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Primórdios do jornalismo diversional no Brasil:

uma introdução à luz de desacordos1

ASSIS, Francisco de (Mestre)2


Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP

Resumo: O jornalismo, em âmbito universal, compreende diferentes formas de organização, tanto que no que diz
respeito a seu conteúdo, quanto no que tange à sua forma. Historicamente, a atividade sempre foi se reinventando – ou
se aperfeiçoando – para tender às demandas da sociedade, também em constante transformação, e para acompanhar as
próprias mudanças do cenário comunicacional. É por isso que pensar a questão dos gêneros jornalísticos exige
considerar que suas características também evoluíram, ao longo do tempo, incorporando elementos que ultrapassam a
fronteira que separa informação e opinião, hegemônica desde o século 18. Na intenção de reconstituir fragmentos da
história do jornalismo brasileiro – exercício ainda bastante considerável, uma vez que o passado da imprensa nacional
ficou, durante muito tempo, entregue ao esquecimento –, este texto tenciona diferentes ideias a respeito da origem do
jornalismo diversional no país. Recorrendo à pesquisa bibliográfica como técnica de pesquisa, o trabalho busca
estabelecer um diálogo entre os principais autores que destacam a introdução, em jornais do país, de uma classe de
textos que prima pelo aspecto estilístico, em detrimento da informação dita objetiva.

Palavras-chave: história do jornalismo; gêneros jornalísticos; jornalismo diversional; jornalismo brasileiro.

A título de introdução
Estamos preparando uma tese de doutorado sobre a prática do jornalismo diversional em
diários brasileiros. O tema é instigante e desafiador. Instiga porque pressupõe, logo de início,
reconhecer que os gêneros jornalísticos ultrapassam os limites pretensiosamente rígidos impostos ao
trabalho dos jornalistas, no curso da história, especialmente pelos Estados Unidos e por sua
imprensa rigorosamente objetiva (LINS DA SILVA, 1991, p. 89). Por outro lado, desafia porque a
terminologia “diversional” – adotada em conformidade com a nova classificação de José Marques
de Melo (2010a)3 a respeito dos gêneros – não é comungada por todos os autores que tratam do

1 Trabalho apresentado no GT de História do Jornalismo, integrante do 8º Encontro Nacional de História da Mídia,


realizado na Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro), em 2011.
2 Doutorando e Mestre em Comunicação Social e Especialista em Jornalismo Cultural pela Universidade Metodista de
São Paulo (Umesp). Jornalista formado pela Universidade de Taubaté (Unitau) e pesquisador do Núcleo de Pesquisa
e Estudos em Comunicação (Nupec), na mesma instituição. Membro do grupo Pensamento Comunicacional Latino-
Americano, vinculado à Cátedra Unesco/Metodista de Comunicação para o Desenvolvimento Regional. Vice-
coordenador do GP Gêneros Jornalísticos, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
(Intercom). e-mail: francisco@assis.jor.br
3 José Marques de Melo tem se dedicado ao estudo sistemático dos gêneros jornalísticos desde o início de sua vida
acadêmica, ainda enquanto aluno de graduação, na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), na década de
1960, quando analisou a crônica policial em jornais de Recife (PE), orientado por Luiz Beltrão. Mas sua incursão
mais significativa nesse terreno se deu no início da década de 1980, com sua tese de livre-docência, transformada
em livro (MARQUES DE MELO, 1985; 1994; 2003), na qual ele propõe uma classificação para os gêneros,
separando-os em informativo e opinativo. No final da década de 1990, o professor retomou as discussões, inserindo

1
mesmo fenômeno, como veremos no decorrer desta comunicação, e também porque é bem difícil
estabelecer parâmetros para observar tal prática.
Nosso maior interesse, na pesquisa doutoral, é desvendar os fatores motivacionais que levam
jornalistas e jornais à produção do gênero em questão. Devemos confessar, portanto, que não
tratamos, em nosso projeto, especificamente de discussões históricas; porém, não desconsideramos
que retroceder no tempo, para observar momentos singulares da trajetória da imprensa brasileira –
nosso território de observações –, oferece-nos a possibilidade de delinear melhor nossas hipóteses e,
até mesmo, ajuda-nos a interpretar os dados que iremos colher junto às redações que compõem o
corpus da investigação.
Por isso mesmo, aproveitamos a deixa desse estágio da pesquisa para elaborar este texto, na
intenção de compartilhá-lo com os colegas pesquisadores da área de jornalismo, durante o 8º
encontro da Alcar (Associação Nacional de Pesquisadores em História da Mídia), que já
acostumamos chamar de Rede Alcar. É nossa intenção, com isso, tentar organizar as principais
discussões sobre os primórdios do jornalismo diversional no Brasil, identificando critérios que
sejam suficientes para apontar de que maneira e por que sujeitos tal gênero foi instituído no país.
O procedimento coerente a essa proposta é, evidentemente, a pesquisa bibliográfica, à qual
recorremos, fazendo uso de diferentes fontes, tais como livros, artigos publicados em periódicos
científicos, papers divulgados em anais de eventos e outros textos localizados na internet. Mesmo
com essa variedade de materiais, cabe advertir que os indícios aqui registrados não devem ser
considerados como totalizadores. É possível que existam outras visões a respeito desse cenário, as
quais não foram contempladas na leitura que aqui nos propusemos a expor.
Como já dissemos e como iremos reforçar em vários momentos, a concepção do “gênero
diversional” e, consequentemente, o uso de tal nomenclatura não suscitam acordos entre aqueles
que se inclinam sobre a questão. Portanto, levamos em consideração até mesmo aqueles autores que
não adotam o termo “diversional” em seus textos. Organizamos, assim, um debate a partir de
múltiplas perspectivas acerca do mesmo fenômeno, ainda que nem todas concebam ou adotem a
mesma conceituação por nós defendida.

Mas o que é o jornalismo diversional?


Dentre os muitos aspectos característicos aos processos jornalísticos, os quais podem servir
como norteadores para entender o trabalho da imprensa, um ponto nos parece fundamental: a

novos itens em sua classificação, mas ainda mantendo a divisão entre gêneros informativos e opinativos, os quais
foram evidenciados em ampla pesquisa comparativa aplicada em jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro
(MARQUES DE MELO & QUEIROZ, 1998). A partir dessas observações e de extensas revisões bibliográficas que
consideraram autores nacionais e internacionais, ele chegou a uma nova classificação, que compreende a ideia de
gêneros e formatos, atribuindo, a esse primeiro foco, cinco classes: informativo, opinativo, interpretativo,
diversional e utilitário (MARQUES DE MELO & ASSIS, 2010).

2
percepção de que o jornalismo não é feito apenas de conteúdos exclusivamente informativos
(TEMER, 2007, p. 50), considerados objetivos (LAGE, 2001, p. 34), que não expõem
interpretações, percepções ou julgamentos dos repórteres. Sem dúvida, a base do jornalismo, como
já alertava Luiz Beltrão (1980, p. 13), em seus primeiros ensaios acadêmicos, está na informação.
Mas isso não quer dizer que ela esgota as demais possibilidades dessa atividade. Ao contrário,
subsidia outras formas de expressão construídas jornalisticamente.
A própria disposição dos gêneros revela várias finalidades. Na classificação que adotamos,
formulada por José Marques de Melo (2010a), estão sinalizadas cinco funções (informar, opinar,
interpretar, divertir, ser útil), formalizadas nos gêneros informativo, opinativo, interpretativo,
diversional e utilitário. Aqui, como explicamos, vamos nos deter ao jornalismo diversional.
Beltrão (1980, p. 13-14) já reconhecia que a diversão se constitui como um caractere do
jornalismo. Não se trata, todavia, da mesma diversão jocosa que produtos de entretenimento
ficcionais e lúdicos – tais como filmes, telenovelas, jogos, programas de auditório, entre outros –
oferecem à sociedade. O termo mais adequado, talvez, fosse “passatempo”. Afinal, segundo
definição do próprio autor, esse tipo de jornalismo pode ser “um meio de fuga às preocupações do
quotidiano ou costumeiro, uma pausa no ramerrão, um preenchimento dos lazeres com algo
reparador do dispêndio de energias reclamado pela própria atividade vital de informar-se”.
A obra de Luiz Beltrão não explora o assunto em sua plenitude. Considerações adicionais
foram feitas, ocasionalmente, por alguns poucos que levantaram a questão, como Mário Erbolato
(2006, p. 44) – para quem o jornalismo diversional, em resumo, oferece “textos de muito agrado”,
abordando temas que, em geral, “eram sempre apresentados com aridez ou através de construções
estereotipadas e formais, despidas de interesse” – e os responsáveis por uma pequena coletânea
intitulada Jornalismo Diversional (MUGGIATI et al., 1971), publicada pela Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), com capítulos escritos por
jornalistas estrangeiros, traduzidos para o português, e por um brasileiro. Além desses, outros
pesquisadores mencionaram ou discutiram o gênero, mas também não chegaram a avançar na
discussão. Marques de Melo (2003, p. 34) foi quem caminhou um pouco além, explicando que

a natureza diversional desse novo tipo de jornalismo está justamente no resgate das formas
literárias de expressão que, em nome da objetividade, do distanciamento pessoal do
jornalista, enfim, da padronização da informação de atualidade dentro da indústria cultural,
foram relegadas a segundo plano, quando não completamente abandonadas. [...] O interesse
do leitor por essas produções jornalísticas está menos na informação em si, ou seja, na
essência do fato narrado, do que nos ingredientes de estilo a que recorrem seus redatores,
despertando o prazer estético, em suma, divertindo, entretendo, agradando.

Portanto, este trabalho parte do pressuposto de que há, entre as classes dos textos praticados
pela imprensa, um gênero que prima muito mais pelo estilo (pela estrutura da narrativa) do que,
propriamente, pela informação. Isso não quer dizer que desconsideremos que ali haja dados

3
precisos, apurados, enfim, informativos. O que se quer reforçar é que a tônica dessas matérias não
está no fato novo trazido à tona (muitas vezes, o fato nem é tão novo assim), mas, sim, nos aspectos
próprios do texto. Sua característica básica, por isso, é a escrita jornalística construída com recursos
comuns à escrita literária.
É a esse gênero, pautando-nos pela classificação proposta por Marques de Melo (2006b;
2010a), que atribuímos o nome de diversional, muito embora saibamos que há outros sinônimos –
às vezes, utilizados de modo equivocado – para a mesma prática, como “novo jornalismo”,
“literatura da realidade”, “escrita criativa de não-ficção”, “literatura do fato”, “jornalismo
narrativo”, “jornalismo de livros”, “jornalismo degustativo”, “narrativa jornalística”, “jornalismo
informativo de criação”, “parajornalismo” e “jornalismo literário” (CARVALHO & PASSOS, 2008,
p. 68), sendo esse último, muito provavelmente, o mais conhecido ou mais bem aceito.
Há de se levar em conta, também, que outros autores se reportam a essa esfera com
nomenclaturas que não pretendem definir um possível gênero, mas que reforçam sua singularidade,
como é o caso da expressão “jornalismo além da fórmula”, adotada por Jorge Ijuim (2010) – como
veremos na sequência –, na intenção de apontar os conteúdos que não se apegam aos padrões de
objetividade apregoados principalmente pelos EUA e que se configuram como prática de mais
agrado (tanto para o jornalista quanto para o leitor).
Todos esses conceitos ou essas maneiras de enxergar um dado produto jornalístico referem-
se, de certo modo, à natureza do gênero diversional. É claro que sempre há divergências de
posicionamentos, as quais justificam a vigência de diferentes conceituações; mas, se analisarmos os
elementos identificados por cada um deles, veremos que todos tratam de um jornalismo que
ultrapassa a frieza da notícia, publicada com a nítida finalidade de trazer determinado fato novo à
tona. Todos “falam”, portanto, do jornalismo que carrega a essência do que denominamos gênero
diversional.
Ainda é bom esclarecer que, na classificação original que adotamos como base em nossa
pesquisa, há registro da subdivisão do gênero em dois formatos: “história de interesse humano” e
“história colorida” 4. Recentemente, pautado por pesquisa realizada por Lailton Costa (2008),
Marques de Melo (2010a, p. 34) acrescentou às suas observações mais um formato – “história de
viagem” –, que, segundo ele, “tem todas as características do gênero diversional”.

4 As características dos formatos são as seguintes: 1) História de interesse humano: “Narrativa que privilegia facetas
particulares dos “agentes” noticiosos. Recorrendo a artifícios literários, emergem dimensões inusitadas de
protagonistas anônimos ou traços que humanizam os ‘olimpianos’. Apesar da apropriação de recursos ficcionais, os
relatos devem primar pela ‘verossimilhança’ sob o risco de perder a ‘credibilidade’. Destina-se a preencher os
espaços ociosos dos aficionados por relatos jornalísticos”; 2) História colorida: “Relatos de natureza pictórica,
privilegiando tons e matizes na reconstituição dos cenários noticiosos. Trata-se de uma leitura impressionista, que
penetra no âmago dos acontecimentos, identificando detalhes enriquecedores, capazes de iluminar a ação de agentes
principais e secundários. Não obstante a presença do repórter no cenário noticioso, ele se comporta como um
‘observador distante’, enxergando detalhes não perceptíveis a olho nu” (MARQUES DE MELO, 2006a).

4
Aceitamos tal classificação como proposta taxonômica. É de nosso entendimento que, na
prática profissional, no dia a dia das redações, é muito pouco provável que um jornalista lance mão
de tais conceitos e/o nomenclaturas. Costa (2008, p. 51), aliás, reforça tal fato em seu trabalho, ao
dizer que “o editor, ao tratar a pauta da matéria com o repórter, pode indicar uma ‘reportagem’ sobre
um fato – poderá sugerir, para humanizar o relato, um ‘perfil’ de um personagem, por exemplo, mas
não pedirá – quiçá raramente peça – para escrever uma ‘história colorida’”. Por outro lado,
reconhecemos que a categorização científica dos gêneros jornalísticos ajuda a traçar alguns
panoramas sobre a realidade da imprensa, como exposto anteriormente.

Ideias divergentes
O primeiro impasse para localizar a implantação do jornalismo diversional no Brasil é,
justamente, o aspecto temporal. Há, pelo menos, três versões: uma que a localiza no início do
século 19, com o próprio nascimento da imprensa brasileira (MARQUES DE MELO, 2010b); outra
que a situa no final daquele século, principalmente por conta da atuação de repórteres na elaboração
de extensas reportagens ou de crônicas5, algumas transformadas em livros (BULHÕES, 2007;
IJUIM, 2010; LIMA, 2010), ou em razão de literatos ocuparem boa parte das redações de jornais
impressos (PENA, 2006; MARTINEZ, 2009); e, por fim, uma terceira, que identifica seu advento,
no cenário nacional, durante a segunda metade do século 20 (FARO, 1999; JORGE, 2008).
Em texto recente, José Marques de Melo (2010b, p. 1-2), um dos poucos a utilizar a
denominação jornalismo diversional, defende que no primeiro jornal brasileiro6, o Correio
Braziliense (1808-1822), Hipólito da Costa7 – seu proprietário, redator e editor8 – já praticava o
gênero. Tal constatação se deu a partir da interpretação que o autor fez das considerações de Carlos

5 Parece tendência, entre alguns pesquisadores brasileiros, tratar da crônica como junção do jornalismo com a
literatura, associando-a ao jornalismo literário, o qual, neste trabalho, compreendemos como sinônimo de jornalismo
diversional. Porém, devemos esclarecer que, de acordo com a classificação de Marques de Melo (2003, p. 149), a
crônica é formato do gênero opinativo, embora tenha como característica “a feição de relato poético do real”.
6 A imprensa brasileira foi implantada, oficialmente, em 13 de maio 1808, cinco meses após a chegada da família real
portuguesa ao país (à época, colônia portuguesa). O primeiro jornal a ser produzido no território nacional foi a
Gazeta do Rio de Janeiro, editada a partir de 10 de setembro daquele ano, semelhante à Gazeta de Lisboa, órgão
oficial da coroa de Portugal, fundado em 1715 (MEIRELLES, 2008, p. 30). Meses antes, no entanto, um jornal
editado em Londres, intitulado Correio Braziliense, cuja primeira edição data de junho de 1808, começou a circular
“clandestinamente” pelo país – isso, conforme a versão oficial dos fatos, uma vez que há autores que consideram
praticamente impossível uma publicação ter sido editada e importada, de modo clandestino, por 14 anos. De
qualquer maneira, aquele periódico é considerado, atualmente, como primeiro jornal brasileiro.
7 Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823) nasceu na colônia do Sacramento (hoje, Uruguai),
que se constituía, à ocasião, em “território luso-brasileiro”. Em 1792, foi cursar o ensino superior na Universidade
de Coimbra. Pelo que se sabe, nunca mais retornou ao Brasil. Chegou a Londres em 1805, fugido de Portugal, onde
havia sido preso pelo Santo Ofício; ali, então, produziu o Correio Braziliense (MARQUES DE MELO, 2005, p. 17-
20). Desde o ano 2000, ostenta o título de patrono da imprensa brasileira, honra que lhe foi atribuída pelo Congresso
Nacional.
8 É bom lembrar que o jornal de Hipólito da Costa era bastante diferente das publicações periódicas que conhecemos,
nos dias de hoje. Primeiro porque tinha forma de livro. E, depois, porque se tratava do jornal de uma só voz, ou seja,
era todo elaborado por uma só pessoa, contando com raras colaborações.

5
Rizzini9, considerado um dos principais articuladores da história da imprensa no Brasil. Atento à
descrição feita pelo historiógrafo, a respeito daquela folha, ele chegou a essa conclusão:

Se fizermos um breve exercício de análise factual, aí identificaremos os protótipos dos


gêneros legitimados contemporaneamente: informativo (relato dos grandes
acontecimentos), opinativo (denúncias, críticas e libelos), interpretativo (mapas, cartas,
relatórios), utilitário (tabelas e estatísticas de moedas, preços de mercadorias, movimento
portuário) e diversional (informações literárias).

Ao apontar que a “configuração espacial” dos gêneros está embutida “na estrutura dos
jornais pioneiros”, Marques de Melo mostra que, muito embora a análise sistemática desse objeto
tenha sido motivada a partir da década de 195010, o fenômeno é bem antigo. Todavia, apesar de
identificar traços que considera como vestígios das primeiras experiências do gênero diversional no
país, o mesmo autor também parte na defesa de que é somente no século 20 que esse gênero – assim
como o interpretativo e o utilitário – se consolida, apresentando-se como “um segmento de natureza
emotiva e hedonística, nutrido pela civilização do ócio” e tendo “identidade vacila entre o mundo
real e a narrativa imaginária” (MARQUES DE MELO, 2010b, p. 3).
Percepção menos solitária do que essa é a de que o jornalismo diversional aparece na
imprensa brasileira no final do século 19. Mônica Martinez (2009, p. 210), por exemplo, afirma que
aquele é o período em que “a profissão jornalística estava em formatação e parte do material
jornalístico era feita por escritores”. A época também é mencionada por Felipe Pena (2006, p. 21):
ao perceber que há várias definições para jornalismo literário – aqui, compreendido como sinônimo
do gênero que classificamos como diversional – e ao vislumbrar vários períodos que podem melhor
caracterizá-lo, ele reconhece que o fim do século 19 é um trecho da história do jornalismo
observado com especial atenção por alguns autores, por ser a era em que “escritores assumiram as
funções de editores, articulistas, cronistas e autores de folhetins”, em muitos veículos impressos.
De fato, esses pesquisadores estão corretos ao afirmar que os últimos anos do século
retrasado foram, no cenário da imprensa, caracterizados pelo elo entre jornalismo e literatura,
mesmo que isso pudesse não representar a prática de um jornalismo diversional. Em outras
palavras, a relação entre jornal e produção literária realmente configurou um período da história da
imprensa, mas muito mais porque era nos jornais que os escritores publicavam seus textos de ficção
– nos folhetins, por exemplo – do que, propriamente, porque pudesse haver um jornalismo com
traços de literatura. É sempre bom reforçar e/ou relembrar que a condição sine qua non da prática
jornalística é sua relação com a verossimilhança dos fatos narrados, não sendo admissível, em

9 Jornalista e pioneiro dos estudos de mídia no Brasil, Carlos de Andrade Rizzini nasceu em Taubaté (SP), aos 25 de
novembro 1898. O livro de sua autoria, citado por Marques de Melo, é Hipólito da Costa e o Correio Braziliense,
publicado em 1957, uma biografia do primeiro jornalista e do primeiro jornal do Brasil.
10 Os pesquisadores que se dedicam ao estudo dos gêneros jornalísticos atribuem a “paternidade” desse foco de
investigação ao parisiense Jacques Kayser (1900-1963), cofundador do Instituto Francês de Imprensa. No início
década de 1950, ele foi responsável pela sistematização dos primeiros estudos de jornalismo comparado, nos quais
privilegiava a observação dos jornais em duas dimensões: forma e conteúdo.

6
qualquer hipótese, o rompimento da fronteira que separa o relato dos acontecimentos reais do relato
ficcional.
Mas se a questão levantada por Martinez e por Pena gera dúvidas, Jorge Kanehide Ijuim
(2010), Marcelo Bulhões (2007) e Edvaldo Pereira Lima (2010) esclarecem a polêmica,
identificando personagens singulares dessa história e as ações por eles protagonizadas.
Incomodado com o “desprezo às experiências brasileiras”, em relação àquilo que intitula
“jornalismo além da fórmula”, Ijuim (2010, p. 8) advoga pelo reconhecimento da atuação de dois
jornalistas-escritores que, no trânsito do século 19 para o século 20, produziam textos, para os
jornais do Sudeste do país, que já apresentavam as características que anteriormente anotamos como
próprias do jornalismo diversional: Raul Pompéia11 e João do Rio12, os quais, “cada um em seu
tempo e à sua maneira, souberam contar histórias do cotidiano, com leveza, poesia, crítica e
ousadia, ao mesmo tempo”.
Nas considerações de Jorge Ijuim (2010, p. 7-8), Pompéia é reverenciado por ter contribuído
“com o estabelecimento do que conhecemos como um gênero jornalístico genuinamente brasileiro –
a crônica”; João do Rio, por sua vez, é visto como alguém que “rompeu com a imprensa constituída
no século XIX para inaugurar uma nova fase: a reportagem” e que soube transformar “suas crônicas
em reportagens, porque foi às ruas para buscá-las”. Aliás, essa é a mesma percepção de Marcelo
Bulhões (2007, p. 84), que discute a influência que esse segundo jornalista exerceu numa nova
organização dos gêneros jornalísticos praticados pela imprensa nacional, na época já mencionada;
diz ele que João do Rio produziu “uma obra jornalística afeita às demandas comerciais que se
anunciavam, fornecendo ao público apelos de curiosidade em reportagens de feição narrativa e com
ingredientes típicos de ficção”.
Ainda a respeito da belle époque tropical13, Edvaldo Pereira Lima (2010, p. 66) acha justo
enaltecer o trabalho daquele que, possivelmente, foi o autor do primeiro livro-reportagem14

11 Raul d’Ávila Pompeia nasceu em 12 de abril de 1863, em Angra dos Reis (RJ). Residente na cidade do Rio de
Janeiro desde menino, destacava-se, no Colégio Abílio, como bom desenhista e caricaturista. Em 1880, publicou seu
primeiro romance: Uma tragédia no Amazonas. Oito anos depois foi a vez de O Ateneu, que lhe consagrou como
escritor. O livro é considerado o único romance impressionista da literatura brasileira. Pompéia morreu na capital
fluminense, em 25 de dezembro de 1895.
12 João do Rio era o pseudônimo de João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto, nascido no Rio de
Janeiro, em 5 de agosto de 1881, e morto em 23 de junho de 1921, na mesma cidade. É considerado um dos
primeiros brasileiros a se profissionalizar no campo do jornalismo, representando um novo tipo de jornalista que
começou a aparecer na imprensa brasileira no início do século 20. Isso porque, até então, o exercício do jornalismo –
feito, em geral, por intelectuais – era uma atividade exercida nas horas vagas, um ofício encarado como “bico”.
13 A belle époque (bela época, em francês) foi um período de cultura cosmopolita, da história da Europa, que começou
no final do século 19 e durou até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Tratou-se de um momento de
efervescência intelectual e artística. A belle époque brasileira, também conhecida como belle époque tropical, teve
início na mesma época, intensificando-se durante o mandato do primeiro presidente da República do Brasil,
Deodoro da Fonseca, no final de 1889. O novo regime (republicano) desejava inaugurar uma nova cultura,
minimizando as marcas do império e da colonização portuguesa.
14 Edvaldo Pereira Lima (2004, p. 26) define livro-reportagem como “veículo de comunicação impressa não-periódica
que apresenta reportagens em grau de amplitude superior ao tratamento costumeiro nos meios de comunicação

7
publicado no Brasil: trata-se de Euclides da Cunha15, engenheiro militar que, em 1897, foi enviado
pelo O Estado de S.Paulo para o interior da Bahia, com a missão de cobrir o episódio da história do
país que ficou conhecido como Guerra de Canudos16.
Euclides não foi sozinho para sertão nordestino. Acompanhou uma comitiva formada por
jornalistas de oito grandes jornais nacionais, que viajaram em companhia do Exército. Portanto, o
trabalho de apuração e relato dos fatos ocorridos na comunidade de Canudos não foi exclusividade
dele; o que fez seu trabalho ser notado até hoje foi, de certo, a forma que conseguiu dar a seus
textos, como explica Lima (2010, p. 66-67):

Seus textos tinham dramaticidade e autoria. Em lugar de limitar-se aos fatos, procurava
compreender as linhas subterrâneas de forças que tinham moldado o episódio de Canudos.
Queria compreender a psicologia dos sertanejos, os seguidores de Conselheiro, procurando
estabelecer uma ligação determinante entre seu temperamento e as condições do local. [...]
Enquanto os demais correspondentes limitavam-se a acompanhar a tropa, ouvindo apenas
seus comandantes e os líderes republicanos que apoiavam a expedição militar, Euclides foi
aos poucos abandonando a visão oficial do episódio, passando a pesquisar por conta
própria, a observar muito, a interagir com os sertanejos, produzindo uma narrativa realista,
que colocava em perspectiva um contexto ambiental, histórico, político e social, tudo
apoiado por personagens tragicamente reais. Os leitores do jornal não sabiam então, mas
estavam testemunhando a primeira manifestação de jornalismo literário no Brasil, nessa
versão primitiva, mas importante historicamente pelo seu pioneirismo.

Continuando a percorrer a linha do tempo, percebemos, em meados do século 20, mais um


foco de discussões sobre a implantação do gênero diversional no Brasil. O próprio Marques de
Melo (2006b), em material anterior àquele já citado, afirma que o jornalismo diversional “surge no
pós-guerra como contingência do jornalismo, no sentido de sobreviver num ambiente midiático
dominado pelo entretenimento”. Sua defesa é a de que “a ascensão do show business contamina a
produção jornalística, introduzindo ao resgate de certas formas de expressão que mimetizam os
gêneros ficcionais, embora os relatos permaneçam ancorados na realidade”. Embora, nesse texto
original, o autor não se refira exclusivamente ao Brasil, o momento descrito por ele coincide com o
que J. S. Faro (1999) e Taïs de Mendonça Jorge (2008) identificam como ocasião de apogeu da
revista Realidade17.

jornalística”. O mesmo autor reconhece, em obra recente, que Euclides da Cunha aproveitou “sua experiência de
Canudos para escrever um livro monumental, lançado em 1902, que iria definitivamente sacudir a literatura
brasileira [...]. Trata-se de Os Sertões, um trabalho de não-ficção, no qual aproveitou muitas das suas anotações de
correspondente de guerra, inclusive cenas de batalha [...]. Então, sim, com a fama de Os Sertões causando
polêmicas na intelectualidade brasileira, descobre-se que lá atrás, nos despachos de um obscuro correspondente de
guerra, estavam as sementes de um estilo de jornalismo até então desconhecido no país” (LIMA, 2010, p. 70-71).
15 Euclides Rodrigues da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), em 20 de janeiro de 1866. Faleceu na cidade do Rio de
Janeiro, em 15 de agosto de 1909, assassinado pelo amante de sua esposa.
16 A Guerra de Canudos (ou Campanha de Canudos) foi um confronto entre o Exército do Brasil e integrantes de um
movimento popular, de fundo sociorreligioso, liderado por Antônio Conselheiro (1830-1897), no arraial de Canudos,
interior da Bahia. Durou de 1896 a 1897. Retratado como louco, fanático religioso e contrarrevolucionário,
Conselheiro era o líder espiritual daquele vilarejo, atraindo, para lá, milhares de sertanejos, camponeses, índios e
escravos recém-libertos. Estima-se que os conflitos tenham culminado na morte de 20 mil sertanejos e de 5 mil
militares.
17 Realidade foi lançada em 1966, pela Editora Abril. Apesar de ter circulado até 1976, seu projeto inicial só durou até

8
Após ter estudado as características daquela revista em sua tese de doutoramento, Faro
(1999, p. 511) assegura que sua criação – em 1966 – se deu num momento político-cultural
determinado, que “representou um desafio para a linguagem jornalística. A diversidade de
movimentos que caracterizaram a época parece ter colocado em xeque todo o arcabouço mítico
formado pelos padrões de objetividade em torno dos quais opera o gênero informativo”. Desse
modo, reconhece o autor que as características dos textos de Realidade são fruto de uma conjuntura
específica, que permitiu “o rompimento com a narrativa convencional e a introdução de elementos
que vinham marcados pela verossimilhança e por seu sentido ficcional, instrumentos que
asseguravam a apropriação do caráter diverso e multifacético do real” (FARO, 1999, p. 513).
Faro (1999, p. 513) também procura deixar claro que o “método” de trabalho de Realidade –
que culminava em textos de característica estética próxima à da literatura – não era novo na
imprensa brasileira. Mas também reconhece que se tratava de “codificação semelhante” à do
fenômeno denominado new journalism18, “que teve nos Estados Unidos o ponto inicial para sua
elaboração: um estilo de reportar que associava elementos informativos à narrativa ficcional da
novela norte-americana”.
Quando à questão do gênero, é bom dizer que, embora anote as características essenciais do
jornalismo diversional como intrínsecos à produção da revista, Faro diz que as matérias de
Realidade se configuravam como reportagens19, mesmo que com feições bem mais amplas do que
“o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu
alterações que já são percebidas pela instituição jornalística”, defendido por Marques de Melo
(2003, p. 66). Entende ele, portanto, que, em razão da “conjuntura político-cultural do país, no
período indicado”, a publicação reinventou o “gênero reportagem”, o qual, por sua própria natureza,
“permite ao jornalista superar os limites impostos pelos padrões de conteúdo e de linguagem da
objetividade informativa” (FARO, 1999, p. 512).
Argumentos semelhantes são os de Jorge (2008, p. 69), que também se refere ao
aperfeiçoamento da reportagem, na metade do século 20, em resposta às demandas suscitadas pelos
próprios avanços nos meios de comunicação:

1968, sendo inibido pela censura importa pela ditadura militar. Isso porque ele consistia na publicação de extensas
matérias, sobre assuntos polêmicos, as quais eram apuradas, muitas vezes, durante mais de um mês. Sua fase mais
reconhecida, portanto, de 1966 a 1968, foi caracterizada por abordagens criativas e ousadas, textos escritos em
primeira pessoa, fotos que permitiam perceber a existência do fotógrafo e projeto gráfico pouco tradicional.
18 O new journalism é considerado uma revolução da imprensa dos Estados Unidos, e teve seu início entre as décadas
de 1950 e 1960 (embora haja algumas controvérsias quanto ao seu provável começo. Não chegou a ser um
movimento formal, pois os repórteres não o promoveram de maneira organizada; pode-se dizer que agiam mais de
maneira intuitiva. Classificado como “literatura de não-ficção”, caracterizou-se por misturar a narrativa jornalística
com a literária. Como exemplos de repórteres daquele país que apostaram suas fichas em uma narrativa que, embora
verídica, se apóia em recursos literários, podem ser citados os nomes de John Hersey (1914-1993), Truman Capote
(1924-1984), Tom Wolfe (1931-), Joseph Mitchell (1908-1996) e Gay Talease (1932-).
19 A questão da reportagem está longe de ser encerrada ou de estabelecer um consenso, por uma série de fatores,
alguns dos quais trataremos em nossa tese. Todavia, é preciso reforçar, aqui, que de acordo com a classificação de
Marques de Melo (2010a), a qual adotamos como modelo, a reportagem é um dos formatos do gênero informativo.

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Com a televisão, na década de 1950, e o aperfeiçoamento dos processos de transmissão de
notícias e da fotografia, os jornais melhoraram o padrão, sugiram novos estilos de fazer
jornalismo. Os veículos impressos inauguraram departamentos de pesquisa – segundo
exemplo do The New York Times – e as informações de arquivo vieram agregar valor ao
texto. Nos anos 1960 surgiu o novo jornalismo (new journalism), que pretendeu abandonar
as amarras do estilo pirâmide invertida, aproximando os textos da literatura. A revista
Realidade inaugurou um novo estilo na reportagem brasileira, a partir de 196820.
Influenciada pelo new journalism, a publicação da Editora Abril revolucionou o panorama
dos magazines.

Se até aqui vimos ideias divergentes a respeito dos primórdios do jornalismo diversional,
conseguimos localizar, em contrapartida, num texto de Alessandro Carvalho Sales (2006, p. 78), um
balanço que equilibra “a belle-époque, quando era grande o sotaque europeu, o suposto
afrancesamento de nossos textos” e “o novo jornalismo, que nos chegou, desta feita, por uma
influência norte-americana”. Seu argumento é o de que “são dois instantes muito particulares nos
quais, efetivamente, esteve mais ligada a literatura ao jornalismo”.
Sales (2006, p. 83) faz um interessante passeio pela história do jornalismo brasileiro,
apontando suas tendências, conforme o desenrolar de sua evolução. Ele reconhece que João do Rio
“simbolizou o quadro em mutação, bem como as questões inerentes a quem buscava desenvolver
tanto uma carreira jornalística quanto literária”, ao mesmo tempo em que afirma ter a imprensa
brasileira, na década de 1960, se apropriado das características instituídas pelo new journalism. E
ainda percebe: “Se tardiamente o lide veio se instalar nos periódicos brasileiros, não demorou muito
para que o novo jornalismo deixasse seus sinais no Brasil, num primeiro instante, através da revista
Realidade” (SALES, 2006, p. 94).
A partir das observações recuperadas neste trabalho, arriscamo-nos a organizar uma
discussão mais clara sobre como o jornalismo diversional conquistou espaço em jornais e em
revistas do Brasil. Longe de nossa intenção julgar as considerações descritas até aqui ou invalidar
qualquer uma delas; o que pretendemos é sistematizar, de forma ordenada e cronológica, as
diferentes ideias que nos foram apresentadas. É o que faremos a seguir.

Reorganizando as ideias
Podemos afirmar, logo de início, que consideramos pertinentes todas as articulações aqui
expostas, uma vez que os autores as situam no tempo e no espaço. Acreditamos que o jornalismo é
atividade complexa e que reflete a realidade social, em constante transformação. Por isso mesmo,
não vislumbramos a possibilidade de compreendê-lo a partir de uma única matriz. A divergência,
assim sendo, é elemento essencial para a reflexão sobre a imprensa.
Observando o que foi posto anteriormente, e respeitando o curso cronológico da história,
devemos colocar, primeiramente, que concordamos com Marques de Melo no que diz respeito ao

20 Nota do autor: acreditamos que o ano mencionado pela autora esteja errado, tendo ela se referido, muito
provavelmente, a 1966, ano de criação da revista.

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entretenimento propiciado por Hipólito da Costa, a seus leitores, com “as informações” literárias
contidas em seu Correio Braziliense. Porém, essas informações, a nosso ver, não são o que se pode
chamar de jornalismo diversional. Eram, muito provavelmente, textos ficcionais – e, portanto, não
constituíam material jornalístico – e/ou informações sobre a produção literária – o que poderíamos
definir como resenhas ou notas sobre livros – e que, do mesmo modo, não seriam elementos
constitutivos do gênero que nos interessa discutir.
Por outro lado, é possível que, como precursor em vários aspectos, o primeiro periódico do
Brasil oferecesse textos jornalísticos que mimetizassem os gêneros ficcionais; só que tal
constatação apenas pode ser feita a partir da análise dos exemplares do Correio Braziliense, tarefa
que não fizemos por não ser o interesse desta exposição, mas que pode ser facilmente executada,
uma vez que a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo editou toda a coleção do jornal, em versão
fac-símile, em 2002. Além disso, também há a possibilidade de encontrar vestígios de jornalismo
diversional em outras publicações contemporâneas do Correio.
Assim sendo, a passagem do século 19 para o século 20, tratada por Bulhões, Ijuim, Lima,
Pena e Martinez, vai se constituir como resultado de um percurso iniciado, pelo menos, nove
décadas antes. Como fizemos questão de reforçar em vários trechos deste texto, o jornalismo,
enquanto fenômeno social, passa por constantes alterações, mas nunca bruscas. Essas modificações
são, na verdade, suaves, tais como uma metamorfose, que implica em transformações contínuas e
interdependentes (ou seja, a mudança de hoje interfere na mudança de amanhã, que, por sua vez,
interferirá na mudança de depois).
Identificando os protagonistas que, nesse último período, provocaram inquietações na
imprensa brasileira – mais especificamente no Rio de Janeiro, então capital federal –, os autores
outrora destacados conseguiram delinear os instantes em que o jornalismo “verde-amarelo” deu
saltos mais altos. E podemos dizer que essas ações conferiram feições mais jornalísticas à imprensa
do país. Afinal, não se pode esquecer que, durante muito tempo, os jornais foram feitos por
escritores ou burocratas – servidores públicos, por exemplo –, que quase nunca conseguiam dar, às
páginas periódicas, um aspecto próximo àquilo que hoje reconhecemos como produtos jornalísticos.
Ao dar início à fase de profissionalização do jornalismo, como Martinez e Bulhões compreendem,
jornalistas da belle époque promoveram mudanças significativas nas publicações nacionais, assim
como os representantes do new journalism também modificaram a face do jornalismo norte-
americano, meio século depois.
Seguindo essa linha de raciocínio, não desprezamos que as convicções de Faro e de Jorge –
assim como as de Sales, que prima pela ponderação – também apontam para um cenário de
renovação. Se, no começo do século 20 – a exemplo do que Raul Pompéia e Euclides da Cunha
começaram a fazer –, João do Rio “revolucionou” o fazer jornalístico, os repórteres de Realidade e

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de outras publicações de mesma inclinação editorial, de meados do século 20, também incentivaram
e promoveram novas ações que ajudaram a consolidar do gênero diversional – o qual, pelo que nos
parece, continua a figurar na imprensa, mesmo que, por vezes, seja desconsiderado ou abnegado
pelos ambientes acadêmicos e profissionais.
Assumindo tal postura, conseguimos elaborar um quadro que revela três estágios que
caracterizam os primórdios do jornalismo diversional no país, os quais denominamos introdução,
ascensão e consolidação. Em termos mais específicos, assim os consideramos:
• introdução na cena nacional, no início do século 19, junto com a própria implantação
da imprensa: o Correio Brasiliense e outras publicações talvez não registradas e/ou
analisadas já consideravam o entretenimento como aspecto a ser considerado em
suas páginas;
• ascensão, no período que compreende o final do século 19 e o início do século 20: os
jornais brasileiros, mesmo que de modo intuitivo, começam a reorganizar os gêneros,
com uma série de ações, mas, principalmente com a fusão da reportagem e da
crônica, em textos que, à luz das definições dadas por Marques de Melo, podemos
classificar como formatos do gênero diversional;
• consolidação, em meados do século 20, no período pós-guerra: o momento político-
cultural vivenciado pelo Brasil impulsiona jornalistas a produzirem, mais e mais,
materiais jornalísticos que fogem das amarras do jornalismo objetivo, cujo foco é
somente noticiar os últimos acontecimentos; experiências como as da revista
Realidade deixam a prova de que as próprias empresas jornalísticas “compraram” a
ideia, bastante próxima à das experiências norte-americanas.
Defendemos, por tudo isso, que foi com esse percurso que a imprensa brasileira chegou ao
que faz hoje em dia. Nessas etapas é que foram plantadas as sementes dos trabalhos que, em nosso
tempo, conseguimos reconhecer, ou seja, as produções de repórteres que têm sensibilidade para
escrever e que encontram espaço, nos jornais e nas revistas, para publicar textos que entretêm,
emocionam, comovem, divertem. Textos que, muito embora recebam tratamento literário,
constituem-se em material jornalístico da melhor qualidade (com informações bem apuradas, fontes
devidamente identificadas, fatos precisamente descritos, histórias interessantes de pessoas
interessantes). No passado ou no presente, o jornalismo diversional é assim.

À guisa de conclusão
Chegamos a este tópico final convencidos de que conseguimos cumprir nosso objetivo,
fazendo uso destas linhas para reconstituir a trajetória histórica do jornalismo diversional.
Procuramos reforçar, em vários momentos, nossa convicção de não há transformações radicais no

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processo jornalístico; os momentos cruciais, que evidenciam redirecionamentos de condutas e de
procedimentos, são reflexos da somatória de uma série de acontecimentos, alguns dos quais
imperceptíveis, no cotidiano.
Por isso, seria muito arriscado não concordar que o gênero diversional já apresentava
indícios no início da imprensa, e que, com o tempo, foi se moldando, incorporando novos métodos,
abrindo-se para novas possibilidades.
Esses aspectos subjetivos, que envolvem o gênero, são, na verdade, o principal elemento
que justifica nossa tese. Importa-nos mais bem conhecê-los, identificá-los, sistematizá-los, a fim de
visualizar como e por que a imprensa abre espaço para um jornalismo que vai além da informação e
da opinião, mas que, ao mesmo tempo, não tem pretensões de ser prestador de serviços ou de ajudar
a interpretar os fatos cotidianos. O jornalismo que prende nossa atenção, enquanto leitores e
pesquisadores que somos, ultrapassa essas demandas, justamente porque consegue incorporar – e
muito bem – elementos particulares daqueles que o produzem.
Pelo visto, não é de hoje que é assim...

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