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O FENÔMENO DA GENTRIFICAÇÃO: UMA ABORDAGEM VOLTADA PARA AS

POLÍTICAS PÚBLICAS DE REVITALIZAÇÃO DE CENTROS URBANOS

Kátia Ferreira de Oliveira


arqkatia@gmail.com

Resumo

Este trabalho foi elaborado à luz de alguns textos discutidos na disciplina de Sociologia do
Território, ministrada pelo Professor Doutor Eber Pires Marzulo, do Programa de Pós-
Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. A síntese de conteúdos produzida tem como principal objetivo fazer uma breve reflexão
sobre a produção de gentrificação ocorrida em consequência de políticas públicas de
“revitalização” de centros urbanos. Para ilustrar tais reflexões serão apresentados alguns
programas de revitalização pesquisados por diferentes autores e desenvolvidos em Bruxelas,
Lyon, Amiens, Barcelona, Nápoles, Cidade do México e São Paulo.

Palavras-chave: gentrificação, políticas públicas de revitalização e centros urbanos

1. Introdução

Depois de décadas de desconcentração e suburbanização, a partir dos anos setenta, as


cidades paulatinamente vêem prosperar novos rumos no urbanismo, no qual a “gentrificação”
tem papel de destaque e é considerada por Smith “o motor central da expansão econômica da
cidade, um setor central da economia urbana.” (Smith, 2006) Para Bidou Zachariasen, a
gentrificação é um processo de povoamento que envolve transformações de centros urbanos
em suas dimensões materiais, econômicas, sociais e simbólicas. (Bidou Zachariasen, 2006)
Neste trabalho, elaborado à luz de alguns textos discutidos na disciplina de Sociologia
do Território, serão abordados principalmente os aspectos publicados em dois deles, contidos
na obra “De Volta à Cidade”: um, introdutório, elaborado por Bidou Zachariasen, aonde a
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autora busca ampliar o espectro de cidades que vivenciaram o fenômeno contemporaneamente,


com uma breve revisão de pesquisas que enfocam a problemática da gentrificação em Nova
York, Bruxelas, Lyon, Barcelona, Nápoles, Cidade do México e São Paulo e outro, de autoria
de Neil Smith, intitulado “A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à
“regeneração” urbana como estratégia urbana global”, aonde o autor apresenta
cronologicamente o processo de gentrificação ocorrido em Nova York e, dentre outras coisas,
afirma que por de traz das estratégias de “regeneração urbana”, está a intenção de expulsar as
classes populares dos centros “regenerados”. Também fazem parte deste trabalho,
considerações feitas por Bidou Zachariasen no texto “Rénovation Urbaine et Stratégies
Familiales: Une Étude de Cas”, que apresenta as estratégias de permanência de famílias
empobrecidas, tradicionais moradoras de um bairro operário da cidade de Amiens, na França,
objeto de políticas públicas de renovação e algumas medidas adotadas pelo poder público local
com a intenção de garantir o restabelecimento social no bairro, integrando-as. Conceitos
contidos em “Les Aveugles et l’éléphant: l’explication de la gentrification”, de Chris Hamnett,
que apresenta diferentes autores e suas teorias sobre gentrificação também contribuem com as
reflexões apresentadas.

2. A gentrificação e as dinâmicas de desvalorização e revalorização dos centros


urbanos

Ainda no início dos anos sessenta, Ruth Glass utilizou o termo “gentrification” para definir
a transformação da composição social dos residentes de antigos bairros operários londrinos,
onde ocorreu a substituição de camadas populares por camadas médias assalariadas que não
tinham receio de “encostar” nas massas populares e que antes se instalavam nos subúrbios.
Para Smith, este processo urbano identificado inicialmente por Ruth Glass de maneira tão
particular e marginal, evoluiu rapidamente e chega ao século XXI como uma dimensão
marcante do urbanismo contemporâneo (Smith, 2006).
Ao fazer a revisão da literatura produzida sobre o processo da gentrificação, Bidou
Zachariasen constatou que esta se organiza principalmente em duas tendências: uma que
explica o fenômeno em parte devido ao peso econômico da promoção imobiliária sobre áreas
centrais em processo de valorização fundiária e outro que o coloca como resultante de uma
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estratégia de atores individuais atraídos pelo modo de vida e consumo possibilitado pela vida
no centro da cidade. (Bidou Zachariasen, 2006)
Antes de avançar em algumas reflexões sobre o processo de gentrificação como
consequência de políticas de revitalização de centros urbanos, julga-se importante entender um
pouco do que levou as zonas centrais das cidades a tornarem-se desvalorizadas e apropriadas
pelas classes populares e o que desencadeou a sua revalorização e apropriação pelas chamadas
“novas classes médias”.
Na Europa, segundo observou Criekingen, no decorrer do século XIX, a burguesia
abandonou o centro em direção às periferias das cidades na busca de viver em um ambiente de
melhor qualidade, com espaços mais amplos, arejados e seguros. Como consequência, estes
bairros centrais tornaram-se zonas de concentração das classes populares e entraram em
processo de degradação física por falta de investimentos.
O fenômeno de crescimento suburbano, chamado por Criekingen de “periurbanização
fordista”, cresceu após o fim da Segunda Guerra, quando o uso do automóvel se generalizou.
As concepções do urbanismo funcionalista, que durante o século XX, se disseminou pelo
mundo e dividiu as cidades em zonas com funções determinadas (moradia, trabalho, lazer e
circulação) e apostou na expansão urbana, segundo Bidou Zachariasen, parece ter atingido seus
limites funcionais. Os altos custos econômicos, sociais e ambientais dessa forma de ocupação
urbana começaram a exigir mudanças nos planos de desenvolvimento das cidades, tanto por
parte de administradores públicos como de investidores privados. (Bidou Zachariasen, 2006)
Por outro lado, o crescimento do setor de serviços especializados (gestão, seguro, turismo)
e a modernização da estrutura de produção industrial ocorridos nos países industrializados e
também nos em desenvolvimento, fez surgir uma “nova classe média" e com ela, novos tipos
de consumo. Dentre outros aspectos, essa classe emergente se caracteriza por ser altamente
qualificada e valorizar a vida social e cultural. Nesse novo contexto econômico, as zonas
centrais reapareceram como locais de oportunidades de emprego, moradia, lazer, dentre outras.
Por consequência, houve uma mudança sobre o mercado fundiário e imobiliário dessas zonas,
até então, apropriadas pelas classes populares como locais de moradia, trabalho e geração de
renda.
Esta classe formada na mudança das estruturas de emprego, chamada de “gentrificadores”,
é a chave para explicar o processo de transformação da composição social dos residentes de
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antigos bairros, tecidos urbanos dotados de infraestrutura, de valores simbólicos, históricos e


arquitetônicos, vistos pelo mercado como “gentrificáveis”. (Hamnett, 1996-97) Nesse
movimento convergente de “gentrificadores” e “gentrificáveis”, quem vem perdendo espaço
são as classes populares.
Bidou Zachariasen também verificou que, de modo geral, todos os autores que trataram
sobre gentrificação nas grandes cidades mundiais como Nova York e Paris o relacionaram com
a individualização dos modos de vida e com as mudanças na família. A mulher passou a
trabalhar fora de casa, conformando casais com duplos salários e necessidades melhores
adaptadas às regiões centrais da cidade. Para a autora, um dos eixos do debate sobre a
revalorização das áreas centrais está na necessidade de minimizar as distâncias entre a moradia
e o trabalho, a escola, o lazer e tantas outras sequências da vida cotidiana. Bidou Zachariasen
justifica: “Um grande número de nova-iorquinos, parisienses e mexicanos não estão mais
dispostos a conduzir seus veículos por 40 quilômetros de estrada congestionada para chegar
ao seu apartamento no condomínio ou à sua mansão.”
Outra observação da autora diz respeito à existência da gentrificação em variados países e
cidades com contextos sociais, econômicos e culturais diferenciados. Para ela, a aparente
inexistência de gentrificação em outras cidades européias ou mesmo da América Latina, é
consequência da pequena abordagem científica do fenômeno nestes lugares. (Bidou
Zachariasen, 2006)

3. A gentrificação e as políticas públicas de revitalização de centros urbanos

Se no início dos estudos sobre a gentrificação, ela era considerada como um fenômeno
decorrente da estrutura do mercado imobiliário e do comportamento dos atores privados, na
atualidade também é vista por autores como Smith, como parte integrante de políticas públicas
de revitalização de antigos centros urbanos em diferentes municipalidades. Estas políticas, na
maior parte das vezes, integram projetos de desenvolvimento econômico e, mesmo não
havendo quem assuma uma de suas principais intenções, elas são definidas pelo autor como
“políticas oficiais de gentrificação”.
De qualquer maneira, seja qual for a origem do fenômeno, Bidou Zachariasen destaca que a
gentrificação tem como consequência direta a saída das classes populares dos centros urbanos
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e, assim como Smith, a autora entende que as chamadas políticas de “revitalização”,


“regeneração” ou “renovação” urbana, de maneira geral, silenciam sobre esta intenção. (Bidou
Zachariasen, 2006)
Smith afirma que a utilização de termos como “regeneração” ou “renovação”, acaba por
neutralizar as críticas aos projetos dessa natureza e permite a vitória das visões neoliberais da
cidade. Em seus estudos sobre a gentrificação em Nova York, o autor verificou também que os
espaços públicos produzidos em bairros alvo de políticas de “regeneração”, a priori para uso
de todas as classes sociais, eram falsamente democráticos. (Smith, 2006)
Dentro desta mesma lógica da criação de zonas segregadas, Criekingen, que estudou
diversos tipos de revitalização residencial em Bruxelas, notou que além do processo de
gentrificação residencial ocorrido em consequência destas “revitalizações”, também acontecia
nos bairros uma espécie de gentrificação de convívio e consumo. O autor verificou uma
homogeneização da população que frequentava bares, boutiques e cafés surgidos em
consequência das revitalizações. Esses frequentadores passaram a ser somente as classes
médias altas. Concluiu que, desta forma, houve o aumento da segregação sócio-espacial no
seio da aglomeração urbana.
Outras observações que merecem destaque dentro destes estudos de revitalização de
centros urbanos analisados por Bidou Zachariasen foram feitas por Authier, que realizou
pesquisa no antigo bairro em Saint-Georges, no centro de Lyon. Um bairro originalmente
popular e de atividades econômicas. Dez anos após a operação de reabilitação oficial, dentre
outras coisas, o autor observou que Saint-Georges ainda permanecia muito misturado
socialmente e que em função do tipo de habitante, se estabeleciam relações diferenciadas com
o bairro. Diferentemente do que constatou Hoggart1 em seus estudos da classe proletária
inglesa na década de cinquenta, os operários e empregados, quase não demonstravam relação
com o bairro, enquanto que os executivos e estudantes, novos moradores, mantinham com ele
uma estreita relação. Seu estudo concluiu que em Saint-Georges fenômenos de gentrificação
conviviam com mobilidades e práticas sociais diferenciadas. (Bidou Zachariasen, 2006)

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Hoggart afirmou que a importância dada a casa e ao bairro pelas classes proletárias inglesas, objeto de sua
observação e reflexões, se devia principalmente ao fato do mundo exterior lhe parecer pouco acolhedor e de
difícil enfrentamento. As duras condições de vida partilhadas pelo proletariado lhe conferiam um espírito de
grupo que primava por boas relações de vizinhança. Mesmo que fosse intuitivamente, as pessoas sabiam que a
união era condição importante para enfrentarem as adversidades. Poucos conseguiriam a ascensão social que
os faria mudar de vida, portanto as relações cotidianas deviam ser solidárias e amistosas.
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Outro caso de operação de renovação urbana na França foi estudado por Bidou Zachariasen
e neste a pesquisadora foi em busca de conhecer o que havia acontecido após a renovação com
algumas práticas solidárias que existiam no bairro e também como estavam vivendo famílias
originais que permaneceram ali residindo. A operação de renovação ocorreu entre o início da
década de 1970 e final da década de 1980, no bairro de Sant-Leu, na cidade de Amiens. Este
bairro apresentava como uma de suas características mais marcantes em termos físicos, uma
rede de canais d’água que proporcionaram no passado a implantação de moinhos, tinturarias e
tecelagens. Em consequência, Sant-Leu conheceu um período econômico próspero e abrigou
diferentes categorias de população, de operários a burgueses.
A partir do final do século XIX, com o processo de desindustrialização, o bairro
paulatinamente foi perdendo esta mistura de classes sociais e ali permaneceram apenas os
operários ligados às indústrias remanescentes e também um contingente de biscateiros e
desempregados. Devido ao baixo nível econômico da população, as edificações e espaços
públicos ficaram em mau estado de conservação e o bairro adquiriu uma imagem ruim dentro
da cidade, embora, segundo a autora, apresentasse aspecto vivo e autêntico. Aspecto esse que
atraiu para lá estudantes e artistas, concedendo-lhe também certo ar alternativo.
A partir de 1971, a administração pública municipal deu início a um programa de
renovação do bairro e ao fim da década de 1980, os espaços públicos, ruas, canais, pontes,
passarelas e moradias haviam adquirido aspecto elegante. De acordo com a autora, no
programa de renovação, que tinha como intenção manter no local a população ali residente e
também atrair novos moradores e potencializar o turismo, foram utilizadas diferentes
estratégias na aplicação dos recursos públicos. Foram realizados investimentos para melhorias
urbanas, melhorias residenciais, inclusive com ampliação de casas para melhor acomodar as
famílias maiores, construção de novas moradias, auxílio ao aluguel, fomento a utilização da
mão-de-obra local e reabilitação das moradias a serem executadas pelos próprios locatários,
abrindo-lhes também a possibilidade de compra do imóvel, dentre outros.
A autora observou que muitas das características antigas do bairro permaneceram após a
sua renovação. Com o desaparecimento do comércio local, as redes comunitárias existentes
anteriormente, foram acionadas em ações de compras coletivas nos grandes mercados da
periferia da cidade. Os mais jovens levavam as provisões para os mais velhos. Também o
associativismo reivindicatório, ligado à classe operária, continuou existindo com outras lutas,
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dentre as quais, a manutenção do campo de futebol e de alguns prédios considerados cânones


da estética popular. Os moradores do bairro, especializados em serviços ligados à construção
civil, conseguiram se colocar como alternativa de mão-de-obra para o mercado local e também
para realização de serviços na municipalidade.
Com a melhoria das moradias, algumas famílias puderam alugar dormitórios para
estudantes, melhorando seus rendimentos. Com a chegada de outros perfis de famílias ao bairro
e com a convivência entre as crianças destas com as das famílias originais, melhorou a
mobilização destas últimas em torno da escola. Mudou também a organização dos orçamentos
familiares devido a gastos antes inexistentes, pois aumentou o número de serviços ligados a
moradia como aquecimento, água quente e telefone. Apesar de compensações com subsídios
de aluguel, a autora observou que alguns, em situações econômicas mais fragilizadas, tinham
temor de deixar o bairro por não conseguirem arcar com estes custos. Um dos moradores
tradicionais do bairro, entrevistado pela pesquisadora, declarou ter a sensação de que o bairro,
depois da renovação, havia perdido sua alma.
Bidou Zachariasen concluiu com suas observações que estes processos de renovação
podem desestabilizar a população que tem essencialmente sua identidade ligada a um território
tradicional empobrecido, mas que ao mesmo tempo, podem ampliar culturalmente a vida desta
população e potencializar um restabelecimento social nos tecidos urbanos degradados. (Bidou
Zachariasen, 2001)
Nuria Calver que desenvolve pesquisas sobre Barcelona, ao analisar o processo de
renovação urbana do centro histórico da Ciutat Vella e de outros bairros centrais da cidade,
verificou que mesmo que não seja possível afirmar que nestes ocorreu o processo de
gentrificação como o conceituado por Ruth Glass, houve um fenômeno por ela definido como
“gentrificação do convívio”. Neste sentido a autora afirma que, embora as famílias de classe
média que ali habitam sejam poucas e que a população de imigrantes pobres tenha sido alojada
na mesma área, quem desfruta dos restaurantes, cafés, boutiques e galerias nesses bairros
renovados é a população de classe média. Cabe salientar também que a operação de renovação
dessas áreas centrais de Barcelona, financiada por uma parceria público/privada, tinha como
intenção a diversidade social. A autora também faz referência à crescente e demasiada
valorização do preço do solo nestes bairros, o que dificulta a permanência da população pobre.
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Cattedra e Memoli, estudiosos da evolução da cidade italiana de Nápoles, fazem referência


ao “plano regulador geral” do governo socialista de Antonio Bassoloto. Este plano teve como
principal foco a transformação da imagem da cidade através da valorização de seu centro
histórico, visando o turismo e também a revalorização da cultura local por parte da própria
população napolitana.
Historicamente, esta região da cidade havia conhecido a diversidade social, com diferentes
classes vivendo em proximidade. Nas últimas décadas, assim como ocorreu em outras tantas
cidades, com o fenômeno da periurbanização, apenas as camadas populares permaneceram no
bairro. Em poucos anos, esta operação de “renascimento” proporcionou o restauro de edifícios,
ruelas, espaços públicos e também o surgimento de novas funções no bairro. Segundo os
autores, embora o programa tenha conseguido atingir muitos dos seus objetivos, dentre os
quais o de diversificação funcional e de reconstrução da identidade local, a intenção de atrair as
classes médias para o bairro, certamente trouxe consigo a problemática da gentrificação.
Na Cidade do México o autor Daniel Hiernaux analisou o fenômeno da gentrificação como
parte integrante da política pública de valorização do antigo centro histórico da cidade,
declarado pela UNESCO, em 1984, patrimônio histórico da humanidade. A partir do final do
século XIX, o centro histórico da cidade, com suas grandes mansões em estilo colonial,
residências de famílias abastadas, foi paulatinamente abandonado por seus moradores. Essas
famílias abastadas se transferiram para bairros periféricos no estilo americano e, nas palavras
do autor, “o centro histórico foi então recuperado pelas classes populares”. Com esta
mudança social, implantaram-se também no centro, comércios populares e vendedores
ambulantes.
Após 1984, o poder público local em parceria com a iniciativa privada, na perspectiva de
atrair para o centro histórico declarado patrimônio mundial, instituições de caráter cultural,
turistas e a população das classes médias e superiores, deu início a ações voltadas para
reabilitação de várias edificações de valor arquitetônico. Estas ações faziam parte do “Plano
Estratégico para a Regeneração e o Desenvolvimento Integral do Centro Histórico do México”
que, de acordo com Helene Revière d’Arc, foi inspirado nas experiências francesas e italianas.
Segundo Daniel Hiernaux, passados alguns anos da implantação dessas ações, a imagem do
centro está mudando e com isso começam a surgir novos restaurantes e lojas mais sofisticadas.
O autor afirma que foi possível verificar a ocorrência do processo de gentrificação ligado à
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visitação e à freqüência, produzido pela presença dos turistas, não identificando, até então, a
gentrificação residencial.
Helene Rivière d’Arc analisou o caso de revitalização urbana nos bairros da Sé e
República, na cidade de São Paulo e constatou que as recomendações do projeto proposto pela
administração municipal de Marta Suplicy e financiado pela poder público em conjunto com o
setor associativo, ONG(s) e empreendedores privados, muito tinham haver com aquelas
contidas no Plano Estratégico para a Regeneração e o Desenvolvimento Integral do Centro
Histórico do México. Dentre as principais medidas estavam o restauro e reciclagem de imóveis
de interesse histórico degradados, a requalificação dos espaços públicos, o favorecimento das
atividades ligadas à cultura e ao turismo e a implantação de moradias para diferentes classes
sociais.
A história destes dois bairros se inicia na década de trinta do século XX, quando se
tornaram centro administrativo e de negócios da grande metrópole e local de moradia da classe
média. Devido ao processo de periurbanização também ocorrido em São Paulo, esses bairros
diminuíram significativamente o número de população e também foram ocupados pela
população de baixa renda e pelo comércio popular. Em sua análise, a autora observou que as
medidas de revitalização propostas são claramente um apelo a que as famílias de melhor renda
residam ou pelo menos freqüentem estes bairros e que desta forma, a ideologia da gentrificação
também está presente no referido plano. (Bidou Zachariasen, 2006)
Como pôde ser constatado nas experiências de revitalização de centros urbanos
apresentadas, o fenômeno da gentrificação esteve presente em todas as iniciativas. Umas mais
intensamente, pois como afirmou Smith, a gentrificação é intenção implícita das ações de
revitalização de centros urbanos e outras menos, como é o caso da experiência de Amiens, em
que o poder público local procurou criar políticas compensatórias para minimizar o fenômeno.
Também chama atenção que, além de diferentes intensidades, a gentrificação incide de
diferentes formas, dentre as quais podemos citar a residencial, a de convívio, de visitação e
freqüência.
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4. Considerações Finais

Verificou-se que, de modo geral, todos os processos de revitalização urbana apresentados,


provocaram mudanças nas estruturas físicas dos bairros, garantindo a integridade de
edificações e espaços públicos até então degradados. Certamente preservar esse patrimônio
material é fundamental para potencializar a utilização de estruturas subutilizadas e
salvaguardar a história de nossas cidades. Proporcionar aos cidadãos conhecer suas origens é
pré-requisito para a compreensão de “quem são” e para projetarem “para onde irão.”
De outra sorte, também é fato que, quando da implantação das ações de revitalização, não
ocorre da mesma forma a preocupação e o cuidado com a manutenção dos antigos moradores e
com a preservação da identidade cultural existente nestes bairros. Muito antes pelo contrário,
constatou-se nas experiências apresentadas, a intenção implícita de expulsão das camadas
populares e, por consequência, de seus modos de vida e atividades. Se ruas, prédios e praças
estruturam o bairro, suas atividades, usuários e moradores os enchem de vida e sentido. Ao
transformar completamente as estruturas sociais estabelecidas corre-se o sério risco de produzir
“bairros cenários”, vazios de atores e frequentados apenas por meros espectadores.
A aplicação de recursos públicos em ações geradoras de gentrificação em centros urbanos é
constatada principalmente em médias e grandes cidades em diferentes partes do mundo. É
preciso pensar, estruturar e implantar projetos de revitalização urbana e preservação do
patrimônio de valor histórico e arquitetônico que não gerem exclusão e homogeneização social
nos tecidos urbanos, mas que integrem e contemplem diferentes classes sociais e seus modos
de vida. Os gestores públicos, permanentemente pressionados pela lógica do mercado, têm o
desafio de produzirem políticas que sirvam de antídoto à gentrificação.

Referências

BIDOU ZACHARIASEN, Catherine. Introdução. De Volta à cidade: dos processos de


gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Annablume,
2006. (pp. 21-54)
BIDOU ZACHARIASEN, Catherine. Rénovation Urbaine et Estratégies familiales: une
etude de cas. In: Sociétés Contemporaines, nº 17, 1994. (pp. 11-27)
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HAMNETT, Chris. Les aveugles et l’éléfant: l’explication de la gentrification. In: Strates


nº 9, 1996-97. (pp. 58-78)
SMITH, Neil. A gentrificação generalizada: de uma anomalia local à “regeneração” urbana
como estratégia urbana global. São Paulo: Annablume, 2006. (pp. 59-85)

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