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estar agora ao serviço de uma lógica e sólido que Fernando Luís Machado
multicultural. vem desenvolvendo há mais de dez
Em jeito de balanço, destaque-se anos em torno de questões como a
a qualidade científica da generalidade integração dos imigrantes e, especial-
das investigações que este livro di- mente, a identificação dos seus «es-
vulga e o facto de o mesmo ter nas- paços de etnicidade» no contexto da
cido da vontade de discutir ideias, sociedade portuguesa, continuidade
cruzar experiências de pesquisa, relativamente ao aprofundamento de
aprender com as investigações alheias determinadas temáticas (e. g., politi-
e avançar no conhecimento de um zação da etnicidade) que, inicialmente,
objecto de estudo comum a antropó- se revelaram temas pioneiros na aná-
logos e historiadores radicados em lise científica da imigração em Portu-
Portugal e no Brasil: o antigo império gal, continuidade, enfim, em termos
português e as suas configurações de aprofundamento de um caso de
pós-coloniais. Espera-se que estes estudo (os guineenses) ao qual é
diálogos (críticos e abertos à crítica) aplicado o modelo analítico cons-
prossigam e venham a integrar in- truído pelo autor (os capítulos 3 e 4
vestigadores de outras paragens que são, neste domínio, os mais didácti-
possam fornecer novos elementos de cos) após análise do quadro migrató-
comparação e reflexão. rio da Guiné-Bissau e dos percursos
dos migrantes (capítulo 2)1.
CLÁUDIA CASTELO Este modelo analítico, explicitado
de forma elegante na segunda meta-
de do capítulo I, está assente em
pressupostos bem definidos, conce-
1
Nos capítulos 5, 6 e 7 são tratados
temas específicos — literacia, racismo e di-
mensão política da etnicidade — que assu-
mem particular relevância no contexto dos
Fernando Luís Machado, Contras- debates contemporâneos sobre imigração em
Portugal. Estes três capítulos, que, embora
tes e Continuidades — Migração, continuem a dar algum privilégio ao caso de
Etnicidade e Integração dos Gui- estudo guineense e remetam, nos seus encer-
neenses em Portugal, Oeiras, Celta ramentos respectivos, para uma linha de dis-
Editora, 2002, 464 páginas. cussão em termos de contrastes e continuida-
des, assumem uma perspectiva mais ampla e
mais autónoma face ao modelo de análise
predefinido do que as componentes preceden-
Se para definir esta obra tivésse- tes do texto. Ganha-se em termos de abran-
mos de escolher um dos vocábulos gência temática, mas perde-se alguma coerên-
cia interna. Talvez tivesse sido possível redu-
do título, a opção recairia, inevitavel-
zir um pouco estes três capítulos, até porque
mente, no termo continuidade(s). uma parte do seu conteúdo não é inteiramen-
Continuidade num trabalho rigoroso te nova em termos do trabalho do autor. 445
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madas num único eixo apenas desig- afirmando que este «será mais prová-
nado como social. Mesmo aceitando vel quando os membros dessas mino-
a argumentação de Fernando Luís rias formam enclaves habitacionais no
Machado de que a localização de clas- meio da população maioritária do que
se dos membros das minorias, de quando estão dispersos» (p. 373). Em
resto muito bem discutida no capítu- súmula, partilhamos a opinião de ou-
lo 3, com uma interessante crítica ao tros investigadores4 de que a teoria
conceito de subclasse (underclass), social crítica deve incorporar o es-
tem um papel mais relevante na iden- paço como dimensão autónoma e
tificação do seu posicionamento no não subordinada, combinando-a
espaço da etnicidade do que as ou- com outras — social, económica, cul-
tras dimensões, tal não é suficiente tural… —, de modo que se obte-
para relegar as restantes duas com- nham explicações mais completas
ponentes para uma situação de «ou- para os fenómenos da sociedade.
tras dimensões sociais» (p. 41). Ain- Um segundo aspecto prende-se
da que esta observação se prenda com a identificação de «localizações
com preocupações inerentes à minha médias» das diferentes minorias, e
própria filiação disciplinar, não se dos guineenses em particular, no
trata de qualquer essencialismo geo- espaço metafórico da etnicidade.
gráfico, mas tão-só de valorizar o Esta questão é, no entanto, muito
espaço enquanto dimensão autónoma bem tratada pelo autor, que destaca
que condiciona e é condicionada pe- o facto de as minorias não serem
los processos sociais, como, de res- homogéneas nas várias dimensões
to, é relevado pelo próprio autor. que compõem os dois eixos configu-
Isto acontece quer na análise especí- radores do espaço da etnicidade. As-
fica da localização geográfica — es- sumindo as limitações do conceito de
tando nós de acordo relativamente à comunidade, designadamente pelo
menor concentração residencial dos facto de pressupor uma visão falsa-
imigrantes em Portugal e às caracte- mente homogeneizadora dos elemen-
rísticas interétnicas de muitos bair- tos que integram os grupos (p. 436),
ros degradados da AML3 — e da Machado dá um importante realce às
mobilidade espacial dos migrantes diferenças internas existentes nos
(capítulo 3), quer no capítulo 6, grupos minoritários, em termos de
quando se debruça sobre a menor composição de classe, relações de
incidência (percebida pelos próprios) género, filiação religiosa e outros
de racismo nos bairros residenciais, (p. 37). De resto, a análise do grupo
correspondente ao caso de estudo
3
V., a este propósito, Malheiros, «Mino-
4
rias étnicas e segregação nas cidades — uma V., a este propósito, Edward W. Soja,
aproximação ao caso de Lisboa no contexto Postmodern Geographies — The Reassertion
da Europa mediterrânica», in Finisterra, XXXIII of Space in Critical Social Theory, Londres,
(66), CEG, 1998, pp. 91-118. Verso, 1989. 447
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