria livre (…) tem a ver com o não-saber, com o não-poder, com o não-
-querer”. Portanto, educação tem a ver com o criar, com a força do desejo
R
do encontro entre os que não sabem, porém veem-se com algum resto de
amor-próprio para lutar em torno de um saber liberto.
o
A educação, dessa forma, constitui-se como a própria experiência, como
um acontecimento, um encontro que nos ocorre. Ainda pela voz de Larrosa,
aC
Provocações da transdisciplinaridade
Ed
Não ousamos dizer que três ou quatro dias de evento são determinantes
para modificar pensamentos, comportamentos e sentimentos. Nosso intuito foi
ão
or
plo, quantas notas são de possível detecção entre um dó e um ré? Quantos
od V
sons há nesse hiato? Há hiato, aliás? Quais as possibilidades do “entre” nas
aut
relações? São mensuráveis e previsíveis? Seriam também infinitas? Seria o
vazio? Existe o vazio, principalmente em um mundo que vive o imperativo
de tudo ser alguma coisa?
R
Recorremos nessa inquietação a algumas leituras na compressão dos
o
fenômenos, do tempo e do espaço. Mas como conceber uma verdade em um
viés ontológico, holístico e fenomenológico? Pois, se de um lado o cartesia-
aC
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momento em que seria importante não mais deixar a arte em zonas periféricas
da academia e fazer o mundo refletir sobre os impactos do que produzimos. É
preciso abrir lugares a pensamentos e práticas de ética, amor, respeito, espi-
ritualidade, admitindo a composição relacional que vivenciamos no cosmo.
É preciso conectar o aprendizado à vida e dar vida ao aprendizado.
Ansiamos por um ir além. Ir além do quê? Há mais de 300 anos temos
o paradigma cartesiano firmado pelo “penso, logo existo”. Contribuições
or
consideráveis tivemos no mundo desde então. A questão é que o “pensar” há
od V
três séculos era de um jeito, de uma forma. O pensar do século XXI inegavel-
aut
mente possui um outro viés. Se antes os postulados conteudistas disciplinares
tinham sua função contribuidora na formação humana, hoje essa herança não
R
tem como dar conta de nossa forma de existir. Pensar é mais que isso. Não é
apenas nas disciplinas e nos conteúdos que o aprendizado deve estar pautado.
o
Precisamos enquanto educadores resgatar e aproximar pessoas e fazê-las
interagir, incluir a compreensão de nossas inteligências, de nossas formas de
aC
a forma que devemos efetivamente viver para sermos integrais e até felizes.
Apenas apontamos que o atual modelo de metodologizar-se não opera na
Ed
dos poetas e dos filósofos, nos aprisionaria. Dogmas unilaterais podem ser
ver
or
acessar os fenômenos em interpretação relacional e temporal em passado,
od V
presente e futuro. Em Heidegger (2011) a vida precisa ser compreendida
aut
nesse sentido relacional, pois ela não ocorre em um vazio controlável, pre-
visto e a partir da objetividade. Carecemos de admitir a condição finita do
R
ser humano enquanto conhecedor.
Por fim, diante da maciça disponibilidade de informações presentes na
o
contemporaneidade a nossa maior buscar pode ser na capacidade de per-
guntar, na motivação da instigação sobre os fatos. A pergunta pode ser um
aC
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apenas uma forma que encontramos para abraçar nossas convicções na busca
por uma educação de transformação. Mais ainda, é uma maneira de nos abas-
Ed
or
Somos seres históricos, biológicos, físicos, sociais, psíquicos e culturais.
od V
Como entender o ser humano se o nosso ensino é fragmentado? Há um elo
aut
indissolúvel na unidade somos, em que a abertura para o crescimento tende a
acontecer no inesperado. A educação, portanto, deve englobar as incertezas,
o ensino delas, inspirando-se na incontrolabilidade evidenciada pelas ciên-
R
cias físicas modernas, na biologia e na história. Precisamos de compreensão
mútua entre os humanos e de desconstrução das mentalidades. A educação
o
do futuro é o presente.
aC
REFERÊNCIAS
A ideia de Fenomenologia. Tradução de Artur Mourão. Lisboa: Edi-
ções 70, 2008.
or
busca de uma teoria anarquista da experiência. Tese (parte do capítulo dois da
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. UFSC, 2016.
od V
aut
DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
R
DELEUZE, G. En Medio de Spinoza. Buenos Aires: Cactus, 2008.
o
DELEUZE, G. Proust e os signos. 2. ed. Tradução: Antonio Piquet e Roberto
aC
Machado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
RHYNE. J. (1993). Arte e Gestalt: padrões que convergem. São Paulo: Sum-
mus, 2000.
or
RIBEIRO, Jorge Ponciano. O Ciclo do Contato: Temas básicos na abordagem
od V
gestáltica. São Paulo: Summus, 2005.
aut
SEIBT, C. Por uma antropologia existencial-originária: aproximação ao
pensamento de Martin Heidegger. Editora Unijuí; 1 ed. Ijuí, 10 jan. 2015.
R
STEVENS, J. O; STEVENS, B. Introdução. In: STEVENS, J. O. (org.). Isto
o
é Gestalt. Tradução: George Schlesinger e Maria Julia Kovacs. Trabalho ori-
aC
ginal publicado em 1975. São Paulo: Summus, 1977.
or
od V
Lauany Câmara Chermont Pinheiro
aut
Marlize Ruth Albuquerque Pacheco
André Benassuly Arruda
Maria Luiza Lemos Azevedo
Introdução
R
o
aC
No período da República Brasileira, mais especificamente a República
Velha (1889- 1930), o país foi governado pelas oligarquias dos Estados mais
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abastados, sendo eles São Paulo e Minas Gerais. O principal setor da economia
visã
na época era a cafeicultura, que concentrava significativo poder de decisão na
administração federal pelos fazendeiros paulistas. De forma parcial, os lucros
produzidos pelo café foram aplicados nas cidades, o que favoreceu o aumento da
população urbana, expandiu as atividades comerciais e a industrialização, tendo
itor
em vista que o século XIX trouxe muitos imigrantes. A república foi responsável
a re
girava em torno de uma melhora nas condições sanitárias das áreas cruciais para
a economia do país – as cidades e os portos. “As novas perspectivas abertas
Ed
do sanitarismo foi ruindo, tendo em vista que a maior parte da oligarquia não
estava disposta a gastar dinheiro com saúde pública.
As doenças que outrora assolaram o país, no século XIX vieram com
mais força e maiores dimensões no início do século XX, levando em consi-
deração o aumento populacional. Diante dessa situação, alguns intelectuais
acreditavam que a baixa produtividade da população e as endemias se deviam
à qualidade da “raça brasileira”. Apoiavam-se no conceito de eugenia, um
or
pensamento que favorece que os brancos representavam uma superioridade
od V
biológica, sendo os melhores representantes da espécie humana.
aut
É importante apontar que em 1857, surgiu a Teoria da Degenerescência
com Benedict Augustin Morel, teoria que reverberou em nosso país. A teoria
repousa sobre a ideia de transgeracionalidade não se restringindo ao plano
R
biológico, mas incluindo dimensões morais e de comportamentos, viciosos ou
virtuosos. A degenerescência é apontada como possuidora de diferentes causas
o
que incluem: “o abuso do álcool, alimentação deficiente, meio social miserá-
aC
vel, imoralidade dos costumes, conduta sexual desregrada, doenças da infância
sua privacidade invadida e sua vida doméstica vigiada, além de correr o risco
de ficar sem casa por ordem médica. “Eram as teorias raciais ganhando ter-
reno entre os administradores e o preconceito racial moldando as políticas
públicas na maior cidade do país na época” (ALBUQUERQUE; FRAGA
FILHO, 2006, p. 214). No Rio de Janeiro, sob a presidência de Rodrigues
Alves (1902-1906) houve na cidade uma grande reforma urbanista e sanitária,
que fora comandada pelo prefeito da cidade Pereira Passos e por Oswaldo
or
Cruz, diretor geral de Saúde Pública.
od V
aut
Pereira Passos começou por determinar a expulsão de milhares de traba-
lhadores pobres que viviam nos prédios antigos e decadentes do centro da
cidade, transformados em cortiços [...] as autoridades sanitárias promove-
R
ram a derrubada desses prédios. Em seu lugar foram construídas amplas
avenidas, parques e edifícios afinados com a modernidade arquitetônica
o
[...] Em seguida Oswaldo Cruz iniciou os trabalhos de higienização da
capital, montando um esquema de fiscalização das ruas e das casas que
aC
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considerar que, se a missão dos higienistas era dar fim às frequentes epide-
mias, as maneiras e argumentos que conduziam a saúde pública tinham por
ver
or
podem obtê-la - aos ditos degenerados, cabe-os “deixar morrer”.
od V
aut
A República em Belém: uma Belle-Époque não tão Belle
R
A cidade de Belém do século XIX, imersa neste contexto higienista,
passou por um processo de urbanização que deveria ser feito de forma que
o
pudesse assumir a condição de uma Paris Tropical. Antônio Lemos era inten-
dente municipal, responsável juntamente com Augusto Montenegro por uma
aC
para todos – todos aqueles que residiam no núcleo central, onde haviam sido
realizadas novas melhorias e intervenções urbanas, como no caso da viação,
s
telefonia, água encanada, luz elétrica, etc.” (SOARES, 2008, p. 64). A cons-
ver
or
higienizado, retirando todos os elementos que pudessem contrapor esse
princípio de higiene, o que, na prática, significava retirar as casas não
od V
condizentes com este preceito (SOARES, 2008, p. 56-87).
aut
As práticas higienistas assim como aplicadas no restante Brasil, também
R
foram efetivadas por Antônio Lemos em Belém, refletindo os mesmos ideais
que resultavam na segregação dos ditos populares. As casas de pessoas com
o
baixa renda eram consideradas pela elite e pelo poder público como locais
que possuíam estética desagradável, anti-higiênica e imoral, locais propícios
aC
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certa fiscalização da estética de Belém através da mídia, como nos traz o jornal
da época, A Vida Paraense (1883), que fez o uso da ilustração com a temática
mais recorrente neste periódico, a limpeza da capital. Em sua última edição foi
feita uma página dedicada a “ilustríssima Câmara”, representando a “Cidade
do Lixo”, trazendo vários aspectos negativos como o símbolo da morte em que
140
or
A estratégia higienista procurou dirigir a luta contra o lixo ameaçador
od V
[...]. Isto leva-nos a perceber a importância do papel da imprensa que se
aut
achava porta-voz dos habitantes, ao denunciar o perigo que representava à
população as epidemias, associadas ao zelo pelo aspecto da cidade diante
da impressão que causaria aos visitantes (SARGES, 2000 apud FERNAN-
R
DES; SEIXAS, 2011, p.07).
o
O bairro do Guamá em contexto
aC
São Brás, servia como ponto de entrada e saída da cidade. As primeiras áreas
de ocupação do bairro se deram pela aproximação de terrenos que facilitavam
Ed
or
de 4.127,78 km² e é um dos onze bairros que compõe o Distrito admi-
nistrativo do Guamá (DAGUA). Sua população é de 102.124 habitantes
od V
segundo dados do Anuário Estatístico do Município de Belém de 2006
aut
(DIAS JUNIOR, 2009, p. 39).
R
No início do século XX, era defendida a construção de colônias de isola-
mento como uma saída pertinente e eficaz de combate à disseminação da lepra
o
no Estado (MIRANDA et al., 2015). Nesse contexto criou-se, sob a responsa-
bilidade da Santa Casa de Misericórdia, a Colônia de Lazáros, popularmente
aC
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dades. Estas não mediam esforços para sanear a cidade por meio da reclusão
e isolamento, não apenas de pessoas com o “mal de Lázaro”, mas também de
s
or
pela elite da borracha. O bairro do Guamá foi um dos bairros afetados por
od V
esta segregação, ocultado em sua cultura local e popular, escolhido para
aut
abrigar pessoas doentes no leprosário. O centro da cidade não era local para
os que representavam a degradação humana e o retrocesso da civilização e
modernização da Paris Tropical. Ainda hoje, o bairro do Guamá não deixou
R
de ser visto como um local em que impera a marginalidade, zona perifé-
rica de Belém, sendo-lhe atribuídas adjetivações que não diferem quanto
o
ao sentido de exclusão outrora historicamente posto. Zona vermelha, local
aC
A criminalização da pobreza
a re
or
ao conhecimento e cuidado de outros. Apresenta-se, portanto, como um objeto
de intervenção. Assim sendo, todos os dispositivos que serão apresentados
od V
se tratam de uma série de mecanismos atuais de controle, estratégias que
aut
produzem modos de subjetivação e objetivam a pobreza, o crime, sob uma
racionalidade que possui como objetivo criar efeitos de subjetivação tanto
R
para as pessoas que são atingidas por esses dispositivos, quanto para aquelas
que por eles não são alcançadas diretamente. Cria-se formas de ser e de viver.
o
Nosso objetivo é que a partir dessa cartografia e destes elementos possamos
aC
problematizar as relações de poder no Guamá.
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ele, o desastre é sem saída e sem limites [...] Marginais pela sua condição,
geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato,
eles são os “excluídos” por “excelência” (FORRESTER, 1997, p. 57-58).
s
ver
or
a criação de rendas a favor das classes mais abastadas, e a redução da taxa de
od V
acumulação” (DUMÉNIL; LÉVY, 2007, p. 1). Por trás desta lógica há a tentativa
aut
de equiparar valores de classes econômicas mais elevadas, modos de vida que
prosseguem em desigualdade e que tendem, no neoliberalismo, favorecer cada
R
vez mais esta distância, pois à medida que se constitui a riqueza e a acumulação
do capital produz, por outro lado, a miséria (COIMBRA; NASCIMENTO, 2005).
O capitalismo prima pela produtividade, criação de rendas. Possui a ideia
o
de que trabalhadores livres podem oferecer e vender sua força de trabalho no
aC
burguesa não podem abranger a todos e nem ser considerados como uma
a re
poder disciplinar, que vem se atualizando desde o século XVIII até dias atuais,
que segundo Foucault (2014) trata-se de um poder que possui como função
Ed
or
tanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço
analítico (FOUCAULT, 2014, p. 140).
od V
aut
Diante deste cenário, explicita-se um poder disciplinar que possui estra-
tégias de controle por meio das disciplinas, táticas estas que diante de nossa
R
sociedade capitalista, a população que não estiver inserida no mercado de
trabalho, deve ser criminalizada, são aqueles que não conseguiram se tor-
nar corpos úteis e dóceis para atender os anseios dos modos de produção
o
do capitalismo, como veremos nos próximos tópicos (COIMBRA; NAS-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
demanda que lhes chega. São oportunidades desiguais em estudo, em saúde,
od V
na própria existência, de forma que por vezes, nem sequer são reconhecidos
aut
e respeitados como cidadãos - merecem truculência e devem ser erradicados.
R
nio, são os “excluídos por excelência”, pois sequer conseguem chegar ao
mercado de trabalho formal. Sua atuação em redes ilegais como o circuito
o
narcotráfico, do crime organizado, dos sequestros, dentre outros, vem
sendo tecida como única forma de sobrevivência e se prolifera, cada vez
aC
Nota-se que há um clamor por medidas punitivas, não apenas por agentes
do Estado, mas também pela população em geral, por considerar o jovem da
periferia um ser perigoso em potencial. Estas medidas reduzem a responsabili-
dade do Estado em relação aos deveres que devem ser exercidos para com este
jovem, como prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e outrossim,
alimenta a produção do medo em relação a figura deste adolescente (SANTOS;
OLIVEIRA; PAIVA; YAMAMOTO, 2012 apud LEMOS, et al., p. 173, 2017).
or
Diante deste cenário, nos é vendida a ideia de um perigo que nos cerca. Porém,
od V
será que a guerra é contra a “bandidagem”? Ou contra a violação de direitos
aut
exercida por aqueles que possuem um poder socioeconômico significativo e
que é contribuinte para criar este cenário de “guerra”? Pode ser até que sejamos
inconscientemente peça parte deste jogo de poder político que nos é omisso.
R
Segundo Verani (1996) a racionalização lógica das autoridades de ocuparem
uma posição austera contra o “crime” e contra os “criminosos”, reforça a ideia
o
de que os defensores dos direitos humanos são consequentemente protetores de
aC
“bandidos”. Diante disto, fundamentam-se as ações ilegais, os abusos policiais,
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mecanismos para que não haja uma agregação – não apenas espacial, mas tam-
ver
or
outros espaços mostra a eles uma prática política democrática em que podem
od V
participar ilusoriamente com a falsa ideia de autonomia. Mira-se assim em
aut
áreas consideradas de risco ou vulnerabilidade social. Augusto (2010) nos traz
que os guetos têm como uma de suas faces a função de conter um determi-
nado grupo da população, previamente selecionado, tendo em vista algumas
R
características de minorias atreladas a questões raciais, dos que não podem
ser deixados livres por serem potencialmente perigosos.
o
Em virtude destas concepções, criam-se modos de controle e punições
aC
para as pessoas indesejáveis que se encontram fora das prisões. São estratégias
o mínimo possível. Uma das táticas utilizadas para que isto ocorra é absorver
a re
e como prática que não se restringe à ação do Estado, mas que associa
e aproxima ações de Estado com sociedade civil, por meio de cidadãos
empresas, que realizam a prática policial como expressão e exercício de
ão
mento, atingindo as relações que são estabelecidas por pessoas que habitam
ver
or
pela promessa de tranquilidade que os coloca em segurança em seus condo-
od V
mínios exclusivos, distante da “classe perigosa”, hoje não moradora apenas
aut
das favelas e periferias, mas também ruas do centro da cidade. A ocorrência
de chacinas se correlaciona ao temor dos “marginais” invadirem os centros.
Rememorando as chacinas de 2014 e 2017 em Belém, não houve aulas em
R
muitas escolas e universidades, e o medo imperou não apenas nos locais onde
ocorreram os crimes acoplados a genocídios e extermínios, mas também nos
o
refúgios ocupados pela classe alta, pelo receio e medo de terem seus refúgios
aC
ocupados, quando na verdade o real perigo fazia-se presente para aqueles que
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dúvidas vai se criando uma ordem paralela, pelo menos para a vida cotidiana.
Levado ao limite, esse mecanismo deixará a polícia e a segurança pública
a re
nosos - as elites estando longe desses grupos, está tudo bem. Para mantê-los
distantes usam-se mecanismos de gestão que os impeçam o alcance das classes
Ed
Sabe-se que a mídia não exerce apenas o papel comunicativo ao seu recep-
ver
exposta pelo jornal Diário do Pará, de forma a mostrar em seu discurso velado
e “politicamente correto”, a criminalização do jovem, negro, pobre e morador
de periferia. Foucault (2014) expõe que no século XVIII, eram colocados em
circulação folhetins que traziam “fábulas verídicas da pequena história” (p.
68). Nestes escritos havia um tipo de frente de luta em relação ao crime, de
sua lembrança e punição, concluindo haver uma expectativa por parte dos que
expuseram os folhetins à publicação, efeitos de controle ideológico.
or
Deleuze (1992) nos coloca que no período pós-moderno, os meios de
od V
comunicação de massa exercem a função de mecanismos de controle social,
aut
marcadamente pela produção de como se deve existir. Um controle disseminado
em curto espaço de tempo e de veloz rotação, ilimitado e contínuo, tendo em
vista que a disciplina era de longa duração, descontínua e infinita. Nesse sen-
R
tido, adequando-nos a realidade local, percebemos a rapidez de propagação da
“neutra” informação pelos jornais impressos, sendo comercializados de forma
o
contínua e ininterrupta. Em se tratando do jornal Diário do Pará, vemos em suas
aC
manchetes uma ideia formada sobre o sujeito que está sendo exposto em suas
or
notícias exercem formas de controle, seleciona-se que manchetes terão ou não
od V
visibilidade e o que será ou não publicado. Hoje, tem-se uma mídia autoritá-
aut
ria, a favor de “interesses políticos profissionais, coorporativos, aos aspectos
conservadores e de consumo do entretenimento, no Brasil, historicamente”
(FOUCAULT, 2004; SILVA, 2012 apud LEMOS et al., 2015b, p. 63).
R
Criminalização da pobreza no Guamá
o
aC
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ver crianças brincando nas ruas, pessoas jogando baralho ou dominó, práticas
a re
a vida, tendo como uma das práticas o lazer (DIAS JUNIOR, 2009).
Cria-se assim uma ambiguidade – a de bairro violento, identificado como
Ed
e bandidos. Em Belém, que de sua forma peculiar, fora atravessada por este
ver
nosso estudo. Nos anos de 2014 e 2017, ocorreram chacinas. A primeira delas
iniciada no bairro do Guamá, onde foram feitas várias vítimas e a segunda
englobando, entre outros, o referido bairro. Estas situações reverberaram em
toda a cidade, causando medo na população. Todavia é interessante perceber
a conjuntura deste cenário para que possamos contextualizar o que concei-
tuamos como criminalização da pobreza.
or
Por enquanto, nove jovens confirmados na chacina que aconteceu em Belém
od V
do Pará, no último dia 4 de novembro, já entraram para as estatísticas. Mas,
aut
há suspeitas de mais de 35 mortes até o momento, segundo notícias vindas
dos movimentos sociais do Pará. Todos jovens negros, do sexo masculino.
Todos por arma de fogo. Todos ocorridos no Guamá, bairro da periferia de
R
Belém/PA (UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES, 2014).
o
Segundo a União Nacional dos Estudantes (2014) estatísticas podem mos-
aC
trar que a cada 25 minutos em nosso país morre um jovem negro e pobre, vítima
or
poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo
od V
dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que
operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que
aut
se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados,
corpos “dóceis” (FOUCAULT, 2014, p. 135).
R
Diante das relações de poder estabelecidas atualmente, vemos um
o
cenário ainda de tentativa de docilização de corpos, busca por padrões de
aC
comportamento esperados. A fuga destes padrões, acarreta em punições e
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or
utilizados para realizar esta cartografia dos dispositivos de controle sobre o
od V
negro, pobre e morador de periferia são relevantes. Não obstante, daremos
aut
enfoque à questão da mídia, não de forma a ignorar os outros elementos men-
cionados, mas de forma a ressaltar que estes se encontram em outros lugares,
em outros níveis, em outras práticas e também atravessam a mídia, de forma
R
a mostrá-la como um lugar também privilegiado de análise desse dispositivo.
o
Cartografando as séries discursivas: O Jornal Diário do Pará
aC
das práticas discursivas apresentadas pelo jornal Diário do Pará, o que con-
sequentemente é produzido e que efeitos de subjetivação são forjados pelos
discursos materializados neste jornal.
s
or
trabalhadores como cidadãos “de bem”, pobres, mas honestos, e os demais,
od V
“assassinos”, “bandidos”, “vagabundos”, possuem licença para terem suas
aut
vidas ceifadas por não se apresentarem produtivos para a sociedade. Franco
(2012) nos explicita que diante das notícias de morte trazidas pelo jornal,
R
o terror é amenizado, pois a morte exposta é denunciada como presumível
em razão da “vida desregrada” da vítima. Logo, seu trágico fim não provoca
inquietação. Diante do contexto apresentado, explicitamos como o discurso
o
do ser trabalhador é tido como prerrogativa para não ser morto, como se o
aC
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O trecho nos traz uma fala acerca de um jovem considerado pela tia
como: “pessoa do bem, trabalhador e que nunca fez mal pra ninguém” e foi
par
morto. Do entrelaçar deste discurso trazido pelo jornal, depreende-se que o não
trabalhador está com a morte justificada, diante de uma sociedade biopolítica
Ed
o que é esperado por qualquer pessoa que tenha perdido alguém que lhe é caro.
Não vemos esta forma de escrita se referindo a pessoas de grande prestígio
social, o que mais uma vez nos leva a concluir que são vidas que nada valem
s
socialmente, pois depreende-se que eram criminosos, que não serão lembrados,
ver
“Meu filho era um trabalhador, não era vagabundo”, repete Maria do Carmo
[...] Eduardo Chaves, 16 anos estudava e trabalhava na Ceasa três vezes
por semana. Na noite da terça-feira, teve a infelicidade de sair de casa. Ia
encontrar a namorada, mas mal saiu e foi alvejado. Novamente os mesmos
relatos de que motoqueiros encapuzados seriam os autores dos disparos.
“Ele era um rapaz bom. Perder alguém jovem assim. A família está abalada”
conta Lucas Rodrigues, tio de Eduardo (SOARES, Rita. Uma noite para
or
nunca mais esquecer. Diário do Pará, Caderno Belém, 09/11/2014, p. A10).
od V
Mãe de Deyferson Chagas, 19, assassinado em Belém em junho deste ano,
aut
Maria do Socorro Chagas afirma que o filho não tinha envolvimento com
o crime e foi assassinado por um policial militar da Rotam [...] “Queria
que houvesse justiça, porque meu filho não era bandido, ele trabalhava.
R
Tenho certeza absoluta que meu filho não tinha arma e não houve troca
de tiros”, assegura (DA REDAÇÃO. Polícia é cobrada em debate sobre
o
violência urbana. Diário do Pará, Caderno Polícia, 28/11/2014, p. 4).
aC
“Queria que houvesse Justiça porque meu filho não era bandido, ele traba-
lhava”, “Ele nunca me deu trabalho. Não tinha envolvimento com o crime,
nem com drogas”. Diante destas falas, fazemos os seguintes questionamentos:
ão
or
Esta série se faz presente como forma de expor os pensamentos que
od V
a população possui acerca do bairro e como a mídia coopera para que essa
aut
perspectiva se alastre na capital. Quem mora em Belém sabe que o Guamá é
conhecido como um bairro violento que remete a crimes cotidianos, um local
R
visto como “moradia de bandidos”, “antro da bandidagem”, compreensão
esta que nos limita de ver o bairro sob outra perspectiva, histórica e cultural.
Diante disto, mostramos as séries discursivas referente ao conteúdo exposto:
o
aC
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num beco. Só voltamos para ver o corpo depois que uma vizinha ligou e
chegou um carro da polícia”, relada Diana (SOARES, Rita. Uma noite para
a re
or
a sociedade o que de fato aconteceu e garantir segurança à população”,
afirma (SOARES, Pryscila. No Guamá, medo ditou as regras: movimento
od V
foi fraco no comércio e posto de saúde. Diário do Pará, Caderno Polí-
aut
cia, 06/11/2014, p. 8).
R
O taxista Francisco Santos, morador do bairro do Guamá, parou de tra-
balhar mais cedo ontem devido a pouca circulação de pessoas pelas ruas.
“o movimento está fraquíssimo desde de manhã. Trabalho rodando pelos
o
bairros do Guamá, Cremação e Cidade Velha, mas hoje fiz só duas cor-
aC
ridas, depois resolvi parar. Normalmente é muito movimentado, mas o
e vir das pessoas, o que reforça o mantra de violência que pesa sobre Guamá.
Ed
Por volta das 19h da última segunda-feira, na rua José Alves, no bairro do
Guamá, ocorreu mais um assassinato. O jovem de 18 anos Rafael Rocha
Ponte, conhecido como “Rafinha” foi perseguido por dois homens que se
ão
[...] Ele teria uma animosidade com a vítima, que praticava pequenos deli-
ver
tos nas proximidades da área onde morava [...] Arturzinho, que já esteve
preso diversas vezes na Seccional do Guamá, antes de puxar cadeia, já
estava cadastrado e com fotos nas mãos dos policiais (SILVEIRA, Amaury.
Jovem é perseguido por dois homens e executado. Diário do Pará, Caderno
Polícia, 03/12/2014, p. 7) (Ver anexo 2, Figura 5).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 159
or
natureza criminosa: “é um presidiário foragido da Colônia em Americano”,
od V
“já esteve preso diversas vezes”, “antes de puxar cadeia já estava cadastrado
aut
na mão dos policiais”. “Estamos diante de uma concepção segundo a qual o
indivíduo é escravo absoluto dos fatos concretos de sua vida pregressa, não
lhe restando senão cumprir seu destino criminoso” (RAUTER, 2003, p. 90).
R
Diante disso, Santana (2014) explicita que é relevante pensar a violência como
um recorte do território, sendo este o palco das variáveis sociais (pobreza,
o
desigualdade social e etc.). Sendo assim, a violência precisa ser apontada como
aC
resultado das relações entre valores culturais, sociais, econômicos e políticos,
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e então a violência pode ser apontada como resultado dessa relação. Logo,
aplicar rotulações ao local e aos que de lá são partícipes sem um contexto
crítico e político, se torna no mínimo inviável.
visã
[...] “Não é mentira, passaram aqui algumas viaturas dizendo que era
melhor as pessoas ficarem em casa, recolhidas. Nós vivemos sobressal-
Ed
tados aqui. Ladrão tem aos montes, mas hoje estou me sentindo mais
prisioneiro do que quem está atrás das grades. Esperamos que todos sejam
presos” (PARAENSE, Roberta. População contesta órgãos de segurança:
ão
realidades na qual o dito “cidadão de bem” que deveria andar sem medo e
livremente pelas ruas é aprisionado atrás das grades de sua residência, e os
criminosos estão soltos quando deveriam estar na cadeia. Lê-se por meio
destas narrativas um clamor para que uma medida imediata seja tomada,
independente dos mecanismos que podem ser utilizados para sua garantia.
160
or
por aqueles que são legitimados como “heróis”.
od V
aut
Na capela, o sargento PM Silvano da Polícia Militar dedicou ao amigo um
momento de honras. “A população está dizendo que perdeu o seu herói.
Se o governo Simão Jatene diz que o cabo Figueiredo era um assassino,
R
nós dizemos que ele é um herói, que nunca nos abandonou”, afirmou
(AZEVEDO, Gabriela. Policiais reclamam de Jatene no enterro de cabo.
o
Diário do Pará, Caderno Polícia, 07/11/2014, p. 4).
aC
Rotam, bairros como Terra Firme, Jurunas e Guamá, já foram bairros mais
a re
conflituosos que nos dias atuais, mas ainda possuem um elevado índice
de criminalidade (DANIEL, Michelle. Corpo do PM será sepultado hoje:
policiais cobram ação e estratégias do governo. Diário do Pará, Caderno
Polícia, 06/11/2014, p. 3).
par
mas não nos fica claro de que forma esta criminalidade era combatida. Neste
ver
(CRUZ-NETO; MINAYO, 1994, p. 209). Relevante ainda dizer que suas ações
atuam de forma articulada com outros autores interessados em uma “limpeza
social”. Sua origem está articulada às práticas de justiça fora e acima da lei,
e ao coronelismo. Há uma convivência mais ou menos pacífica por parte dos
populares em relação a figura do justiceiro, pois a ele é atribuída a função de
combater o crime que aprisiona “pessoas de bem” em suas casas. Esta aceita-
ção por sua figura vem ora pelo medo, ora pela aprovação no acometimento
or
de seus êxitos em eliminar os que causam problemas sociais (CRUZ-NETO;
od V
MINAYO, 1994). “A oposição é sempre a ameaça à população e, portanto,
aut
o bandido deve ser, à maneira do criminoso da narrativa trivial, derrotado”
(MAGALHÃES; SILVA; BATISTA, 2007, p.23).
R
“Vamos parar todos que levantarem algum tipo de suspeita, o que tem
sido propagado das redes sociais é uma própria tentativa de desmora-
o
lização da segurança pública dos bandidos. Eles querem amedrontar a
aC
sociedade, disse o major Mário Dias (PARAENSE, Roberta. População
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nar que manipula interesses. Todavia, não o pode fazer sem concomitantemente
gerir os perigos e os mecanismos de segurança que formam o par segurança/
s
liberdade, estratégia esta que deve garantir que um indivíduo ou uma coleti-
ver
vidade fiquem minimamente expostos ao perigo. O autor nos coloca que por
todos os lugares somos incentivados a ter medo do perigo que se trata de certo
modo: “a indicação, o correlato psicológico e cultural interno do liberalismo.
Não há liberalismo sem cultura do perigo” (FOUCAULT, 2008b, p. 91). Isto se
estende ao neoliberalismo e ao sensacionalismo pelo qual somos atravessados
162
todos os dias, principalmente pelos discursos que as mídias nos colocam. Nesse
sentido, o medo é o elemento estruturante e psicológico da sociedade para que
esta possa funcionar em um nível neoliberal, então a possibilidade de liberdade
dada pelo neoliberalismo, e pelo afastamento do estado que intervém na vida dos
cidadãos, só pode se manter por meio de uma contrapartida que é a criação do
perigo eminente. Assim, podemos perceber a existência da complementaridade
de dois elementos que parecem paradoxais: a liberdade e o perigo.
or
Amaral (2006) expõe que o sensacionalismo abrange o exagero, a explo-
od V
ração do extraordinário, a valorização de conteúdos descontextualizados, a
aut
intensificação e a valorização da emoção. Este objetiva caracterizar estratégias
da mídia em um contexto mais geral, sobrepondo-se ao interesse público por
meio da deformação, da simplificação, da banalização da sexualidade, da
R
ridicularização de pessoas humildes. Atrelado ao sensacionalismo jornalístico,
há uma construção do pânico e medo, tendo em vista que um dos objetivos da
o
mídia sensacionalista é realçar os detalhes “sórdidos”, lançando sobre eles uma
aC
narrativa que irá torná-los os mais aberrantes e bizarros possíveis, difundindo
A cada hora oito pessoas são roubadas no Pará. Diário do Pará, Caderno
a re
é sair de casa, mas saber se retorna sem ter sido admoestado por um mal-fei-
ver
tor. A insegurança está por toda a parte [...] o terror da noite passada, com a
matança promovida por agentes da lei que deveriam zelar pela segurança dos
que pagam seus salários – das autoridades responsáveis pela investigação das
mortes não admitem oficialmente o que já sabem - é o retrato de uma Belém
sitiada pela banalidade do crime (MENDES, Carlos. O Pará está de joelhos
diante da violência. Diário do Pará, Caderno Política, 06/11/2017, p. A3).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 163
or
lência é um retrato político, econômico e social presente em várias sociedades,
od V
tendo em vista que todos os seres humanos podem vir a transgredir normas
aut
e regras, leis que compõem uma sociedade. Todavia, em nosso contexto, ao
falarmos de violência e transgressão, nos vem a figura do jovem negro, pobre
e delinquente e ao pensarmos em uma solução, presamos pelo imediatismo
R
que extermine o “mal”, ou seja, a “resolução” é a clamor por mais violência.
Apresenta-se então uma capacidade social irônica de excluir, segregar, vio-
o
lentar e achar que algo será resolvido. Não se pensa em seres humanos e sim
aC
em uma determinada camada social que possui um status de boa cidadania.
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cializar estes sentimentos, de forma que nosso discurso passa a ser irracional e
primitivo, na busca por mais violência de um povo que se diz civilizado e justo.
or
anos, na manhã da última sexta-feira (20), a Grande Belém foi palco de uma
verdadeira chacina. Diário do Pará, Caderno Especial, 23/01/2017, p. A2).
od V
aut
É muito sangue [...] A confirmação da morte do militar foi divulgada no
final da manhã, quando já haviam sido registrados 3 homicídios na grande
R
Belém, desde os primeiros instantes da madrugada. E depois de sua morte,
uma verdadeira onda de execuções tomou conta de vários bairros da grande
Belém (D’ALMEIDA, Denilson. Violência sem limites: 16 assassinatos.
o
Diário do Pará, Caderno Polícia, 21/01/2017, p. 4).
aC
vez vemos a vingança como parâmetro de justiça, tendo na morte dos policiais
a re
contexto da luta do bem contra o mal, mas cabe a seguinte pergunta: Quão cida-
dão de bem eu sou, quando tiro a vida de alguém sem ser em legítima defesa?
Ed
Estamos diante de execução não “em nome da lei” como costumamos ouvir, mas
sim acima da lei, com legitimidade social e política. Nesse cenário, na verdade,
ão
or
afirmam que a ocorrência de chacinas, sugerem a existência de uma cultura homicida
od V
institucionalizada pelas corporações policiais e assentidas pela sociedade civil, mas
aut
que não conseguem contemplar a complexidade de uma dinâmica genocida que
ocorre cotidianamente no Brasil. Assim, “as mortes violentas e as chacinas começam
a se tornar toleráveis e não provocam mais indignação, e são até mesmo desejadas,
R
como forma de diminuição das ameaças pessoais” (KOURY, 2011, p. 276). Esse
discurso do medo se apresenta no meio jornalístico, mas também irá se mostrar de
o
outras formas, através dos meios de comunicação populares. Estando presente um
aC
dispositivo de subjetivação eficiente, posto que não se limita ao discurso oficial do
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eleitos e que defendem ações punitivas perante a dita “guerra contra o crime”.
“Os pobres mortos por balas perdidas ou em função da violência policial são
Ed
seminou nos quatro cantos da cidade. Apesar da boataria gerada nas redes
ver
or
contribuíram para aumentar o pânico entre a população (DA REDAÇÃO.
Morte de policial gera onda de violência. Diário do Pará, Caderno Polí-
od V
tica, 05/11/2014, p. A4).
aut
Após as chacinas, vídeos, imagens e áudios transitaram pelas redes
R
sociais de forma a potencializar a sensação de medo, terror e guerra. Várias
pessoas receberam em seus celulares, uma série de fotos de pessoas mortas,
corpos ensanguentados espalhados pelo chão, áudios e vídeos onde supostos
o
bandidos desafiavam policiais e os ameaçavam de morte caso estes tentassem
aC
produzir o caos esta é. Góes (2013) nos traz que o jornalismo sensacionalista
a re
ao ocorrido nas redes sociais. Diante das séries analisadas percebemos que
Ed
Conclusões provisórias
or
de periferia, enfatizando os fatídicos acontecimentos que são justificados
od V
pela vida pregressa do sujeito, de maneira a defini-lo, e classificá-lo por sua
aut
conduta em determinado contexto.
Atrelado a isto, partimos de um pressuposto de que o local do crime
sempre se trata de uma periferia, de forma a abordarmos durante a construção
R
do trabalho, o bairro do Guamá como este local famigeradamente perigoso.
O Guamá é evidenciado como um dos bairros mais violentos e taxado de
o
“zona vermelha”. Todavia, é relevante ressaltar que a violência é uma reali-
aC
dade presente na cidade como um todo. Não obstante, o palco da violência
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or
falacioso dizer que não somos atravessados por essa lógica neoliberal, pela
od V
ideia da pessoa de bem e com bons valores. Somos colocados como peça
aut
partícipe da engrenagem que faz girar dispositivos que padronizam o que é
ser um cidadão de bem. Contribuímos para a normalização do sujeito - nem
sempre de maneira esclarecida, mas ainda assim, o fazemos. Contudo, é indis-
R
pensável que nos vejamos implicados a criticar este lugar que nos é posto, que
apliquemos também nossas resistências e que fujamos do lugar cientificista
o
daquele que tudo sabe.
aC
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od V
José de Arimatéia Rodrigues Reis
aut
Pedro Paulo Freire Piani
Alcindo Antônio Ferla
Ataualpa Maciel Sampaio
Introdução
R
o
aC
É bastante frequente, nos discursos e práticas sociais, certa associação
de pessoas pobres, em situação de rua, ou usuárias de substâncias psicoativas,
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vidos nesta situação, e promover estratégias adequadas para lidar com fenômeno.
O número de estudos científicos sobre pessoas em situação de rua vem
aumentando ao longo das últimas décadas, com várias definições propostas para
caracterizar esse público e as causas para viverem nas ruas apontadas como variá-
veis e potencializadas por diversos e diferentes fatores, sugerindo complexidade
nas interações entre o sujeito e a sua inserção nos contextos sociais, econômicos
e políticos (VALENCIO et al., 2008; JESUS; MENEZES, 2010).
176
or
et al., 2012; ABREU, 2013; ANDRADE, COSTA; MARQUETTI, 2014;
od V
NASCIMENTO, 2016).
aut
Assim, é frequente na literatura o consumo problemático de álcool e
substâncias ilícitas associados a pessoas que estão ou vivem nas ruas, com
afirmações de que o uso em geral de drogas nas ruas é significativo, ainda
R
é crescente entre os mais jovens, e é um dos que mais leva os sujeitos às
situações de rua, e o fato deste fenômeno estar sendo bem documentado no
o
mundo inteiro por estudos e pesquisas corrobora fatores como a ocorrência
aC
or
minado biopoder, o qual atua de duas formas principais. Uma delas é através
do eixo disciplinar, centrado no corpo como se fosse uma máquina, para ades-
od V
trá-lo e ampliar as suas aptidões, sua utilidade e docilidade. A outra forma de
aut
controle se dá pelo eixo biopolítico, também centrando-se nos corpos, porém
enquanto espécie, através dos processos de regulação na duração da vida e nas
R
condições de morte, nascimento, saúde-doença, e controle das epidemias, com
menos repressão e punição, e mais produção de verdades e normas incidindo
o
nas relações, no cotidiano e nos modos de subjetivação (Ibidem).
aC
No capítulo a seguir, serão discutidas algumas implicações da noção de
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biopolítica criada por Foucault para a temática das pessoas em situação de rua
que fazem uso de substâncias psicoativas, no intuito de clarificar as estraté-
gias de controle e regulação das subjetividades produzidas para este público,
visã
em seguida ampliando o diálogo para outros autores como Deleuze naquilo
que este denominou sociedade de controle, buscando caminhos teóricos e
resistências possíveis aos assujeitamentos e agenciamentos perpetrados pelos
itor
tos opostos, ainda assim são complementares, pois ambas investem na vida.
O poder disciplinar restringe, interdita e produz confinamento. A biopolítica
estimula o fluxo, o movimento e a mobilidade, logo o exercício do poder
acontece em meio à circulação de práticas sociais, pessoas e mercadorias no
sistema capitalista (FOUCAULT, 1999).
178
or
para o controle dos corpos e a gestão da vida. O Estado passa então a intervir
od V
na população através de políticas de cuidado com a saúde, pela imposição do
aut
fazer viver. As ações do Estado visam transformar as condições ambientais
tornando as cidades salubres, e as condições socioambientais passam a ser
consideradas como determinantes para a saúde (Ibid.).
R
O poder, agora como biopoder, passa a operar sobre a vida, moldando
os sujeitos. Sua ação é voltada não somente para adestrar corpos, mas tam-
o
bém para normalizar condutas. O biopoder está voltado ao mesmo tempo à
aC
dimensão individual e coletiva imposta sobre as populações e o movimento das
or
tornam o sujeito um resultado das estratégias de poder. O governo da conduta
od V
das pessoas demarca, cria critérios do que deve ser o modelo de sujeito, através
aut
das relações de poder-saber, por meio de técnicas, procedimentos e práticas.
O corpo se torna uma realidade biopolítica, e suas estratégias de biopoder se
tornam possíveis quando a medicina e o capitalismo se articulam ao Estado,
R
contribuindo nas formas de governar as populações e configurando as estra-
tégias biopolíticas de poder e controle (Ibidem).
o
Castro (2009) situa também na obra “História da sexualidade I” o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
mas também a regulamentação. Por outro lado, Foucault também nos fala da
ver
or
em situação de rua e em uso de drogas. Segundo Neves (2009) as formas
od V
estratégicas de normalização no exercício do biopoder na realidade brasileira
aut
buscaram se sustentar em práticas voltadas à modificação de hábitos e estilos
de vida, escondendo objetivos maiores de controle político e higienista, não
contribuindo em nada para que os sujeitos pudessem exercer escolhas e cons-
R
truir projetos e modos de vida nos centros urbanos, incluindo as demandas
pessoais, necessidades e expectativas de saúde.
o
aC
Nesse sentido, a promoção da saúde pública brasileira estava sobre a
álcool e outras drogas apareceram nos espaços das ruas nos centros urbanos,
ver
or
pondo estratégias para minimizar fatores como fome e frio, contribuindo para
od V
o enfrentamento das dificuldades inerentes à vida nas ruas. Por fim, muitos
aut
desses sujeitos não foram para os espaços públicos com o propósito de usar
drogas, mas ao permanecer neste contexto, passaram a utilizar substâncias
psicoativas como meio de inserção nos grupos de rua.
R
Numa visão mais conservadora, Goulart, Sampaio e Guedes (2011) apon-
tam uma inter-relação entre a dependência do uso do crack e a população em
o
situação de rua, enquanto um assunto atual e de forte impacto na sociedade,
aC
tornando o uso de drogas ilícitas não mais somente uma questão de saúde
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or
a interdição pela lei penal, sob ameaça de pena, fará as pessoas mudarem seus
od V
hábitos e deixarem de consumir determinadas substâncias, apenas pelo fato destas
aut
serem colocadas na categoria de ilícitas” (BOITEUX, 2015, p. 145).
Para Bokany (2015) a questão das drogas é tratada como “caso de polícia”
no Brasil, e essa complexidade envolve na realidade diversas contradições
R
e conflitos, gerando estigmas e preconceitos aos usuários, indicando uma
dupla penalização – a social e a legal. Abordar o problema das drogas como
o
crime dificulta vê-lo em sua dimensão real, advinda da exclusão social, de
aC
problemas raciais e de classe, ausência de justiça social e de oportunidades,
or
Tais sujeitos parecem possuir agenciamentos performáticos mais voltados
od V
ao presente nos contextos de vida, com claras implicações na subjetividade
aut
pelo histórico frequente de ausência de cuidados parentais, menos recursos
tanto materiais quanto socioemocionais para planejamento de ações futuras, e
baixo autocontrole disposicional em suas trajetórias pessoais, gerando grande
R
impedimento a uma nova ressocialização por conta das formas como refletem
sobre si mesmos e da sensação de fracasso na sua relação com o mundo.
o
aC
[...] evidenciamos uma larga penetração do crack nas frações de classe mais
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
De acordo com Souza (2016) a classe social por ele denominada como
ver
(ou azar) nos centros urbanos do país. Ou seja, jamais houve no Brasil qual-
quer visão de igualdade de classes ou consciência da necessidade de resgatar
pessoas excluídas socialmente.
Para este autor, a humilhação social secular perpetrada no Brasil, junto à
marginalização praticada cotidianamente, incluindo ainda a discriminação pela
cor da pele ou pela “raça”, tais como forma exterior de perceber os sujeitos e
inferiorizá-los, faz emergir o dado fundamental de que tais sujeitos passaram
or
a se perceber e assim reproduzir práticas sociais de uma classe sem condições
od V
emocionais e morais de incorporar “conhecimento”, ou seja, sem conseguir
aut
adquirir o “capital cultural” que a sociedade moderna precisa em todas as suas
funções, ficando fora do mercado de trabalho competitivo.
R
Na verdade, ninguém “escolhe” ser pobre e diuturnamente humilhado.
Como somos constituídos por herança familiar – e, portanto, por herança
o
de classe, já que cada classe possui suas socializações familiares típicas
aC
– e por certos pressupostos emocionais e morais como capacidade de
sificação social verificado no discurso das pessoas que usam drogas (Ibidem).
Nos dois casos, a “desclassificação objetiva”, ou seja, que é “sentida”
Ed
A regra da igualdade social entre as pessoas não deriva, então, das Leis
ver
or
populares. Mais ainda entre os que estamos chamando de desclassificados.
Nesses casos, para muitos, a reação é dirigida contra si mesmo e o consumo
od V
da droga é uma tentativa desesperada de fugir de um cotidiano intragável
aut
ainda que o consumo progressivo apenas aumente o desprezo social e a
degradação subjetiva e objetiva (SOUZA, 2016, p. 37).
R
Para De Paula Souza (2013) o regime de biopoder em relação ao uso
de drogas é inserido a partir da emergência de um novo objeto de governo: a
o
população. Um regime de verdade sobre o corpo e a subjetividade serve de
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
entre prazer e razão, campo que ainda haveria de ser adensado, investigado
a re
Seria necessário ainda que o tema das drogas fosse construído enquanto
um problema de ordem política, econômica e social. Assim, a construção
Ed
das drogas como um problema que permitiu a junção entre estas duas séries
(prazer e delinquência) começou agenciada ao nascimento da biopolítica,
por volta do século XVIII (DE PAULA SOUZA, 2013, p. 88).
ão
bem como se torna alvo das políticas sociais. As redes de controle e a expansão
das tecnologias de poder apoiam a política global sobre as drogas a partir do
tema da proteção e preservação da vida humana por ela ameaçada (Ibidem).
Uma das narrativas do século XX pode então ser sobre o processo de intensi-
ficação do poder do Estado sobre as drogas. Utilizando as bandeiras da abstinência
186
or
Portanto, são bem explícitos os mecanismos de controle na gestão da
od V
população, nas políticas de uso de drogas em situação de rua, orquestrada
aut
em conjunto à política de individualização disciplinar dos sujeitos, visando
à docilidade e utilidade dos corpos. Para Foucault as duas práticas convivem
juntas lado a lado, com seus efeitos biopolíticos e seus paradoxos, os quais
R
são potencializados se incorporados aos mecanismos de segurança, na justiça
e na economia. A promessa de proteção do meio social pode ser desvirtuada
o
em uma política social e estatal racista, fascista, repressiva e excludente, facil-
aC
mente aliada às tecnociências na criminalização e atribuição de delinquências
o uso de drogas). Segundo ele, existe uma pobreza integrada, isto é, pessoas
ver
or
ao trabalho, sem família e moradia), os rejeitados sociais.
od V
Para Goffman (2013), o ser humano faz algumas exigências sociais no
aut
contato com um indivíduo, muito embora frequentemente não haja um reco-
nhecimento da existência dessa atitude. A partir dessas exigências pré-esta-
R
belecidas, há um questionamento: “essas exigências são preenchidas?”, de
acordo com o autor, é nesse ponto que “o caráter que imputamos ao indivíduo
poderia ser encarado mais como uma imputação feita por um retrospecto em
o
potencial – uma caracterização “efetiva”, uma identidade social virtual”, ou
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
seja, aquilo que se espera e se deseja encontrar, mas pode não ser encontrado.
Mais adiante, Goffman afirma que para um ser humano ser aceito “a categoria
e os atributos que ele, na realidade, prova possuir, serão chamados de sua
visã
identidade social real”, e ao haver discrepância entre o que é esperado e aquilo
de fato encontrado, surge o estigma. Desta forma, é possível afirmar que:
tico radical”. Por último, “há os estigmas tribais de raça, nação e religião, que
ver
or
Em alguns contextos sociais, mais do que em outros, a relação entre a
od V
ocupação de espaços públicos e do uso de substâncias em uma condição de
aut
marginalidade, termo utilizado por Castel, ou de estigma, termo apontado
por Goffman, são mais evidentes no seu aspecto da exclusão social. Por outro
R
lado, em diversos cenários urbanos, o problema do desemprego, da moradia,
da pobreza, da marginalização e do controle social, vai gerando essa exclusão
o
naqueles que não se enquadram na sociedade produtiva atual, assim como
vai impondo um padrão de criminalização das práticas sociais, a pessoas
aC
dos espaços urbanos e na higienização das cidades, ou ainda no uso das técnicas
disciplinares nos operários e nas classes trabalhadoras e populares, ou ainda
Ed
or
Na sociedade de controle, Deleuze cita o exemplo da crise dos meios
asilares e de confinamento, os quais passam a funcionar como forma de con-
od V
trole ao ar livre rivalizando, assim, com os mais duros sistemas fechados
aut
das sociedades disciplinares referidas por Foucault operando, entretanto,
pela setorização, pelos cuidados a domicílio, pela seguridade permanente e
R
universal, os quais de início parecem querer marcar novas liberdades, mas
também passam a integrar mecanismos de domínio, pois já não existe o par
o
massa-indivíduo, e os indivíduos se tornaram então divisíveis, “dividuais”,
aC
e as massas tornaram-se amostras, bancos de dados, partes do mercado de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
como uma chave para a ordem social e o progresso econômico, com postos
de trabalho para todos e uma função produtiva para cada um.
s
or
verificado como dejeto da sociedade de consumo. Á medida que a cidade
od V
se renova, as pessoas e as suas formas de existir se renovam junto. A metá-
aut
fora aqui aplicada é a de que o planeta está, na visão de muitos, “cheio”, ou
mesmo “quase inapropriado para se viver”, afirmação bastante questionável.
Portanto, seria necessário esvaziar o mundo e as grandes cidades, excluindo
R
os dejetos e o lixo acumulado em toda parte, assim como eliminar socialmente
quem não produz, quem incomoda, e ainda, criar soluções para os problemas
o
relacionados às superpopulações urbanas (Ibid.).
aC
Para explicar o processo de exclusão e desigualdade social, Bauman
coisas que são imanentes e que tendem permanecer como são. Ser “Redun-
dante” significa ser extranumerário, desnecessário, sem uso – quaisquer
que sejam seus usos e necessidades responsáveis pelo estabelecimento
s
era serem chamados de volta ao serviço ativo. Como esse fato acabou não
ocorrendo, tanto pela insuficiência de empregos a todos, como pelo excesso
de produção, o destino do refugo passou a ser o depósito de dejetos, o monte
de lixo, enquanto o excesso de mão de obra humana passou a ir para as ins-
tituições, os hospitais, os asilos, as prisões e as ruas (Ibidem).
Apesar da existência de experiências valiosas executadas no Brasil e no
exterior voltadas para pessoas em situação de rua que fazem consumo de subs-
or
tâncias psicoativas, a realidade das políticas públicas brasileiras ainda deixa
od V
larga margem para a exclusão social dos sujeitos fora do mercado produtivo
aut
e sem a cobertura de vínculos familiares, comunitários e institucionais, aos
quais Robert Castel chamou de vulneráveis ou desfiliados sociais, e Zygmunt
Bauman classificou como redundantes ao modo de vida capitalista, podendo
R
ser tratados como refugos do sistema produtivo, feito sobras, restos excedentes
a serem descartados em algum momento, com os quais não se sabe o que fazer.
o
A temática do pertencimento ou da marginalidade social e, por fim, da
aC
indigência, abordadas por Castel, assim como da redundância, na condição
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
pela sociedade disciplinar, em última instância através das prisões.
od V
Na história do consumo de drogas, se não há uma relação direta em todas
aut
as épocas com a situação de vida nas ruas, sendo talvez esta uma característica
mais presente nas sociedades urbanas dos séculos da era moderna, aparece,
R
no entanto, uma relação constante com o binômio proibição-liberação do uso
em diversas sociedades através dos tempos, sendo em muitas delas comum
o
a repressão, a criminalização, a patologização e a punição dos sujeitos, que
podem ser revertidas e retomadas de tempos em tempos, em acordo à dinâmica
aC
ticas públicas e dos pesquisadores em geral tem se deparado cada vez mais
com uma realidade antes aparentemente mais invisível da população de rua,
s
or
como Goffman enquanto portadoras da noção de estigma social, pois estariam
od V
sujeitas a todas as mazelas sociais possíveis, assim como a todos os rótulos
aut
e preconceitos existentes no imaginário urbano e capitalista, exercido coti-
dianamente através das relações de poder nos contextos sociais, tanto pelos
governos quanto por sujeitos e instituições em geral.
R
Como foi visto no capítulo anterior, Foucault concebe as relações de
poder e normalização das práticas biopolíticas e disciplinares gerando indi-
o
víduos sob medida às normas sociais estabelecidas, submetidos aos discursos
aC
dominantes e ao biopoder (poder sobre os corpos, na saúde das populações,
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formando cadeias e sistemas, sem ser, no entanto uma estrutura, ainda que
se concretize, em última instância, frequentemente através dos governos, do
s
12 É importante ressaltar que a associação direta e generalizada entre pessoas em situação de rua e o consumo
ver
or
ao poder. Deve-se afirmar que estamos necessariamente “no poder”, que
dele não se “escapa”, que não existe, relativamente a ele, exterior absoluto,
od V
por estarmos inelutavelmente submetidos à lei? Ou que, sendo a história
aut
o ardil da razão, o poder seria o ardil da história – aquele que sempre
ganha? Isso equivaleria desconhecer o caráter estritamente correlacional
R
das relações de poder. Elas não podem existir senão em função de uma
multiplicidade de pontos de resistência que representam, nas relações de
poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite
o
apreensão. Esses pontos de resistência estão presentes em toda a rede de
aC
poder. Portanto, não existe, com respeito ao poder, um lugar da grande
Em outra obra, Foucault (1995) critica por sua vez tanto a noção de poder
absoluto quanto fala mais concretamente em possibilidades de resistência do
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 195
or
od V
Gostaria de sugerir uma outra forma de prosseguir em direção a uma nova
aut
economia das relações de poder, que é mais empírica, mais diretamente rela-
cionada a nossa situação presente, e que implica relações mais estreitas entre a
teoria e a prática. Ela consiste em usar as formas de resistência contra as dife-
R
rentes formas de poder como ponto de partida. Para usar uma outra metáfora,
ela consiste em usar esta resistência como um catalisador químico de modo
o
a esclarecer as relações de poder, localizar sua posição, descobrir seu ponto
aC
de aplicação e os métodos utilizados. Mais do que analisar o poder do ponto
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plano individual, a qual vem sendo imposta ao longo da história das práticas
a re
nossos dias não consiste em tentar liberar o indivíduo do Estado nem das
instituições do Estado, porém nos liberarmos tanto do Estado quanto do
Ed
or
suas escolhas e, portanto, como um projeto de vida nas sociedades modernas e
od V
pós-modernas, sustenta-se também em estratégias de resistência individuais e
aut
coletivas, de modo que as pessoas por vezes assumam o controle de sua vida,
de sua saúde, de seus comportamentos e práticas sociais através da capacidade
de autodirecionarem-se em suas formas de subjetivação.
R
Este é um sujeito definidamente histórico, bem com a sua subjetividade
o
e as suas formas de subjetivação. Marcado temporalmente e atrelado aos
aC
jogos do saber e do poder, este sujeito estaria para Foucault situado em
dos sujeitos nos modelos sociais dominantes, quanto pode apontar para outros
modos de representar o mundo e de viver numa sociedade de outro tipo, dife-
rente das superestruturas capitalísticas que esmagam o indivíduo, inclusive nos
aspectos de desigualdade e exclusão social, impedindo o acesso democrático,
coletivo e participativo às políticas sociais.
Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística– tudo o que nos chega
or
pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é
apenas uma questão de ideia, não é apenas uma transmissão de significações
od V
por meio de enunciados significantes. Tampouco se reduz a modelos de
aut
identidade, ou a identificações com pólos maternos, paternos, etc. Trata-se de
sistemas de conexão direta entre as grandes máquinas produtivas, as grandes
R
máquinas de controle social e as instancias psíquicas que definem a maneira
de perceber o mundo. As sociedades “arcaicas”, que ainda não incorporaram
o
o processo capitalístico, as crianças ainda não integradas ao sistema, as
pessoas que estão nos hospitais psiquiátricos e que não conseguem (ou não
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
veis num contexto de mudança social não funcionam apenas no registro das
a re
ideias, mas dizem respeito ao próprio coração dos indivíduos, nas maneiras de
perceber o mundo, de buscar articulações no tecido urbano, visando alcançar
os processos maquínicos do trabalho, combatendo a ordem social que dá sus-
tentação a essas forças produtivas. Logo, qualquer tentativa de revolução ou
transformação macropolítica ou macrossocial, envolve produções de subjeti-
par
or
seriam na verdade condições para tentativas revolucionárias de minar as forças
od V
capitalistas, de escapar do controle, das ataduras, dos nós, da repressão e dos
aut
impedimentos complexos exercidos pelo sistema.
Seriam as “linhas de fuga”, forças revolucionárias e renovadoras das
condições de bloqueio impostas pelo sistema capitalista aos coletivos, aos
R
indivíduos e comunidades. Deleuze afirma saber que essas micro fugas das
macroestruturas atuais não são por si sós suficientes para revolucionar os
o
modos de vida contemporâneos, porém seriam caminhos, rotas, saídas ines-
aC
peradas buscando formar verdadeiramente as “máquinas revolucionárias” e
Essa parece ser a intersecção teórica que possuem os autores convocados nesta
ver
or
econômico atual são consideradas, sobretudo, um problema financeiro. Preci-
od V
sam ser “providas”, e tal significa ofertar vestuário, doar alimentos, abrigá-las.
aut
Por sua condição, não sobrevivem com um mínimo de dignidade, se deixadas
sozinhas. É válido afirmar, segundo o autor, que a resposta à redundância é
financeira, tanto quanto a definição do problema, se pensadas em termos de
R
“esmolas” fornecidas, reguladas promovidas e testadas pelo Estado em rela-
ção aos meios disponíveis, os chamados benefícios da previdência, incentivo
o
fiscais, isenções, concessões, pensões.
aC
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tada de modo efetivo, esse fato não chegaria nem perto de assegurar a
sobrevivência social. Não será suficiente para a readmissão dos “redun-
dantes” à sociedade de que foram excluídos (BAUMAN, 2005, p. 21).
ão
or
pessoas “suscitam problemas”, passando a ser rejeitadas e estigmatizadas,
od V
ficando fora de qualquer pertencimento ou filiação social.
aut
O personagem tipo da zona de grande marginalidade, ou de desfiliação,
é o vagabundo. Ele não trabalha, apesar de poder trabalhar, no sentido de
R
estar apto ao trabalho. Ao mesmo tempo, ele está cortado de todo apoio
relacional. É o errante, o estrangeiro que não pode ser reconhecido por
o
ninguém e se encontra rejeitado, de fato, por toda parte. Consequentemente
sobre ele recaem medidas repressivas cruéis, do rechaçamento à exposição
aC
drogas, etc.) os quais não estão nem integrados nem aceitos no meio social.
Bauman e Castel assinalam o desemprego, a crise salarial e do consumo,
Ed
or
insatisfação social aos que se encontram incluídos no sistema socioeconômico
od V
e político, sendo alvo de estigmas, marginalizações, higienizações, crimina-
aut
lizações, exclusões, e no último grau, punições, encarceramento, violência,
eliminação, banimento, eugenia, extermínio.
As populações em situação de rua existem pelo menos desde o final da
R
idade média, quando as classes pobres foram expulsas das grandes proprie-
dades de então, tendo de buscar sustento no mundo do mercado e nas ruas
o
das cidades emergentes. Tal configuração existente desde o surgimento do
aC
capitalismo só veio a mudar nos séculos seguintes, quando a mesma popula-
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ção pobre que se acostumou a ocupar a rua para sobreviver, teve que sair de
alguns espaços urbanos agora higienizados e ordenados para a circulação do
consumo e do trabalho, na nova concepção de cidade da passagem do século
visã
XIX para o século XX, resistindo, no entanto, em ocupar o espaço público
mesmo num contexto de exclusão social e repressão estatal.
Segundo Burzstyn (2003) a existência de populações vivendo em situação
itor
de rua não é um fato social novo ou um problema recente, pois a sua origem
a re
preender esse fenômeno de maneira isolada, pois fez parte de amplos contextos
históricos e sociais, aos quais pôde estar integrado de modos distintos, e que foram
sendo modificados com o tempo, passando desde a utilização de vários tipos de
s
dentre outras atividades cotidianas, até casos em que a droga tem sido um veículo
privilegiado para a comunicação com o mundo dos espíritos e com o sobrenatural.
Igualmente, para Pechman (1994) a realidade das pessoas utilizarem
espaços públicos para viver, existe na verdade desde o surgimento da huma-
nidade, porém aparecem também diferenças e especificidades. No século
202
or
pois também se constituía enquanto espaço de resistência.
od V
A ideia de urbanização como restrição à circulação da população nas cidades
aut
foi na verdade a base das intervenções urbanistas e higienistas, ainda no século
XIX, visando assim instalar a ordem social pela ordem urbana. Portanto, houve
um reordenamento da cidade orgânica, na geometria hoje típica da paisagem
R
urbana, com regras de como dever ser uma cidade, onde o espaço público deixa
de ser o lugar no qual se forjava a cultura popular, e passa a ser um espaço de cir-
o
culação, no qual a rua é agora o principal elemento de circulação urbana, voltada
aC
para as esferas do consumo e do trabalho, e a casa passa então a ser representada
or
Brasil, houve retrocesso em função da contra reforma do Estado e a drástica
od V
redução de investimentos nas políticas sociais, frutos da implementação do
aut
receituário neoliberal no país, gerando o crescimento da ocupação das ruas
por pessoas socialmente excluídas.
Para o autor, as populações mais pobres, as quais ocupavam antes um
R
nível inferior do sistema, mesmo que sem possibilidades de emprego e, por-
tanto, sem acesso ao consumo, são excluídas definitivamente do circuito
o
capitalista, passando a sobreviver valendo-se apenas de um acesso precário
aC
a mecanismos públicos, como a assistência social e os serviços de saúde e, de
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desigualdades insuperáveis.
Vários tipos de estigma ocorrem nos dispositivos sociais, relacionados a
pessoas em situação de rua, por exemplo, as quais têm em sua história julga-
mentos éticos (portadoras de doenças crônicas ou infectocontagiosas, loucos,
andarilhos, indigentes), reprovação moral (vagabundos, usuários de drogas,
204
or
de caráter complexos e multifacetados, de modo que as substâncias psicoativas
od V
passam a serem concebidas, principalmente pelos governos, estruturas estatais e
aut
práticas políticas, como uma problemática social a ser combatida e/ou controlada.
R
ilegalidade, o que não significou nem de longe o fim de seu consumo, outras
foram tornadas símbolos do avanço científico na busca pelo aprimoramento
o
humano. Outras, ainda, como o álcool e o tabaco, ficaram aparentemente às
aC
margens do dispositivo, sendo atravessadas por outros feixes, esses muito
que o mercado e a oferta de cada uma das substâncias vendidas mundo afora
(cocaína, maconha, LSD, heroína, crack, entre outras) possua uma dinâmica
a re
or
Torna-se comum a detenção de pobres, negros e jovens de periferia, o
od V
diagnóstico e a patologizaçao das condutas do usuário de drogas, fazendo sur-
aut
gir personagens sociais como o dependente químico, demonstrando o quanto
as concepções sociais e as políticas públicas sobre drogas se pautam em
vertentes proibicionistas, associadas à psicopatologização e medicalização
R
de indivíduos e populações (Ibid).
Por fim, o discurso criminalizador e patologizante dos usuários de drogas
o
é também socialmente sustentado pelas agências políticas, judiciais, policiais
aC
e penitenciárias, associadas às agências internacionais; agências de represen-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
dessa população no imaginário social. Associação que se revela verdadeira, na
maioria dos casos; porém, sua explicação é comumente inadequada. Social-
od V
mente, costuma-se argumentar que a dependência extrema leva o sujeito
aut
à situação de rua. Entretanto, a relação de causa e efeito pode se mostrar
inversa: devido à extrema vulnerabilidade social, o indivíduo em situação de
R
rua tem dificuldade para suportar o sofrimento físico e psicológico sem algo
que amenize a vivência da dura realidade. (DANTAS et al., 2012, p. 271).
o
Abreu (2013), porém, nos relembra que apesar de se observar no segmento de
aC
Moura Jr. e Ximenes (2016) reafirmam que o uso e o abuso de drogas podem
estar relacionados com a situação de rua, como elemento intenso de socialização,
ão
com manutenção de vínculos afetivos e de amizade, e até como substituto das rela-
ções familiares, sendo todos esses componentes importantes para o enfrentamento
s
or
sociais de criminalização e discriminação dos usuários de drogas em situação
od V
de rua, pois são comuns a culpabilização do sujeito e uma dupla atribuição de
aut
estigma, tanto pela condição de rua quanto pelo uso de substâncias.
R
de abuso de drogas pode ser duplamente estigmatizada, pois já há um
reconhecimento depreciativo na sociedade sobre as pessoas que fazem
o
uso e das pessoas em situação de rua. [...] Dessa maneira, deve-se romper
aC
com essa espiral opressora de uma forma de reconhecimento depreciativa,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
assujeitada e sem exercício do próprio desejo. A vida na rua como uma obra
a re
uma ou mais cidades, vai exigir uma resistência política em que cada sujeito
cria a sua forma de arte em resistir à morte do desejo, para manter sua saúde
mental e viver na rua à espera de um corpo que vai nascer, explodir, poder
ão
or
de rua, pensado a partir dos exercícios de resistência, mostra a sua potência
de luta e comprova o desvio das práticas de normalização, no enfrentamento
od V
diário de situações adversas, no registro da violência vivida em si mesmo,
aut
demarcando uma existência feroz a partir das marcas corporais, cicatrizes de
cortes e marcas de bala, denunciando os atos violentos sofridos, mas também
simbolizando a sobrevivência.
R
Outrossim, práticas como o andar à toa pela cidade, fora do tempo urbano
o
cronológico e padronizado, vai sugerir práticas de liberdade para além da margi-
nalização, em condutas realizadas pelos sujeitos a partir um trabalho de si, feito
aC
através do uso de substâncias durante a vida nas ruas. Para Martinez (2012)
o uso do álcool, da maconha e do crack entre moradores de rua, com sua
capacidade de alterar corpos e mentes, vai ser um dos vetores de produção
de sujeitos e relações sociais, transformando os corpos na rua, regulando
par
escolheu. Assim, alguns usuários de drogas vivendo nas ruas não elaboram
explicitamente a categoria vício em relação ao álcool e à maconha. Já o crack
é entendido como uma droga que “vicia” porque domina aqueles que usam,
deixando-os sem condições de cuidar de si, na concepção de que o sujeito
deve dominar as drogas, se não é dominado por elas.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 209
Para viver na rua é preciso “ser esperto”. Dentre as condutas mais impor-
tantes da rua, o “ser esperto” ou “ser ligeiro” são as principais delas. “Ser
ligeiro” significa não se colocar em confusão, não ser pego por ninguém,
estar sempre em alerta. Ao que se nota, “ser ligeiro” remete a uma vigi-
lância constante de si. Beber demais, juntar-se com pessoas de pouca
confiança, colocar-se em confusão, chamar atenção de policiais, são alguns
descuidos que devem ser evitados (MARTINEZ, 2012, p. 11).
or
Assim cuidar de si mesmo nas ruas, ser esperto, estar em alerta e saber
od V
utilizar as drogas de sua escolha são fatores éticos no domínio das relações
aut
consigo mesmo, numa produção de subjetividade considerada comum a todos
os sujeitos em situação de rua, as quais são estratégias e táticas diárias para a
R
alimentação, para pedir dinheiro, mapear lugares seguros, cuidar do próprio
corpo e também consumir substâncias psicoativas, as quais auxiliam na pro-
o
dução de um estado de consciência em vigilância, embora não seja a única
forma de obtê-lo (Ibidem).
aC
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buído entre os pares, àqueles usuários de drogas com longo histórico de uso sem
a re
sofrerem, por causa disto, maiores consequências danosas à sua saúde física.
A convivência com os usuários de crack e o contato com sua cultura
marcada por toda uma terminologia própria, rituais de uso, papéis sociais,
trocas de objetos, corporalidade, tecnologias para o abrigo e sexualidade,
par
da pessoa sobre si mesma. Perceber que para alguns usuários existe certo
objetivo de incorporar a máxima “sou da marginália, sou do crack”, nos diz
algo a respeito de uma identidade desviante advinda de um sentimento de
destino comum. Porém, estes usuários também são capazes de desenvolver
um repertório de respostas ao estereótipo do “nóia” e mesmo de construir
uma autoimagem positiva e vão além. Constroem uma vida cotidiana
em torno do uso do crack que preenche o tempo diário com atividades
or
como a busca por meios para sustentar o consumo, as relações afetivas,
[...] a manutenção a todo instante do barraco, as conversas e uma grande
od V
gama de atividades condizentes com a situação de rua. Sugerimos assim,
aut
a existência de uma dependência social de todas estas relações, vínculos
e práticas proporcionadas pelo uso do crack (ALVES, 2015, p.27).
R
Andrade, Costa e Marquetti (2014) pontuam que morador de rua trans-
forma o espaço da cidade no qual habita, pois interfere nas práticas cotidia-
o
nas de um lugar, redimensiona lugares, (re)significa equipamentos públicos,
aC
reinventa relações sociais, e principalmente, interfere nas concepções públi-
Logo, alguns possuem planos futuros de sair dessa situação de rua, con-
seguir um emprego, uma casa, se reunir e morar novamente com a família, ou
rever a família, mas sem necessariamente sair das ruas, pois vários sujeitos
pretendem continuar a viver e sobreviver nas ruas.
par
acostumaram a viver desta forma e que não trocariam por nada o lugar
e as condições em que vivem. Se ouvir o sofrimento alheio incomoda e
produz sofrimento para o ouvinte, há também um desconforto, desta vez
ão
Para os autores, é comum o uso de substâncias nas ruas com uma sensa-
ção de liberdade, pois na rua há a possibilidade de utilizar drogas a qualquer
momento, e vários não se imaginam mais morando em um apartamento com
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 211
or
falar de um sujeito livre. A liberdade e a autonomia na verdade só podem
od V
existir em oposição aos poderes instituídos, os quais não as impedem, mas
aut
as limitam. Aí aparecem as formas de resistência a um poder que é limitante.
A liberdade é da ordem das resistências às sujeições dos diversos poderes.
R
É, então, no campo das correlações de força (relações de poder x resis-
tências), que nossa questão se põe mais explicitamente: pode-se dizer que
o
o sujeito que aceita se submeter (de bom grado, ou pelos fortes efeitos
aC
da ideologia sobre ele) é suprimido, é anulado. Mas, é certo que, como
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or
od V
Neste sentido, a resistência pode ser entendida como uma força desorgani-
zadora do que estava previamente planejado. As (re) ações de resistência
aut
provocam uma desarrumação nos esquemas, elas provocam a necessidade
de uma (re) organização. Em outras palavras, as forças de resistência são
R
provocadoras de uma movimentação que clamam pela criação de algo
novo. Elas geram efeitos no mundo da vida dos sujeitos que não estavam
o
previstos. Geram novas configurações, que muitas vezes fogem aos cál-
culos pré-estabelecidos (OLIVEIRA, 2014, p. 8).
aC
significa dizer que tais práticas de resistência ou linhas de fuga serão aceitas
e não serão combatidas ferozmente pelas estruturas sociais e governamentais.
As formas de impedir reações como a vida na rua e o uso de drogas, aqui
tomados como exemplo entre muitos outros, são infinitas, e vão da criminalização
par
dos sujeitos mesmo dentro de uma sociedade de controle marcada pelas práticas
biopolíticas e disciplinares, para citar ao mesmo tempo os dois autores.
Para Dias (2013) as experiências dos sujeitos consideradas como resis-
s
or
persos nas suas maquinações produtoras de subjetividade (DIAS, 2013, p. 48)
od V
Logo, a linha de fuga dá consistência à singularização da existência na
aut
possibilidade da experimentação do desejo em diversos campos sociais, não
exatamente para escapar da realidade, mas para afirmar a imanência do desejo,
R
dos processos de subjetivação e forma de resistência na criação de novos
modos de vida, de outros territórios existenciais que fazem fugir a diversi-
o
dade no seio das próprias estruturas sociais onde tais formas dissonantes são
combatidas, rejeitadas e marginalizadas (Ibidem).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
sujeitos, Merhy (2014) assegura que é necessário deixar de ver tais seres
ver
humanos como “os novos anormais” do desejo e da vida, criando outro terreno
de visão no qual o uso das drogas e as saídas sociais para as cracolândias,
por exemplo, posam ser reconhecidas como desejadas e potencializadoras
de outros mecanismos de produção de humanos, abrindo horizontes para a
construção de novos desejos e sentidos para a vida.
214
or
há certezas nem fórmulas prontas, mas há vínculos mais fortes e chances de
od V
se poder viver com mais autonomia (Ibidem).
aut
Na realidade social de hoje, a tolerância e as construções de projetos de
vida baseados no respeito ao desejo, no cuidado e na autonomia de sujeitos
em situação de rua e usuários de drogas ainda são exceção. Como vimos no
R
diálogo aqui travado com os diversos autores convocados, o discurso crimi-
nalizador, marginalizante, patologizador, excludente e medicalizante se faz
o
sustentar pelas agências políticas, de saúde, judiciais, policiais e penitenciá-
aC
rias; as agências internacionais; agências de representações ideológicas como
humanos como não produtivos, como lixo social, refugos redundantes (como nos
Ed
disse Bauman) que já não podem ser aproveitados em uma sociedade produtiva e
já com poucos empregos, a qual não poderá arcar com o sustento de pessoas sem
trabalho, sem profissão, que não são consumidores e não recolhem tributos, exi-
ão
ser reintegrados, a não ser pela abstinência total e pela aceitação da saída das
ver
or
dinários da vida contemporânea que ainda têm escapado à compreensão das
od V
esferas governamentais e institucionais, gerando violências, estigmas e exclusão.
aut
Tem-se, portanto, em relação a pessoas de rua usando drogas um cenário
ainda baseado na rejeição e não adequação ao modus vivendi da estrutura
capitalista, das formas biopolíticas de gestão dos corpos e da sociedade de
R
controle das vidas. Cabe a cada um buscar suas próprias formas de resistência,
pessoais e coletivas, implicando-se na criação de estratégias de superação des-
o
sas concepções assim como de relação com esses seres humanos diferentes e
aC
desiguais, mas humanos na sua maior acepção. Respeitar a vida, a liberdade,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Considerações finais
itor
a re
Este artigo teve como objetivo abordar o tema das pessoas em situação
de rua e em uso de drogas por vários ângulos e interpretações, mas em parti-
cular através da interlocução teórica em alguns autores com certa intersecção
entre si, como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Félix Guattari, Robert Castel,
par
or
ção de rua e pelo uso de substâncias psicoativas em espaços urbanos.
od V
Na construção dialógica aqui realizada, essas resistências podem apa-
aut
recer relacionadas aos processos de subjetivação encontrados nos usuários
de drogas nas ruas como possíveis linhas de fuga da sociedade de controle,
conforme Deleuze analisou, como oposição ao modus vivendi atual, entretanto
R
considerando toda a complexidade relacionada aos temas de uso das drogas
e das situações de rua nas suas possíveis multideterminações subjetivas, pes-
o
soais, familiares, comunitárias, institucionais, políticas, culturais, econômicas,
aC
históricas e sociais.
ou ainda no anseio por uma vida mais livre (ainda que cheia de dificuldades,
ver
or
envolvidos, com frequência estando absolutamente conscientes daquilo que
od V
estão praticando consigo e por si mesmas.
aut
Portanto, espera-se ter contribuído com estes temas (vida na rua e uso
de drogas) os quais com frequência podem estar relacionados, mesmo esta
não sendo absolutamente uma regra geral ou universal, e sim apenas mais um
R
encontro fortuito de fenômenos tipicamente humanos, tranversalizados nas
vidas e nos corpos de muitos sujeitos em busca de si mesmos, perambulando
o
pelas vias das cidades e algures experimentando certas substâncias.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
218
REFERÊNCIAS
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de rua, uso de drogas e o consultório na rua. 2013. 168 f. Dissertação (Mes-
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R
mento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, v. 6, n.
2, p. 467-484, 2016.
o
aC
SNOW, D.; ANDERSON, L. Desafortunados: um estudo sobre o povo da
or
od V
Rodrigo Toledo
aut
João Eduardo Coin de Carvalho
R
A experiência dos estágios em Psicologia no Brasil tem se pautado pela
construção das condições necessárias para que alunas e alunos possam expe-
o
rienciar situações concretas relacionadas à atividade profissional em Psicologia
(CFP, 2013). Na formação, estas primeiras experiências são demarcadoras
aC
dos limites e possibilidades deste trabalho, promovem o conhecimento e a
discussão sobre as condições nas quais as práticas se realizam e permitem
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
história não se encontrava apenas no corpo mas também nas relações e nos
od V
processos que sustentavam a exclusão, a estigmatização e a pobreza.
aut
Este novo cenário de atuação profissional provocou a busca de outras
estratégias e métodos para a formação de psicólogos, um movimento que ainda
tem procurado a medida justa da especificidade que caracteriza seu trabalho em
R
contextos onde já estavam presentes, mas que mesmo assim precisavam ser des-
bravados para uma presença mais efetiva, como a Assistência Social e a Saúde.
o
A experiência na formação de psicólogos para atuação profissional
aC
especificamente na Política Nacional de Assistência Social tem colocado
investimentos, de preparação).
a re
saúde mental e que identifica o campo da assistência social ainda como lugar
da caridade e da beneficência. A aluna que vem para este campo reconhece
o valor político e de compromisso social na sua atuação, mas nem sempre
s
or
e suas aplicações; quando se destaca a dimensão ética associada às práticas
od V
profissionais em psicologia; e, finalmente, quando se discute o compromisso
aut
social do profissional e trabalhador da psicologia.
A formação profissional, um processo que atravessa efetivamente toda
a vida do trabalhador, não se inicia durante o estágio, mas é a consolidação
R
neste primeiro momento – o da graduação – de um trajeto que se inaugura
nos primeiros momentos da aluna no curso de Psicologia. Desta forma, o
o
que o estágio poderá promover para o processo de formação? Quais suas
aC
singularidades e desafios?
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Dois exemplos ilustram o processo e apontam desafios e algumas das
od V
soluções encontradas pelos professores orientadores.
aut
No primeiro exemplo é apresentada uma proposta de intervenção reali-
zada em um Centro de Acolhida para mulheres travestis e transexuais, loca-
lizado na região metropolitana da cidade de São Paulo.
R
Antes de iniciar o trabalho, o grupo de estagiários e o professor orien-
tador estudaram o Dossiê dos Assassinatos e da Violência Contra Pessoas
o
Trans Brasileiras (2019) produzido pela ANTRA (Associação Nacional de
aC
Travestis e Transexuais). O dossiê apresenta diversos dados sobre violência
or
destacavam a importância de seus trabalhos na construção de uma sociedade
mais justa e encaravam sua atuação como agentes de transformação social. Em
od V
contrapartida, relatavam insatisfação com o processo de trabalho e, principal-
aut
mente, dificuldade no relacionamento com as residentes do Centro de Acolhida.
É possível afirmar que ao mesmo tempo em que se percebeu um aspecto
R
transformador do trabalho, os trabalhadores, paradoxalmente, relatam grande
dificuldade de lidar com as exigências determinadas pelas Políticas Públicas,
o
como por exemplo, os processos, normas e a burocracia que envolve as prá-
aC
ticas de atendimento aos usuários dos serviços.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
iniciados por uma música e/ou poesia que fosse disparadora das conversas/
debates); quatro encontros que visavam a discussão e o planejamento do
trabalho na instituição (as trabalhadoras apresentavam dificuldades e todo o
grupo pensava alternativas para essa situação-problema).
par
or
Acolhida e o grupo de estagiários apresentou os cartazes produzidos pelos
od V
trabalhadores e o relatório psicológico elaborado pela equipe de estagiários
aut
e o professor orientador de estágio.
Ao longo da discussão nos encontros de supervisão, pode-se perceber
R
que a organização do trabalho contemporâneo tem colaborado para o desalo-
jamento dos sujeitos, tanto dos que realizam as atividades ou os usuários dos
serviços. Scarcelli (1999) ajuda a sustentar esse argumento quando afirma
o
que a experiência de “não saber” faz parte do cotidiano dos trabalhadores,
aC
or
de formalização do campo de estágio, foi dedicado a leituras e discussões
od V
compartilhadas por todos os estagiários do grupo, envolvidos em diferentes
aut
projetos, visando informação e sensibilização sobre os fundamentos da prá-
tica profissional no campo da Assistência Social: desigualdade social (SCA-
LON, 2011), dominação (GUARESCHI, 2015), sofrimento ético-político
R
(SAWAIA, 1999), além de literatura específica sobre o funcionamento dos
serviços socioassistenciais (BRASIL, 2014) e orientações específicas para
o
atuação dos psicólogos nesta área (CFP, 2011). A partir daí, os primeiros
aC
meses do trabalho foram de aproximação e conhecimento do serviço e dos
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
político das estagiárias, como foi sendo tratado em sala, proporcionou efeitos
importantes no restante do estágio ao longo do segundo semestre. Na medida
em que esta aproximação não se restringiu à apreensão técnica e burocrática do
serviço, conduziu a uma relação com o serviço que trouxe às alunas uma série
de conflitos existentes ali, nas relações entre profissionais, naquelas entre pro-
par
or
campo em que se valoriza os aspectos científicos do trabalho, e que garantem
od V
que este trabalho seja profissional: suporte teórico; planejamento; presença do
aut
contraditório; teste de hipóteses; avaliação dos resultados; invenção/criação.
Outro ponto que deve estar presente na formação é o desafio de preparar
o futuro profissional para ocupar um lugar em que prevalecem a dúvida, a
R
ausência da certeza, a possibilidade de duvidar de si próprio, mudar de ideia,
de reavaliar seu próprio fazer. Esta é uma dimensão que não contraria os
o
pressupostos da ciência moderna, mas que é profundamente estranha a uma
aC
concepção de homem que contempla a dúvida como fraqueza.
REFERÊNCIAS
BENEVIDES, B. G., NOGUEIRA, S. N. B. (orgs.). Dossiê dos Assassinatos e
da Violência Contra Pessoas Trans Brasileiras. ANTRA (Associação Nacional
de Travestis e Transexuais) e IBTE (Instituto Brasileiro Trans de Educação).
Brasil, 2019.
or
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política
od V
Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2005.
aut
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secreta-
R
ria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioas-
sistenciais. Brasília: MDS, 2014.
o
aC
CARVALHO, J. E. C.; OSTRONOFF, V. H. Cuidado e transformação social:
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Vozes, 1999, p. 99-119.
od V
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SCALON, C. Desigualdade, pobreza e políticas públicas: notas para um
debate. Contemporânea. v. 1, n. 1, 49-68, 2011.
R
SCARCELLI, I.R. Trabalhadores em Saúde Mental e a rede substitutiva pau-
listana: os interstícios da prática. In: FERNANDES, M. I. A.; SCARCELLI, I.
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R.; COSTA, E. S. Fim de Século: ainda manicômios? São Paulo: IPUSP, 1999.
aC
des. Psicologia Ciência e Profissão, São Paulo, v. 29, n.4, p. 686-699, 2009.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v29n4/v29n4a04.pdf. Acesso
em: 12 ago. 2019.
s ão
ver
DESAFIOS NA FORMAÇÃO
DOCENTE NO BRASIL: debates
entre a psicologia e a educação
or
od V
Rafaele Habib Souza Aquime
aut
Fernanda Cristine dos Santos Bengio
Fernanda Teixeira de Barros Neta
R
Introdução
o
O atual cenário brasileiro de acelerado desmonte das políticas públicas
aC
nos leva a refletir sobre os aspectos que se relacionam à educação, buscando
interrogar sobre a importância do lugar da psicologia neste panorama. A con-
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inserida nos ditames do capital e como a psicologia contribui com essa lógica,
mas também pode lançar mão de resistências nos espaços formativos de sub-
jetividades que englobam a educação básica.
ão
or
Ministério da Educação – MEC com a agenda de privatização da educação.
od V
Assim, nos chama atenção os modos como a psicologia tem interferido junto
aut
às demandas da formação de professores e o que podemos esperar destes
novos contornos impostos pela implementação da BNCC.
A incidência do capital sobre a educação no Brasil não se constitui como
R
novidade. Contudo, ressaltamos o avanço deste como matriz organizativa das
ofertas dessa como uma mercadoria e não mais como direito social. Desde
o
os anos 2000 aproximadamente, as teorias da administração ligadas à gestão
aC
13 Constituição Federal de 1988: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 235
or
relevância para a população em geral. A recorrência de discursos que apontam
od V
as mazelas da escola pública e que a objetivam como obsoleta, dispendiosa,
aut
ineficaz e ineficiente, diante da maioria dos sistemas de avaliação vigentes,
contrasta com a incoerência dos sistemas de avaliação do ensino público, fato
apontado por Rodrigues, Pereira e Mohr (2020, p.5). Para estas autoras existe
R
incompatibilidade entre os fazeres que compõe a educação básica pública e
os sistemas de avaliação existentes, denotando que trata-se, de modo geral,
o
de códigos que produzem dados negativos sobre o sistema público de ensino.
aC
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questões que são históricas e possuem recortes de classe, gênero, raça, dentre
outros, sem que esses fatores sejam de fato considerados. Assim, surgem duas
principais demandas para a escolarização na atualidade: a formação cidadã e
s
or
“necessidade” ou “vontade” de uma formação de nível superior, apesar de a
od V
formação superior no Brasil estar sendo cada vez mais forjada no âmbito tec-
aut
nicista14. Porém, vale ressaltar que na transição do ensino médio para o nível
superior, tem sido cada vez mais comum que sujeitos de nível socioeconômico
baixo recorram a uma instituição privada com custo, relativamente acessível, com
R
cursos semipresenciais ou à distância; ou ainda recorrendo ao Fundo de Finan-
ciamento Estudantil – FIES e Programa Universidade Para todos – PROUNI.
o
Enquanto as vagas em instituições de educação superior públicas (IES)
aC
14 Para aprofundar tal questão, ver: BERGAMO, P. Educação universitária: práxis coletiva em busca de veraz
qualidade e de precisa cientificidade [online]. Campina Grande: EDUEPB, 2012. 295 p. ISBN 978-85-7879-
189-6. Available from SciELO Books .
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 237
or
aumento da permanência do aluno na escola, o que indicaria uma compreensão
od V
rasteira, pautada em análise a-histórica e descontextualizada sociologicamente,
aut
por parte dos gestores, sobre as reformas necessárias para a educação básica.
R
nal de nível técnico – que chama a atenção por diferenciar-se dos demais
percursos, amparados em áreas do conhecimento científico, a Lei aparenta
o
mostrá-lo, por essa forma, integrado ao Ensino Médio. Mas, pelo menos
aC
sob um aspecto, promove, na verdade, uma espécie de negação dessa
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A realidade brasileira para grande parte dos jovens que frequentam o ensino
médio é marcada pela persistência em permanecer em um sistema educacio-
nal que funciona para deixá-lo à margem do sistema de bem-estar social, por
15 Percursos Formativos conforme a BNCC: Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias,
Ciências Naturais e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias e Educação Profissional.
238
or
Getúlio Vargas, no qual, por meio da racionalidade desenvolvimentista buscou
od V
ampliar a oferta do ensino, disponibilizando à população pobre uma educação
aut
“aligeirada e de segunda categoria” (p.228). Já na era Vargas observa-se que o
ensino técnico era promovido com amplo apoio da esfera privada, a qual era
diretamente beneficiada por essa lógica de ensino. As décadas seguintes foram
R
para a política de educação um campo repleto de contradições, demarcando as
tensões em cena. Para exemplificar, Guiraldelli Jr. (2015) nos diz o seguinte:
o
aC
or
Sob esta perspectiva, salientamos mais uma vez a formação cidadã e
formação para o mercado como a dupla demanda da escola pública. Neste
od V
cenário, a esfera da educação ocupada da formação de professores, as universi-
aut
dades, possui uma tarefa hercúlea de adequar os currículos dos seus cursos de
licenciaturas às demandas existentes na educação básica, ao mesmo tempo que
R
se ocupa em formar profissionais capazes de problematizar processos e acon-
tecimentos que atravessam e produzem a educação básica no país. Em meio a
o
estas questões, julgamos necessário situar o papel da psicologia e dos saberes
aC
“psis” que atravessam a educação como direito social e política pública.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Normais, que eram escolas de Magistério que formavam professores para o
od V
ensino fundamental, promovendo assim a autonomização desta ciência e sua
aut
articulação cada vez mais estreita com a educação (CRUCES, 2010).
Tratando-se especificamente da formação de professores, por volta
de 1960, a disciplina Psicologia da Educação, juntamente com outras dis-
R
ciplinas pedagógicas, passa a ser obrigatória nos currículos dos cursos de
licenciatura pelo Brasil, para possibilitar ao educadores conhecimentos sobre
o
desenvolvimento humano e o processo de ensino-aprendizagem, e com isso
aC
expectativas grandes em torno da superação de problemas escolares foram se
or
Entendia-se, portanto, que cabia a Psicologia, na realização de suas pes-
od V
quisas, a geração de conhecimentos que se aplicariam na resolutividade de
aut
problemas educacionais. Seguindo a linha teoria antes e prática depois, os
currículos da educação iam direcionando que as disciplinas básicas e teóricas,
dentre as quais, a psicologia, prescreveriam orientações e resoluções envol-
R
vendo o campo educacional a serem discutidas e efetivadas nas disciplinas
práticas no final dos cursos (LAROCCA, 2007).
o
Almeida et al (2003) argumentam ainda que essa relação entre educação
aC
e psicologia foi consolidada pela perspectiva liberal, em que os problemas
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das teorias da psicologia nos fazeres e saberes dos sujeitos. Exemplo de tal
situação é destacado por Patto (1992) ao problematizar a Teoria da Carên-
cia Cultural, a qual afirma que grupos, historicamente subalternizado (grifo
nosso), não alcança o mesmo nível de “sucesso” que grupos privilegiados,
por serem “portadores de deficiências físicas e psíquicas contraídas em seus
ambientes de origem, principalmente em suas famílias tidas como insuficientes
nas práticas de criação dos filhos” (PATTO, 1992, p.282).
or
O exercício de situar a psicologia neste debate são realizados de modo
od V
emergente desde a década de 1980, destacando-se os trabalhos de Maria
aut
Helena Souza Patto, os quais criticavam em demasia o projeto de psicologia
da época. O livro “Psicologia e Ideologia: uma introdução crítica à psico-
R
logia escolar” e “A produção do fracasso escolar: histórias de submissão
e rebeldia” são algumas das suas principais obras, as quais denunciam o
o
modo como os saberes psicológicos tornaram-se correcionais e adaptacio-
nistas, culpabilizando o aluno e individualizando o chamado fracasso escolar
aC
or
psicológicos no processo de educação, não necessariamente composta por
od V
psicólogos, mas por pesquisadores que produzem saber sobre essa relação, e
aut
que atuam em instituições educativas. Além disso, os conteúdos da Psicologia
Educacional estão presente em diferentes cursos de formação de professores.
R
Apesar de discordâncias sobre a existência de tais diferenças ou não, os
autores Nunes (2008) e Souza (2009) concordam que não deve pairar uma
o
divisão dicotômica entre teoria e prática, além de considerarem preocupante
a expectativa salvacionista que é oferecida a psicologia, e como esta de certa
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
de licenciaturas do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação
od V
Básica Presencial (PARFOR) responderam marjoritariamente a necessidade
aut
de maior carga horária, uma vez que os conteúdos psicológicos são extensos.
Das três pesquisas apresentadas, a maioria dos participantes, sendo alunos
ou professores, destacam que a Psicologia da Educação é importante porque
R
promove autonomia, melhoria, transformação, todavia, precisa avançar nos
pontos expostos para que possa fazer sentido, e estar integrada nos eixos
o
estruturantes dos currículos.
aC
nicação, ensino e aprendizagem [...] Estes aspectos não podem ser igno-
a re
Como pistas para esse cuidado, Freire (2018) defende que ensinar exige res-
peito aos saberes dos educandos, ou seja, respeitar e considerar os saberes que os
alunos carregam na relação com o ensino dos conteúdos. E fundamentalmente,
ão
Souza et. al. (2014) analisam, nessa direção, que os diferentes saberes que se
articulam na educação, dentre os quais especificamente a psicologia, deve desen-
volver suas finalidades educacionais não mais pautadas em explicações clássicas
que centram na criança e nos educandos de modo geral as causas do não-aprender.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 245
or
Por fim, apostamos em uma psicologia que na formação de professores e na
od V
educação como um todo, se ocupe criticamente das encomendas à ela dirigida,
aut
rompendo com práticas pautadas em uma razão instrumental.
Considerações finais
R
A psicologia com a multiplicidade que é inerente à produção de seu dis-
o
curso científico encontrou campo fértil de interlocução junto à educação. Sua
aC
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chamam a nossa atenção para os diversos efeitos que podem reafirmar desi-
gualdades e subalternizações de segmentos populacionais historicamente
marcados por desfiliações sociais por conta de classe, raça e gênero.
ão
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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R
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Psicologia da Educação na Formação Docente: o que pensam os alunos do
o
plano nacional de formação de professores da educação básica/ universidade
aC
federal do Piauí. Formare, v. 1, n. 1, dez. 2013, Piauí.
or
BARCO COM ESCALPELAMENTO
od V
aut
Crissia Roberta Pontes Cruz
Ana Carolina Araújo de Almeida Lins
Introdução
R
o
aC
Na região amazônica, além de suas metrópoles, há formas específicas de
organização social, pequenas cidades que se constroem entorno dos rios, cuja
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
do difícil acesso às localidades, dentre outros fatores, é possível que o número de
od V
acidentes seja maior do que o apresentado nos registros oficiais (SANTOS, 2017).
aut
O escalpelamento é um acidente de grande impacto e repercussão tanto
para a vítima e sua família como para a comunidade, para o próprio Estado que
se depara com o desafio de construir políticas públicas na direção da erradica-
R
ção deste acidente e de assistência adequada às vítimas e suas famílias. Neste
sentido, foi construído, no ano de 2008, o Programa de Atendimento Integral
o
às Vítimas de Escalpelamento (PAIVES), que tem como objetivos: “ofertar
aC
cobertura assistencial integral, interdisciplinar e humanizada às vítimas de escal-
acidentes, visto que antes de sua constituição, entre os anos de 2001 e 2008,
Ed
foram registrados 178 acidentes, e após sua criação esse registro caiu para 86,
entre os anos de 2009 e 2016 (SANTOS, 2017).
Apesar dos avanços alcançados, o enfrentamento ao escalpelamento
ão
or
falando de uma mulher universal, mas sim de meninas e mulheres amazôni-
od V
das, ribeirinhas, cujos longos cabelos são marcas de vaidade, feminilidade e
aut
muitas vezes religiosidade. Sobre essa questão, Santos (2007, p. 22) afirma:
“O ponto forte do acidente se dá pelo uso dos cabelos compridos e soltos, ao
trafegar no interior das canoas e ou barcos, mas principalmente, pela ausência
R
de instalação de itens de segurança nas embarcações.”. Nesse sentido não é
possível colocar apenas nos cabelos a responsabilidade pelo acidente, o que
o
seria simplificar a questão, além de mais uma vez culpabilizar a vítima.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
aut
R
o
aC
ano de 2005, e era composto por duas frentes de ação: uma preventiva, com
enfoque na melhoria da segurança das embarcações; e outra reparadora que
visava o atendimento das vítimas.
s
or
tência – Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP) – rece-
od V
besse o ressarcimento dos custos com os procedimentos médicos e cirúrgicos
aut
(OLIVEIRA, 2016). A contrapartida financeira possibilitou assim uma maior
estruturação da rede de assistência às vítimas de escalpelamento como res-
ponsabilidade do estado.
R
Após a inclusão na tabela do SUS, verificou-se um déficit importante
no acesso das vítimas de escalpelamento às cirurgias plásticas reparadoras.
o
Oliveira (2016, p. 489) narra o percurso realizado a fim de reparar esse déficit:
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
das Santas Casas ou a serviços voluntários de outra natureza. Foi somente
od V
em 1923 que nasceu a primeira organização estatal de serviços de saúde no
aut
Brasil (Lei Eloy Chaves), que tratava principalmente da seguridade social
para trabalhadores de setores organizados.
R
O acesso aos serviços de saúde permaneceu atrelado à necessidade de
vínculo empregatício pelas décadas seguintes, nas diferentes configurações
que essa atenção em saúde foi ganhando nesse período. No final da década
o
de 1970, com o declínio do modelo econômico dos militares, cresceram os
aC
pela Lei 6.229 como “o complexo de serviços [...] voltados às ações de inte-
a re
or
atender a demanda da população ribeirinha, de modo geral, e em especial nas
od V
complexas questões que atravessam o acidente com escalpelamento.
aut
O acidente de motor de barco com escalpelamento implica em diversas
e graves sequelas na vida das vítimas. O arranque abrupto total ou parcial
do couro cabeludo, somado a possibilidade de lesões na face, sobrancelhas,
R
região cervical e pavilhão auricular, além do risco de Traumatismo Crânio
Encefálico (TCE), acarreta na necessidade de internação hospitalar imediata
o
após a ocorrência do acidente, para imediata estabilização clínica da paciente,
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
que visa garantir a assistências integral, interdisciplinar e humanizada às víti-
od V
mas de escalpelamento, nascendo nesse e para este contexto. (PARÁ, 2008).
aut
No que diz respeito especificamente sobre os eixos assistenciais do PAI-
VES na FSCMP, pode-se dizer que o programa funciona em quatro nichos
R
de assistência, sendo dois em regime de internação hospitalar, sendo eles
através dos atendimentos na Clínica Pediátrica (para criança até doze 12 anos
o
de idade) e de atendimentos na Clínica Cirúrgica (para adolescentes acima
de 12 anos e adultos), bem como através de atendimentos no Ambulatório da
aC
or
panhamento psicológico com a paciente e acompanhante/familiares. Nessa
od V
primeira internação, a atuação junto a essas mulheres tem evidenciado que
aut
as principais demandas da paciente, nesse momento, referem-se à sobre-
vivência ao acidente. É um período de adaptação à rotina hospitalar, de
realização das primeiras cirurgias, de começar a lidar com as dores físicas
e emocionais do acidente.
R
Várias outras internações são necessárias ao longo dos anos, visto que o
o
tratamento pode se estender por mais de uma década. A paciente e seu acompa-
aC
nhante/familiar passam então a ser acompanhados no Ambulatório da FSCMP,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
sentido foi construído o Espaço Acolher, que não apenas abriga as pacientes
ver
or
Comissão Estadual de Enfrentamento aos Acidentes de Motor com Escal-
od V
pelamento (CEEAE), que foi criada para fazer enfrentamento ao acidente
aut
visando sua erradicação.
ARCON X X Substituída
CAMARA SETORIAL X X X
or
DPU X X X
od V
FUNDACENTRO X X X
aut
SANTA CASA X X X
UNICEF
HPM
R X
X
X
Substituída
o
HMUE X X
aC
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HUBFS X X
MPE X X X
visã
ORVAM X X
SESPA X X X
a re
SEAS/SEASTER X X X
SEJUDH X X Substituída
SEDUC X X X
par
SETRAN X Substituída
SESMA X X
Ed
SINDMEPA X X
SOPAPE X X Substituída
ão
CRP 10 - - X
COSEMS - - X
s
ver
CORPO BOMBEIROS - - X
or
3 - Participar das ações de conscientização pública, campanhas de preven-
ção, oficinas técnicas, seminários e outros eventos pertinentes;
od V
4 - Elaborar o plano de trabalho da comissão;
aut
5 - Apresentar ao final de cada ano relatório das atividades individuais
desenvolvidas por cada entidade ou instituição para que o integre ao
R
relatório final dos componentes da instituição (SESPA, 2016 apud SAN-
TOS, 2017, p. 50).
o
Santos (2017) lembra que paralela à criação da Comissão Estadual, foi
aC
anos a CEEAE atua em conjunto com a esfera municipal, para que os dife-
a re
rentes municípios criem seus comitês municipais. Até o ano de 2013 haviam
sido efetivados 36 comitês municipais, cuja função é:
or
utilizados e a adoção de novos motores para as novas embarcações.
od V
Abaixo, imagens da cobertura e de sua colocação no eixo de motor:
aut
Imagem 1 – Parte superior e inferior de cobertura
protetora de eixo de embarcação
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
or
de ações que promovam orientações aos barqueiros, que contribuam com a
od V
capacitação e monitoramento dos comitês municipais, dentre outras, sendo
aut
responsável ainda pela construção de políticas públicas para o enfrentamento
ao escalpelamento. Desempenha, portanto, papel fundamental em nosso con-
texto no sentido de garantia de direitos e promoção de saúde.
R
A inserção da Psicologia nesta Comissão, através do Conselho Regional
Pará/Amapá (CRP 10), é um marco importante para a categoria profissional
o
que há tanto tempo atua com essa demanda e sempre é convocada aos debates
aC
sobre a temática, e agora tem voz e representação na construção de políticas
Considerações finais
ão
configura-se como uma política pública, uma política de estado, com duas prin-
cipais frentes: a assistência integral às vítimas de escalpelamento, através do
Programa de Atendimento Integral às Vítimas de Escalpelamento (PAIVES); e
o a prevenção do acidente, que tem como principal referência a Comissão Esta-
dual de Enfrentamento aos Acidentes de Motor com Escalpelamento (CEEAE).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 263
or
mento e às novas pacientes, de novos acidentes que ainda acontecem, e que
od V
hoje recebem atendimento de forma bem mais ágil e eficaz.
aut
Em um contexto de tentativa de desmonte do SUS faz-se urgente fortale-
cer estratégias como essas, lutar para que essas conquistas não sejam negligen-
ciadas, mas sim ampliadas para que se alcance então a necessária erradicação
R
dos acidentes de motor com escalpelamento. Deste modo, a atuação da Psico-
logia tanto no PAIVES, como na CEEAE precisa estar comprometida com o
o
compromisso ético-político da profissão, na luta por uma assistência integral
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
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de Políticas Públicas em Prol do Ribeirinho Vítima de Escalpelamento na
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od V
aut
PARÁ, Governo do Estado. Guia Técnico do Programa de Atendimento
Integral às Vítimas de Escalpelamento – PAIVES. Fundação Santa Casa de
Misericórdia do Pará, 2008.
R
o
PARÁ, Governo do Estado. Plano Estadual De Enfrentamento Aos Acidentes
aC
De Motor Com Escalpelamento. Diretoria de Políticas de Atenção Integral à
or
od V
Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel
aut
Lorena Schalken de Andrade
Aide Esmeralda López Olivares
Lucivaldo da Silva Araújo
Introduction
R
o
aC
We consider that depression can be a manifestation in several mental
pathologies such as a non-unique to exclusive psychodiagnostic symptom.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
For depression, there is not, [...] “a valid and reliable clinical picture, recog-
visã
nized and legitimated by most professionals”, due to the wide range of [...]
“symptoms that, despite some consensus, no discrepancies have been found
in the nosography” (MELO; SIEBRA; MOREIRA, 2016, p. 22).
Therefore, we established in the text that our interest would be on depres-
itor
enchantment for life. And specifically for its psychosocial genesis. Thus, after
contextualizing the theoretical and methodological fundaments of the clini-
cal understanding, we have described the dynamics of a workshop held in a
school clinic to provide ten adult participants with experiences of rediscovery
par
ized for a minimum period of two weeks, when the individual presents loss
of interest or pleasure for almost all activities, causing losses to the social,
professional functioning, as well as to other relevant areas of life. Among the
ão
in the mental health field, aligned with the principles of psychiatric reform,
has long since moved away from the notion of “mental illness”. From this
horizon, depression or any other nosological picture associated with mental /
psychic suffering can be understood as a condition, a state, a mode of being.
Therefore, the setting of depression as a disease can induce the health profes-
sional to guide his intervention, through a classic reductionist view, remaining
in the field of the pathologization of human suffering.
266
In this way, we establish that, in the text, our interest is for the human
suffering of those who experience depression, as an existential condition that
manifests itself through changes in mood, motivation, and temporal charm
for living. We are interested by the psychosocial genesis of that condition.
Therefore, we describe the dynamics of a workshop based on the theoretical
propositions of Gestalt-therapy, held in the psychology clinic of the Federal
University in the Northern Region of Brazil, which favored 10 adult partici-
or
pants rediscovering experiences of the body affected by depressive symptoms.
od V
The Gestalt-therapy workshop was a form of intervention that allowed
aut
us to think about the contemporary clinic considering the social, the political,
the difference, the diversity, as well as bringing psychotherapist and client
closer to the boundaries of the human condition by practicing the uncondi-
tional respect to the other.
R
o
Psychosocial genesis of depression
aC
When people with depression gets sick, our supposition is that indica-
tors found in the pathology psychosocial genes may generate dysfunctional
Ed
considered support for self-esteem, the introjections cultivate the creative adjust-
ment. The difficulties in apprehension begin when they become recurrent means
of worldly contact, with the individual unable to achieve a selective action of food
that shapes the self, which favors the dysfunctional adjustment expressed in depres-
sion, and other types of illnesses. (PERLS, 1997, 2002; PIMENTEL, 2003, 2005).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 267
or
of individual or collective health, would represent a pathology of the
autonomy society. The norm in the contemporaneous world is to be able
od V
to demonstrate individual efficacy, social recognition and economic ascen-
aut
sion. However, individual and public success demands more and more
tools: the ability to communicate, negotiate, motivate and manage time.
R
In this respect, the individual winner is also a burden for oneself, divided
between satisfactions for achievement and suffering from individualism.
The achievement of autonomy is joined by psychic suffering.
o
aC
From this point of view, depression is a pathology that originates from
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
body, [...] ”The self-conscience of the body that Leib reveals it as “the local
Ed
failure; mistrust people who are open to love them, due to an “ugly” aesthetic
body look and not in harmony with beauty patterns, and the perspective of having
dirty thoughts about sexuality and desire. These symptoms cause alterations in
the perception of the body mediated by intentionality to “protect him/her” (and
the self/ego) and in the anguish to prevent that one’s weaknesses” of intimacy
268
are revealed. Thus, living a set of the previously mentioned signals implicates on
the gradual loss of autonomy caused by reduction of contacts and social relation-
ships, arisen from a vision of the world based on fear of being judged by others.
Therefore, living these symptoms implies in expression beyond the physi-
cal body manifesting itself symbolically through body movements, gestures,
actions, posture, as well as dressing. To Zuchi (2016, p. 70)
or
The Brathesian body is not built on your skin only, dressing, much more than
expression is the extension of the body. Clothes shape it, transform it and
od V
deform it - they are part of your materiality and not only of your discourse.
aut
Without needing a genderized understanding, in our experience, we
R
observed that to our clients, protection of the body was done by wearing
loose and worn clothes, thicker beard, uncombed hair, lack of general care
o
to look attractive etc.
aC
[...] if we try to think about the fact that we are physical, biological, social,
a re
cultural and spiritual beings at the same time, it is evident that complexity
is whatever tries to conceive the articulation, identity and the difference of
all these aspects, while the simple thought separates these different aspects,
or unifies them through a mutilating reduction. (MORIN, 2005, p. 176-177)
par
Through the complexity way, one may consider that the human being
Ed
in its embodiment is not only the physical body, but also an integration and
manifestation of different areas. The body as an integral concept is a definition
of anthropologist Leila Parker (1997), who understands that there is a relation
ão
between the physical structure, the biochemical processes and the spiritual
and physic events of the human being.
Therefore, the influence between body and state of mind and vice-versa
s
[...] the conditions of our body may influence the state of our mind. There-
or
fore, it is fundamental that we take care of our body health to permit our
od V
mind to develop in its entirety, and vice-versa so that we have mental health
to be able to enjoy the capabilities of our body. (SANTANA et al., 2015. 133)
aut
Therefore, in the flux of experience, if by changing a conversation one
R
may change emotionally, that, in analogy with body movement, one may
consider that by moving the body differently, one may drive a distinct emo-
o
tional mobilization.
aC
Rodríguez, Portillo et al (2015) developed psychotherapeutic interven-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
tion for three groups of people with chronic dysthymia who resisted moni-
toring, in a Community Mental Health Unit. The participants were clients
with symptoms of sadness, apathy, crying, anxiety about the past, present
visã
and future, feeling of powerlessness, somatization, insomnia and isolation
for at least two years. The workshops aimed to proportionate and autonomy
and preparation for discharge from the health unit. Care was provided after
itor
efits for the physical, mental, social and spiritual state of the users of CAPS”.
Continuing the genesis psychosocial characterization of the embodied
symptoms of depression, we situate some synonyms of disorder to express
s
from the person’s “ideal model”, dependent on consumption fads. For the
body, the emotional turmoil is manifested as hunched body posture, drooping
shoulders, avoidance of eye contact
Under this circumstance, we suppose that emotional turmoil is affected by
the logic designed in Lipovetsky (2005) of consumption as a social marker and
“emotional consumption”, born from demand for new affectionate, imaginary
and sensorial experiences ” (OLIVEIRA, 2015, p 50), since the self-perception
or
of feeling is regulated by the excess and quickness, by fear of feeling.
od V
aut
Methodology
Ten adults from the waiting list participated of the workshop held at the
R
clinic. The focal interventions aimed to offer experiences of rediscovery of the
body, affected by depressive symptoms. The clients who went to the school
o
clinic had been receiving interdisciplinary attention, according to their complaint.
aC
Therefore, during the workshop, the participants had access to a psychologist,
peutic contract; psychiatric monitoring; the clients excluded should not have
the presence of recurrent suicidal ideation, should not be undergoing any
psychotherapy treatment, and be less than 20 years of age.
ão
“[...] we may say that clinical procedure includes an analysis of the social
context where the individual is placed. Therefore, the theoretical background
ceases to occupy the main guiding space of practice, which starts to be
occupied by the psychologist’s ethical commitment” (DUTRA, 2004, p 382).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 271
To identify the workshop participants, the entry door was the triage done
by psychology student trainees in the school clinic. Based on the clients’ data-
base, we selected those who manifested depressive symptoms; Furthermore,
we did a clinical interview with the staff Psychologist for medical history,
therapeutic contract and presentation of the workshop design.
In addition, we conducted a psychiatric evaluation and the integration
of contributions by the physical education professional and the art therapist,
or
considering that during the intervention we prioritized the approach of the
od V
physical symptoms of depression.
aut
It is important to remember that basic healthcare staff considers biochemi-
cal genese of depression as a dysfunction in the central nervous system that
decreases serotonin and noradrenaline levels (BRITTO, 2006). However, dur-
R
ing the workshop, we do not partake health actions that recommend “humor
therapy” of conditions of sociability and uses of self through pharmacology”
o
(OLIVEIRA, 2015, p. 14). After all, we were not interested in the “manage-
aC
ment of the self in search of self-realization, improvement of self, pathologiza-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
tion of the difference, without space for alterity” (OLIVEIRA, 2015, p. 47).
The group sessions involved the use of several languages: verbal, relax-
ation, artistic: drawing and modeling. The activities were supervised by a
visã
psychologist and an art therapist who also conducted the meetings and did
the group facilitation. The sessions were recorded in audio and transcribed.
Following the therapeutic work, the staff gathered to listen to the tapes and
itor
elaborate the most important themes that arose from the workshop, mainly:
a re
distrust, ugliness, fear of appearing before others. The next step consisted
in organizing the categories that synthetized the themes that emerged: Self-
awareness, Breathing, Creation, Interaction, Integration (PIMENTEL, 2003).
During the sessions, we worked jointly all themes proposed in the group
forming a continuum of clinical interventions, starting with presentification,
par
space, laying on the ground, recognition and contact with each member of
the body. Shake, move arms and legs up and down; push shoulders and backs
backward. During the first two sessions the question to be answered was: What
s
Results
or
follow the breathing movements, inhaling and exhaling in three movements.
od V
This action was also performed with bended knees, and while standing, inhal-
aut
ing and throwing the arms upwards; when releasing, exhale and emit sounds.
At the end of the session, each participant made an evaluation on how they
felt before, during and after the process.
R
The creation stage was started during the fifth session. We asked par-
ticipants to create movements with their bodies. The question that guided the
o
interventions was: How to shape what you are feeling right now? To answer
aC
and the participants talked about their experiences. During the interactions
continued to perform: elongation; self-massage; body shaking, walking, exag-
geration of this movement.
On the eight session we began to favor integration and the elaboration of
par
Pain: I felt pain in the spinal column. I associated this pain and its loca-
tion with depression, my illness (Maria, 32 years)
• Supposition: the symptoms were manifested in my body through eye-
contact avoidance, stiff shoulders, physical contact intolerance, limited
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 273
or
or any task that involved the use of my body; My body movements were
usually small, my body posture presented lack of control and power, mani-
od V
festing weakness; sometimes, when I walked my trunk inclined forward.
aut
(João, 38 years);
• Ugliness: Most of the time, I felt my body was ugly. I felt uncomfortable
and was unable to relax; my movements were many as if I were too anx-
R
ious, and kept changing from place to place quite often; I felt my body
heavy, and had little energy; I was also intolerant toward physical contact.
o
(Raimundo, 25 years)
aC
• Muscle pain: whenever I started doing body elongation, I complained a
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
lot because I had pai, as if I had forgotten my body. During the workshop
I began to remember it and started moving (Joana, 26 years).
visã
Final considerations
Even though we have and are a body, in their daily life, the participants
seemed to have forgotten self-care and their bodily needs. They evaluated
itor
life complexity of each person that is much more complex than the disorder,
ver
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aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
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Ed
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ver
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Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
UM ESTUDO SOBRE A PSICOLOGIA NAS
RESIDÊNCIAS MULTIPROFISSIONAIS
EM SAÚDE NO PARÁ: produções de
or
sentido, resistências e transformações
od V
aut
Gabriela Di Paula Dias Ribeiro
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
R
Márcio Mariath Belloc
o
Introdução
aC
A multiplicidade e pluralidade que permeia o saber psicológico se esten-
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or
diversos profissionais que compõem o cuidado em saúde.
od V
Neste sentido, a inserção da psicologia em programas de residência mul-
aut
tiprofissional em saúde tem a potencialidade de promover uma expansão das
práticas psicológicas, além de ampliar o conhecimento acerca do fazer da
psicologia por outros profissionais da saúde e contribuir no agir em saúde da
R
psicologia a partir da multidisciplinariedade.
Este texto apresenta os resultados de uma pesquisa de mestrado, construída
o
junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal
aC
frente a atenção aos usuários. São questões essenciais para refletir-se acerca
a re
Metodologia
par
17 Pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Psicologia em 2012 acerca de quem é a psicóloga brasileira
aponta que dos 232 mil profissionais em exercício 88% são mulheres, ou seja, a Psicologia brasileira é
proeminentemente feminina (LHULLIER; ROSLINDO, 2013). Ademais, neste estudo entrevistou-se 7 psi-
cólogas egressas e 1 psicólogo egresso, por isso a decisão de utilizar o feminino ao invés do masculino ao
discorrer acerca da formação da psicóloga.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 281
residentes egressos que indicavam outros egressos e assim, por conseguinte e que
estivessem dispostos a participar da pesquisa. Ademais, os participantes precisa-
vam ser psicólogas e psicólogos formados no estado do Pará e ser concluintes de
residências multiprofissionais em saúde dentro do mesmo estado da federação. O
encerramento da coleta foi por saturação teórica, que ocorre a partir da cessação
de inclusão de novos participantes quando os achados obtidos atingem o objetivo
or
da pesquisa (FONTANELLA et al., 2011; FUSCH; NESS, 2015).
As entrevistas com as (os) residentes egressas (os) só foram realizadas
od V
após aprovação desta pesquisa perante o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da
aut
Universidade Federal do Pará – UFPA, sob o parecer nº 3.118.150. Os partici-
pantes foram selecionados, primeiramente, por acessibilidade, a partir de infor-
R
mações, e conforme os critérios de inclusão. Após a coleta dos dados de cada
entrevistada (o) foi solicitado a indicação de outras (os) possíveis participantes.
o
Para a interpretação dos dados foi utilizada a análise de conteúdo de
aC
Bardin (1977), composta por algumas etapas, neste caso, com a finalidade
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Resultados
par
or
lidades inesperadas que envolvem o fazer saúde. É estar apto a compreender
e reconhecer o fazer do outro (MERHY; FRANCO, 2008; MERHY, 2013).
od V
Espera-se que esses profissionais nunca estejam prontos e acabados, pois,
aut
no campo da saúde, a atuação requer lançar-se na dimensão do inesperado,
das relações humanas. Lançar-se ao encontro de diversas subjetividades que
R
compõe essa teia, que é construída constantemente e exige uma não rigidez.
Neste sentido, as psicólogas egressas e o psicólogo egresso da residên-
o
cia multiprofissional em saúde trazem as convergências e divergências que
aC
permeiam o lugar de ser residente multi. Marcam o papel de ser residente
ser “mão de obra” e ser colocado no serviço somente para trabalhar de forma
indiscriminada. A educação em serviço, quando facilitada pelo preceptor de
Ed
campo e pela ação teórica por meio do tutor, deve promover um trabalho em
sua especialidade com o objetivo principal de uma atuação multidisciplinar e
interdisciplinar e com espaço para a aprendizagem se construir nesse cotidiano
ão
or
micropolítica (MEHRY; FRANCO, 2008; FERLA et al., 2017).
od V
Nesse contexto, a micropolítica é como “ o plano molecular em que se
aut
efetuam os processos de subjetivação a partir das relações de poder, seria o
plano a ser analisado” (FEUERWERKER, 2014, p. 37), porquanto as práticas
de saúde são produzidas por atitudes humanas para além do seu cunho cien-
R
tífico são “atos produtivos” que geram mudanças no que está posto e podem
criar “algo novo” (FEUERWERKER, 2014).
o
A residência multiprofissional para os entrevistados configura-se como
aC
aquilo que movimenta e pode romper com modos instituídos de fazer saúde,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
esse trabalhador de saúde, suas condições de trabalho, e na necessária educa-
od V
ção permanente para desenvolver às próprias tecnologias de cuidado, assim
aut
como sua transmissão aos residentes (COUTO; SCHIMITH; DALBELLO-
-ARAUJO, 2013; SILVA; BROTTO, 2016).
Dois dos entrevistados trazem como reflexão o papel dos gestores, não
R
somente frente à residência multiprofissional em saúde, mas também diante
desses profissionais de saúde e do adoecimento que pode também ser gerado
o
nesse fazer. Há também profissionais formadores, muitas vezes, destituídos
aC
da compreensão acerca da sua função frente ao programa de residência em
derando que o contato diário e constante com uma equipe que possui uma
diversidade de profissionais de saúde requer do trabalhador uma abertura
para troca de experiências e conhecimento acerca de outros núcleos pro-
ão
or
cotidiano de diversos profissionais, que promove mudanças à nível assisten-
od V
cial, que se movimenta de um modelo médico-centrado para um cuidado em
aut
saúde usuário-centrado; que envolve o modo como os profissionais de saúde
relacionam-se entre si e consequentemente produzem cuidado e um agir em
saúde integrado (COUTO, SCHIMITH; DALBELLO-ARAUJO, 2013).
R
Evidencia-se que a prática cotidiana nos espaços de saúde lança os
profissionais de saúde para um trabalho coletivo que envolve o campo da
o
multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade: con-
aC
ceitos e práticas que primeiramente convidam os profissionais a ampliarem
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or
tante com diversos profissionais de saúde é um convite cotidiano à sair da
od V
sua especialidade para transitar e compreender outras práticas e fazeres em
aut
saúde; contribuiu com o fazer da psicóloga na medida em que a mesma pôde
cooperar com as ações em saúde de outros profissionais.
Realizar a residência multiprofissional para as psicólogas é poder come-
R
çar a exercer a sua profissão, já que muitas entrevistadas são recém-forma-
das, e também se sentirem amparadas dentro dessa configuração de trabalho.
o
Nesse sentido, para as mesmas, a partir do programa de residência é possível
aC
vivenciar um espaço de troca, de reflexão acerca da prática, de crescimento
or
cimento da realidade da comunidade, das demandas locais, igualmente pro-
od V
porcionou acesso à rede de saúde, contato direto com as políticas públicas de
aut
saúde. Nota-se que a prática guia as psicólogas residentes para uma apren-
dizagem significativa e potente que atravessa o seu fazer; a prática cotidiana
gera uma aprendizagem que reverbera após o término dessa pós-graduação,
R
marca a atuação da psicóloga de modo que ela se sente capacitada e preparada
para atuar na área da saúde em todos os níveis de atenção.
o
Por mais que as residências multiprofissionais no Pará sejam majoritaria-
aC
mente hospitalares, notou-se que as psicólogas da residência multiprofissional
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or
tão a cisão entre a residência multiprofissional e a médica como um fator que
od V
coopera com as dificuldades encontradas para a não ocorrência de práticas de
aut
cuidado integradas. Fica evidente a partir das entrevistas que o distanciamento
do profissional da categoria médica dos outros profissionais e, principalmente,
R
no que tange ao saber psicológico. Nota-se como tais posturas médicas são
ensinadas e repassadas como tradição, práticas centradas na doença, no médico
o
e na cura. E desse modo desconsideram os componentes psicológicos, familia-
res e constituintes desse usuário que está submetido a decisão de uma equipe
aC
be-se a tradição que a residência médica tem, vista como padrão ouro enquanto
formação em serviço, a posiciona no lugar inquestionável e supostamente
s
or
od V
Considerações finais
aut
A residência multiprofissional em saúde realmente é vivenciada com os
R
desafios das relações interpessoais, com as qualidades, entraves e desafios
do SUS, que os impeliram para extrapolarem a utilização do seu conheci-
o
mento científico, teórico, sendo convocados prioritariamente para o campo
relacional, numa relação dialógica entre todos os atores que fazem parte da
aC
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a partir de atos vivos em saúde que chegam até o usuário, a sua família e a
equipe do serviço em saúde. Além disto transformam o próprio residente
s
or
também pode ser vista como uma ameaça que sobrecarrega a equipe que
od V
compõem estes espaços.
aut
A residência multiprofissional em saúde, a despeito das limitações apre-
sentadas, constitui-se como um espaço de resistência pela reforma sanitária e
pelo Sistema Único de Saúde. Atualmente garantir a existência e efetividade
R
das políticas públicas de saúde, da educação e o acesso a saúde de qualidade
como direito de todos é primordial para cada um que acredita na micropolítica
o
e na potência das relações humanas quando acontecem comprometidas com
aC
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R
o
aC
or
notificados pelo setor saúde em Belém, Pará
od V
aut
Milene Maria Xavier Veloso
Isabel Rosa Cabral
R
Beatriz Nayara Farias das Chagas
Maíra da Maria Pires Ferraz
o
aC
Introdução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
tes, 15% a mais do que no ano de 2018, sendo que 17.000 destas denúncias se
referem à violência sexual. Ainda segundo esse relatório, observa-se que 52%
Ed
das violações ocorreram na casa da vítima, ao passo que 20% foram prati-
cadas na casa do suspeito (BRASIL, 2019). Considerando os casos em que
as vítimas não revelam a violência sofrida, seja por medo, vergonha, entre
ão
or
O tipo de relação existente entre agressor e vítima da VS é um fator que
od V
pode definir sua configuração, duração e possíveis consequências. Quando se
aut
trata de crianças e adolescentes, estratégias de aliciamento, barganha e sedução
são comumente utilizadas antes da consumação da violência (GABEL, 1997).
Por aliciamento entende-se como o processo de manipulação afetiva, a partir
R
de uma progressiva aproximação da vítima e/ou sua família. Esta aproximação
normalmente começa na conquista da confiança da vítima, até seu isolamento
o
e chantagem emocional, reforçando o silêncio e o segredo (FURNISS, 1993;
aC
SANDERSON, 2005).
or
cer às vítimas atendimento emergencial, integral e multidisciplinar, além de
od V
encaminhar aos serviços de referência a gestante que manifeste o desejo de
aut
interromper a gravidez decorrente do estupro, sem que haja necessidade de
lavratura de boletim de ocorrência. Para a prática do abortamento legal, não
há necessidade de decisão judicial afirmando a ocorrência do estupro, nem de
R
uma sentença condenando o autor do crime sexual (BRASIL, 2011).
Além disso, a Portaria nº 485, de 1º de abril de 2014, do Ministério da
o
Saúde, redefine o funcionamento do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação
aC
de Violência Sexual no âmbito do SUS, estabelecendo que o Serviço de Refe-
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rência para Interrupção da Gravidez nos casos previstos em Lei terá suas ações
desenvolvidas em conformidade à Norma Técnica de Atenção Humanizada
ao Abortamento do Ministério da Saúde, realizando: I – atendimento clínico,
visã
ginecológico, cirúrgico e psicossocial, contando com serviço de apoio laborato-
rial; II– apoio diagnóstico e assistência farmacêutica; e III – coleta e guarda de
material genético (art. 6º) (BRASIL, 2014). Cabe lembrar que a Norma Técnica
itor
vai até 20ª ou 22ª semanas ou se o feto pesar até 500 gramas (BRSIL, 2005).
Portanto, é fundamental que estas vítimas recebam informações comple-
tas e precisas, tanto sobre o abortamento legal, quanto sobre as alternativas
após o nascimento, que incluem a escolha entre permanecer com a criança e
inseri-la na família, ou proceder com os mecanismos legais em programas de
par
or
lência sexual em crianças e adolescentes, notificados em Belém-Pará a partir
od V
do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), para contribuir
aut
com a caracterização do fenômeno e provocar o debate quanto à elaboração
e efetivação de políticas públicas voltadas ao cuidado e proteção de crianças
e adolescentes vítimas de VS.
R
Considerações sobre o método e coleta de dados
o
aC
Principais resultados
or
Durante o período de janeiro de 2009 a dezembro de 2014, os estabe-
od V
lecimentos de saúde notificaram 7.987 casos de violência contra crianças e
aut
adolescentes em Belém-PA, sendo 6.455 casos de violência sexual contra
meninas (80,8%). Desse total, foram identificados 282 casos de crianças e
adolescentes com gravidez decorrente da violência sexual notificada, cujo
R
perfil parcial é apresentado na Tabela 1. Foram notificados, em média, 46,50
casos/ano (Desvio Padrão-DP 14,84), sendo que 2012 foi o ano com maior
o
número de registros (74 casos; 25,53%).
aC
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vítimas de violência sexual. Dos demais casos, uma vítima de 13 anos foi
ver
or
Ainda como parte do perfil das vítimas observou-se que 70,25% delas
od V
residiam em zona urbana e 28,42%, na zona rural, proporção essa que diferiu
aut
do esperado, pois o IBGE (2010) apontou 99,2% da população de Belém
residindo em área urbana (χ² 84,45; p<0,0001).
Na análise da situação conjugal foi observado, que 91,49% das vítimas
R
afirmaram ser solteiras. Dentre as seis pessoas que informaram ser casadas,
quatro tinham idades de 12 e 13 anos e relataram terem sido agredidas por
o
seus respectivos namorados (2) e por conhecidos (2).
aC
Dados da Vítima
2009 2010 2011 2012 2013 2014 N %
Ed
14 a 15 8 17 16 19 14 6 80 28,37
ão
16 a 18 9 8 8 15 5 4 49 17,38
Zona da residência
ver
Rural 5 10 13 20 21 10 79 28,01
Periurbana 3 1 4 1,42
Situação Conjugal
or
Sem registro 2 3 2 7 1,77
od V
Total 31 43 45 72 54 37 282 100,00
aut
Relações Sexuais
Só com Mulheres
R 3 3 1,06
o
Ignorado 1 4 3 7 6 8 29 10,28
aC
Não se aplica 13 18 24 25 25 17 122 43,26
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
TOTAL n 31 43 45 72 54 37 282
visã
% 10,99 15,25 15,96 25,53 19,15 13,12 100,00
dência, sendo que na maioria dos casos não foi possível precisar se a agressão
aconteceu na residência da vítima, do agressor ou de uma terceira pessoa. A
via pública foi referida em 8,30% dos casos notificados. Outros locais citados,
porém, em menor frequência foram: mata, igarapé, escola, transporte coletivo,
par
ria estupro coletivo. Todavia, em alguns pode-se perceber que esse número não
ver
or
Analisou-se a distribuição das agressões, por faixa etária da vítima,
od V
segundo os principais vínculos dos agressores com a vítima e essa não diferiu
aut
significativamente da proporção da amostra total, exceto para os namorados,
que foram mais prevalentes na faixa das meninas menores de 14 anos (χ²
6,745; p 0,034), que diferiram em especial dos agressores desconhecidos,
R
cuja distribuição se deu de modo similar nas três faixas etárias deste estudo.
A Tabela 2 apresenta a distribuição das classes mais frequentes do vínculo
o
do agressor com a vítima, segundo a faixa etária da vítima.
aC
o agressor não havia consumido álcool. Mas, na maioria dos casos (63,12%)
essa informação constava como ignorada.
Dos 282 casos aqui analisados, foram apontados outros tipos de violên-
ão
Neste estudo, foi realizado um recorte onde a amostra é formada por crian-
ças e adolescentes que engravidaram em consequência de violência sexual. Mas,
para além da gravidez, outras consequências foram relatadas: 12,06% relataram
transtorno comportamental e 11,70%, o estresse pós-traumático. Destaca-se que
nove vítimas adquiriram uma doença sexualmente transmissível e duas outras
adolescentes, com 14 anos de idade, atentaram contra a própria vida.
Em todas as faixas etárias analisadas, o período gestacional mais preva-
or
lente foi o 1º trimestre de gravidez, descrito em 51,77% do total de vítimas
od V
neste estudo, seguido de 10,09% no 2º trimestre. Equivocadamente, em 21
aut
casos (7,45%) esse campo foi preenchido como “ignorado”, apesar de terem
sido casos identificados com gravidez em consequência da violência sexual e
em duas há registro de realização do aborto legal. Da mesma forma, em nove
R
casos foi assinalada a alternativa “não se aplica”, que designaria uma vítima
do sexo masculino ou, do sexo feminino e menor de nove anos de idade.
o
Dos procedimentos realizados após a ocorrência da violência e conse-
aC
quente notificação, o mais comum foi coleta de secreção vaginal com 25,89%,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
do setor saúde. Aqui, vinte vítimas não foram referenciadas para outros órgãos
Ed
Social (CREAS/CRAS).
Dos casos analisados, 99 (33,11%) foram confirmados como decorrentes
da VS, no campo Classificação Final, a despeito da maior parte da amostra
s
demais 183 casos (64,89%) foram classificados como prováveis, incluindo 115
crianças menores de 14 anos. A média de idade da amostra dos casos con-
firmados foi de 13,59 (DP 1,75), ligeiramente maior que a média dos casos
descritos como prováveis (média 13,16; DP 1,24), apesar de ficar fora do nível
de significância estatística (p=0,10).
304
or
Na análise das idades das vítimas do presente estudo, meninas entre as
od V
faixas etárias de 12 e 13 anos foram mais prevalentes, o que corresponde ao
aut
período da puberdade. Os estudos de Lins (2008) e Martins e Jorge (2010)
também identificaram meninas em faixa–etária próxima (de 10 a 14 anos)
sugerindo a puberdade como a época do desenvolvimento dos caracteres
R
sexuais secundários, o que torna as vítimas ainda mais vulneráveis no contexto
da cultura do estupro. Dessa forma, podemos perceber que meninas na fase
o
de transição da infância para a adolescência estão em maior risco de serem
aC
grávidas, com idade inferior a 14 anos. Cabe destacar que diante da legislação,
a re
do código penal brasileiro, abaixo dos 14 anos, mesmo que a relação sexual
seja consentida, é considerada estupro de vulnerável.
Esse resultado demonstra que a percepção dos profissionais que notificam os
casos parece não corresponder ao que está definido na Lei nº 12.015, de 2009 que
par
sentadas pelos pais que devem autorizar o procedimento. Talvez isso possa
ver
or
significativa distorção idade-escolaridade nas meninas identificadas como víti-
od V
mas de gravidez decorrente de violência sexual, considerando o índice de 19%
aut
de distorção preexistente no município de Belém (FUNDAÇÃO LEMAN;
MERITT, 2020). Nesse sentido, estudo realizado com 207 adolescentes em
uma maternidade no Piauí, demonstrou existir uma correlação entre gravidez
R
na adolescência e baixa escolaridade, baixa frequência e desempenho escolar,
além de apontar a violência intrafamiliar como importante fator de risco para
o
a ocorrência da gravidez na adolescência (FERNANDES et al., 2017).
aC
De acordo com as notificações analisadas, a VS encontra-se associada
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ao assédio sexual em apenas 20,55% dos casos. Cabe lembrar que o assédio
sexual em geral inclui uma aproximação sexual não consentida, uma solicita-
ção de favores sexuais ou qualquer conduta física ou verbal de natureza sexual
visã
e constitui-se em um tipo de coerção de caráter sexual em nível hierárquico
em relação ao outro (BRASIL, 2009).
Nesse sentido é possível considerar que toda VS está associada de alguma
itor
forma ao assédio sexual. Essa é uma reflexão importante que remete nova-
a re
Por outro lado, segundo Drezett (2000) todos os termos utilizados para
Ed
como estupro no Art. 213, do Código Penal brasileiro (BRASIL, 1940). A ficha
ver
or
do agressor (40,90%), seguida da residência da vítima e do agressor (36,36%)
od V
e da residência da vítima (9,09%) (VIODRES et al., 2008). Drezett (2000)
aut
destaca que os casos de VS nos grupos femininos de adolescentes e adultas
ocorrem principalmente em espaços públicos e que, no grupo de crianças, a
R
maioria dos crimes sexuais é cometida em ambiente privado, especialmente
nas residências, o que reforça a necessidade de se destacar essa variável na
o
ficha de notificação.
Constatou-se também que na maioria dos casos a violência era de repeti-
aC
lógica em 78% dos casos. As vítimas relataram que era a primeira vez
a re
que falavam sobre a violência sofrida, que até então havia sido mantida
em segredo, motivado por afetos, que se alternavam entre “vergonha”,
“medo”, “culpa”, e “sufocamento”, sentimentos esses que apareciam tam-
bém quando evocada a lembrança do episódio durante os atendimentos
par
or
da VS, tanto por parte de alguns profissionais da rede socioassitencial, policial
od V
e da saúde, quanto por familiares e parte da sociedade que trata a questão pela
aut
via moralista/punitivista e não sob o olhar do cuidado e da proteção.
Um estudo realizado com mulheres que tiveram gravidez decorrente de
R
VS, na cidade de Campinas-São Paulo, observou que muitas delas optaram
por não falar sobre o ocorrido na tentativa de esconder e “esquecer” o fato.
o
No referido estudo, a única vítima que buscou atendimento imediato justificou
a procura pela ocorrência de danos físicos graves com necessidade de inter-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
nação hospitalar, tendo sido constatado que a procura pelos órgãos de apoio
e assistência às vítimas de VS em sua maioria só ocorreu após a descoberta
da gravidez (MACHADO et al., 2015).
visã
No presente estudo, a revelação da gravidez decorrente de VS em âmbito
familiar da vítima também pode ter sido o fator desencadeador da procura por
atendimento, visto que a maioria delas chegou ao serviço especializado de
atendimento às vítimas de VS, em Belém-Pará, no primeiro trimestre da gra-
itor
or
Além disso, é fundamental divulgar e tornar mais acessível o instru-
od V
tivo de preenchimento das notificações do SINAN, pois ao analisar os dados
aut
questionamos se quem o preencheu estava ciente das definições e normativas
do Ministério da Saúde, pois o preenchimento incompleto e ou equivocado
R
compromete a análise de algumas variáveis importantes. Essa dificuldade
também foi apontada em estudo realizado em um hospital de Florianópo-
o
lis, Santa Catarina, que realizou a análise das notificações (PLATT; BACK;
HAUSCHILD; GUEDERT, 2018).
aC
Considerações finais
acompanhamento dos profissionais tanto para dar apoio técnico, quanto emo-
cional por meio de grupos terapêuticos, oficinas que visem suscitar o cuidado
com o outro nas diferentes dimensões relacionais, cursos para treinamento
ão
Por fim é válido destacar que a informação sobre gravidez como con-
sequência da VS foi retirada da Ficha de Notificação a partir da sua versão
em 2015, o que pode representar um retrocesso na caracterização desse agravo.
Espera-se que o presente trabalho possa contribuir com a problematização
desta decisão junto ao Ministério da Saúde, demonstrando, em conjunto com
outros estudos, a importância de rastrear adequadamente esta informação,
como forma de garantir condições para que os órgãos competentes possam
or
realizar um planejamento adequado de políticas públicas focadas na prevenção
od V
e acompanhamento destas violações.
aut
Assim, espera-se que as discussões aqui levantadas possam colocar luz
sobre essa importante questão, ressaltando a necessidade de levar em con-
sideração não apenas valores morais subjacentes à narrativa pericial que se
R
interpõe às situações de gravidez decorrente de VS, mas, sobretudo, a garantia
de direitos e condições dignas de desenvolvimento das crianças e adolescentes.
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
310
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aC
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or
EM MARABÁ, SUDESTE DO PARÁ
od V
aut
Lúcia Cristina Cavalcante-da-Silva
Mayara Barbosa Sindeaux Lima
R
Normando José Queiroz Viana
Thuany Steffane Lima Martins
o
Mariane Lopes da Paixão Costa
aC
Introdução
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or
pessoa idosa, a mulher; plantão social; abordagem/aproximação de rua; busca
od V
ativa; cuidado no domicílio; serviço de habilitação e reabilitação na comuni-
aut
dade das pessoas com deficiência; medidas socioeducativas em meio-aberto
(Prestação de serviços à comunidade – PSC e Liberdade Assistida – LA);
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI; entre outros, que são
R
coordenados e executados pelo Centro de Referência Especializado da Assis-
tência Social – CREAS. O CREAS constitui-se em uma:
o
aC
or
caráter breve, diversas pesquisas têm indicado que a permanência das crianças
od V
e adolescentes em instituições acolhimento se estende por longos períodos,
aut
a ponto de algumas delas atingirem a maior idade (MORAES MARTINEZ;
SOARES-SILVA, 2008; SIQUEIRA, DELL’AGLIO, 2006).
Todavia, passado mais de uma década, tal política ainda se encontra em
R
gradual processo de expansão no território nacional; expansão esta que reco-
nhece como desafio, dentre outros, o alcance às localidades mais afastadas
o
dos centros urbanos e regiões metropolitanas.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
O SUAS em Marabá-PA
or
dentre outros fatores, a inserção das famílias em uma série de programas e servi-
od V
ços previstos por diversas políticas setoriais e, em especial, a PNAS. Por sua vez,
aut
na zona urbana verifica-se que a referida renda alcança o patamar de R$ 375,00.
Sobre os indicadores de Educação, constata-se que 170.174 mil habitan-
tes residentes são alfabetizados e 81.726 mil habitantes estão formalmente
R
matriculados em creches ou escolas. Todavia, ainda há um contingente esti-
mado de 55.495 mil residentes não alfabetizados. Quando se trata do Índice
o
de Desenvolvimento Humano no Município – IDHM, os dados referentes
aC
ao ano de 2010 apontam que o município de Marabá está representado pelo
or
de que conhecer sua história de vida, de sua família, do processo de institucio-
od V
nalização, dentre outras variáveis, é fundamental para oportunizar abordagens
aut
pró-desenvolvimento adequadas.
Cavalcante, Magalhães e Pontes (2007) realizaram um estudo que
discutiu aspectos das condições gerais em que 287 crianças foram encami-
R
nhadas, acolhidas e cuidadas em um abrigo infantil de Belém, entre 2004
e 2005. Foram realizadas entrevistas com a equipe técnica e consulta a fontes
o
documentais. Os itens levantados nasceram da adaptação do instrumento de
aC
pesquisa usado por Weber e Kossobudzki (1996). Os resultados mostram
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Sobre a escolaridade dos pais, Fávero et. al (2008) contataram que 50%
dos pais participantes tinham, no máximo, o Ensino Fundamental Incompleto.
Já Corrêa (2016) destacou a grande carência ou mesmo a ausência desse dado
nos arquivos das crianças acolhidas em Serviço de Acolhimento Provisório
da Região Metropolitana de Belém, Estado do Pará.
320
or
Silva (2016), Serrano (2008) e Rosa (2004) identificaram que a negligência, a
od V
dependência química dos pais, abandono, violência doméstica e abuso sexual,
aut
estão entre os motivos mais frequentes para a institucionalização. Fukuda,
Penso e Santos (2013) verificaram que uma parcela significativa desta popu-
R
lação foi acolhida mais de uma vez. Segundo Sabatovski e Fontoura (2010),
Calcing e Benetti (2014) e Gontijo et al (2012), a maioria das crianças perma-
o
neceu na instituição menos de dois anos, aspecto interessante se observamos
que a legislação estabelece o prazo máximo de 18 meses.
aC
Provisório, a não ser que esteja claro algum tipo de risco. Manter esses
a re
or
linha de pesquisa “Desenvolvimento infantil em situação de acolhimento
institucional”, composto por alunos e professores do Curso de Psicologia da
od V
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Para (Unifesspa), campus Marabá.
aut
Como frutos desse trabalho foram gerados um relatório de iniciação cientifica,
com os dados de crianças com idade inferior aos três anos (Estudo 1); um
R
Trabalho de conclusão do Curso de Psicologia, com crianças de três a doze
anos de idade (Estudo 2).
o
A motivação para realizar o estudo nasceu da possibilidade de contribuir
com a equipe técnica do EAP-Marabá na construção de planos de ação em
aC
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28073919.4.0000.0018.
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado o Formulário de
ão
or
destino no pós-acolhimento. Tendo em vista o caráter descritivo/diagnóstico
do estudo, a análise de dados sucedeu-se a partir do cálculo de frequências,
od V
considerando-se para tanto o nível de medida nominal.
aut
Estudo 1: Crianças com até dois anos e onze meses
R
No período de abrangência da pesquisa, foram identificadas onze crian-
o
ças na faixa etária investigada, o que corresponde a 23,4% dos (as) acolhi-
aC
dos (as) na instituição. A maioria do sexo feminino (9/11), no primeiro ano
maioria era monoparental; estava aos cuidados da mãe; era composta por mais
filhos, além da criança acolhida institucionalmente, com os quais ela coabitava.
Observou-se também que em 9/11 das famílias, os genitores eram usuários
de drogas ilícitas e lícitas. Perfil semelhante ao descrito na literatura (COR-
RÊA, 2016; FUKUDA et al., 2013; GOTIJO et al., 2012; GUEIROS, 2003).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 323
or
apenas de três pais que recebiam valores pouco acima de um salário mínimo.
od V
Resultados semelhantes a este foram encontrados por Fávero et. al (2008).
aut
Observou-se que apenas 2/11 famílias estavam inseridas em programa
de transferência de renda previsto na Política Nacional de Assistência Social,
(Bolsa Família), quadro semelhante ao descrito por Fávero et. al (2008). Sobre
R
as condições de moradia das famílias, a maioria residia em imóveis alugados,
de alvenaria, com até três cômodos (7/11), com banheiro interno (7/1), energia
o
elétrica (8/11) e água encanada (8/11), provinda de poços artesianos (6/11).
aC
Encontrar-se em condições financeiras desfavoráveis e ainda assim estar
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or
(4/11); negligência familiar (2/11); pais presidiários (1/11); situação de rua
od V
(1/11). Dados similares têm sido relatados na literatura (CORRÊA, 2016;
aut
SILVA, 2016; SERRANO, 2008; ROSA, 2004).
Sobre a permanência de irmãos/ães na mesma instituição ou congêneres,
identificou-se que 8/11 crianças tinham irmãos/ães que estavam ou haviam
R
sido acolhidos institucionalmente, todos no EAP-Marabá. O acolhimento
de grupos de irmãos tem sido relatado com recorrente na literatura (CONS-
o
TANTINO et al., 2013; CORREA, 2016; SILVA, 2016; CAVALCANTE et
aC
al., 2007). Segundo as Orientações Técnicas (BRASIL, 2009), crianças e
com média de idade de 8,1 anos com desvio padrão de 2,5 anos e natural de
Marabá-PA (13/20). Verificou-se também que a maioria das crianças pos-
suíam registro civil (19/20), mas que em apenas 13/20 deles contava o nome
s
or
algum familiar das crianças, percebeu-se que em 13/20 casos, pelo menos um
od V
integrante da família era usuário de drogas, em geral utilizada pelo pai e pela
aut
mãe (5/13), sendo que um número significativo (9/13) consumia drogas lícitas e
ilícitas. Resultados semelhantes foram relatados por Corrêa (2016), Cavalcante,
Magalhães, Reis (2014), Gabatz et al. (2010) e IPEA (2004).
R
A maioria dos arquivos não fornecia informações sobre a escolaridade
dos pais (4/20 mães e 4/20 pais), situação igualmente identificada por Corrêa
o
(2016), sendo possível identificar 3/4 mães eram analfabetas e que 3/4 não
aC
haviam completado o Ensino Fundamental. Em relação à ocupação e à renda
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de parto normal, das quais uma com baixo peso, e que apenas uma criança
ver
or
doença mental da mãe (3/20); vulnerabilidade social da família (2/20); pais
od V
presidiários (1/20); e situação de rua (1/20).
aut
Na maior parte dos arquivos não constava informações sobre acolhimen-
tos institucionais anteriores (12/20), sendo possível apenas identificar de 7/8
das crianças já haviam sido acolhidas anteriormente, com idades de primeiro
R
ingresso variando entre dois a cinco anos de idade, 6/8 delas em outras institui-
ções de acolhimento. Diferente dos dados de Corrêa (2016) à entrada atual da
o
criança no espaço de acolhimento foi de 7,7 anos de idade. Identificou-se também
aC
que 18/20 crianças tinham ou já tiveram irmãos acolhidos institucionalmente.
geral feita pela mãe (14/20). Esse dado está em consonância com a pesquisa
realizada por Fávero et.al (2008), no qual evidenciou que a maioria dos fami-
liares se fazem presentes nas visitas, indicando assim o interesse, o afeto e a
vontade de manter os vínculos.
par
Considerações finais
Ed
inserido (a) nesses espaços e/ou daqueles (as) que atuam na construção de
políticas públicas. Cientes de que as condições de vida e as características
sociodemográficas das crianças podem se diferenciar de maneira significa-
s
or
No tocante às potencialidades do presente estudo, destacamos a aber-
od V
tura do debate e de investigações exploratórias de caráter diagnóstico sobre
aut
a temática da institucionalização das crianças e o impacto no desenvolvi-
mento humano na Região do Sudeste Paraense. Embora o perfil das crianças
deva ser visto com parcimônia, haja visto a carência de informações acerca
R
de diversas variáveis investigadas, o conhecimento produzido pode auxiliar
no planejamento de ações pontuais no EAP-Marabá, assim como colaborar
o
na construção de um panorama nacional acerca de crianças em situação de
aC
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acolhimento institucional.
A respeito das omissões, bem como, incipiência das informações iden-
tificadas em alguns arquivos/prontuários, especialmente sobre os pais/res-
ponsáveis pela criança, marcos do desenvolvimento e de condições de saúde,
visã
avalia-se que estas podem comprometer o resgate da história de vida das crian-
ças. Além disso, podem indicar que há pouco tempo para o detalhamento dos
prontuários, em virtude do ritmo de trabalho e/ou do número de funcionários.
itor
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ver
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ECOS NEOLIBERAIS E
PUNITIVISMO JUVENIL
or
Valber Luiz Farias Sampaio
Cyntia Santos Rolim
od V
Rafaele Habib Souza Aquime
aut
Apresentação
R
O avanço das práticas de governamentalidade neoliberais alarmam a
o
sociedade contemporânea. A “arte de governar”, como o filósofo Michel Fou-
aC
cault ([1978-1979] 2008) chamou a governamentalidade, vem formatando
um conjunto estratégico de práticas que conduzem os indivíduos à um duplo
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mesmo tempo em que direciona a uma nova ordem econômica e moral sob um
império do capital. Logo, “[...] o neoliberalismo não seria apenas um regime
econômico e/ou político, mas também uma maneira de viver, um estilo de
vida” (LEMOS, et. al., 2015, p. 332).
Diante de certos estranhamentos que emergem a partir dessas ressonân-
cias na atualidade, sobretudo diante da juventude negra e pobre, propõe-se,
neste ensaio, a inversão da lógica pautada, principalmente pela mídia, acerca
334
or
ausência de políticas punitivas aos adolescentes que cometem atos infracio-
od V
nais, buscando a responsabilização desses atos com medidas mais severas, o
aut
que configura uma ótica de busca incessante para se ver livre de insurgências
sociais de uma possível desordem, fomentando assim modos cada vez mais
rígidos e encarceramentos precoces.
R
Diante deste cenário perverso e contraditório, se exibe a necessidade
de dialogar acerca da cultura “anti-jovem-pobre”, assim denominada por
o
Fernanda Bocco (2008). Logo, objetiva-se traçar uma breve relação entre o
aC
19 Discurso presente na Proposta de Ementa à Constituição (PEC) 171/93, posteriormente modificada para
a 115/2015. Que também chama atenção o fato de ser proposta essa modificação apenas 3 (três) anos
após a promulgação da legislação magna em direção às crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e
do Adolescente - ECA, sancionado em 13 de julho de 1990, que tem como objetivo a proteção integral da
criança e do adolescente.
20 Denominação dada à parlamentares da política brasileira que estão ligados à indústria de armas, ex-policiais
e militares de modo geral.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 335
de poder, que tem por alvo a população e opera por meio da produção de uma
economia política” (LEMOS et al., 2015, p. 332).
Analisar a governamentalidade nos permite desmembrar determinados
binarismos que se constroem, na lógica Estado-sociedade civil. São con-
cepções fragmentadas que nos proporcionam o entendimento de oposição;
quando, na verdade, fazem parte de um emaranhado de múltiplas forças.
Em O nascimento da biopolítica, Foucault (2008) parte de duas con-
or
cepções referentes ao neoliberalismo como modos de governamentalidade:
od V
o ordoliberalismo, que tem origem alemã e o denominado anarconeolibera-
aut
lismo, com origem nos Estados Unidos da América (EUA). Estes, por sua
vez, funcionariam a partir de uma “aversão” à lógica de Estado. A noção de
razão do Estado mínimo, onde há um deslocamento da centralidade racional
R
econômica para um racionalidade político-jurídica.
O neoliberalismo surgia na Alemanha a partir do pós-guerra, com o obje-
o
tivo de constituir a Alemanha Ocidental, seguindo um modelo de liberalismo
aC
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desta. Foucault (2008, p. 111) chega a afirmar que Erhard atribui o sentido de
que um Estado somente poderá falar em nome do povo a partir do momento
Ed
processo de avaliação pela veridicção de seu comércio; este, por sua vez, não
ver
tinha nenhum tipo de intervenção por parte do Estado. O mercado seria, então,
este lugar a partir da consolidação de um campo de saber – logo, de verdade –
agenciado pela economia política neste lugar de ciência (DELUCHEY, 2015, p.
21 Foi formado junto à administração alemã da economia. O Conselho seria de opinião de que o processo econômico
deveria ser assegurado de modo mais amplo possível pelo mecanismo de preços (FOUCAULT, 2008, p. 109).
336
28). Segundo Lemos (et. al., 2015), adentram juntamente com esta concepção
neoliberal norte-americana, a noção de capital humano22, de segurança por
lei e ordem e de empresariamento da vida, dentre outras.
Ainda em Lemos (et al., 2015, p. 333) acerca de Foucault (2008):
or
e os contratos, promove um sistema de arbitragens entre os consumidores,
cria um sistema de reciprocidade entre economia e direito, propõe um
od V
capitalismo como relação social e modo de vida, introduz o Estado de
aut
Direito na economia, em que o Estado deve prestar regras para a geração
de renda e para regular danos e conflitos, através de mediações jurídicas,
R
forjando intensa judicialização das relações sociais.
o
um mercado que controla o Estado, no sentido de organização e regulação
aC
sociais que libertariam não apenas o mercado, mas a intensificação das desi-
a re
gualdades sociais, visto que a noção de comum daria lugar a interesses restritos
de determinada camada social. Logo, aos que não seriam úteis à sociedade,
como produtores diante das estatísticas econômicas, estariam à margem e
necessitariam serem eliminados/as. É aí que os dispositivos de segurança são
par
or
Estes sujeitos “inadaptados” seriam, de acordo com a governamentali-
od V
dade neoliberal, a fomenta de perigo e desvios de uma ordem social impressa/
aut
vigente. Logo, estes sujeitos necessitariam adentrar a esfera normalização, a
partir de uma racionalidade ambientalista de uma higiene social, que opera
R
pela noção de defesa da sociedade (FOUCAULT, 2005).
O utilitarismo ganha mais espaço a partir dessa arte de governo; antes, o
o
espaço de troca dá lugar ao da concorrência, que elimina, exclui, e, sobretudo,
mata. Ou se adentra à racionalidade do homo oeconomicus e seus interesses,
aC
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ou não fará parte desse espaço. Nilo (2010) afirma que para sobreviver deve-se
existir flexibilidade/ adaptação; a arte de governo neoliberal se reinventa, ao
mesmo tempo que cria, (se) modela e exclui (em todos os sentidos do termo),
visã
sem perder suas características essenciais, econômico ser intocável.
or
No panorama dessa gestão dos indesejáveis, forjam-se discursos e sabe-
od V
res para que fazem parte da lógica desse dispositivo penal. Em nome do
aut
bem social e da segurança pública, silenciam as insurgências sociais a par-
tir de estratégias de controle. Wacquant (2001) afirma que vivemos sob a
R
égide do Estado Penal, onde há um desinvestimento no Estado Social, ao
mesmo tempo que adotam medidas mais severas diante da criminalização
o
do “sujeito desviante”.
aC
or
QUANT, 2001). Neste sentido, os dispositivos de segurança forjam não só a
emergência do sentimento de insegurança e medo, mas, sobretudo “oferecerá”
od V
uma resposta a esse sentimento: o discurso, impositivo, da instauração da
aut
segurança à qualquer suspeita desordem.
Essa resposta de responsabilização do sujeito que transgride à ordem
R
social se sustenta na liberdade, servindo de recurso que legitima essa prática
somado aos saberes que tendem a formatar estratégias, a partir de seus cálculos
o
de riscos. Ou seja, criam-se medos, para vender “soluções”. Nesse panorama,
aC
não só os adultos estariam na “mira” de uma lógica punitiva; a juventude
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Por volta de 1978 Michel Foucault já manifestava seu interesse pelos estu-
dos de exclusão e institucionalização, escrevendo o livro História da loucura
teria localizado efeitos de saber e poder que estavam se estabeleciam sob o con-
finamento na sociedade. Não apenas na ordem do confinamento, mas, sobretudo,
à complexidade que estes se expunham em meio ao seio da sociedade, assim
par
como aos efeitos de verdade que estes teriam, por meio de atravessamentos de
tecnologias de poder. Logo, temos a dimensão de que o acoplamento de prá-
Ed
poder penal foi capitalizada por toda sociedade (FOUCAULT, 2012). Segundo
Oksala (2011), Foucault (2012) em Vigiar e Punir não buscou apenas analisar
as práticas de punição com o objetivo de condená-las, mas de problematizar os
s
23 Maia (et al., 2009) afirma que John Howard propôs importante reforma nas prisões britânicas, levando em
consideração as péssimas condições carcerárias ferindo a caridade cristã. Para tal mudança, sugeriu o
confinamento solitário, o trabalho e a instrução religiosa aos presos.
340
or
nas designadas à camada adulta da sociedade. No entanto, Batista (2009,
od V
p. 96) afirma que:
aut
O neoliberalismo trouxe uma outra vez a juventude para o centro das
atenções criminológicas, ao mesmo tempo em que o fim das ilusões do
R
pleno emprego keynesiano, a descartabilidade da mão de obra e na supre-
macia da ideologia do mercado configuram de outro modo a visão dessa
o
etapa da vida como problema. A destruição das políticas públicas e a falta
aC
de perspectivas de trabalho em contraste com a energia juvenil fizeram
tem sido uma estratégia frequente no percurso de toda a história. Essas insti-
tuições foram, e continuam sendo, produtoras de subjetividades, modelando
o comportamento e normalizando os sujeitos.
Diante do exposto, adentrando o campo da previsibilidade e do cálculo
par
de riscos, a lógica punitiva não pertenceria mais ao ato em si. Segundo esse
aspecto, o que seria punido é o/a adolescente em potencial, a racionalidade
Ed
24 Essas penitenciárias apresentaram dois modelos de execução de pena: o modelo da Pensilvânia, que propôs
o isolamento completo de seus presos, onde possibilitavam a execução de trabalho em suas próprias celas;
e o modelo de Auburn, que isolava os presos apenas no período noturno, obrigando-os ao trabalho durante
no período diário, no entanto restringiam qualquer tipo de comunicação entre os mesmos (Ibid, 2009).
s
25 George Ruche e Otto Kirchheimer, em Punição e estrutura social ([1939] 2004), elencaram os sistemas de
ver
prisões associados aos modos de produção de cada época. Na Idade Média as punições restringiam-se
às multas e penitências; na Renascença às mutilações e exílios, à medida em que compunham o controle
do proletariado; durante às práticas mercantilistas as punições estavam nas exigências do Estado e na
ascensão do capitalismo se apresenta o modelo atual.
26 Dario Melossi e Massivo Pavarini em sua obra Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (1977)
estudaram os sistemas prisionais da Holanda, Itália, Inglaterra e Estados Unidos apontando a prisão como
uma pré-fábrica, que objetivavam a coerção social através da produção laboral.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 341
or
As práticas que constituem os centros de privação de liberdade mol-
od V
dam os corpos de acordo com seus regimes. Nestes centros, realizando uma
aut
comparação ao sistema carcerário, as aplicações de pena representariam a
conversão, não de um sujeito que se reconstrói a partir de um pacto jurídico,
mas na constituição de um corpo dócil, útil (CASTRO, 2014). Esse poder
R
coercitivo seria a essência de um fenômeno moderno, a disciplina.
Essa coercitividade que surge como latência em meio à disciplina carac-
o
terizaria então uma espécie de aprendizagem, uma normalização. A função
aC
do poder de punir não difere essencialmente do poder de curar ou educar,
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morrer? Quem estaria apto a julgar tal seletividade? Por essa perspectiva,
Agamben (2012) afirma que a biopolítica seria semelhante a tanatopolítica.
Ed
27 Termo utilizado comumente que designa a concepção mudança comportamental. Égide normalizadora.
28 Goffman ([1961] 2013) caracterizou esses locais como locais de residência, em que se estão presentes
diversas pessoas em situações semelhantes, e que se encontram afastados da sociedade. Para tal, há
regulação do tempo e das atividades. O autor destaca locais como prisões, manicômios e conventos como
os principais exemplos desse modelo disciplinar.
342
or
redução da maioridade penal e do aumento do tempo de cumprimento de
od V
medida socioeducativa, e, posteriormente, com a criação de centros privados
aut
com estes fins (assim como em outros países, no sistema carcerário).
Para além de interesses de mercado, sabemos que a intensificação da
penalidade destinados à camadas sociais não traria como resposta o fim das
R
insurgências sociais como as desigualdades. Ou seja, encarcera-se em nome
do higienismo social, da disciplina e de uma ordem, que contraditoriamente
o
não respeitando a subjetividade diante da perspectiva normalizadora, em nome
aC
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aC
WACQUANT, Loïc. Insegurança social e o surgimento da preocupação com
or
od V
Fernanda Nazaré da Luz Almeida
aut
Leandro Passarinho Reis Júnior
Michele Torres dos Santos de Melo
R
Introdução
o
Conforme estabelecido pela Lei de Execução Penal, o acesso à assistência
aC
educacional é um direito garantido à pessoa privada de liberdade e deve ser
oferecido pelo Estado na forma de instrução escolar e formação profissional,
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
diados, destes 4% são analfabetos, 14% tinham ensino médio completo, 21%
com ensino médio incompleto, 2% com ensino superior incompleto, 41% com
ensino fundamental incompleto e 18% com ensino fundamental completo.
Na Superintendência do Sistema Penitenciário do Estado do Pará – SUSIPE,
criada através da Lei Estadual nº 4.713, de 26 de maio de 1977, transformada em
Autarquia pela Lei nº 6.688, de 13 de setembro de 2004, datada de autonomia
administrativa e financeira e vinculada à Secretaria de Estado de Segurança
346
Pública e Defesa Social – SEGUP, tem por missão institucional planejar, coor-
denar, implementar, fiscalizar e executar a custódia, reeducação e reintegração
social de pessoas presas, internadas e egressos, em cumprimento ao disposto na
Lei Federal nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal. A Lei
nº 8.322, de 14 de dezembro de 2015, dispõe sobre a reestruturação da SUSIPE.
Legalmente, a educação no cárcere é um tipo de educação de adultos que
visa escolarizar, formar e qualificar pessoas temporariamente encarceradas
or
para que, depois que cumpram o tempo de privação da liberdade, possam
od V
reinserir-se com dignidade no mundo social e do trabalho, já que essas pessoas,
aut
em sua maioria, têm baixa ou nenhuma escolarização. Nesse sentido, grande
parte dessas pessoas presas necessita de uma educação ampla e diferenciada
para que adquiram conhecimentos, saberes e práticas que lhes possibilitem
R
a (re)construção de sua cidadania, se é que em algum momento de sua vida
social e produtiva ela foi ou se sentiu cidadã.
o
Essa educação é condição sine qua non para mudar a realidade cruel
aC
do sistema carcerário nacional, e no Estado do Pará não é diferente, como
liberdade. De fato, o que acontece é que se tem um sistema falido pela ausência
de uma política pública de segurança e cumprimento de pena e ressocializa-
ção dos presos. Diante desse caos, o que a educação pode fazer? Como ela
ão
or
od V
O sistema prisional, ainda em 1984, ganhou novas diretrizes por meio
aut
da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), que buscou garantir legalmente
direitos às pessoas presas, mas na prática, muitas das ações não foram cum-
R
pridas pelo Estado, em particular a assistência educacional que ainda não é
uma realidade na maioria dos presídios, portanto, não cumprindo na íntegra
o que diz o Art. 11, que a educação nos presídios deverá compreender “a ins-
o
trução escolar e formação profissional do preso e do internado”, sendo que,
aC
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mais importante, pois para nada serve a construção de salas sem um currículo
de qualidade que dê conta das diferenças do ensino-aprendizagem para pessoas
Ed
or
Na concepção de Costa (2014), no estabelecimento penal há pouco
od V
espaço para o exercício da individualidade e da reflexão, ficando a educa-
aut
ção minimizada em seu potencial de transformação das pessoas privadas de
liberdade. O autor afirma que é preciso mudar a cultura, o discurso e a prática
R
para compatibilizar a lógica da segurança (de cerceamento) com a lógica da
educação (de caráter emancipatório), uma vez que ambas convergem aos
o
objetivos de cumprimento da pena e de reintegração social ou ressocialização
daqueles que estão privados de sua liberdade.
aC
quados. Isto faz com que concretamente não exista uma educação carcerária
organizada (SANTOS, 2005, p. 2). Outras dificuldades existem, desde a
Ed
desmotivação dos presos até a falta de apoio interno dos que administram
as unidades penitenciárias. Também existe a ideia socialmente construída
ão
de que o preso não tem direito à educação por ter cometido crimes contra
a sociedade. Mas não se pode esquecer que, ainda assim, eles são seres de
direitos. Mesmo que não se possa desprezar a questão da segurança quando
s
Educação-pedagogia no cárcere
or
governo responsáveis pelo ensino público e pela execução penal.
od V
O PEESP será executado pela União, em colaboração com os estados
aut
e o Distrito Federal. As despesas de execução do plano serão cobertas com
dotações anuais dos orçamentos do MEC e do Ministério da Justiça. Para
R
receber apoio técnico e financeiro da União, Estados e Distrito Federal pre-
cisam aderir ao plano estratégico e apresentar projetos que contemplem o
o
diagnóstico das necessidades de ensino nos estabelecimentos penais, estra-
tégicas e metas a serem alcançadas.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
aqui fora, ter chances mais dignas de (re)integração à sociedade. Sabe-se que
esse ainda é um processo que não se verifica como um todo, pois se vê que
a educação, pelo menos na prática, não é um princípio da fundamentação
de reintegração, ainda não tem cursos para qualificar o professor de ensino
par
or
quer dizer que não possamos empreender forças contrárias a ele para possi-
od V
bilitar outro projeto histórico de sociedade, mais humana (MARX, 2008), e
aut
que isso deve começar ainda no interior da sociedade atual, tendo a educação
dialógica como uma das pedras angulares de institucionalização desta prática
de ensino (FREIRE, 1997).
R
A Educação-Pedagogia no Cárcere, nessa concepção, deve estar atenta
às suas finalidades sociais e aos sujeitos que pretende emancipar, ou seja, a
o
população carcerária, excluída e marginalizada, buscando acessar uma educa-
aC
ção que a promova cognitiva e socialmente. Esse é um tipo de educação que
ção do condenado no convívio familiar e social a fim de que ela não volte a
delinquir.” É importante salientar que a profissionalização de detentos facilita a
Ed
estudo e regras básicas de cidadania podendo-se chegar a uma solução tanto para
prepará-los ao mercado de trabalho, como para preencher as horas de ociosidade
dentro dos presidiários. Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
s
or
e Senar) e pelas escolas técnicas e federais. A ênfase era na formação inicial e
od V
continuada, com carga horária que varia de 160 a 400 horas. Realmente o Pro-
aut
natec foi um sucesso enquanto durou, pois o programa está parado desde 2016.
Diante desse quadro, se faz pensar que não há dúvidas de que a educação
para esse grupo é necessária e urgente por ter a possibilidade de reintegração
R
de maneira emancipada dessas pessoas no mundo social, fazendo-as adquirir
conhecimentos, saberes e atitudes importantes para as suas vidas. Desta maneira,
o
a educação assumiria um papel relevante para essas pessoas porque além dos
aC
benefícios da instrução escolar, o preso pode vir a participar de um processo de
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or
Empresa Junior dentro das escolas e universidades.
od V
O desenvolvimento de atividades profissionais e educacionais relacio-
aut
nadas às demandas e realidades locais na busca por condições propícias ao
retorno do convívio social. Nas unidades prisionais, a educação é vista pelo
R
sistema prisional, como privilégio à população carcerária. Conforme Carreira
e Carneiro (2009), a educação ainda é algo estranho ao sistema prisional,
o
utilizam-na como moeda de troca para manutenção da ordem disciplinar.
Assim, existe uma tensão entre a garantia do direito à educação e o modelo
aC
melhor e mais justa na via da educação como um direito, e não como uma
a re
Público-alvo
Objetivo geral
or
od V
Promover a integração e o desenvolvimento social dos privados de liber-
aut
dade a partir da qualificação e a inserção profissional voltado para geração
de emprego e renda.
Objetivos específicos
R
o
• Desenvolver habilidades técnicas na formação profissional;
aC
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Metodologia
visã
ções darão o suporte nos cursos que acontecerão dentro das unidades penais, de
a re
com a realidade local. Caso ocorram qualquer situação de perigo que possa
colocar em risco todos os envolvidos na realização das atividades estas pode-
rão ser suspensas e/ou reprogramadas e retornarão no momento em que já
ão
or
• 7ª Etapa - Os cursos acontecerão em 4 horas diárias, onde eles farão
od V
aulas teóricas associadas a prática;
aut
• 8ª Etapa - Início do curso;
• 9ª Etapa - Cerimônia de conclusão do curso e entrega dos certificados;
• 10ª Etapa - Como avaliação de pós-cursos será feita avaliação pelos
R
alunos dos cursos, dos professores, da equipe pedagógica, do mate-
rial utilizado durante o curso e se desejam que tenham outros cursos.
o
aC
A equipe de coordenação:
Visando efetivar os objetivos no plano real, as ações do projeto deverão
ser planejadas para melhor atender os presos condenados e custodiados na
Unidade Penal. Apresentar a equipe de Execução, por meio de: Comissão
Técnica de Classificação (CTC) – Art.5ª. da Lei de Execução Penal.
Esta por meio de seleção e entrevista determina a aptidão do preso para
o trabalho e o estudo, de acordo com o seu perfil, traçando as ações necessá-
or
rias para a sua reintegração à sociedade. O documento é posto em prática e
od V
reavaliado anualmente. As equipes devem ser formadas por psicólogos, assis-
aut
tentes técnico-jurídicos, diretores, assistentes sociais, enfermeiros, dentistas,
pedagogos e gestor de reinserção social da unidade penal.
O gestor responsável pela reinserção social da unidade penal implemen-
R
tará e coordenará os cursos, buscando a capacitação e a profissionalização
dos detentos custodiados. A assistência educacional é concretizada por meio
o
de convênios e contratos com instituições públicas e privadas – Exemplos:
aC
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Considerações finais
visã
de ressocialização, que passa a surgir, uma vez que estas pessoas, ao sair da
a re
em que está inserido. O trabalho do preso não poderia ser diferente, pois o
objetivo do legislador ao redigir o texto de lei, fica evidente que ele vincula
o trabalho do preso a um dever social e a existência da dignidade humana.
ão
REFERÊNCIAS
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aC
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Ed
s ão itor
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visã R
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o aut
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JUVENTUDES E RESISTÊNCIAS:
uma análise sobre conflitos urbanos,
políticas de morte e transdisciplinaridade
or
od V
Luizane Guedes Mateus
aut
Rovana Patrocinio Ribeiro
R
O massacre sempre será um dispositivo...
o
Quais são essas vidas que, se perdidas, não serão consideradas em
absoluto uma perda? É possível que algumas de nossas vidas sejam
aC
consideradas choráveis e outras não? (Judith Butler)
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muito positiva, uma vez que não teria muito que comer, embora, ironicamente,
a re
sabe que será parado. Nas quebradas da Piedade, os vizinhos colocam suas
cadeiras nos becos estreitos, e entre sorrisos e “corres”, dos meninos da boca,
Ed
memória para tentar lembrar-se de quem era aquela voz que ouvia um pouco
ver
distante, mas que ressoava como um grito de lamento. Ouviu então uma
sequência de tiros, e, de longe, viu um policial saindo de dentro de sua casa
mostrando uma arma em uma das mãos e bradando que tinha sido com ela
que o foragido havia atentado contra sua vida: auto de resistência!
Eram frequentes os conflitos entre os meninos da Fonte Grande e os meni-
nos da Piedade, onde Carlos e família moravam. A disputa, segundo os progra-
mas de TV diários do horário do almoço, era por pontos de drogas, o que deixava
362
or
lumbrado com as falsas promessas que o tráfico oferecia; sabia também que
od V
não se passava de um menino que era usado para soltar fogos, quando os
aut
inimigos se aproximavam, ou então para comprar lanches na parte baixa da
cidade para os traficantes. Era só um menino de treze anos. E Carlos sabia que
todos, da Piedade e da Fonte Grande, eram seus amigos desde criança, quando
R
ainda corria atrás de pipas pela escadaria que liga os dois bairros. A certeza
de Carlos era de que dia após dia perdia um desses meninos nos confrontos
o
ou nos enfrentamentos com a polícia. Quanto mais olhava a movimentação e
aC
aguçava seus ouvidos para os gritos, percebia que eram de sua mãe.
ano foi constatado, a partir de comparação com o ano anterior, que houve um
ver
or
como emergem as pesquisas desenvolvidas com a juventude de periferias,
od V
sejam as armadilhas relativas às análises carregadas de pré-conceitos e equí-
aut
vocos das dimensões transversais da vida desses meninos e meninas em suas
comunidades. Nesse campo, sentimo-nos provocadas a pensar o que Marília
Sposito (2010) nos oferece como desafios para os estudos sobre jovens.
R
Um campo pouco investigado no conjunto de estudos sobre juventude situa-
o
-se no tema dos modos de vida de jovens a partir de seu local de moradia
aC
considerado como território de múltiplas relações sociais. Nesse caso, as
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Dessa forma, é importante dizer que a perspectiva deste texto está com-
preendida e atravessada por uma multiplicidade de repertórios sociais dife-
par
renciados, por vezes não lineares e por vezes contraditórios, como a própria
existência das periferias; é atravessado também pela escrita comprometida, a
Ed
or
de atividades sem a privação de sua liberdade. Surge daí as inquietudes para
a produção deste texto. Assim, para operacionalizar o atendimento, são rea-
od V
lizadas diversas ações, que possibilitam processos emancipatórios para os/as
aut
adolescentes e jovens em acompanhamento, pautadas sempre nos pressupostos
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
R
Os encontros entre as duas profissões no fazer transdisciplinar ocorreram
– e ainda ocorrem – a partir das possibilidades evidenciadas pela abordagem
o
de caráter territorial. Para nós, o território é a principal parte da nossa prá-
aC
tica, pois é nele que a vida acontece e é nele que são possíveis agências que
Carlos é nosso personagem fictício, mas representa o que tem sido retratado
cotidiana e irrestritamente: as mortes que supostamente ocorrem em decorrência
dos conflitos territoriais, que consistem numa série de enfrentamentos entre os
chamados grupos rivais, em detrimento do controle e domínio do tráfico de
drogas e armas, e do confronto com o braço armado do Estado – a polícia mili-
or
tar. Para compreendermos o contexto atual, no qual se constrói a narrativa dos
od V
conflitos territoriais, como principal expoente para o crescimento da violência,
aut
assim como o extermínio da juventude negra, é preciso estruturar uma breve
análise acerca de outra construção histórica: o conceito de classes perigosas.
Esta análise vai nos mostrar que alguns discursos seletivos de ódio serão
R
produzidos, ao longo da história, de acordo com a necessidade de homogeneiza-
ção e sujeição de alguns grupos, principalmente negros e pobres. Esses discur-
o
sos serão utilizados, especialmente, para dar certos lugares a esses grupos, tais
aC
como o lugar de perigo e daquele que pode e, porque não, deve ser combatido
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aqueles que merecem viver, daqueles cujos corpos podem ser deixados pelo
caminho – corpos virtuosos e corpos viciosos –, como bem referencia o Tra-
tado das Degenerecências, de Benedict-Augustin Morel, publicado em 1857.
s
Todas essas teorias têm um ponto em comum: apontam como inferiores pes-
ver
soas com deficiência, transtornos mentais, presos, negros e pobres. Elas cons-
troem um percurso de processos de exclusão, sujeição e confinamento do qual
devem sobreviver os mais fortes e mais aptos, os superiores.
Nesta perspectiva eugenista, de controle e dominação dos corpos, a
ciência considera o período entre a adolescência e a juventude como fase de
366
or
em situações de violência exacerbada, características físicas e psicológicas –
od V
reconhecidas como próprias desse período de vida, para responderem questões
aut
referentes aos altos índices de infração juvenil, que, não por acaso, superam
marcas anteriores ao processo de industrialização.
Essas construções possibilitaram a separação que definiu, já no final do
R
século XIX e começo do século XX, quem seriam os dignos e quem seriam os
viciosos, aqueles que poderiam ser “cuidados”, teriam seus valores construí-
o
dos através do trabalho e da moral, e aqueles que deveriam ser destinados à
aC
prisão, ao manicômio, aos espaços de vigilância e controle e ao extermínio. Os
Europa, mas também no Brasil, onde as ruas se tornaram palco dos movimen-
a re
or
cerca é fora para quem está do outro. Os moradores dos condomínios man-
od V
têm-se fora da desconcertante, perturbadora e vagamente ameaçadora – por
aut
ser truculenta e confusa – vida urbana, para se colocarem dentro de um oásis
de tranquilidade e segurança. Contudo, justamente por isso, mantêm todos os
demais fora dos lugares seguros, e estão absolutamente decididos a conservar
R
e defender com unhas e dentes esse padrão; tratam de manter os outros nas
mesmas ruas desoladas que pretendem deixar do lado de fora, sem ligar para
o
o preço que isso tem. A cerca separa o “gueto voluntário” dos arrogantes dos
aC
muitos condenados a nada terem (BAUMAN, 2009).
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or
toda sorte de invasões e domínio do comércio de drogas e armas.
od V
Para esses bairros, mais uma vez, são destinadas apenas a Segurança
aut
Pública, como forma de aproximação e “pseudogarantia de direitos”, militari-
zando seu cotidiano e mantendo a precariedade da vida que passará a valer tão
pouco, que só será lembrada nas páginas policiais quando a espetacular cobertura
R
midiática, acerca da formação e estruturação das ditas facções criminosas, se
tornar rentável e facilmente utilizada para operações policiais, invasões de resi-
o
dências e extermínio de uma parcela muito específica da população. Classe, raça
aC
histórias?
O tema (in) segurança pública no Espírito Santo vem tendo destaque local e
nacional, nos últimos anos, em decorrência dos altos índices de mortes violentas
par
ção, aponta para conflitos gerados pela disputa por pontos de vendas de drogas,
ver
or
História oficial, discurso visto como universal, “que se vangloria de ser
od V
a história verdadeira e, portanto, a única certa, e, em casos, a única possível”
aut
(GAGNEBIN, 2006). História que nos permite analisar os processos de exclusão,
como também de sujeição e extermínio de uma população em situação de risco.
R
A existência da periferia, dos bairros em conflito e daqueles que os habi-
tam será toda atravessada por três pilares: violência letal, racismo e ações de
o
extermínio praticadas, em sua maioria, pelo braço armado do Estado. Porém,
a história contada e recontada será calcada em ilegitimidade, desestrutura,
aC
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pobreza e criminalidade.
É nesta ilegitimidade de existência que os conflitos são explicados,
roteirizados. Especialistas em Segurança Pública, que em sua maioria nunca
visã
estiveram nos bairros de risco, seguirão um roteiro bem conhecido. A partir
do enfrentamento entre bairros rivais, na disputa pelo comando do tráfico de
drogas, grupos adversários promoverão tiroteios, toques de recolher, bailes
clandestinos, venda e uso de drogas, a céu aberto, ameaças e assassinatos.
itor
Esses corpos negros serão sempre tratados como criminosos, sejam atuais ou
“futuros”. Essas mortes são a “solução para o problema da criminalidade do país”,
a política pública de segurança instituída e destinada a pretos e pobres – caminho
que se encontrou para produzir mortes nas histórias contadas nesta escrita.
370
A produção de morte passa a ser o único viés das histórias desses meninos
e meninas, dessas famílias; o roteiro comum, homogêneo, que acaba por
possibilitar que esses corpos sejam vistos como “não humanos”. Essa sen-
sação de se tornarem “inumanos” será como uma desconstrução, o desfazer
da percepção de perda, a insensibilidade à dor e ao sofrimento como meca-
nismo por meio do qual a desumanização se consuma (BUTLER, 2019).
or
É sobre o não lugar de existência, ou o lugar da guerra
od V
Adicchie (2019) tentou nos alertar sobre o perigo de uma história única,
aut
a fim de que nos atentemos às necessidades de criarmos e recriarmos nossas
histórias, para que não percamos a possibilidade do paraíso. Os jovens que
R
acompanhamos compartilham conosco, no cotidiano do serviço, um saber
sobre si, sobre sua comunidade, especialmente sobre como eles são constantes
o
combatentes e donos de suas próprias histórias. Meninos e meninas que tra-
zem no corpo o conceito de transversalidade, atravessada pelas experiências
aC
município de Vitória é, muitas vezes, aquela que não comparece nos espaços
ver
or
forma de existência e resistência apresentadas tanto na soltura de pipas, como
od V
no funk e nas mais variadas manifestações de uma vida digna.
aut
Cabe destacar, porém, que ao lidarmos diretamente com o território e com
o que ele nos oferece, não deixamos escondida e negligenciada a principal
causa do extermínio: a perversidade do racismo forjada nas instituições, nos
R
discursos, nas práticas e no dia a dia. Seja em grupo ou individualmente, dentro
de casa ou fora dela, dentro do Creas ou fora dele, nosso compromisso ético e
o
político, enquanto terapeuta ocupacional e psicóloga, é evidenciar o racismo
aC
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quais realmente são os jovens que estão na mira do sistema penal, das apreen-
sões e das medidas socioeducativas. Como escapar dessa “sina necropolítica”?
Como é possível humanizarmos os que são, historicamente, desumanizados?
s
or
a um saber que se pretende universal e ordenado?
od V
Embora pareça algo que está nas mãos das facções, o poder e a capaci-
aut
dade de ditar quem pode viver e quem deve morrer passa não por esses cor-
pos-facções, mas pelo contrário, atinge esses corpos. Os corpos que tombam
são os que não conseguem atingir a maioridade, e se atingem, duram pouco ou
R
nada, até a próxima rajada de tiro ser disparada. Apesar da constante beira da
morte, esses corpos escrevem suas trajetórias de resistência junto aos técnicos
o
do Creas, da comunidade e junto aos seus.
aC
REFERÊNCIAS
ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo:
Companhia das Letras, 2019.
or
cracia, Rio de Janeiro, Ano VI, n. 35, páginas inicial-final, jul. 2007.
od V
aut
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2009.
R
BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Tradução:
Andreas Lieber. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2018.
Graal, 1979.
s
or
víduos se tornam indivíduos? Entrevista com Danilo Martuccelli. Educação
od V
e Pesquisa, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 247-267, janeiro-março, 2013.
aut
SPOSITO, Marília Pontes. Transversalidades no estudo sobre jovens no Brasil:
educação, ação coletiva e cultura. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n.
R
especial, p. 93-104, abr. 2010.
o
TAVARES, Breitner. Sociologia da Juventude: da juventude desviante ao
aC
protagonismo jovem da UNESCO. Sociedade e Cultura, Goiânia, v. 15, n. 1,
or
od V
Rodrigo Toledo
aut
João Eduardo Coin de Carvalho
R
Para começar a nossa conversa
o
Nossos estudos sobre a temática da desigualdade social e seus desdobra-
aC
mentos estão imbricados com nossa trajetória de vida pessoal, atravessada por
nossa militância na garantia dos direitos humanos, por um modelo de ciência e
profissão psicológica que contribua para a desconstrução de relações de opressão,
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lências e opressões vivenciadas por muitos dos sujeitos que são usuários dos
serviços psicológicos disponíveis no campo das Políticas Públicas.
a re
visão liberal de homem. Para a autora, a formação tem sido calcada na perspec-
tiva do individualismo, da naturalização do homem e do fenômeno psíquico.
Ao problematizar as motivações de estudantes que ingressam em cursos
de Psicologia (BOCK, 1997) bem como os elementos facilitadores para uma
atuação profissional comprometida com a realidade brasileira (RECHTMAN;
BOCK, 2019), duas pesquisas realizadas em um intervalo de mais de vinte anos
de diferença, percebemos que muitos estudantes escolhem cursar Psicologia
or
com base em valores individualistas ou em intervenções alusivas a práticas
od V
assistencialistas. Essas tendências convergem com uma concepção de Psicologia
aut
alicerçada em valores neoliberais e individualistas do fenômeno psicológico.
A priorização da prática clínica nos consultórios particulares acentua
a compreensão de que a formação profissional está fortemente vinculada a
R
certo modelo de Psicologia, que impossibilita, muitas vezes, a apresentação,
a apropriação e a construção de novas formas de atuação frente à leitura da
o
realidade social.
aC
Uma formação em Psicologia que considere como projeto principal a
Psicologia precisa ser atravessada por uma leitura do mundo que precede a
Ed
leitura da técnica, concordando com Freire (2003), quando este afirma que
“a leitura do mundo precede a leitura da palavra” (p. 14).
Compreendendo a emergência por uma formação em Psicologia que
ão
or
respaldam os direitos dos indivíduos em todos os níveis e setores da sociedade.
Afirmam, ainda, que as políticas públicas devem ter como base os princípios
od V
da igualdade e da equidade, disseminando o sentido de justiça social. Por
aut
meio delas, os bens e serviços são distribuídos/redistribuídos, de maneira a
garantir o direito coletivo e atender às demandas da sociedade.
R
Como afirma Stamato (2016), é a busca por respostas para os problemas
sociais que impulsiona as políticas públicas, que nascem na perspectiva de
o
apresentar soluções concretas para as dificuldades percebidas em áreas como:
aC
saúde, educação, assistência social, trabalho e outras.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
transformação da realidade
Como já discutimos, uma tradição da Psicologia brasileira tem sido
reproduzir os interesses das elites do país ao mesmo tempo em que tem se
par
Cabe à classe de psicólogas refletirem não apenas sobre quem são, mas
sobre o que poderiam ter sido e o que deveriam ter feito frente às necessidades
da população brasileira. Segundo Martin-Baró (1996), uma boa maneira de se
abordar criticamente o papel do psicólogo consiste em voltar às raízes histó-
ricas da própria Psicologia, algo que tentamos fazer no início deste capítulo.
Martin-Baró (1996), ao discutir a necessidade da Psicologia ter como hori-
zonte a conscientização, propõe que o fazer da psicóloga busque a desalienação
or
das pessoas e dos grupos, que as ajude a chegar a um saber crítico sobre si pró-
od V
pria e sobre sua realidade. O autor assume a conscientização como horizonte
aut
do fazer psicológico e reconhece a necessária centralização da Psicologia no
âmbito do pessoal, não como terreno oposto ou alheio ao social, mas como seu
correlato dialético e, portanto, incompreensível sem a sua referência constitutiva:
R
A conscientização não consiste, portanto, em uma simples mudança de
o
opinião sobre a realidade, em uma mudança da subjetividade individual
aC
que deixe intacta situação objetiva; a conscientização supõe uma mudança
é ela quem deve intervir nos processos subjetivos que sustentam e viabilizam
as estruturas injustas. Se também não lhe cabe conciliar as forças e interesses
sociais, compete a ela ajudar a encontrar caminhos para substituir hábitos
violentos por hábitos mais humanos.
par
or
Sociais 2019 – Uma Análise das Condições de Vida da População Brasi-
od V
leira” (IBGE, 2019), 25,3% da população brasileira estava abaixo da linha
aut
da pobreza, com rendimentos inferiores a R$ 420 mensais (44% do salá-
rio mínimo vigente), atingindo aproximadamente 52,5 milhões de pessoas.
Essa situação reflete um processo de abandono pela sociedade e pelo Estado
R
daqueles que se pretende invisíveis, isto é, parcela importante da população
que historicamente o Estado não reconheceu como alvo de políticas públicas
o
específicas que visassem eliminar a desigualdade e a pobreza a partir da imple-
aC
mentação de políticas de direitos. De acordo com Bacelar (2003), trata-se da
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
através do acesso e da distribuição de recursos demandados por indivíduos
od V
e famílias, que todo cidadão e cidadã possa ter as mesmas possibilidades e,
aut
ainda, possa exercer estas potencialidades.
Outro elemento que viria fazer diferença nesta política pública é a partici-
pação popular nas decisões de Estado, o controle social, como estava previsto
R
na PNAS, ultrapassando a concepção da Assistência como campo de favores
políticos e caridade. Entra em jogo, assim, a importância dada à participação
o
popular na plena gestão do serviço – do planejamento à execução, realizada
aC
em parte pela aposta na autonomia da gestão municipal que se realiza na
cia Social, por meio de sua presença dentro dos territórios, de ferramentas
como o Cadastro Único, do fomento à participação da população, é capaz
de revelar um Brasil desconhecido – ou propositalmente ignorado – para o
ão
or
continuidade de suas atividades (BRASIL, 2005).
od V
Mesmo se realizando dentro de um movimento de mudança e de abertura
aut
para a participação da população, essas políticas sociais, tanto no Brasil quanto
em outros países da América Latina (Argentina e Chile, por exemplo), foram
sendo subordinadas aos fundamentos das políticas econômicas neoliberais. Isto
R
fez com que propostas como a municipalização e o protagonismo oferecido às
ONGs na Assistência Social, por exemplo, possíveis motores de expansão e
o
transformação da Assistência, pudessem se converter em verdadeiros Cavalos
aC
de Tróia do neoliberalismo, desarmando ao menos parte das potencialidades
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Para concluir
od V
aut
Desde o impeachment da presidenta Dilma Roussef, em 2016, o desmonte
no campo das Políticas Públicas se intensificou a passos largos. Nesse cenário
R
podemos citar, em especial, a aprovação da Emenda Constitucional n. 95, que
prevê o congelamento dos investimentos sociais para a Seguridade Social
(Saúde, Assistência Social e Previdência Social) e Educação por 20 anos.
o
Também acompanhamos a reforma trabalhista, de 2017, que transformou
aC
REFERÊNCIAS
BACELAR, T. As Políticas Públicas no Brasil: heranças, tendências e desa-
fios. In: SANTOS JUNIOR, O. A. et al. (orgs.). Políticas Públicas e Gestão
Local: programa interdisciplinar de capacitação de conselheiros municipais.
Rio de Janeiro: FASE, 2003.
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BOCK, A. M. B. A perspectiva histórica da subjetividade: uma exigência
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para a psicologia atual. Psicologia America. Latina [online]. fev. 2004, n. 1.
aut
BOCK, A. M. B. Formação do psicólogo: um debate a partir do significado do
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fenômeno psicológico. Psicol. cienc. prof., Brasília, v. 17, n. 2, p. 37-42,1997.
o
BRASIL. [Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993]. Lei orgânica da assis-
aC
tência social (LOAS) [recurso eletrônico]: Lei n. 8.742, de 7 de dezembro
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
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MARTIN-BARO, I. O papel do Psicólogo. Estud. psicol. (Natal), v. 2, n.
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e a crise global da desigualdade. Disponível em https://www.cartacapital.com.
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br/wp.content/uploads/2020/01/200120_Tempo_de_Cuidar_PT-BR_suma-
aC
rio_executivo-1.pdf. Acesso em: 01 fev. 2020.
e Pesq., Brasília, v. 35, e3551, 2019.
or
od V
Áurea Gianna Azevedo Nobre
aut
Pedro Romão dos Santos Júnior
R
De acordo com Alves (2001) o termo “família” é derivado do latim
“famulus”, que significa “escravo doméstico”. Este termo foi criado na Roma
o
Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas,
ao serem introduzidas à agricultura e também à escravidão legalizada.
aC
No direito romano clássico a “família natural” cresce de importância -
esta família é baseada no casamento e no vínculo de sangue. A família natu-
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fazia parte, também, a descendência gerada que, assim, tinha duas famílias,
a paterna e a materna (ALVES, 2001)
Como pontua Pereira e Gomes (2006) as várias mudanças ocorridas
no plano socioeconômico-culturais, pautadas no processo de globalização
par
ligados por laços de sangue e que habitam a mesma casa. Pode-se considerar
a família um grupo social composto de indivíduos que se relacionam cotidia-
namente gerando uma complexa trama de emoções. Entretanto, há dificuldade
s
or
instituição social importante para a proteção e socialização dos indivíduos. Muitos
od V
estudiosos têm discutido as diversas configurações da família e suas mutações.
aut
Assim os novos arranjos familiares são formados, não sendo mais possí-
vel pensar a família a partir do modelo nuclear burguês, até mesmo a família
conjugal se apresenta em diversos formatos, sendo constituída através do
R
casamento, união estável, namoro, concubinato ou por uma união homoafetiva.
Bem como essas novas possibilidades de composição da família as ausências
o
que cercam a família popular devem ser consideradas como parte do contexto
aC
social, político e econômico, em que estar inserida, e que assim vão interferir
abrigo da cidade de Belém, que tem por nome fantasia Abrigo Começo feliz,
cujos genitores haviam tido o poder familiar destituído. Foi possível verificar
nas entrelinhas dos escritos sob quais aspectos essas famílias são avaliadas
e assim descredencializadas a ponto de terem o poder familiar destituído.
Ao questionar esta realidade, busca-se entender como operam algumas
par
or
venção dos técnicos responsáveis pela execução das ações (SHEINVAR, 2006).
O “corpo técnico” ou “especializado”, que vai ao campo de batalha
od V
enfrentar realidades enquanto representante do poder público é dificultado
aut
e até impedido de opinar e intervir nas decisões relativas à sua rotina, tendo
que se submeter a decisões superiores, que chegam a ser contraditórias com
R
as práticas também induzidas ou impostas pelo Executivo. A coordenação
da administração pública no Brasil é definida por alianças políticas. Sob esta
o
condição, se estabelece a relação com os trabalhadores públicos e com os
aC
usuários das políticas públicas (NASCIMENTO; SHEINVAR, 2005).
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
A área dos direitos da criança não é um objeto de deleite humano, mas uma
denúncia de processos de exploração e dominação que por séculos têm condicio-
nado a vida humana e o seu entorno a níveis inconcebíveis de degradação. No
visã
entanto, a família e a participação comunitária tornaram-se de forma mecânica
o centro das preocupações e, nessa medida, das preocupações do movimento
social, como se elas fossem as maiores causadoras dos problemas sociais.
itor
mas de higiene sanitária, e por fim a avaliação das fichas e catalogações feitas
sobre as crianças, que servem de subsídios para descredencialização dos pais.
Diante de conceitos teóricos de reafirmação da família, da sua importância
ão
enquanto instituição social que protege e socializa seus membros, e que por
ocupar esse lugar de célula mater da sociedade deve estar sob constante ava-
liação quanto ao cumprimento de seu papel, e mediante a análise dos discursos
s
A partir das análises dos conteúdos dos discursos produzidos nos documen-
tos, foi possível perceber uma intensa preocupação em se avaliar a família, para
uma classificação, em comparação aos modelos familiares científico e social-
mente aceitos. Mas qual seria a imagem ideal que uma família precisaria atingir,
sob o olhar dos profissionais, para que tenha uma avaliação favorável mediante
um processo de destituição do poder familiar? Seria possível uma avaliação favo-
rável à família que já se encontra em processo de destituição do poder familiar?
or
Ao analisar os prontuários percebeu-se que o modelo, a imagem ou ideal
od V
de família são pautados em um conceito subjetivo de família, parece haver
aut
uma busca por encontrar uma representação do arquétipo familiar burguês
e uma vez iniciado o processo de destituição as avaliações culminam por
corroborar a desqualificação dos genitores enquanto pais.
R
Alguns trechos de relatos, encontrados nos documentos, demonstram
certa necessidade do profissional em enfatizar a realidade, capturada pelo
o
seu olhar, como demonstra o trecho de um relato de visita de um prontuário,
aC
que além de apontar as condições de pobreza em que a família se encontra,
como o jeito “certo” de se viver em família, mas também como um valor. Isto
é transmitido e captado, o discurso implícito de incompetência e de inferiori-
dade, referindo-se àqueles que não conseguem viver de acordo com o modelo.
Essa sensação de ser “diferente”, “menos do que” e “incompetente” aparece
no discurso daqueles que se desviam da norma (SZYMANSKI, 2002).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 389
or
esta ainda aparece com bastante frequência e com grande peso nas avaliações
od V
das famílias das crianças abrigadas.
aut
Para um melhor entendimento vale ressaltar que o ECA (1990) ainda
mantém o termo Pátrio Poder, definido no Código Civil de 1916, porém a
Constituição de 1988, no art. 226, § 5º, estabelece uma nova concepção que
R
prevê: “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos
igualmente pelo homem e pela mulher”, constituindo-se o Poder Familiar,
o
termo usado no decorrer do trabalho.
aC
A descredencialização das famílias pautada nas ausências que as cercam
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de sua equipe técnica, observa-se que o olhar sobre a família, da criança abri-
a re
estava bem, mas também sem registro civil e carteira de vacina. Em seguida
Ed
acordo com Ariès (2006) um homem do século XVI ou XVII ficaria espantado
ver
or
destes, uma vez que estes são hábitos legalmente instituídos? Esse olhar que
od V
pontua essas ausências encontra-se comprometido, o que dificulta uma ava-
aut
liação imparcial. Alcançar total neutralidade numa avaliação é tarefa difícil,
praticamente impossível, mas faz-se necessário certo distanciamento para não
permitir um julgamento de valor embasado em questões pessoais.
R
Mas de que forma seria possível os especialistas se desvencilharem de
seus conceitos subjetivos ao avaliarem essas famílias, pois como afirma Costa
o
(2004) perante os novos técnicos em amor familiar, os pais, via de regra, con-
aC
tinuam sendo vistos como ignorantes, quando não doentes. Há sempre um a
dência pelo qual a família já havia passado parece ter sido obtida a partir do
ver
relato de um casal de amigos, que outrora abrigara a família, pois não consta
o relato de visita dos quatro endereços mencionados.
Esse olhar sobre a família, da criança abrigada, constitui-se na imagem
que a família possui, segundo a realidade de quem a avalia, e a que ela deveria
ter. Assim muitos dos fenômenos apontados, hoje em dia, como causas da
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 391
or
respaldo para a qualificação das famílias quanto a sua capacidade em perma-
od V
necer ou não com os filhos.
aut
O processo de abrigamento é mais uma das políticas específicas, do Estado,
que tem como alvo a família, que através de documentos cientificamente produzi-
dos, no caso as fichas de abordagem familiar e visita domiciliar, submetem o poder
R
da família a uma classificação. A inserção da medicina higiênica, no início do séc.
XIX, como nova aliada do Estado, muito contribuiu para afirmação dos espaços
o
de segregação higienizados dedicados aos “sem família” (SCHEINVAR, 2006).
aC
Rago (1997) afirma que enclausurar a criança pobre nos espaços disci-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
torna-se cada vez mais difícil ir de encontro, as normas, dos técnicos em amor
Ed
familiar, uma vez que amar e cuidar dos filhos tornou-se um trabalho sobre
humano, mais precisamente, científico (COSTA, 2004). Os instrumentos de
avaliação e classificação utilizados pelo abrigo para avaliação da estrutura
ão
de família nuclear moderno em que o pai passa a assumir funções antes con-
ver
or
há muito tempo insiste na desconstrução do “mito da família nuclear”, conside-
od V
rando que esta talvez seja uma “invenção moderna” sustentada pela difusão da
aut
cultura de massa. As alterações na estrutura familiar que ocorrem hoje em dia
no ocidente podem ser simplesmente “o retorno ao estado complexo e diverso
em que a família passou a maior parte do milênio” (CARVALHO, 2002). Por
R
mais que no passado as causas não tenham sido as mesmas, acontecimentos
como casamentos tardios, filhos fora do casamento ou aumento do número de
o
mulheres trabalhando fora, já eram vistos em outros momentos das sociedades
aC
ocidentais. O certo é que a adaptação às novas estruturas parentais está em
esta ainda se mantém enquanto objeto de desejo idealizado, além de ser apontada
como artefato principal não apenas para a “continuidade da espécie”, mas também
para a proteção e a socialização de seus componentes. Ao mesmo tempo em que
é considerada como fundamental para o desenvolvimento da sociedade é também
desqualificada quando não atende aos métodos e práticas de controle científico.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 393
or
para a avaliação do estado de saúde mental da genitora.
Assim como a capacidade mental, da genitora, pode ser aferida a partir
od V
do primeiro contato com a família, pode-se pensar que desta forma, também,
aut
são avaliados os aspectos que embasam essa estrutura familiar, principalmente,
quando o olhar de quem avalia tem como referência os modelos de família
R
social e cientificamente aceitos, não levando em conta a realidade vivenciada
pela família. Sarti, (2007) afirma que o universo moral de cada família é único
o
e defensável para quem o segue e justificam as relações, os lugares de homem
aC
e mulher que compõem aquela estrutura familiar.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
que manda. Para mandar, tem que ter caráter, moral (SARTI, 2007, p. 63).
O deslocamento das figuras masculinas e femininas aponta para as outras
Ed
própria concepção do que é a família, por que a família é pensada como uma
ordem moral, onde o homem representa a autoridade. Mesmo quando ele não
provê a família, sua presença “desnecessária” continua necessária.
Durante a análise dos documentos foi possível perceber que é sob esse
olhar de ordem moral que a família, da criança abrigada, é avaliada. Há uma
394
busca, por visualizar os papeis, que tornem aquela família um núcleo, em que o
homem possa ser definido enquanto autoridade provedora de sustento e a mulher,
equilibrada, ocupe seu lugar de mantenedora da união grupal. No documento
denominado de Relatório Técnico do prontuário, de um outro prontuário, consta
o seguinte trecho: “Família mantem-se do trabalho de pequenos biscates do pai.”
No Relatório Social, do mesmo prontuário, têm-se: “O pai continua vendendo
biscoitos e amendoim pela orla de Icoaraci e Outeiro, a mãe é do lar, ajuda o
or
pai a torrar amendoim”. “O pai nunca trabalhou registrado...” Vê-se aqui que
od V
apesar dos papeis ocuparem os lugares de homem e de mulher determinados
aut
socialmente, há uma cobrança quanto ao status desse papel do pai enquanto pro-
vedor, o quanto este é capaz de prover o sustento da família através de biscates.
É possível perceber certa desqualificação do trabalho praticado pelo pai,
R
visto como não digno de um pai de família que precisa prover o sustento dos seus
dependentes. Como fornecer a mulher e aos filhos moradia e alimentação, de
o
acordo com os padrões arquitetônicos e nutricionais exigidos, uma vez que nem
aC
se quer possui um trabalho com carteira assinada. A carteira de trabalho é vista
a base do respeito que lhe devem seus familiares, significa uma perda para a
família como totalidade (SARTI, 2007). Assim a descredencialização desta
é reforçada, pois a ausência dessa autoridade faz com que a família caia no
discurso redundante de desestrutura.
Sarti (2007) afirma que o status central do homem na família, como
par
trabalho registrado em carteira, não o faz não só por uma questão de escolha
e sim por uma série de fatores, que empurra grande parte da população para
condição de trabalhador informal.
Carvalho (2002) afirma que essa visão da família/individuo a partir de
um referencial econômico instalou-se nos anos 70 com o chamado boom
econômico que o país vivenciava e assim a família concebida a partir das
relações de sociabilidade comunitária que a compunha, tornou-se descartá-
or
vel no Estado de bem-estar social, em que o indivíduo promovido a cidadão
od V
só poderia trilhar sua vida e ser socialmente reconhecido numa relação de
aut
dependência do estado e do trabalho.
O Estado e o trabalho aparecem como protagonistas do desenvolvimento
e da promoção dos indivíduos em sujeitos de direitos; sujeitos com liberdade e
R
autonomia. O Estado significou o grande tutor na distribuição de bem-estar social
e o trabalho o grande integrador e vetor de inclusão social (CARVALHO, 2002).
o
Ao estudar os documentos foi possível constatar que a avaliação acerca da
aC
estrutura familiar está diretamente relacionada à avaliação das condições eco-
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Costa (2004) aponta para uma reflexão acerca dos “remédios” propostos
à família pelos especialistas, cabe verificar se estes ao invés de sanarem o
mal, não irão perpetuar a doença. Os peritos em reeducar terapeuticamente as
famílias dão-se conta de que a desestruturação familiar é um fato social, mas
raramente percebem que as terapêuticas educativas, por eles propostas, são
396
or
responsável por qualificar essa estrutura familiar pode estar orientado para
od V
uma gestão cientifica e higiênica da pobreza.
aut
Um dos aspectos observados na análise das fichas, utilizadas no processo
de classificação das famílias, é o fato de que grande parte dos itens de avalia-
ção não está preenchida ou contém informações vagas. O item dois de uma
R
das fichas é denominado de Situação Familiar e está desdobrado nos seguintes
subitens convivência/relacionamento; condições de moradia e informações
o
complementares. Nas fichas de dois destes prontuários, o subitem condições
aC
de moradia consta apenas “sem moradia” e no espaço direcionado as infor-
é por vezes, orientado para uma regulação higiênica da pobreza, focado nas
ausências, não descrevendo o que há, mas somente o que falta. Em nenhum
dos prontuários foi possível observar que no decorrer destas visitas algum
ão
durante sua visita o ambiente físico que cerca a família, há uma atenção dema-
ver
siada a aspectos como quantidade de cômodos, estrutura física da casa (se esta é
de alvenaria ou pau a pique) e utensílios domésticos que a família possui, assim
a avaliação do ambiente fica resumida ao espaço físico ocupado pela família.
Essa intervenção sobre a casa corrobora com os preceitos da medicina
social pontuados por Costa (2004) que tinha como movimentação estratégica
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 397
o espaço físico, ocupado pela família, para expansão dos conceitos de saúde
pública, que higienizariam o continente familiar, mas para que essas transfor-
mações no ambiente acontecessem fez-se necessário que os preceitos estatuídos
que garantissem a salubridade e asseio das habitações fossem prescritos por lei.
Assim, as normas técnicas de edificações que regem as construções e
tornam as residências habitáveis são impostas as famílias populares e o olhar
sobre o ambiente sai em busca por encontrar construções que obedeçam aos
or
cânones higiênicos, porém não são levados em conta que grande parte das
od V
insalubridades encontradas, nas casas visitadas, são em decorrência de uma
aut
falta de infraestrutura que deveria ser garantida pelo Estado.
Essa regulação higiênica da pobreza, através da medicina social, reduziu
a família a um estado de dependência, recorrendo, o que é mais significativo a
R
argumentos semelhantes aos atuais. Foi também pretextando salvar os indiví-
duos do caos em que se encontravam que a higiene insinuou-se na intimidade
o
de suas vidas (COSTA, 2004).
aC
Em um dos relatórios de visita doe um dos Prontuário constam os seguintes
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trechos “A residência dos genitores das crianças está localizada em área de inva-
são, sendo ainda a última casa da rua, ficando longe de postos de saúde, escolas
e áreas de lazer”. Ainda sobre o ambiente da mesma família consta “Casebre de
visã
madeira humilde, própria, contendo apenas um cômodo em condições precá-
rias de habitabilidade”. Há também um trecho que faz referência aos utensílios
domésticos que a família possui que diz “Foram encontrados na casa um armário
itor
or
higiênica deste espaço.
od V
A questão da habitação popular passa a ser construída por um arsenal de
aut
conhecimentos, não só mais os higienistas detêm esse poder, o qual passa a ser
legitimado, também, por outras falas que se articulam sobre o social como a de
R
engenheiros, sociólogos e advogados. Porém a preocupação que sustenta toda
a discussão sobre o problema da moradia dos pobres está centrada muito mais
o
na vontade de regenerar as classes decaídas, do que no sentido de responder
funcionalmente ao problema habitacional (RAGO, 1997).
aC
socioeconômicas vigentes.
Ainda se recorre à mesma operação conceitual que vincula pobreza-
Ed
or
uma crise global. Esta desagregação conduz à despolitização do movimento
od V
reivindicativo. Portanto a análise desses documentos não teve a finalidade
aut
de fazer um julgamento dos profissionais que atuam no abrigo, e sim refletir
sobre os constructos que fundamentam esses saberes e que passam a ideia
de que suas práticas são apolitizadas e que não os faz questionar as políticas
R
públicas, já existentes, quanto aos vieses que reforçam e perpetuam o processo
de descredencialização das famílias pobres.
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REFERÊNCIAS
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LOS DE A PIE: la ciudad vivida
como movilidad asimétrica
or
Bernardo Jiménez-Domínguez
Rosa Margarita López Aguilar
od V
aut
Para abarcar la ciudad analíticamente, se ha propuesto por parte de Soja
(2002), una trialéctica del espacio. Esta propuesta se inicia con el primer espa-
R
cio que corresponde al espacio percibido del urbanismo como modo de vida;
un segundo espacio que se refiere al espacio concebido desde una perspectiva
o
más psicológica, referida al imaginario y la representación simbólica, a nuestros
aC
mapas mentales sobre la ciudad. El tercer espacio incluye a los dos anteriores
y se refiere al espacio vivido, que es simultáneamente real e imaginado. Esta
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bajo la premisa de que los espacios urbanos deben tener funciones definidas y
Ed
intercambio. Cuando es sabido que estos flujos en forma de vías extensas solo
tienen como futuro intensificar el tránsito y regresar a nuevos picos de satu-
ración en un círculo literalmente vicioso de aire cada vez más viciado. Ni se
s
gana mayor fluidez, o solo se logra por muy poco tiempo, pero sí se destruyen
las tramas urbanas locales e identitarias restando espacios públicos, identidad
y cultura urbana en el conjunto de la ciudad.
Como lo plantea Engwicht (1999), los espacios que le agradan a la gente
y que forman parte de la naturaleza poética del espacio urbano no han sido
racionalizados con un fin único, como el que las calles y carreteras sean solo
para el movimiento de los autos, porque los flujos excesivos de cualquier tipo
404
or
yace a las diversas situaciones y al grado de desarrollo de los diversos medios
od V
implementados para afrontarlo en todo el mundo. Por ejemplo, el número de
aut
vehículos motorizados a nivel mundial creció de 500 millones en 1990 a 1,236
millones en 2014, siendo el 80% transporte personal. Se sabe que el incremento
en el número de carros no es sostenible y que la contaminación derivada de la
R
emisión de sustancias a pesar de la tecnología mejorada para su disminución,
contribuye al calentamiento global y amenaza cada día más la calidad de vida
o
urbana, también, una mayor cantidad de vehículos aumenta el nivel y la duración
aC
del ruido. Anualmente alrededor del mundo mueren 1,3 millones de personas
campo a pesar de que ya se sabe cómo hacer carros menos contaminantes y más
seguros. Se sabe qué hay que hacer para que se usen menos y reforzar la experiencia
segura de un sistema de transporte público integral y sostenible, es reconocido que
las áreas más sustentables son aquellas con menos kilómetros de recorrido y se
conocen las experiencias históricas de organización del transporte público desde
par
las más costosas hasta las más económicas y provisionales. Pero sobre todo se
Ed
conoce la pesadilla que viven cotidianamente los usuarios del transporte público
local en estado salvaje y sus efectos trágicos, el impacto ambiental, psicosocial y
el deterioro adicional del paisaje urbano, la salud y la calidad de vida en la ciudad
ão
para la inmensa mayoría, pero parece que importa más el beneficio y las ganan-
cias de los empresarios. Es justamente, lo contrario a lo que planteaba Lefebvre
(1968, 2017) al definir el derecho a la ciudad como la apropiación colectiva de sus
s
compra cada vez más autos porque cree que es la única forma de resolver el
problema de los trayectos eternos en ausencia de un sistema de transporte
público adecuado; pero a pesar de ello, cada vez permanecemos más tiempo
en las calles y avanzamos poco aunque vayamos más rápido y los carros sean
más potentes. Ello no implica que los conductores concluyan que la solución
es dejar el carro y usar el transporte público, porque nadie cree en el transporte
disponible y por el contrario lo consideran peligroso, incómodo e ineficiente.
or
Pero la inmensa mayoría no tiene carro ni como comprarlo y tienen que usar
od V
lo único que hay y que correctamente llaman “camiones”, porque eso son en
aut
realidad, chasises de camión, no son autobuses o buses diseñados para trans-
portar personas ni están estructurados como un servicio eficiente, ni forman
parte de un sistema bien organizado y en beneficio de la gente, sino que forman
R
parte de un negocio prepotente e impune cuyos resultados se cuentan en con-
diciones injustas de trabajo, accidentes frecuentes, contaminación y riesgos a
o
su paso, muertos y heridos, lesiones causadas por el simple hecho de abordar
aC
uno de estos camiones y el stress que implica soportar su velocidad y ruido
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siempre excesivos que alteran también la vida de los vecinos de las rutas. A
nadie escandaliza ya que a finales de año el número de muertes causadas por
el transporte público se acerque al ciento. Pero el problema no está solo en este
visã
nivel, los viajes urbanos son cada vez más largos y tardados porque la ciudad
está cada vez más fragmentada y la fragmentación espacial se corresponde con
la desestructuración de la vida cotidiana, y como muy bien lo resume Salvador
itor
En las esperas y frente a los excesos de las congestiones cada vez mayores,
la gente recuerda que hubo un tiempo en que se podía recorrer la ciudad y se
podía caminar, en la que había más tiempo y menos avenidas solo para autos,
las calles no estaban llenas de carros por todos los rumbos y a todas horas, hasta
se podía ir a la casa a comer, había más tiempo para convivir y menos ruido
par
que soportar. Las fotos en sepia de un pasado menos reconocible nos muestran
Ed
insuficiente y cuyo crecimiento está detenido casi desde su inicio en dos líneas
ver
or
excesivos de vehículos y crear la comodidad de los estacionamientos que sus-
od V
tituyen los espacios peatonales, pero los flujos siempre terminan congelados y
aut
con ello también nos desaparecen como peatones y como partes articuladas de
identidad urbana, porque la obra pública construida para tal fin crea paisajes
de lo que Gehl y Gemzoe (2002) llaman la ciudad abandonada. Es un proceso
R
de expropiación en el que lo que perdemos en últimas es la ciudad misma. Por
eso hay que reclamar el derecho a la ciudad que no es más que el derecho a la
o
vida urbana a poder habitar las calles, es ese grito y demanda del que nos habla
aC
Lefebvre (1974), que va más allá de la nostalgia y el turismo y que no solo no
or
coche (GOLUBOFF; GARCÍA; GARCÍA, 2002).
od V
En el AMG la mayoría de la población se mueve en camión. Los camiones
aut
decíamos son eso, no son buses. Son chasises de camión que no cumplen con lo
más básico para ser considerados buses adecuados para transporte de personas
en el contexto urbano. Lo más escandaloso es que ostentan muchos de ellos el
R
logo de una de las empresas cuya producción en otros rubros es considerada a
nivel mundial como de las más seguras y de mayor calidad. El sistema de trans-
o
porte público del AMG conocido como el “Pulpo Camionero” propicia también
aC
que las multinacionales aprovechen las condiciones locales para aumentar el
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margen de sus ganancias sin ninguna ética o consideración por los usuarios y
víctimas. Porque no se diseña, ni se legisla desde la óptica de los usuarios, pero
si se propician las mejores condiciones para los empresarios del transporte.
visã
En los sistemas alternativos de ordenamiento eficiente y humanización
del transporte público en buses un punto clave es la redefinición y el estableci-
miento de criterios técnicos y de diseño adecuado sobre lo que debe entenderse
itor
“un bus debe ser un vehículo diseñado para transportar personas y para ser
conducido en tráfico de ciudad, como tal, debe contar con un chasis bajo que
permita un fácil acceso de los pasajeros al interior del vehículo, un motor
ecológico, suspensiones suaves, caja de velocidades automático, una buena
par
de cáncer. Pero los efectos más obvios son fatiga, cambios en el estado de ánimo
y dificultades de concentración. Ello repercute en problemas en las organizaciones
laborales tales como retardos, ausentismo, bajo desempeño y pérdidas derivadas
del ausentismo. Eurostat (2004) llevó a cabo una encuesta europea concluyendo
que el estrés relacionado con el trabajo daba cuenta de más de un cuarto de todas
las ausencias en un periodo de dos semanas. El estrés mencionado repercute
también en otras áreas de su vida como la vida familiar, haciendo cada vez más
or
difícil encontrar un balance entre trabajo y hogar. Los efectos fisiológicos y psi-
od V
cológicos sobre la salud aumentan cuando hay demoras excesivas inesperadas e
aut
incontrolables en el viaje al trabajo por diversas causas, incluyendo problemas
en la espalda, presión sanguínea, ausentismo y bajos niveles de concentración
al llegar al trabajo, de acuerdo a Schaeffer (1998). El nivel de control percibido
R
de una situación tiene un impacto significativo sobre los niveles de estrés expe-
rimentado según Theorell (1997), lo cual supone que a mayor control y a mayor
o
predictibilidad de la situación menores niveles de estrés. En el caso del transporte,
aC
los niveles de estrés se pueden mantener en un nivel manejable cuando se tienen
hacinamiento. Mientras más largos sean los viajes mayores niveles de estrés y de
cambios de ánimo, pero también sucede cuando los vehículos van muy rápido.
Se encontraron diferencias de género ya que el estrés es mayor en el caso de las
mujeres porque se sienten más vulnerables y experimentan mayor invasión de
su espacio personal. Una conclusión de este estudio es que la mayor dificultad
par
las horas pico y que viajar a estas horas no es la mejor opción para minusválidos,
mujeres embarazadas, niños, enfermos y ancianos, el desborde de las horas pico
parece funcionar solo para los más jóvenes.
ão
toda la diferencia unido al dominio de los avances en diseño que les permitan
conducir en forma relajada descargando el máximo de operaciones que no
se relacionen con mantener su concentración en conducir en forma segura
y de acuerdo a las normas. A este respecto Brookhuis y De Waard (2004)
han descrito el ADAS (Advanced Driver Assistance Systems) cuyo objetivo
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 409
or
en los que el asunto del transporte público está resuelto de forma sostenible
od V
y técnicamente adecuada en su mayoría. Poco se sabe al respecto en nuestro
aut
medio aparte de las estadísticas mortales y los atropellamientos frecuentes
de peatones (principalmente ancianos y niños), ciclistas y motociclistas, pero
también automovilistas. Menos se sabe sobre todas las lesiones corporales
R
que deja el simple hecho de ser usuario del pulpo camionero o peatón en sus
espacios suprimidos, mientras se vive la ciudad en sus movimientos peligrosos.
o
A continuación, revisamos algunos testimonios que forman parte de la
aC
experiencia de vivir la ciudad desde los trayectos variados de los camiones de
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ción con los usuarios. En esas mismas fechas apareció una noticia relacionada,
a re
una conductora de camión se fue de copas con sus colegas y al final se quedó
dormida en su vocho (VW) con un cigarrillo encendido y murió calcinada. Esa
noticia ya contaba algo diferente sobre el oficio de conductora. En ese momento
las estadísticas mencionaban que eran 10 las mujeres conductoras en el AMG,
pero en la práctica se logró establecer que los conductores solo sabían de dos y
par
las estudiantes Jáuregui y Ramírez (2005) lograron contactar solo a una de ellas.
Ed
acuerdo en todo y participó con un entusiasmo que contagió a las dos estudian-
ver
parte de los pasajeros que la miraban con disgusto y debían estar al pendiente
(so pena de terminar lastimados, algo muy frecuente en los usuarios de los
camiones), pero que decían nada. En la zona de Las Juntas el terreno no está
pavimentado y los saltos eran continuos y bruscos y la velocidad imprudente,
ni la conductora ni los pasajeros se alteraban, pero para las observadoras sí
fue muy estresante esta parte final del recorrido. La conductora contrarrestaba
la situación con sentido del humor en comentarios dirigidos a los pasajeros
or
silentes ya cuando el recorrido estaba por concluir.
od V
El exceso de velocidad se relaciona con el tiempo establecido para el
aut
recorrido y la competencia por el pasaje con otras unidades de la misma ruta
y de otras que comparten parte del trayecto. Su trato con el pasaje se hace más
cercano al final de la ruta cuando las dificultades son mayores y la unidad va
R
saturada. La conductora les comentó en una de las entrevistas que su relación
es mejor con los pasajeros masculinos, son las mujeres las que más desconfían
o
de su habilidad y hacen comentarios adversos por ser ella mujer. Le decían:
aC
“Ayy que feo frena, manejas muy rápido, no traes puercos”. Mientras algunos
chofer por la radio y eso incidió en que tuviera primero un choque leve con un
Ed
para comer y a veces con problemas para poder ir al baño, y sin embargo se
declara satisfecha con su trabajo: “me encanta, desde la primera vez que puse
la pata arriba de un acelerador, desde entonces dije no lo dejo y hasta la fecha
s
interactúa cuando así le parece. Los lugares no existen más que como salidas
y llegadas en un tiempo establecido y se relacionan con ir al baño y comer.
Como vamos a ver, con los pasajeros pasa algo similar con respecto a la
experiencia de la ciudad, la cual está determinada en buena parte por el contexto
que establecen los mismos conductores. Para ello se solicitó la colaboración
de dos usuarias cotidianas de transporte público para que, al término de sus
jornadas y trayectos diarios, elaboraran un diario de campo donde plasmaran
or
su experiencia en algunos de sus recorridos en camión urbano.
od V
En el diario de la primera observadora, una estudiante universitaria que
aut
hace varios recorridos durante el día y pasa varias horas en los camiones urba-
nos, tomando a veces más de un camión en un solo recorrido, se constata como
en las primeras horas de la mañana cuando se esperaría que la gente se relacione
R
mejor con el paisaje urbano, el camión se convierte en una prolongación de la
cama y la única preocupación es llegar rápido al trabajo o la escuela:
o
aC
… y creo que entiendo a la gente que va dormida porque yo también lo he
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hecho a veces, las rutas no están bien planeadas o vives muy lejos de la
ciudad y los sitios de tus actividades comunes, entonces tienes que levan-
tarte dos horas antes de tu actividad, la primera hora para cosas de aseo y
visã
la segunda para caminar al camión y tomarlo a tu destino. El que se pare en
cada esquina hace el paseo más largo y aburrido y más cuando por cosas
del destino se le hace tarde a uno y desearía que el camión ya no levantara
más gente y que avanzara más rápido…
itor
a re
camionetas que estorban el paso porque las señoras no dejan pasar para nada
ya que sus lindos hijos se despiden de beso de todas las personas del colegio.
Ed
Escuchas claxons a todo pulmón de los autos, gritos con majaderías porque
el auto de adelante se les cruzó, o porque por la culpa de alguno de adelante
él no puede dar vuelta, miras a las personas convertidas en demonios a estas
ão
horas del día, entre hambre, cansancio y estrés del trabajo, el niño que no
para de hablar de su escuela y amigos, celulares que suenan, el horrible
calor que se siente y los terribles olores de las personas que no se asean…
s
ver
or
sentada en la parte de atrás del conductor. Una mujer de aproximadamente 50
años pide el asiento de lado de la ventanilla y un hombre de unos 45 años
od V
se lo cede, ellos miran por la ventanilla intermitentemente, sube un joven,
aut
mira al fondo como buscando lugar mientras busca su dinero, finalmente se
para a un lado mío. Las personas que viajan solas miran hacia la calle, a las
R
personas. Los más jóvenes miran su celular o escuchan música, cada vez se
llena más el camión de personas, el calor aumenta y los olores se hacen cada
vez más perceptibles. El joven que va a mi lado de aproximadamente 25 años
o
mira hacia el frente la mayor parte del tiempo… mira algunas veces hacia
aC
... Por fin nos podemos subir al bus, ya cansados del calor, el ruido y el ritmo
vehicular. Callados hacemos el trayecto, solo mirando las calles pasar, el
calor es más fuerte y lo atonta a uno…. Uno observa sin mirar, todo pasa
rápido, la misma ruta de siempre, el mismo paisaje…
par
... El panorama es el mismo solo que el calor intenso adormece, entre cabe-
s
ceo y cabeceo uno se ubica, hay congestión en el Centro, mucha gente, las
calles pasan de forma rápida y no las miras, uno no piensa, tal vez el can-
ver
or
ciudad se aparece y se reintegra al recorrido:
od V
Uno puede observar el paisaje y aislarse del contexto… algunas de las rutas
aut
que utilizo pasan por las zonas de la ciudad que son agradables, la Colonia
Americana, la zona de Chapultepec, es agradable mirar el paisaje cuando
R
te lo permite el ritmo del chofer y que el bus no venga lleno.
Al llegar a la zona Centro el paisaje cambia por lo estrecho de las calles y
o
el paisaje comercial cansa…
aC
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siente mucho cuando frena, te manda hacia el frente entre frenada y arran-
cada… No se disfruta el viaje. Se para a hablar con otros conductores, un
poco imitándolos…
Pero los problemas tienen continuidad en los trasbordos cuando los usua-
par
rios tienen que caminar, porque los espacios peatonales deteriorados o adap-
tados como estacionamiento de los negocios que carecen de ellos, talando
Ed
árboles antiguos y adaptando las banquetas para el ingreso de los carros, con-
vierten estos espacios en una nueva amenaza para los que caminan como lo
consigna la estudiante en su diario:
ão
Vallarta, las primeras dos cuadras son muy bonitas, muchos árboles grandes
ver
que dan sombra, siempre y cuando camine uno en la acera de enfrente del
Centro Magno, terminando la zona arbolada se acercan los problemas de
nuevo como peatón, pues resulta que uno como peatón ya no tiene banquetas
seguras contra los automóviles, tengo que cruzar un sin fin de restaurantes
con entrada y salida de autos, que no se detienen a ver si venimos per-
sonas… es más, uno como peatón tiene que estar consciente de que hay
414
or
asustó y me gritó de injurias como si yo hubiera sido la causante de todo el
problema. Mi susto se esfumó rápido porque uno no se puede dar el lujo de
od V
ir quejándose. En todas las veces que he caminado en todo tipo de zonas
aut
de la ciudad he llegado a la conclusión que todas son peligrosas, incluso las
colonias bonitas, los carros y camionetas son más peligrosas no sé si porque
sienten que tiene dinero pueden pasar por encima de ti con su auto y no se
R
paran. Por otro lado, lo que hace de las colonias pobres peligrosas son los
camiones que por ser tantos, tan grandes y tan descuidados, no se fijan en
o
nada, niños, ancianos, jóvenes, ciclistas…
aC
resguardarse… Por fin pasa pero aunque nos ve y somos varios sigue de
largo a toda velocidad para que no le toque el alto. Todos nos frustramos y
tratamos de protegernos un poco del sol pero es imposible, no hay dónde.
Llega una joven con un bebé de meses y trata de protegerse del calor, el ruido
de los vehículos, el smog. Esperamos y esperamos y cuando pasa nos vuelve
par
por las prisas la gente sigue atrapada en la lógica laboral salvaje de los tiem-
pos establecidos por los propietarios de los camiones y el monstruoso pulpo
camionero tapatío, intocable, protegido por todos los gobiernos, entre los que se
ha denunciado hasta a un Secretario de Gobierno como uno de sus accionistas
y corresponsable de la ruina del SISTECOZOME (Sistema de Transporte de
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 415
or
inscritos en esa vida urbana cuyos espacios diversos recorremos cotidiana-
od V
mente, queda literalmente en las manos de estos medios de transporte y el
aut
encierro lo complementan los medios de comunicación privados que consti-
tuyen en la práctica formas de aislamiento unilateralizado, que no logran sin
embargo, encerrar a la gente que se mueve a pesar del peligro en sus intersticios
R
para seguir construyendo comunicativamente la ciudad de la mayoría de a pie.
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inclusiva junto à rede intersetorial
od V
no município de Maracanã - PA
aut
R
Robenilson Moura Barreto
Zureide do Socorro Ferreira Alves
o
Álvaro Pinto Palha Junior
aC
Introdução
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or
participativa e democrática de diálogo entre gestão e setores sociais do municí-
pio. Diante do caminho percorrido para a construção do Centro e a orientação
od V
da PNEEPEI, podem-se notar os primeiros passos dados para colaboração de
aut
uma rede intersetorial na sua construção. Conforme Barreto (2014), o II Rela-
tório das Atividades do Planejamento Semestral do Centro traz como finalidade
R
prioritária o pleno desenvolvimento das pessoas com necessidades educacionais
especiais dentro de suas reais possibilidades de aprendizagem e autonomia
o
para a vida em sociedade garantindo-lhe o pleno exercício de sua cidadania.
aC
Nessa perspectiva, o Centro objetiva proporcionar o atendimento sócio-
ticas sociais e culturais. Estas ações objetivam garantir a inserção de alunos com
ver
or
intersetorial na implementação das políticas públicas.
od V
Para assegurar a intersetorialidade na implementação das políticas públi-
aut
cas a formação deve contemplar conhecimentos de gestão de sistema educa-
cional inclusivo, tendo em vista o desenvolvimento de projetos em parceria
com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica, aos atendimentos
R
de saúde, à promoção de ações de assistência social, trabalho e justiça (BRA-
SIL, 2007). O CAEE incorporou no seu conjunto de ações, parcerias com
o
as secretarias municipais de saúde e de assistência social, compreendendo o
aC
usuário em sua integralidade biopsicossocial histórica que demanda ações das
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por Bardin (1995) que consiste na leitura detalhada de todo o material transcrito,
na identificação de palavras e conjuntos de palavras que tenham sentido para
a pesquisa, assim como na classificação em categorias ou temas que tenham
s
de alguns conceitos trará a luz da pesquisa uma ampla compreensão sobre uma
possível constituição da rede intersetorial no município de Maracanã – PA. De
acordo com Teixeira (2002), a concepção de rede surgiu como uma proposta de
intervenção capaz de tecer uma nova abordagem no enfrentamento das deman-
das da população, baseada na troca de saberes e práticas entre o Estado, as
empresas privadas e a sociedade civil organizada. Sua disseminação na atuali-
dade está relacionada com múltiplos fatores, cujos reflexos incidem diretamente
or
na forma de gerir as políticas públicas. Dentre os fatores que contribuíram
od V
para a sua proliferação, destaca-se a globalização, cujas influências alteraram
aut
os processos produtivos em direção à flexibilização, à descentralização e à
interdependência dos setores. Nesse sentido, o CAEE, como parte constituinte
de uma rede de serviços voltados para o âmbito da educação barganha saberes
R
e ações diante das políticas públicas de educação especial e inclusiva junto
às secretarias (gestão), alunos e familiares no município de Maracanã – PA.
o
Conforme Junqueira (1999) a ação em rede remete a uma interação de
aC
pessoas, instituições, famílias, municípios e estados mobilizados coletivamente
necessária para efetivação e garantia dos direitos dos alunos com necessida-
des educacionais especiais junto a outras políticas sociais atravessadas pela
concepção do sujeito biopsicossocial em sua totalidade.
Portanto, o CAEE apresenta-se como uma instituição pública ligada
à secretaria de educação que faz parte de uma rede social com alternativa
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 423
or
e informais, comunidades, profissionais, serviços, programas sociais, setor
od V
privado, bem como as redes setoriais, priorizando o atendimento integral às
aut
necessidades dos segmentos vulnerabilizados socialmente”.
Assim, pode-se identificar o CAEE como um componente elementar das
redes intersetoriais como organização governamental que envolve ações de
R
diversas esferas da sociedade em sua instância. Tendo em vista que os fami-
liares/cuidadores juntamente com a comunidade estão envolvidos diretamente
o
no compromisso para efetivação da política de educação especial e inclusiva.
aC
Segundo Pereira (2004), a intersetorialidade é compreendida como uma dinâ-
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mica das relações entre governos e cidadãos com suas normas estabelecidas
para o funcionamento das instituições devidamente criadas e ainda compreende
a multidisciplinaridade, intervencionista e normativa. Ainda conforme a autora
visã
através da intersetorialidade é possível solucionar os problemas e necessidades
sociais, pois vendo que a gestão intersetorial define seguridade social como
iniciativa do poder público e da sociedade, assim como saúde, educação, pre-
itor
or
privada. Assim a autora indica que no Brasil é possível identificar a esfera
pública composta de inúmeros atores que não apenas aqueles circunscritos ao
od V
quadro funcional estatal, o que indica a necessária problematização dos parâ-
aut
metros e referenciais utilizados na gestão e execução das políticas públicas.
Fato, que é corroborado por Schutz (2009, p.14) quando afirma tratar-se
R
de “estruturas marcadas pela fragmentação, excessiva burocratização, para-
lelismo de ações, endógena de departamentos, entre outros”. Inojosa (2001)
o
demarca três situações identificadas no aparato governamental que se tornam
aC
empecilhos à intersetorialidade. Tal aparato “é todo fatiado por conhecimentos,
Procedimentos metodológicos
ão
or
escolha dos entrevistados. O critério foi à escolha de um profissional de refe-
od V
rência (responsável) pela execução das políticas em suas secretarias (saúde,
aut
assistência social e educação). A expectativa era que os gestores falassem sobre
o seu entendimento sobre rede intersetorial e identificassem ações ligadas a
essa composição no município.
R
No início das entrevistas, foi apresentado e assinado pelos gestores o
formulário de consentimento livre e esclarecido. Interrogados sobre alguma
o
objeção quanto a publicidade das falas e dos nomes, recebendo autorização
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
também no município foi o aspecto que nos possibilitou uma rica analise dos
conteúdos respondidos durante a entrevista. Isso fez com que os entrevistados
se aproximassem do tema pesquisado e se sentirem confortáveis para contribuir
com a pesquisa. Para descrever os gestores pesquisados registramos nas entre-
par
Secretaria de
Gestor I Assistente Social Assessoria Técnica
Assistência Social
Coordenação da
Gestor II Enfermeira Secretaria de Saúde
Atenção Básica
s
ver
Assistente Social
Gestor III Coordenação do CAEE Secretária de Educação
(em formação)
29 O exercício de cargo de confiança no serviço público, mesmo com anotação na Carteira de Trabalho e
Previdência Social (CTPS), não está sujeito ao regime celetista, e o detentor do cargo não tem direito,
consequentemente, ao FGTS e demais verbas asseguradas aos empregados abrangidos por esse regime.
426
Cabe dizer que na análise das falas dos entrevistados sobre a rede inter-
setorial no município tentamos identificar o conhecimento sobre essa rede,
as ações realizadas pelo CAEE e as dificuldades encontradas na composição
desta no município. Descolado de qualquer julgamento ou análise sobre a
gestão atual. Diante das análises fizemos uma divisão em categorias, e neste
artigo apresento duas delas, a saber: Concepções, articulações e dificuldades da
rede intersetorial; e ações desenvolvidas e sua importância para o município.
or
od V
Concepções, articulações e dificuldades da rede intersetorial
aut
Conforme a PNEEPEI, a garantia da sua implementação exige o conhe-
R
cimento da gestão educacional a respeito de outras políticas para atendimento
do aluno com necessidades educacionais especiais em toda sua totalidade.
o
Diante dessa perspectiva trazida pela política questionamos os gestores de
referência das secretarias sobre sua compreensão de rede intersetorial. Con-
aC
[Gestor II] […] Um conjunto de serviços, é que se relaciona né, que estão
a re
[Gestor III] […] Seria uma forma de estar trabalhando em parceria com
outros setores, estar facilitando a vida de ambos os lados, de cada setor
par
de trabalho;
Ed
or
[Gestor II] [...] uma dificuldade que a gente encontra muito grande as
od V
vezes em reunir os profissionais para o planejamento. [...] hoje os proble-
aut
mas que a gente tem na saúde, a gente não tem profissional especializado
na saúde pra desenvolver certos tipos de serviços.
R
[Gestor III] [...] Nós reunimos cada secretaria pra estar expondo de que
o
forma é o trabalho, como podemos fechar algumas parcerias, a base do
início de tudo é a boa conversa com ambos os setores. [...] com certeza tem
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
situações trazidas por Inojosa (2001) ratificada pelos gestores na entrevista que
a re
nem espontânea nas políticas públicas, nesse caso das políticas de educação
Ed
especial e inclusiva.
[Gestor II] [...] A secretaria de saúde poderia ver a forma de nos inserir
or
nesse projeto (CAEE) com os profissionais que ela tem. [...] Mas é impor-
tante que a saúde esteja inserida isso com certeza, até porque existem
od V
ações específicas no campo da saúde embora tenhamos profissionais da
aut
educação que trabalha com alunos com necessidades especiais. [...] Acho
importante uma sensibilização com os gestores e os profissionais.
R
[Gestor III] [...] O CAEE procura proporcionar qualidade de vida para
mostrar que os alunos com NEE são capazes com ajuda da educação,
o
saúde e assistência social. [...] O importante é que a inclusão está acon-
aC
tecendo realmente, não é só no papel, mas no cotidiano a gente possa ver
Nas falas dos gestores podemos perceber, ainda que de forma tímida,
visã
indicadores de ações atravessadas pela rede intersetorial no município. As
diversas possibilidades de efetivação da rede intersetorial e a importância do
trabalho desenvolvido através de cada secretaria. Dessa forma verificamos
itor
or
modo que a população seja pensada em sua totalidade.
od V
Ainda de acordo com a análise documental o CAEE vem trabalhando com
aut
novas tecnologias de gestão tentando compreender as dimensões complexas
de uma nova configuração dos problemas sociais, físicos e psicológicos dos
estudantes atendidos. Para isso, em alinhamento com a PNEEPEI o Centro
R
estabelece parcerias para desenvolver suas ações como revelado o trecho:
o
O centro possui inúmeras parcerias institucionais e atua em diversas esferas
aC
e contextos sociais. Esse campo de atuação exige uma articulação e um
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Considerações finais
ão
or
consequentemente uma qualidade nos serviços oferecidos pela rede municipal
od V
que lhe é de direito legalmente constituído.
aut
Dessa forma, entendemos que a cooperação, colaboração, parceria e troca
de saberes entre as instituições e a comunidade, trarão resultados significativos
ao atendimento desses alunos. Com isso, buscamos promover o protagonismo
R
dos integrantes, condição essa, imprescindível para o desenvolvimento social.
Cabe ressaltar aqui a necessidade do desenvolvimento e da efetivação de uma
o
ação intersetorial em âmbito prático por parte das instituições pressupondo
aC
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
or
ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO “LUIZ CARLOS DA
COSTA ARAÚJO”. Secretaria Municipal de Educação - SEMED. Relatório.
od V
Maracanã, 2013. Relatório digitalizado.
aut
BARRETO, R. M. RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DO PLANEJAMENTO
R
SEMESTRAL DO CENTRO DE ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPE-
CIALIZADO “LUIZ CARLOS DA COSTA ARAÚJO”. Secretaria Municipal
o
de Educação - SEMED. Relatório. Maracanã, 2014. Relatório digitalizado.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
GUARÁ, Isa Maria F. R. Redes de proteção social. 1. ed. São Paulo: Asso-
ciação Fazendo História: NECA - Associação dos Pesquisadores de Núcleos
de Estudos e Pesquisas sobre a Criança e o Adolescente, 2010.
or
de direitos. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2010. p. 25-42.
od V
aut
REDE UNIDA. “Intersetorialidade na REDE UNIDA”. Saúde em Debate 2000;
24, n. 55.
R
SCHUTZ, F. Intersetorialidade e Políticas Sociais; Subsídios para o debate.
Sociedade em Debate, Pelotas, v. 16, n. 1, p. 59-75, jan./jun.2010.
o
aC
TEIXEIRA, S. M. F. O desafio da gestão das redes de políticas. In: CON-
or
e as contribuições da transdisciplinaridade
od V
para uma educação inclusiva
aut
R
Carolline Septimio
Letícia Carneiro da Conceição
Vanessa Goes Denardi
o
aC
Introdução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Ainda sobre o papel da teoria, Deleuze, em diálogo com Foucault na
od V
mesma obra, lembra-nos que
aut
Uma teoria é como uma caixa de ferramentas. Nada tem a ver com o
significante… É preciso que sirva, é preciso que funcione. E não para si
R
mesma. Se não há pessoas para utilizá-la, a começar pelo próprio teórico
que deixa então de ser teórico, é que ela não vale nada ou que o momento
o
ainda não chegou (DELEUZE, 2012, apud FOUCAULT, 2012, p. 132).
aC
não apenas como um conjunto de fatos linguísticos ligados entre si por regras
sintáticas de construção, mas como jogo estratégico, polêmico e de luta, pois
or
Esses enunciados, enquanto unidades singulares que constituem uma
od V
formação discursiva, são práticas desenhadas a partir de superfícies de emer-
aut
gência e autoridades de delimitação que produzem subjetividades, as quais
podem ser transformadas por meio de interações sociais no convívio cotidiano,
R
como em uma sala de aula e na formação de professores. Em consonância
com Moita Lopes (2006), optamos em detectar essas subjetividades dos enun-
o
ciados saindo do campo da linguagem propriamente dito, articulando com a
aC
pedagogia e a sociologia, fazendo desta análise um estudo transdisciplinar.
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de desterritorialização.
Deleuze e Guattari, em Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia, sugerem
Ed
Uno (n), nem acrescenta nada a ele. Podemos pensar e definir o pensamento
rizomático como uma subtração do Uno, um n-1 que não se constitui de uni-
s
Toda vez que uma multiplicidade se encontra presa numa estrutura, seu
crescimento é compensado por uma redução das leis de combinação. Os
abortadores da unidade são aqui fazedores de anjos, doctares angelici,
posto que eles afirmam uma unidade propriamente angélica e superior
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 13).
436
or
preparado para dar aulas?
od V
No total, sete professores participaram, sendo três do Ensino Fundamental
aut
(anos iniciais), quatro do Ensino Fundamental (anos finais) e um do Ensino Médio.
Os docentes não foram selecionados. Participaram da pesquisa todos aqueles que
se disponibilizaram a respondê-las e a serem acompanhados em alguns momen-
R
tos em sala de aula, por meio da assinatura de Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), garantindo o anonimato dos sujeitos envolvidos31.
o
Apesar de não ter sido critério de escolha, todos tinham acima de dez
aC
30 Cf.: SEPTIMIO, C. Elogio da ignorância e o (não) saber docente na escola inclusiva. Tese (Doutorado
em Educação). Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Ciências Humanas e da Educação,
Programa de Pós-Graduação em Educação, Florianópolis, 2019.
31 As respostas dos professores foram transcritas respeitando a fidelidade das falas, a fim de não obscurecer
detalhes da oralidade que também podem ser passíveis de análise, e utilizadas no texto como citação direta
com destaque em itálico.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 437
mas somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem
que mude de natureza” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 5).
Essas mudanças são sempre provocadas pelas constantes transforma-
ções que ordinariamente estamos sujeitos, as quais propõem uma realidade
complexa e inacabável, algo que se encontra entre as coisas, numa espécie
de intermeio (DELEUZE; GUATTARI, 1995). E é nesse processo de multi-
plicidade e subjetivação que a transdisciplinaridade emerge, baseando-se em
or
valores, consciência, criação de redes e campos de aprendizagem.
od V
Destarte, a transdisciplinaridade está em um nível demasiadamente com-
aut
plexo, mas também eficiente de interação entre os diversos conhecimentos
escolares e sociais gerando um alto grau de cooperação e coordenação a fim de
alcançar um objetivo comum em uma “dinâmica gerada pela ação de vários níveis
R
de realidade ao mesmo tempo.” (NICOLESCU, 2000a, p. 12). Dessa forma, é
possível construir uma linguagem híbrida e uma nova epistemologia, isto é, uma
o
visão estratégica singular e consolidada frente a um projeto de transformação
aC
consciente e metodologia viável para alcançar um nível adequado de solução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
é essa realidade que gera uma certa complexidade inerente ao terceiro incluído,
que nada mais é que a multiplicidade de interações entre opostos, intercalando
Ed
como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo
tempo “entre” as disciplinas, “através” das diferentes disciplinas e “além”
s
or
reinserção desse objeto nas redes de práticas, instrumentos e instituições
que lhe dão sentido no mundo social [...] E esse processo de re-inserção é
od V
compreendido [...] como um mecanismo de neutralização e deslocamento
aut
de parte das reduções impostas pelos aparelhos teórico-metodológicos
das disciplinas de referência (SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998, p. 13).
R
O objeto que tratamos neste texto é a inclusão dentro de um rizoma, de
o
uma rede específica de práticas sociais que é a escola. E essa abordagem só faz
sentido se for aplicada, como um saber eminente, uma práxis, uma ação reflexiva.
aC
Já não se busca mais “aplicar” uma teoria a um dado contexto para tes-
tá-la. Também não se trata mais de explicar e descrever conceitos ou
processos presentes em determinados contextos, sobretudo escolares, à
luz de determinadas teorias emprestadas, [...]. A questão é: não se trata
de qualquer problema – definido teoricamente –, mas de problemas com
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 439
or
que não se conforma ou se identifica com teorias, paradigmas ou modelos.
od V
Os termos em que se coloca hoje a transdisciplinaridade não tem mais como
aut
referência única os princípios científicos clássicos da redução do complexo
ao simples, da diversidade a uma unidade fundamental, do dinâmico e do
R
instável ao isomorfo e estático [...] a legitimidade que se busca agora é jus-
tamente a de uma prática científica de investigação do diverso, do complexo
o
e do instável ou provisório (SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998, p. 8).
aC
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entre as coisas, inter-ser, intermezzo. [...] Entre as coisas não designa uma
a re
or
formas de enunciação ele exclui (FOUCAULT, 2008, p. 92).
od V
Portanto, o olhar sobre o que dizem os professores não está isento
aut
das condições de nossa existência. Nada de verdades redentoras, sejam
elas teóricas ou dos discursos produzidos pelos professores; nada de silen-
R
ciamento de vozes ou beatificação de sujeitos, pois sabemos que “todo
discurso obedece a uma ordem” (TERNES, 2010, p. 196). A visita às falas
o
que fazemos nesse texto envolve “interrogar o solo a partir do qual certas
coisas podem ser ditas, por que alguns discursos podem aflorar, e outros
aC
Então, quer dizer, não existe assim: ‘Ah! Eu tenho que saber isso!’ É o
momento que vai... não tem jeito! É porque cada um tem a sua dificuldade.
Não tem uma receita pra isso, eu penso que não tem uma receita pra isso.
É no dia a dia (ALEX).
par
gem. Eles te põe muito... Vygotsky, todas essas práticas. Quando chega na
hora, não adianta tu ter aquele lado teórico que a prática te exige outras
coisas, que está além (MARI).
ão
Porque, às vezes, essa prática, ela é muito acomodada, vamos dizer assim.
Eu sou professor há 15 anos, então eu domino todo o conteúdo. Eu sou
professor do 6º ao 3º ano, eu domino tudo que é conteúdo, mas isso não
é o suficiente para transformar o conhecimento. Porque o conteúdo em
si, a informação, o conteúdo sozinho, ele não é suficiente. Porque eu per-
cebo, por exemplo, um aluno que recebe bem o conteúdo do professor, se
ele não consegue, por exemplo, associar o seu dia a dia, o seu ponto de
or
vista, aquilo que ele acha, aquilo que ele quer, com isso tudo, se ele não
consegue transformar isso tudo, isso é vazio (JUNIOR).
od V
aut
Ora, parece-nos que tanto a teoria quanto a prática são acusadas de falta
de diálogo. A teoria, fechada em si mesma, em seus conceitos e autores.
R
A prática, também fechada em si mesma e em seus conceitos e fazedores,
reproduzindo o conteúdo, esquemas e classificações. Contudo, as falas dos
o
professores carecem de mais atenção e olhar minucioso de nossa parte para
que possibilitem o deslocamento de análise para outro lugar.
aC
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portanto, dicotomias entre teoria e prática. Esse modo não-linear que foge do
a re
aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma como
se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente
linhas (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 24).
ão
or
Nessas trincheiras, lugares de resistência e singularização, encontramos
od V
conhecimento rizomático, que transcende a ideia da prática repetitiva e da teoria
aut
desconectada. E nada de exaltar a educação menor colocando-a em lugar arro-
gante. Nessa micropolítica há espaço para o dessabor, incompletude e errância.
R
Um dos questionamentos também enquanto professor que eu faço é:
o
quando estou preparando o meu material eu percebo isso aqui vai ser
de fato benéfico pro aluno em que ponto?. Porque eu sou professor de
aC
adjunto adnominal, não sei o quê, em muitos casos não vai fazer diferença
a re
que é de pessoa pra pessoa, né? Mas o professor não pode, por exemplo,
hoje, dizer que, no meu ponto de vista, dizer que ser professor é chegar
na sala de aula e dar conteúdo pro aluno (JUNIOR).
ão
Porque nós não temos... eu não tenho formação pra trabalhar com alunos
desse tipo. A gente vai pedindo ajuda do técnico, da coordenação, das
meninas lá do AEE, uma forma de como a gente vai trabalhar com esse
or
aluno... então a gente se junta (WELL).
od V
Eu sinto como se eu não conseguisse atingir o objetivo meu para com
aut
eles e os objetivos deles enquanto alunos que dependem de mim enquanto
professor. Então eu sinto, assim, muita dificuldade, mas também muito
R
incômodo. Eu sempre discuto assim com as meninas do recurso, sabe,
por conta dessa falta de formação. Assim a educação inclusiva quando
começou, quando começou a ser uma coisa assim atual pra gente, foi
o
muito assim tá, pá, pá, pá, te vira! Agora começou a educação inclusiva,
aC
te vira, sabe? Então eu acho que me falta esse saber lidar melhor, pro-
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não inclusiva, uma vez que deixa o lugar da pessoa com deficiência separado
dos demais estudantes, por outro marcamos a presença de um trabalho docente
Ed
diferentes saberes, entre esses saberes e seus significados para nossa vida
cotidiana, entre esses saberes e significados e nossas capacidades interio-
res. Esta abordagem transdisciplinar será o complemento indispensável
s
or
especializado que permitem a reflexão da responsabilidade social (GIB-
od V
BONS, et al., 1995).
aut
É que eu busco sempre pesquisar e sempre tô acompanhando com as
minhas amigas também que têm séries maiores do que e a gente. Sempre
R
tá nesse contato, né? Busca de materiais, busca de recurso, vamos falar
de educação, o que dá certo na tua, vamo experimentar. Então isso daí é
o
gratificante, eu sempre procuro fazer isso (MARI).
aC
jardim II, e ela tem facilidade de notar a deficiência do aluno, que até
a re
educação especial que nos ajudam, mas sabe quando você sente que não
é suficiente? Muitas vezes dentro de sala de aula eu posso dar atenção
pra aquele aluno, porém, na maioria das vezes, ele vai ficar meio assim,
porque eu vou estar mais ocupado com aquele aluno que a gente diz, os
normais, por exemplo (JUNIOR).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 445
or
que também denuncia a estrutura social que oprime a pessoa deficiente.
od V
Assim como outras formas de opressão pelo corpo, como sexismo ou o
racismo, os estudos sobre deficiência descortinaram uma das ideologias
aut
mais opressoras de nossa vida social: a que humilha e segrega o corpo
deficiente (DINIZ, 2012, p. 10).
R
Defendemos que os estudantes com deficiência não sejam tratados como
o
pertencentes ao AEE, tampouco o conhecimento acerca da aprendizagem
aC
desse público esteja exclusivamente nas salas de recursos. Ao contrário, nossa
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
pode ter para que os 22 alunos sejam beneficiados, para que a turma inteira
pense ações coletivas e singulares para os problemas reais que vivenciamos.
Ed
or
od V
Considerações finais: “riacho sem início nem fim”
aut
Como um pensamento rizomático, que trafega em direções movediças
R
no intermeio e “não começa nem conclui”, nosso movimento transversalizou
os enunciados de professores e as contribuições da transdisciplinaridade para
uma educação que inclua - até mesmo a diversidade escamoteada nas normas
o
e normalizações.
aC
múltiplo, multiplicidades!
par
Ed
s ão
ver
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 447
REFERÊNCIAS
DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Introdução: Rizoma. In: DELEUZE, G.;
GUATTARI, F. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. SãoPaulo: Edi-
tora 34, 1995.
or
DINIZ, Débora. O que é deficiência. São Paulo: Editora brasiliense, 2012.
od V
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense
aut
Universitária, 2008.
R
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. São Paulo: Graal, 2012.
o
GALLO, S. Em torno de uma educação menor. Dossiê Gilles Deleuze. Edu-
aC
cação e Realidade, Porto Alegre, v. 27 n. 2 p. 169-178, jul./dez. 2002
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
de Letras. 1996.
Ed
or
ROJO, R. H. R. Fazer Linguística Aplicada em perspectiva sócio-histórica:
od V
privação sofrida e leveza de pensamento. In: MOITA-LOPES, L. P. (org.).
aut
Por uma Linguística Aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006.
R
siva. Tese (Doutorado em Educação). Universidade do Estado de Santa Cata-
rina, Centro de Ciências Humanas e da Educação, Programa de Pós-Graduação
o
em Educação, Florianópolis, 2019.
aC
or
od V
Vinicius Furlan
aut
Emanuel Messias Aguiar de Castro
R
Novos sujeitos políticos
o
As novas conformações sociais deslocaram o lócus privilegiado da cen-
aC
tralidade ontológica da classe trabalhadora enquanto sujeito político para
as outras formas de existências. Assim no dizer de Tiqqun (2019, p. 13) “A
unidade humana elementar não é o corpo – o indivíduo –, mas a forma de
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
vida”. As atuais lutas sociais parecem seguir o caminho da luta por reconhe-
visã
cimento fazendo emergir uma multiplicidade de sujeitos políticos na cena
pública. Como destaca Nancy Fraser (2007), o reconhecimento se tornou a
principal gramática dos movimentos sociais. As identidades dos grupos sociais
itor
das diferenças entre identidades coletivas. Fraser (2002) destaca que a busca é
ser reconhecido como negro, LGBT, mulher, indígena, etc., e não mais como
proletário ou burguês, e, nesse sentido, ter garantido o direito do grupo do
qual se faz parte, como uma forma de minimizar ou sanar as formas de injus-
tiça produzidas na dimensão simbólica e cultural. Dessa forma, os conflitos
identitários alcançaram estatuto paradigmático exatamente no momento em
que o agressivo capitalismo globalizante está a exacerbar radicalmente as
or
desigualdades econômicas.
od V
Assim, a centralidade da luta de classes enquanto chave de leitura para
aut
os conflitos sociais se desloca para as lutas identitárias em busca de reconhe-
cimento. A luta de classes, nessa esteira, foi acusada de esbarrar no limite dos
conflitos sociais a problemas gerais de redistribuição igualitária de riquezas,
R
em que as dimensões morais e culturais não poderiam ser compreendidas
como meros reflexos de estruturas de classe. Assim, a leitura possível consiste
o
em pensar as modificações que interferem sobre as condições que elevam o
aC
reconhecimento como problema político central (SAFATLE, 2016).
precisam ser reconhecidas dessa forma no interior dos embates sociais. A com-
a re
do trabalho, Safatle (2016) destaca que se abre mais uma porta para secun-
darizar o conceito de luta de classes e elevar o problema do reconhecimento
Ed
or
hierárquica das identidades, ou seja, quando uma determinada identidade
se desidentifica com a parte que lhe é(era) pressuposta – o que implica em
od V
sua negatividade –, como uma forma de emergência de uma subjetividade
aut
não identitária, ou uma identidade não idêntica. As políticas de identidade
afirmativas produzem o político quando intervêm sobre ele pela sua negativi-
R
dade, quando o des-idêntico – formas identitárias que não se enclausuram às
identidades substancializadas – se afirma por via da negação da distribuição
o
hierárquica das identidades, produzindo um dano no status quo da ordem
aC
social. É justamente na brecha quando uma política de identidade busca legi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
veis de identificação, basta haver um circuito social que há identidades em
od V
relação. Há uma des-identificação não identitária necessária como condição
aut
para a reabertura do campo político. As identidades políticas não estão con-
cebidas por traços de positividade, mas por sua negatividade, ao não definir
uma substancialidade nos processos de identificação e subjetivação política.
R
Nesse sentido, a luta política não se define por sujeitos políticos determi-
nados de antemão, mas caracteriza-se pela constituição de sujeitos políticos
o
que se antagonizam frente à impossibilidade de existência de uma totalidade
aC
de coesão numa comunidade política.
precária, pois é formada por relações de poder. Assim, a luta política não
a re
or
Não há política sem (des)identificação, pois o campo político é cons-
od V
tituído de sujeitos identificados e em contingências de identificação que se
aut
afetam por identidades. Há identificação em grupos, em uma estrutura de
organização política, em movimentos sociais; basta haver circuito social para
que haja identidades em relação. Existe uma (des)identificação necessária para
R
a (re)abertura do campo político, como identificação não identitária. Faz-se
necessário pensar o campo político das identidades pelo des-idêntico, sujeitos
o
políticos que se dissolvem de sua identidade.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
A política existe onde quer que a contagem das partes e das ‘partes’ da
sociedade é perturbada pela inscrição de uma parte dos sem-parte. Ela
começa quando a igualdade de qualquer um com qualquer um inscreve-
visã
-se como liberdade do povo. Essa liberdade do povo é uma propriedade
vazia, uma propriedade imprópria pela qual aqueles que não são nada
colocam seu coletivo como idêntico ao todo da comunidade. A política
existe enquanto formas de subjetivação singulares renovarem as formas
itor
Nesse sentido,
[…] o ser-qual é recuperado do seu ter esta ou aquela propriedade, que iden-
tifica o seu pertencimento a este ou aquele conjunto, a esta ou aquela classe
(os vermelhos, os franceses, os muçulmanos) – e recuperado não para uma
outra classe ou para a simples ausência genérica de todo pertencimento, mas
para o seu ser-tal, para o próprio pertencimento (AGAMBEN, 2013, p. 10).
or
Safatle (2012; 2016) tem enfatizado em seus últimos trabalhos que a
od V
questão central da política de nosso tempo é dar conta da emergência das
aut
novas subjetividades que não se apresentam pelas determinações substan-
ciais dos enquadres pedagógicos que definem a humanidade. Dito de outro
R
modo, a problemática central da política atual é dar conta das exigências de
reconhecimento das subjetividades não substanciais constituídas aos moldes
o
do de uma espécie de semiotização como sugere Lazzarato (2014). Nesse sen-
aC
tido, uma política de identidade assume a forma de uma sujeição social a um
sociais. O ser que vem, como aponta Agamben (2013), vem como ser qual-
a re
campo das disputas políticas. “Eu sou ninguém”, para além dos enquadres
identitários, demarca a emergência de sujeitos capazes de experiências pro-
s
Como mostrou Agamben (2013), os poderes não sabem o que fazer com
a “singularidade qualquer” – eis o que estava em jogo nas manifestações de
junho de 2013. Significa que o poder busca atribuir um enquadramento à sin-
gularidade qualquer, busca dar substância a sujeitos não substanciais. O poder
confunde-se em meio ao que Hardt e Negri (2014) denominam de multidão.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 455
or
(2017) transforma-a da passividade a atividade; o proletário, os despossuídos, que
od V
não possuem lugar, que não possuem propriedade, os necessitados de amparo,
aut
podem, nessa condição, implodir em qualquer lugar, têm potência política, na
medida em que são o qualquer um: “o ser que vem é o ser qualquer”. Como
apontou Agamben (2013) ser qualquer, nesse sentido, comporta potência política
R
para ser qualquer coisa, para ser o qualquer um; não é nada, mas pode ser tudo.
Assim, a singularidade qualquer tomada por uma negatividade não recu-
o
perável é fundamental para a estruturação de uma subjetividade política que
aC
não se perde no meio universal da política. Apenas desta forma poderá se cons-
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or
mento com o modus operandi do capital, mas não tinham um programa. Para
od V
a indagação sobre o programa, a resposta foi o silêncio. Zizek (2012) aponta
aut
que tal resposta foi o violento silêncio para um novo começo.
Furlan (2020) demarca que a exigência por um programa implicara na
tentativa de enclausuramento identitário dos protestos. É como se dissessem:
R
digam o querem que saberemos quem são. A identidade, neste sentido, cons-
titui dispositivo político na tentativa de enclausurar, por parte dos poderes.
o
Como contragolpe, a singularidade aparece enquanto potencial de resistência
aC
(AGAMBEN, 2013).
or
Como enfatiza Safatle (2016) não basta que o lugar simbólico do poder esteja
vazio, é necessário que quem ocupa esse lugar também apareça como um signifi-
od V
cante vazio e que tal vacuidade seja decisiva na constituição de sujeitos políticos.
aut
Como bem salienta Zizek (2011)
R
O vazio do “povo” é o vazio do significante hegemônico que totaliza a
cadeia de equivalência, isto é, cujo conteúdo particular é “transubstan-
o
ciado” numa incorporação do todo social, enquanto o vazio do lugar do
poder é uma distância que torna “deficiente”, contingente e temporário
aC
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espécie de polifigurabilidade:
A revolução, desde Marx e como estamos vendo, só pode ser feita pela
classe dos despossuídos de predicado e profundamente despossuídos de iden-
ão
uma vida que possibilita que uma vida seja reconhecida. Não obstante, diante
ver
or
subjetivação política, que se caracteriza por um processo de desidentificação
od V
que interpela a dominação social num campo do sensível. Há democracia se
aut
identidades excluídas, que não têm fala e estão fora do dispositivo estatal,
nela se inserem, a ela ocupam.
R
Formas de vida como subjetividade política
o
Recuperando a passagem do início: “A unidade humana elementar não
aC
forma de vida é
a re
outros termos, o que está em jogo na política de nosso tempo é o embate sobre
formas de vida, isto é, como os dispositivos do poder capturam as formas
de vida. Assim, uma das características fundantes da biopolítica moderna é
que ela separa a zoé das formas da bios, separa cultura de natureza, corpo
biológico de corpo político.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 459
or
leva ao reconhecimento dos direitos e das liberdades formais está, ainda
uma vez, o corpo do homem sacro com seu duplo soberano, sua vida insa-
od V
crificável e, porém, matável. Tomar consciência dessa aporia não significa
aut
desvalorizar as conquistas e as dificuldades da democracia, mas tentar de
uma vez por todas compreender por que, justamente no instante em que
parecia haver definitivamente triunfado sobre seus adversários e atingido
R
seu apogeu, ela se revelou inesperadamente incapaz de salvar uma ruína
sem precedentes aquela zoé a cuja libertação e felicidade havia dedicado
o
todos seus esforços (AGAMBEN, 2010, p. 17).
aC
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das multíplices formas de vida concretas. Ser puro, vida nua – o que está
contido nestes dois conceitos, para que tanto a metafísica como a política
ocidental encontrem nestes e somente nestes o seu fundamento e o seu
s
sentido? Qual é o nexo entre estes dois processos constitutivos, nos quais
ver
or
na medida em que se exclui criam-se as condições necessárias para se pensar
od V
quais ações políticas deveriam ser efetivadas para o processo de inclusão.
aut
No campo da vida nua, a vida é destituída de qualquer qualidade humana,
a política desumaniza o sujeito político e seu desejo humano é esvaziado
de significado, o que faz com que qualquer reivindicação política perca sua
R
importância, esvaziando o sentido do direito como garantidor de demandas
coletivas; a vida nua é a vida produzida na exceção, como vida fora da política
o
que está dentro, excluindo-a. O biopoder contemporâneo, demarca Pélbart
aC
(2008) numa leitura de Agamben, reduz a vida à sobrevida biológica.
tornar algo espectral tanto pela forma que ela é vivida quanto pela forma
que ela é dada. Vida supérflua então, e cujo preço é tão pequeno que essa
a re
Walter Benjamin (1987) não perdeu nada de sua atualidade. A vida, no estado
ver
O político, por sua vez, desloca a vida nua do lugar que lhe era designado
ou muda a destinação de um lugar; ele faz reconhecer o irreconhecível, dá
visibilidade ao invisível, dá nome ao inominável, dá centro ao marginalizável.
Viera (2013), na contramão da política como biopolítica, compreende
o político como gestão da vida. Faz-se, neste sentido, necessário pensar a
vida nua (a vida abandonada) como parte integrante e imprescindível como
manifestação do político enquanto gestão da vida. Cremos que considerar
or
essa aporia implica levar em consideração as lutas e batalhas que tem se dado
od V
por aspectos materiais como condições básicas de vida e sobrevivência, bem
aut
como considerar as lutas travadas por coletivos e grupos que são despojados
de seus direitos e sofrem constantemente diferentes formas de violência, e
que os processos de gestão da vida e lutas pela sobrevivência já comportam
R
em si significante político.
Há no interior da vida nua (da vida abandonada), como forma de vida, uma
o
potência imanente para manifestação da subjetividade política, uma vez que
aC
aqueles que estão inscritos no campo da vida nua (incluídos através da exceção)
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aC
ZIZEK, S. Em defesa das causas perdidas. São Paulo: Boitempo, 2011.
or
Diana Coeli Paes de Moraes
Bárbara Moraes de Carvalho Leite
od V
aut
Introdução
R
Em tese, as Novas Tecnologias da Informação e Comunicação – TICs
estão a serviço da sociedade contemporânea garantindo a sua eficácia. Mas,
o
por outro lado, o poder das TICs seduz e assujeita o homem imprimindo
aC
novos modos de subjetivação comprometendo a sua humanização e o seu
poder de argumentação.
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nos últimos anos do século XX, torna-se mais eficiente e eficaz com a utilização
ver
das NTICs.
A evolução das TICs não provocou mudanças apenas nas áreas de tecno-
logia e comunicação, mas em diversas áreas do conhecimento humano.
As TICs foram responsáveis por alterações de conduta, de costumes, de
consumo, no lazer, nas relações entre os indivíduos e nas formas como
eles se comunicam. Novos hábitos sociais foram adquiridos, surgiram
466
or
aqui discutida é a vulnerabilidade da humanidade diante à sua materialização
diante da utilização das NTICs.
od V
O homem é um ser eminentemente relacional, que através de suas rela-
aut
ções dialógicas se abre ao outro resgatando a sua humanidade e se recons-
truindo como homem, realiza-se. Perante a alteridade dialógica permite-se
R
o existir do outro. O que só é possível através das relações inter-humanas.
Conforme Lévinas (2000), o ser encontra o seu verdadeiro sentido e na sua
o
relação orientada para o outro, uma relação baseada na responsabilidade ética.
aC
A humanização, tudo o que diz respeito à pessoa. A pessoa com o prota-
or
ção. Um conjunto de eletrônicos conectados à internet interligam-se formando
od V
uma única comunidade global através de uma extensa rede interativa que se
aut
comunicam à distância.
O homem contemporâneo massifica-se pelo progresso econômico aliado
ao progresso técnico e científico numa relação difundida indiscriminadamente,
R
que dá importância ao ter e utiliza intensamente mídias eletrônicas diversi-
ficadas (celular, vídeo digital, internet, televisão digital, compact disc, jogos
o
eletrônicos, entre outros). Essas, além de causar dependência, traz novas possi-
aC
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Reino Unido. “Fiquei me coçando como um viciado porque não podia usar
o celular”, contou um americano. “Me senti morto”, desabafou um jovem
da Argentina. Esses são alguns dos relatos entre os mil que foram colhidos
por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos.
Eles queriam saber o que sentiam jovens espalhados por dez países, nos
468
or
ou de jogo, por exemplo, quando privado do objeto de sua compulsão
(TARANTINO, 2016, s/p).
od V
aut
A dependência das pessoas às tecnologias tem, inclusive, uma deno-
minação específica a qual chamado de tecnose: Vejo cada vez mais pessoas
R
depender dos produtos tecnológicos. É o que nós chamamos de tecnose. Elas
simplesmente não conseguem imaginar a vida sem tecnologia, diz o psicólogo
o
americano Larry Rosen (2000) em entrevista. Numa dependência cada vez
maior aos produtos da tecnologia. As pessoas na atualidade não conseguem
aC
or
de um novo universo comunicacional, a experiência que o homem tem de
od V
si e do mundo que o rodeia nunca mais será a mesma (MARCELO, 2001).
aut
As relações sociais contemporâneas assumem novo perfil, diferente das
sociedades ditas tradicionais. Numa sociedade na qual as pessoas se mostram
naturalmente consumidas e consumadas pelas aparências parece difícil uma
R
possibilidade distinta. Antes, as relações humanas tinham interesse genuíno pelo
humano. Ainda, com considerável nível de privacidade e intimidade, a união pura
o
era a relação face a face, num encontro recíproco com o outro (PARREIRA, 2010).
aC
As múltiplas e sofisticadas ferramentas tecnológicas aliadas à internet
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
organizar o estado social em meio ao novo mundo do ciberespaço.
od V
aut
Nas discussões da União Europeia sobre a sociedade da informação houve
uma evolução politicamente crucial: são necessárias políticas públicas que
possam ajudar nos a beneficiar das vantagens do progresso tecnológico,
R
assegurando a igualdade de acesso à sociedade da informação e uma dis-
tribuição equitativa do potencial de prosperidade (ASSMANN, 2000).
o
aC
Essa massificação cultural difere-se da cultura clássica. Rompe com
construção dessas.
Ed
or
O homem de cultura em determinadas horas ouve Bach, em outros momen-
od V
tos sente-se propenso a ligar o rádio para ritmar sua atividade através de
uma música de uso para ser consumida a nível artificial (ECO, 1993, p. 59).
aut
Uma cultura típica de uma democracia popular ao nível de todos os
R
cidadãos na qual interagem com direitos iguais e uma cultura que provoca
subversões pelos seus fins lucrativos e sem fins educativos que não se vincula
o
a valores culturais.
aC
Esta cultura da sociedade em rede considera a impotência do homem
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
causado pela frieza a tudo que penetra, a relação com a máquina que o assu-
jeita, que lhe dá o acesso ao mundo socialmente aceitável e consumido pelos
indivíduos sociais pela necessidade e interesse de vir a pertencer, capturando,
assim, a sua delicadeza. Pois a delicadeza entre seres humanos nada mais
é do que a consciência da possibilidade de relações isentas de interesse
par
or
od V
Sob o aspecto de identidades biculturais, Arnett (2002) situa o fato de
que parte da identidade, especialmente de adolescentes, é enraizada na
aut
cultura local e parte é influenciada pela cultura global. Por cultura global,
entende-se aquela liderada por países ocidentais desenvolvidos que indu-
R
zem valores orientados por individualismo, consumismo e liberdade de
mercado, em consonância com o que preconizam os adeptos da teoria da
o
indústria cultural, mas também a democracia, direitos humanos e liber-
dades individuais. Ainda segundo Arnett (2002), uma certa confusão de
aC
As redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes só
falavam em um bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a huma-
nidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo
direito de falar que um prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis – ECO ao
jornal La Stampa (s/d).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 473
or
de consumidores genéricos.
od V
Tomando emprestada as palavras de Mendonça (2003) no seu artigo sobre
aut
a Televisão: da profusão de imagens à cegueira ética, a mídia eletrônica tem
se tornado o aporte da sociedade contemporânea, um campo privilegiado
para a profusão da violência banalizando a vida humana a medida em que:
R
Impede a reflexão dos sujeitos; provoca a nossa cegueira ética; afasta
o
o homem do real em favor de uma vida de substituição daquele pelo
aC
imaginário da mídia eletrônica; aprofunda o vazio existencial do homem
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or
A satisfação com o conforto e a segurança oferecida pelo progresso técnico
od V
traz a insensibilidade de uma consciência militarizada.
aut
Percebe-se que numa sociedade que se submete à sofisticação tecnoló-
gica é massificada, vive a mundialização do capital. Não resta espaço-tempo
para reflexão e interpretação. O conhecimento torna-se superficial, os seres
R
humanos alienam-se, privando-se da sua mobilidade e, consequentemente da
autonomia. As relações se coisificam. O homem, que antes se deslocava, hoje,
o
é inerte, vive o instantaneismo do tempo. Não precisa deslocar-se. A chegada
aC
suplanta a partida: Tudo chega sem precisar partir (VIRILIO, 1993).
cação, que desaparece com o ser perceptivo ativo, levando-o a solidão sem
precedentes. A proximidade com a máquina irradia solidão. Atualmente,
o verdadeiro problema da imprensa e da televisão não é mais tanto o que
ão
elas são capazes de mostrar, mas o que ainda podem apagar, esconder, e que
constitui, até aqui, o essencial de sua força (VIRILIO, 1996, p. 17).
Os meios eletrônicos de comunicação capturam a massa social que se
s
or
as massas, usando na realidade as massas para fins de lucro, ao invés de
oferecer-lhes reais ocasiões de experiência crítica. (ECO, 1993, p. 19).
od V
aut
A vida do indivíduo, que antes, era preocupação do indivíduo, família,
comunidade na qual era engajada, hoje, a ciência e tecnologia cuidam do corpo
R
paciente controlado pelo desenvolvimento tecnológico que invade e coloniza
esse corpo. Interferindo no seu mundo interno tornando-o apenas uma estrutura,
o
uma embalagem. Há o investimento dos corpos, com o objetivo de adestrá-los,
torná-los úteis e dóceis (LEMOS, 2007, p. 24). Uma prática disciplinar que
aC
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que sabe e aquele que não sabe, entre os pais e as crianças, na família.
Na sociedade, há milhares e milhares de relações de poder e, por conse-
guinte, relações de forças de pequenos enfrentamentos, micro lutas de
algum modo. Se é verdade que estas pequenas relações de poder são
com frequência comandadas, induzidas do alto pelos grandes poderes
par
feixe de relações de poder que o liga a seus pais, a seu patrão, a seu pro-
fessor – àquele que sabe, àquele que lhe enfiou na cabeça tal e tal ideia?
(FOUCAULT, 2003, p. 231).
s
ver
Foucault (2004), cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política
geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar
como verdadeiros. Percebe-se que as NTICs agem como uma forma de poder
de maneira muito produtiva causando o assujeitamento do outro, impondo
verdades, construindo subjetivações, produzindo corpos dóceis.
476
or
contemporaneidade a ética ganha outra dimensão devido ao progresso da
od V
ciência. O homem tem o dever da preservação da humanidade autêntica que
aut
respeita a sua diversidade.
R
homem de épocas anteriores, apenas por efeito das condições de vida
em que ela o coloca, e da evolução coletiva da Humanidade. (MOU-
o
NIER, 1967, p. 17).
aC
Considerações finais
ver
or
para que o homem se constitua como pessoa num encontro com o humano
od V
do outro. O não encontro, o não diálogo desumaniza-os.
aut
As ações mais humanizadas favorecem o protagonismo do sujeito na
oportunidade de ações solidárias e comprometidas com o outro. A privação
ao diálogo provoca a violência. Existem diversas formas de violência e a
R
privação diálogo é uma delas.
As múltiplas e sofisticadas tecnologias seduzem o homem ao oferecer
o
uma falsa liberdade e acesso a um mundo nunca antes possível. Uma facili-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
REFERÊNCIAS
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aC
1993.
par
Ed
s ão
ver
A MICROPOLÍTICA E SUA RELAÇÃO
COM O DESEJO EM FÉLIX GUATTARI
or
Thiago Tenório Pereira
Cristina Simone de Sousa Reis
od V
Bárbara Moraes de Carvalho Leite
aut
Pamella Augusta Passos Ventura Pina
R
Introdução
o
A vida social possui um emaranhado complexo de relações que nos
aC
enlaçam em campos de práticas que constituem a sociedade. A cada relação
de espaço, de saberes, de mídia, de sujeitos, há uma relação de poder. Este
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não se constitui como um poder central que submete o social as suas rédeas,
mas ele está entre os indivíduos, nas práticas cotidianas de cada coletividade.
visã
O poder, esse que intervém materialmente, [...] se situa ao nível do próprio
corpo social, e não acima dele, penetrante na vida cotidiana e por isso
itor
Essas formas que o poder toma para se imiscuir a própria realidade são da
ordem do político porque tudo provém de uma relação de força e, portanto, de
uma relação de poder. Podemos considerar que “tudo é político, mas toda polí-
par
forma, elas estão sempre juntas. A micropolítica trata do campo das forças, do
que é invisível, enquanto a macropolítica trata das formas, do que é visível. O
desenvolvimento deste capítulo aborda a noção de micropolítica discutida na
ão
32 MACHADO, Roberto. Introdução. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Organização, Introdução e Revisão
Técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. p. VII a XXIII.
33 DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, p. 514, 2010.
482
or
sivo do desejo, abordando-o como produção, como sistemas maquínicos que
od V
produzem realidades de conteúdo estéticos, sociais, teóricos.
aut
Forjei, com Gilles Deleuze, uma expressão que pode parecer paradoxal,
R
mas que nos foi muito útil em nossa reflexão: é o conceito de “maquina
desejante”. É a ideia de que a desejo corresponde a um certo tipo de
produção e que de não é absolutamente algo de indiferenciado. O desejo
o
não e nem urna pulsão orgânica, nem algo que estaria sendo trabalhado,
aC
por exemplo, pelo segundo princípio da termodinâmica, sendo arrastado
34 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
35 Ibid, p. 34.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 483
or
com a potencialização da ordem capitalística. Este sistema tem grande influência
od V
na produção de subjetividade dos indivíduos, conforme aponta Félix Guattari:
aut
Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega
pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é
R
apenas uma questão de ideia, [...] trata-se de sistemas de conexão direta entre
as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as
o
instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo.37
aC
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dos discursos sobre o poder na esfera estatal, como se o Estado e seus agentes
Ed
or
sociedade capitalística. Concerne, sobretudo, a uma análise lógica que protago-
niza elementos rígidos que constituem orgânica e funcionalmente a teia social.
od V
Contrapondo-se a esta lógica – mas, não a excluindo, temos a micropolítica como
aut
conceito-ferramenta que desvela as mais óbvias relações sociais, na medida em
que, ousa analisar a realidade sob outra perspectiva. Disto resulta a particular
R
atenção dedicada ao pequeno, raso, cotidiano que desnuda todo o processo de
subjetivação nas relações de poder.41 O macro e o micro são dois modos de recortar
o
a realidade, “as duas efetivamente se distinguem mas são inseparáveis, embara-
aC
lhadas uma com a outra, uma na outra”.42 Quando tratamos de uma realidade, já
saímos de cada relação. Ela situa em cada espaço as forças com que este espaço se
agencia, o que significa o mesmo que analisar os afetos que são por ele disparados.
cada ação, cada ato de produção de realidade. Esses atos nunca são fatos
isolados, não são apenas formas, mas sempre estão engendrados em uma
Ed
cada corpo, cada endereço, cada objeto sob uma perspectiva de produção de
ver
40 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
41 RESENDE, G.; RODRIGUES, L. Micropolítica. Revista de Estudos Sociais. Campo Grande, v. 12, p. 23-32, 2011
42 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
43 GUIZZO, Iazanna. Micropolíticas Urbanas. Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFF). Rio de Janeiro, v. 10,
n. 23, 2013.
44 Ibid, p. 8.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 485
“toda relação de força é uma relação de poder [...] é uma ação sobre a ação,
sobre as ações eventuais, ou atuais, futuras ou presentes, é um conjunto
or
de ações sobre ações possíveis [...] induzir, desviar, tornar fácil ou difícil,
ampliar ou limitar, tornar mais ou menos provável.”45
od V
aut
A cada relação de espaço, de saberes, de mídia, de sujeitos, há uma
relação de poder. Este, então, não se configura como um poder central que
R
submete os povos, mas ele está entre os povos, nas práticas cotidianas de cada
coletividade. Está em cada embate de forças, nos aumentos e nos constrangi-
o
mentos de potência, nas inúmeras relações de cores por todos os lados.46 “O
aC
poder esse que intervém materialmente [...] se situa ao nível do próprio corpo
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social, e não acima dele, penetrante na vida cotidiana e por isso podendo ser
caracterizado como micropoder ou sub-poder.”47 Esta lógica desloca a análise
para o nível das forças, mostra-nos que ações de poder podem ser encontradas
visã
todas as vezes que uma força se movimenta em uma teia social. O poder não
está apenas nas organizações estatais ou em grandes corporações, ou seja, em
macroestruturas, mas ele atua também na esfera micro:
itor
dos afetos, da forma potente ou impotente que construímos em cada relação. Ela
analisa em cada espaço da realidade as linhas transversais de poder que se emba-
tem e se agregam formando subjetividades, contornando processos históricos.
ão
46 GUIZZO, Iazanna. Micropolíticas Urbanas. Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFF). Rio de Janeiro, v. 10,
n. 23, 2013.
47 MACHADO, Roberto. Introdução. In: FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Organização, Introdução e Revisão
Técnica de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. págs.VII a XXIII.
48 SILVA, Roger A. L. Micro-história e micro-política: a novidade da filosofia de deleuze e guattari. Caderno
de resumos & 4º. SEMINÁRIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA HISTORIOGRAFIA: TEMPO PRESENTE &
USOS DO PASSADO. Anais [...], Ouro Preto: EdUFOP, 2010.
486
Micropolítica e subjetividade
or
individual, seu campo é de todos os processos de produção social e material”49.
Aqui não usamos esse termo para definir os sujeitos a partir de algo interior a
od V
ele como um plano individual, mas, como disse Felix Guattari, os indivíduos
aut
são como terminais dessa subjetividade exterior, dessas relações de forças,
como toda a produção social e material.50
R
Compreendendo que a subjetividade é forjada na relação de forças, pode-
-se concluir que esta não pode ser imutável, não pode possuir uma essência ou
o
uma identidade interior, mas deve sim ser compreendida como um processo
aC
que se forma a cada relação com a exterioridade, com um plano multifacetado
49 GUATARRI, Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo. Editora 34. Tradução: Ana Lúcia de
ver
or
Os corpos, como os endereços, são forças em relação com outras forças que
od V
irão afetar-se e modificar-se a cada relação. Os jeitos de ser, os espaços,
aut
a mídia, a linguagem, tudo isso são formas, mas são formas associadas
a forças que estão em relações de poder; são os terminais de Guattari.53
R
Os sujeitos e os espaços são terminais e estão sempre sendo afetados
e afetando outras forças, estão sempre em movimento, se formando (refor-
o
mando-se) nessas relações, aumentando ou diminuindo seu poder. Guizzo
aC
exemplifica essa discussão da seguinte forma:
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Isso não significa, no entanto, que não possam ser produzidos de forma fixa.
Nesse ponto, é preciso chamar a atenção para o entendimento de que a forma
fixa também é uma produção e que, portanto, tudo que é produzido pode ser
de outra forma, ou seja, toda forma, mesmo fixa, é passível de mudança.55
Subjetividade é elemento da ordem da micropolítica porque produz relações
par
mesmo tempo, elas estão sempre juntas. A subjetividade está aí, dispersa, flu-
tuante, metamorfoseando-se entre as relações de poder, esperando ser captada
por uma análise micropolítica. Guattari nos apresenta em sua teoria uma ideia
s
53 GUIZZO, Iazanna. Micropolíticas Urbanas. Revista de Arquitetura e Urbanismo (UFF). Rio de Janeiro, v. 10,
n. 23, 2013.
54 Ibid, p. 9.
55 Ibid, p. 7.
488
or
A subjetividade não se situa no campo individual, seu campo é o de todos
od V
os processos de produção social e material. O que se poderia dizer é que
aut
um indivíduo sempre existe, mas como terminal.57
R
subjetividade do autor, considerando-a, por exemplo, como algo que comporte
de tudo um pouco, numa espécie de arcabouços de elementos gerais.58 Mais
o
que isso, a subjetividade é produção, veja:
aC
56 Nesse ponto, não devemos compreender apreensão como ato que o indivíduo traz para si e guarda per-
ver
manentemente, mas como elementos que são apreendidos e que, eventualmente, podem ser modificados
por forças constantes que o atravessa.
57 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
58 SOARES, Fábio M. A produção de subjetividade no contexto do capitalismo contemporâneo: Guattari e
Negri. Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 118-126, jan.-abr. 2016.
59 SOUZA, David B. A subjetividade maquínica em Guattari. 2008. 125 f. Dissertação (mestrado) Universidade
Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 489
or
cuito social que é da ordem da micropolítica. Nesse sentido, a subjetividade
se constitui em elemento que produz e, ao mesmo tempo, é produzido pelos
od V
vultos de poder que perpassam sua estrutura flexível, alimentando, assim,
aut
a realidade mesma. É nesse ponto que os indivíduos e a sociedade na sua
acepção macro acaba sendo condicionados por mecanismos (dispositivos) de
R
poder que exercem controle através de estruturas macropolíticas como a mídia,
o estado, as produções técnico-científicas etc. No sentido de reposicionar o
o
sujeito, possibilitando certa autonomia frente a esses raptos de subjetividade
aC
cotidianos realizados pelas instâncias e relações de poderes que Guattari vai
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
O Molecular e o Micropolítico
visã
60 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
61 SOARES, Fábio M. A produção de subjetividade no contexto do capitalismo contemporâneo: Guattari e
Negri. Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 118-126, jan./abr. 2016.
490
or
A estratégia do capitalismo contemporâneo consiste em capturar a potência
od V
revolucionária nela implícita, isto é, se apropriar da dimensão do tempo
como fundamento da multidão. Uma vez efetivada a captura, a produção
aut
de subjetividades passa a se orientar segundo uma lógica dita transcen-
dental, na qual a potência constituinte é expropriada num processo de
R
ordenação temporal, numa normatividade transcendente preestabelecida.
E é nesse sentido que o consideramos funestamente como um empreen-
o
dedor ontológico.62
aC
62 Ibid, p. 119.
63 SOARES, Fábio M. A produção de subjetividade no contexto do capitalismo contemporâneo: Guattari e
Negri. Revista de Psicologia, v. 28, n. 1, p. 118-126, jan./abr. 2016.
64 ZAMBONI, J.; BARROS, M. E. B. de. Um clínico da atividade desejante no campo social: Félix Guattari.
Revista Polis e Psique, Vila Velha, v. 2, n. 1, p. 23-42, set./dez. 2012.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 491
or
mas “não nos indivíduos ou grupos somente, mas principalmente na potência
heterogênea que se afirma no plano de imanência como base das novas singu-
od V
larizações neles perceptíveis.”65 A micropolítica, por sua vez, concerne a “uma
aut
linha muito diferente da precedente, uma linha de segmentação maleável ou
molecular, onde os segmentos são como quanta de desterritorialização”66. O
R
que é importante perceber é que, na perspectiva dos autores, “essa linha mole-
cular mais maleável [...] não é simplesmente interior ou pessoal.67 Em outras
o
palavras, há uma multiplicidade molar, composta por sedimentações, “esta-
dos”; e uma multiplicidade molecular, constituída por fluxos, devires, veja:
aC
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66 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
ver
or
rindividual)”72. Cabe dizer que no plano molecular a própria “distinção entre
od V
o social e o indivíduo perde todo sentido”73. Em outras palavras, percebemos
aut
que a dicotomia social e individuo concerne ao plano molar, não ao molecular.
R
molecular e micropolítica à fragmentação, indivíduo e lutas periféricas
em oposição à totalidade, social, lutas globais. Vimos que a micropolí-
o
tica e a macropolítica, cada uma a seu modo, visam tanto aos problemas
aC
individuais quanto aos problemas sociais globais.74
Forjei, com Gilles Deleuze, uma expressão que pode parecer paradoxal,
mas que nos foi muito útil em nossa reflexão: é o conceito de “maquina
ão
urna pulsão orgânica, nem algo que estaria sendo trabalhado, por exemplo,
pelo segundo princípio da termodinâmica, sendo arrastado de maneira
inexorável por uma espécie de pulsão de morte. O desejo, ao contrário,
teria infinitas possibilidades de montagem.75
or
ção de desejo, e consequentemente, aclarar os mecanismos de poder presentes
no âmbito micropolítico. A compreensão da subjetividade e, consequente-
od V
mente, do desejo possuem um caráter coletivo. Desta forma, ultrapassamos a
aut
concepção clássica de que a subjetividade e o desejo são da ordem individual,
para uma perspectiva que vislumbra uma existência coletiva de ambos.76 O
R
desejo transcende os espaços individuais ou familiares, passando a ser um
construto social, que não é espontâneo, mas regidos por diversos agenciamen-
o
tos que nos transpassam cotidianamente. Félix Guattari afirma que:
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega
par
pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é
apenas uma questão de ideia, [...] trata-se de sistemas de conexão direta entre
Ed
75 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
76 GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
77 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
78 Ibid, p.27
79 Ibid, p. 28.
494
or
mecanismo que condicionam os conteúdos de desejos e destes dependem
numa relação de causalidade permanente.
od V
aut
Significa dizer que o sistema capitalista é capaz como ninguém de liberar
desejos e ações para, em seguida, controlá-los (descodificação e dester-
R
ritorialização de um lado e sobrecodificação reterritorializante de outro).
Instaura-se um fenômeno de serialização hierarquizante, no qual todos
o
os desejos desterritorializados são habilmente controlados, deixando o
indivíduo inoperante para interagir consigo mesmo e com o outro em
aC
80 ALVIM, Davis M. A megamáquina política: poder, resistência e deserção. Revista de Estudos Sociais: Campo
Grande, v. 14, n. 36, 2013.
81 PEIXOTO JR.; LAUREANO, PEDRO S. Dois desejos, dois capitalismos. Revista Lugar comum: Rio de
Janeiro, v. 21, n. 37-38, p. 63.
82 ALVIM, Davis M. A megamáquina política: poder, resistência e deserção. Revista de Estudos Sociais: Campo
Grande, v. 14, n. 36, 2013.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 495
or
sociais que perpassam. O conceito de máquina se insere tanto no campo cor-
od V
poral, da materialidade tecnológica, quanto no campo incorporal ou invisível.
aut
Essa dupla utilização é um dos motivos da dificuldade de se compreender
que o termo máquina pode ser usado tanto como produto como produtor
de subjetividades e desejos.84 O interessante nessa linha teórica é que nós
R
também fazemos parte destes fluxos materiais, podendo-se até mesmo ser-
mos compreendidos como máquinas. Máquinas que se expandem, contraem,
o
se arranjam, se desarranjam no processo contínuo de produção de desejos.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
83 GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
84 SOUZA, David B. A subjetividade maquínica em Guattari. 2008. 125 f. Dissertação (mestrado) Universidade
Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza.
85 DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, p. 514, 2010.
86 ALVIM, Davis M. A megamáquina política: poder, resistência e deserção. Revista de Estudos Sociais: Campo
Grande, v. 14, n. 36, 2013.
496
or
Diante disso, não devemos compreender o sentido de produção como
od V
ato que produz produtos independentes, que passam a desprender-se de sua
aut
instancia produtora, munido de autonomia frente a teia social. Ao contrário,
R
Produção não é só produção de coisas materiais e imateriais no interior de
campos de possíveis, quer dizer, produção de produções, de bifurcações,
o
de desequilíbrios criadores, de engendramentos a partir de singularida-
des, chegando até, finalmente, a ideia de auto-engendramento a partir de
aC
87 SOUZA, David B. A subjetividade maquínica em Guattari. 2008. 125 f. Dissertação (mestrado) Universidade
Federal do Ceará, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Fortaleza.
88 PELBART, P. Um direito ao silêncio. Cadernos de subjetividade - PUC. São Paulo, 1993.
89 Ibid, p. 44.
90 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 497
or
só podemos inventá-las traçando-as efetivamente, na vida. [...] quais são
suas próprias linhas, qual mapa você está fazendo e remanejando, qual
od V
linha abstrata você traçará, e a que preço, para você e para os outros?
aut
Sua própria linha de fuga? [...] Você se desterritorializa? Qual linha você
interrompe, qual você prolonga ou retoma, sem figuras nem símbolos?91
R
É neste sentido que a revolução molecular, proposta por Guatarri (1977),
o
pode ser compreendida como uma forma de resistência, que funciona no
âmbito da diferença e da multiplicidade. Afinal, ela visa criar pontos de ruptura
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
91 DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O anti-édipo: capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, p. 514, 2010.
92 PEIXOTO JUNIOR, C. A. A lei do desejo e o desejo produtivo: transgressão da ordem ou afirmação da
diferença. Singularidade e subjetivação: ensaios sobre clínica e cultura. Rio de Janeiro: 7 letras/ Editora
PUC-Rio, 2008. p. 83-99.
93 GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
94 PEIXOTO JUNIOR, C. A. Sobre o corpo social como espaço de resistência. Singularidade e subjetivação:
ensaios sobre clínica e cultura. – Rio de Janeiro: 7 letras/ Editora PUC-Rio, 2008. p. 100-112.
498
or
autonomia.96 Isso ocorre porque os dispositivos de saber-poder temem que a
desterritorialização absoluta ocorra, pois essas ameaçam a organização sócio-
od V
-política e todo seu aparato de controle e, por isso, estão constantemente lutando
aut
para evitá-la. É nesse sentido que se pode concluir que o devir minoritário e
a potência criativa são os meios fundamentais de resistência: “A arte é o que
R
resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infâmia, à vergonha”.97 A partir disso,
é possível depreender que a criação constante de linhas de fuga é o que possi-
o
bilita a ampliação dos espaços de singularização que, por sua vez, propiciam a
aC
invenção de novas formas de pensar, sentir, de se colocar no tempo e espaço,
or
processo revolucionário no âmbito da molecularidade, está no cruzamento da
od V
política e da micropolítica e, por isso, deve ser interpelada, para não incorrer
aut
no jogo da reprodução de modelos que impedem a criação de saídas para os
processos de singularização.102 Mais do que isso, por mais agudas e brilhantes
que sejam as ideias e as estratégias, por mais corajosas que sejam as ações,
R
e por mais êxitos que tenham em estabelecer novas estratégias de luta, elas
podem acabar por resultar em uma reacomodação da cartografia vigente se
o
não se acompanharem de um deslocamento no plano micropolítico.
aC
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desejos autônomos.
Consideração finais
Então foi possível perceber cada linha escrita pelo jovem Étienne de la
Boétie. O povo, tomado pela potência de mudar, descobriu que “aquele que
101 GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987
102 GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Rio de Janeiro: Vozes, 1996.
103 ROLNIK, S. Entrevista intitulada: a hora da micropolítica. Folha: 01 maio 2015. Concedida ao Goeth Institut.
500
tanto vos domina não tem senão dois olhos, duas mãos e um corpo e em nada
difere do homem comum.” O que é isto senão espasmos de uma revolução
molecular? Que campo de luta é esse senão o da micropolítica? A energia celu-
lar que impulsionou cada músculo fonador a emitir sons de revolta, o pequeno
gesto – uma resposta micropolítica diante de um acontecimento macropolítico
– que deflagrou a coragem em sujeitos que alimentavam o desejo latente da
liberdade. As revoluções moleculares ocorrem assim: na surdina do medo,
or
nos corredores dos afetos, na tomada de controle dos desejos. Elas agitam-se
od V
e alimentam-se na revolta, na implementação de novas práticas, rompendo
aut
com a mesmice escravizadora do cotidiano.
A força disruptiva das revoluções moleculares é criar zonas autônomas
frente a desertos quase infinitos de condicionamentos subjetivos. É possibilitar
R
que cada um seja uma anomalia, que as relações se estabeleçam na própria
diferença, na capacidade de compor a subjetividade para além dos limites
o
normalizantes, nas singularidades que se compõe e se multiplicam. Mais do
aC
REFERÊNCIAS
ALVIM, Davis M. A megamáquina política: poder, resistência e deserção.
Revista de Estudos Sociais: Campo Grande, v. 14, n. 36, 2013.
or
Rio de Janeiro: Editora 34, p. 514, 2010.
od V
GUATARRI, Felix, Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo. Edi-
aut
tora 34. (tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. 2006.
R
GUATTARI, F. Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. 3. ed.
São Paulo: Brasiliense, 1987.
o
aC
GUIZZO, Iazanna. Micropolíticas Urbanas. Revista de Arquitetura e Urba-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
83-99.
Ed
or
126, jan.-abr. 2016.
od V
aut
SOUZA, David B. A subjetividade maquínica em Guattari. 2008. 125 f. Dis-
sertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Programa de Pós-Gra-
duação em Psicologia, Fortaleza.
R
ZAMBONI, J.; BARROS, M. E. B. de. Um clínico da atividade desejante no
o
campo social: Félix Guattari. Revista Polis e Psique, Vila Velha, v. 2, n. 1, p.
aC
23-42, set./dez. 2012.
or
od V
Rafael Coelho Rodrigues
aut
Silvio Ricardo Munari Machado
R
E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
o
Tempo, tempo, tempo, tempo
aC Não serei nem terás sido
Tempo, tempo, tempo, tempo
(Caetano Veloso)
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visã
Introdução
Este artigo tem como finalidade realizar uma análise do modo como
itor
Pedagogia e Psicologia
or
constituintes de muitos aspectos da psicologia moderna e contemporânea.
od V
aut
Desde o final do século XIX, com a necessidade do campo da educação
se estabelecer na constelação dos saberes científicos, o recurso aos con-
ceitos e às técnicas de investigação da psicologia foi importante para o
R
seu reconhecimento enquanto uma disciplina científica, tanto que foram
instituídos novos campos de conhecimento como a psicologia educacional
o
e a psicopedagogia (CÉSAR, 2004, p. 138)
aC
Não bastasse ser chocante pensar desta forma na escola, acusada cons-
tantemente de não fazer uma boa “gestão do tempo”, eles avançam em suas
provocações (p.26):
s
ver
Em outras palavras, a escola fornecia tempo livre, isto é, tempo não pro-
dutivo, para aqueles que por seu nascimento e seu lugar na sociedade (sua
“posição”) não tinham direito legítimo de reivindicá-lo. Ou, dito ainda
de outra forma, o que a escola fez foi estabelecer um tempo e espaço que
estava, em certo sentido, separado do tempo e espaço tanto da sociedade
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 505
(em grego: polis) quanto da família (em grego: oikos). Era também um
tempo igualitário e, portanto, a invenção do escolar pode ser descrita como
a democratização do tempo livre.
or
Dentre as táticas de domesticação104 encontramos a pedagogização e a
od V
psicologização. A pedagogização diz respeito à privatização do espaço público
aut
escolar pelas demandas familiares. Aqui, é importante estabelecer uma distin-
ção entre o espaço da família e o espaço da escola: a escola não é nem uma
família, nem um lar (p. 115). A tática da psicologização, por sua vez, repre-
R
senta uma ameaça ao instaurar uma tendência de “substituir o ensino por uma
forma de orientação psicológica” (p. 126), tornando o ato de levar em conta o
o
mundo psicológico do aluno uma condição necessária para o ensino (p. 127).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
de crianças e adolescentes que não cabem nas formas prescritas.
od V
Lemos (2019) cita Ortega (2008), para quem o termo medicalização
aut
surge, no início da década de 1960, no campo da sociologia da saúde, em
uma análise que avalia o aumento de questões do cotidiano da vida social que
R
são, cada vez mais, atreladas à clave medicalizante, de forma reducionista.
Para Ortega (2008) (2010), este processo de medicalização é parte da
constituição de uma cultura somática amplamente medicalizada, tanto em
o
uma dimensão social quanto nas dimensões históricas, econômicas e políti-
aC
Sendo assim, vai se construindo uma série de práticas através das quais o
investimento na produção de um corpo saudável, considerado neste momento
Ed
como o próprio Estado, vai se delineando não como uma força de trabalho,
mas como força estatal. Assim, uma medicina de Estado vai se desenvolvendo
em meados do século XVIII.
ão
Essa medicina social se constrói não tendo somente o corpo como ins-
trumento de intervenção. É o processo de urbanização no século XVIII na
Europa, com o desenvolvimento das estruturas urbanas, que se desenvolve, na
s
or
que é neste momento com o aumento quantitativo da pobreza nas cidades que os
od V
pobres vão sendo considerados como um perigo. Um perigo tanto político quanto
aut
sanitário. A partir da epidemia de cólera em 1832, iniciada em Paris e depois alas-
trada por toda a Europa, se cristalizou uma série de medos da pobreza, fazendo
com que acontecesse uma divisão do espaço urbano em espaços ricos e pobres.
R
Assim, uma assistência controlada surge aos pobres. Uma intervenção
médica que é tanto uma forma de ajuda quanto uma forma de controle, atra-
o
vés da qual “as classes ricas ou seus representantes no governo asseguram
aC
a saúde das classes pobres e, por conseguinte, a proteção das classes ricas”
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e vida, não apenas face às doenças, mas especialmente voltadas à gestão dos
Ed
or
fármacos, entre outras classes farmacológicas, nestes grupos populacionais.
od V
No caso do uso de psicofármacos no sistema escolar, o Relatório reco-
aut
menda atenção ao uso de medicamentos para o tratamento do Transtorno de
Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade (TDA e TDAH). Segundo o
documento, o Relatório da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes
R
(JIFE)105, sinaliza que a partir dos anos 2000, o uso do metilfenidato cresceu em
todo o mundo, acompanhado das discussões sobre o seu mau uso. Em 2014,
o
foram fabricadas 62 toneladas desse fármaco, e em 2016, esse número aumen-
aC
tou para 74 toneladas, a maior taxa já observada (BRASIL, 2018). O Brasil
105 Naciones Unidas. Informe de la Junta Internacional de Fiscalización de Estupefacientes (JIFE) correspon-
diente a 2017. Viena, 2018 eISBN: 978-92-1-363141-6 ISSN 0257-3733. Disponível em: http://www.incb.
s
org/documents/Publications/AnnualReports/AR2017/Annual_Report/S_2017_AR_ebook.pdf.
ver
106 United Nations. Psychotropic Substances International Narcotics Control Board in 2017. Nova Iork. 2018
ISBN: 978-92-1-048168-7. eISBN: 978-92-1-363146-1. ISSN: 0253-9403. Disponível em:
https://www.incb.org/documents/Psychotropics/technicalpublications/2017/Technical_Publication_2017_
English_04042018.pdf
107 Brasil. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Boletim Brasileiro de Avaliação de Tecnologias em Saúde
(BRATS). Metilfenidato no tratamento de crianças com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
ISSN 1983-7003 Ano VIII nº 23| março de 2014.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 509
or
em uma leitura restrita e naturalizada dos aspectos sociais. Nessa concepção,
características comportamentais são tomadas apenas a partir da perspectiva
od V
do indivíduo isolado, que passaria a ser o único responsável por sua inadapta-
aut
ção às normas e padrões sociais dominantes. A medicalização é terreno fértil
para os fenômenos da patologização, da psiquiatrização, da psicologização
R
e da criminalização das diferenças e da pobreza (2015, p. 01).
o
zante que passa a funcionar de modo dependente dos saberes de especialistas
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
modos de subjetivação, a partir dos quais, nos identificamos com a vida idea-
lizada. As singularidades da existência, concebidas e avaliadas a partir de
critérios estatísticos e biológicos regidos por padrões, aniquilam o múltiplo,
ão
sendo que o poder só existe em ato. Pensar o poder, deste modo, é partir da
premissa que o poder produz, como diz o autor. O poder tem uma positivi-
dade, pois opera por táticas e normas e não apenas por leis e imperativos de
dominação das condutas. “As práticas de poder são dinâmicas e relacionais,
operam por meio de ações sobre ações, força em agenciamento com outras
forças. Poder não é uma composição dual de forças opostas; as relações de
poder são múltiplas e sempre operam entrecruzadas” (LEMOS, 2019).
or
No entendimento do poder como relação entre forças que contribui para o
od V
processo de produção de subjetividades no contemporâneo, entende-se como
aut
a biopolítica se capilariza nos modos de existência, regendo a vida e suas rela-
ções. Guattari (2005) elabora o que denomina funções da economia subjetiva
capitalística. Segundo ele, a culpabilização, a segregação e a infantilização
R
seriam funções deste modo de produção subjetiva que se dá no capitalismo
mundial e integrado. Aqui, entende-se que o processo de medicalização tam-
o
bém pode ser compreendido como uma função da economia subjetiva capi-
aC
talística, uma vez que se relaciona com fatores comuns aos demais, como
or
as variações das experiências passam a ser totalizadas e idealizadas. Deste
od V
modo, o pensamento alicerçado sobre modos totalizantes de pautar a vida,
aut
com base num ideal ou numa moral, constroem a partir destas verdades sen-
tenças e aprisionamentos do movimento de variação que é o viver. Assim,
apontamos uma ampliação do processo de medicalização da sociedade como
R
forma de gestão do corpo social para uma medicalização que se torna também
uma racionalidade determinista e um modo estreito de lidar com a variação
o
diferencial da existência. Processos de subjetivação.
aC
Compreendendo o exposto até o momento, entende-se o processo de
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com o que já se sabe antes mesmo dele acontecer. Não há espaço aqui para a
diferenciação. Nada acontece com o acontecimento em nós.
Concordamos com Machado (2014) quando esta autora enfatiza que o
processo de medicalização é discursivo, com um modo de pensar totalizante,
é afeto, sensação, modo de vida, tendo, pois, vários aspectos envolvidos, não
par
entendida como exposto acima. Este trabalho de análise precisa abarcar três
esferas cruciais da existência: a relação com os afetos, o regime de raciona-
lidade e a percepção do tempo.
s
ver
or
como demonstrou Deleuze (2004), numa ação agonística (FOUCAULT, 2006b).
od V
Pedagogias e psicologias que a partir do modo como são praticadas
aut
em ato, possibilitam o rachar das formas (DELEUZE, 2007) para que novas
formas se produzam. Rachar as formas diz de uma atitude filosófica (Fou-
cault, 2010) no qual a pedagogia e a psicologia se aliando às forças do mundo
R
e da vida, problematizam as demandas que lhes chegam. De práticas colocadas
no lugar da resolução dos problemas a um lugar entre seus campos discipli-
o
nares, no qual se consegue analisar essas demandas e perceber aquilo que as
aC
atravessam. Transdisciplinaridade. Deste modo, crianças com dificuldades de
or
a psiquiatrização, a criminalização de existências.
od V
Ao ocupar um lugar sem lugar (U-topos) (PASSOS; BENEVIDES, 2004),
aut
no entre disciplinas, saberes e práticas constituídas e tantas vezes enrijeci-
das, este método possibilita que vivenciemos a composição dos elementos
diferentes, heteróclitos, disparatados, que sustentam a composição daquele
R
dispositivo (OLIVEIRA; VICENTIN; MASSARI, 2018). Acessar/habitar
esses dispositivos híbridos, um tanto confusos, objetiva explicitar suas tensões,
o
a partir das quais a heterogeneidade das práticas apareça para a análise e não
aC
sejam caladas por verdades ou palavras de ordem contra isso ou aquilo, ou seu
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In[ter]venções clínicas
par
que não podemos perder a luta pelo imaginário da nossa própria existência!
ver
or
ambiente caótico. Cheio, mas muitas vezes, estranhamente, silencioso. Algu-
mas, o silêncio era quebrado por reclamações ao serviço. Quando se apre-
od V
sentavam para as famílias e tentavam iniciar um grupo na sala de espera,
aut
encontravam resistência. Quando puxaram papéis em branco e lápis, rapida-
mente, as crianças que estavam ao lado das responsáveis, se aproximavam
R
e começavam a conversar, a desenhar, a brincar. O silêncio monótono era
quebrado com a vivacidade infantil.
o
O movimento das crianças fazia com que as responsáveis também se
aC
movimentassem. Começavam a se aproximar, uma da outra, a conversar.
vez, não. Porém, o que problematiza-se é o modo como temos lidado com o que
escapa ao que está instituído e normalizado. Se crianças iniciam a ingestão de
Ed
nesta linha reta em direção a uma vida privada daquilo que pode? A questão no
ver
Tempo crono-lógico
or
- DSM-V uma tendência, já encontrada nas versões anteriores, de ser “um
od V
agrupamento de patologias sem consistência epistemológica, com forte ten-
aut
dência a multiplicar os diagnósticos psiquiátricos” (CAPONI, 2016, p. 29).
Essa autora o vincula com o dispositivo de saber-poder próprio das sociedades
liberais e neoliberais, denominado por Foucault (2008b) como dispositivo de
R
segurança, uma vez que identifica que este dispositivo encontra-se centrado
na lógica da prevenção e da antecipação de riscos, se aproximando, assim, da
o
psiquiatria do desenvolvimento da infância e adolescência que vai entender
aC
que os transtornos mentais são “comportamentos disfuncionais que se sucedem
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servação das formas e dos hábitos em nós, e como se faz necessário a criação de
dispositivos e agenciamentos na medida das possibilidades que consigamos pôr
para funcionar, em prol da abertura para espaços/tempo de singularização. Skolé!
Caliman (2016) menciona um trabalho em grupo com mães de crianças
diagnosticadas e medicadas, no qual buscam construir juntos com as respon-
par
urgências, com a demanda por respostas rápidas e únicas. Tempo que abre
espaço para a dúvida e a incerteza que só podem ser vividas quando coleti-
vamente sustentadas” (CALIMAN, 2016, p. 59). Cita Mol (2008), para quem
s
or
e desvios, não estamos patologizando comportamentos e modos de vida diferen-
od V
ciais? Um pouco do movimento que Lancetti (2015) descreveu denominando de
aut
contrafissura em relação às políticas públicas para a atenção ao uso de drogas.
Ou dizendo de outro modo: ao buscar prevenção e mitigar riscos futuros,
os diagnósticos construídos a partir da lógica do DSM-V, não buscam antecipar
R
um futuro, negando a esse, justamente seu tempo de criação?
o
Habitar o dispositivo e cultivar outros tempos (aion-lógicos,
aC
uma ideia nova, uma ideia tempo que será desenvolvida em uma atividade
criativa” (MACIEL, 2007, p. 57).
Neste sentido, partindo da perspectiva de Bergson (2010), estamos com-
s
nado, atividade que supõe experimentações sensoriais que podem nos retirar
do âmbito dos hábitos consolidados pelos interesses práticos da existência, a
partir dos quais condicionam automatismos interesseiros, comprometidos que
estão com uma inteligência que só percebe representações, tidas como clichês,
ou seja, circuitos já trilhados a serviço da recognição (MACIEL, 2007).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 517
or
após o trânsito nas estradas da medicalização, já buscam diagnósticos e tera-
od V
pêuticas que lhes mostrem resolutividade no menor tempo possível, já que
aut
entende-se que ao não aprender ou ter dificuldades escolares, a criança está
“perdendo tempo” e sua família também, uma vez que precisam ficar sem
trabalhar nos dias ou horários de consultas nos distintos serviços. Conforme
R
escreveram Masschelein e Simons (2018): “hoje, um aparato de detecção e
classificação de alcance cada vez mais longo foi desenvolvido em nome da
o
garantia de um futuro para os nossos filhos (e nós mesmos)”.
aC
O que problematiza-se diretamente à pedagogia e a psicologia é o modo
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como estas práticas têm lidado com esse tempo da análise, da ponderação,
da inquietação que, ao que tudo indica, se esvai. “Nunca se sabe como uma
pessoa aprende; mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio
visã
de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos”
(DELEUZE, 1987, p. 22, itálico nosso)
Interpela-se: como podemos contribuir em nossas práticas com a abertura
itor
dos quais os outros nos reconhecem como competentes, não estamos tantas
Ed
or
redistribuição da singularidade, buscando a construção de novos agenciamentos
od V
concretos, materiais, inventar combinações que atualizem as novas poten-
aut
cialidades de vida, não as deixando, com isso, serem esmagadas em antigos
agenciamentos. A injunção de uma nova sensibilidade, novos desejos e afetos.
Assim, o acontecimento cria o possível, que por sua vez não está dado a partir
R
do acontecimento. Precisa ser criado. É uma questão de vida. O acontecimento
cria uma nova existência, produz uma nova subjetividade (DELEUZE, 2016 ).
o
Criar o possível é criar o agenciamento espaço-temporal coletivo inédito,
aC
parece poder acontecer: tudo tem, de saída, a forma do que já estava presente,
do que já está totalmente feito, do preexistente (ZOURABICHVILI, p.349).
Ed
Deleuze, citando Bergson, diz que nós percebemos sempre menos, per-
cebemos sempre o que estamos interessados em perceber, devido aos inte-
ão
e precisa ser tratada, contida; Lidar com supostas incapacidades ou uma menor
ver
Fechamos as brechas, por onde ele surgia. Damos um sentido, uma razão, um
sentimento. Ficamos seguros pois julgamos saber onde estamos e o que está
acontecendo. Medicalizamos.
or
Ter um tempo para durar. Subjetivar-se. Deixar ressoar um acontecimento
od V
que vai nos devir-outro. Possibilitar a produção de um pensamento. Criação.
aut
Criação de si e do mundo (KASTRUP, 2007). Quando perdemos a conexão
com o real ao lidar com ele a partir de marcas em nós, pela recognição e inva-
R
didos por clichês, o mundo perde sua realidade. “Decalca-se o transcendente
sobre o empírico, concebendo-o à imagem do atual ou da representação.
o
Evacua-se do campo do pensamento, de saída, o novo ou o acontecimento”
(ZOURABICHVILI, 2000). Este autor ressalta que, nessa situação sabe-se,
aC
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signos. Segundo Deleuze (2010), só ocorre pensamento quando algo nos força
a re
sidade daquilo que ele faz pensar. É uma criação, portanto, a gênese do ato
de pensar no próprio pensamento. Pensar é, neste sentido, sempre interpretar,
Ed
or
-se em algo distinto de ciências que criam recursos, ferramentas, conceitos,
od V
aparatos para enquadrar, moldar, imobilizar os corpos e as vidas que vivem,
aut
experimentam, criam modos singulares de habitar a existência?
Ao analisar o caso da medicalização vimos que tais ciências, ao serem atra-
R
vessadas pela diferença, podem atualizar formas hegemônicas de controle de vidas
e de corpos, esvaziando espaços públicos e comuns de condições para dar potência
a crianças e familiares que não cessam de atravessar os mares tempestuosos da
o
medicalização, de instituição em instituição, de dispositivo em dispositivo.
aC
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s
ver
ver
Ed
s ão itor
par aC
a re
visã R
od V
o aut
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
O ESTADO BRASILEIRO E AS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
NO CONTEXTO NEOLIBERAL:
or
o currículo multi e intercultural e
od V
suas perspectivas e desafios108
aut
R
Oberdan da Silva Medeiros
o
Introdução
aC
O objetivo deste capítulo é discutir as políticas educacionais brasileiras
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108 Este texto, cujo caráter é exploratório, é fundamentado em reflexões que expressam a relação sobre o meu
objeto de estudo, Educação em diálogo com a questão racial e cultura humana, à luz dos Estudos Pós-
-Coloniais como possibilidade analítica, teoria/tema abordado em textos científicos apresentados e debatidos
ao longo do ano de 2020 no período de “Isolamento Social” por conta da pandemia de Covide-19 que se
instalou no mundo.
526
or
ceber um caráter contraditório da prática educativa que reflete o que temos no
od V
interior do sistema como um todo. Podemos entender que a organização da
aut
escola desde os fatores técnicos indo aos desdobramentos políticos, perpas-
sando pelos conteúdos, método e currículo se constitui como algo estranho aos
interesses e valores da classe trabalhadora, e por consequência disso os grupos
R
mais vulneráveis, como determina uma “exclusão” precoce do trabalhador.
No caso das populações negra, em especial a quilombola, e indígenas,
o
que são caracteristicamente populações do campo, de acordo com Fernando
aC
e Molina (2004), em sua relação com o essa proposta do Estado mínimo um
or
quando eclodem as escolas públicas-empresas, a filantropia e a proliferação de
od V
centenas de Ongs. Na década seguinte o esses movimentos pleitearam reivin-
aut
dicações em prol da Lei 4024/61 que defendia os princípios de liberdade e os
ideais de solidariedade humana. Legislaram a condenação a qualquer tratamento
desigual por motivo de convicção filosófica, política ou religiosa, bem como a
R
quaisquer preconceitos de classe ou de raça (SILVA JUNIOR, 1998).
Nesta perspectiva, observa-se o posicionamento crítico de Neves (2005),
o
quando afirma que há um conjunto de fatores que determinam à política edu-
aC
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ram vigor no decorrer desse último governo, com a promoção de ações afirma-
tivas109 para a abolição do preconceito e desigualdades sociais, em 31 de agosto
a 7 de setembro de 2001 foi realizada à Conferência das Nações Unidas Contra
ão
109 Ações afirmativas, segundo Amaro (2005, p. 74), diz respeito a “qualquer política que, operando com o
critério de discriminação positiva, vise favorecer grupos socialmente discriminados por motivo de sua raça,
religião, sexo e etnia e que, em decorrência disto, experimentam uma situação desfavorável em relação a
outros segmentos sociais”.
528
or
história assinala-se no Artigo 216 que “Constituem patrimônio cultural bra-
sileiro os bens de natureza material e imaterial. A política do Estado abre um
od V
precedente para superação das disparidades que existem entre as diferenças
aut
culturais. Como assegura o Artigo 5º inciso XLII, “a prática do racismo cons-
titui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos
da lei” (BRASIL 1988).
R
Vale frisar que o debate das questões etnicorraciais é recente no corolário
o
educacional brasileiro, podendo ser mais facilmente percebido por força da
aC
implementação das leis 10.639/03 e 11645/08, que versam sobre o estudo da
dos processos sociais de cidadania pelo poder público e um Estado que não
cumpre suas funções no que tange à educação.
Ed
pontual apenas depois da Segunda Guerra Mundial, com base numa proposta
de rever as atrocidades de Rither aos judeus. Paralelo a isso, discute-se a
pendência com relação à escravidão negra a partir do início da modernidade
s
or
As pressões advindas das frentes humanistas e multiculturalistas foram
od V
relevantes à constituição de programas e legislações que amparem e valo-
aut
rizem a história e as prioridades culturais das diferenças étnicas. Dentre os
resultados, durante a década de 90 “aprofundaram os conceitos de diversidade
R
cultural, desenvolveram o conceito de nação multiétnica e Estado pluricultu-
ral e reconheceram o pluralismo jurídico, assim como reconheceram novos
o
direitos étnicos” (FRANCO, 2012, p. 43).
aC
Assumindo-se um viés de enfrentamento das desigualdades sociais e raciais
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
ficas e mercadológicas para muito além das suas fronteiras. Aliás, fronteiras
ver
é uma questão quase que indizível para estes, uma vez que são a hegemonia
nas relações internacionais acerca do poder político simbólico que perpetuou
a desigualdade em detrimento das liberdades das diferenças culturais. Forta-
lecendo seu discurso colonizador apreenderam em grande parte aqueles que
julgavam seres inferiores. Em simetria, Pinto (p. 81, 2010) compreende que:
530
O discurso pode ser inicialmente definido como uma bem sucedida, mas
provisória, fixação de sentidos, daí que o conceito de discurso e a teoria
do discurso partem do princípio que as verdades anteriores ao discursos
não existem, isto dito de outra forma se coloca diametralmente na opo-
sição a posturas essencialistas, que pensam em uma realidade pré-dada,
que deve ser descoberta através da mediação da teoria. Para a teoria do
discurso, a verdade é uma construção discursiva, afirmação que não pode
or
ser confundida com a simplista ideia de que a verdade não existe.
od V
Nota-se que o discurso político de hierarquização das diferenças culturais
aut
conquistou apoio nas teorias do darwinismo e nas políticas positivistas. Uma
vez que o pensamento etnocêntrico no “plano intelectual, pode ser visto como
R
dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos de
estranheza, medo, hostilidade, etc.” (ROCHA, 1984, p.7). Freud explica esta
o
aversão ao diferente de si o qual é dado pela esquizofrenia do narcisismo.
Neste sentido, Fernandes (p. 75, 200) salienta que:
aC
Felix Keesing o autor defende que se uma criança européia for criada por
Ed
Estado obtém um certo poder próprio – é ele quem toma as decisões quanto
aos problemas, à legislação e ao curso do desenvolvimento econômico
e social. Ao eleitorado cabe o poder de decidir qual grupo de líderes
(políticos) ele deseja para levar a cabo o processo de tomada de decisão
(CARNOY, 1988, p. 53).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 531
or
tempo histórico. De tal modo, Pinto (2011, p. 92) compreende que:
od V
aut
Quanto mais se democratiza um país, mais haverá cidadãos falando de
seus problemas em locais não tradicionais da política. Portanto, no regime
democrático tende a haver uma democratização dos espaços, onde o discurso
R
político é enunciado. E quanto mais o discurso político for enunciado por
mais pessoas, mais democrático tende a ser o país e menos sentidos fixos
o
os discursos dominantes conseguirão deter. Já se disse que a democracia é o
regime da incerteza, poderíamos parafrasear dizendo que o discurso demo-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
Os movimentos abolicionistas cotejaram seus esforços junto a reorientações
jurídicas a partir da Lei Eusébio de Queiróz de 1850, que proibia o comércio de
od V
escravos negros na esfera mundial. Os países de economia escravocrata e não
aut
industriais continuaram a comercializar ilegalmente as sociedades africanas.
Neste cenário, eclodiu uma nova forma de lucratividade mercadológica dada
R
pelo tráfico de pessoas. Mediante as pressões oriundas do discurso político
desenvolvimentista civilizacional de caráter industrial, em 1871 instituiu no
o
Brasil a Lei do Ventre Livre que tinha como objetivo dar liberdade aos filhos
aC
de mulheres escravas nascidos a partir do ano em que foi vigorada a legislação.
110 Constituída na Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (FRANCO,2011)
ver
111 A referida jurisdição foi constituída em 1992 acerca de pactos Internacionais sobre:
Direitos Civis e Políticos adotados pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, em 16 de
dezembro de 1966 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0592.htm. Acessado em 18 de
julho de 2014, as 21 h.
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral das Nações
Unidas, em 19 de dezembro de 1966 http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_economicos.htm.
Acessado em 18 de julho de 2014, às 21: 12 min.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 533
or
No caso dos afrodescendentes a defesa pelos direitos civis e respeito à
cultura negra percorreu lado a lado no tempo histórico desde a escravidão. Isto
od V
também se aplica para com os indígenas, a saber que Barão (2005) constata a
aut
performances política dos Mbyá Guaranis112 desde o período da colonização
até a constituição do Estado moderno brasileiro. Em simetria, Franco (2011, p.
R
20 e p. 21) evidencia a visibilidade das organizações das sociedades indígenas
na arena política, a partir de 1940:
o
aC
Convenção sobre o Instituto Indigenista Interamericano (1940); Convê-
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sua migração ocorreu em grande escala por meio da tutela do Estado. Nesse
território as fronteiras das adversidades e multiplicidade que detém a cul-
tura indígena aproximaram-se, emergindo em conflitos sociais entre etnias
distintas e/ ou adversárias. Bem como, eclodiram conflitos entre indígenas,
par
Estado mercadológico que atua como uma mão-invisível e que está a mercê
das orientações das instituições econômicas privadas. Assim, a política desen-
volvimentista amazônida “ignora flagrantemente a associação histórica entre
ão
renegados. Franco (2011, p. 31) afirma que a partir dos anos 80 constitui-se
ver
112 E Etnia pertencente ao troco lingüístico dos Guarani, aos quais são ontologicamente compreendidos como
povos sul-americanos, proveniente dos países: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia. O tronco
lingüístico se subdivides entre os Kaiowá , Nhandéva e Mbyá . No Brasil os Guarani podem ser encontrados
vivendo entre o Espírito Santo e o Rio Grande do Sul (BARÃO, 2005)
534
or
pelas práticas e valores sociais, sendo legalizada juridicamente anos após.
Constata-se nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 1854 e 1878 que este
od V
direito legal foi restringido pelo Decreto nº 1.331, vigorado em 17 de fevereiro
aut
de 1854, o qual estabelecia que nas escolas públicas a adesão de escravos
estava a mercê da aceitação da escola. Tempos mais tarde, O Decreto nº 7.031-
R
A, legislado em 6 de setembro de 1878, limitava a presença negra na escola
ao período noturno (PERREIRA, 2007).
o
Nesse contexto, a governabilidade política brasileira configurou-se como
aC
Estado inoperante dos direitos civis e da igualdade. Amparada legalmente, a
zou a sua inclusão de forma satisfatória. Uma vez que a educação das sociedades
indígenas foi cotejada pela tutela das legislações curriculares ocidentais e pela
Ed
prática pedagógica dos não indígenas, ou seja, pela cultura de caráter europeu.
Nota-se que, foi necessário por parte dos movimentos negros a realização de
uma segunda abolição. Uma vez que, não se criou subsídios jurídicos por parte
ão
dos governos políticos e nem condições socioculturais plenas para a realização dos
direitos humanos. Como afirma o Jornal Quilombo, dirigido pelo militante negro
s
[...] era necessário lutar para que, enquanto não for gratuito o ensino em
todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do
Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficiais de ensino
secundário e superior do País, inclusive nos estabelecimentos militares
(QUILOMBO, 2003).
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 535
or
segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988).
od V
aut
A educação como produto da cultura
R
Ao longo de todos os tempos o homem em seus menores atos vem apri-
morando sua vivência e demarcando sua passagem pelo mundo. Mas, o que
o
influencia suas atitudes e faz adequar o mundo a sua volta? O ocidente sempre
valorizou a racionalidade e procura sempre descartar a possibilidade de o
aC
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homem buscar sua satisfação unicamente guiado por seus fatores biológicos
ou pela influência que o ambiente pode imprimir sobre o mesmo, comuns a
todos os animais e que condiciona sua herança genética. O que está por trás
visã
dessa atitude é o que podemos definir como cultura. Seus desdobramentos
podem acarretar situações em certa medida bastante conflitantes.
Em Todorov (1993), cultura sugere um movimento dialético entre a uni-
dade e a diversidade, entre o que o mundo universaliza e o que este relativiza,
itor
entre o que o mundo nos faz e o que fazemos no mundo. Neste sentido, pode-
a re
or
ou transmissão da cultura impõe uma “clara” oposição à ideia de inatismo.
od V
Neste aspecto devemos atribuir destaque ao papel da educação. Há ocor-
aut
rência em algumas sociedades de escolas formais, é cargo destas instituições
completar a transmissão da cultura que inicialmente se dá na família e nos
outros meios de socialização.
R
A cultura não é nem o mero outro social nem (como sucede com «civi-
o
lização») o seu idêntico, movendo-se simultaneamente com e contra o
aC
fio do progresso histórico. A cultura não é, assim, uma vaga fantasia de
tuem a cultura mas que estão mais próximo daquilo que classificamos como
a re
O homem foi diferenciado dos demais animais por ter a seu dispor duas notá-
veis propriedades: a possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabri-
s
or
das “linhas de tendência e direção”, logo, há um espaço para que ele sofra
od V
influências. No fim das contas, entretanto, essas linhas são “inexoráveis”.
aut
Até mesmo povos distintos apresentam determinadas características que
são inerentes ao homem maneira universal. Por que povos culturalmente tão
diferentes, que vivem em ambientes diversos, como os mongóis, os etíopes,
R
os europeus, podem ter comportamentos e atitudes que se assemelham? Amor,
religião, ódio, vergonha encontram-se em todas as culturas. Aqui cabe dialogar
o
com uma tendência natural a ser humano que em muito influencia os contatos
aC
entre culturas e os desdobramentos são adversos.
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a seu respeito constitui uma função lógica necessária que permite a ocorrência à
cultura, numa dada formação social, cumprir sua função político-ideológica de
legitimar e sancionar regimes de dominação de homens sobre outros homens.
ão
A verdadeira contribuição das culturas não consiste numa lista das suas
invenções particulares, mas na maneira diferenciada com que elas se apre-
sentam e são apreendidas. Em Stepan (2005) fatores políticos, econômicos,
sociais e culturais estão imbricados desde a elaboração de teorias científicas,
assim como em todas as práticas humanas, é por exemplo o debate que a
538
or
Conclusão
od V
aut
As políticas educacionais implantadas no Brasil, entre as duas últimas
décadas do século XX até o presente momento, denotam apontam para o des-
R
monte do estado desenvolvimentista para o modelo de políticas neoliberais
de terceira via, cuja principal característica é colocar em vigor práticas hege-
mônicas de submissão à classe dominante, em detrimento da grande parcela
o
da população, conferindo algum tratamento para assistir aos “excluídos”.
aC
negligência das garantias legais, não somente dos grupos indígenas e afro-
descendentes e sim de uma volumosa demanda social que paradoxalmente é
denominada como minoria.
As políticas culturais do Estado necessitam serem revistas minucio-
par
samente e refletidas a partir das vozes das minorias, para que possam ser
reelaboras à luz das suas prioridades. Visto que, o desrespeito e/ ou comercia-
Ed
lização ideológica dos signos das diferenças culturais não é capaz de abarcar
o desenvolvimento humano em si.
Vislumbra-se a relevância de discursos políticos educacionais e conhe-
ão
REFERÊNCIAS
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identidade étnica entre os Mbyá Guarani. Dissertação. PUC: Pontifícia Uni-
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23 jul. 2010, as 15:00.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
od V
Carla de Cassia Carvalho Casado
aut
Ícaro dos Santos Ferreira
R
Introdução
o
A neuropsicologia é um campo da neurociência que se propõe a estudar
aC
os princípios fundamentais que regem a organização funcional do cérebro,
suas principais unidades e o papel dos sistemas cerebrais individuais na orga-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
precocemente condições que podem interferir no desenvolvimento infantil.
od V
Assim, a proposta deste capítulo é descrever o protocolo de avaliação
aut
neuropsicológica utilizado em um ambulatório de neuropsicologia infantil.
Para tanto, optou-se por apresentar brevemente algumas particularidades refe-
R
rentes ao desenvolvimento neurológico da criança e em seguida descrever o
protocolo utilizado.
o
Avaliação neuropsicológica infantil
aC
continuam ocorrendo.
Um dos processos básicos inerentes ao funcionamento cognitivo e
s
morfológicas e/ou funcionais nas quais células neuronais alteram suas cone-
xões conforme a vivência de situações de estimulação ou restrição (Ismail et
al, 2017). Além disso, no curso do desenvolvimento existem períodos limitados
de tempo onde certas vias neuronais são altamente maleáveis, variando con-
forme regiões, sistemas neurais, comportamentos e funções correspondentes
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 545
or
FONTOURA; SALLES, 2019).
O ambiente físico e social determina a atividade de células neurais,
od V
cuja função, por sua vez, determina o comportamento (KANDEL; HAW-
aut
KINS, 1992). O ambiente fornece estímulos/informações que são captados
por receptores sensoriais e convertidos em impulsos elétricos, que são anali-
R
sados e utilizados pelo sistema nervoso central para o controle de respostas
vegetativas, motoras e cognitivas.
o
A maturação do sistema nervoso influencia o desenvolvimento da mente.
aC
Atos motores e cognitivos ocorrem à medida que a área do sistema nervoso
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or
• Avaliar e reavaliar para acompanhamento dos tratamentos cirúrgi-
od V
cos, medicamentosos e de reabilitação;
aut
• Basear a programação da reabilitação neuropsicológica.
R
A avaliação neuropsicológica reside num método de investigação
o
das funções cognitivas e do comportamento (MÄDER-JOAQUIM, 2010).
aC
Expressa-se através da administração de técnicas de entrevistas, observação
Entrevista clínica/anamnese
or
avaliação, o que será posteriormente confirmado na anamnese e na observação
od V
clínica do paciente.
aut
Na primeira entrevista, o motivo do encaminhamento, já identificado no
prontuário, será investigado e os cuidadores serão informados sobre o objetivo
da avaliação neuropsicológica e as etapas e procedimentos envolvidos no
R
processo avaliativo, a fim de proporcionar um bom acolhimento ao paciente e
seus cuidadores (DE PAULA; COSTA, 2016), bem como favorecer a adesão
o
ao processo investigativo.
aC
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surgir durante este processo (DE PAULA; COSTA, 2016). A seguir estão lista-
dos os principais tópicos que compõe a ficha de Anamnese utilizada no ANI.
2. MOTIVO DO ENCAMINHAMENTO
Ed
(Descrever como os sintomas surgiram e evoluiram até o momento do exame, o funcionamento da criança
antes de surgirem os sintomas, presença de diagnóstico neurológico, psiquiátrico prévio, identificar quem
observa os prejuízos da criança e em quais contextos, descrever as principais consequencias dos sintomas
na vida da criança, registrar hipóteses diagnóstica de outros profissionais que atendem a criança, registrar
ão
história de doença psiquiátrica ou neurológica na família e presença de limiitação sensorial e/ou motora).
3. HISTÓRICO DO DESENVOLVIMENTO
s
A. Gravidez B. Parto
Relação do casal durante a gestação: Quantas semanas de gestação
Pré-natal Tipo de parto
Consumo de substancias durante a gravidez Peso e altura
Complicações na gravidez escala Apgar
Cuidados intensivos após o parto
Problemas após o nascimento
548
or
F. Desenvolvimento social/afetividade (idade em que ocorreram os primeiros sorrisos, compartilha atividades
prazerosas com outras pessoas, demonstra preocupação quando as pessoas se mostram tristes ou doentes,
od V
iniciativa de aproximação ou interesse por outras pessoas, responde, mas não toma iniciativa as investidas
aut
de coetâneos)
G. Brincar (funcional/simbólico, sozinho e com os outros)
H. autocuidado
4. ATIVIDADES EDUCACIONAIS:
R
A. Início da vida escolar e Intercorrências
o
B. Quando e como se deu o processo de alfabetização
C. Dificuldades de aprendizagem
aC
D. Escola que estuda atualmente, município, série atual, turno e escola (pública ou privada)
D. Acompanhamento profissional:
a re
A observação lúdica
será investigada.
A avaliação com a criança ocorre inicialmente de forma lúdica, com uso
de brinquedos e objetos pedagógicos, e posteriormente de forma estruturada,
ão
or
habilidades motoras e conhecimento básico relacionados ao contexto escolar.
od V
Tais estratégias favorecem a adequada seleção dos instrumentos formais que
aut
serão utilizados, além de permitir que o avaliador sustente as hipóteses ini-
ciais ou que evidencie novas hipóteses. A observação lúdica não segue uma
padronização, contudo, para facilitar sua execução foi elaborado um pequeno
R
roteiro, descrito na figura 2.
o
aC
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visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
Figura 2 – Ficha de observação lúdica
550
or
Para escolher adequadamente os instrumentos é necessário conhecer
od V
as ferramentas e testes disponíveis para avaliar a condição em evidência,
aut
saber se a opção escolhida é adequada ao perfil da criança e conhecer
evidencias cientificas que justifiquem o seu uso na prática profissional
(RESOLUÇÃO CFP 009/2018).
R
Tendo identificado os instrumentos a serem utilizados o profissional
deve reconhecer se compreende todo o processo de aplicação, correção e
o
interpretação do instrumento escolhido, bem como o seu embasamento teórico.
aC
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or
od V
Instrumento que avalia o funcionamento do
aut
desenvolvimento de bebês e crianças pequenas,
Marcos do
Escala Bayley III de 1 a 42 meses de idade. Avalia cinco domínios:
desenvolvimento
cognitivo, linguístico, motor, socioemocional e
R comportamento adaptativo
o
Instrumento que avalia crianças entre 1 e 60
meses. Avalia 5 áreas do desenvolvimento:
ASQ 3
aC
comunicação, coordenação motora ampla,
Avaliação do
Instrumento utilizado para avaliar o
comportamento
comportamento adaptativo das pessoas desde
o nascimento até a idade adulta (90 anos).
Escala de comportamento O instrumento consiste em uma entrevista
adaptativo Vineland-3 semiestruturada em formato de questionário, que
permite compreender as necessidades individuais
par
Inteligência geral
ver
or
od V
Tabela 2 – Sugestão de instrumentos para avaliação de escolares
aut
Habilidades Instrumento Descrição
o
social e os problemas de comportamento com
aC
crianças e adolescentes nos últimos seis meses.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
continua...
554
continuação
Teste que avalia praxia visuoconstrutiva,
Figuras complexas de Rey motricidade, habilidades perceptivas e
Visioconstrução visuoespaciais. População alvo: 4 a 88 anos
or
Atenção Ferramenta que avalia a habilidade de atenção
Teste de Atenção por
seletiva e atenção alternada. População alvo: 5 a
cancelamento (TAC)
od V
14 anos;
aut
Ferramenta que avaliar funções
Domínios cognitivos
R
Teste Wisconsin de
categorização de cartas
População alvo;: 4 a 89 anos
o
alvo: 6 a 89 anos
(WCST)
aC
or
entendimento sobre o desenvolvimento infantil torna-se fundamental para
od V
uma melhor qualificação do processo investigativo.
aut
Assim, a título de exemplo, seguindo a proposta descrita, se o
neuropsicólogo recebe o encaminhamento de um neuropediatra para avaliar
uma criança de 4 anos de idade com suspeita de autismo este deveria,
R
inicialmente, identificar os sintomas descritos pela família, compreender os
marcos do desenvolvimento e os sinais descritos como característicos de uma
o
criança com TEA para em seguida realizar a observação lúdica.
aC
Costa e Antunes (2018) registram que a avaliação do autismo é clínica,
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pessoas com TEA; Disfunção Executiva, sugerindo que pessoas com TEA
possuem prejuízo em seleção e monitoramento de respostas, flexibilidade
cognitiva, planejamento e memória de trabalho, o que pode justificar os
ão
or
autossuficiente, capaz de avaliar todos os componentes cognitivos. Sendo
assim, recomenda-se utilizar pelo menos dois instrumentos para avaliar o
od V
mesmo componente (FONSECA; JACOBSEN; PUREZA, 2016) e comparar
aut
o desempenho do paciente com a variação de um grupo representativo da
população típica, a fim de garantir maior segurança na interpretação dos
R
resultados (LEZAK et al., 2012). Após a coleta de informações segue a etapa
de integração das informações coletadas durante todo o processo avaliativo.
o
aC
Finalização do processo avaliativo
as intervenções necessárias.
Em crianças com menos de 6 anos de idade ou nos casos de difícil manejo
dos instrumentos ou quando a criança é encaminhada à reabilitação recomenda-se
s
com a idade e/ou com intervenções terapêuticas que lhe foram propostas.
Além da devolutiva para os cuidadores, entrega-se a estes um relatório ou
laudo psicológico de avaliação neuropsicológica encaminhado aos profissionais
que solicitaram a avaliação. A entrega deste documento é realizada junto à
orientação parental.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 557
Considerações finais
or
Contudo, a escolha dos instrumentos (qualitativos e quantitativos) assume um
od V
papel primordial, cabendo ao neuropsicólogo elaborar protocolos que atendam
aut
de forma mais satisfatória a demanda.
De forma geral o profissional escolhe os instrumentos conforme sua
experiência e formação teórico-prática, mas sempre deve reconhecer que os
R
testes não são soberanos, são ferramentas que auxiliam o acesso a informações
momentâneo de um ser em pleno processo de desenvolvimento.
o
aC
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visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
558
REFERÊNCIAS
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crianças até três anos: o modelo da CIF no contexto do NASF. Cad. Bras.
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aC
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or
od V
aut
R
o
aC
or
Ronilda Bordó de Freitas Garcia
Helder Côrrea Luz
od V
Helena Carollyne da Silva Souza
aut
Antônio Soares Júnior
José Augusto Lopes da Silva
R
Edilene Silva Tenório
o
A história e implementação do ECA
aC
O Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) foi promulgado no dia 13
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or
tindo-lhes todos os direitos fundamentais, sejam eles no seu desenvolvimento
od V
físico, mental, moral, espiritual e social, na promoção de direitos, ao que possam
aut
gozar como sujeitos e prioridades absolutas. A criança e adolescente em seu
desenvolvimento e potencialidade, um sujeito que atravessa por várias mudan-
ças, descobertas, fantasias, aprendizados o qual precisa de proteção e respeito
R
de todos, por ser uma fase em que ela se encontra em total vulnerabilidade.
A importância de idade que foi definida para a criança e o adolescente
o
por se tratar de seus direitos e violação que não eram garantidos a elas, desde
aC
de que os portugueses chegaram ao Brasil e também na contemporaneidade,
or
od V
“O Estatuto propõe a construção de um modelo de proteção integral às
crianças e aos adolescentes, não se restringindo, apenas à atenção após os
aut
direitos serem violados, mas antecipa-se à violação, promovendo ações
conjugadas entre o Poder Público e ONGs de caráter preventivo, que se
R
estendam não só às crianças e aos adolescentes que tiveram seus direitos
violados, mas a todos aqueles que estão ameaçados de terem os seus
o
direitos violados” (LEMOS, 2007, p. 91).
aC
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or
dade do município ou de cada região administrativa do distrito federal como versa
od V
o art 132 do ECA que também estabelece que para sua composição é necessário 5
aut
membros escolhidos pela população local, esta escolha é feita através de voto
direto, secreto e facultativo a todos os cidadãos maiores de 16 anos, tais membros
escolhidos são denominados de conselheiros tutelares e tem mandato de quatro
R
anos, podendo ter recondução mediante novo processo de escolha.
O Conselho Tutelar surge, portanto, como um equipamento no campo
o
social, destinado à defesa e proteção dos direitos básicos das crianças e ado-
aC
lescentes dentro do modelo garantista, já utilizado pelas Nações Unidas e por
presente em quase todo território brasileiro. De início, vale salientar que neste
texto adota-se a concepção de VS postulada Minayo (2001, p. 92) que a entende
como: “todo ato ou omissão cometidos por pais, parentes, outras pessoas e
instituições capazes de causar danos físico, sexual e/ou psicológico à vítima”.
A VS é um crime bastante complexo, pois, na maioria das vezes, os
casos ocorrem no ambiente familiar e envolvem parentes e pessoas próximas
à vítima, o que dificulta o diagnóstico. Além disso, há poucas políticas públi-
or
cas eficientes para prevenir e atender aos adolescentes violentados, ainda que
od V
exista diversas normas jurídicas que dão suporte às ações de combate a esse
aut
tipo de crime (HABIGZANG; KOLLER; AZEVEDO; MACHADO, 2005).
A Constituição Federal, a Normativa Internacional e o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA) são exemplos de leis e normas jurídicas que abrangem o
R
combate à VS e estabelecem o dever da família, da sociedade e do Poder Público
para com os menores. Esta última, regulamentada através da Lei n° 8.069/90,
o
merece destaque especial em seus principais artigos que tratam do referido tema.
aC
Com relação a VS, o ECA, sustenta de forma generalizada em seu art. 5°
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de seus familiares, não estando entre estes quem causou o crime, e evita o
encaminhado a entidades de acolhimento institucional.
Contudo, toda normativa jurídica disposta no ECA só adiantará se os
s
dos órgãos citados pela Lei n° 8.069/90 como sendo uma instituição essencial
ao Sistema de Garantias dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA)
é o Conselho Tutelar e ele tem um papel muito importante na proteção inte-
gral dessa categoria de cidadãos e com isso, no enfrentamento dos casos de
violência, abuso e exploração sexual.
566
or
(BRASIL, 2019). Sobre eles o ECA estabelece em seu art.132 que deve haver
od V
ao menos um em cada município e que deve ser composto por cinco membros
aut
escolhidos pela comunidade local que exercerão mandato de três anos com
a possibilidade de uma recondução, embora as regras de funcionamento e a
eventual remuneração dos conselheiros sejam reguladas por lei municipal.
R
Para torna-se conselheiro é imprescindível a reconhecida idoneidade moral
da pessoa, além de ser maior de 21 anos de idade e residir no município em
o
que o conselho funciona (NASCIMENTO et al., 2009).
aC
Para tanto, deve o Conselho Tutelar, usando de seus poderes/deveres
or
que compõem o SGDCA e toda a sociedade, ao contrário, uma ação isolada
od V
ou precipitada pode inviabilizar uma intervenção policial eficaz e dificultar a
aut
investigação e coleta de provas, trazendo ainda mais prejuízos a vítima. Para
solucionar de forma definitiva os casos de VS contra crianças e adolescentes é
necessário que cada ator social cumpra seu propósito. Ainda há um longo cami-
R
nho a se seguir e o Conselho Tutelar é o órgão que vai a frente dessa caminhada,
quando se trata de garantia de direitos. A tarefa não é fácil, é importante que se
o
façam ajustes em vários níveis do órgão para se prover uma atenção de qualidade
aC
a crianças e adolescentes em todas as esferas, assim como se prevê no ECA.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
classes sociais. A partir de sua criação o ECA “têm o papel de aglutinar for-
a re
ças para reverter a dinâmica das políticas sociais que funcionam mais como
reprodutoras da desigualdade” (SOUZA NETO, 2006, p. 187).
Dessa forma, a psicologia compreendida com ciência da saúde, atua jun-
tamente ao Conselho tutelar no processo de garantia dos direitos da criança e
par
Apesar de ainda não ser uma realidade social, muitas formas de violências
direcionadas às crianças e adolescentes têm sido questionadas e combatidas,
desde a criação do Estatuto da criança e do adolescente. A partir do ECA,
se tem um compromisso social ao desenvolvimento integral, doutrina está,
também presente na constituição de 1998:
568
or
Sendo assim o ECA surgiu visando a proteção e preservação da criança
e adolescente com ênfase à proteção para preservação da vida e seus direi-
od V
tos fundamentais, solicitando quando necessário autoridades jurídicas para
aut
denúncias de abusos, sendo assim, “Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
R
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais” (OLIVEIRA, 1995, p. 2).
o
Advindo da criação do ECA, o conselheiro tutelar é o profissional res-
aC
ponsável pelo atendimento às crianças e adolescentes em situações de vul-
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aC
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or
od V
Ronilda Bordó de Freitas Garcia
aut
Helder Corrêa Luz
Helena Carollyne da Silva Souza
Antônio Soares Júnior
R
Pamella Augusta Passos Ventura Pina
Cristina Simone de Sousa Reis
o
aC
Introdução
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começam a ser observadas mais de perto pela sociedade, bem como todos os
ver
or
como, por exemplo, de seguridade social previsto na Constituição de 1988.
od V
É possível observar, ao analisarmos o contexto que antecede a criação
aut
do Estatuto do Idoso, como um período onde já havia determinadas garan-
tias legais que asseguravam direitos básicos a população idosa. Camarano e
Pasinato (2004) destacam o Brasil como um dos pioneiros na América Latina
R
quando se trata da implementação de uma política de garantia de renda para a
população em geral e em específico a população idosa, sendo que essa política
o
de seguridade social já podia ser observada em 1988.
aC
Essas Leis já representavam um grande avanço na conquista legal de
or
psicossocial aos aspectos de vida da pessoa idosa, tendo um olhar de valoriza-
od V
ção à dignidade com a garantia de direitos, por exemplo, a educação, cultura,
aut
esporte, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços, como constam
no Art. 20. Em uma sociedade em que a visão direcionada a pessoa idosa
é pautada por preconceitos, desrespeito a sua personalidade, encaixando o
R
indivíduo idoso em um estereótipo baseado no apagamento de subjetividades
que o faz inválido socialmente, a Política Nacional do Idoso (lei 8.842) jun-
o
tamente com seu produto o Estatuto do Idoso representam um marco social
aC
de extrema importância.
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pessoa idosa possui direito de acesso a todos os serviços ofertados pelo SUS.
O segundo princípio doutrinário é a equidade, que tem como objetivo assegurar
as ações de todos os níveis de atenção de forma a garantir que aos cidadãos
atendimento, de acordo com suas demandas, sem privilégios ou discriminações,
par
como a saúde Pública era tratada no Brasil. De acordo com a Lei 8.080, os
ver
or
sos níveis de atendimento do SUS (Lei nº 8.842/94 e Decreto nº 1.948/96).
od V
Esta política considera que a autonomia e independência em contraste com a
aut
ausência ou não de doença, é o que determina se o idoso é saudável, ou seja,
a funcionalidade global do sujeito.
R
A Portaria n° 2.528 de 19 de outubro de 2006, que aprova a Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), demonstra que esta tem como
o
diretrizes: promoção do envelhecimento ativo e saudável; atenção integral,
integrada à saúde da pessoa idosa, estímulo às ações intersetoriais, visando à
aC
or
eventos para a valorização do idoso na sociedade.
od V
Ainda foi estabelecido o plano de ação sobre a saúde das pessoas idosas,
aut
incluindo o envelhecimento ativo e também saudável, Fundo Nacional do
Idoso através da Lei nº 12.213, de 20 de janeiro de 2010, o Programa Nacio-
R
nal de Imunizações (Portaria nº 1498) instituindo calendários de vacinação
para população idosa, em 2013 com o Decreto nº 811, de 30 de setembro
o
de 2013, é estabelecido o compromisso nacional para o envelhecimento ativo,
e mais recentemente ocorreu a Convenção Interamericana sobre a Proteção
aC
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exclusão social sofrido por várias parcelas da população, entre estas, os ido-
a re
sos. Este segmento seria vítima de uma desfiliação social na medida em que
passou a ser vista como improdutiva e um peso para a sociedade capitalista.
aos idosos onde são presentes unidades que têm como objetivo o cuidado,
como as Casas Lar e também as Instituições de Longa Permanência (ILPI).
Os primeiros casos de maus tratos a pessoa idosa foram relatados ini-
cialmente no ano de 1975, por meio de uma revista científica britânica que
informou agressões cometidos contra essa população. A violência contra
578
idosos no Brasil teve maior proporção e impacto nas últimas duas décadas,
com aumentos dessa população no país, o que se intensificou um quan-
titativo de denúncias realizadas. Entende-se, que a violência contra essa
classe cresce rotineiramente, desencadeada por vários fatores e também nos
diversos núcleos, como o próprio grupo familiar ou os responsáveis legais
dentro das instituições e cuidado.
Segundo o Relatório de Inspeção a Instituições de Longa Permanência
or
para Idosos (ILPIs), realizado pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP),
od V
juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a maioria dessas
aut
instituições de longa permanência não possuem infraestrutura mínima para
abrigar os idosos. Neste levantamento foram visitadas 24 instituições, entre
setembro e outubro de 2007, e apesar das informações disponíveis encon-
R
tram-se desatualizadas, o relatório reflete um cenário bem comum nos dias
atuais e serve para possamos compreender, de forma parcial, o que acontece
o
no interior dessas instituições com esse grupo de pessoas.
aC
instituições
precariedade no atendimento à
Casa de Longa
saúde, não oferecem vestuários aos
Permanência Ieda Pernambuco
internos, ausência de orientação
Lucena
adequada à sexualidade, não
ão
Centro Dourado da
Má qualidade nas refeições,
s
infraestrutura precária.
Nzinga
continua...
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 579
continuação
Alguns dos pontos
Nome da Alguns dos impasses envolvendo
Estado positivos das
Instituição os direitos dos idosos.
instituições
or
od V
Não há atendimento que envolva
Abrigo Núcleo Solar
estudo da pessoa idosa com suas
aut
Espírita Apóstolo Goiás Boas instalações físicas.
singularidades, poucas atividades
Tomé
comunitárias.
o
Prática de exercícios
aC
Lar Torres de Melo Ceará Ausência de visitas, exclusão. físicos, boa qualidade da
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alimentação.
abusos e agressões contra a terceira idade, porém, esses números não mostram
os dados reais, uma vez que a violência contra essa classe não é amplamente
denunciada por motivo de medo, o que demonstra muitas vezes que nesses
s
or
od V
O CRAS atua com famílias e indivíduos em seu contexto comunitário,
aut
visando à orientação e ao convívio sociofamiliar e comunitário. Neste
sentido é responsável pela oferta do Programa de Atenção Integral às
Famílias. Na proteção básica, o trabalho com famílias deve considerar
R
novas referências para a compreensão dos diferentes arranjos familiares,
superando o reconhecimento de um modelo único baseado na família
o
nuclear, e partindo do suposto de que são funções básicas das famílias:
aC
prover a proteção e a socialização dos seus membros; constituir-se como
Considerações finais
O texto pode ser concluído com a afirmativa de que a saúde dos idosos
fica comprometida por inúmeros processos de exclusão social e violências
bem como por violações de direitos humanos. O racismo de Estado e de
sociedade da biopolítica, de acordo com Foucault (1999; 2008) afeta grupos
específicos no deixar morrer, um dos mais afetados como alvo deste deixar
or
morrer são os idosos.
od V
A precariedade da vida dos idosos se tornam maior quando o orçamento
aut
reservado pelo Estado para as políticas sociais voltadas a este segmento da
população irrisória e o acesso dos mesmos ao atendimento bem restrito face
às suas necessidades e demandas. Assim, se tornam vidas descartáveis e inten-
R
samente vulneráveis, classificadas como incapazes e improdutivas, vidas que
não parecem importar para a sociedade e podem ser definidas em um quadro
o
de guerra como inimigas do capitalismo neoliberal (BUTLER, 2018; 2019).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
582
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vidas desperdiçadas. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
or
BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio
od V
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
aut
BUTLER, Judith. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo
Horizonte: Autêntica, 2019.
R
o
CAMARANO, Ana Amélia; PASINATO, Maria Tereza. O envelhecimento
aC
populacional na agenda das políticas públicas. In: CAMARANO, Ana Amé-
tes, 1999.
or
od V
Flávia Cristina Silveira Lemos
aut
Felipe Sampaio de Freitas
Dolores Galindo
Jéssica Modinne de Souza e Silva
R
Fabiana de Lima e Silva
o
aC
Introdução
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or
momento do evento. No caso de uma pandemia como a do coronavírus, há
od V
riscos e vulnerabilidades específicos, resultantes da precariedade das vidas
aut
em cada local, a partir dos parâmetros de enquadramento da ideia de “guerra
declarada à transmissão”, e aos efeitos do contágio face à capacidade de cui-
R
dado organizada pelos valores afetivos, culturais e sociais; dados às vidas,
pelos quadros de apreensão e reconhecimento. Neste ponto, consideramos os
o
trabalhos de Butler (2018), a respeito dos quadros de guerra.
Há uma historicidade dos conceitos de saúde, doença, epidemia, pan-
aC
or
o país tinha, pelo menos, 13,5 milhões de pessoas com renda salarial de até
od V
R$ 145; há também cerca de 30 milhões (16% da população) sem água enca-
aut
nada; 74,2 milhões não tem saneamento básico, e, com isso, sem coleta de
esgoto; 5,8 milhões não possuem banheiro em casa; 11,6 milhões residem
R
em imóveis com mais de 3 moradores por compartimento. Tudo isto quer
dizer que o número de pessoas que não dispõem das mínimas condições de
o
sequer manter-se em isolamento, que vivem amontoadas em suas casas, sem
condições de manter a assepsia ideal para a prevenção do Covid-19 é, no
aC
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mínimo, alarmante. Com o que vimos até agora, resta a dúvida: qual será a
lógica utilizada pelas autoridades políticas brasileiras para manter a salvo a
população em meio à crise?
visã
É importante fazermos nota de que existiram diversas crises pandêmicas
às quais já assolaram o mundo em outros momentos da história. Em um dos
mais conhecidos, retomemos o caso da peste bubônica, de 1348, nomeada
como “peste negra”, responsável por uma das maiores baixas demográficas
itor
or
imunidade e nas condições difíceis de habitação para realizar a prevenção
od V
higienista ao vírus. De fato, iniquidades ganham expressão significativa na
aut
incidência e gravidade de manifestação do contágio (MASCARO, 2020).
Com efeito, diante das encomendas higienizadoras, há uma incitação
R
à disciplina, organizada por meio da vigilância minuciosa para diminuir os
índices de contágio e de morte por Covid-19. Todavia, os mecanismos de
o
quarentena e isolamento ganham nuances diferentes, quando as condições de
moradia, bem como, socioeconômicas, são agentes envolvidos na expansão da
aC
nas antigas fábricas, sendo ampliada para toda a sociedade, e tendo por base
ver
or
todas, num controle mútuo, onde cada qual opera, também, se autovigiando
od V
e se autocontrolando. O panóptico é um operador da sociedade disciplinar, a
aut
qual emergiu no século XVII e se tornou vigilante, segundo Foucault (1999a).
Com efeito, para disciplinar os corpos, tornando-os dóceis e produtivos, há
R
a combinação de técnicas de poder: a construção de quadros, a prescrição de
manobras e a organização de táticas.
o
O enquadramento do Covid-19 é correlato à prescrição das manobras
e da organização das estratégias em saúde, na economia e na política atual.
aC
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or
de indivíduos alcançados por estas tecnologias.
od V
Para tanto, em nome da saúde passa-se a justificar a perda da privacidade,
aut
a aceitação do monitoramento e dos registros de cada ato, minuciosamente.
Com efeito, para enfrentar a expansão do Covid-19 e para cuidar das pessoas
R
já infectadas por este vírus, técnicas disciplinares e panópticas foram usadas
em detalhes, transpostas a um aparato político focado no modelo das prisões
o
para as adjacências sociais, ou seja, em práticas parajudiciárias de garantia
dos direitos, tal como o direito à saúde e à vida, por exemplo.
aC
Emerge uma nova investida: não mais só e somente o corpo, mas a popu-
lação; isto é, não mais só e somente o homem-indivíduo, mas a espécie “como
todo” é alvo central das investidas de governamento; não só a vida pública, mas
a vida íntima e privada entram nos cálculos e engrenagens ininterruptas do fun-
par
or
queios dos corpos por quarentenas, isolamentos e internações. Os mecanis-
od V
mos de disciplinares podem ser de outra ordem também, a de mecanismos
aut
abertos de controle dos corpos de vigilância panótica. Neste caso, podemos
pensar as táticas chamadas de abertura gradual do comércio, das escolas, de
R
universidades, de acessos às praças e locais de esporte, de retorno ao trabalho
presencial e aos espaços culturais etc. O uso de máscaras e os controles de
distanciamento social seriam o ou um dos modos de governar as condutas
o
por vigilâncias abertas, em cada um de nós vigia os pares e é vigiado por eles
aC
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e pela comunidade.
or
níveis e adequá-los a “números aceitáveis” é possível de ser executado. E aí está
od V
presente a “lógica biopolítica”: às vezes, o mantimento desses níveis requererá a
aut
padecimento de uns em detrimentos de outros. Melhor dizendo: contentamo-nos
com os baixos níveis de roubos, assassinatos, epidemias e crises, mesmo que
eles signifiquem o sofrimento de alguns, para que se mantenham a maior parte
R
da população, economicamente falando, sadia e ativa.
A gerência biopolítica focada na geopolítica e na racionalidade biomé-
o
dica, enquanto uma das formas de governo do meio, é estratégica no caso
aC
nossa nação, pouco percebemos isto de forma analítica. O que há, na verdade,
ver
or
etária. Trata-se do próprio paradoxo da biopolítica, em nome da vida: cresce
od V
a morte pelo “deixar morrer”, na medida em que, para que alguns vivam,
aut
muitos outros são deixados à própria sorte, em uma evidente decisão política.
No bojo do que vinha trabalhando Foucault, Butler (2018) também salien-
tou que determinadas vidas são choradas quando morrem. O luto por elas gera
R
intensa comoção, enquanto outros corpos são despidos da condição humana,
isto é, da vida digna de ser valorizada e chorada em casos de luto, violência
o
e violação de direitos. O enquadre de números e fotos, por exemplo, é uma
aC
interpretação de uma verdadeira guerra em que certos corpos são enterrados
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em valas comuns, jogados como “sem valor” e “sem comoção social”, como
tem-se visto em muitos países, nos enterros dos mortos pela Covid-19, den-
tre eles, o Brasil. O descaso acontece até mesmo em setores do Estado e na
visã
cultura necropolítica que o embasa, atualmente.
Achille Mbembe (2019), filósofo camaronês ainda vivo e em atividade,
designa muito bem esta lógica, chamando-a de necropolítica. O grande ganho
itor
or
da gestão necropolítica da pandemia. Traduzindo: no Brasil, a vida em vul-
od V
nerabilidade é a dos menos favorecidos e assistidos na tomada de decisão.
aut
A ação “diferenciadora” do novo coronavírus atestaria uma necropolí-
tica, na medida em que potencializa dificuldades práticas para se lidar com o
mesmo e escancara um modus operandi que flutua em torno do deixar morrer.
R
Uma destas dificuldades gira em torno da necessidade de se ter respiradores
artificiais em quantidade suficiente e à disposição, para quem deles necessite,
o
pois o Covid-19, como sabido, compromete o sistema pulmonar/respiratório
aC
dos acometidos. No entanto, o acesso seletivo aos respiradores e aos leitos
detrimento daquele que já estava com uma baixa produção nas atividades
produtivas e atingindo um momento de maior demanda por proteção, isto
é, a chamada seguridade social, logo, implicando em um custo maior para o
ão
or
das ações desregulamentadoras do Estado neoliberal.
od V
Isto não quer dizer que a ciência deixa de ter importância na política
aut
de cuidado de vítimas de doenças como as que foram infectadas pelo novo
coronavírus e outras, bem como, para a resolução de diferentes problemáticas
sociais e econômicas. O ponto de tensão é o homem empresário de si mesmo
R
e o vetor economicista que o move na racionalidade neoliberal, na qual a
liberdade deve ser balizada pelo termômetro do mercado, estando acima das
o
vidas e dos chamados direitos humanos universais. Os direitos nomeados
aC
como fundamentais ficam em segundo plano face à lógica empresarial. Neste
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Consideração finais
s
ver
or
delimitadoras das maneiras de cuidar das pessoas na prevenção e promoção
od V
de saúde bem como no tratamento referentes às decisões políticas tomadas
aut
pelos Estados modernos, em um período neoliberal, marcadamente centrado
no mercado.
R
O preconceito e o estigma foram parte do dispositivo racista da biopolí-
tica e da necropolítica abordado neste texto. Parker (2013) destaca a dimensão
o
de estigma das doenças e, no caso da infecção do novo coronavírus, ficou
patente tanto o preconceito e a discriminação negativa por regiões, países,
aC
radas como dignas de luto em função dos recortes de valoração dos corpos,
no presente.
As táticas panópticas de vigilância, cada vez mais sofisticadas, conforme
ão
lockdown obrigatório e sob pena de punição legal por prisão e multas caso
descumprido, entre outras estratégias disciplinares. No aspecto do apartheid
sanitário, a ideia de cidades como negócios (ALVAREZ, 2015) ganhou intensa
visibilidade em função da geopolítica da pandemia centrar-se no controle
do meio como espaço de centros urbanos a serem geridos na biopolítica e
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 595
or
partir da pandemia. Entretanto, pobres e pessoas em vulnerabilidade demora-
od V
ram e ainda aguardam políticas sociais de enfrentamento ao endividamento e
aut
de atenção psicossocial sejam efetivamente implementados. Por fim, o novo
coronavírus escancara as iniquidades de uma sociedade capitalista, embasada
na biopolítica, no regime panóptico e na necropolítica.
R
o
aC
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visã
itor
a re
par
Ed
s ão
ver
596
REFERÊNCIAS
ALVAREZ, ISABEL AUGUSTO A produção e reprodução da cidade como
negócio e segregação. In: CARLOS, ANA FANI ALESSANDRI; VOLO-
CHKO, DANILO; ALVAREZ, ISABEL PINTO (orgs.). A cidade como negó-
cio. São Paulo: Contexto. p. 65-80. 2015.
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ANTOUN, H. Vigilância, comunicação e subjetividade na cibercultura. In:
od V
BRUNO, F.; KANASHIRO, M.; FIRMINO, R. (orgs.). Vigilância e Visibi-
aut
lidade: espaço, tecnologia e identificação. Porto Alegre: Sulina. p. 141-154.
2010.
R
BUTLER, JUDITH. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?
o
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2018.
aC
or
polis/RJ: Vozes. 1999a.
od V
aut
FREITAS, FERNANDO; AMARANTE, PAULO. Medicalização em Psi-
quiatria. Rio de Janeiro: Fiocruz. 2017.
R
GARCIA, JOANA. O negócio do social. Rio de Janeiro: Zahar. 2004.
o
GORDIS L. Epidemiologia. São Paulo: Revinter. 2004.
aC
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or
od V
Luiz Miguel Galvão Queiroz
aut
Paulo Sérgio de Almeida Corrêa
Rafael da Silva Queiroz
Terezinha Sirlei Ribeiro de Souza
R
o
Introdução
aC
No presente texto, aborda-se a compreensão que os docentes em forma-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
à Universidade do Estado do Pará – UEPA, no Polo do município de Mua-
od V
ná-PA, por meio da exposição da matriz curricular do referido curso, a qual
aut
serviu para formular a seguinte indagação: O currículo resume-se unicamente
ao documento oficial informativo do conhecimento sistematizado e prescrito
para um determinado curso?
R
Utilizou-se como estratégia para suscitar o interesse pela indagação a roda
o
de conversa, compreendida por Fazenda (2017) como um momento em que os
sujeitos vinculados a um grupo específico expõem suas argumentações sobre
aC
Bardin (1978) como uma oportunidade de assegurar que as vozes dos sujeitos
sejam transformadas em documento, tornando-se parte da história, comple-
mentado por artigos científicos capturados em sites eletrônicos, que possi-
bilitaram fundamentar teoricamente as arguições expostas. De acordo com
Saviani (2015), os relatos dos sujeitos não estão desconectados da realidade
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 601
or
processo formativo cultural. Assim, em toda e qualquer sociedade, a educa-
od V
ção assume a centralidade na busca da promoção do bem-estar de homens e
aut
mulheres, sujeitos históricos, e detentores de direitos.
Para Freire (2010), a educação concebida como um processo de forma-
R
ção humana tem por finalidade libertar e emancipar os sujeitos, tornando-os
produtores de sua história, e, consequentemente, capazes de transformar as
o
condições materiais e existenciais.
No estágio social contemporâneo, demarcado pelo uso da tecnologia
aC
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or
de transformar sua realidade, além de promover o bem comum.
od V
aut
Por isso é que é importante afirmar que não basta reconhecer que a Cidade
é educativa, independentemente de nosso querer ou de nosso desejo. A
Cidade se faz educativa pela necessidade de educar, de aprender, de ensi-
R
nar, de conhecer, de criar, de sonhar, de imaginar de que todos nós, mulhe-
res e homens, impregnamos seus campos, suas montanhas, seus vales, seus
o
rios, impregnamos suas ruas, suas praças, suas fontes, suas casas, seus
edifícios, deixando em tudo o selo de certo tempo, o estilo, o gosto de
aC
cional que ainda perdura nas salas de aula, assegura que é necessário adotar o
rigor no cumprimento das normas e regras de convivência social, como forma
Ed
Por mais que tal prática educativa esteja evidenciada até aos dias atuais no
or
cotidiano das salas de aula, há necessidade de refletir no âmbito do currículo,
possibilidades de construção de alternativas pedagógicas que vislumbrem
od V
novas formas de conceber o aluno, especialmente na condição de protago-
aut
nista na produção do conhecimento. Entende-se que o cenário contemporâneo
requer um sujeito proativo, que diante de uma situação desafiadora, tenha a
R
iniciativa de buscar soluções possíveis.
Para Mizukami (1986), a educação tradicional adotou o método expo-
o
sitivo que privilegia o papel do professor enquanto transmissor dos conhe-
aC
cimentos e o ponto fundamental desse processo é que o aluno seja capaz de
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or
da facilidade de locomoção para qualquer espaço habitado, de modo que
od V
essa condição torna possível o contato permanente dos sujeitos com outras
aut
culturas. De acordo com Silva (2018), ao mesmo tempo em que tudo acontece
rapidamente, também tudo passa em questões de segundos, e imediatamente
R
surgem diversas questões a serem resolvidas, as quais exigem intensa mobi-
lidade de conhecimentos.
o
Segundo Freitas (2018), cada vez mais a sociedade exige das pessoas
aC
maiores níveis de escolarização, de domínio das tecnologias, da habilidade
113 Concentração de renda mostra “brasilianização do mundo”. Desigualdade é crescente, atinge recorde,
s
está fora de controle e só beneficia ricos e empresas, dizem ONU e Oxfam... Leia mais em https://www.
ver
cartacapital.com.br/economia/concentracao-de-renda-mostra-brasilianizacao-do-mundo/. O conteúdo de
CartaCapital está protegido pela legislação brasileira sobre direito autoral. Essa defesa é necessária para
manter o jornalismo corajoso e transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos.
No Brasil, o 1% mais rico concentra 28,3% da renda total do país (no Catar essa proporção é de 29%). Ou
seja, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram
41,9% da renda total. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/09/brasil-tem-segunda-
-maior-concentracao-de-renda-do-mundo-diz-relatorio-da-onu.ghtml
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 605
or
econômico abaixo da linha da pobreza, e assistidos por programas sociais,
od V
representado pelo Programa Bolsa Família, como única renda capaz de garantir
aut
a dignidade 114.
No entanto, o contingente de analfabetos no Brasil 115, também está loca-
R
lizado na região do Campo, o qual se torna a importante fronteira de expan-
são da acumulação do capital, representado pelo Agronegócio. Para Frigotto
o
(2018), essa situação limita toda e qualquer participação desses sujeitos na
produção da vida material em condições dignas, visto que a ausência de esco-
aC
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114 IBGE: Brasil tem quase 52 milhões de pessoas na pobreza e 13 milhões na extrema pobreza. A situação
é mais crítica no Maranhão, que tem um a cada cinco moradores na indigência. Disponível em: https://
g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/11/12/ibge-brasil-tem-quase-52-milhoes-de-pessoas-na-pobreza-
-e-13-milhoes-na-extrema-pobreza.ghtml
115 Brasil tem quase 12 milhões de analfabetos, diz IBGE. Os dados do IBGE revelam o atraso na educação
brasileira. Metade da população adulta não tem nem o nível fundamental. Disponível em: http://g1.globo.
com/jornal-hoje/noticia/2017/12/brasil-tem-quase-12-milhoes-de-analfabetos-diz-ibge.html
606
or
meio do acesso ao conhecimento historicamente produzido pela humanidade,
od V
homens e mulheres podem mudar os rumos descritos nas relações de poder,
aut
e estabelecer de fato uma sociedade democrática, que valorize fundamental-
mente o ser humano.
R
A construção de um modelo de sociedade justo, solidário, fraterno, pau-
tado nos princípios democráticos e na sustentabilidade, visando proporcionar
o
às atuais e próximas gerações um mundo com maiores níveis de qualidade de
vida, é o desafio posto a todos os países, e a educação assume a centralidade
aC
(2000) a escola cidadã é aquela que educa o sujeito para que ele se torne um
agente de transformação da realidade.
Ed
or
de larga escala, com destaque para a Provinha Brasil, Prova Brasil e Enem.
od V
De acordo com Arroyo (2010) o currículo abrange todos os aspectos relativos
aut
ao ensino, sejam aqueles que acontecem no interior das escolas, nas secreta-
rias municipais e estaduais, como também, transcende os muros escolares e
alcança a sociedade em geral.
R
Portanto, refletir sobre o currículo é de relevância no alcance de possíveis
mudanças na organização do trabalho pedagógico escolar, como também,
o
identificar elementos que permitam a melhoria do diálogo entre a educação e a
aC
sociedade. Dependendo da concepção de currículo prevalecente na sociedade,
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vezes, os professores se orientam por meio dos sumários dos livros didáticos,
para organizar os conteúdos na sequência a ser trabalhada em sala de aula.
Por outro lado, o currículo também se alinha ao processo de organiza-
ção do trabalho pedagógico escolar, e nesse sentido, a cada ano, as equipes
pedagógicas das escolas e das secretarias de ensino, reúnem-se para realiza-
par
festas juninas; julho, férias escolares; agosto, homenagem aos pais; setembro,
ver
or
capitalista, a escola passou a ser a instância formadora da força de trabalho e
od V
com isso, o currículo deveria atender aos objetivos de ensino, visando respon-
aut
der as necessidades do modo de produção. Nesse sentido, o fundamental na
prática educativa era a definição de objetivos de ensino, visando alcançá-los
R
e consequentemente atender aos interesses do capital.
Diante de tal fato, a concepção tradicional de currículo pautou-se na
o
lógica da pedagogia bancária, em que a transmissão do conhecimento é o foco
central da prática pedagógica dos professores, concebendo-se os educandos
aC
entrelinhas das práticas educativas ela se manifesta. Para Silva (2010), nessa
a re
conseguem alcançar o êxito escolar, e a culpa aos que fracassam em face dos
rituais escolares.
s
or
forma significativa para mudanças na organização do trabalho escolar no sis-
od V
tema de ensino brasileiro após a década de 1980, especialmente pela ruptura
aut
com a pedagogia tecnicista, de modo a viabilizar um processo de trabalho
coletivo, em que os profissionais da educação passaram a formular as pro-
postas pedagógicas com relativa autonomia.
R
Segundo Hage (2010), no momento contemporâneo, o processo de glo-
balização veio expressar a diversidade cultural, de modo que esse fato levou a
o
questionar o currículo, a organização do trabalho pedagógico, o funcionamento
aC
da escola, as relações de dialogo entre a escola e a cultura em que ela está
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or
espaço significativo na compreensão da dinâmica social, e especialmente
od V
quanto à função social da escola, que par Veiga Neto (2007) é a instituição
aut
responsável em garantir que o conhecimento historicamente acumulado esteja
disponível a toda população. No entanto, esse discurso tem sido questio-
R
nado, no momento em que a escola reproduz uma ordem desigual, por meio
de um currículo que não espelha as particularidades dos sujeitos, inseridos
num contexto sócio cultural em que a escola não se apropria para promover
o
a escolarização.
aC
aqueles ocultos.
Em relação ao currículo não é diferente, e para tanto é fundamental ao
educador saber identificar a realidade objetiva prescrita ao processo educativo,
reconhecer a que interesses a prática educativa se efetiva dentro e fora da sala
par
116 A Ilha do Marajó está localizada na foz do Rio Amazonas e é o maior arquipélago fluvio-marítimo do mundo,
com quase 50 km² e abriga 12 municípios. De acordo com os índices oficiais, mais de 50% da população do
Marajó vive com renda per capita inferior a meio salário mínimo e onde a pobreza impera, reina a violência, a
exploração sexual de crianças e adolescentes, tráfico de drogas e de pessoas (https://amazoniareal.com.br)
117 Espécies de embarcações típicas utilizadas para realizar o transporte de pessoas e produtos pelos rios,
furos e igarapés.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 611
or
As relações de poder construídas historicamente na região da Ilha do
Marajó, cujo foco tem sido a exploração humana em suas mais variadas for-
od V
mas, incorporou-se na educação da população e adentra o cotidiano escolar
aut
com tamanha sutileza e violência simbólica, e na maioria das vezes não con-
segue ser observada pelos profissionais da educação que atuam nas unidades
escolares, tornando-as naturais.
R
As condições socioeconômicas da maioria das crianças que frequen-
o
tam a escola pública brasileira 118, impedem o usufruto de qualidade de vida
aC
satisfatória no campo nutricional e muitas vezes a ida a escola também é
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criança tem que acordar as cinco horas da manhã, e algumas não tomam
café em casa, muitas vezes porque não tem. Assim, a escola tem que ofe-
a re
recer a merenda, ou algo pra criança comer, e na maioria das vezes não
tem, pois é impossível ter um freezer porque depende de ter um gerador
de energia na escola (depoimento da Professora 1).
par
são concebidas como algo projetado pelas classes dominantes para assegurar
a manutenção do poder local, e nesse contexto, é pertinente apontar para o
pensamento de Apple (2000), em que o currículo nunca é simplesmente uma
ão
118 Estudo desenvolvido por Iosif (2007, p.8), evidenciou que “... o Estado brasileiro está falhando na oferta de
uma educação de qualidade para a população historicamente marginalizada e oferece uma escola pública
que prioriza uma aprendizagem mecânica e fraca em detrimento do pensamento crítico, global, autônomo,
com professores, gestores e coordenadores pedagógicos desestimulados e desqualificados, com precárias
condições de trabalho, som o apoio institucional e da comunidade e com alunos desmotivados para aprender”.
612
or
da precariedade, visando unicamente reproduzir a desigualdade. Ofertar uma
educação indigente às classes populares é justificado pelos gestores munici-
od V
pais por meio do discurso da complexidade geográfica, tida como obstáculo
aut
natural, como se fosse impossível equipar as escolas ribeirinhas com gerador
de energia, iluminação, instalações sanitárias adequadas, freezer para armaze-
R
namento de alimentação escolar, e demais equipamentos para funcionamento
adequado da escola.
o
Nos municípios vinculados à Ilha do Marajó, no qual se insere o muni-
aC
cípio de Muaná, os Índices de Desenvolvimento Humano, compostos por
vida da população.
Segundo Goodson (2010), o currículo elenca um conjunto de conheci-
mentos prescritos com objetivo de desenvolver habilidades necessárias para
ão
119 A esse respeito, consultar a matéria IDH no Marajó: Paulo Rocha acerta ao dizer que os municípios
da região têm os piores índices do Brasil. Dos 16 municípios marajoaras, 14 deles estão nas últimas
posições no ranking do IDH no Brasil. Disponível em: https://apublica.org/truco2018/2018/08/17/
idh-no-marajo-paulo-rocha-acerta-ao-dizer-que-os-municipios-da-regiao-tem-os-piores-indices-do-brasil/
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 613
or
possibilidade de transformação da realidade, produz uma relação de depen-
dência no campo das relações de poder entre os docentes e a gestão muni-
od V
cipal, e nesse contexto, é descrita uma relação promiscua para assegurar a
aut
permanência do vínculo laboral temporário na rede municipal de ensino. No
munícipio de Muaná, a economia local é basicamente mantida por meio dos
R
vínculos laborais em regime de contrato temporário dos servidores públicos,
e o quadro de profissionais da educação lotados nas unidades de educação
o
infantil e ensino fundamental menor, cursistas do PARFOR, em sua maioria
aC
possui contrato temporário de trabalho.
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
entanto, quando se referem ao calendário escolar, não conseguem articula-lo
od V
ao currículo. É relevante considerar o quanto os docentes vislumbram o pro-
aut
cesso educativo de forma fragmentada e desarticulada de um viés orientado
por relações de poder.
R
A relação construída entre o currículo e a cultura é descrita entre os
docentes como algo relevante para o funcionamento da escola e a frequência
o
regular dos alunos, visando assegurar a apropriação do conhecimento, além
de relacionar as práticas sociais ao processo educativo.
aC
escola, em que os alunos têm que optar entre a frequência a essa instituição
educativa e a produção da existência por meio do trabalho.
A desarticulação da escola com as relações de produção existencial,
ão
or
dominar com mais êxito… (VEIGA NETO, 2007, p. 46).
od V
Assim, as alternativas apresentadas para a produção da existência das
aut
classes populares no Município de Muaná, resumem-se ao exercício do labor
nas atividades extrativistas, dentre estas a coleta de açaí durante a safra que
R
começa no mês de maio e se estende até novembro, e também na pesca
artesanal do camarão. Nesses períodos, a maioria dos educandos deixa de
o
frequentar as aulas, para compor a força de trabalho familiar na busca da
complementação da renda para sobrevivência.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
acesso à escola.
a re
com familiares, nas viagens até a sede do munícipio ou nas vizinhanças, além
dos momentos em que estão na labuta, visto que o único meio de locomoção
ocorre por meio da navegação fluvial.
É como observou Brandão (2000), para quem a construção do aprendi-
zado é mediada pela cultura, e assim, toda produção do intelecto humano é
616
fruto da cultura em que está inserido, portanto, é dessa forma que a criança
ribeirinha consegue interagir no espaço geográfico em sua maioria composto
por rios, igarapés, lagos, furos, para se comunicar com outros sujeitos, além
de dominar as águas para pescar ou transportar sementes como fontes de
alimento.
O percurso do transporte de ida e volta da escola para a residência,
integra o currículo da escola ribeirinha, no entanto, os docentes não con-
or
seguem relacionar o caráter global do processo educativo, e muitas vezes a
od V
escola não reconhece esses saberes e práticas que os alunos experimentam,
aut
portanto, não é considerado como parte integrante do currículo, muito menos
enquanto saber válido para ser adicionado como conhecimento relevante na
aprendizagem escolar.
Conclusão R
o
aC
REFERÊNCIAS
ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos do Estado. Rio de Janeiro;
Graal, 2000.
or
od V
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R
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sona, 1978.
o
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od V
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ANPED. Belém, 2015
R
MIZUKAMI. M.G.N. Ensino. As abordagens do processo. São Paulo:
o
EPU 1986
aC
or
um olhar para a formação e atuação
od V
da psicologia frente à violência
aut
R
Luizane Guedes Mateus
o
Passava um pouco das dez da manhã quando os fogos de artifício, segui-
aC
dos de tiros, começaram a explodir. O corpo do menino franzino acabara de ser
enterrado no cemitério destinado a pobres e negros. Os amigos de seu bairro e
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não habitam o lugar cuja sina insiste em chamar de Complexo? Será que eles
vivem até a vida adulta ou são abatidos como o “menino-homem” que foi
morto pelo atirador da polícia? Há uma única certeza: a vida nas comunida-
ão
des parece negar a existência desses homens, ainda meninos, quando lhes
apresenta a morte como o único caminho – Necros – Negros – Necropolítica
– Mortos.
s
O barulho dos fogos agora é abafado pelos tiros, que afirmam não só o
ver
lugar de existência desses corpos, mas também do luto que lhes é negado;
luto negado quando esses corpos são expostos em fotos do Instituto Médico
120 O texto faz referência ao enterro do adolescente C.M.S., de 17 anos, que, segundo relatos, foi morto por
policiais militares no bairro da Penha, cuja região compõe o que a mídia intitula como “Complexo da Penha”
– conjunto de bairros que fica no entorno de todo esse território. O assassinato de C. desencadeou uma
série de manifestações, como a ocorrida no dia de seu enterro, com fogos e tiros por mais de dez minutos,
em toda a região, bem como passeatas pela cidade de Vitória - Espírito Santo.
620
or
A responsável legal do núcleo familiar me confidencia que o jovem morto
od V
era amigo de seus filhos, criados juntos pelas vielas da comunidade. Quando
aut
finalizo o acolhimento, algumas perguntas insistem ainda em ecoar meus
pensamentos de psicóloga: é este o destino reservado aos meninos-homens
negros e pobres? Qual o lugar da Psicologia frente à violência que se tem
R
perpetuado junto dessa parcela da população? Como produzir outros lugares
de existência quando pensamos o trabalho e a formação em Psicologia em
o
relação ao testemunho daqueles que sofrem com a violência? Sigo cheia de
aC
perguntas, sem respostas, enquanto, em mais uma terça-feira ensolarada,
chegará amanhã ou a que arruma o quarto para o filho que não chegará?
(ALVES, 2002).
Ed
cemitério. São mães, tias, irmãs, avós – familiares de pessoas que foram
atingidas pela violência no estado do Espírito Santo e que ousaram narrar
suas trajetórias. Seriam somente mais algumas das tantas histórias, de dor e
s
faíscas e lascas, são narradas por essas personagens, um narrar cheio de frag-
mentos que acabam constituindo certas formas de viver, existir, lutar e resistir.
São discursos-práticas de pessoas que romperam com os lugares de vítimas
e perigosas que lhes foram imputados, simplesmente por pertencerem aos
territórios criminalizados pelas estatísticas de violência, ou por sua negritude.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 621
or
no campo das exceções”, conforme propõe Angela Davis (2018).
od V
Acho que, com frequência, tratamos esses casos como se fossem exceções,
aut
como se fossem aberrações. Ao passo que, na realidade, eles acontecem o
tempo todo. E presumimos que, ao punir o autor, a justiça terá sido feita.
R
Mesmo quando policiais são indiciados não podemos ter certeza de que
a transformação esteja em pauta (DAVIS, 2018).
o
A greve da Polícia Militar do estado do Espírito Santo teve início em 03
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
das de 180 121 a 215 mortes entre os dias 04 e 25 de fevereiro de 2017. Mortes
que tinham endereços certos – as periferias – e uma cor determinada – a negra.
Os escritos e análises sobre esse período e essas mortes buscaram não só
possibilitar um espaço de fala e de escuta das mães e familiares dos atingidos
por essa violência, mas também compreender o papel da Psicologia frente às
par
que a escuta feita a elas poderia nos desviar para a armadilha da revitimização,
ver
uma vez que a angústia de repetir inúmeras vezes tais vivências de dor e de
sofrimento seria uma possibilidade. Encontra-se entre as atribuições da Psi-
cologia não apenas promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das
121 Número apresentado pelo Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Espírito Santo.
622
or
transformá-los em mais uma encruzilhada, tampouco usar o lugar de vítima
od V
como palco para a busca por vingança ou endurecimento dos processos penais
aut
que já assolam tanto a população pobre e negra do país.
R
“elogio” da vítima. De que forma a vitimização generalizada, acom-
panhada da supremacia dos afetos de compaixão e do crescimento das
o
demandas de reparação dirigidas à justiça, tem servido para endurecer cada
aC
vez mais o direito penal? Que categorias profissionais, que instituições,
nos como das relações étnico-raciais. Compartilhar essas histórias foi uma
forma também de reafirmar essa confiança no trabalho das equipes junto aos
territórios ali compreendidos.
ão
122 O Creas é uma unidade pública estatal, composta pela Política de Assistência Social, onde famílias e
indivíduos em situação de risco pessoal ou social – que vivenciaram casos de violação de direitos; vítimas
do trabalho infantil e de abandono; pessoas em situação de rua ou que tenham sofrido violências física,
psicológica e sexual ou mesmo foram discriminadas por razão de sua orientação sexual ou de sua etnia e
adolescentes que estejam em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto – são atendidas.
123 Desconfiamos de construções e conceitos fechados, que tendem a patologizar e produzir subjetividades
homogêneas e identitárias, como o conceito de risco pessoal e social, que produz, nas periferias das cidades,
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 623
or
Psicologia pode fortalecer não só sua atuação em defesa da vida, mas também
od V
na produção de estratégias de resistência à morte violenta. Acreditamos que
aut
a partir desses testemunhos de violência, é possível pensar numa ferramenta
clínico-política no campo da formação em Psicologia, pautada na construção
R
de uma memória antes coletiva que individual (MOURÃO, 2009; RAUTER,
PASSOS; BARROS, 2002).
o
Do berço à sepultura: narrar o indizível é sobre resistir, é sobre
aC
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o testemunho
capixaba. Como bússola para cartografar o caminhar das famílias diante das
mortes de seus entes queridos, buscamos, como viés metodológico, a utiliza-
a re
mente, pobreza, periculosidade e negritude; mas não era essa história que
nos interessava.
s
ver
or
tentavam quebrar a sequência de silêncios que ainda prevaleciam no período
od V
de greve da polícia militar. Os silêncios quebrados, por vezes, nos levaram a
aut
outros momentos e relatos sobre sobreviver. Passeando pelos caminhos não
retilíneos da História, encontramos análises dos crimes e genocídios nazis-
tas ocorridos nos campos de concentração, em especial de Auschwitz. São
R
análises que trazem relatos dos sobreviventes desses campos e a forma como
produziam e elaboravam memórias a partir das experiências traumáticas. Esses
o
fatores nos levam diretamente ao modo como as experiências traumáticas dos
aC
familiares de atingidos pela violência no período de greve da polícia militar
or
ção da alardeada “guerra ao tráfico” que há tempos já vinha sendo articulada
od V
nas comunidades periféricas da cidade de Vitória. Seu irmão foi morto dois
aut
dias antes de sua liberdade, fato que a persegue todos os dias de sua vida e
a faz indagar se ele teria morrido, caso ela estivesse em liberdade. Esta é a
pergunta que ela se faz todos os dias quando acorda: ele teria morrido?
R
Ouvindo seu relato e tantos outros, as ideias relacionadas à escrita per-
meiam meu corpo negro de pesquisadora. A escrita se delineia: mulher negra,
o
retinta, que narra como a morte do irmão mais novo era atravessada pela
aC
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Dado desde o início ao mundo dos outros, carrega a sua marca, é formado
dentro do cadinho da vida social; só mais tarde, e com alguma incerteza,
reivindico o meu corpo como meu, se é que de fato alguma vez o faço
ão
(BUTLER, 2018a).
s
greve, é atravessada por três pilares: violência letal, racismo e ações de extermínio
praticadas pelo braço armado do estado. Corpos que são, em última instância,
ilegítimos cultural e socialmente para sua existência enquanto humanos.
Em outra narrativa, a mãe entrevistada traz à memória o momento em
que seu filho foi morto. Era um fim de tarde ensolarado, como tantos outros.
626
A notícia era de que o filho estava ferido em uma escadaria próxima à resi-
dência, e que ela precisava correr até o local. Ela sabia – mães sempre sabem
– que a notícia sinalizava outra verdade que ela conhece muito bem: de que
o filho estava morto. Nas comunidades, onde a violência atravessa vidas, as
mães não são chamadas quando os filhos estão feridos, mas, sim, quando já
estão mortos.
or
Aquele já não era mais um fim de tarde ensolarado. Em sua fala, esta mãe
conta que todos os dias, ao voltar do trabalho, se pega olhando o entardecer,
od V
aut
buscando respostas que lhe digam o porquê daquela tarde e daquela morte;
o porquê de parte de sua vida ter sido levada por quatro tiros disparados por
R
desconhecidos. São quebra-cabeças incompletos que – para os que pregam
a neutralidade e a desejável individualidade – parecem habitar no privado
o
dessas famílias.
aC
a vida pulsar, e, assim, pulsando, fizeram com que nenhuma morte caísse no
esquecimento e no imobilismo.
Ed
or
produz vida. Psicologia como produção de vida.
od V
Essas mulheres – porque são só mulheres – se jogam num espiral de
aut
tempo, numa encruzilhada entre o vivido e aquilo que poderia ser vivido,
especialmente num instante em que as temporalidades deflagram um lugar
R
doce de existência anterior à morte, cujo passado se dá através do que foi
construído junto de seus entes queridos, e não pelo que se construiu a partir
o
do lugar em que são colocados depois de mortos. Sem perceber, fazem com
aC
que o olhar desconfiado do leitor dessas linhas nada alinhadas os enxerguem
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[...] a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez mais raras as
a re
Pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida, uma vida que não inclui
apenas a própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia
(BENJAMIN, 1993).
s
ver
or
ocasião, Xangô estava no alto de uma montanha: em altos brados, evocava
od V
os raios, desafiando essas forças poderosas. Sua voz era o próprio trovão,
aut
provocando um barulho ensurdecedor. De repente, o céu se iluminou e os
raios começaram a aparecer.
As pessoas ficaram impressionadas com a beleza daquele fenômeno, mas,
R
ao mesmo tempo, estavam apavoradas, pois nunca tinham visto nada pare-
cido. Xangô, orgulhoso de seu extremo poder, ficou extasiado com o
o
acontecimento. Foi, então, que, do alto de sua vaidade, viu a situação fugir
aC
ao seu controle. Tentou voltar atrás, implorando aos céus que os raios, que
povo tentou consolá-lo. Mas Xangô, sem dar ouvidos a ninguém, foi
embora da cidade. Com o passar dos dias não suportou tanta dor e injustiça
a re
até lá para trazê-lo da morte, que veio envolto em panos brancos e com o
rosto coberto, pois não podia ser reconhecido por Ikú, o Senhor da Morte.
Ed
nos inquietavam: como formar grupos com pessoas que tinham medo de se
ver
expor, tanto pelo modo violento com que seus familiares haviam sido mor-
tos, quanto pelas ameaças sofridas após essas mortes? Como falar desses
meninos e meninas sem permear os caminhos dicotômicos da vitimização
ou da produção do lugar do perigo? As respostas para essas perguntas foram
surgindo a cada encontro.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 629
or
das estratégias de mortes, usadas nas comunidades em meio à greve, sem
od V
sentir-se amedrontado?
aut
Uma das formas de desumanizar é impossibilitar que se vivencie o luto,
transformando vidas perdidas naquelas que não merecem ser lamentadas,
R
identificando-as como “menos humanas”. É assim que os discursos produzem
o inumano – “funcionam sem fornecer nenhuma imagem, nenhum nome,
o
nenhuma narrativa, de forma a concluir que ali nunca houve morte, tampouco
vida” (BUTLER, 2019).
aC
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É a partir da força e luta por justiça e para provar que esses corpos não
são “descartáveis” que essas mulheres têm “o poder de transportar os espíri-
tos dos mortos do Aiyê para o Orun”. Como Iansã, são as mães dos espaços
sagrados, com amplo conhecimento do reino dos eguns ou – para aqueles que
par
não sabem – reino dos mortos. É através da memória e da narrativa que elas
podem trazê-los da morte, não permitindo de tal maneira que sejam reconhe-
Ed
cidos por Ikú, o orixá da Morte – “ressurgem assim dos mortos, tornando-se
seres encantados”, conforme as palavras de Charles Corrêa.
Essas mulheres quando falam, aumentam momentaneamente o tom de
ão
voz; é como se falar mais alto sobre a vida e a morte de seus familiares
pudesse, por alguns instantes, trazer de volta e refazer a história desses jovens
s
or
cio do biopoder, ‘este velho direito soberano de matar’. Na economia do
od V
biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar
aut
possíveis as funções assassinas do Estado (MBEMBE, 2018).
R
rios pobres das cidades, e mais especialmente ainda nas cidades capixabas,
que foram o nosso foco de pesquisa. Temos, nas comunidades periféricas,
o
índices de óbitos altíssimos, causados, em sua maioria, por agentes do estado
aC
contra os corpos majoritariamente negros. São ações que têm um único alvo:
dolorosas, e embora não sejamos aquelas mães, irmãs, tias e avós marcadas
pela memória da dor, nos invadimos dessa dor diante da imensidão dos teste-
munhos. Mas entendemos que o testemunho também move. O espaço para a
escuta da dor torna possível dizer o indizível. Para isso, é preciso lançar mão
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 631
or
SZUCHMAN, 2017).
od V
aut
Conclusão: “porque para nós, desde que chegamos aqui, só nos
foi oferecida a guerra...”
R
Possibilidades! Possibilidade de compartilhar a maternidade para além
o
da dor, de escapar da “sina necropolítica” e de não sucumbir-se às lineari-
dades e homogeneidades que desqualificam as formas de viver, sentir, agir e
aC
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lutar. As famílias seguem, lutam contra o apagar das histórias de seus entes
queridos e contra os efeitos do “não humano” que atravessaram seus corpos
desde que morreram. A sensação de se tornarem “inumanos” será como uma
visã
desconstrução, o desfazer da percepção de perda e insensibilidade à dor e
ao sofrimento como um mecanismo por meio do qual a desumanização se
consuma (BUTLER, 2019).
Humanizar o que a maioria luta para tornar monstro, desumano - esta
itor
de uma avó, num dos grupos realizados para a construção dessa pesquisa,
foram: “revisitar as lembranças”. O desafio, junto a todos os familiares com
quem estive, foi deixar, por alguns instantes, a dor da casa vazia e enveredar
pelas histórias que não passaram somente pela morte e entender como eram
par
pudessem de alguma forma, fazer emergir algo que fosse além da “ótica dos
vencedores”. Este foi o desafio com os familiares de atingidos pela violência.
Nossa principal ferramenta, nos caminhos trilhados, foi narrativa, testemunho,
ão
relação às narrativas, rogo à Omolú por suas vidas em meio ao caos; muitas
mães continuam enterrando seus filhos com caixões lacrados, ora pela vio-
lência, ora pela pandemia. Ainda são os corpos negros que tombam e não têm
seus lutos respeitados e nem mesmo direito ao enterro digno.
O poder e a capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer
passam não só pelos corpos expostos à violência, mas também por aque-
les expostos à pandemia. “Fazer viver e deixar morrer”, políticas de con-
or
trole social através da morte; o poder se materializa pela expressão da morte
od V
(Mbembe, 2018). Morte que é atravessada, em toda a sua extensão, pelo
aut
racismo, aquele que muitos insistem em dizer que não existe ou reduzem-no
à individualização.
O racismo permeia meus pensamentos, permeia a pandemia e também
R
estas linhas. Agora, alguns meses depois da finalização da pesquisa e do
último encontro com os familiares e o isolamento social, pergunto-me como
o
estão essas pessoas? Como a busca por outros sentidos para a vida ganha
aC
contra a sina de que pretos e pobres têm como os únicos caminhos a violência
generalizada, a família desestruturada e a morte violenta como final da linha
Ed
tênue da vida. É sobre isso que acreditamos serem os caminhos para a for-
mação e atuação enquanto Psicologia; sobre potência de vida, vida invenção.
O Estado segue matando, tanto pela violência, como pela ausência de
ão
REFERÊNCIAS
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neta, 2002.
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Baptista, Maria Manuel. (org.). Género e Performance: Textos Essenciais 1.
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Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
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http://blog.charlesdeoxum.com.br/oya-iansa-traz-xango-de-volta-dos-mortos/.
par
DAVIS, Angela. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo, 2018.
Ed
or
od V
aut
R
o
aC
or
od V
Flávia Cristina Silveira Lemos
aut
Daiane Gasparetto da Silva
Adriana Elisa de Alencar Macedo
Bruno Jáy Mercês Lima
R
Antonino Alves da Silva
Luis Wagner Dias Caldeira
o
aC
Introdução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
O trabalho com documentos ainda é pouco usual em pesquisas na Psi-
cologia brasileira. Todavia, há trabalhos que atuam em um esforço de apro-
ximar os estudos com arquivos e documentos das Psicologias, em especial,
da Psicologia Política, Social, Comunitária, Educacional e em Saúde mental
itor
mentos passou a ser uma prática valorizada nos últimos anos, na área.
Portanto, este capítulo visa trabalhar com esta história recente, basica-
mente, propondo uma breve incursão pelos modos de escrever a História e
costurar as historiografias e teorias na história com as Psicologias. Todos os
par
documentos são resultantes de uma fazer histórico e gera efeitos nas maneiras
de pensar, de agir, de viver, de nos relacionar e de experienciar a vida. Os atos
Ed
do presente.
or
Os estudos históricos permitem desnaturalizar as práticas psicológicas
e a pensar as relações entre subjetivações com uma complexidade de acon-
od V
tecimentos singulares, formando uma rede de intrigas e uma trama de linhas
aut
entrecruzadas, forjadas como uma teia-diagrama. As tensões sociais, econô-
micas, culturais e políticas são colocadas em xeque pelo estudo cuidadoso
R
com os documentos psicológicos e as interferências dos mesmos na esfera
política de uma determinada sociedade e na interrogação da própria dimensão
o
política da construção de uma subjetividade.
Os arquivos presentes nas organizações de diversas políticas públicas são
aC
documento guardado numa pasta para outra consiste em uma operação de ava-
liação de relevância, de seleção e de produção de memória” (CASTRO, 2008,
p. 31).
Um prédio, uma planta arquitetônica, móveis, jornais, currículos, ates-
tados, atas de reunião, formulários para preenchimento, veículos, praças e
estátuas, museus com obras diversas, bibliotecas, objetos antigos, artefatos
arqueológicos, adornos seculares e milenares, músicas e instrumentos, roupas
or
e talheres, iconografias, armas e mapas, aparelhos eletrônicos, vestígios e
od V
emblemas, sinais e marcas, anotações em um caderno e carteira de trabalho,
aut
certidões de nascimento e casamento, testamentos e diplomas, leis e regimen-
tos, denúncias e processos, avaliações de desempenho e atestados de qualidade
de um produto, rótulos e propagandas etc. são fontes históricas.
R
Assim, o estudo dos documentos se torna um dispositivo de interven-
ção do pesquisar e analisar com operadores conceituais e ferramentas meto-
o
dológicas do trabalho com estudos históricos. Busca-se propor o trabalho
aC
com arquivos como dispositivo de ruptura com preconceitos, discriminações
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or
ser problematizada com a construção de mecanismos intercessores entre a
od V
Historiografia e as Psicologias, tanto nas pesquisas quanto nas atuações pro-
aut
fissionais de psicólogos(as).
O privado e íntimo, também é político e produz e reproduz racionalidades
R
agenciadas com outras organizações, equipamentos, grupos, instituições e
estabelecimentos, em redes entrecruzadas de relações. As Psicologias atuam
o
com a política o tempo todo, ela é política e não pode deixar de ser politizada
analiticamente porque o privado não está apartado do público, nem o micro
aC
de todas as ciências e das artes. Segundo Louro (2007), os corpos não são
ver
Conclusões
or
od V
O trabalho com documentos e a História permite desnaturalizar as práti-
aut
cas sociais, culturais, psicológicas e econômicas, em uma ação afirmativa da
singularização das existências. Os arquivos fornecem importantes pistas meto-
R
dológicas e conceituais relevantes para as Psicologias e permitem intervenções
éticas, estéticas e políticas nas disputas pelas memórias, narrativas e também
pelas performances corporais, em amplo espectro de complexas análises.
o
Estigmas, estereótipos, preconceitos, discriminações negativas, rotu-
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
do presente.
par
Ed
s ão
ver
640
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or
e realidade, Porto Alegre. [s.e.]. v. 25, p. 49/58. jul./dez. 2000.
od V
aut
R
o
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
visã
itor
a re
par
Ed
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ver
ver
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par aC
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visã R
od V
o aut
or
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
DAS VICISSITUDES, LIMITAÇÕES E
POSSIBILIDADES DE UMA PESQUISA
TEÓRICO-BIBLIOGRÁFICA: a
or
reconstrução enquanto conceito operador crítico
od V
aut
Aluísio Ferreira de Lima
José Alves de Souza Filho
R
o
O que ele [Ulisses] escuta não tem consequências para ele, a
aC
única coisa que consegue fazer é encenar com a cabeça que
o desatem; mas é tarde demais, os companheiros – que nada
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Fechamento que, por sua vez, ao contrário do que sustentaria uma leitura
ver
or
de investigar e de dizer a verdade do mundo e aceitar ser criticados, con-
traditos, refutados, em nome de uma referência ao real, assim constituído
od V
em arbítrio de investigação (BOURDIEU, 2008, p. 98 – grifos do autor).
aut
Análise que permite perceber que o campo científico não se configura
R
como um coletivo integrado e desinteressado, mas como um campo absolu-
tamente singular, no qual as relações de poder e de luta entre os agentes e
o
as instituições estão articuladas diretamente e submetidas às leis específicas
decorrentes de interesses dos participantes do campo que buscam aumentar
aC
O que passa a ser convencionado como racional não é a ordem das coisas
em sua materialidade, mas a solução de um problema encontrado de forma
pressuposta, devido a forma convencional com a qual lidamos com a realidade.
or
de produção de conhecimento e não apenas descrever a sociedade, mas com-
od V
preendê-la à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada
aut
pelos mecanismos de dominação presentes. Posicionamento crítico que requer
uma atitude diante do conhe- cimento tão prudente quanto aquela que é reco-
mendada para as leituras do senso comum e exige um estado de alerta diante
R
dos conhecimentos atuais e uma disposição interna para colocar as verdades
escolares em questionamento.
o
Ambos autores, cada um ao seu modo, ensinam que frente as possibili-
aC
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existes, tanto por apropriação conceitual como por uma produção textual de
leitura compreensível (PIZZANI; SILVA; BELLO; HAYASHI, 2012).
Ed
or
e normas de métodos (LIMA; MIOTO, 2007; HABERMAS, 2014).
od V
Entendemos que a produção de um conhecimento não deve contentar-se
aut
com a aplicação de métodos sem problematizar os interesses que permeiam os
conhecimentos da aplicação de um método ou técnica (HABERMAS, 2014).
Logo, é crucial questionar sobre as implicações de determinados procedimen-
R
tos, como a escolha de determinada bibliografia e seus recortes, pois, aí, já
sinalizam quais discursos participaram na produção de determinado conhe-
o
cimento. Em nossas pesquisas temos nos apropriado das pistas apresentadas
aC
Jürgen Habermas tem mérito de reconstruir uma teoria social que viabi-
liza um “diagnóstico das tendências, crises e patologias das atuais sociedades
desenvolvidas”, conforme bem assinalou Siebeneichler (2012, p. XIII), ou
seja, uma leitura capaz de desvendar as estratégias de controle e administra-
par
especial, que figuram a riqueza dos referenciais simbólicos, que dão sentido e
contornos aos processos sociais. Marcos Nobre e Luiz Repa (2012) exploram
essa perspectiva da reconstrução, na medida em que a situam como via gené-
tica de explicitação das estruturas de socialização dos sujeitos, em especial,
da sua participação no jogo simbólico e de sentidos da cultura.
or
elas também são apreendidas pelos atores no seu processo de socialização,
od V
a reconstrução genética deve poder explicar como se dá esse processo de
aut
aprendizagem. Isso significa que tal reconstrução deve poder explicar
como sujeitos socializados podem aprender e criar novas estruturas com
base nas anteriores até chegar ao nível das sociedades contemporâneas
R
(NOBRE; REPA, 2012, p. 21).
o
É possível observar nos autores um reforçador da ideia de reconstrução
aC
como uma postura crítica de pesquisa teórica. Enquanto “operador teórico”
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história de sua própria criação, mas, sobretudo, iluminar novos caminhos, meio
e ações de construções de vias emancipatórias. “A forma metódica de como se
apreende a realidade está indissoluvelmente liga às potencialidades melhores
ão
seja, pela reconstrução temos uma (re)apropriação dos elementos sociais, por
ver
or
que a articulação das teorias tradicionais no empreendimento crítico sobre os
od V
fundamentos normativos da sociedade que participamos. Ou como Repa &
aut
Nobre (2012) melhor definem, trata-se de um diagnóstico do tempo ao desco-
brir as estruturas profundas geradores de objetos simbólicos enquanto formas
de conhecimento social. Especificamente, são “[...] as regras, as estruturas,
R
os critérios de avaliação e os processos sociais mais amplos em que determi-
nados objetos simbólicos se inserem e ganham um sentido social e racional
o
que é alvo da teoria reconstrutiva” (REPA; NOBRE, 2012, p. 18). Refletir as
aC
preendidos pelos atores depende de seu saber intuitivo sobre certas estru-
turas sociais, que não podem ser confundidas, nesse sentido, com o que
resulta delas. Nesse aspecto, tais estruturas são chamadas por Habermas
ão
que atividade crítica articula suas operação por dois pressupostos: por um
lado, reconhecer na imanência dos conhecimentos as contradições entra suas
possibilidades teóricas e reais efetividades de suas discussões, os seja seus
déficit teóricos; por outro lado, o resultado de seus deficts, devemos situar
quais são os limites de um arcabouço teórico, referindo-se aos seus limites
explicativos de sua abordagem teórica. É partindo desses dois pressupostos
que a condição operativa de reconstrução volta-se sobre as possibilidades
or
teóricas que podem ser desenvolvidas a partir de um conjunto simbólico, como
od V
uma teoria social, seja pelas delimitações de uma teoria ou mesmo o defict
aut
de seus discursos e discussões. Logo, a condição prática da reconstrução se
efetiva pelos interesse da aplicação de uma determinada operação de criticar.
R
Efetiva-se quando reconstruímos, pela atualidade da teoria no reconhecimento
de seus limites, as “[...] regras que permitem determinadas operações simbó-
o
licas, ou seja, visando descobrir um potencial de razão e de explicação não
aproveitado praticamente” (REPA, 2012, p. 61).
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
or
autônomo com indivíduos apropriados de suas existências (SOUZA FILHO;
od V
SANTOS, 2017; SOUZA FILHO, 2017) .
aut
Dentro de nossa pesquisas, temos implicado criticamente a técnica de
fichamento na pesquisa bibliográfica resgatando duas referências da obras de
R
Habermas que julgamos importantes para uma operação crítica a partir de um
pesquisa reconstrutiva: (com)texto, trabalhado no livro “Textos e Contextos”,
o
e discurso/discussão do livro “Pensamento pós-metafísico” (DUTRA, 2015,
HABERMAS, 1990; HABERMAS, 2015).
aC
uma crítica dos textos e dos contextos, de forma a reconstruir a dinâmica dos
interesses dos conhecimentos ai presentes. Sobretudo, quando a leitura que
realizamos nos permite sair de uma de posição receptiva, ou seja passiva,
ão
or
da consciência de mergulhar na profundidades de suas ideias sejam capaz de
od V
evidenciar as faces obscuras de sua própria identidade.
aut
Assim se fecha o círculo de um pensamento da identidade, que se intro-
duz a si mesmo na totalidade que pretende abranger, cuidando, portanto,
R
de satisfazer à exigência de fundamentar todas as premissas a partir de
si mesmo. A independência da condução teórica da vida sublima-se na
o
moderna filosofia da consciência, assumindo a forma de uma teoria que
aC
se fundamenta sobre si mesma (HABERMAS, 1990, p. 42).
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dura das velhas verdades que ainda podem ser assimiladas criticamente,
mas também sobre o modo de transformação do sentido pelo qual devem
passar as velhas verdades no caso de uma apropriação crítica (HABER-
s
or
resume apenas a uma fonte a ser estuda para fichamentos que, por ventura, for-
od V
talecerá argumentos por citações diretas ou indiretas. Segundo Dutra (2015),
aut
sobre diferentes textos filosóficos e psicossociológicos, diz que Habermas
busca compreender os conteúdos normativos explícitos e implícitos em cada
discurso. Ou seja, que ele trabalha cada argumento a partir da dinâmica de
R
sentidos e significados que o texto pretende comunicar. Assim, o empreendi-
mento crítico da Reconstrução deve operar na desnaturalização dos discursos
o
sobre a realidade, ao mesmo tempo em que deve comprometer-se com uma
aC
REFERÊNCIAS
ANTUNES, D. C. A conexão entre reflexão filosófica e pesquisa social empí-
rica como práxis nas Teoria Crítica da Sociedade. Revista Sul-Americana de
Filosofia e Educação, v. u, p. 22-42, 2014.
or
BANNEART Junior, Clodomiro. REPA, Luiz. Apresentação à edição brasi-
leira. In: HABERMAS, Jürgen Para a reconstrução do materialismo histó-
od V
aut
rico. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
R
e o artigo científico como forma de comunicação. Rev Odontol da Univ São
Paulo. 18, p. 265-74, 2006.
o
aC
BOURDIEU, Pierre. Para uma sociologia da ciência. Lisboa: Edi-
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Walter et al. Textos Escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (original
publicado em 1937).
s
ver
LIMA, Aluísio Ferreira de. Coisas frágeis: Narrativas sobre os efeitos do diag-
nóstico psiquiátrico para a identidade. In: MEMORIAS del XXXVI Congreso
Interamericano de Psicología. XXXVI Congreso Interamericano de Psicología.
or
Linea Temática II: Sujetos y procesos psicológicos: abatir las brechas de la
od V
desigualdad, 2017. Mérida, Yucatán, México: Sociedad Interamericana de
aut
Psicología & UAM- Iztapalapa, 2017. v. 1. p. 264-268.
LIMA, Telma Cristiane Sasso de; MIOTO, Regina Célia Tamaso. Procedi-
R
mentos metodológicos na construção do conhecimento científico: a pesquisa
bibliográfica. Revista Katálysis, 10, (spe), p. 37-45, 2007.
o
aC
NOBRE, Marcos; REPA, Luiz (orgs.). Habermas e a reconstrução: sobre a
SOUZA FILHO, José Alves de; SANTOS, Beatriz Oliveira. O sintagma iden-
ver
or
Thiago Cardassi Sanches
Márcio Alessandro Neman do Nascimento
od V
aut
“Essa foi uma das coisas que aprendemos no seu país: como fazer
R
mapas [...]. Mas nós demos aos mapas um emprego muito mais amplo
[...]. Construímos o mapa do país na escala de uma milha para milha!”
o
“E vocês o utilizaram muito?”, eu perguntei.
“Ele nunca foi aberto, até hoje [...]. Os fazendeiros se
aC
opuseram, dizendo que o mapa cobriria todo o nosso território
e impediria a recepção da luz do sol! Por isso, atualmente,
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Esse relato fantástico denuncia certa parte de pretensão que pode acometer
os cartógrafos em sua ânsia pela representação de um território. Mas seria
ão
o mapa uma cópia perfeita daquilo que lhe deu origem? Ou ao menos uma
cópia fiel? Um mapa é tão melhor quanto corresponda ponto a ponto com
a realidade que representa? Ou será que, no final das contas, nenhum mapa
s
Para uma ciência rigorosa dos mapas, que reproduza com fidelidade total
os elementos de um território, alguns requisitos fazem-se necessários para
se atingir com sucesso determinada façanha. Em primeiro lugar, um mapa
que tenha a pretensão de coincidir com seu território deve ser construído na
127 CARROLL, Lewis. Algumas aventuras de Sílvia e Bruno. São Paulo: Iluminuras, 1997
128 BORGES, Jorge Luis. Do rigor na ciência. In: BORGES, Jorge Luis. Obras Completas. v. 2. São Paulo: Globo,
1999.
656
escala “um por um” e, portanto, ser coextensivo a ele. É fundamental que
seja, de fato, um mapa e não um decalque, pois seria inadimissível cobrir
o território com um material maleável que imprimisse nele o seu relevo129
. Nesse caso, poderíamos falar de empacotamento ou selagem ao invés de
um verdadeiro mapa. Isso porque o mapa é muito diferente de um decal-
que. O decalque obedece a um princípio genético que o vincula à estruturas
profundas que devem ser descobertas para, então, serem traduzidas em uma
or
representação gráfica que coincida com, ou ao menos simule, a realidade
od V
mapeada130 . Sua lógica se limita a um modo de funcionamento especular no
aut
qual o que está embaixo deve estar necessariamente em cima, estabelecendo
uma correlação estática e segura daquilo que, pelos sentidos da experiência,
é puro movimento e instabilidade.
R
Com frequência, toma-se como regra que um mapa perfeito deve repre-
sentar com o máximo de detalhamento possível e para isso deve cobrir não
o
apenas o relevo e a arquitetura de um território, mas também os artefatos
aC
129 ECO, Umberto. Da impossibilidade de construir a carta do Império em escala um por um. In: ECO, Umberto.
O segundo diário mínimo. Rio de Janeiro: Record, 1994.
130 DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. In: DELEUZE, Gilles. Mil Platôs: capitalismo e
esquizofrenia 2, v. 1. São Paulo: 34, 1995.
131 ECO, op. Cit.
132 NIETZSCHE, Friederich. Sobre verdade e mentira. São Paulo: Hedra, 2008.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 657
a pessoa que realizasse essa “consulta aérea” estaria ao mesmo tempo fora
e também retratada no mapa, o que faria dele uma representação incorreta.
Além do mais, depois de traçado o mais perfeito mapa de um território, as
pessoas que o povoam não poderiam se movimentar, pois qualquer mudança
de posição alteraria a fidedignidade do mapa, ao menos que se procedesse
uma correção contínua e em tempo real com base nas modificações ocorridas
no território, o que obrigaria a população a deslocamentos que o mapa não
or
teria como registrar. Se as pessoas não puderem alterar suas posições, o mapa
od V
carecerá de manutenção e reparos depois de atingido pelas intempéries do
aut
clima e do forte sol e acabará se danificando, o que culminará em uma nova
cópia imperfeita da realidade133 .
R
Toda essa especulação a respeito da possibilidade de construção de um
mapa em uma escala que seria, ao menos teoricamente, a mais perfeita repre-
o
sentação de um território, nos é útil para que possamos extrair três proposições
lógicas que derivam por encadeamento dedutivo da problemática exposta.
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
A primeira delas é que toda pretensão de mapa em escala “um por um” traz
sempre uma representação infiel do território, o que implica na impossibili-
dade de produção de um mapa idêntico à realidade cartografada. Em segundo
visã
lugar, no momento em que se empreende a realização do mapa, o território
se torna irrepresentável. Terceiro, todo mapa “um por um” de um território
determina o fim do próprio território e, portanto, é mapa de outra coisa que
itor
com aquilo que mapeia, como também não esgota suas possibilidades, já que
não é capaz de representar tudo de um território. Uma cartografia adequada
pode resultar em um índice de contiguidade com aquilo que lhe deu origem,
o que justifica a sua utilização, porém todo mapa é sempre uma visão parcial
que está submetida à perspectiva subjetiva de seu cartógrafo. Por essa razão,
par
todo mapa é ao mesmo tempo mapa de alguma coisa e mapa do próprio car-
tógrafo, com suas premissas, habilidades, visão de mundo, etc. Esse processo
Ed
senso comum determina, pois o mapa não é apenas uma ferramenta de traba-
ver
or
a fotografia ou uma chapa de raio-x, que precisa sacrificar todo e qualquer
od V
movimento em favor da replicação do real. Entretanto, se partirmos do pres-
aut
suposto que a vida é aquilo que só pode existir no incessante movimento do
devir e em sua inscrição no fluxo do tempo, o decalque não conseguirá captar
a parte da realidade que mais nos interessa: o processo da vida se fazendo a
R
todo momento. E talvez seja próprio da vida estar permanentemente rasgando
as tentativas de decalques cognitivos pré-fixados que tentam, a todo custo,
o
aprisioná-la. Dessa forma, ou o decalque mata a vida, ou a vida invalida a
aC
pretensão do decalque, como vimos na fábula dos mapas de proporção “um
não se define por si próprio e sim pelas relações que se atribuem entre suas
ver
partes. Todo conjunto é aberto em alguma parte, o que faz com que o Todo
se divida em seus elementos e, concomitantemente, que os elementos percam
seus contornos e se desmanchem no Todo (disjunção-inclusiva).
136 BERGSON, Henri. O mecanismo cinematográfico do pensamento e a ilusão mecanicista.... In: BERGSON,
Henri. A evolução criadora. São Paulo: UNESP, 2010
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 659
or
humano, já que é uma prática utilitarista que organiza o pensamento sobre
od V
determinado tema a fim de assegurar um entendimento único e conclusivo de
aut
seu conjunto. Para isso acontecer, é necessário que se traduza o mundo e seus
acontecimentos em designações uniformes e se pretenda que a representação,
seja gráfica ou discursiva, coincida com a experiência. Mas imagem e lingua-
R
gem não passam de apenas uma metáfora dos acontecimentos e podem dizer
apenas a sua parte atualizada. É da inobservância do que é singular na vida
o
que podem se formar as representações, perdendo-se em experiência singular
aC
para ganhar em capacidade de comunicação138 .
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no mesmo momento em que a experiência se dá, uma vez que “não se pode
ver
atingir a duração por um desvio: é preciso instalar-se nela de uma vez” 140.
or
Essa característica concede à prática cartográfica um campo inesgotável de
od V
experimentação, desde que observadas as características e preconceitos que
aut
envolvem a produção de mapas. Um mapa da realidade, diferente de sua
contraparte decalcada, deve ser livre de qualquer desejo de representação.
Se o decalque formaliza um projeto pensado, o mapa configura-se enquanto
R
um agir inato, sem finalidade ou intenção, mesmo que ao final de seu traçado
estejam presentes linhas de coincidência entre o traço do mapa e as possíveis
o
utilidades de seu decalque 141. Pois não é verdade que o decalque seja, em si
aC
próprio, uma prática equivocada. Nada impede, inclusive, de reconhecer sua
or
rente. Se suas imagens se correspondem com aquilo em que já acredito, elas
od V
se tornam suficientemente poderosas para tomar o lugar do próprio real, o que
aut
evidencia a natureza autorreflexiva dos mapas. Pois os mapas não dizem o
próprio território, e sim a perspectiva de seu cartógrafo a respeito do territó-
R
rio que, com isso, carrega grande parte de seus valores e produção subjetiva
para o mapa. Esse cartógrafo pode ser este ou aquele autor, um determinado
grupo social, uma linguagem, uma corrente política, uma matriz religiosa, a
o
biologia, a ciência, etc143 .
aC
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ele não mais encobre a realidade, ele se tornou a própria realidade. O processo
a re
or
saber sobre o mundo do que com a própria vida144 .
od V
Para escapar dessa armadilha, a prática cartográfica olha para esses mes-
aut
mos conhecimentos sem, contudo, ver a mesma coisa. Podemos olhar, mas
“olhar não é ver”145 . O verbo ver, com frequência, exige um complemento
que o defina ou explique. Quem vê, vê sempre alguma coisa. Por outro lado,
R
o verbo olhar se adequa melhor a uma pura experimentação sensorial. No sen-
tido intransitivo, o olhar dispensa definições, constituindo-se apenas enquanto
o
um puro vagar pela paisagem que observa diante de si, já que vagar é um
aC
infinitivo que não requer complemento. Em contraposição aos “mapas do
Por isso, a cartografia não pode ser dita uma prática intencional. A intenção
exige um projeto ou programa para se chegar em um resultado, o que acaba
por ocultar durante o processo outras possibilidades impensadas, até mesmo
impensáveis147 . A cartografia, por sua vez, também alcança resultados, ainda
que não possua qualquer intenção de prevê-los em favor de que se mantenham
par
or
e o que a linguagem fala não pode haver homogeneidades, apenas uma série
od V
de cruzamento, ataques, flechas lançadas de um plano ao outro, uma ver-
aut
dadeira batalha148 . Uma prática cartográfica não teria por objetivo superar
essas diferenças em favor de uma média ou de um senso comum pertinente
R
a todas as formas, mas dizer em que exatamente consistem essas diferenças,
determinando a medida de sua variação.
Dessa forma, decidimos que um mapa que se pretenda nas proporções
o
de “um por um” não apenas é uma façanha inviável, mas também se mostra
aC
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uma maneira pouco eficaz de apreensão da realidade, já que não existe real
sem mediação. Todo cartógrafo carrega em si seus próprios filtros da subjeti-
vação que ele utiliza, mesmo inconscientemente, na fabricação de seus mapas,
visã
motivo pelo qual o mapa não reproduz a realidade, ele a recria segundo outros
modos de existência possíveis. Por esse motivo, a criação de mapas mantem-se
enquanto um processo em aberto, uma experiência variável que se conecta à
realidade em diferentes pontos de passagem, produzindo resultados que não
itor
podem ser previstos, uma vez que é próprio do real estar sempre em movi-
a re
mente 149. Ao rigor de uma pretensa ciência dos decalques, a cartografia coloca
em questão a criação de uma arte dos mapas, arte do cartógrafo, sem com
Ed
apenas por regras e formalismos, mas na sinceridade para com suas limitações
e pela simpatia com o objeto de interesse que ele cartografa, reconhecendo
ver
que não existe divisão arbitrária entre sujeito e objeto, mas um continuum de
forças que os vincula.
REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Lisboa: Relógio d’Água;
1991.
or
mecanicista. Relance sobre a história dos falsos sistemas. O devir real e o
falso evolucionismo. In: BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo:
od V
UNESP, 2010.
aut
BORGES, Jorge Luis. Do rigor na ciência. In: BORGES, Jorge Luis. Obras
R
Completas. v. 2. São Paulo: Globo, 1999.
o
nuras, 1997.
aC
um por um. In: ECO, Umberto. O segundo diário mínimo. Rio de Janeiro:
Record, 1994.
57-71, 2015.
ver
or
inter(in)venção em psicologia
od V
aut
João Paulo Pereira Barros
Lara Brum de Calais
R
Dagualberto Barboza Silva
Carla Jéssica de Araújo Gomes
o
aC
Introdução
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
vidas pelo VIESES. Esse período foi guiado por uma pesquisa, costumeira-
ver
or
que atingem os segmentos infantojuvenis periferizados em territorialidades
od V
urbanas de Fortaleza. Assim como, produzir inquietações sobre as relações
aut
estabelecidas no e com o campo de pesquisa, provocando - a partir da dis-
cussão metodológica da pesquisa-intervenção – possíveis fissuras em modos
universalizantes e instrumentalizados de produção do conhecimento, abrindo
R
espaço para deslocamentos decoloniais em nossas pesquisas.
o
Cartografia de um percurso de pesquisa-inter(in)venção em
aC
como Rio de Janeiro e São Paulo, mas também pela criação e fortalecimento
de organizações locais que passaram a tornar cada vez mais fragmentadas
e acirradas as disputas armadas nas periferias de Fortaleza, considerando
ão
or
teve um aumento de 220,82% (CEDECA-CE, 2020). Em paralelo, segundo
od V
nota técnica produzida pelo Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios
aut
na Adolescência (CCPHA), que analisou dados fornecidos pela Secretaria
da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), as mortes por intervenção
R
policial no Ceará cresceram 439% nos últimos cinco anos, atingindo o seu
pico em 2018 com 221 óbitos (CCPHA, 2020a).
o
Os contextos do sistema prisional e do sistema socioeducativo no Ceará
também são bastante preocupantes. Após inspeções realizadas entre fevereiro
aC
Editora CRV - versão para revisão do autor - Proibida a impressão
Ademais, vale ressaltar que nos espaços em Fortaleza, por exemplo, em que
a letalidade por Covid-19 alcança os maiores índices, os números de violência
s
urbana também são os maiores (CCPHA, 2020c; O POVO, 2020). Isso denun-
ver
Por seu turno, não era possível realizar a contento nosso trabalho aca-
dêmico sem considerar a força dos movimentos insurgentes e das atuações
micropolíticas de diversos coletivos e movimentos afetados por esses múl-
tiplos vetores e dispositivos necropolíticos. Com efeito, como poderíamos
desenhar uma pesquisa que pudesse acompanhar processos multivetoriais em
seus aspectos macro e micropolíticos e ao mesmo tempo fazer da investigação
um próprio ato inter(in)ventivo de performar realidades outras, articulando
or
questões como violência, territorialidade, política, subjetividade, arte, clínica,
od V
etc? Como poderíamos pesquisar não só sobre esses processos mencionados
aut
anteriormente, mas também nos processos já mencionados? Como podería-
mos conhecer essas dinâmicas instituídas da violência colocando em análise
R
suas condições de possibilidades, seus planos de produção e ao mesmo tempo
acompanhando/compondo/potencializando movimentos e práticas instituintes
o
nas micropolíticas de resistência que visam transformar esse estado de coisas
que aniquila corpos vistos e tratados como coisas e, assim, descartabilizados
aC
vido”, “era uma alma sebosa, não era um cidadão de bem”? (TORRES, 2017)
a re
participativa que se interroga sobre a vida dos sujeitos, grupos, práticas, ter-
ver
or
zados em suas linhas de fluidez e suas linhas de estabilidade, em seus planos
od V
molares e em seus planos moleculares. Trata-se, portanto, de um convite a
aut
não reconhecermos apenas saberes produzidos dentro da academia, mas a
aprenderemos com outros saberes, criarmos dialogicamente outros saberes,
R
inventarmos outras gramáticas a partir da insurreição de saberes assujeitados
dentro e fora da academia por matrizes coloniais de poder, que amplificam
o
epistemicídios e desautorizam pesquisas que rechaçam a objetividade, a repli-
cabilidade e a neutralidade científicas e outras falácias que a modernidade e
aC
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A construção dessas três linhas foi tecida em diálogo com alguns atores
e atrizes sociais no contexto de Fortaleza, como profissionais que atuam com
ão
151 Equipamentos públicos que integram a política de juventude da cidade de Fortaleza e oferecem cursos profis-
sionalizantes, em artes, formação audiovisual, atividades culturais, esportivas e, também, educação em direitos
humanos. Esses equipamentos se destinam ao atendimento de jovens de 15 a 29 anos moradores de regiões
com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e altos índices de homicídios desses segmentos.
670
or
de acompanhar a própria tessitura de grupos de mães de jovens que morreram
od V
por conta das transformações da dinâmica da violência ou da própria violência
aut
de Estado, dentre esses as mães do Curió152 , e o grupo de mães de adolescentes
e jovens em cumprimento de medida no sistema socioeducativo ou no sistema
R
prisional. Tivemos a possibilidade também de participar da tessitura de grupos
de apoio psicossocial a mães, especialmente na região do grande Jangurussu
o
(região periférica de Fortaleza), acompanhando a organização e a luta de
aC
mulheres, de mães de jovens assassinados, por memória, justiça e reparação.
em andanças pelos seus bairros para entender o sentido que produzem sobre
seus cotidianos e como territórios periferizados e territórios da infância se
constituem coextensivamente.
s
152 Grupo de mulheres formado pelas mães das vítimas da chacina do Curió já mencionada anteriormente.
PRODUÇÃO DA DIFERENÇA, SAÚDE COLETIVA E FORMAÇÃO:
dispositivos transdisciplinares nas políticas públicas v.12 671
or
das chacinas no Ceará.
od V
aut
Experimentando deslocamentos decoloniais na pesquisa-inter(in)
venção em psicologia
R
Para finalizar este capítulo, refletimos sobre alguns pontos a respeito
o
do que implica pesquisar-intervir a partir das tessituras e linhas que foram
mencionadas. Assim, perguntamos: é possível fazer uma movimentação de
aC
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não deve acontecer só na tentativa de saber sobre o outro, mas para se deixar
ver
or
de processos de subjetivação possíveis através das intervenções realizadas
od V
(PASSOS; KASTRUP, 2013). Isso fez com que nós do VIESES, por exemplo,
aut
ampliássemos sobremaneira nossa caixa de ferramentas teórica e metodoló-
gica, lançando-nos ao diálogo não somente com a esquizoanálise, com os
R
estudos foucaultianos, com análise institucional, mas também com os estudos
decoloniais, assim como com os estudos do campo diverso do feminismo.
o
Desse modo, pensar uma pesquisa em psicologia que se pretenda deco-
lonial deve levar em consideração o lugar que esse campo do conhecimento
aC
necessário que estejamos atentos e atentas para que nossas pesquisas, ainda
que se pretendam participativas, não corroborem com a produção de restos
sociais, com a produção desses outros cujas vidas são precarizadas sistema-
ticamente e que são mais afetados pela lógica necropolítica em curso.
É preciso escapar das representações que designam “o jovem periférico”
ou “a criança periférica”, “o periférico”, “a periferia”, e ensejam a produção
de um “eles” homogeneizante, totalizante, essencializado, perdendo de vista
or
as suas diversidades e heterogeneidades. Isso implica em desnaturalizar posi-
od V
ções binarizantes e processos de fixação (BALLESTRIN, 2013) para que a
aut
pesquisa, então, possa compor e cartografar a insurreição de saberes sujeitados
pelo epistemicídio, como já mencionado.
R
Inserir-se num território existencial para acompanhar os fluxos produ-
zidos entre sujeitos, entre saberes, entre lugares e entre territórios, convoca
o
realizar um deslocamento no sentido de radicalizar o caráter participativo da
pesquisa. Assim, uma pesquisa-intervenção é aquela cujo ato de intervir está
aC
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para intervir no mundo com aqueles/as que acompanhamos e com quem nos
ver
or
mover conhecimentos, borrar fronteiras e situar-se nos entrecruzamentos que
od V
produzem as contradições da vida.
aut
Pensar a colonialidade na e da pesquisa também implica problematizar
as nossas próprias posições enunciativas, questionando quem fala a partir da
pesquisa e de onde fala a própria pesquisa. Em diálogo com as discussões
R
sobre lugar de fala (RIBEIRO, 2017), não se trata de não ser possível falar
sobre algo mas, justo, de colocarmos em análise o lugar de onde se fala.
o
Analisar, portanto, o que a fala pode produzir no sentido de (in)visibilidades,
aC
no contexto do neoliberalismo.
Tal deslocamento não se faz possível sem que o próprio grupo que pes-
quisa seja plural, diverso e rizomático. Ou seja, em formatos em que os
próprios pesquisadores, pesquisadoras e instituições não reproduzam as domi-
par
or
de reinventar criativamente as relações e, portanto, os modos de viver frente
od V
a projetos de assujeitamento (ACHINTE, 2017).
aut
Nessa movimentação de pesquisar-intervir, re-existir tem despontado
como sinônimo de entrar em composição com as lutas historicamente engen-
dradas por segmentos populacionais subalternizados e como prática inventiva
R
que busca fazer da pesquisa um dispositivo para fazer ressoar não só as denún-
cias que esses segmentos realizam, como também para inventar coletivamente
o
modos outros de fazer e habitar territórios existenciais. É dessa forma que
aC
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REFERÊNCIAS
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aC
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or
od V
Robert Damasceno Rodrigues
aut
R
Introdução
o
Marx & Engels (2010) afirmavam, na metade do século XIX, no Mani-
aC
festo Comunista, que um espectro rondava a Europa; era o espectro do comu-
nismo. Furtado (2009), parafraseando a célebre frase, considera que a ausência
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longo deste texto – levantar alguns elementos mais gerais para o debate sobre
a Psicologia Social Crítica, sua constituição, desenvolvimento e consolidação,
destacando, em sua vertente marxista, suas principais influências advindas do
materialismo histórico-dialético.
par
or
Neste sentido, o marxismo, sua teoria e método, não são prerrogativas restri-
tas à Psicologia Social Crítica, mas coexistem permanentemente com outras
od V
abordagens nos mais diversos âmbitos da prática e ciência psicológicas. Não
aut
há nesta afirmação o que se estranhar, pois segundo Lane (1989a, p. 15-16),
“é dentro do materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar
R
os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que
atenda à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo”. Neste momento,
o
porém, priorizaremos o debate a partir da Psicologia Social Crítica, com
aC
destaque para sua vertente marxista.
or
subdivisão da psicologia em psicologia social, pois ela cumpre um papel
od V
histórico, que é o de estimular a reflexão crítica na prática do psicólogo, nos
aut
mais diferentes contextos e ramos, desenvolvendo inúmeras funções e em
espaços e instituições diversos. Segundo a autora, a relação entre psicologia
R
e psicologia social deve ser entendida em termos históricos, resgatando a sua
forma de manifestação após a segunda guerra mundial, que desdobrou em
o
duas principais tendências: uma norte-americana, de tradição pragmática, que
buscava a elevação da produtividade; e a outra, seguindo a tradição filosófica
aC
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Robert Faar (2000), em seu livro As raízes da Psicologia Social Moderna, dirá
que Durkheim e sua teoria das representações coletivas defendia uma forma
sociológica de psicologia social, responsável pelos estudos da subjetividade
e da cultura.
par
or
norte-americana como se fosse o problema de cada nação” (ibidem, p. 75).
od V
A crítica de Moscovici a essa psicologia social estava no fato dela excluir
aut
as contradições e não conseguir dar conta do “social” em sua multiplicidade.
Para ele, o que faltava à psicologia social eram as contribuições de Durkheim –
R
a quem deve os princípios da sua teoria – Piaget, Freud, Marx: “a questão das
desigualdades, o fenômeno da linguagem, a força das ideias na construção da
o
sociedade, a realidade social. Ela deveria ser uma ciência mais do movimento,
do que da ordem” (GUARESCHI, 2012, p. 37). Esse conjunto de elaborações,
aC
Crítica, Lima e Lara Junior (2014, p. 9) descrevem-na como “um campo (ou
rede) constituído por produções múltiplas, práticas variadas e metodologias
diversas”, consistindo, a sua tarefa, em elaborar conceitos e propor alternati-
vas subjetivas e concretas frente à realidade. De modo semelhante, segundo
Lacerda Jr. (2013, p. 217), ela constitui um conjunto de ideias e práticas “que
buscam contribuir para algum projeto emancipatório e/ou elaborar novas
or
formas de pensar o indivíduo, a subjetividade, o sujeito e outras categorias
importantes para a psicologia”.
od V
Já Furtado (2009), defende a ausência de um pensamento crítico conso-
aut
lidado na psicologia, segundo o autor, para se constituir como crítica, a psi-
cologia precisa produzir um conhecimento decisivamente revolucionário, que
R
estude o sujeito como ser da transformação, “sua subjetividade e que relacione
tal subjetividade dialeticamente com as condições objetivas da transformação
o
social” (p. 254). Olhando para o desenvolvimento da Psicologia Social Crítica
aC
na América Latina, fica mais fácil observar alguns traços que lhe aproximam
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or
e, principalmente, no congresso de 1979, que ocorreu em Lima, no Perú,
od V
quando são lançadas as premissas para a construção de uma psicologia social
aut
com bases materialistas-históricas e voltada para as realidades próprias de
cada país (LANE, 1989a; GONÇALVES; YAMAMOTO, 2015).
R
O conjunto das produções contra-hegemônicas, a partir do pensamento
crítico, influenciou fortemente inúmeros psicólogos latino-americanos, muitos
o
dos quais vivenciavam levantes de massas contra a opressão dos regimes mili-
tares e políticos em seus países (LIMA, 2010). Como consequência, diversos
aC
or
dualismo e psicologismo na psicologia social hegemonizada pela perspectiva
od V
norte-americana, assentada em bases materialistas-histórico-dialéticas e que
aut
assuma a perspectiva dos oprimidos se deseja contribuir em seu processo
de emancipação.
R
Para Matín-Baró (2013), o ponto de partida para uma psicologia social na
América Latina deve ser a realidade latino-americana, que contribua para “o
o
desmonte questionador da ordem sociopolítica estabelecida” (p. 558), tendo
em vista a ação política do psicólogo, almejando “criar consciência política
aC
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or
denunciam a ação profissional na américa latina de caráter privado, orientada
od V
para o lucro, e argumentam a favor de uma prática psicológica comprometida
aut
com os direitos da população e voltada para os processos de desenvolvimento
e transformação individuais e coletivos.
Como podemos ver, a psicologia social crítica que se desenvolveu na
R
América Latina foi fortemente influenciada pelo marxismo desde sua consti-
tuição, fundamentando-se no materialismo histórico-dialético e materializando
o
sua prática em abordagens sistematicamente voltadas para os processos de
aC
or
Seguindo o lastro dos acontecimentos que marcaram o giro na psicolo-
od V
gia social latino-americana, em 1980 foi fundada a ABRAPSO, tendo Silvia
aut
Lane como sua primeira presidenta e buscando superar, “de forma crítica
e progressista, o abismo que separava a realidade brasileira e a psicologia
social” (LACERDA JR., 2013, p. 242). No campo da produção acadêmica,
R
uma diversidade de pesquisadores vinha se desafiando a produzir estudos
dentro desta visão; nesse caminho, a partir da publicação, em 1984, do livro
o
Psicologia Social: o homem em movimento, organizado por Lane e Wanderley
aC
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or
estudo da Psicologia Social Crítica.
od V
Silvia Lane cumpriu um papel fundamental para o desenvolvimento
aut
da psicologia social crítica brasileira. Retomando a diversidade das elabo-
rações teóricas que constituem essa corrente, ela contribuiu decisivamente
R
para a divulgação, no Brasil, do conjunto de autores que fundamentam o
pensamento crítico na psicologia social. Destacamos, primeiramente, a vin-
o
culação de Lane à psicologia soviética, principalmente aos pensamentos de
Vygotski e Leontiev, ao reconhecer o homem como um produto-histórico e
aC
no Brasil. Nesse sentido, de acordo com Lima, Ciampa & Almeida (2009),
“A implementação de uma Psicologia Social Crítica inaugurava a ideia de
indissociabilidade entre teoria e prática, conferindo ao pesquisador o papel
de agente político, responsável pela transformação da realidade e promotor
par
or
políticas públicas sociais voltadas aos mais pobres, quanto pela elaboração
od V
teórico-metodológica visando intervir para a melhoria de vida desses grupos.
aut
Por outro lado, a psicologia social crítica, que veio se consolidar na
máxima do compromisso social no ciclo democrático popular brasileiro, tam-
R
bém guarda inúmeras contradições que mereceriam ser exploradas com mais
cautela, mas pelo espaço que temos, por ora, fiquemos com a consideração
o
de Boechat (2017), para quem o processo de inflexão sofrido pela psicolo-
aC
gia, neste período, tal como ocorreu com o Partido dos Trabalhadores (PT)
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Psicologia
Ed
Segundo Lane (1989a, p. 15), “Se o homem não for visto como produto
e produtor, não só de sua história pessoal mas da história de sua sociedade, a
Psicologia estará apenas reproduzindo as condições necessárias para impedir
ão
or
marxista parte da condição material do objeto de pesquisa – daquilo que ele
od V
é no real – para só assim expor sua estrutura e dinâmica. Diferentemente
aut
de Hegel, para quem a realidade é a manifestação externa do pensamento,
para Marx (2017, p. 90), “ao contrário, o ideal não é mais do que o material,
R
transposto e traduzido na cabeça do homem”. A investigação, portanto, deve
ter como meta apropriar-se em detalhe da matéria investigada, “analisar suas
o
diversas formas de desenvolvimento e descobrir seus nexos internos. Somente
depois de cumprida tal tarefa, seria possível passar à exposição, isto é, à
aC
outra. Para Netto (2011), o caráter essencial das totalidades é a sua dinâmica,
sua contínua transformação desencadeada pelas contradições; estas, por sua
vez, têm sua natureza, seu ritmo e as condições de seus limites, controles e
soluções determinadas pela estrutura de cada totalidade.
par
um objeto. Marx, por seu lado, impetra uma “radical superação do histori-
cismo (entendido o historicismo, na acepção mais ampla, como a compreen-
são da história por seu fluxo singular, consubstanciado na sucessão única de
ão
or
gica marxista suscita, necessariamente, uma ação política, pois em nenhum
od V
momento ela se dissociou da prática transformadora da realidade. Não há,
aut
deste modo, separação entre a teoria e a prática; pelo contrário, é a prática
política como ação na realidade que dá sentido à teoria.
R
O conjunto da elaboração marxista deve ser compreendida como ins-
trumento teórico-metodológico-político para o uso dos trabalhadores no pre-
o
sente – e, portanto, dos psicólogos e psicólogas – tendo a “prática social e
histórica” como “instância de verificação de sua verdade” (NETTO, 2011,
aC
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Conclusão
Concluímos, mas sem encerrar o debate, pois ainda há muito para ser
par
or
O espectro do marxismo continua vivo na psicologia. Ele resiste, apesar
od V
dos ataques, movidos seja por medo ou preconceito. Talvez porque ele não
aut
seja um fantasma, etéreo e inofensivo; pelo contrário, ele é material, histórico
e determina um conjunto de transformações. Por que não se deixar ser levado
por ele? É chegada a hora da psicologia assumir verdadeiramente o seu papel
R
na mudança radical da sociedade para a construção de um mundo novo. A
Psicologia Social Crítica nos ajuda a compreender essa tarefa e fornece as
o
ferramentas necessárias para empreendê-la. O compromisso social da psicolo-
aC
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Adelma do Socorro Gonçalves Pimentel
od V
Professora Titular no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Faculdade
aut
de Psicologia. Orientadora de Doutorado. Coordenadora do Programa de
Pós-graduação em psicologia da UFPA: Mestrado e Doutorado - período 2015-
R
2017. Especialista em desenvolvimento infantil pela Universidade Estadual do
Pará; Especialista em Psicologia Clínica: Gestalt-terapia e Terapia Centrada
o
na Pessoa pela UFPA; mestrado em Educação: políticas públicas pela UFPA
aC
(1999), doutorado em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Cató-
lica de São Paulo (2002). Pós-doutorado em Psicologia e psicopatologia do
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or
Charles de Gaulle, Lille, França. Docente do Departamento de Didática e do
od V
Programa de Pós-Graduação em Educação Universidade Estadual Paulista –
aut
UNESP/Marília. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação, Ética
e Sociedade (GEPEES), cadastrado no CNPq. E-mail: alonso.carvalho@
unesp.br
R
Aluísio Ferreira de Lima (Org.)
o
Doutor em Psicologia Social pela PUCSP. Professor do Programa de Pós-
aC
-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará – UFC. Líder
or
mento de Vínculos do Centro de Referência de Assistência Social do Guamá
od V
(FUNPAPA/PMB); Acadêmico do curso de Psicologia da Universidade Fede-
aut
ral do Pará (UFPA). E-mail: junior8830@hotmail.com
R
Doutor em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (2013). Atualmente
o
é Docente do Ensino Superior da Universidade Federal do Maranhão - Inte-
gra o Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade PGCult - UFMA
aC
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Bernardo Jiménez-Domínguez
Centro de Estudios Urbanos / CUCSH - Universidad de Guadalajara.
or
UNOESTE/Presidente Prudente. E-mail: brunnocbl@outlook.com
od V
aut
Bruno Jáy Mercês Lima
R
Carla de Cassia Carvalho Casado
o
Carla Jéssica de Araújo Gomes
Graduanda em Psicologia pela UFC. Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/
aC
Carolline Septimio
visã
de gênero e sexualidade.
s
or
Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia – UFPA.
od V
aut
Daniel Castro Silva (Org.)
Graduando de Psicologia da UFPA.
E-mail: edileneneves909@gmail.com
or
Psicólogo, Especialista em Saúde Mental pela Universidade Estadual do Ceará
od V
e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará Possui graduação
aut
em Psicologia pela Universidade Estadual do Ceará (2014) e mestrado em
Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (2017). Atualmente, cursa
R
doutorado na Universidade Federal do Ceará sob orientação do professor
doutor Aluísio Ferreira Lima. Trabalhou como Professor Temporário da Uni-
o
versidade Estadual do Ceará (2018-2019). É coordenador e professor do curso
aC
de Psicologia da Faculdade Princesa do Oeste.
Fabiola Colombani
itor
or
Psicóloga, formada pela Universidade Federal do Pará, doutoranda em Psi-
od V
cologia Social e Clínica pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
aut
UFPA, mestre em Psicologia Social e Clínica pelo Programa de Pós-graduação
em Psicologia da UFPA pela linha “Subjetividade, Sociedade e Saúde”. Par-
R
ticipa da Comissão de Gênero do Conselho Regional de Psicologia, CPR10,
e do grupo de estudos “Transversalizando”; Tem como interesse de estudos
o
temas transversais como infância, juventude, violência, políticas públicas,
aC
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or
Graduanda do curso de Psicologia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
od V
Bolsista de Extensão Sobre Saúde Mental, da Universidade Federal do Pará
aut
(UFPA).
or
joaocoin@yahoo.com
od V
João Paulo Pereira Barros (Org.)
aut
Professor do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Coordenador do
R
VIESES: Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social
e Subjetivação. Bolsista de Produtividade do CNPq. E-mail: joaopaulobar-
o
ros@ufc.br
aC
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or
Abordagem Centrada na Pessoa pelo Núcleo de Estudos e Práticas Psico-
od V
lógicas - Abordagem Centrada na Pessoa (NEPPSI-ACP) (2018).Leandro
aut
Passarinho Reis Júnior
or
pós-graduação lato sensu pela Universidade Católica de Brasília (2009) e
od V
Mestrado em Psicologia Social e Clínica pela Universidade Federal do Pará
aut
(2013). Tenho boa capacidade para falar em público e boa experiência como
palestrante. Sou professor do ensino superior, com experiência de docên-
R
cia nos cursos de Psicologia, Farmácia, Nutrição, Fisioterapia, Odontologia,
Enfermagem, Direito, Educação Física e Administração. Também dou aulas
o
na Pós-graduação lato sensu nas áreas da Educação, Saúde e Engenharias.
aC
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de Lazer.
a re
or
em Psicologia Social (UERJ). Pós-doutorado em Psicologia Clínica (PUC-SP)
od V
e em Teoria Psicanalítica (UFRJ). Coordenador do grupo de estudos e pes-
aut
quisas Transversalidades (Departamento de Psicologia UFMA) e supervisor
no estágio obrigatório em clínica segundo a abordagem da Esquizoanálise
R
no curso de graduação em Psicologia da UFMA. Professor permanente do
Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMA. E-mail: marcioja-
o
costa144@gmail.com
aC
Psicóloga.
Ed
or
sultoria Organizacional, Educação Corporativa, Comunicação Empresarial,
od V
Suporte em Medicina Ocupacional e Saúde do Trabalhador, Programas de
aut
Ergonomia, Segurança no Trabalho e Programas de Responsabilidade Social.
Interesse em estudos e pesquisas voltadas à Saúde Mental e Psicodinâmica
R
no Trabalho (Prazer e Sofrimento Psíquico), Saúde Mental na Assistência em
Saúde Coletiva em HIV/AIDS. Membro do Grupo de Pesquisas em Saúde na
o
Amazônia, pelo PPGP/UFPA.
aC
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or
principalmente nos seguintes temas: Abordagem Centrada na Pessoa, Psico-
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logia da Saúde, Psicologia Humanista, Fenomenologia e Políticas Públicas.
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Atualmente é docente da Universidade Federal do Pará.
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Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Atuou como consultor de pesquisa
para Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República em projeto
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de Cooperação com a UNESCO. Como membro da Coordenação Executiva
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do Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis, dentre outras ati-
vidades, coordenou a equipe de assessoria técnica para a Comissão Especial
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sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Presidência da República, assim
como, o Centro de Referência em Direitos Humanos. Foi representante do
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CDDH junto a Rede Latino-americana Terra do Futuro e na Rede de Discus-
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são sobre Políticas Públicas e Práticas de Cuidado para usuários de drogas do
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Renata Almeida
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Rodrigo Toledo
Psicólogo, Doutor e Mestre em Educação. Professor Adjunto Doutor na Uni-
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versidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS) e Universidade Paulista
(UNIP). É pesquisador nos grupos “Dimensão Subjetiva da Desigualdade
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Social e suas diversas expressões” e “GECOMP - Escola, Comunidade e
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Políticas Públicas”. Especializou-se em temáticas de enfrentamento à desi-
gualdade e social e atendimento da população LGBT em contextos educativos
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e comunitários, bem como em formação em Psicologia e Ética Profissional.
E-mail: toledordg@gmail.com
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Ronilda Bordó de Freitas Garcia (Org.)
– UEPA.
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sitário Metropolitano da Amazônia (UNIFAMAZ), Graduando em Psicolo-
gia pela Universidade Federal do Pará (UFPA); Especializando em Teoria e
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Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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(PUC-MINAS) e em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Men-
des (UCAM-RJ); Sócio fundador do Escritório Thiago Tenório & Advogados
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Associados; Pesquisador na área de Hermenêutica Jurídica.
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Thuany Steffane Lima Martins
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Vinicius Furlan
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Zureide do Socorro Ferreira Alves
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SOBRE O LIVRO
Tiragem: 1000
Formato: 16 x 23 cm
Mancha: 12,3 X 19,3 cm
Tipologia: Times New Roman 11,5/12/16/18
Arial 7,5/8/9
Papel: Pólen 80 g (miolo)
Royal Supremo 250 g (capa)