Você está na página 1de 2

“O Tesouro”

Era uma vez, há muito tempo


atrás, num país muito distante, vivia
um povo infeliz e solitário.
O céu era alto e azul, os campos
férteis, o mar e os rios estavam
cheios de peixes, as cidades eram
quentes e luminosas mas as pessoas
que moravam nesse país andavam
sempre tristes.
Sempre que podiam,
escondiam-se dentro das suas casas
e quando se cruzavam com as
outras pessoas nos cafés, na rua, nos
empregos, falavam muito baixinho com medo de alguma coisa.
Quando outras pessoas de outros países chegavam ao País das Pessoas Tristes
não compreendiam o que ali se passava. As pessoas eram tão meigas e simpáticas
e, pelo que dava para ver, tinham tudo para serem felizes.
Quando lhes faziam perguntas, as pessoas afastavam-se e não respondiam e
pediam desculpa.
Mas, quando os visitantes ficavam durante muito tempo nesse país, depressa
faziam amigos. E então, esses amigos levavam os outros para suas casas, fechavam
bem as portas e as janelas para que ninguém os ouvisse e aí contavam a razão
porque estavam tão tristes.
Diziam então, que aquele povo tivera um dia um grande e belo tesouro e que
alguém o roubara. Esse tesouro era importante para eles pois sem ele não
conseguiam ser felizes.
- Um tesouro? – perguntavam os visitantes surpreendidos.
- Sim, um tesouro… a Liberdade!
- A Liberdade? Um tesouro?
Os visitantes achavam estranho pois no seu país a liberdade era uma coisa
normal.
- Sim, a liberdade é como o ar que respiramos – diziam-lhes os seus amigos do
País das Pessoas Tristes – só quando não o temos, é que sabemos dar valor.
- E como pode alguém viver sem Liberdade?
As pessoas tristes diziam que no seu país, não podiam fazer aquilo que mais
gostavam, nem dizer o que pensavam; não podiam passear nem conhecer outras
pessoas.
- Mas isso é uma grande tristeza – diziam os visitantes – agora, percebemos
porque estão sempre tristes.
Os meninos do País das Pessoas Tristes não podiam ouvir músicas, nem ver
filmes que mais gostavam, nem sequer podiam beber Coca-Cola porque era
proibido. Os rapazes e as raparigas não podiam conversar uns com os outros e no
recreio tinham de brincar separados. As raparigas não podiam vestir calças e os
rapazes, quando começavam a crescer, tinham de ir para a guerra.
O povo do País das Pessoas Tristes não podiam escolher o chefe do seu país, e
assim esta tristeza nunca mais acabava.
Até que chegou um dia em que as pessoas decidiram reconquistar o seu
tesouro: a liberdade que tanto queriam! Os soldados reuniram-se e decidiram
roubar o tesouro das mãos dos ladrões, e finalmente conseguiram.
As ruas encheram-se de pessoas que gritavam alegremente: “Viva a Liberdade!
Viva a Liberdade!”
Todas as pessoas estavam felizes e encheram as suas casas de cravos
vermelhos e os soldados meteram cravos nas espingardas.
Tudo isto aconteceu no dia 25 de Abril, e porque foi nesse dia que aquelas
pessoas recuperaram o tesouro da liberdade, esse dia passou para sempre a chamar-
se o Dia da Liberdade.
in “O Tesouro”, Manuel António Pina (1943-2012), Portugal

Você também pode gostar