Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Literatura Norte-Americana PDF
Literatura Norte-Americana PDF
NORTE-AMERICANA
Anderson Soares Gomes
2009
©2009 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização
por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
G612L
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0383-9
O período revolucionário....................................................... 29
Os conflitos com a Inglaterra e a luta pela independência......................................... 29
Os “Pais Fundadores”................................................................................................................. 33
Os textos revolucionários........................................................................................................ 37
A prosa romântica..................................................................... 47
O ideal romântico e a construção da identidade norte-americana......................... 47
O transcendentalismo.............................................................................................................. 52
A inspiração gótica.................................................................................................................... 59
A poesia romântica................................................................... 69
A poesia de Edgar Allan Poe................................................................................................... 69
Walt Whitman: a busca por uma voz norte-americana................................................ 73
Emily Dickinson: a poesia de cunho metafísico.............................................................. 76
A Guerra Civil e a literatura correspondente................... 87
Diferenças entre o norte e o sul dos EUA.......................................................................... 87
A escravidão e os textos abolicionistas.............................................................................. 90
Consequências do conflito: textos literários de temática da Guerra Civil............. 95
O Realismo norte-americano..............................................103
As mudanças socioeconômicas..........................................................................................104
Uma voz nacional: Mark Twain............................................................................................107
O Naturalismo............................................................................................................................112
Henry James: a literatura entre os Estados Unidos e a Europa................................116
A prosa norte-americana
na 1.ª metade do século XX.................................................125
F. Scott Fitzgerald e a Jazz Age.............................................................................................126
Ernest Hemingway e a precisão da escrita......................................................................130
William Faulkner e a tradição sulista.................................................................................133
John Steinbeck e a Grande Depressão.............................................................................136
A poesia norte-americana
na 1.ª metade do século XX.................................................147
Robert Frost: a natureza como poesia..............................................................................147
T.S. Eliot & Ezra Pound: trilhando caminhos modernos..............................................151
Elizabeth Bishop e sua relação com o Brasil...................................................................158
O teatro e as vertentes da prosa norte-
-americana na 2.ª metade do século XX.........................167
O teatro de Arthur Miller e Tennessee Williams............................................................168
A ascensão da literatura afro-americana.........................................................................174
Inovações na prosa: J.D. Salinger e New Journalism....................................................178
Gabarito......................................................................................205
Referências.................................................................................213
Apresentação
Primeiramente com John Cabot e depois com Walter Raleigh (que nomeia
a região a que chega de Virgínia, em homenagem à rainha Elizabeth I, a
“rainha virgem”), há uma tentativa real de colonização da América do Norte
por parte dos ingleses. Porém, as situações extremas a que esses primeiros
colonos foram submetidos (doenças, ataques de nativos, fome) puseram fim
a esse primeiro esboço de uma colônia de domínio inglês na América.
Literatura Norte-Americana
Com outro monarca no poder (James I), a Inglaterra tenta novamente implan-
tar uma colônia na América. A estratégia e a natureza desta nova empreitada,
no entanto, são diferentes daquelas usadas durante o reinado de Elizabeth I. Ao
invés de nobres desbravadores, esses novos colonizadores eram representantes
de empresas inglesas que, num esquema pré-capitalista, tinham autorização da
Coroa para explorar as terras do Novo Mundo. Assim, os ingleses finalmente al-
cançam o sucesso em seu processo de colonização e uma nova fase começa para
a América do Norte.
A chegada do Mayflower
O primeiro povoado inglês de caráter permanente na América do Norte foi
Jamestown (assim chamado em homenagem ao rei James I), na Virgínia em 1607.
Patrocinado pela Virginia Company of London, Jamestown tem outro significado
muito especial: um dos colonos do povoado foi John Smith (1580-1631), um dos
mais importantes personagens da história colonial norte-americana.
Domínio público.
John Smith.
John Smith foi um capitão inglês que, através de seus textos e sua fabulosa
biografia, definiu o perfil dos primeiros colonos americanos: aventureiro, des-
12
Literatura colonial e a América puritana
temido e promotor das belezas e das promessas do Novo Mundo. Em sua pro-
dução textual sobre a América (de cunho notadamente propagandista, já que
havia enorme interesse em atrair mais e mais colonos ingleses para o novo con-
tinente), Smith cria cenários, eventos e personagens de natureza quase mítica,
que servem de fundação não só para a literatura, mas também para a identidade
norte-americana. A América de John Smith é a “terra de oportunidades”, expres-
são que até hoje ecoa na mente daqueles que buscam nos Estados Unidos um
horizonte para um futuro de prosperidade.
Também é em The General History of Virginia que John Smith conta uma das
mais famosas narrativas da história norte-americana: sua aventura romântica
com a índia Pocahontas. O livro relata como Smith foi capturado por índios li-
derados pelo chefe índio Powhatan e feito prisioneiro. Pouco antes de ser morto
pelos indígenas, a filha de Powhatan, Pocahontas, se coloca entre Smith e os
índios e salva o capitão inglês da morte. A partir daí é construída uma narrativa
que indica uma história de amor entre os dois, já que a princesa indígena se
torna responsável por um maior contato entre sua tribo e os ingleses. Essa his-
tória de amor, no entanto, não tem um final feliz: Pocahontas se casa com outro
homem – um agricultor inglês – e vai para a Inglaterra, aceitando a fé cristã.
Diz-se que lá viveu infeliz, alimentando um desejo de retornar à América até o
momento de sua morte.
Atualmente, por mais que a história de John Smith e Pocahontas seja questio-
nada por historiadores, e que muito da narrativa de The General History of Virginia
seja vista como ficção, não há como negar que o possível amor entre o capitão
inglês e a princesa indígena representou, de forma mitológica, a possibilidade
de união e prosperidade entre povos tão diferentes nesse Novo Mundo.
Os textos de John Smith sobre essa nova terra repleta de riquezas e oportu-
nidades em muito serviam para criar expectativas em futuros colonos. Contudo,
essa produção de literatura propagandista não foi a única razão para a ida de
ingleses para a América. Na Inglaterra, o crescimento das cidades com o êxodo
rural estava criando um excedente de mão de obra que não interessava à Coroa.
Órfãos e pessoas muito pobres (indo trabalhar em condições de semiescravidão)
13
Literatura Norte-Americana
14
Literatura colonial e a América puritana
O início da colonização por parte dos peregrinos foi bastante difícil. Os inver-
nos eram bem rigorosos na região e vários colonos morriam de frio e de fome.
Além do mais, os variados conflitos com os nativos indígenas ainda era um fator
extra de perigo que os colonos tinham de lidar.
Mesmo assim, o embrião dos Estados Unidos se expande: mais e mais colo-
nos chegam à América, fugindo da perseguição religiosa, buscando melhor con-
dição econômica ou simplesmente em busca de um novo começo numa terra
inexplorada. Na Baía de Massachusetts, em 1630, ocorre uma imensa imigração
puritana que consolida de vez o protestantismo de Calvino por quase todo o
território. Outras regiões, porém, eram adeptas de outras religiões: em 1633, é
fundado na colônia de Maryland um povoado seguidor do catolicismo; em 1681,
William Penn funda na Pennsylvania uma colônia onde a população segue os
preceitos da doutrina Quaker.
15
Literatura Norte-Americana
diferenças religiosas. Assim, cada cidadão tinha o direito de exercer sua liberdade
religiosa sem correr o risco de sofrer perseguição e discriminação – exatamente
a razão primordial da saída desses peregrinos da Europa, daí a necessidade de
evitar o mesmo erro que os ingleses.
Temática Cartografia.
16
Literatura colonial e a América puritana
Em The General History of Virginia, John Smith fala dos índios utilizando termos
como “bárbaros” e “selvagens”, enfatizando a natureza pagã e violenta dos nativos,
enquanto descreve a si mesmo sempre envolto em termos cristãos. Esse estilo
narrativo é ainda mais notório no episódio em que é salvo da morte por Pocahontas,
como se Smith fosse uma espécie de “novo salvador” posto em calvário.
Essa visão do indígena como selvagem por muito perdurou no imaginário nor-
te-americano. Dentre as várias razões para isso, está o fato de os colonos ingleses
não terem interesse em catequizar os nativos, como ocorreu no Brasil por exem-
plo. Os índios eram sempre mantidos à distância, e o contato com eles era feito
apenas no que se relacionava à troca ou compra de mercadorias. Quando se deu
a expansão para o oeste norte-americano, a relação entre nativos e colonizadores
alcançou seu ponto mais conflituoso, com o extermínio de milhares de indígenas.
17
Literatura Norte-Americana
A literatura colonial:
o puritanismo e o Great Awakening
O puritanismo é a força motriz da sociedade norte-americana. É através dos
ideais norte-americanos que os primeiros peregrinos constroem não só escolas,
igrejas e universidades: eles constroem também uma ideia da América. Os Esta-
dos Unidos são mais do que um novo lar para esses colonos – são uma região
onde eles finalmente poderão construir a “nova Canaã” bíblica, já que eles acre-
ditam ser as pessoas escolhidas por Deus para concretizar um reino de prosperi-
dade na terra seguindo fielmente às leis cristãs.
Mesmo dentro de sua própria religião, existiam diferenças nas formas com que
as pessoas deveriam seguir os ensinamentos da Bíblia. Isso se dava porque, diferen-
18
Literatura colonial e a América puritana
temente do catolicismo (em que predomina uma interpretação dos textos bíblicos
e se deve respeitar a palavra do Papa), o puritanismo admite leituras pessoais e
individuais da Bíblia, fazendo com que formas de entendimento distintas surjam
de mesmos textos religiosos. Assim, dentro do movimento puritano surgem dife-
rentes segmentos como os amish e os quakers, que possuem uma outra visão de
como as lições das parábolas da Bíblia devem ser incorporadas no seu cotidiano.
O puritanismo também acredita que o bom cristão é aquele que vive bem
com os frutos do trabalho, produzindo, através de seu esforço e seus méritos, seus
meios de subsistência e conforto. Para o catolicismo, existe uma visão subjacente
de que o trabalho é punição, e de que a riqueza carrega em si um estigma
negativo, uma culpa.
Tal comunhão entre religião e governo foi crucial para que um episódio
como o dos julgamentos das bruxas no vilarejo de Salem fosse permitido. Um
dos mais vergonhosos momentos da história dos Estados Unidos, a série de
julgamentos e execuções de dezenas de colonos por bruxaria ocorridos em
19
Literatura Norte-Americana
Uma das figuras mais proeminentes deste período inicial foi William Bradford
(1590-1657). Eleito governador da colônia de Massachusetts por várias vezes,
Bradford também tem uma enorme importância histórica por ser um dos ideali-
zadores do chamado Mayflower Compact, o primeiro documento oficial compos-
to pelos peregrinos da colônia de Plymouth.
Of Plymouth Plantation é uma obra extremamente rica por dois motivos fun-
damentais. Primeiramente, porque é o mais vívido e detalhado documento des-
crevendo o cotidiano, os problemas e o progresso em uma das mais importantes
das treze colônias no século XVII; a outra razão para a natureza complexa dos
escritos de Bradford é a mescla desse aspecto factual com os comentários e as
interpretações do autor, o que leva a um entendimento mais completo do perío-
do. Dessa forma, enquanto do ponto vista histórico, Of Plymouth Plantation pode
ser considerada como anais do período colonial; do ponto de vista literário os
diários de William Bradford são um material que atestam o estilo e a linguagem
de formação da literatura norte-americana.
20
Literatura colonial e a América puritana
O subtexto dos escritos dos diários indica uma forte influência dos ideais do
protestantismo calvinista, especialmente no que concernem aos objetivos puri-
tanos para a América. A narrativa de Bradford em muito lembra as grandes nar-
rativas bíblicas, com a busca da Terra Prometida pelo povo eleito, sendo guiado
pela mão divina em sua longa jornada.
A mais bem sucedida nesta tarefa foi Anne Bradstreet (1612-1672), reconhecida
até hoje como um dos maiores nomes da poesia, não só norte-americana, mas
de toda a língua inglesa. Nascida na Inglaterra, Bradstreet chega acompanhada
21
Literatura Norte-Americana
de seu marido ao novo continente em 1630. Embora seu pai e seu marido tives-
sem fortes ligações políticas na América (ambos foram governadores da Baía de
Massachusetts), esse não é um aspecto particularmente importante nos textos
de Anne Bradstreet. Grande parte da riqueza de seus trabalhos poéticos encon-
tra-se na forma que ela escreveu sobre a atmosfera doméstica da vida puritana.
Com extrema sensibilidade ao tratar das adversidades presentes no cotidiano
do novo continente e com um tom metafísico que a permite ultrapassar a mera
descrição de eventos, Bradstreet desperta interesse não só pela importância his-
tórica, mas também pela qualidade de sua escrita.
Curiosamente, não foi por vontade própria que Anne Bradstreet se tornou a
primeira poetisa do novo continente a ter seus trabalhos publicados. Na verda-
de, foi seu cunhado que levou os manuscritos de seus poemas para a Inglaterra e
lá os teve publicados sob o título de The Tenth Muse Lately Sprung Up in America,
em 1650. Seus trabalhos desde então permaneceram cruciais para um maior en-
tendimento do período colonial e para o despertar de uma sensibilidade metafí-
sica que tanto influenciaria outros poetas americanos nos séculos seguintes.
O centro da vida puritana era a igreja, e era lá que um dos atos mais essenciais
para o homem cristão acontecia: ouvir os sermões. Dada a natureza do puritanis-
mo, toda a atenção da cerimônia religiosa se voltava não para um altar, mas para
o púlpito; a força da fé se revelava não por imagens, mas pela palavra.
Uma das mais importantes figuras não só do Great Awakening mas de toda
a América Colonial foi Jonathan Edwards (1703-1758). Pastor, intelectual e teólo-
go, ele é considerado um dos símbolos do puritanismo na América. Uma análi-
se artificial pode classificar Edwards como um estereótipo do rígido pregador
puritano que, do alto de seu púlpito, incutia o medo e a culpa nos fiéis através
de exagerados sermões. Um olhar mais atencioso, todavia, indica que os textos
de Edwards (apesar de ratificarem a doutrina puritana do homem pecador e de
um Deus punitivo) também partilham muito da herança de John Locke e Isaac
Newton, dois nomes cruciais do racionalismo inglês que, entre outros pressu-
postos, acreditavam que o homem poderia trilhar o caminho da bondade.
23
Literatura Norte-Americana
Sinners in the Hands of an Angry God ilustra um dos pontos centrais do purita-
nismo (levado ao extremo pelos pastores do Great Awakening): o poder de Deus
está sempre em eterno contraste com a devassidão e a maldade humana. Essa
tensão é consequência do pecado original, mas também é a grande causadora
da culpa que atormenta o homem. Por outro lado, é essa mesma culpa que leva
o homem a buscar a redenção, o trabalho e o recomeço.
24
Literatura colonial e a América puritana
Texto complementar
The wrath of God is like great waters that are dammed for the present;
they increase more and more, and rise higher and higher, till an outlet is
given; and the longer the stream is stopped, the more rapid and mighty is
its course, when once it is let loose. It is true, that judgment against your
evil works has not been executed hitherto; the floods of God’s vengeance
have been withheld; but your guilt in the mean time is constantly increasing,
and you are every day treasuring up more wrath; the waters are constantly
rising, and waxing more and more mighty; and there is nothing but the mere
pleasure of God, that holds the waters back, that are unwilling to be stopped,
and press hard to go forward. If God should only withdraw his hand from
the flood-gate, it would immediately fly open, and the fiery floods of the
fierceness and wrath of God, would rush forth with inconceivable fury, and
would come upon you with omnipotent power; and if your strength were
ten thousand times greater than it is, yea, ten thousand times greater than
the strength of the stoutest, sturdiest devil in hell, it would be nothing to
withstand or endure it.
The bow of God’s wrath is bent, and the arrow made ready on the string,
and justice bends the arrow at your heart, and strains the bow, and it is
nothing but the mere pleasure of God, and that of an angry God, without any
promise or obligation at all, that keeps the arrow one moment from being
made drunk with your blood. Thus all you that never passed under a great
change of heart, by the mighty power of the Spirit of God upon your souls;
all you that were never born again, and made new creatures, and raised from
being dead in sin, to a state of new, and before altogether unexperienced
light and life, are in the hands of an angry God. However you may have
reformed your life in many things, and may have had religious affections, and
may keep up a form of religion in your families and closets, and in the house
of God, it is nothing but his mere pleasure that keeps you from being this
25
Literatura Norte-Americana
Dicas de estudo
O site da Biblioteca do Congresso Norte-Americano tem análises bem com-
pletas e interessantes sobre o período colonial dos Estados Unidos, incluindo
textos de fundação do país e biografias dos Founding Fathers. Disponível em:
<http://www.americaslibrary.gov/cgi-bin/page.cgi/jb/colonial>
Atividades
1. Como os escritos de John Smith serviram para construir uma visão particular
da América no imaginário europeu?
26
Literatura colonial e a América puritana
27
O período revolucionário
A literatura dos Estados Unidos foi mais que influenciada por essa agi-
tação política – ela exerceu um papel fundamental na divulgação e con-
solidação das ideias revolucionárias que davam legitimidade à indepen-
dência. Foi com essa literatura, altamente baseada em conceitos racionais,
mas também tendo a rebelião contra a injustiça como uma questão cen-
tral, que uma nação finalmente se constituiu.
O fim da Guerra dos Sete Anos também serviu, de certa forma, para marcar
o fim do velho sistema de colonização inglês. A ideia de dotar as colônias de
uma considerável autonomia e de haver pouca influência da Coroa britânica em
assuntos que tivessem relação exclusivamente à população da América é aban-
donada. Passa a haver, por parte da Inglaterra, um maior controle, em diversos
aspectos, da vida colonial norte-americana.
30
O período revolucionário
mentou consideravelmente. O que antes era uma pequena faixa de terra beiran-
do o Atlântico (as treze colônias), tinha se tornado toda a atual região do Canadá
e a região em torno do rio Mississipi. Para manter o controle sobre essa extensa
área, a estratégia de colonização antiga, utilizando empresas privadas para levar
colonos, não seria bem sucedida. Além disso, os ingleses teriam de lidar dessa
vez não com separatistas religiosos, mas com toda uma nova cultura indígena
presente nas novas regiões, assim como a população católica que havia sido co-
lonizada pelos franceses mais ao norte.
31
Literatura Norte-Americana
acordo com essa lei, todos os jornais, panfletos, contratos, licenças e outros do-
cumentos públicos passariam a receber um selo de cobrança e, portanto, seriam
taxados. É a partir dessa lei que ocorre a primeira organização das colônias para
resistir e protestar contra os abusos da Inglaterra. Protestos e passeatas toma-
ram as ruas e a elite colonial (que viu seus negócios serem taxados) ficou contra
os interesses do império britânico. Um massivo boicote aos produtos ingleses foi
realizado, dando imenso prejuízo à Coroa. A Lei do Selo é então revogada e as
colônias mostram a sua força.
No entanto, nenhum evento foi mais fundamental para provar que as colô-
nias estavam firmes em continuar garantindo seus direitos de escolha e liber-
dade que o chamado Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston). O chá era um
produto muito consumido nas colônias, não só devido à tradição inglesa, mas
também pelo preço acessível. Todavia, quando a Inglaterra decide dar o mono-
pólio da venda do chá exportado para a Companhia das Índias Orientais (que se
encontrava à beira da falência), os preços inevitavelmente sobem.
É importante lembrar, porém, que ainda havia certa resistência por parte de
vários setores norte-americanos quando se tratava da questão da independên-
cia. As elites sulistas não estavam totalmente seguras de que a separação com a
Inglaterra seria benéfica, já que o grande mercado consumidor de seus produ-
tos poderia ser perdido. Além disso, havia o receio de que o espírito de justiça
32
O período revolucionário
Os “Pais Fundadores”
O processo de independência dos Estados Unidos garantiu aos norte-ameri-
canos mais do que a libertação do controle inglês – ele serviu para unir todos os
estados sob um objetivo comum e criar entre eles um vínculo crucial para que
uma verdadeira nação, com uma identidade única, fosse estabelecida. Mais do
que ter um grande inimigo em comum (a Inglaterra) e ideais que os associas-
sem (liberdade, direitos iguais), era necessário que os Estados Unidos tivessem
figuras públicas representativas que o público não só reconhecesse como indis-
cutivelmente icônicas, mas também as usassem como base para a criação de
um novo homem norte-americano. Esses homens públicos foram fundamentais
para a consolidação dos diferentes estados sob apenas uma nação.
33
Literatura Norte-Americana
George Washington (1732-1799) foi uma das mais importantes figuras do perí-
odo revolucionário norte-americano. Militar exemplar, participou na Guerra dos
Sete Anos lutando contra os franceses e tornou-se símbolo máximo da vitória
norte-americana sobre os ingleses durante a guerra pela independência. Foi o
presidente da convenção que criou a constituição norte-americana e também
tornou-se o primeiro presidente dos Estados Unidos. Domínio público.
George Washington.
34
O período revolucionário
Domínio público.
No entanto, uma das obras mais famosas de Franklin é o Poor Richard’s Alma-
nac (Almanaque do Pobre Ricardo). O almanaque era provavelmente o tipo de
publicação mais popular nos Estados Unidos no século XVIII. Espécie de revista
que incluía diferentes tipos de informação (desde a previsão do tempo até piadas
e receitas culinárias), o almanaque foi a forma de expressão que Franklin utilizou
para articular seu ponto de vista de maneira bem-humorada, porém certeira.
35
Literatura Norte-Americana
Várias das máximas criadas por Franklin permanecem famosas até hoje no
mundo todo, o que indica como essa tradição do pensamento norte-americano
se tornou universal. Frases como “time is money” (tempo é dinheiro) ou “have you
somewhat to do tomorrow, do it today” (o que tiver para fazer amanhã, faça hoje),
entre outras, servem como exemplos da visão de mundo de Franklin, propa-
gando uma perspectiva de sucesso tipicamente fabricada nos Estados Unidos.
Ainda que essas ideias de Benjamin Franklin também sejam muitas vezes alvo
de críticas (especialmente no que concerne à obsessão dos americanos pelo di-
nheiro e bens materiais), é inegável que os provérbios de seu almanaque servem
como símbolos da estrutura capitalista e foram muito significativos no desenvol-
vimento de uma nova ideia de nação que estava surgindo.
Franklin também se destacou como cientista e inventor, pois sua visão huma-
nista ultrapassava a mera discussão de ideias – sua preocupação com o mundo
e com as pessoas que nele habitavam o impeliam a tomar soluções práticas na
resolução de problemas. Assim, Franklin inventa o para-raios e as lentes bifocais;
idealiza uma nova teoria de eletricidade, provando que os raios são de natureza
elétrica; funda a primeira biblioteca pública e o primeiro corpo de bombeiros da
36
O período revolucionário
Com uma vida tão rica, o autor ainda deu aos Estados Unidos o que alguns
críticos consideram o primeiro grande livro norte-americano: a Autobiografia de
Benjamin Franklin. Esta obra, publicada postumamente, é o trabalho mais conhe-
cido de Franklin e uma das mais lidas autobiografias do mundo. Na verdade, o
livro praticamente estabelece a autobiografia como gênero literário, dando-lhe
um estilo e formato próprios.
Os textos revolucionários
Thomas Jefferson (1743-1826), juntamente com George Washington e Benjamin
Franklin, forma o trio de notáveis entre os “Pais Fundadores” responsáveis
pela criação e consolidação dos Estados Unidos assim que o país se torna
independente. Jefferson, porém, destaca-se por pensar toda a estratégia social e
intelectual que serão os pilares dessa nova nação. A visão nacionalista de Jefferson
37
Literatura Norte-Americana
Domínio público.
Thomas Jefferson.
39
Literatura Norte-Americana
Como todo acordo, todavia, o contrato social pode vir a ser quebrado. Se
o Estado abusa de seu poder de governo, é incapaz de garantir à população a
ordem social, ou seja, não garante aos cidadãos seus direitos naturais, é dever
dos membros dessa sociedade organizar uma revolução e substituir o governo.
Não é uma rebelião, mas uma luta em respeito à permanência do contrato social,
à liberdade e à felicidade. Tais preceitos estabelecidos por John Locke vão for-
necer um arcabouço filosófico para as colônias se libertarem do jugo (controle)
inglês. A partir do pensamento iluminista, os revolucionários norte-americanos
vão transformar o processo de independência dos Estados Unidos em algo muito
maior: a luta do homem pela preservação de seus direitos mais básicos.
Thomas Jefferson, como grande leitor que era, percebeu isso melhor do que
qualquer outro dos Pais Fundadores da nação – e não é coincidência que foi
ele o escolhido para redigir o texto básico da Declaração de Independência dos
Estados Unidos. Nesse documento, o mais importante de toda a história norte-
americana, Jefferson faz mais que anunciar ao seu povo e ao mundo o surgimen-
to de uma nova nação – ele faz da independência norte-americana o símbolo
máximo dos direitos naturais da humanidade.
We hold these truths to be self-evident, that all men are created equal, that they are endowed
by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are Life, Liberty and the
pursuit of Happiness. – That to secure these rights, Governments are instituted among Men,
deriving their just powers from the consent of the governed, – That whenever any Form of
Government becomes destructive of these ends, it is the Right of the People to alter or to
abolish it, and to institute new Government, laying its foundation on such principles and
organizing its powers in such form, as to them shall seem most likely to effect their Safety and
Happiness. (JEFFERSON, 1989, p. 689-691)
40
O período revolucionário
41
Literatura Norte-Americana
tributos e leis impostas aos colonos, mas também tendo em vista a própria razão
para a ida dos primeiros peregrinos para a América.
This New World hath been the asylum for the persecuted lovers of civil and religious liberty
from every part of Europe. Hither have they fled, not from the tender embraces of the mother,
but from the cruelty of the monster; and it is so far true of England, that the same tyranny which
drove the first emigrants from home, pursues their descendants still. (PAINE, 1989, p. 695)
42
O período revolucionário
Texto complementar
“Friends,” said he, “the taxes are indeed very heavy, and, if those laid
on by the government were the only ones we had to pay, we might more
easily discharge them; but we have many others, and much more grievous
to some of us. We are taxed twice as much by our idleness, three times as
much by our pride, and four times as much by our folly; and from these taxes
the commissioners cannot ease or deliver us, by allowing an abatement.
However, let us hearken to good advice, and something may be done for us;
God helps them that help themselves, as Poor Richard says.
“I. It would be thought a hard government, that should tax its people one-
tenth part of their time, to be employed in its service; but idleness taxes many
of us much more; sloth, by bringing on diseases, absolutely shortens life. Sloth,
like rust, consumes faster than labor wears; while the used key is always bright, as
Poor Richard says. But dost thou love life, then do not squander time, for that is
the stuff life is made of, as Poor Richard says. How much more than is necessary
do we spend in sleep, forgetting, that The sleeping fox catches no poultry, and
that There will be sleeping enough in the grave, as Poor Richard says.
“If time be of all things the most precious, wasting time must be, as Poor Ri-
chard says, the greatest prodigality; since, as he elsewhere tells us, Lost time
is never found again; and what we call time enough, always proves little enough.
Let us then up and be doing, and doing to the purpose; so by diligence shall
we do more with less perplexity. Sloth makes all things difficult, but industry
all easy; and He that riseth late must trot all day, and shall scarce overtake his
43
Literatura Norte-Americana
business at night; while Laziness travels so slowly, that Poverty soon overtakes
him. Drive thy business, let not that drive thee; and Early to bed, and early to rise,
makes a man healthy, wealthy, and wise, as Poor Richard says.
“So what signifies wishing and hoping for better times? We may make
these times better, if we bestir ourselves. Industry need not wish, and he that
lives upon hopes will die fasting. There are no gains without pains; then help,
hands, for I have no lands; or, if I have, they are smartly taxed. He that hath
a trade hath an estate; and he that hath a calling, hath an office of profit and
honor, as Poor Richard says; but then the trade must be worked at, and the
calling followed, or neither the estate nor the office will enable us to pay our
taxes. If we are industrious, we shall never starve; for, At the working man’s
house hunger looks in, but dares not enter. Nor will the bailiff or the constable
enter, for Industry pays debts, while despair increaseth them. What though you
have found no treasure, nor has any rich relation left you a legacy, Diligence is
the mother of good luck, and God gives all things to industry. Then plough deep
while sluggards sleep, and you shall have corn to sell and to keep. Work while it
is called to-day, for you know not how much you may be hindered to-mor-
row. One, to-day is worth two to-morrows, as Poor Richard says; and further,
Never leave that till to-morrow, which you can do to-day. If you were a servant,
would you not be, ashamed that a good master should catch you idle? Are
you then your own master? Be ashamed to catch yourself idle, when there
is so much to be done for yourself, your family, your country, and your king.
Handle your tools without mittens; remember, that The cat in gloves catches
no mice, as Poor Richard says. It is true there is much to be done, and perhaps
you are weak-handed; but stick to it steadily, and you will see great effects;
for Constant dropping wears away stones; and By diligence and patience the
mouse ate in two the cable; and Little strokes fell great oaks.
Dicas de estudo
O filme Jefferson em Paris (James Ivory, 1995) aborda uma das mais obscu-
ras fases da vida do autor da Declaração da Independência dos Estados Unidos:
antes de se tornar presidente, Thomas Jefferson teria tido um relacionamento
com uma escrava que teria engravidado dele. O filme também traça um panora-
ma histórico bem interessante do final do século XVIII, com foco na relação entre
a França e os Estados Unidos.
44
O período revolucionário
O episódio do Boston Tea Party é tão marcante no ideal de formação dos Es-
tados Unidos que possui até mesmo um próprio museu. Com documentação da
época e até mesmo com as caixas de chá originais lançadas no porto de Boston
pelos colonos, visitar o site do museu é ter um panorama bem completo dos
primórdios do período revolucionário dos Estados Unidos.
Disponível em http://www.bostonteapartyship.com/index.asp
Atividades
1. Quais foram as principais causas do início da guerra revolucionária contra a
Inglaterra?
45
A prosa romântica
O ideal romântico e a
construção da identidade norte-americana
É no século XIX que surge a primeira grande geração de escritores nos
Estados Unidos. Nomes como Washington Irving, James Fenimore Cooper,
Nathaniel Hawthorne, Edgar Allan Poe, Ralph Waldo Emerson, Henry David
Thoreau e Herman Melville formarão o primeiro grupo de autores que vão
Literatura Norte-Americana
O surgimento dessas grandes mentes que vão, pela primeira vez, consagrar
elementos culturais notadamente norte-americanos num âmbito global, é con-
sequência de dois aspectos distintos que ultrapassam os limites da literatura.
Um é de caráter interno e sociopolítico: o desenvolvimento e a expansão territo-
rial dos Estados Unidos. Outro é de caráter externo e artístico: a presença de uma
estética romântica na mentalidade europeia.
Nos Estados Unidos a situação é bem diferente. O século XIX foi o período
em que os Estados Unidos, após o processo de independência, tentam achar
uma forma de representação artística que seja capaz de exprimir uma identidade
49
Literatura Norte-Americana
Essa onda nacionalista, ao unir-se com as principais ideias românticas, vai ser a
força motriz na formação de uma literatura essencialmente norte-americana que vai
dar voz aos anseios e pensamentos de toda uma geração. O amadurecimento literá-
rio dos Estados Unidos, todavia, se dará de forma gradativa. O romance foi a forma
literária adotada pela maioria dos autores da época, e as primeiras obras norte-ame-
ricanas ao final do século XVIII ainda procuravam um estilo de narrativa único, que
pudesse ao mesmo tempo interessar e representar aos leitores da época.
Em 1815 o autor faz uma viagem à Europa, onde entra em contato direto com
a tradição romântica do Velho Continente. O Romantismo inglês, com seu elogio
50
A prosa romântica
51
Literatura Norte-Americana
cional que se desenrola tendo como pano de fundo um evento real do passado.
O que Cooper faz é modelar a forma do romance histórico como definido pelo
autor inglês para a realidade norte-americana e assim “Cooper, trilhando o cami-
nho de Scott, soube revestir a história das mais brilhantes roupagens e cercá-la
dos mais pitorescos cenários.” (NABUCO, 2000, p. 41)
The Spy (O Espião) é uma história que se passa durante o período revolucio-
nário e, mesmo que em termos históricos tenha sido um momento bem recente
quando o livro foi lançado, Cooper soube tirar proveito do crescente interesse
do público em ler narrativas que dissessem respeito à sua própria experiência e
aos eventos que levaram à formação da identidade da nação. A forma satírica de
ver o passado, como ilustrada por Irving, é substituída por uma perspectiva séria
e com um viés político na escrita de James Fenimore Cooper.
Da mesma forma que Walter Scott tem como ícone de seus romances
históricos o personagem Waverley, Cooper também vai compor uma figura
histórica que vai se tornar a sua principal criação: Natty Bumppo, também
chamado de Leatherstocking. O autor escreve cinco romances sobre a vida de
Bumppo – conhecidos como Leatherstocking Tales – sendo o principal dele The
Last of the Mohicans (O Último dos Moicanos). Leatherstocking é o arquétipo do
herói romântico e norte-americano do século XIX: ele se aproxima das tradições
indígenas, tem um forte espírito de justiça e localiza-se na mítica “fronteira” dos
Estados Unidos, a região onde termina a civilização e começa o desconhecido,
geralmente associado à área oeste do país.
Cooper foi o primeiro a dar o devido valor a cenas e eventos realmente nor-
te-americanos, com seus romances que ao mesmo tempo exaltavam o passado
revolucionário da nação e também reconheciam a importância da contribuição
indígena para a formação de uma cultura em crescimento, porém já tão rica. Sua
preocupação com uma narrativa que fosse genuinamente norte-americana, seja
em tons políticos ou em ritmo de aventura, foi primordial para a confirmação do
potencial da literatura dos Estados Unidos.
O transcendentalismo
Com a formação de uma identidade nacional norte-americana, os principais
pensadores dos Estados Unidos tentaram encontrar uma filosofia que fosse
capaz de representar os anseios da nação de forma nova e genuína. A mais sig-
nificativa foi certamente o transcendentalismo, que não só rompe com as tra-
52
A prosa romântica
“An individual is the spiritual center of the universe - and in an individual can
be found the clue to nature, history and, ultimately, the cosmos itself. It is not a
rejection of the existence of God, but a preference to explain an individual and
the world in terms of an individual.” ((McMICHAEL et al., 2001, p. 442)
53
Literatura Norte-Americana
54
A prosa romântica
Outro texto de Emerson que vai deixar uma marca na produção literária norte-
-americana é o ensaio Self-Reliance, de 1841. Como o próprio título indica, nessa
obra o autor intensifica o discurso a favor da valorização do self, de si próprio
e das crenças individuais. Em linhas gerais, o argumento básico de Self-Reliance
(Autoconfiança) deve combater o conformismo e as falsas convenções e confiar
nos próprios instintos. Emerson, mesmo que de forma subconsciente, faz um
comentário sobre a tradição do pensamento de Benjamin Franklin ao mesmo
tempo que a renega, afirmando que: “Self trust is the first secret of success, the
belief that, if you are here, the authorities of the world put you here, and for cause,
55
Literatura Norte-Americana
or with some task strictly appointed you in your constitution, and so long as you
work at that, you are well and successful.” (EMERSON, In: NABUCO, 2000, p. 36)
A filosofia de Ralph Waldo Emerson vai servir de influência para vários escrito-
res do período, mas nenhum deles vai representar melhor o espírito do transcen-
dentalismo do que Henry David Thoreau (1817-1862). O que Emerson expressava
através de um idealismo filosófico fundado na esfera teórica, Thoreau realizava
através da experiência com o mundo natural e prático. Se Emerson foi o principal
pensador do movimento transcendentalista, Thoreau foi aquele que melhor pôs
seus ideais em prática. Tome-se, por exemplo, a primeira passagem de Nature,
de Emerson:
To go into solitude, a man needs to retire as much from his chamber as from society. I am not
solitary whilst I read and write, though nobody is with me. But if a man would be alone, let
him look at the stars. The rays that come from those heavenly worlds, will separate between
him and what he touches. One might think the atmosphere was made transparent with this
design, to give man, in the heavenly bodies, the perpetual presence of the sublime. (EMERSON,
In: McMICHAEL, 2001, p. 615)
56
A prosa romântica
para a experiência de Thoreau, que viveu recluso durante mais de dois anos
numa cabana distante da cidade, à beira do lago Walden. Amigo e discípulo de
Emerson, Thoreau nasceu em Concord e lá viveu a maior parte de sua vida. Sua
notória paixão pela natureza, vista na época como excentricidade e hoje tida
como um dos primeiros símbolos da consciência ambiental, é a concretização
dos escritos do autor de Nature. Assim sendo, é possível afirmar que: “Thoreau
was the symbolist; Emerson could only describe, seeing simultaneously the
thing before him and the spiritual analogue he held equally real. He was the
adventurous pioneer who turned woods and pond into a frontier of the spirit.”
(BRADBURY; RULAND, 1992, p. 129)
Publicado apenas em 1854, Walden não teve grande sucesso quando lança-
do. O próprio Thoreau durante muito tempo foi visto como um mero aluno de
Emerson, passando a ter seu valor reconhecido já na virada do século. Uma das
razões para a importância literária de Walden é a forma que Thoreau alia a rea-
lidade material que o rodeia à sua própria expressão individual. Combinando o
contato direto com a natureza a uma sensibilidade própria, sua escrita se desen-
volve através de uma simples narrativa, focando especialmente na passagem
das estações do ano como um reflexo do crescimento do homem.
Numa célebre passagem, Thoreau explica o que o compeliu a passar pela ex-
periência de mais de dois anos à beira do lago Walden:
I went to the woods because I wished to live deliberately, to front only the essential facts of
life, and see if I could not learn what it had to teach, and not, when I came to die, discover that I
had not lived. I did not wish to live what was not life, living is so dear; nor did I wish to practice
resignation, unless it was quite necessary. I wanted to live deep and suck out all the marrow of
life (THOREAU, In: McMICHAEL, 2001, p. 877).
57
Literatura Norte-Americana
É interessante notar que a prisão, na visão de Thoreau, é o local para onde vão
os homens verdadeiramente livres, pois lá podem exercer sua individualidade.
Para o autor, não é que os cidadãos discordantes tenham sido trancados dentro
das cadeias, mas na verdade eles foram trancados do lado de fora da estrutura do
Estado, daí sua liberdade.
Emerson e Thoreau terão por toda a história da literatura dos Estados Unidos
o papel de profetas de uma nova perspectiva narrativa e temática, por mais que
essa não fosse a intenção original dos autores. Seus principais ideais, fundamen-
58
A prosa romântica
A inspiração gótica
Na tentativa de buscar uma voz genuína para uma literatura em formação,
outros autores decidiram experimentar estilos de escrita que nem sempre se re-
lacionavam diretamente com a natureza ou temas essencialmente norte-ameri-
canos. Ao contrário de Emerson, Thoreau e Cooper, por exemplo, alguns escrito-
res voltaram-se para o estudo de aspectos mais sombrios da natureza humana,
em que a valorização do self não aproxima o homem do divino, mas de seus
temores e aspectos mais sombrios.
A inspiração gótica vai ser um dos elementos criadores de um dos mais proe-
minentes escritores norte-americanos do século XIX: Edgar Allan Poe (1809-1849).
Muito criticado em sua época, rechaçado por não pertencer a uma tradição de
escrita verdadeiramente norte-americana, tido como vilão e homem sem virtu-
des, a obra de Poe supera todos os estereótipos construídos em torno de sua
figura para fazer dele um dos autores mais populares do mundo.
Órfão aos três anos de idade, Poe é criado por uma família adotiva com a qual
teria uma série de desavenças durante toda a vida, especialmente em relação
às dívidas com o jogo que o autor adquire no futuro. Alista-se no exército, mas
59
Literatura Norte-Americana
Em 1838, Poe lança seu único romance: The Narrative of Arthur Gordon Pym,
a história das aventuras marítimas de um jovem, repleta de elementos misterio-
sos. A maior contribuição do autor para a prosa norte-americana, no entanto,
foi o seu talento como contista. Os contos de Edgar Allan Poe permanecem até
hoje como um marco na estruturação da narrativa, no uso preciso da linguagem,
na descrição do estado mental dos personagens e nos aspectos macabros dos
enredos. Bradbury e Roland assim definem os contos de Poe:
Discarding the properties of American space and time, the tales [...] seek an imaginary world in
which to function. Thus they, too, refuse that employment of familiar American life that Emerson
demanded. Here then was an essential difference: for Poe, the imagination held rich symbolizing
potential, but it led toward obscurity and solitude. (BRADBURY; RULAND, 1992, p. 137)
60
A prosa romântica
61
Literatura Norte-Americana
Dessa forma, é possível dizer que essa criação simbólica, que é característica
de seu estilo, não é apenas uma sucessão de metáforas e alegorias remetendo
a lições de moral. O autor transforma e dá vida a esses símbolos ilustrando pro-
fundamente o aspecto psicológico de seus personagens. A escolha pelo período
puritano em algumas de suas histórias se deve, em grande parte, ao seu interes-
se pela ambiguidade presente na época, e que vai servir de reflexo para repre-
sentar a duplicidade da consciência e do comportamento humano.
Com uma riqueza de descrição psicológica e uma escrita alegórica fundada nas
bases do puritanismo, Hawthorne permanece até hoje como o responsável pelo
62
A prosa romântica
Hawthorne serviu de inspiração para outro grande autor das letras norte-
-americanas no século XIX – Herman Melville (1819-1891), de quem foi conselhei-
ro e amigo. Pouco reconhecido em sua época, o verdadeiro valor da literatura de
Melville só veio a ser compreendida no início do século XX, quando o gosto mo-
derno finalmente revestiu de glórias e penetrou fundo nas esferas de obsessão
na qual o autor arquitetou boa parte de suas narrativas.
Durante muito tempo a obra de Melville foi vista como mera literatura de
aventura, uma perspectiva reducionista que em muito reduzia a complexidade
de seus romances e contos. Isso se deu porque inicialmente seus trabalhos mais
populares tinham como tema peripécias no mar que retratavam experiências
vividas pelo próprio autor. Nascido em Nova York, Melville vê a família perder
tudo quando o pai vai à falência. Depois de uma curta carreira no magistério, o
autor embarca em um navio e parte durante boa parte de sua vida em trabalhos
relacionados à vida marítima.
63
Literatura Norte-Americana
good and evil, the power of will to defy fate, the validity of those insights which
contradict the apparent laws of experience, the eternal conflict of God and
Nature in which man in caught – these are the issues that are raised by Ahab’s
defiance.” (SPILLER, 1967, p. 73)
Texto complementar
Young Goodman Brown (trecho)
(HAWTHORNE, 2001)
Young Goodman Brown came forth at sunset into the street at Salem villa-
ge; but put his head back, after crossing the threshold, to exchange a parting
kiss with his young wife. And Faith, as the wife was aptly named, thrust her
own pretty head into the street, letting the wind play with the pink ribbons
of her cap while she called to Goodman Brown.
“Dearest heart,” whispered she, softly and rather sadly, when her lips were
close to his ear, “prithee put off your journey until sunrise and sleep in your
own bed to-night. A lone woman is troubled with such dreams and such
thoughts that she’s afeard of herself sometimes. Pray tarry with me this night,
dear husband, of all nights in the year.”
“My love and my Faith,” replied young Goodman Brown, “of all nights in
the year, this one night must I tarry away from thee. My journey, as thou
callest it, forth and back again, must needs be done ‘twixt now and sunrise.
What, my sweet, pretty wife, dost thou doubt me already, and we but three
months married?”
“Then God bless you!” said Faith, with the pink ribbons; “and may you find
all well when you come back.”
64
A prosa romântica
“Amen!” cried Goodman Brown. “Say thy prayers, dear Faith, and go to bed
at dusk, and no harm will come to thee.”
So they parted; and the young man pursued his way until, being about
to turn the corner by the meeting-house, he looked back and saw the head
of Faith still peeping after him with a melancholy air, in spite of her pink
ribbons.
“Poor little Faith!” thought he, for his heart smote him. “What a wretch
am I to leave her on such an errand! She talks of dreams, too. Methought as
she spoke there was trouble in her face, as if a dream had warned her what
work is to be done tonight. But no, no; ‘t would kill her to think it. Well, she’s
a blessed angel on earth; and after this one night I’ll cling to her skirts and
follow her to heaven.”
With this excellent resolve for the future, Goodman Brown felt himself
justified in making more haste on his present evil purpose. He had taken a
dreary road, darkened by all the gloomiest trees of the forest, which barely
stood aside to let the narrow path creep through, and closed immediately
behind. It was all as lonely as could be; and there is this peculiarity in such a
solitude, that the traveller knows not who may be concealed by the innume-
rable trunks and the thick boughs overhead; so that with lonely footsteps he
may yet be passing through an unseen multitude.
“There may be a devilish Indian behind every tree,” said Goodman Brown
to himself; and he glanced fearfully behind him as he added, “What if the
devil himself should be at my very elbow!”
His head being turned back, he passed a crook of the road, and, looking
forward again, beheld the figure of a man, in grave and decent attire, seated
at the foot of an old tree. He arose at Goodman Brown’s approach and walked
onward side by side with him.
“You are late, Goodman Brown,” said he. “The clock of the Old South was
striking as I came through Boston, and that is full fifteen minutes agone.”
“Faith kept me back a while,” replied the young man, with a tremor in
his voice, caused by the sudden appearance of his companion, though not
wholly unexpected. […]
65
Literatura Norte-Americana
Dicas de estudo
O filme A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça (Tim Burton, 1999), apesar de al-
gumas mudanças na história originalmente concebida por Washington Irving,
é uma interessante releitura da virada do século dos Estados Unidos. Repleta
de uma simbologia gótica que surgiria na literatura norte-americana posterior-
mente com Edgar Allan Poe, a produção retrata de forma criativa as tradições
folclóricas alemãs incorporadas por Irving na narrativa norte-americana.
Atividades
1. De que forma o movimento romântico europeu contribuiu para o desenvol-
vimento da literatura dos Estados Unidos no século XIX?
66
A prosa romântica
67
A poesia romântica
Nomes como Edgar Allan Poe, Walt Whitman e Emily Dickinson cons-
truíram, no século XIX, uma estrutura poética cujo lirismo ecoa até hoje
na produção literária do país. A contribuição de seus trabalhos foi funda-
mental para que os Estados Unidos encontrassem uma expressão subjeti-
va que representasse seus anseios nacionalistas e seu desejo de produzir
uma literatura representativa de toda a nação.
contribuiu com uma teoria poética para os Estados Unidos que durante muito
tempo ecoou nos trabalhos de autores não só norte-americanos, mas também
europeus.
70
A poesia romântica
escuta outras batidas, dessa vez mais fortes, na janela. Ao investigar o som, um
corvo entra no seu quarto e vai pousar diretamente no busto de mármore da
deusa Pallas em cima de sua porta:
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven, of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But with mien of lord or lady, perched above my chamber door.
Perched upon a bust of Pallas, just above my chamber door,
Perched, and sat, and nothing more.
O pássaro então responde mais uma vez: “Nevermore”. E assim o poema termina,
provavelmente com o pássaro ainda em cima do busto de mármore no momento
em que o narrador conta sua história, afirmando que a sua alma nunca mais se tor-
naria livre da sombra daquele corvo presente em seu quarto e na sua vida.
sition, de 1846. Esse texto tem ao menos duas funções fundamentais que ajudam
a mapear o método e o pensamento do autor: organizar uma teoria crítica em
relação à escrita da poesia e servir de análise para The Raven. Com esse ensaio,
o autor procurou mostrar o processo de criação de sua obra mais famosa não
como um produto da inspiração ou meramente associado a sentimentos intuiti-
vos (teoria em voga durante o Romantismo), mas sim como fruto de intenso tra-
balho e raciocínio lógico, chegando a comparar o poema a uma equação mate-
mática: “It is my desire to render it manifest that no one point in its composition
is referrible either to accident or intuition – that the work proceded, step by step,
to its completion with the precision and rigid consequence of a mathematical
problem.” (POE In: McMICHAEL et al., 2001, p. 605)
Usando então o método de criação de The Raven como melhor exemplo, Poe
estabelece em The Philosophy of Composition uma série de regras através das
quais a poesia de qualidade seria produzida.
Primeiramente, o autor afirma que todo trabalho literário deve ter um limite
sobre sua extensão, portanto ele não deve ultrapassar the limit of a single sitting,
ou seja, o leitor deve ser capaz de ler uma obra entre o momento em que decide
sentar para lê-la e antes de levantar-se. Portanto, um número de linhas ideal para
um poema seria 108 linhas. Sobre o tema final de um trabalho poético, não havia
dúvidas para Poe de que este era a beleza. E a forma mais completa de manifes-
tação da beleza é através de um tom triste e melancólico.
Poe passa então a discutir o tópico do poema. Considerando que o tom esco-
lhido para o poema é o da melancolia, não havia dúvida de que o assunto central
de The Raven seria a morte. Para o autor, a forma mais poética de se abordar a
72
A poesia romântica
morte é relacionando-a a bela mulher. A partir daí, ele vai passo a passo anali-
sando as estratégias temáticas estruturais através das quais resolveu construir o
poema, desde a organização das estrofes à presença do busto da deusa Pallas.
Walt Whitman:
a busca por uma voz norte-americana
Essa visão racional e trágica da poesia encontrou representação na literatura
norte-americana nos trabalhos de Edgar Allan Poe, mas não foi a única. Os ideais
transcendetalistas ainda eram muito fortes e muito se questionava se haveria
uma forma poética ideal que servisse para representar os Estados Unidos em
sua totalidade. A resposta viria quase 10 anos depois da publicação do ensaio
de Poe, com um livro de poesias que não só vai marcar a maturidade artística da
produção literária norte-americana, mas também vai revolucionar a poesia do
país: Leaves of Grass (Folhas na Relva), de Walt Whitman.
I am not blind to the worth of the wonderful gift of Leaves of Grass [...] I find incomparable things
said incomparably well [...] I find the courage of treatment that so delights us and which large
perception only can inspire [...] I greet you at the beginning of a great career, which yet must have
had a long foreground somewhere, for such a start. (EMERSON, In: SPILLER, 1967, p. 74)
Emerson, o profeta das letras, reconhecia então em Walt Whitman uma nova
voz digna de levar adiante o legado do transcendentalismo. No entanto, Whitman
iria muito além – de muitas formas, o trabalho do poeta serviria de ponte para
unir diferentes esferas da experiência norte-americana com uma forma (como
disse Emerson) “incomparável”. É com Whitman que a tradição romântica vai se
aliar a temas do estilo realista em ascensão no fim do século XIX; seu trabalho vai
aproximar uma sensibilidade rural à agitada vivência urbana dos Estados Unidos;
suas poesias marcaram um encontro entre aspectos abertamente sexuais com
os tons fúnebres da Guerra Civil. Em resumo: a obra de Walt Whitman vai ser a
comunhão de um espírito individualista único com a amplitude dos diferentes
homens e mulheres que habitam os Estados Unidos.
Esse “início de uma grande carreira”, como afirmou Emerson, não parecia ter
nenhuma base sólida aparente que indicasse que ali estava a nascer um dos
mais significativos trabalhos da história da literatura norte-americana. Primei-
ramente porque em 1855, quando a primeira edição de Leaves of Grass foi pu-
blicada, Whitman já tinha 36 anos. Nascido em Nova York, o então futuro poeta
não pertencia claramente a nenhuma tradição literária. Trabalhou como editor,
jornalista e professor por um certo período antes que, com seu próprio dinheiro,
imprimisse e publicasse Leaves of Grass, originalmente com 12 poemas. O traba-
lho vendeu pouco, mas Whitman insistiu numa segunda edição, que foi lançada
no ano seguinte com 20 poemas adicionais. O livro chamou muita atenção na
época pelos já mencionados elogios de Emerson e pela natureza “obscena” de
sua poesia, como nesse trecho de Song of Myself:
Tenderly will I use you curling grass,
It may be you transpire from the breasts of young men,
It may be if I had known them I would have loved them,
It may be you are from old people, or from offspring taken soon out of their mothers’ laps.
And here you are the mothers’ laps.
Leaves of Grass, contudo, foi escrito e reescrito por Whitman durante toda a
sua vida. Outras edições do livro foram lançadas, com diversos poemas adicio-
nados ou alterados. A recepção foi altamente positiva primeiramente na França
74
A poesia romântica
(assim como também ocorreu com a obra de Edgar Allan Poe), para depois ter
seu valor amplamente reconhecido nos Estados Unidos. Mesmo depois de um
derrame que o deixou seriamente incapacitado em 1873, Whitman continuou a
aperfeiçoar Leaves of Grass e a versão final do livro foi publicada praticamente ao
mesmo tempo em que o autor faleceu. O pequeno livro que tinha inicialmente
12 poemas terminou com quase 400. E aquele autor que Emerson disse que teria
uma grande carreira a sua frente havia se tornado crucial no desenvolvimento da
poesia norte-americana.
Esse “eu” do poema não deve ser confundido com o próprio Walt Whitman –
ele seria na verdade uma representação de um “eu”, de uma individualidade pre-
sente em cada ser humano. É como se fosse um “eu” múltiplo, que serve como
símbolo para a própria essência da humanidade.
75
Literatura Norte-Americana
Song of Myself continua a ilustrar cada elemento individual como símbolo das
massas que garantem o futuro democrático dos Estados Unidos, assim como são
os direitos democráticos das massas que dão legitimidade a cada cidadão para
exercer sua individualidade.
A opção por uma vida solitária (teve poucos amores, nenhum que tenha efe-
tivamente se tornado um relacionamento) faz com que Dickinson não tenha
76
A poesia romântica
lugar no mundo exterior, uma pária (excluída) por opção. Sua obra é um reflexo
artístico do comportamento da autora, já que é difícil lançar sobre ela o rótulo
de “romântica”, “transcendentalista” ou “calvinista”. As influências de diferentes fi-
losofias e estilo de escrita se fazem presentes em seus poemas, mas nunca o de-
finem em totalidade. Ao ler a poesia de Emily Dickinson, sempre se tem acesso
primeiramente ao universo íntimo do “eu lírico”, o que torna o trabalho da autora
único em todo o século XIX.
Esta “arte complexa” mencionada por Spiller, no entanto, não foi amplamente
reconhecida quando o trabalho de Dickinson veio a público. Como outros auto-
res norte-americanos do século XIX, Dickinson mostrou que estava além de seu
tempo e que somente um gosto mais apurado seria capaz de avaliar a totalidade
de sua riqueza literária. Sua poesia se aproximava mais de um gosto moderno, e
é por isso que seus temas e seu estilo vão ser consagrados a partir das primeiras
décadas do século XX.
77
Literatura Norte-Americana
chama a atenção em seus poemas é que eles são na maioria das vezes bem curtos,
e há neles um senso de urgência peculiar, auxiliado por uma escrita pontual, como
se reprimida e reclusa como a própria autora. Muitas vezes, esses poemas se as-
semelham a charadas ou hinos protestantes e tem um ritmo um tanto irregular,
com rimas nem sempre perfeitas e uma gramática truncada, o que fez com que
muito críticos da época vissem Dickinson como uma autora inculta.
Rowing in Eden –
Ah, the sea!
Might I but moor – Tonight –
In Thee!
78
A poesia romântica
79
Literatura Norte-Americana
Texto complementar
The raven
(POE, 2001)
80
A poesia romântica
Deep into the darkness peering, long I stood there, wondering, fearing
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word,
“Lenore?”, This I whispered, and an echo murmured back the word,
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven, of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But with mien of lord or lady, perched above my chamber door.
81
Literatura Norte-Americana
But the raven, sitting lonely on that placid bust, spoke only
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered; not a feather then he fluttered;
Till I scarcely more than muttered,”Other friends have flown before;
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before.”
Of “Never – nevermore.”
82
A poesia romântica
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by seraphim whose footfalls tinkled on the tufted floor.
“Wretch,” I cried, “thy God hath lent thee – by these angels he hath
Sent thee respite – respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, O quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!”
“Be that word our sign of parting, bird or fiend!” I shrieked, upstarting –
“Get thee back into the tempest and the Night’s Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul spoken!
Leave my loneliness unbroken! – quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!”
83
Literatura Norte-Americana
Dicas de estudo
Uma forma interessante de se estudar o poema The Raven, de Edgar Allan
Poe, é através das traduções que ganhou para o português. O livro O Corvo e
Suas Traduções, organizado por Ivo Barroso, traz versões da obra-prima poética
de Poe traduzidas por nomes como Machado de Assis e Fernando Pessoa. Este
trabalho é uma oportunidade valiosa para se compreender a riqueza da forma
e da escolha de palavras utilizadas pelo poeta norte-americano, assim como as
diferentes maneiras que a linguagem do poema ganhou na língua portuguesa.
O filme Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weir, aborda como um profes-
sor de literatura com ideias inovadoras desafia a estrutura conservadora de uma
escola ao mesmo tempo em que inspira os alunos a viverem a vida em sua com-
pletude. As aulas deste professor, interpretado por Robin Williams, são em sua
maioria voltadas para os poetas e pensadores do Romantismo norte-americano,
como Walt Whitman e Henry David Thoreau. Os comentários feitos com relação
aos textos românticos são iluminadores, lançando uma nova perspectiva aos
clássicos do século XIX.
Atividades
1. De acordo com as ideias de Edgar Allan Poe em The Philosophy of Composi-
tion, quais as características de um bom poema?
84
A poesia romântica
85
A Guerra Civil
e a literatura correspondente
O século XIX foi um período de transição para os Estados Unidos. Ao
passar de treze colônias beirando o Oceano Atlântico para uma grande
nação estabelecida economica e politicamente, o país necessitaria passar
por uma série de ajustes, negociações e conflitos para que tivesse a
grandeza que hoje tem garantida. Das transformações e fatos históricos
ocorridos no período, nenhum foi mais importante do que a Guerra Civil,
também conhecida como Guerra de Secessão. Este conflito armado, que
opôs os estados do Norte aos estados do Sul, foi crucial para que todo o
território norte-americano se organizasse em prol dos mesmos objetivos,
com o intuito de promover o crescimento e desenvolvimento do país.
Diante dessa imensa expansão, tornava-se cada vez mais difícil manter uma
unidade por uma vasta região que, com a adesão da Califórnia aos Estados
Unidos, se estendia de um oceano a outro. Especialmente quando os estados do
Norte e do Sul, já mais historicamente consolidados, eram tão diferentes levan-
do em consideração os aspectos políticos, econômicos e sociais. Qual modelo as
novas regiões conquistadas deveriam seguir? Encontra-se aqui então a principal
razão para a Guerra Civil norte-americana: a profunda distinção e o conflito de
interesses entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos.
frio, por isso a agricultura era limitada a pequenas fazendas cuja produção era
de subsistência. A força da economia nortista se encontrava nas suas fábricas e
manufaturas, com a produção de tecidos, ferramentas, armas, entre outros pro-
dutos. O comércio também era bem desenvolvido, o que garantia que grande
parte dos produtos manufaturados se voltasse para o mercado interno.
89
Literatura Norte-Americana
Para o sul dos Estados Unidos, a escravidão já era parte inerente à sociedade
e uma das forças motrizes de sua economia. Em algumas regiões como a
Virgínia, a estrutura escravocrata já existia por um período de dois séculos no
ano de 1850. À medida que o século XIX prosseguia, ficava claro que o Sul e
Norte tinham ideias diferentes na forma que o país seria conduzido. Além
disso, os latifundiários sulistas não ficavam nada contentes com os altos lucros
(considerados excessivos) que a elite do Norte conseguia com o comércio de
algodão. Por outro lado, o Norte tinha certeza de que o Sul – sempre visto como
a região mais atrasada dos Estados Unidos – jamais se tornaria completamente
desenvolvido enquanto continuasse a se apoiar numa sociedade escravocrata.
91
Literatura Norte-Americana
– AND I WILL BE HEARD. The apathy of the people is enough to make every statue leap from its
pedestal, and to hasten the resurrection of the dead. (O’CALLAGHAN, 2002, p. 47)
Uncle Tom’s Cabin conta, de forma geral, a história da fuga da escrava Eliza e
seu filho depois de descobrir que ele seria vendido e separado dela. Escrito num
tom sentimental e melodramático muito popular na época, o livro serviu como
combustível para o movimento abolicionista por retratar os males que a servi-
dão humana causava aos escravos e por finalmente mostrar negros não como
propriedade, mas como pessoas dotadas de sentimento e identidade.
Inicialmente, o romance seria escrito como uma reação da autora contra a Lei
do Escravo Fugitivo de 1850. De acordo com essa lei, não só os escravos fugitivos
mas também aqueles que também os auxiliassem na fuga ou lhes oferecessem
asilo seriam severamente punidos. No entanto, à medida que foi desenvolvendo
a sua narrativa, o escopo de Uncle Tom’s Cabin foi aumentando, abordando a si-
tuação extremada dos escravos fugidos e até mesmo o suicídio das mães negras
ao serem separadas de seus filhos. O romance foi usado como base para diferen-
tes produções teatrais que apoiavam a causa abolicionista, e sua repercussão foi
tão grande que chegou a ser proibido no sul dos Estados Unidos.
Atualmente, o romance é muito criticado por ter dado origem a uma série de
estereótipos que em muito prejudicaram a imagem dos negros norte-america-
nos no decorrer dos anos. A figura do Uncle Tom (o velho escravo sofredor e fiel
ao seu proprietário branco) e da mammy (a empregada negra, gorda, e de voca-
bulário chulo) empregados no romance permanecem até hoje como exemplos
da forma preconceituosa que o negro pode ser retratado. Mesmo assim, não se
pode negar a importância do romance Uncle Tom’s Cabin para a humanização da
causa abolicionista para além da questão política.
92
A Guerra Civil e a literatura correspondente
Em 1861, a Carolina do Sul decide se desligar dos Estados Unidos, seguida por
outros estados (Alabama, Flórida, Texas, Mississipi e Georgia), formando assim os
Estados Confederados da América, ou simplesmente Confederação. Sob a pre-
sidência de Jefferson Davis, o Sul resolve criar seu próprio governo, em que a
escravidão não corre o risco de ser abolida e os interesses dos grandes latifundi-
ários não são ameaçados.
O Norte então representa o lado da União, e assim vai ser conhecido durante
a guerra. É interessante notar que o termo guerra civil, geralmente aplicado a um
embate entre dois lados diferentes do mesmo do país para obter o seu contro-
le, parece não compreender o aspecto separatista do conflito. Daí a preferência
de alguns historiadores pelo termo Guerra de Secessão, ou seja, uma guerra de
separação. O Sul queria se tornar independente, enquanto o Norte não tinha
nenhum interesse nisso. Os estados do Sul, além de terem dívidas com os bancos
do Norte, também eram os principais fornecedores de matéria-prima para as in-
dústrias e manufaturas nortistas.
mais do que seus lares, mas suas próprias tradições. Portanto, mesmo em des-
vantagem, os soldados sulistas lutaram com muita determinação.
Mesmo que, de forma mais objetiva, a Guerra Civil tenha ocorrido por razões
políticas e econômicas, de certa maneira a causa moral do conflito foi a escravi-
dão. E durante todo o período das batalhas, a estrutura escravocrata ia perdendo
a força. Cada vez que uma tropa nortista invadia uma região confederada, um
enorme contingente de negros fugia das fazendas. Em 1862, Lincoln lança uma
versão preliminar da Proclamação de Emancipação e, em 1.º de Janeiro de 1863,
os escravos negros da América se tornam livres. Mesmo tendo um impacto ime-
diato reduzido, a libertação dos escravos foi uma questão vitoriosa para a União.
Em suas palavras, Abraham Lincoln invoca a memória daqueles que tão bra-
vamente lutaram pela preservação do país ao dizer que aqueles que ali morre-
ram não morreram em vão. Além disso, cita a herança cristã da América (“this
nation, under God”) e os principais valores que ditam as regras de sua sociedade
(“a new birth of freedom”). Porém, a passagem mais conhecida do Discurso de
Gettysburg é quando Lincoln afirma que o governo norte-americano é “of the
94
A Guerra Civil e a literatura correspondente
people, by the people, for the people” – ou seja, é do povo dos Estados Unidos
que surge a força da nação, é pelo povo que se luta na guerra e é para o povo que
se quer manter a união.
Consequências do conflito:
textos literários de temática da Guerra Civil
Com o fim da Guerra Civil, os Estados Unidos precisavam se reerguer como
uma nação forte. Para isso era necessária não só uma reconstrução em termos
estruturais mais práticos (especialmente cidades inteiras devastadas pelo con-
flito), mas também em termos políticos: a nação deveria se reerguer mais forte
e mais unida. Em 1864, Abraham Lincoln foi reeleito presidente, e seu principal
objetivo era a reestruturação do país. Em seu último discurso público, em abril
de 1865, o presidente afirmou:
[A reconstrução] será repleta de dificuldades. Ao contrário do que ocorre na guerra entre
nações independentes, não há um órgão autorizado com o qual possamos tratar. Nenhum
homem tem autoridade para renunciar à rebelião por outro homem. Devemos simplesmente
começar e prosseguir a partir de elementos desorganizados e discordantes. Nem é pouco,
como embaraço adicional, que nós, o povo leal, difiramos entre nós mesmos quanto ao
método, à maneira e aos meios da reconstrução. (WRIGHT, 2008, p. 207)
Lincoln, em sua fala, está mais do que alertando sobre o longo e complicado
processo à frente do país. Na verdade, ele também está se referindo a alguns
políticos que acreditavam que o Sul deveria sofrer uma série de medidas puni-
tivas por ter se separado da União e causado a guerra. O presidente era contra
a punição aos estados sulistas, pois assim a própria reconstrução dos ideais da
nação estaria comprometida.
No entanto, uma crise maior viria a surgir. Dias depois de proferir o discurso
acima, o presidente Lincoln leva um tiro enquanto assistia a uma peça em
Washington. O assassino era um extremista sulista chamado John Wilkes Booth,
que se ressentia da derrota da Confederação e considerava Lincoln um tirano. O
assassinato de Lincoln foi um duro golpe não só para a política e para toda uma
mentalidade norte-americana, como bem escreveu o poeta James Russel Lowell:
95
Literatura Norte-Americana
Nunca, antes daquela sobressaltada manhã de abril, uma multidão tão numerosa de homens
e mulheres derramara tantas lágrimas pela morte de alguém que nunca tinham visto, como se
com sua partida tivesse desaparecido também uma presença amiga, deixando suas vidas mais
frias e mais sombrias. Nunca um panegírico fúnebre foi mais eloquente do que aqueles olhares
de comiseração trocados por estranhos ao se encontrarem naquele dia. A humanidade havia
perdido alguém muito próximo. (LOWELL, In: CINCOTTA, 1994, p. 169-170)
De todos esses casos, a situação dos negros era a mais complexa. Embora a
escravidão tivesse terminado e alguns políticos republicanos apoiassem a causa
dos ex-escravos, os negros não eram vistos como iguais aos brancos, e a segrega-
ção racial se tornou uma característica da sociedade norte-americana, só sendo
questionada na segunda metade do século XX (ou seja, 100 anos depois) com os
movimentos de luta pelos direitos civis. Apesar da promulgação da 14.ª emenda
da Constituição em 1866, que tornava os negros cidadãos norte-americanos (in-
clusive dando a eles direito ao voto), o preconceito permaneceu muito forte no
país, dando origem até mesmo a organizações secretas que espalhavam violên-
cia contra os negros, sendo a mais famosa a Ku Klux Klan.
Não foi só apenas a questão racial que teve de esperar até o século XX para
ser amplamente discutida. A maior parte da literatura produzida sobre a Guerra
Civil só veio a ser publicada anos depois do fim do conflito. As grandes vozes
literárias do período (Hawthorne, Whitman, Dickinson) estiveram à margem da
guerra, incluindo pouca ou nenhuma referência a ela em seus trabalhos. Não é à
toa que o mais importante texto produzido durante a Guerra Civil foi o Discurso
de Gettysburg feito por Abraham Lincoln, pois esse é o tipo de produção textual
que floresce no campo de batalha: discursos, canções de guerra, relatos de
96
A Guerra Civil e a literatura correspondente
soldados, sermões. Whitman teria afirmado: “The real war will never get into the
books.” (BRADBURY; RULAND, 1992, p. 185)
Uma das primeiras obras a ser considerada uma reflexão profunda sobre a
Guerra Civil através da experiência direta de um soldado no campo de batalha foi
The Red Badge of Courage (O Emblema Rubro da Coragem), de Stephen Crane, pu-
blicado em 1896. Crane nasceu seis anos depois do fim do conflito, mas seu roman-
ce permanece até hoje um estudo da guerra em seu estado bruto, especialmente
porque o autor (mesmo não tendo presenciado a Guerra Civil) viu guerras muito
de perto trabalhando como correspondente jornalístico em Cuba e na Grécia.
The Red Badge of Courage é um dos primeiros trabalhos da fase realista da lite-
ratura norte-americana, e por isso tem uma abordagem verossímil e até mesmo
chocante que vai marcar época. Nunca um romance havia sido tão direto em
seu retrato da brutalidade da guerra. Mesmo que muitas vezes a narrativa evite
aspectos mais sangrentos e mórbidos, a vitalidade da descrição das batalhas
garante que a obra permaneça até hoje como o principal romance de guerra
norte-americano.
É esta visão insana que torna The Red Badge of Courage o trabalho mais con-
tundente sobre a Guerra Civil norte-americana. A narrativa de Crane despe o
conflito das palavras pomposas e causas nobres que sempre foram associa-
das a esse evento histórico. A atmosfera de combate constante, mas também
altamente generalizada (poderia ser qualquer guerra, poderiam ser quaisquer
jovens soldados) são um retrato (que quer se fazer) fiel do período mais san-
grento da história dos Estados Unidos. Mas foi a partir da Guerra Civil que uma
nação realmente unida se lançou obstinadamente no caminho do sucesso e da
prosperidade.
97
Literatura Norte-Americana
Texto complementar
Her husband’s suffering and dangers, and the danger of her child, all
blended in her mind, with a confused and stunning sense of the risk she was
running, in leaving the only home she had ever known, and cutting loose
from the protection of a friend whom she loved and revered. Then there was
the parting from every familiar object – the place where she had grown up,
the trees under which she had played, the groves where she had walked many
an evening in happier days, by the side of her young husband – everything,
as it lay in the clear, frosty starlight, seemed to speak reproachfully to her,
and ask her whither could she go from a home like that?
But stronger than all was maternal love, wrought into a paroxysm of frenzy
by the near approach of a fearful danger. Her boy was old enough to have
walked by her side, and, in an indifferent case, she would only have led him
by the hand; but now the bare thought of putting him out of her arms made
her shudder, and she strained him to her bosom with a convulsive grasp, as
she went rapidly forward.
The frosty ground creaked beneath her feet, and she trembled at the sound;
every quaking leaf and fluttering shadow sent the blood backward to her heart,
and quickened her footsteps. She wondered within herself at the strength that
seemed to be come upon her; for she felt the weight of her boy as if it had been
a feather, and every flutter of fear seemed to increase the supernatural power
that bore her on, while from her pale lips burst forth, in frequent ejaculations,
the prayer to a Friend above – ”Lord, help! Lord, save me!”
If it were your Harry, mother, or your Willie, that were going to be torn
from you by a brutal trader, tomorrow morning, – if you had seen the man,
and heard that the papers were signed and delivered, and you had only from
twelve o’clock till morning to make good your escape – how fast could you
walk? How many miles could you make in those few brief hours, with the
98
A Guerra Civil e a literatura correspondente
darling at your bosom – the little sleepy head on your shoulder – the small,
soft arms trustingly holding on to your neck?
For the child slept. At first, the novelty and alarm kept him waking; but
his mother so hurriedly repressed every breath or sound, and so assured him
that if he were only still she would certainly save him, that he clung quietly
round her neck, only asking, as he found himself sinking to sleep:
“But, mother, if I do get asleep, you won’t let him get me?”
“No! so may God help me!” said his mother, with a paler cheek, and a
brighter light in her large dark eyes.
“Yes, sure!” said the mother, in a voice that startled herself; for it seemed to
her to come from a spirit within, that was no part of her; and the boy dropped
his little weary head on her shoulder, and was soon asleep. How the touch
of those warm arms, the gentle breathings that came in her neck, seemed to
add fire and spirit to her movements! It seemed to her as if strength poured
into her in electric streams, from every gentle touch and movement of the
sleeping, confiding child. Sublime is the dominion of the mind over the body,
that, for a time, can make flesh and nerve impregnable, and string the sinews
like steel, so that the weak become so mighty.
The boundaries of the farm, the grove, the wood-lot, passed by her dizzily,
as she walked on; and still she went, leaving one familiar object after another,
slacking not, pausing not, till reddening daylight found her many a long mile
from all traces of any familiar objects upon the open highway.
She had often been, with her mistress, to visit some connections, in the
little village of T —, not far from the Ohio river, and knew the road well. To go
thither, to escape across the Ohio river, were the first hurried outlines of her
plan of escape; beyond that, she could only hope in God.
When horses and vehicles began to move along the highway, with that
alert perception peculiar to a state of excitement, and which seems to be a
sort of inspiration, she became aware that her headlong pace and distracted
99
Literatura Norte-Americana
air might bring on her remark and suspicion. She therefore put the boy on
the ground, and, adjusting her dress and bonnet, she walked on at as rapid a
pace as she thought consistent with the preservation of appearances. In her
little bundle she had provided a store of cakes and apples, which she used
as expedients for quickening the speed of the child, rolling the apple some
yards before them, when the boy would run with all his might after it; and
this ruse, often repeated, carried them over many a half-mile.
“No, no, Harry darling! mother can’t eat till you are safe! We must go on-
on-till we come to the river!” And she hurried again into the road, and again
constrained herself to walk regularly and composedly forward.
Dicas de estudo
O clássico E o Vento Levou é um dos filmes mais famosos a retratar as conse-
quências devastadoras da Guerra Civil para o sul dos Estados Unidos. Através
da saga de Scarlett O’Hara, o filme (baseado no romance de Margaret Mitchell)
traça um retrato do estilo de vida sulista antes e após o conflito, incluindo a rela-
ção com os escravos e a estrutura latifundiária.
100
A Guerra Civil e a literatura correspondente
Atividades
1. Qual a importância do romance Uncle Tom’s Cabin para a Guerra Civil norte-
-americana?
101
O Realismo norte-americano
naturalista; enquanto Henry James usará o requinte narrativo para traçar um rico
panorama social do país.
As mudanças socioeconômicas
O fim da Guerra Civil em 1865 proporcionou não apenas uma mudança na
estrutura política norte-americana, mas também em sua proposta de modelo
econômico. Isso porque, com a vitória dos estados do Norte, a visão dos Esta-
dos Unidos como um país fundamentalmente agrário e baseado em latifúndios
(como sonhou Thomas Jefferson) tornou-se impraticável. O Norte, ao vencer a
guerra, impôs uma nova perspectiva para o país: uma economia baseada na in-
dústria e no comércio, nos avanços científicos e no desenvolvimento de uma so-
ciedade urbana, em que os resultados da Revolução Industrial ocorrida na Ingla-
terra algumas décadas antes fossem adaptados à realidade norte-americana.
104
O Realismo norte-americano
Embora boa parte desses empresários tenha lucrado bastante com o período
de reconstrução pós Guerra Civil e outros tenham feito fortuna como banquei-
ros, vários dos homens que fizeram milhões investindo na alavancada industrial
dos Estados Unidos tiveram origem humilde, até mesmo na pobreza. No entan-
to, com uma visão empreendedora, trabalho duro, muita ambição e em muitas
vezes, exploração da força de trabalho, eles serviram como personificação do
“sonho americano”.
No final do século XIX, o lucro vindo das indústrias já era superior ao da agri-
cultura, o que consolidava de vez o país como potência desenvolvida. Nas pri-
meiras décadas do século XX, mais de um terço da produção industrial do pla-
105
Literatura Norte-Americana
neta vinha dos Estados Unidos. Contudo, a indústria por si só não seria capaz de
proporcionar o salto rumo ao desenvolvimento dado pelo país naquele período.
O investimento nas fábricas caminhou lado a lado a importantes invenções e
uma próspera indústria de patentes possibilitou aos norte-americanos estarem
sempre na vanguarda da tecnologia.
As cidades cresciam como nunca antes, e Nova York se torna a capital desse
novo mundo urbano e industrializado. Essa expansão das metrópoles se deu em
grande parte devido à grande onda de imigração ocorrida no final do século XIX.
Irlandeses, eslavos, poloneses e outros povos europeus partiram para a América
em busca de prosperidade e oportunidades de emprego – desde então, o país
foi visto como a “terra das oportunidades”. Em 1910, mais de um terço da popu-
lação das grandes cidades norte-americanas era estrangeira.
Diante desse progresso urbano e tecnológico, não havia espaço para um estilo
de vida tido como inferior e atrasado – o indígena. Os índios norte-americanos
106
O Realismo norte-americano
É nesse choque entre a prosperidade e a miséria que vai se localizar grande parte
da literatura realista. Procurando retratar não só o século XIX, mas toda a realidade
de forma fiel e objetiva, esse estilo literário vai quebrar com a tradição romântica,
tão forte no imaginário norte-americano, para fundar uma nova forma de escrita.
A primeira vez que um estilo literário foi considerado “realista” foi na França,
em meados do século XIX. De acordo com uma revista literária exatamente in-
titulada Réalisme, esse estilo literário pode ser definido da seguinte forma: “Art
should give a truthful representation of the real world, [...] it should study con-
temporary life meticulously in order to provide a exact, complete, and sincere
reproduction of the social milieu, and [...] it should do so dispassionately, imper-
sonally and objectively.” (DAVIDSON; WAGNER-MARTIN, 1995, p. 749)
Essa changing culture (mudança cultural) citada por Bell cabe perfeitamen-
te no contexto dos Estados Unidos ao final do século XIX. Com a passagem do
modelo econômico do país para um esquema industrial, a consolidação de um
estilo de vida urbano e uma reorganização das classes sociais (agora incluindo
negros e imigrantes), a paisagem da sociedade norte-americana mudou profun-
damente – e a literatura acompanhou essa transição de perto.
A Guerra Civil foi o evento nos Estados Unidos que marcou uma transição de
um ideal romântico para uma perspectiva realista. Ao fim do período mais san-
grento da história norte-americana, ficou evidente que os princípios transcen-
dentais de Ralph Waldo Emerson, os devaneios macabros de Edgar Allan Poe ou
as temáticas puritanas de Nathaniel Hawthorne não mais representavam a maior
parte do interesse artístico. A guerra deu ao país um choque de realidade, e a pro-
dução literária do período percebeu que narrar fielmente os novos aspectos de-
correntes do conflito era uma das melhores formas de lidar com essa realidade.
O Realismo também traz uma mudança na ênfase geográfica dada pela lite-
ratura norte-americana até então. Praticamente toda a produção literária do país
havia se dado na região leste – portanto a maioria dos autores, do público-leitor
e das temáticas abordadas pertencia à região da costa do Atlântico dos Estados
Unidos. Isso se deu especialmente durante o Romantismo, quando a Nova In-
glaterra praticamente monopolizou a literatura. Com a expansão territorial pelo
108
O Realismo norte-americano
109
Literatura Norte-Americana
oeste, ele é empregado pelo jornal Territorial Enterprise e começa sua carreira
como notório humorista e principal nome da fronteira norte-americana.
Mark Twain ganha reputação nacional com o livro The Celebrated Jumping
Frog of Calaveras County (O Celebrado Sapo Saltador de Calaveras County), uma
coletânea de contos. Nessa obra, o autor remete a tradições folclóricas do oeste
norte-americano, já que praticamente todas as histórias contadas ali já eram co-
nhecidas como anedotas regionalistas. Depois desse sucesso inicial, Twain parte
para o leste para, como o próprio afirmou, “atender a um chamado da literatura
de ordem inferior – i.e. humorística”. Nesse período, tornou-se ainda mais conhe-
cido com suas notícias de jornal em tom burlesco e sua veia cômica.
Esse processo já havia começado antes com dois outros importantes traba-
lhos: The Adventures of Tom Sawyer (As Aventuras de Tom Sawyer), de 1876, e Life
on the Mississippi, (A Vida no Mississippi), de 1883. No primeiro, Twain realiza uma
evocação do período de sua infância ao morar na região do Vale do Mississippi.
O protagonista, o jovem Tom Sawyer, é a representação do menino travesso que,
no meio de diversas aventuras e amores infantis, serve como símbolo da liberda-
de inerente àqueles de coração bom. Já em Life on the Mississippi, o autor narra o
período em que trabalhou como piloto de um barco a vapor naquele rio. Apesar
de ser um passado altamente idealizado, Twain trata sua experiência com um
cunho realista, criando uma vívida transcrição de como era navegar pelo cami-
nho fluvial mais famoso dos Estados Unidos antes da Guerra Civil.
110
O Realismo norte-americano
It was a close place. I took it up, and held it in my hand. I was a trembling, because I’d got to
decide, forever, betwixt two things, and I knowed it. I studied a minute, sort of holding my
breath, and then says to myself:
“All right, then, I’ll go to hell” – and tore it up. (TWAIN, 2008, p. 319)
111
Literatura Norte-Americana
Embora o restante de sua carreira seja escrito em tom mais crítico e pessi-
mista, a literatura de Mark Twain será para sempre lembrada como um misto
de diário de viagens, autobiografia, romance de aventura e relato regional. Suas
obras estão entre as mais populares da história dos Estados Unidos e seu legado
vai influenciar vários dos escritores do início do século XX, em busca do talento
de Twain para narrar a realidade de diferentes partes do país.
O Naturalismo
Apesar de uma forte ênfase na representação das histórias locais e no estilo
de vida de novas regiões dos Estados Unidos, a literatura realista norte-ameri-
cana sofreu uma notável influência do Realismo europeu. O romance Madame
Bovary, de Gustave Flaubert, é a obra máxima da literatura realista francesa, no
qual a narrativa explora um tema polêmico para a época (adultério) através da
descrição da vida provinciana e burguesa dos personagens. O fato do narrador
não julgar moralmente os personagens e retratar fielmente tanto a hipocrisia
quanto a dura realidade da vida em sociedade acabou por ter um impacto em
grande parte da literatura escrita no século XIX.
A produção literária francesa, no entanto, iria ter uma influência ainda maior
nos romances norte-americanos com o desenvolvimento de uma nova forma
de escrita: o Naturalismo. Em linhas gerais, o Naturalismo é o movimento lite-
rário que pretende explicar a realidade cotidiana através de um entendimento
biológico e leis naturais disponíveis em termos científicos. O Naturalismo pode
112
O Realismo norte-americano
ser visto como uma continuação do Realismo, mas enquanto a escrita realista
pretende descrever a realidade como ela é de verdade, o Naturalismo pretende
demonstrar de forma científica como diferentes forças (a atmosfera social, a he-
reditariedade etc) atuam na realidade e nos indivíduos.
113
Literatura Norte-Americana
114
O Realismo norte-americano
115
Literatura Norte-Americana
Henry James:
a literatura entre os Estados Unidos e a Europa
À medida que termina o século XIX e começa o século XX, a literatura norte-
-americana começa gradualmente a passar por um período de transição. Embora
ainda marcada pela necessidade de descrever a realidade como ela é, os roman-
ces escritos nos Estados Unidos deixam de enfatizar exclusivamente a ideia da
“cor local” ou o caráter determinista. Em seu lugar, nota-se a ascensão de uma es-
crita mais sofisticada, aliada a um desenvolvimento mais complexo da narrativa
e uma profunda exploração dos limites da consciência.
Henry James nasceu em uma família rica, pertencente à alta sociedade nova-
-iorquina. Seu pai era um intelectual, com ensaios publicados sobre filosofia e
teologia; a educação era um assunto prioritário, e seus filhos foram criados com
tutores e levados desde a infância para passar longas temporadas na Europa,
onde foram expostos aos hábitos e estilos de vida de uma sociedade interna-
cional. O irmão mais velho de Henry James, Wiliam, posteriormente tornou-se
um dos mais influentes filósofos dos Estados Unidos e um notável estudioso de
Psicologia. O jovem Henry, por outro lado, vai usar sua experiência visitando os
principais museus, teatros e bibliotecas da França, Inglaterra e Suíça como base
para definir uma nova perspectiva literária.
Em 1864 Henry James publica o seu primeiro conto e desde então sua pro-
dução ficcional e crítica passa a circular em grandes jornais. O autor continuava
viajando constantemente para a Europa até que, em 1876, ele decide fixar resi-
dência na Inglaterra, onde vai viver pelo resto de sua vida. O fato de ser um autor
norte-americano escrevendo em solo inglês vai ser primordial para a escrita de
sua obra, já que um dos temas centrais da maioria de seus trabalhos é o encon-
tro entre ingenuidade norte-americana e a vivência europeia.
Durante muito tempo, essa escolha de James pela Europa foi vista como uma
recusa do autor à herança cultural de seu próprio país. Contudo, James acredi-
tava que a combinação da tradição europeia à norte-americana dava-lhe uma
116
O Realismo norte-americano
condição mais cosmopolita do que se fizesse parte apenas de uma esfera cultu-
ral. Em uma carta a seu irmão, o autor afirma:
I aspire to write in such a way that it would be impossible to the outsider to say whether I am at
a given moment an American writing about England or an Englishman writing about America
(dealing as I do with both countries), and so far from being ashamed of such an ambiguity
I should be exceedingly proud of it, for it would be highly civilized. (JAMES, In: RULAND;
BRADBURY, 1992, p. 213)
O mais aclamado romance dessa primeira fase é The Portrait of a Lady (Retrato
de uma Senhora), de 1881. A protagonista, Isabel Archer, é uma norte-americana
que parte para a Europa e lá fica fascinada com uma nova realidade. A persona-
gem recebe uma herança generosa, mas o dinheiro ao invés de libertá-la acaba
por torná-la vítima de uma trama perversa executada por dois expatriados nor-
te-americanos vivendo no Velho Continente.
117
Literatura Norte-Americana
As obras do autor nesse período são caracterizadas por serem mais curtas
(ele se especializou na escrita de novellas, ou seja, romances de menor exten-
são). Esses trabalhos se concentram, de maneira geral, em três temas específicos:
artistas problemáticos ou incompreendidos, fantasmas ou aparições, e crianças
em situações de risco correndo grande perigo. São romances que abordam as
profundezas da consciência, a culpa e uma sexualidade reprimida como nunca
antes visto em sua literatura.
Dessa fase, uma de suas mais ricas obras é o pequeno romance The Turn of
the Screw (A Volta do Parafuso), de 1898. A história envolve uma governanta con-
tratada para tomar conta de duas crianças numa casa de campo que passa a ser
assombrada por fantasmas dos antigos funcionários do local. Há toda uma natu-
reza obscura em The Turn of the Screw que remete ao gótico, mas vai além. Desde
sua narrativa em primeira pessoa altamente manipulativa (acompanhamos os
acontecimentos pelos olhos da governanta) até as atitudes suspeitas das crian-
ças, há no romance uma atmosfera de mistério em que os fantasmas são o que
há de menos intrigante. As sugestões apresentadas na prosa de James de que a
governanta é reprimida sexualmente, talvez enlouquecendo, e que as aparições
podem ser frutos de sua imaginação, são símbolos de uma escrita labiríntica que
envolve o leitor até o momento da derrocada da personagem.
118
O Realismo norte-americano
Um dos mais complexos romances desta terceira fase é The Wings of the Dove
(As Asas da Pomba). A entrada de uma milionária norte-americana na vida de um
pobre e muito apaixonado casal inglês é o ponto de partida para James exercitar
todo o seu requinte estético e contrastá-lo com uma ausência de moral. Assim
como em outras obras desse período, o narrador se distancia cada vez mais do
enredo, forçando o leitor a fazer parte do processo criativo e tentar resolver as
ambiguidades de cada personagem. É uma leitura quase minimalista, mas inten-
sa. Como bem descreveu Carolina Nabuco:
O método serpentino de escrever e o pequeno uso que fazia de imagens tornam Henry
James um dos escritores menos aptos para citação de trechos. Seu estilo é onduloso como os
desenhos nos papéis que, em sua época, forravam as paredes. Começa o olho por perceber as
linhas gerais do traçado e depois, lentamente, descobre as pequenas variantes e enfeites que
lhe enriquecem os padrões. (NABUCO, 2000, p. 183)
Texto complementar
On the morrow she said to Isabel that her definition of success had been
very pretty, but frightfully sad. Measured in that way, who had succeeded?
The dreams of one’s youth, why they were enchanting, they were divine!
Who had ever seen such things come to pass?
119
Literatura Norte-Americana
“Ah, if you mean the aspirations of your childhood – that of having a pink
sash and a doll that could close her eyes.”
“Or a young man with a moustache going down on his knees to you.”
“I suspect that is what you do mean. We have all had the young man with
the moustache. He is the inevitable young man; he doesn’t count.”
Isabel was silent for a moment, and then, with extreme and characteristic
inconsequence –
“Why shouldn’t he count? There are young men and young men.”
“And yours was a paragon – is that what you mean?” cried her friend with
a laugh. “If you have had the identical young man you dreamed of, then that
was success, and I congratulate you. Only, in that case, why didn’t you fly with
him to his castle in the Apennines?”
“What has he? An ugly brick house in Fortieth Street? Don’t tell me that; I
refuse to recognise that as an ideal.”
“That is very crude of you. When you have lived as long as I, you will see
that every human being has his shell, and that you must take the shell into
account. By the shell I mean the whole envelope of circumstances. There is
no such thing as an isolated man or woman; we are each of us made up of a
cluster of appurtenances . What do you call one’s self? Where does it begin?
where does it end? It overflows into everything that belongs to us – and then
it flows back again. I know that a large part of myself is in the dresses I choose
to wear. I have a great respect for things! One’s self – for other people – is
120
O Realismo norte-americano
one’s expression of one’s self; and one’s house, one’s clothes, the book one
reads, the company one keeps – these things are all expressive.”
This was very metaphysical; not more so, however, than several observa-
tions Madame Merle had already made. Isabel was found of metaphysics, but
she was unable to accompany her friend into this bold analysis of the human
personality.
“I don’t agree with you,” she said. “I think just the other way. I don’t know
whether I succeed in expressing myself, but I know that nothing else expresses
me. Nothing that belongs to me is any measure of me; on the contrary, it’s a
limit, a barrier, and a perfectly arbitrary one. Certainly, the clothes which, as
you say, I choose to wear, don’t express me; and heaven forbid they should!”
Dicas de estudo
Um grande clássico do cinema norte-americano, o filme Um Lugar ao Sol, é uma
brilhante adaptação para o romance An American Tragedy, de Theodore Dreiser. Es-
trelando Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, o filme consegue representar visual-
mente as principais ideias presentes no Naturalismo (especialmente a questão do
determinismo social), além de incluir uma forte crítica ao sonho americano.
Várias obras de Henry James já foram levadas ao cinema, mas uma das mais
bem-sucedidas é Asas do Amor, adaptação de The Wings of the Dove. Apresentan-
do um requinte visual que consegue ser uma fiel transposição da sofisticação da
obra de James, o filme é uma intrincada história de amores e interesses, através
de uma complexa construção de personagens.
121
Literatura Norte-Americana
Atividades
1. Explique como a literatura realista serviu como representação das grandes
mudanças socioeconômicas ocorridas nos Estados Unidos do final do século
XIX.
122
O Realismo norte-americano
123
A prosa norte-americana
na 1.ª metade do século XX
Com o alvorecer do século XX, os Estados Unidos viam surgir a possi-
bilidade de assumir um papel central no cenário mundial. O nível de de-
senvolvimento do país era altíssimo, as cidades prosperavam, a economia
mantinha-se forte e a definição do caráter nacional tinha alcançado a ma-
turidade. Estava começando o “século americano” e, com ele, uma nova
visão de mundo, em que os Estados Unidos ditaram tendências e modifi-
caram o panorama da arte e da cultura.
A década de 1920 ficou conhecida como The Jazz Age (A Era do Jazz), embora
alguns críticos prefiram o termo Roaring Twenties (Fervilhantes Anos 20). Esses títu-
los ilustram de forma bem direta o espírito da época. A década de 1920 foi quando
o jazz se popularizou, deixando de ser uma música de gueto para se popularizar e
ter entrada nas festas da alta sociedade. O jazz foi o símbolo máximo de uma era
em que o entretenimento parecia ser o propósito da existência. Os night clubs se
popularizaram e, tendo o jazz como atração principal, se tornaram o centro da vida
social das classes mais abastadas em seus salões fechados e exclusivos.
126
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
127
Literatura Norte-Americana
conheceu o grande amor de sua vida, Zelda, com quem o autor viveu um dos
mais famosos e conturbados relacionamento da história da literatura.
128
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
Gatsby é um dos mais ricos personagens da literatura mundial pois a ele es-
capam definições simples. Ao revelar que a origem da fortuna de Gatsby se deu
através de meios ilícitos, o personagem pode ser visto como mais um elemento
característico da corrupção e da imoralidade desse mundo altamente materialista.
À medida que a história se desenvolve, porém, vemos como ele na verdade está
alheio àquela realidade, tanto que ao final se torna vítima dela, especialmente por
ter uma natureza essencialmente inocente rodeada por um meio sem escrúpulos.
The Great Gatsby é uma profunda reflexão sobre como na década de 1920 o
sonho americano é corrompido. Originalmente um conceito fundado na nobreza e
na busca por um ideal de felicidade, o sonho americano se torna uma busca frívola
por dinheiro e status, em que não há limites para se alcançar a ascensão social e o
prazer irresponsável. Ao final do romance, o personagem-narrador Nick Carraway
faz um nostálgico e pontual comentário sobre essa nova perspectiva usando como
exemplo o ocaso do universo de sofisticação da Nova York da década de 1920:
I spent my Saturday nights in New York because those gleaming, dazzling parties of his were
with me so vividly that I could still hear the music and the laughter, faint and incessant, from
his garden, and the cars going up and down his drive. One night I did hear a material car there,
and saw its lights stop at his front steps. But I didn’t investigate. Probably it was some final
guest who had been away at the ends of the earth and didn’t know that the party was over. [...]
As the moon rose higher the inessential houses began to melt away until gradually I became
aware of the old island here that flowered once for Dutch sailors’ eyes – a fresh, green breast
of the new world. Its vanished trees, the trees that had made way for Gatsby’s house, had once
pandered in whispers to the last and greatest of all human dreams; for a transitory enchanted
moment man must have held his breath in the presence of this continent, compelled into an
aesthetic contemplation he neither understood nor desired, face to face for the last time in
history with something commensurate to his capacity for wonder. (FITZGERALD, 2004, p. 179)
129
Literatura Norte-Americana
cer ali, os sonhos dos cidadãos abastados da Jazz Age era consumir o prazer que
tinham à mão da forma mais rápida e irresponsável.
Dessa forma, The Great Gatsby serve como representação máxima de um perí-
odo em que os Estados Unidos pareciam estar vivendo um incessante espetácu-
lo, cujas luzes e cores acabavam por esconder a futilidade que o permeava. Essa
foi a matéria-prima de F. Scott Fitzgerald na composição de suas principais obras,
e através dela realizou uma das mais ricas narrativas da literatura mundial.
Hemingway começou sua carreira como repórter para um jornal, mas lá ficou
por pouco tempo. Com o início da 1.ª Guerra Mundial, ele tentou fazer parte das
forças do exército combatendo na Europa, mas acabou não passando no exame
médico devido a uma fraca visão. Decidido a estar presente no conflito, Hemingway
se alista na Cruz Vermelha e parte para o front como piloto de ambulância. Já
no campo de batalha, ele se torna o primeiro americano ferido em solo italiano
durante a guerra e ganha uma medalha de honra ao mérito por bravura.
De volta aos Estados Unidos, Hemingway retoma seu trabalho como jornalis-
ta, mas seu desejo de estar inserido nos principais conflitos da época não dimi-
nui, mesmo que seja narrando seus acontecimentos. Ele parte então novamente
para a Europa, onde trabalha como correspondente internacional cobrindo a
guerra entre a Grécia e a Turquia. Sua residência oficial passa a ser Paris, e é lá
que Hemingway começa a definir o estilo de sua futura produção literária.
Seus romances raramente se passam nos Estados Unidos, tendo na maioria das
vezes um pano de fundo repleto de grandes eventos ou acontecimentos tendo a
morte como constante: a Guerra Civil Espanhola, safáris na África, histórias de gran-
des caçadas ou pescaria, a 1.ª Guerra Mundial. Mesmo assim, o que se destaca deles
é sua natureza meditativa, uma análise sucinta mas bem direta sobre a existência.
Nessa narrativa, temos a história de dois garçons (um jovem e outro mais velho)
que travam numa madrugada uma discussão sobre expulsar ou não um velho clien-
te que permanece no bar mesmo depois da hora do fechamento. Esse enredo
aparentemente simples, todavia, é o artifício utilizado por Hemingway para dis-
cutir o vazio da existência e a necessidade que os homens (especialmente os mais
velhos) têm de encontrar um “lugar limpo e bem-iluminado” ao se verem perdidos
na escuridão e podridão que permeia o mundo que habitam. O niilismo presente
na narrativa se mostra contundente, especialmente nessa enigmática passagem
onde o leitor tem acesso aos pensamentos do garçom mais velho:
What did he fear? It was not a fear or dread, It was a nothing that he knew too well. It was all a
nothing and a man was a nothing too. It was only that and light was all it needed and a certain
cleanness and order. Some lived in it and never felt it but he knew it all was nada y pues nada y
nada y pues nada. Our nada who art in nada, nada be thy name thy kingdom nada thy will be
nada in nada as it is in nada. Give us this nada our daily nada and nada us our nada as we nada
our nadas and nada us not into nada but deliver us from nada; pues nada. Hail nothing full of
nothing, nothing is with thee. (HEMINGWAY, 1998, p. 291)
132
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
Eventualmente, Ernest Hemingway foi tomado por esse espírito niilista quando
cometeu o suicídio em 1961. Mesmo assim, sua obra permanece mais viva do que
nunca, mostrando um novo caminho (na forma e no conteúdo) para uma literatu-
ra norte-americana em busca de temáticas mais complexas e intensas.
Alguns outros nomes, contudo, não pertenceram à Lost Generation. Não fi-
xaram residência em Paris nem viviam em meio às celebrações da boemia mo-
dernista do início do século. Mesmo assim, foram fundamentais para a concre-
tização de uma estética literária inovadora que competiria em qualidade com
o Modernismo francês e inglês. Desses, nenhum foi mais significativo do que
William Faulkner (1897-1962), considerado por muitos o maior ficcionista em
prosa da literatura dos Estados Unidos. Com seus trabalhos, o romance e o conto
norte-americano se desenvolvem apontando o caminho para uma vanguarda
literária, mesmo que usando de base uma temática bastante tradicional.
133
Literatura Norte-Americana
cante. Isso começa a mudar com seu terceiro trabalho, Sartoris, de 1929. Nele, o
autor utiliza o condado de Yoknapatawpha como a tela onde se desenrola todo
o drama da sociedade sulista servindo de símbolo para questões universais.
É com The Sound and the Fury (O Som e a Fúria), também de 1929, que Faulkner
finalmente encontra sua voz literária. O romance é construído de quatro partes
distintas, cada uma ocorrendo no período de um dia, sendo que uma delas
se passa em 1910 e as outras três em 1928. Cada um desses segmentos tem
um personagem central e uma voz narrativa diferente: a primeira tem como
protagonista Benjy Compson, um homem de 33 anos com retardamento mental;
a segunda é um monólogo de Quentin Compson no dia de seu suicídio em 1910;
posteriormente, é a vez de Jason Compson, através de seu ponto de vista cínico
e oportunista; e finalmente o quarto segmento é focado na empregada negra da
família Compson, Dilsey.
Essa escrita labiríntica e fragmentada de The Sound and the Fury é representa-
tiva não só da produção literária de William Faulkner, mas também serve como
emblema das principais estratégias narrativas utilizadas pelo Modernismo. A
mais evidente é uma prosa fundada no uso do fluxo da consciência, um dos re-
cursos mais famosos da literatura modernista. De acordo com o Dictionary of
Literary Terms and Literary Theory, o fluxo da consciência (em inglês, stream of
consciousness) pode ser definido da seguinte forma:
[Stream of consciousness] refers to that technique which seeks to depict the multitudinous
thoughts and feelings which pass through the mind [...] Virginia Woolf and William Faulkner are
two of the most distinguished developers of the stream of consciousness method. (CUDDON
ed., 1999, p. 866)
Outro elemento usado por Faulkner em The Sound and the Fury que o coloca
na vanguarda modernista é a construção intrincada de seus romances, que por
vezes lembram um labirinto. Manipulando a noção temporal da narrativa, o
autor a torna fragmentada e, por vezes, extremamente complexa. A própria ideia
de conhecimento histórico em seus romances e contos é sujeita a uma espécie
de reconstrução imaginativa, em que o tempo não é linear, mas lacunar.
volve o leitor numa atmosfera fundada no inexplicável. O sul dos Estados Unidos
estava constantemente assombrado pelo passado, e raramente o presente em evo-
lução dava conta dele. Um notável exemplo disso é o conto A Rose for Emily (Uma
Rosa para Emily), uma história de assassinato com um final surpreendente, no qual
se presume que a assassina possa ter tido relações íntimas com o corpo da vítima.
Assim como a Europa terá em James Joyce e Virginia Woolf seus nomes mais
icônicos do movimento modernista, William Faulkner vai representar, nos Esta-
dos Unidos, uma nova forma de escrita que vai quebrar vários paradigmas lite-
rários e inaugurar estratégias narrativas vanguardistas. Contudo, o que torna as
obras de Faulkner tão relevantes é a união desse espírito moderno com a tradi-
cional atmosfera da região sul norte-americana.
136
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
137
Literatura Norte-Americana
É interessante notar que The Grapes of Wrath trabalha sua contundente narra-
tiva em dois níveis distintos. Primeiramente, é um romance de forte crítica social,
mostrando como os excessos do capitalismo podem ser responsáveis pela misé-
ria de um povo que quer apenas cultivar a terra e trabalhar honestamente. Por
outro lado, a obra tem um evidente sentimento de esperança, dotando as pes-
soas simples do campo de uma inesgotável perseverança e habilidade de resistir
aos piores problemas. A importância desta obra em sua época (e também nos
dias de hoje) pode ser explicada da seguinte forma:
A tract against social injustice, which aroused vigorous protest and defense from those who
thought of it only as fictionalized propaganda, it remained, after the controversy had died
down, an American epic, a culminating expression of the spiritual and material forces that had
discovered and settled a continent (SPILLER, 1967, p. 216).
Texto complementar
[...] She was sick for a long time. When we saw her again, her hair was cut
short, making her look like a girl, with a vague resemblance to those angels
in colored church windows – sort of tragic and serene.
The town had just let the contracts for paving the sidewalks, and in the
summer after her father’s death they began the work. The construction
company came with niggers and mules and machinery, and a foreman
138
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
named Homer Barron, a Yankee – a big, dark, ready man, with a big voice
and eyes lighter than his face. The little boys would follow in groups to hear
him cuss the niggers, and the niggers singing in time to the rise and fall of
picks. Pretty soon he knew everybody in town. Whenever you heard a lot of
laughing anywhere about the square, Homer Barron would be in the center
of the group. Presently we began to see him and Miss Emily on Sunday
afternoons driving in the yellow-wheeled buggy and the matched team of
bays from the livery stable.
At first we were glad that Miss Emily would have an interest, because the
ladies all said, “Of course a Grierson would not think seriously of a Northerner,
a day laborer.” But there were still others, older people, who said that even
grief could not cause a real lady to forget noblesse oblige – without calling it
noblesse oblige. They just said, “Poor Emily. Her kinsfolk should come to her.”
She had some kin in Alabama; but years ago her father had fallen out with
them over the estate of old lady Wyatt, the crazy woman, and there was no
communication between the two families. They had not even been repre-
sented at the funeral.
And as soon as the old people said, “Poor Emily,” the whispering began.
“Do you suppose it’s really so?” they said to one another. “Of course it is. What
else could . . .” This behind their hands; rustling of craned silk and satin behind
jalousies closed upon the sun of Sunday afternoon as the thin, swift clop-
clop-clop of the matched team passed: “Poor Emily.”
She carried her head high enough – even when we believed that she was
fallen. It was as if she demanded more than ever the recognition of her dignity
as the last Grierson; as if it had wanted that touch of earthiness to reaffirm
her imperviousness. Like when she bought the rat poison, the arsenic. That
was over a year after they had begun to say “Poor Emily,” and while the two
female cousins were visiting her.
“I want some poison,” she said to the druggist. She was over thirty then,
still a slight woman, though thinner than usual, with cold, haughty black
eyes in a face the flesh of which was strained across the temples and about
the eyesockets as you imagine a lighthouse-keeper’s face ought to look. “I
want some poison,” she said.
“Yes, Miss Emily. What kind? For rats and such? I’d recom –”
139
Literatura Norte-Americana
“I want arsenic.”
The druggist looked down at her. She looked back at him, erect, her face
like a strained flag. “Why, of course,” the druggist said. “If that’s what you want.
But the law requires you to tell what you are going to use it for.”
Miss Emily just stared at him, her head tilted back in order to look him
eye for eye, until he looked away and went and got the arsenic and wrapped
it up. The Negro delivery boy brought her the package; the druggist didn’t
come back. When she opened the package at home there was written on the
box, under the skull and bones: “For rats.”
So the next day we all said, “She will kill herself”; and we said it would
be the best thing. When she had first begun to be seen with Homer Barron,
we had said, “She will marry him.” Then we said, “She will persuade him yet,”
because Homer himself had remarked – he liked men, and it was known that
he drank with the younger men in the Elks’ Club – that he was not a marrying
man. Later we said, “Poor Emily” behind the jalousies as they passed on
Sunday afternoon in the glittering buggy, Miss Emily with her head high and
Homer Barron with his hat cocked and a cigar in his teeth, reins and whip in
a yellow glove.
Then some of the ladies began to say that it was a disgrace to the town
and a bad example to the young people. The men did not want to interfere,
but at last the ladies forced the Baptist minister – Miss Emily’s people were
Episcopal – to call upon her. He would never divulge what happened during
that interview, but he refused to go back again. The next Sunday they again
drove about the streets, and the following day the minister’s wife wrote to
Miss Emily’s relations in Alabama.
So she had blood-kin under her roof again and we sat back to watch
developments. At first nothing happened. Then we were sure that they
140
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
were to be married. We learned that Miss Emily had been to the jeweler’s
and ordered a man’s toilet set in silver, with the letters H. B. on each piece.
Two days later we learned that she had bought a complete outfit of men’s
clothing, including a nightshirt, and we said, “They are married. “ We were
really glad. We were glad because the two female cousins were even more
Grierson than Miss Emily had ever been.
So we were not surprised when Homer Barron – the streets had been finished
some time since – was gone. We were a little disappointed that there was not
a public blowing-off, but we believed that he had gone on to prepare for Miss
Emily’s coming, or to give her a chance to get rid of the cousins. (By that time it
was a cabal, and we were all Miss Emily’s allies to help circumvent the cousins.)
Sure enough, after another week they departed. And, as we had expected all
along, within three days Homer Barron was back in town. A neighbor saw the
Negro man admit him at the kitchen door at dusk one evening.
And that was the last we saw of Homer Barron. And of Miss Emily for some
time. The Negro man went in and out with the market basket, but the front
door remained closed. Now and then we would see her at a window for a
moment, as the men did that night when they sprinkled the lime, but for
almost six months she did not appear on the streets. Then we knew that this
was to be expected too; as if that quality of her father which had thwarted her
woman’s life so many times had been too virulent and too furious to die.
When we next saw Miss Emily, she had grown fat and her hair was turning
gray. During the next few years it grew grayer and grayer until it attained an
even pepper-and-salt iron-gray, when it ceased turning. Up to the day of her
death at seventy-four it was still that vigorous iron-gray, like the hair of an
active man.
From that time on her front door remained closed, save for a period of six
or seven years, when she was about forty, during which she gave lessons in
china-painting. She fitted up a studio in one of the downstairs rooms, where
the daughters and grand-daughters of Colonel Sartoris’ contemporaries were
sent to her with the same regularity and in the same spirit that they were sent
to church on Sundays with a twenty-five-cent piece for the collection plate.
Meanwhile her taxes had been remitted.
Then the newer generation became the backbone and the spirit of the
town, and the painting pupils grew up and fell away and did not send their
141
Literatura Norte-Americana
children to her with boxes of color and tedious brushes and pictures cut from
the ladies’ magazines. The front door closed upon the last one and remained
closed for good. When the town got free postal delivery, Miss Emily alone
refused to let them fasten the metal numbers above her door and attach a
mailbox to it. She would not listen to them.
Daily, monthly, yearly we watched the Negro grow grayer and more
stooped, going in and out with the market basket. Each December we
sent her a tax notice, which would be returned by the post office a week
later, unclaimed. Now and then we would see her in one of the downstairs
windows – she had evidently shut up the top floor of the house – like the
carven torso of an idol in a niche, looking or not looking at us, we could
never tell which. Thus she passed from generation to generation – dear,
inescapable, impervious, tranquil, and perverse.
And so she died. Fell ill in the house filled with dust and shadows, with only
a doddering Negro man to wait on her. We did not even know she was sick;
we had long since given up trying to get any information from the Negro. He
talked to no one, probably not even to her, for his voice had grown harsh and
rusty, as if from disuse.
She died in one of the downstairs rooms, in a heavy walnut bed with a
curtain, her gray head propped on a pillow yellow and moldy with age and
lack of sunlight.
The negro met the first of the ladies at the front door and let them in, with
their hushed, sibilant voices and their quick, curious glances, and then he
disappeared. He walked right through the house and out the back and was
not seen again.
The two female cousins came at once. They held the funeral on the second
day, with the town coming to look at Miss Emily beneath a mass of bought
flowers, with the crayon face of her father musing profoundly above the bier
and the ladies sibilant and macabre; and the very old men – some in their
brushed Confederate uniforms – on the porch and the lawn, talking of Miss
Emily as if she had been a contemporary of theirs, believing that they had
danced with her and courted her perhaps, confusing time with its mathematical
progression, as the old do, to whom all the past is not a diminishing road, but,
instead, a huge meadow which no winter ever quite touches, divided from
them now by the narrow bottleneck of the most recent decade of years.
142
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
Already we knew that there was one room in that region above stairs which
no one had seen in forty years, and which would have to be forced. They waited
until Miss Emily was decently in the ground before they opened it.
The violence of breaking down the door seemed to fill this room with
pervading dust. A thin, acrid pall as of the tomb seemed to lie everywhere
upon this room decked and furnished as for a bridal: upon the valance curtains
of faded rose color, upon the rose-shaded lights, upon the dressing table, upon
the delicate array of crystal and the man’s toilet things backed with tarnished
silver, silver so tarnished that the monogram was obscured. Among them lay
a collar and tie, as if they had just been removed, which, lifted, left upon the
surface a pale crescent in the dust. Upon a chair hung the suit, carefully folded;
beneath it the two mute shoes and the discarded socks.
For a long while we just stood there, looking down at the profound
and fleshless grin. The body had apparently once lain in the attitude of an
embrace, but now the long sleep that outlasts love, that conquers even the
grimace of love, had cuckolded him. What was left of him, rotted beneath
what was left of the nightshirt, had become inextricable from the bed in
which he lay; and upon him and upon the pillow beside him lay that even
coating of the patient and biding dust.
Then we noticed that in the second pillow was the indentation of a head.
One of us lifted something from it, and leaning forward, that faint and invisible
dust dry and acrid in the nostrils, we saw a long strand of iron-gray hair.
Dicas de estudo
O romance The Great Gatsby recebeu uma famosa adaptação para o cinema
com roteiro de Francis Ford Coppola, estrelando Robert Redford como Jay
Gatsby e Mia Farrow como Daisy. O filme capta muito bem o espírito da Jazz Age,
ao mesmo tempo em que analisa a derrocada do protagonista em decorrência
da subversão do conceito do sonho americano.
143
Literatura Norte-Americana
viveu na França, na Espanha, nos Estados Unidos e em Cuba) e suas obras pode
ser melhor compreendida com o livro. Esta obra de estudo analisa diferentes
aspectos da literatura do grande profeta da Lost Generation e também apresenta
os pontos de vista políticos e sociais do escritor.
Atividades
1. Por que a literatura de F. Scott Fitzgerald é extremamente representativa do
período conhecido como The Jazz Age?
144
A prosa norte-americana na 1.ª metade do século XX
145
A poesia norte-americana
na 1.ª metade do século XX
Com uma nova perspectiva econômica, social e cultural, o século XX
abalou fortemente conceitos preestabelecidos sobre a literatura e a forma
com que era produzida. O Modernismo, como amplo movimento artísti-
co que foi, procurava romper com os paradigmas da criação literária para
inaugurar um período de vanguarda, em que inovações no desenvolvi-
mento do processo artístico se realizaram. Na prosa, os diferentes ventos
da mudança aproximaram os autores das transformações sociais pelas
quais passavam os Estados Unidos. Além disso, grande parte da escrita foi
fortemente marcada por uma influência da psicologia e do existencialis-
mo do período.
Apesar de ter nascido em São Francisco, Robert Frost e sua poesia são para
sempre associados à região rural da Nova Inglaterra, onde passou a viver a partir
de sua juventude. Cursou a Universidade de Harvard por apenas dois anos, para
depois abandonar o curso e trabalhar como professor e pequeno fazendeiro;
mas Frost já escrevia poesia, e tinha grande interesse em seguir uma carreira
literária. Em 1912, decidido a dar uma guinada em sua vida, o autor se muda
com sua família para a Inglaterra. Na Europa, apesar de expatriado, Frost não se
junta diretamente à geração de escritores norte-americanos em busca de uma
vanguarda moderna. Seu trabalho se aproxima mais dos poetas da natureza
ingleses. Mesmo assim, figuras icônicas do Modernismo, como Ezra Pound, se
tornam grandes admiradores da poesia de Frost, e ajudam o escritor a publicar
seus primeiros trabalhos em Londres: A Boy’s Will, de 1913, e North of Boston,
de 1914. Esses primeiros trabalhos, que deram origem a uma prolífica carreira,
proporcionaram grande reputação a Robert Frost. O autor decide então retornar
aos Estados Unidos e em seu país finalmente passa a receber o reconhecimento
merecido.
148
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
Frost foi na poesia o que era na vida, um farmer, um lavrador. Viveu com as mãos cheias de terra
e os olhos cheios de deslumbramento para cada momento da natureza. Cantou-a em todos os
aspectos, cantou a neve, as árvores, os bichos, a água e as quatro estações. Seu talento imbuía-
-se do que a natureza tem de mais inspirador. (NABUCO, 2000, p. 208)
149
Literatura Norte-Americana
Até hoje, The Road Not Taken é usado como uma espécie de manifesto poéti-
co sobre a independência, a autoafirmação e o não-conformismo. Baseando-se
estritamente nos dois últimos versos, muitos acreditam que ao escolher o cami-
nho menos usado, o poeta estabelece um ideal em favor do livre-arbítrio e que
a “diferença” que isso fez é extremamente positiva, levando a um crescimento
individual e à reafirmação de suas crenças.
Apesar de aparentemente simples, The Road Not Taken (assim como a nature-
za que ele representa) escapa a explicações cristalizadas. O próprio Robert Frost
afirmou que era um tricky poem (poema complicado). Primeiramente, o poema
ilustra uma situação-chave: a tomada de uma decisão que pode definir o seu
futuro. Nesse caso, existe sim a presença do livre-arbítrio na escolha do caminho,
mas não há em seus versos atitude moralizante sobre o melhor caminho. Isso
porque na verdade as estradas apresentadas no poema são praticamente iguais,
o que torna o elemento natural do poema ainda mais obscuro, e a decisão ainda
mais difícil. Ao fazer sua escolha final, o eu lírico chega a afirmar que um dia vai
trilhar o outro caminho, embora duvide que um dia ainda retornará a ele. Essa
sensação de arrependimento é clara no poema, muito mais forte que qualquer
sinal de elogio ao não-conformismo. Até mesmo o título do poema, The Road
Not Taken, ilustra isso – o mistério do caminho não-trilhado é maior do que a
certeza de saber que estrada percorrer.
Mesmo a tão citada última estrofe pode ser lida ironicamente. O eu lírico
afirma que irá suspirar quando recontar esse acontecimento na mata, e esse
150
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
suspiro – que muitos veem como alívio – também pode ser a expressão de um
profundo arrependimento. Daí sua preferência em dizer que tomou a estrada
menos viajada, mesmo que antes tenha afirmado que ambas eram iguais. Assim,
a “diferença” que isso fez no futuro ganha um caráter moralmente ambíguo.
Em 1917, Eliot publica seu primeiro livro de poesia: Prufrock and Other Obser-
vations (Prufrock e Outras Observações). É nesta obra que se encontra o primeiro
grande poema do autor: The Love Song of J. Alfred Prufrock (A Canção de Amor de
J. Alfred Prufrock). Com esse trabalho o autor inova na sua descrição simbólica da
realidade e com originais técnicas literárias que se tornariam características do
Modernismo. O eu lírico (representado na figura de J. Alfred Prufrock) do poema
151
Literatura Norte-Americana
Assim com as ruas da cidade vazia que existem numa sucessão labiríntica
“como uma tediosa discussão”, o poema também recusa uma progressão linear e
claramente definida, e esse efeito é construído por T.S. Eliot usando importantes
recursos literários da poesia moderna. O primeiro é o fluxo da consciência
– a descrição dos acontecimentos feita por J. Alfred Prufrock não tem uma
sequência lógica, como se as frases fossem sendo organizadas de acordo com
a sua confusão mental. Além do mais não fica claro se as imagens apresentadas
por Prufrock são reais – ele realmente está caminhando pelas ruas observado o
céu – ou se elas são representações de seu inconsciente.
Outro recurso usado por Eliot em The Love Song of J. Alfred Prufrock é a frag-
mentação poética, que enfatiza o sentido de deslocamento do indivíduo com
relação ao mundo. Isso pode ser demonstrado nas sucessivas descrições da at-
152
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
mosfera urbana feitas pelo eu lírico, mas também nas diversas referências feitas
pelo poema (Shakespeare, Dante, poetas metafísicos) que ilustram a abundância
de antigas tradições literárias numa época que não consegue definir sua própria
identidade. Essa fragmentação chega ao nível da forma, como quando Eliot usa
a técnica conhecida como enjambement (a quebra da estrutura sintática entre
dois versos) ou na irregular estrutura de rimas.
Em 1922, T.S. Eliot chega à maturidade artística com a publicação de The Waste
Land. Considerado por vários críticos o principal poema da primeira metade do
século XX, The Waste Land vai ilustrar como nenhuma outra obra do período o
pensamento e a estética modernista. É com esse poema que toda uma gera-
ção literária vai se consolidar como realmente moderna, além de confirmar Eliot
como o principal poeta dos Estados Unidos. Como afirma Carolina Nabuco sobre
o autor: “Esse longo poema, em que procura o destino e o traçado do homem
do século XX à luz de todo o passado humano na história e no mito, colocou-o
definitivamente entre os maiores poetas do século.” (NABUCO, 2000, p. 240)
153
Literatura Norte-Americana
154
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
Se T.S. Eliot foi a figura central do Modernismo, Ezra Pound (1885-1972) foi
aquele que deu a base teórica e formal ao movimento. Mais do que isso – sem o
apoio e a influência de Pound, os primeiros livros de Eliot e Robert Frost teriam
encontrado muito mais dificuldade para serem publicados. Considerado por
muitos o “pai” do movimento moderno, foi Pound o principal responsável por
unificar as poesias europeia e norte-americana sob uma nova revolucionária es-
tética literária.
Assim sendo, a poesia imagista (e, por conseguinte, a modernista) deveria ter
uma linguagem direta, precisa, despida do sentimentalismo romântico. Nenhuma
palavra deveria ser usada em vão, e seu sentido deveria se relacionar diretamente
à apresentação da ideia central do poema. O Imagismo foi um movimento essen-
cialmente concretista. Nele, o simbolismo, a alegoria e a abstração do Romantismo
são substituídos por um significado direto, concreto e até mesmo impessoal.
155
Literatura Norte-Americana
escrita direta dos haikus1 muito tinha a ver com a proposta concretista de Pound
e seus contemporâneos. Isso pode ser notado no curtíssimo poema de duas
linhas In a Station of the Metro:
O tom do poema é crítico não só pela suposta luta vã do autor em tentar reno-
var a poesia, que se encontrava praticamente morta (“He strove to resuscitate the
dead art / Of poetry”). No entanto, ele havia nascido num país praticamente sel-
vagem (“he had been born / In a half savage country”), ou seja, os Estados Unidos,
o que prejudicava sua intenção de articular uma poesia realmente nova.
Esse afastamento de Pound de seu país de origem vai ser um tema recorren-
te na obra e na biografia do autor. Ainda em sua fase londrina, o poeta tentou
reconhecer suas origens norte-americanas através de um pacto poético com a
1
Haiku é um tipo de poema japonês bastante curto, com apenas dezessete sílabas. Através dele é apresentada uma única ideia, imagem ou
sentimento.
156
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
Embora deixe clara a desavença estética que existe entre os dois (“I have
detested you long enough”), Pound reconhece que foi Whitman o criador de uma
primeira vanguarda norte-americana (“It was you that broke the new wood”) e
que, já que são fruto da criação literária norte-americana (“We have one sap and
one root”), a relação entre ambos deve ser ricamente inspiradora (“Let there be
commerce between us”).
Depois de sua temporada em Paris, Pound parte para a Itália onde, sob a influ-
ência das ideias de Mussolini, passa a se dedicar ao estudo de teoria econômica.
A partir daí, se torna bastante crítico em relação ao capitalismo norte-americano
e se revela antissemita. Durante a 2.ª Guerra Mundial, faz campanha a favor do
fascismo. Com o fim do conflito, é condenado por traição e preso num campo
de prisioneiros na Itália. Posteriormente, é declarado louco e internado em uma
instituição psiquiátrica nos Estados Unidos.
The Cantos é uma obra inspirada na Odisseia de Homero e nas poesias orien-
tais que tanto fascinavam Pound. No entanto, o poeta usa essas referências para
traçar um panorama de suas memórias, dos amigos que já se foram e dos bons
momentos e arrependimentos de sua vida. Misturando um tom mítico, lírico e
profundamente pessoal, os Cantos de Pound são a confirmação final do talento
e da importância do poeta para a poesia do século XX.
157
Literatura Norte-Americana
Dentre esses autores, uma das vozes mais significativas foi a de Elizabeth
Bishop (1911-1979). Bishop nasceu no estado de Massachusetts, mas foi uma
mulher do mundo. Viajou durante muito tempo pelo Canadá, Europa e América
do Sul. Teve residência fixa no Brasil, onde viveu por 17 anos. Grande parte de
sua poesia é em resposta a essas viagens e às experiências no estrangeiro. Atu-
ante no meio universitário e em revistas literárias, a autora gradualmente cons-
truiu sua carreira até tornar-se um dos nomes mais importantes da fase tardia do
movimento modernista.
Após a morte de seu pai, Elizabeth Bishop recebe uma herança considerá-
vel que lhe permite levar uma vida confortável viajando ao redor do globo. Ela
era grande leitora de T.S. Eliot e conhecia as teorias e o estilo do mais notório
dos poetas modernistas. No entanto, a condição peculiar de Bishop lhe permi-
tiu criar uma poesia mais pessoal. Há em seus poemas um forte sentimento de
desapego, mas ao mesmo tempo de busca por um terreno seguro. Mulher, órfã,
lésbica, estrangeira e – mais tarde em sua vida – sujeita a crises de depressão e
alcoolismo, Bishop tinha a sua própria maneira de encarar os diferentes mundos
a que tinha acesso em suas viagens.
159
Literatura Norte-Americana
160
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
Ao compor poemas de uma posição na maioria das vezes exterior ao que descre-
ve, Bishop conseguiu realizar uma obra totalmente individual – uma das razões
de sua permanência no cânone da literatura dos Estados Unidos.
Texto complementar
The hollow men
(ELIOT In: ABRAMS, 2000)
I
We are the hollow men
We are the stuffed men
Leaning together
Headpiece filled with straw. Alas!
Our dried voices, when
We whisper together
Are quiet and meaningless
As wind in dry grass
Or rats’ feet over broken glass
In our dry cellar
II
Eyes I dare not meet in dreams
In death’s dream kingdom
These do not appear:
There, the eyes are
Sunlight on a broken column
There, is a tree swinging
161
Literatura Norte-Americana
Let me be no nearer
In death’s dream kingdom
Let me also wear
Such deliberate disguises
Rat’s coat, crowskin, crossed staves
In a field
Behaving as the wind behaves
No nearer –
III
This is the dead land
This is cactus land
Here the stone images
Are raised, here they receive
The supplication of a dead man’s hand
Under the twinkle of a fading star.
Is it like this
In death’s other kingdom
Waking alone
At the hour when we are
Trembling with tenderness
Lips that would kiss
Form prayers to broken stone.
IV
The eyes are not here
There are no eyes here
In this valley of dying stars
In this hollow valley
This broken jaw of our lost kingdoms
162
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
Sightless, unless
The eyes reappear
As the perpetual star
Multifoliate rose
Of death’s twilight kingdom
The hope only
Of empty men.
V
Here we go round the prickly pear
Prickly pear prickly pear
Here we go round the prickly pear
At five o’clock in the morning.
163
Literatura Norte-Americana
For Thine is
Life is
For Thine is the
This is the way the world ends
This is the way the world ends
This is the way the world ends
Not with a bang but a whimper.
Dicas de estudo
Uma interessante visão sobre a vida, os amores e as opiniões de Elizabeth
Bishop é a peça Um Porto para Elizabeth Bishop, de Marta Góes. Baseada nas
cartas que a poetisa escreveu durante o período em que viveu no Brasil, a peça
mostra um outro lado de Bishop, especialmente no que trata de sua relação com
o país que tanto serviu de inspiração para seus mais ricos poemas.
T.S. Eliot, além de muito conhecido como a principal figura da poesia mo-
dernista, também foi considerado o principal crítico literário do movimento. Em
Selected Essays, é possível ter acesso às principais ideias de Eliot sobre Filosofia,
Teatro e Literatura. No seu ensaio mais famoso, Tradition and the Individual Talent
(Tradição e Talento Individual), Eliot discute o papel da tradição numa era que
enfatiza a ruptura intelectual.
Atividades
1. Como a poesia de Robert Frost se relaciona com o Romantismo norte-ameri-
cano?
164
A poesia norte-americana na 1.ª metade do século XX
165
O teatro e as vertentes da prosa norte-
-americana na 2.ª metade do século XX
Com o século XX, a literatura norte-americana se firmou como uma das
mais influentes do mundo. As criações literárias de artistas nascidos nos
Estados Unidos serviram como base para uma nova forma de escrita. Nos
romances e contos, os principais nomes da Lost Generation haviam defini-
do inovadoras maneiras de construir textos em prosa. Na poesia, a ruptura
apresentada pelo movimento modernista apresentou ao mundo diferen-
tes formas de expressão em verso.
Por outro lado, faltava à produção literária dos Estados Unidos uma
cena teatral relevante capaz de acompanhar o desenvolvimento das artes
no país. Apesar de algumas peças produzidas no século XIX, o teatro nor-
te-americano não tinha peso considerável na cena cultural. Essa situação
começa a mudar no século XX, quando dramaturgos surgidos na década
de 1920, pertencentes à mesma geração de T.S. Eliot e Ezra Pound, come-
çam a ganhar destaque.
Nesse mesmo período, surge nos Estados Unidos uma nova forma de
literatura que realiza uma espécie de fusão entre a narrativa literária com
técnicas jornalísticas – surge assim o jornalismo literário ou New Jornalism.
Literatura Norte-Americana
Com o fim do século XIX e início do século XX, o teatro dos Estados Unidos
passa a ter uma preocupação mais realista. O sentimentalismo e o melodrama
deram lugar a uma preocupação com as tensões sociais e com os problemas
da família norte-americana. Especialmente a partir da década de 1920, nomes
como Eugene O’Neill e Thornton Wilder levam a dramaturgia do país à matu-
ridade, com peças que constroem ricamente a natureza psicológica de seus
personagens.
Uma figura central do teatro dos Estados Unidos do pós-guerra é Arthur Miller
(1915-2005). Miller, como outros dramaturgos do período, usava de vários aspec-
tos biográficos na construção do enredo e dos personagens da maioria de suas
peças. Assim sendo, aspectos profissionais (sua relação problemática trabalhan-
do como comerciante no início de carreira), políticos (a acusação e perseguição
por parte do governo devido ao liberalismo de suas ideias) e pessoais (seu confli-
168
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
tuoso casamento com Marilyn Monroe) acabaram por servir de base para alguns
de seus trabalhos mais famosos.
169
Literatura Norte-Americana
Em uma tocante passagem, Willy Loman tem uma alucinação em que vê seu
irmão Ben Howard, já falecido. Howard, que aos 21 anos fez fortuna com dia-
mantes na África, é a personificação do sucesso que Loman sempre tentou al-
cançar. Conversando com essa imagem de seu irmão já morto, o protagonista
explica porque escolheu a sua profissão – a influência de um mítico vendedor,
cuja vida e morte influenciaram Loman:
[...] I met a salesman in the Parker House. His name was Dave Singleman. And he was eighty-
four years old, and he’d drummed merchandise in thirty-one states. And old Dave, he’d go
up to his room, y’understand, put on his green velvet slippers – I’ll never forget - and pick up
his phone and call the buyers, and without ever leaving his room, at the age of eighty-four,
he made his living. And when I saw that, I realized that selling was the greatest career a man
could want . `Cause what could be more satisfying than to be able to go, at the age of eighty-
four, into twenty or thirty different cities, and pick up a phone, and be remembered and loved
and helped by so many different people? Do you know? When he died – and by the way, he
died the death of a salesman, in his green velvet slippers in the smoker of the New York, New
Haven and Hartford, going into Boston - when he dies, hundreds of salesmen and buyers were
at his funeral. Things were sad on a lotta trains for months after that. In those days there was
personality in it, Howard. There was respect, and comradeship, and gratitude in it. Today, it’s all
cut and dried, and there’s no chance for bringing friendship to bear – or personality. You see
what I mean? They don’t know me anymore. (MILLER, In: McMICHAEL et al., 2001, p. 1.989)
A admiração que Willy Loman tinha por Dave Singleman é a mesma admira-
ção que ele associa a uma ideia de sucesso e prosperidade. A felicidade suprema
seria ser apreciado como um excelente vendedor, o que por conseguinte signifi-
caria que era apreciado também como um grande homem. Até mesmo a morte
de Singleman ilustra um fim honrado, “he died the death of a salesman”, que
posteriormente no caso de Loman vai ter implicações menos respeitosas.
170
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
O segundo nível com que The Crucible pode ser interpretado é como uma res-
posta de Arthur Miller ao Mcarthyismo da década de 1950 nos Estados Unidos.
O Mcarthyismo foi um movimento liderado pelo senador Joseph McCarthy e seu
Comitê de Atividades Antiamericanas contra qualquer pessoa que tivesse ideias
liberais que a aproximassem do comunismo. A perseguição e o clima de acusa-
ção eram constantes, especialmente no meio artístico. Vários atores e diretores
foram presos e forçados a acusar outros supostos comunistas. O próprio Arthur
Miller foi acusado e teve de prestar depoimento ao Comitê de Atividades Anti-
americanas. Assim sendo, The Crucible é representativo de dois tipos de “caça às
bruxas” da história norte-americana: o literal e o metafórico.
O ápice criativo do autor foi nas décadas de 1940 e 1950. Em 1947, estreia nos
teatros sua obra-prima: A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo).
Até hoje, permanece um dos textos mais ousados da dramaturgia norte-ameri-
cana, com sua mistura de atmosfera gótica, falsas ilusões e latente sensualidade.
171
Literatura Norte-Americana
Essa forte conexão sexual entre Stella e Stanley vai de encontro às ilusões de
superioridade de Blanche, que não consegue entender como a relação entre o
casal é baseada em um forte desejo. Este desejo desmedido, que está no título
da peça, é apenas um dos símbolos usados por Williams. Para chegar à casa de
Stella no início da peça, Blanche tem de pegar um bonde chamado “Desejo”,
depois outro chamado “Cemitérios”, para descer na rua chamada “Campos Elísios”
(na mitologia grega, o lugar onde as almas dos mortos descansavam). Pode-se
interpretar que o desejo era o caminho para a ruína e a morte, como diferentes
passagens da peça mostram.
Um deles é o trágico casamento que Blanche teve quando era muito jovem.
Pela forma em que é feita a descrição, a personagem tinha um grande desejo por
172
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
No entanto, Brick, o filho favorito de Big Daddy, não tem o menor interesse
pelas propriedades do pai. Um fracassado jogador de futebol americano, Brick
apenas passa os dias e noites bebendo e se recusando a ter relações com sua
esposa, o que a deixa enfurecida, porém aumentando a tensão sexual entre os
dois. Brick (cujo significado do nome, “tijolo”) já atesta a dureza e a rigidez do
nome, e o personagem funciona como um símbolo da masculinidade. No en-
tanto, à medida que a peça se desenvolve, começam a aparecer as primeiras
rachaduras no muro aparentemente sólido da personalidade de Brick, especial-
mente devido à fuga e repressão de um grande sentimento de culpa pela morte
de Skipper, seu melhor amigo do passado com o qual ele pode ter desenvolvido
um relacionamento homossexual.
173
Literatura Norte-Americana
What do you know about mendacity? I could write a book on it...Mendacity. Look at all the
lies that I got to put up with. Pretenses. Hypocrisy. Pretendin’ like I care for Big Mama, I haven’t
been able to stand that woman in forty years. Church! It bores me. But I go. And all those
swindlin’ lodges and social clubs and money-grabbin’ auxiliaries. It’s-it’s got me on the number
one sucker list. Boy, I’ve lived with mendacity. Now why can’t you live with it? You’ve got to
live with it. There’s nothin’ to live with but mendacity. Is there? (WILLIAMS, 1955, p. 170)
Mesmo assim, o mesmo Big Daddy que na passagem acima afirma que “não há
nada para viver a não ser a falsidade” passa a buscar posteriormente a verdade – e
é através dela que descobre tragicamente que tem pouco tempo de vida. A menti-
ra, de certa forma, o corroeu até a morte, assim como oprimiu Brick e o levou ao al-
coolismo. Em Cat on a Hot Tin Roof, Tennessee Williams investiga como a hipocrisia
corrompe o indivíduo e como a verdade, por mais cruel e ríspida que seja, sempre
acaba se revelando como o aspecto mais genuíno de humanidade.
Assim sendo, é importante notar que além de uma forte consciência social,
cada movimento tinha a sua própria identidade, que viria a ser definida por
formas culturais específicas – especialmente na literatura.
O Movimento dos Direitos Civis, como ficou conhecido, teve nos negros
norte-americanos sua força inicial e mais significativa. Lutando por reformas na
sociedade e na política contra a discriminação, o braço afro-americano do movi-
mento (que teve em Martin Luther King sua figura mais proeminente) conseguiu
diminuir a opressão e os abusos exercidos por brancos, especialmente no sul dos
Estados Unidos, quase 100 anos depois do fim da escravidão.
174
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
Alice Walker (1944-) nasceu no estado da Georgia, a mais jovem de oito irmãos.
Seu pai trabalhava na agricultura e sua mãe como empregada doméstica. Depois
de um acidente com uma arma de fogo, a jovem Alice ficou cega de um olho.
Não podendo ajudar nas atividades domésticas, ela ganhou uma máquina de
escrever, o que a despertou para o mundo da ficção. Conseguiu uma bolsa de es-
tudos que a permitiu cursar a universidade e, assim que terminou a graduação,
tornou-se engajada no movimento pelos direitos civis e passou a publicar seus
trabalhos em prosa e poesia.
O trabalho mais aclamado de Alice Walker é The Color Purple (A Cor Púrpu-
ra), de 1982. É um romance epistolar – ou seja, a narrativa é construída através
de cartas – que tem como foco a situação da mulher negra no sul dos Estados
Unidos na primeira metade do século XX. Os principais personagens do roman-
ce (em especial a protagonista Celie) passam por uma longa trajetória de sofri-
mento (incluindo abusos físicos, mentais e sexuais), mas ainda assim conseguem
afirmar sua identidade e encontrar motivos para ter esperança.
The Color Purple é uma obra que trabalha com as questões de raça e gênero
de forma inovadora. Racismo e sexismo são questões que falam diretamente à
mulher negra, colocando-a numa posição duplamente inferior – ao sexo mas-
175
Literatura Norte-Americana
culino e aos brancos. As personagens de Alice Walker, contudo, são figuras li-
bertárias que procuram se livrar das amarras dos estereótipos da figura sofrida
e vitimizada. Sofia, por exemplo, é uma mulher de personalidade forte que é ex-
tremamente assertiva em sua atitude, chegando a bater no marido; Shrug Avery
é uma cantora de blues autoconfiante que não esconde sua vibrante sexualida-
de; e Celie, que começa como vítima de uma sociedade opressora, encontra sua
própria personalidade à medida que o romance se desenvolve, se tornando um
símbolo de perseverança e determinação.
176
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
Uma autora muito criticada sob essa perspectiva foi Toni Morrison (1931-).
Considerada uma das grandes vozes da literatura norte-americana contem-
porânea, Morrison conseguiu romper as barreiras preconceituosas da crítica e
do cânone literário para se tornar uma ardente defensora da identidade femi-
nina e afro-americana nos Estados Unidos atuais. Formada na Universidade de
Harvard, Morrison prosseguiu na carreira acadêmica, se tornando uma grande
estudiosa da literatura norte-americana moderna e contemporânea, especial-
mente William Faulkner, de quem é grande admiradora.
Com The Bluest Eye, Morrison analisa uma das questões fundamentais abor-
dadas pelo Movimento dos Direitos Civis das décadas de 1960 e 1970 – o sur-
gimento de um ideal de beleza negra. A partir do slogan “Black is Beautiful”, os
negros norte-americanos procuraram abolir os paradigmas do cinema, da tele-
visão e da cultura de massa em geral de que a beleza só pode ser associada a
pessoas brancas. Em seu romance, a autora mostra como a autorrejeição e o sen-
timento de inferioridade surgem quando os modelos aceitos e admirados pela
sociedade (nesse caso, ser branco e olhos azuis) não se estendem a todos. O que
177
Literatura Norte-Americana
Nas entrelinhas, contudo, The Bluest Eye usa a questão da beleza como me-
táfora para questões mais complexas, especialmente uma espécie de racismo
subjetivo que os próprios negros carregam consigo e não conseguem perceber.
Quando Pecola passa a acreditar que só tendo olhos azuis vai ser amada, essa
não é uma visão sua, mas sim da sociedade em que vive. Portanto, a personagem
é incapaz de distinguir o que é representativo de sua própria identidade e o que
é ditado pelas regras sociais, construindo nela um racismo internalizado:
It had occurred to Pecola some time ago that if her eyes, those eyes that held the pictures, and
knew the sights – if those eyes of hers were different, that is to say, beautiful, she herself would
be different. Her teeth were good, and at least her nose was not big and flat like some of those
who were thought so cute. If she looked different, beautiful, maybe Cholly would be different,
and Mrs. Breedlove too. Maybe they’d say, “Why, look at pretty-eyed Pecola. We mustn’t do bad
things in front of those pretty eyes.” (MORRISON, 2000, p. 46)
Além do mais, com seus olhos azuis Pecola não só seria vista como mais
bela pelo mundo, como também ela própria veria o mundo com “outros olhos”
– menos opressor, mais receptivo e repleto de oportunidades. Na passagem
acima isso fica claro, quando os pais de Pecola se recusam a brigar já que nada
de mal deveria ser visto por aqueles belos olhos azuis. Mas com seus olhos e pele
negras, o mundo para ela é sempre visto como o lugar da discriminação e dos
problemas. Esta intrincada dissociação que Pecola não se permite realizar é uma
das razões que leva a personagem à completa loucura ao final do romance.
Inovações na prosa:
J.D. Salinger e New Journalism
O surgimento da literatura afro-americana e feminista foi apenas uma das várias
facetas do desenvolvimento do romance norte-americano na segunda metade
do século XX. Com a consolidação da estética modernista como forma preponde-
rante de escrita, outros autores procuravam novas formas de expressão em prosa
que servisse como reflexo dos Estados Unidos pós 2.ª Guerra, assim como o Mo-
dernismo representou o pensamento cultural do país após a 1.ª Guerra.
178
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
cência: pertencia a uma família de classe alta, e vivia sendo transferido de uma
escola para outra. Essa é, de certa forma, a realidade do protagonista e narrador
de The Catcher in the Rye, Holden Caufield. Ele é um adolescente de 16 anos que
começa o romance no seu último dia na escola preparatória de Pencey, mais
uma instituição de ensino de onde é expulso. O personagem parte então no
meio da noite para Nova York onde fica por dois dias até ir finalmente para o
apartamento de seus pais.
The Catcher in the Rye, lançado em 1951, permanence um dos livros mais po-
pulares do século XX. Quando do seu lançamento, despertou imensa polêmica
devido a sua narrativa adolescente repleta de gírias e palavras de baixo calão,
referências abertamente sexuais e subversão de valores tidos como corretos. Em
certos meios, chegou a ser censurado e até mesmo proibido. Mesmo assim, é um
romance que seduz menos pelos acontecimentos narrados do que por quem
os conta: Holden Caufield tornou-se um personagem maior que a obra, servin-
do de símbolo para o inconformismo e a alienação de uma crescente cultura
adolescente. Na passagem abaixo, por exemplo, Holden assiste a uma palestra
de um dos principais patrocinadores de sua escola. É chocante notar a postura
irônica do personagem com relação à moral religiosa do palestrante e a forma
insolente com que narra os eventos.
He started off with about fifty corny jokes, just to show us what a regular guy he was. Very
big deal. Then he started telling us how he was never ashamed, when he was in some kind
of trouble or something, to get right down his knees and pray to God. He told us we should
always pray to God – talk to Him and all – wherever we were. He told us we ought to think of
Jesus as our buddy and all. He said he talked to Jesus all the time. Even when he was driving
his car. That killed me. I just see the big phony bastard shifting into first gear and asking Jesus
to send him a few more stiffs. The only good part of his speech was right in the middle of it. He
was telling us all about what a swell guy he was, what a hotshot and all, then all of a sudden
this guy sitting in the row in front of me, Edgar Marsalla, laid this terrific fart. It was a very crude
thing to do, in chapel and all, but it was also quite amusing. (SALINGER, 1991, p. 16-17)
Se The Catcher in the Rye foi um dos poucos trabalhos realmente inovadores
na prosa da década de 1950, as décadas de 1960 e 1970 veriam o surgimento de
uma verdadeira escola literária, ameaçando até mesmo a posição do Romance
179
Literatura Norte-Americana
como o maior dos gêneros da literatura. Esse novo movimento das letras ficou
conhecido como New Journalism ou Jornalismo Literário. Como o próprio nome
indica, o jornalismo literário consistia em uma escrita jornalística na qual se em-
pregavam recursos e técnicas características da literatura ficcional.
180
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
Wolfe, como nenhum outro escritor do período, soube aliar aspectos ficcio-
nais a uma escrita baseada em fatos. Diferentemente de textos jornalísticos tra-
dicionais, os leitores praticamente se inserem em sua narrativa, como se fizes-
sem parte dela. O ponto de vista do autor é claro, e sua manipulação do tempo
dos acontecimentos (passado e presente se misturam) é um dos aspectos fun-
damentais para dar um caráter literário à escrita. Por outro lado, o uso de diá-
logos reais e a natureza descritiva (dos lugares, das roupas, dos hábitos) firma
a reportagem como sendo feita a partir de dados factuais. Mas a presença de
elementos pouco comuns em artigos jornalísticos, como reticências, pontos de
exclamações abundantes e onomatopeias causavam estranhamento ao público
leitor. Um exemplo disso é o ensaio Las Vegas (What?) Las Vegas (Can’t hear you!
Too noisy) Las Vegas!!!!, considerado um dos primeiros exemplos do jornalismo
literário. Nesse texto, que fala das crescentes transformações na cidade de Las
Vegas até se tornar a Meca do jogo e do materialismo, o autor abusa de seu estilo
peculiar, começando com uma repetição de palavras aparentemente sem senti-
do para depois apresentar as principais figuras de seu artigo:
Hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia,
hernia, HERNia; hernia, HERNia, hernia, hernia, hernia, hernia, HERNia, HERNia, HERNia; hernia,
hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, hernia, eight is the point, the point is eight; hernia, hernia,
HERNia; hernia, hernia, hernia, hernia, all right, hernia, hernia, hernia, hernia, hard eight, hernia,
hernia, hernia, HERNia, hernia, hernia, hernia, HERNia, hernia, hernia, hernia, HERNia, hernia,
hernia, hernia, hernia
“What is all this hernia hernia stuff?”
This was Raymond talking to the wavy-haired fellow with the stick, the dealer, at the craps
table about 3:45 Sunday morning. The stickman had no idea what this big wiseacre was talking
about, but he resented the tone. He gave Raymond that patient arch of the eyebrows known
as a Red Hook brush-off, which is supposed to convey some such thought as, I am a very tough
but cool guy, as you can tell by the way I carry my eyeballs low in the pouches, and if this wasn’t
such a high-class joint we would take wiseacres like you out back and beat you into jellied
madrilene. (WOLFE, 1999, p. 3)
181
Literatura Norte-Americana
Em 1959, uma notícia nas páginas policiais do The New York Times desperta a
atenção de Capote: no estado do Kansas, um fazendeiro, sua esposa e seus filhos
são encontrados brutalmente assassinados. O autor então partiu para o local do
crime e começou a investigar, reconstituir e pesquisar a história daquele brutal
acontecimento – o que durou mais de cinco anos. Capote entrevistou e teve
acesso direto aos dois homens responsáveis pelo assassinato, o que renderam
inúmeras entrevistas e uma profunda análise psicológica dos motivos que os
levaram a realizar o crime.
O livro só foi publicado depois que os assassinos já tinham sido mortos (foram
condenados à pena capital) e inaugurou um novo gênero literário: o Romance
de Não-Ficção. Transitando entre a literatura e o jornalismo, o romance trata de
acontecimentos reais narrados de forma literária, ou seja, utilizando elementos
como foco narrativo, fluxo da consciência, clímax etc. Na passagem abaixo, Perry
Smith e Dick Hancock, os dois criminosos, estão fugindo da cena do crime dias
depois do ocorrido. É interessante notar como a estrutura narrativa é construída
de fatos (datas e locais são mencionados), mas também aspectos subjetivos (a
consciência dos assassinos, a forma de usar a linguagem) ilustram uma influên-
cia nitidamente literária:
182
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
Hawks wheeling in a white sky. A dusty road winding into and out of a white and dusty village.
Today was his second day in Mexico, and so far he liked it fine – even the food. (At this very
moment he was eating a cold, oily tortilla.) They had crossed the border at Laredo, Texas, the
morning of November 23, and spent the first night in a San Luis Potosti brothel. They were now
two hundred miles north of their next destination, Mexico City.
“Know what I think?” said Perry. “I think there must be something wrong with us. To do what
we did.”
“Did what?”
“Out there.”
Dick dropped the binoculars into a leather case, a luxurious receptacle initialed H.W.C. He was
annoyed.
Annoyed as hell. Why the hell couldn’t Perry shut up? Christ Jesus, what damn good did it do,
always dragging the goddam thing up? It really was annoying. Especially since they’d agreed,
sort of, not to talk about the goddam thing.
Just forget it.
“There’s got to be something wrong with somebody who’d do a thing like that,” Perry said.
“Deal me out, baby,” Dick said. “I’m a normal.” (CAPOTE, 2003, p. 108)
Texto complementar
BLANCHE: Oh.
STANLEY: When the telephone rings and they say “You’ve got a son!” I’ll
tear this off and wave it like a flag! (He shakes out a brilliant pyjama coat.) I
guess we are both entitled to put on the dog. (He goes back too the kitchen
with the coat over his arm.)
183
Literatura Norte-Americana
STANLEY: This millionaire from Dallas is not going to interfere with your
privacy any?
BLANCHE: It won’t be the sort of thing you have in mind. This man is a
gentleman and he respects me. (Improvising feverishly.) What he wants is my
companionship Having great wealth sometimes makes people lonely!
BLANCHE: Yes, swine! Swine! And I’m thinking not only of you but of your
friend, Mr Mitchell. He came to see me tonight. He dared to come here in his
work-clothes! And to repeat slander to me, vicious stories that he had gotten
from you! I gave him his walking papers ...
184
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
STANLEY: Was this before or after the telegram came from the Texas oil
millionaire?
BLANCHE: What telegram? No! No, after! As a matter of fact, the wire came
just as -
BLANCHE: Oh!
BLANCHE: Oh!
STANLEY: I’ve been on to you from the start! Not once did you pull any
wool over this boy’s eyes! You come in here and sprinkle the place with
powder and spray perfume and cover the light-bulb with a paper lantern,
and lo and behold the place has turned into Egypt and you are the Queen of
the Nile! Sitting on your throne and swilling down my liquor! I say – Ha - Ha!
Do you hear me? Ha - Ha! (He walks into the bedroom)
Dicas de estudo
Alice Walker ganhou muita visibilidade com seu romance The Color Purple es-
pecialmente depois que ele ganhou uma versão cinematográfica (“A Cor Púrpu-
ra”, em português) dirigida por Steven Spielberg em 1985. O filme é relativamen-
te fiel ao romance de Walker, apesar de algumas mudanças narrativas utilizadas
para transpor uma história de cunho epistolar (em forma de cartas e diários) para
a linguagem do cinema. Whoopi Goldberg, como a protagonista Celie, tem uma
atuação estelar em seu primeiro papel no cinema.
185
Literatura Norte-Americana
Atividades
1. Como as obras de Alice Walker e Toni Morrison podem servir como reflexo da
agitação social nos Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970?
186
O teatro e as vertentes da prosa norte-americana na 2.ª metade do século XX
187
Possibilidades de ensino de literatura
norte-americana no ensino médio
A literatura, desde a alvorada da construção do pensamento individu-
al, é a mais rica e completa forma de transpor conceitos (pessoais e/ou
universais) subjetivamente através da palavra. Seja ela transmitida de ma-
neira oral ou escrita, a palavra é ao mesmo tempo um repositório cultural
de uma identidade, um tempo e um lugar, assim como também funciona
como elemento difusor da qual está imbuída.
Por isso, a literatura permanece através dos séculos como forma de arte
preponderante na preservação e transmissão do pensamento humano
através da palavra. As formas em que o texto literário se mantém e se pro-
paga se multiplicam com a passagem do tempo – ainda que o livro per-
maneça o instrumento mais popularmente relacionado à literatura, outros
meios de difusão da escrita criativa (especialmente associados à tecnolo-
gia da informação) surgem a todo o momento. Pode-se falar na morte do
livro, mas jamais na morte da literatura.
190
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
191
Literatura Norte-Americana
Levando em conta esse critério, o professor passa a ter então dois caminhos
através dos quais pode decidir ensinar a literatura norte-americana. O primeiro
deles é apresentar um determinado momento histórico dos Estados Unidos a
partir da obra literária escolhida. Assim sendo, o professor tem a possibilidade
de discutir a obra como representação artística de um período específico da
história do país. O texto literário funcionará como um mapa onde, através do
pensamento subjetivo do escritor e da análise crítica do leitor, pode-se ler nas
entrelinhas as características e os eventos históricos retratados, seja na prosa ou
na poesia. Portanto, parte-se do específico para o geral.
A escolha feita pelo professor entre essas duas estratégias depende muito do
que ele acredita que vai ser mais bem-sucedido tendo em vista o seu conheci-
mento sobre o material abordado e sobre os seus alunos. Somente depois de con-
siderar qual obra será estudada e o caráter de seu momento histórico (lembrando
que é sempre aconselhável ponderar sobre o papel de determinado assunto em
todo o período letivo), o professor pode ter certeza de qual método vai ser mais
facilmente compreendido e vai despertar maior interesse em seu público.
193
Literatura Norte-Americana
Obras cinematográficas
O cinema é um grande aliado do professor de literatura. Como representa-
ções visuais relacionadas a trabalhos literários, os filmes possibilitam o desenvol-
194
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
vimento de uma visão crítica não só sobre a obra escrita, mas também sobre si
mesmos. Além do mais, os filmes podem iluminar aspectos do texto não obser-
vados pelo leitor e trazer uma nova abordagem para a discussão literária.
O primeiro passo para se fazer uso do cinema em sala de aula é ter claro o ob-
jetivo a ser alcançado. No caso aqui exemplificado, os principais propósitos são:
demonstrar de que forma John Smith vê a América, como o cinema representa a
mitologia em torno de sua relação com a princesa indígena Pocahontas, e como
as duas versões cinematográficas diferem na abordagem do encontro dos euro-
peus e da população nativa do Novo Mundo.
195
Literatura Norte-Americana
Compare e contraste a maneira com que cada filme trata a relação entre
John Smith e Pocahontas.
Os alunos são informados de que eles devem assistir às cenas tendo as ques-
tões em mente e que, em seguida, eles deverão apresentar oralmente o que
conseguiram apreender dos filmes. Após a exibição, os alunos primeiramente
discutem entre si em pequenos grupos as possíveis respostas para as questões.
Posteriormente eles as apresentam para toda a classe.
Uma outra atividade utilizando o cinema tem como obra de análise a peça
The Crucible, de Arthur Miller. Um dos grandes manifestos contra a opressão e a
favor da livre expressão, a peça se relaciona a dois períodos históricos diferentes.
Seu enredo se passa no período colonial norte-americano, quando no vilarejo
de Salem um surto histérico leva indivíduos a acusarem uns aos outros de bru-
xaria, fazendo com que vários sejam acusados e mortos. No entanto, a peça foi
escrita na década de 1950, quando o Comitê de Atividade Antiamericanas perse-
guia especialmente membros da classe artística por uma possível aproximação
de ideais comunistas, o que leva várias pessoas a acusarem colegas de trabalho
para não perderem a carreira ou serem presos.
Uma das grandes vantagens de se trabalhar com The Crucible é a sua excelen-
te adaptação para o cinema de 1996, chamada no Brasil de As Bruxas de Salem,
dirigida por Nicholas Hytner e roteirizada pelo próprio Arthur Miller. Enquanto
este filme serve como representação da perseguição religiosa na sociedade pu-
ritana, outra produção cinematográfica poderia ser usada para retratar a per-
seguição política no período histórico em que The Crucible foi escrito. Trata-se
de Culpado por Suspeita, filme de 1991, dirigido por Irwin Winkler, que conta a
história de um diretor de cinema que é perseguido ao ser acusado de atividades
liberais e antiamericanas.
Nessa atividade, a exibição dos trechos dos filmes tem mais efeito depois que
os alunos já leram, já ouviram a explicação do professor e estão familiarizados
196
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
com o enredo da peça. Assim, ao assistirem aos filmes eles serão capazes de
identificar os principais temas discutidos metaforicamente na peça de Miller: a
intolerância, a moralidade, e a permanência do caráter. O professor, então, pode
propor as seguintes questões para serem debatidas:
Documentários
Ao contrário de filmes de longa-metragem, os documentários geralmente
têm uma duração menor e uma abordagem mais realista. Esse tipo de obra fa-
vorece a apresentação do contexto histórico em relação ao trabalho literário, já
que tende a revelar dados factuais sobre a escrita da obra, do momento em que
ela foi produzida ou sobre a biografia do autor.
198
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
Outros recursos
Com o intuito de envolver os alunos no assunto abordado e enriquecer seu
aprendizado, outros recursos podem ser utilizados. É importante ressaltar que
quanto maior a variedade de material oferecida ao professor pela instituição de
ensino (retroprojetor, datashow, televisão, aparelho de DVD), mais dinâmica e envol-
vente será a aula. Todavia, se o professor não tiver desses materiais à sua disposição,
as atividades abaixo podem auxiliá-lo no ensino da literatura norte-americana.
199
Literatura Norte-Americana
Com relação a peças de teatro, atividades específicas para esse gênero podem
ser desenvolvidas. Uma delas seria recortar os diálogos de uma cena específica
em pequenas tiras, para que os alunos (em pares ou pequenos grupos) os co-
locassem na ordem correta. Posteriormente, os alunos receberiam uma folha
com a versão correta e comparariam suas respostas. A partir daí, o professor lê o
diálogo juntamente com os alunos e tenta elicitar seu entendimento, antes de
apresentar o tópico central da aula. Essa atividade também pode ser usada em
uma parte de romance ou conto em que haja um longo diálogo ou pequenos
parágrafos. Um bom exemplo de exercício com uma peça de teatro seria algum
diálogo entre Willy Loman e seus filhos em Death of a Salesman, de Arthur Miller,
em que fica clara uma das ideias centrais da peça – a ilusão proporcionada pelo
sonho americano – através da conversa dos personagens.
200
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
Texto complementar
Full circle: O’Neill , Hemingway
(SPILLER, 1967)
When the war ceased as suddenly as it had started, these young men
looked back to their country only to find that it had suffered the shock but
few of the actualities of war, and that its people had profited by war indus-
tries and the sense of power and self-righteousness that comes with victory.
A second disillusionment then turned them against this insensitive country
of theirs, and they took up, with all the enthusiasm they had put into the
military crusade, a battle for literary and moral integrity both in America and
201
Literatura Norte-Americana
in themselves. The vigor they had thrown into the driving of the wounded
back from the front in Red Cross ambulances, or fighting in the air or in soggy
trenches, they now put into writing. Many – almost a majority – of them
rejected the vigorous materialism of post-war prosperity in the United States
and returned, after discharge from military service, to Europe, there to haunt
the ateliers of Paris, to discuss art rather than politics, and, if one may judge
from their own accounts, to waste their disillusioned minds and bodies in
drink and dissipation. Even though the pose and decadence did not suit
them as well as it had the sad young men of the nineties, the outlook was
not promising for a new American literature that could offer solutions to the
problems of humanity.
But the literature of power asks rather than answers question. In the
American writers who reached maturity between wars, what at first had
seemed an irresponsible flight from reality turned out to be the means toward
a realization of their true calling. These young men needed the perspective
of distance as well as of time in order to discover new forms of art for the
expression of man’s dilemma in the twentieth century. The older writers had
posed the problems with which literary art must deal; the younger must learn
to write. Whether they stayed abroad or came home and retreated from their
society they slowly taught themselves their art.
Dicas de estudo
Em História-Ficção-Literatura, Luiz Costa Lima investiga os pontos de ligação
entre a ficção e a história. Discutindo os limites do discurso ficcional e do discur-
so historiográfico, o livro é uma rica fonte de estudo para professores pensarem
criticamente sobre o papel da história na escrita da literatura e, especialmente,
nos recursos literários que podem ser utilizados para se ter acesso ao passado.
202
Possibilidades de ensino de literatura norte-americana no ensino médio
um dos assassinos, Perry Smith. Capote é uma obra que retrata não só uma obra
literária, mas todo o contexto histórico-social envolvido na sua criação.
Atividades
1. Qual a importância de ensinar a literatura norte-americana através de seu
contexto histórico?
203
Gabarito
O período revolucionário
1. A resposta deve incluir os seguintes pontos:
a Lei da Moeda;
a Lei do Selo;
A prosa romântica
1. A resposta deve incluir os seguintes pontos:
estímulo ao nacionalismo.
206
Gabarito
A poesia romântica
1. A resposta deve incluir os seguintes pontos:
207
Literatura Norte-Americana
expansão dos direitos de cidadania aos negros, mas gerando uma forte
segregação racial.
O Realismo norte-americano
1. A resposta deve incluir os seguintes tópicos:
o autor em suas obras (especialmente The Great Gatsby) vai ilustrar o as-
pecto entusiástico mas também frívolo do período;
o autor vai usar o período como símbolo de como o ideal do sonho ame-
ricano foi corrompido.
o fluxo da consciência;
208
Gabarito
pessimismo e melancolia;
fluxo da consciência;
209
Literatura Norte-Americana
alguns dos temas das obras de Walker e Morrison são questões centrais
levantadas pelos movimentos dos anos 60 e 70: a discriminação racial, a
opressão das mulheres, a procura da valorização da beleza negra e, espe-
cialmente a busca de uma identidade feminina e afro-americana.
Possibilidades de ensino de
literatura norte-americana no ensino médio
1. A resposta deve incluir os seguintes pontos:
fazer com que os alunos entendam que a literatura está sempre inserida
em um momento específico da história;
posteriormente, o autor fala que a mesma energia usada por esses indiví-
duos durante a guerra foi empregada na criação de uma nova perspectiva
literária, quando eles partem para a Europa.
210
Referências
AARON, Daniel. The Unwritten War: american writers and the Civil War.
Madison: University of Wisconsin Press, 1987.
FRANKLIN, Benjamin. The Way to Wealth. In: LEMAY, J. A. Leo (Ed.). An Early
American Reader. Washington D. C.: United States Information Agency,
1989.
Literatura Norte-Americana
KARNAL, Leandro et al. História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto,
2008.
LEMAY, J. A. Leo (Ed.). An Early American Reader. Washington D.C.: United States
Information Agency, 1989.
MORRISON, Toni. The Bluest Eye. New York: Random House, 2000.
NABUCO, Carolina. Retrato dos Estados Unidos à Luz de sua Literatura. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
POE, Edgar Allan. Great Tales and Poems of Edgar Allan Poe. New York: Simon
& Schuster, 2007.
SALINGER, J.D. The Catcher in the Rye. New York: Hachette, 1991.
STOWE, Harriett Beecher. Uncle Tom’s Cabin. New York: Barnes & Noble, 2003.
214
Referências
WILLIAMS, Tennessee. Cat on a Hot Tin Roof. New York: Signet Classics, 1955.
215