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Wolfg~ng Iser
o ATO DA LEITURA
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Uma Teoria do Efeito Estético

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A INTERPRETAÇÃOUNIVERSALIST
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1111 1. HENRYJAMES, THE FIGURE IN THE CARPET
EM LUGAR DE UMA INTRODUÇÃO

Henry Jamespublicouem 1896 sua novelaThe Figurein the



Carpet, que, analisada retrospectivamente, aparece como o prog-
nóstico de uma ciência que em sua época ainda não existia, na
extensão que nos é hoje habitual. Mas, de lá para cá, essa ciência
provocou um tal desconforto que a apreensão explícita desse fato
já se tornou um clichê. Estamos falando da interpretação teórica
da literatura que busca as significações aparentemente ocultas nos
textos literários. Se o próprio Henry James tematiza a procura por
J,
significações ocultas do texto, em uma antecipacão por certo não
consciente dos futuros modos de interpretação, pode-se concluir
daí que ele se referiu a pontos de vista que desempenharam um
papel importante em sua época. r:oisJgeralmente, textos ficcionais
resEQ!1dema.situações de sua ép.oca,à.me.dida.q.\lu,Lroduzemalgo
q~e está condicionado pelas normasvigentes,-fIlG6-que..j.áJJ.ãD.pocle..
mais ser captado por elas.. Quando James converte a relação en-
tre a obra e a interpretação em um sujet literário, evidencia-se que
o acesso habitual ao texto tem um lado avesso, cuja elucidação
começa a problematizar esse acesso. Nessa elucidação expressa-
se aO menos a suspeita de que a procura por significações, apa-
rentemente tão evidente e, por conseguinte, desprovida de pres-
supostos, é orientada, contudo, por normas históricas, ainda que
a interpretação se realize como se esse processo fosse um dado
natural. A coisificação de normas históricas, todavia, foi sempre
condição de miséria, que entretanto alcançou também essa for-

o Ato da Leitura - Vol. 1 23


ter-se tornado, enquanto significação desvelada, uma coisa e per-
ma de interpretação teórica da literatura. Na novela de James, tal
dido o seu caráter de "mistério"? Enquanto a significação este-
interpretação, ainda obscura na época, já e~tava presente.
ve escondida, a meta era procurá-Ia; logo depois de a descobrir-
É preciso detalhar? problema que James delineia, para que
mos, apenas a habilidade demonstrada se reveste de algum inte-
se faça compreensível a dimensão da crítica. A apreensão da sig-
resse. O crítico quer agora estimular esse interesse junto ao seu
nificação do último romance do protagonista Vereker forja o
público e ao próprio Vereker3. Não é de espantar, assim, que se
ponto de vista orientado r da história. A esse ponto de vista vi-
torne um pedante.
sam duas perspectivas diferentes: a perspectiva do eu-narrador e
Contudo, essa conseqüência tem menor importância que a
a de seu amigo Corvick. O meio da narração, porém, distorce
que se mostrou a partir da orientação indicada. Se a interpreta-
1111
esse paralelismo aparente. Pois o que experimentamos das des-
ção tem de descobrir a significação oculta de um texto literário,
cobertas de Corvick, no que diz respeito à significação oculta,
então os pressupostos que lhe são característicos são feitos do
"'1 reflete-se na versão do eu-narrador. Mas como Corvick parece
seguinte modo:
I~: haver encontrado o que o eu-narrador procura em vão, o leitor
1I
d~ssa novela AA~cisaresistir à orientação da perspectiva do nar-
11,1
I' [..,] o autor encobriria um sentido claro, que man-
rador. Quanto mais o faça, tanto mais compreensivelmente a
IIII
procura por significação do eu-narrador se revela como o tema, te.ria, no entanto, para si, com o intuito de utilizá-lo-
daí decorre uma certa arrogância: com a aparição do
I~ até que, por fim, se torna objeto de sua crítica. Essa é a estrutu-
crítico chegaria a hora da verdade, poís este afirma ter
ração e a estratégia da história.
'IR desvelado o sentido originário e a razão do encobri-
I Logo no começo, o eu-narrado r - que designaremos como
o crítico - exalta-se com o fato de ter desveladoem sua resenha menro.4

a significação oculta do último romance de Vereker, motivo pelo


Com isso, uma primeira norina surge, que dirige essa apreen-
qual está agora curioso em saber como o autor reage a essa per-
são. Se o autor sofre uIl1aperda através da significação desvelada
da ("loss of his mistery")l. Se a interpretação consiste em arran-
pelo crítico, como aparece no início da novela, então o sentido é
car do texto a sua significação oculta, então é lógico que o autor
algo que pode ser subtraído do texto. Ao extrair o sentido, enquanto
sofre uma perda nesse processo. A partir daí, duas conseqüências
núcleo próprio da obra, esta se esvazia; por isso, a interpretação
surgem que perpassam toda a história. \ coincide Coma consumptibilidade da literatura. Tal esvaziamen-
O crítico, ao descobrir o sentido oculto, decifrou o enigma.
to, contudo, não é fatal apenas para o texto, pois é suscitada a
Em face desse êxito, nada mais resta senão congratular-se com o
pergunta: em que se pode fundar ainda propriamente a função da
resultad02. Pois o que se pode fazer agora com esse sentido, após
interpretação, se ela, através da significação tirada da obra, a aban-

1 Henry)ames, The Figure in the Carpet (The Complete Tales IX), Leon
3 Ibidem, pp. 276 ss.
Edel (org.), Philadelphial New York, 1964, p. 276.
4 Assim ).B. Pontalis (em Nach Freud, trad. para o alemão de Peter
2 Diz o crítico acerca de si mesmo, quando encontra Vereker, com o
Assion et ai., Frankfurt, 1968, p. 297) caracterizava esse fato em sua análise
qual gostaria de falar sobre sua resenha: "... he should not remain in ignorance
de The Figure in the Carpet de ]ames.
of the peculiar justice I had done him"(ibidem, p. 276).

o Ato da Leitura - VoLt 25


24 W olfgang Iser

~
de obras literárias. Parece, pois, natural ao crítico que o sentido
dona como uma casca vazia? Mostra-se aqui seu caráter parasitá-
rio; e é por isso que James faz o escritor dizer que a resenha do crítico como segredo escondido seja acessível e seja reduzido pelas fer-
ramentas da análise discursiva.
contém tão-somente a lengalenga usual ("the usual twaddle")5.
A discursividade articula'o sentido a dois âmbitos já consti-
Com esse julgamento, Vereker desmente quer o esforço "ar-
queológico" da interpretação mais profunda, quer a hipótese de tuídos. Primeiramente ao âmbito da disposição subj~tiva do crí-
que a significação seja algo que - como é dito explicitamente no tico, ou seja, ao modo de sua percepção, de sua observação e de
texto - simbolize um tesour06 a ser descoberto pela interpretação. ~eus juízos. O crítico quer explicar a significação que descobriu.
Esse desmentido, que Vereker formula na presença do crític07, 'Pontalis observa a propósito:
conduz inevitavelmente a uma melhor explicação das normas que
dirigem a interpretação. Além disso, revela-se o caráter histórico Tudo o que os críticos tocam se torna trivial. Os
das normas. A soberba, mostrada no início pelo crítico, justifica- críticos só querem integrar em uso geral, autorizado e
II
se agora com a exigência da procura pela verdade8. Mas, como a estabelecido uma linguagem, cujo próprio ímpeto con-
ii verdade do tex!..9tem o caráter de uma coisa e sua validade se siste em nem poder, nem querer coincidir com aquele
mostra no fato de existir também independentemente dele, o crí- uso, mas sim em encontrar o seu próprio estilo. As ex-
~ tico pergunta se o romance de Vereker não contém, como sem- plicações habituais do crítico sobre suas intenções em
1.
nada mudam seu procedimento; de fato ele esclarece,
pre supôs, uma mensagem esotérica, uma certa filosofia, pontos
~
de vista centrais sobre a vida ou uma "extraordinary 'general compara e interpreta. Essas palavras podem enlouque-
intention,,,9, ou ao menos uma figura de estilo impregnada de cer alguém.II
II
II significações IO.Com isso está definido. um r~pertório de ;;;Js
característico da concepção literária do século XIX. Para o críti- Tal irritação funda-se, em última análise, em que a crítica
co, a significação buscada denota normas desse tipo, e, caso se deva literária, com freqüência, ainda reduz os textos ficcionais a uma
desvelar tais normas como o sentido do texto, o sentido deverá significação referencial, embora isso já houvesse sido questiona-
ser então mais do que apenas o produto do texto, Tal pressupos- do no final do século passado.
'to possui paro o crítico uma tal obviedade que se pode supor tra- Pode-se supor que havia uma necessidade elementar de ex-
tar-se de uma expectativa bastante disseminada entre os leitores plicação das obras literárias' que o crítico podia cumprir. No sé-
culo XIX, ele tinha a importante função de mediar entre a obra e
o público, à medida que interpretava o sentido da obra de arte
'para -o seu público, como orientação para vida. Carlyle formu-
5James, op. cit., p. 279. -lou de modo paradigmático a relação estreita entre literatura e crí-
6 Ibidem, p. 285. tica em 1840 em suas conferências sobre Hero- Worship: o críti-
co e o homem de letras eram postos no Panteão dos Imortais com
7Ibidem. \)
o seguinte elogio:
8 Ibidem, p. 281. \
9 Ibidem, pp. 283 ss. e 285.

10Ibidem, p. 284. 11Pontalis, op. cit., p. 297.

26 o Ato da Leitura - Vol. 1 27


W olfgang Iser

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li~1I

1111111
Men of letters are a perpetual Priesthood, from tes de sistemas que postulavam validez universal. Em contraste
,I~:
age to age, teaching all men that a God is still present I
com épocas passadas, em que dominava uma hierarquia mais ou
i~1
in their life; that all "Appearance", whatsoever we see menos estável de valores, essahierarquia ruiu no século XIX, em
I
I~' in the world, is but a vestUre for the "Divine Idea of J virtude da crescente complexidade dos sistemas particulares de
li:
the World", for "that which lies at the bottom of Ap- interpretação, assim como pelo número crescente desses sistemas
~I
pearance". In the true Literary Man there is thus ever, e pela concorrência entre eles. Esses sistemas conflitantes de que
II1

'" acknowledged or not by the world, a sacredness: he is se dispunha, da teologia até às ciências, limitavam reciprocamente

I~[
the light of the world; the world's Priest: - guiding it, suas exigências de valor. Desse modo, a importância da ficção
like a sacred Pillar of Fire, in its dark pilgrimage through como equilibrador de déficits de saber e de explicação começou
~I
the waste of Time.12
II a se ampliar/Ao contrário de séculos anteriores, a literatura ane-
I xou quase todos ~s sistemas de explicação ao seu próprio meio e
I os pôs no texto. Ali, onde se mostraram as fronteiras dos siste-
"
II o queCarlyle exageroupateticamente- ~otar o mundo ~os
li,
atributos de Deus - já era, cinqüenta anos depois, para James tyna -riías~a literaturã sempre apresentava suas respostas. Não espan-
I

I norma histórica.: inválida. O crítico que capta as "aparições", capta ta que se buscasse encontrar mensagens na literatura, pois a fic-
para James o vazio. Pois as "aparições" não são mais o véu que l ção oferecia aquelas orientações de que se carecia por efeito dos
encobre um significado substancial, porque tais "aparições" são ) problemas criados pelos sistemas de explicação. A afirmação de
os meios de trazer ao mundo algo que não existia antes e em ne- Carlyle, de que "Litei:ature, so far as it is Literature, is an 'apo-

~ (nhum outro lugar.! medida, porém, qu~ o crítico s,efixa a_QS.entich. calypse af Nature', a revealingofthe 'open secret",14 - que reu-
oculto, não é capaz, como o próprio Vereker lhe diz, de ver coi~a- nia sincreticamente quase todo o idealismo alemão - não era de
àlguma. Não surpreende que por fim o crítico considere a obra do modo algum atípica. O crítico da novela de James também está
~omancista sem valor13, pois não sedeixa reduzir ao padrão expli- em busca de um segredo aberto, pois para ele só a mensagem ra-
cativo que o crítico nunca questiona. Em conseqüência, o leitor dessa tifica o caráter de arte da obra.
novela deve decidir se afalta de valor é da obra ou da explicação. Contudo, o crítico fracassa; ou seja a obra não oferece uma
mensagem dela separável; o sentido não é~11tívpl <'I11m~ignifi- -
Entra em ce~ agora o segundo quadro de referência que
orienta o crític°f-' crítico possuía no século XIX tal importân- cado.r..d~LWsiãre O significado não s~~i~<1 redl17ir a JIIJ1;u;..oisa. )
cia porque a literatura, enquanto peça central da religião da arte As normas plausíveis do século XIX já não funcionam, o texto
dessa época, prometia soluções que não podiam ser oferecidas ficcional se fecha contra seu consumo.
pelos sistema~ religioso, sócio-político ou científico. Essa situação
emprestava à literatura do séculoXIX uma extraordinária signi- Essa negação denormas históricas encontra sua perspectiva
ficação histórica. A literatura equilibrou as deficiências resultan- oposta na figura de Corvick. Ele parece haver encontrado o "se-
gredo" e, quando compreende o romance de Vereker, o impacto
é tamanho que não consegue formular a experiência. Em vez disso,
12Thomas Carlyle, On Heroes, Hero- Worship, and the Heroic in His-
tory (Everyman's Library), London, 1948, p. 385.

13James, op. cit., p. 307. 14 Carlyle, op. cit., p. 391.

28 W olfgang Iser o Ato da Leitura - Vol. 1 29

L L
começa a mudar sua vida: "It was immense, but it was simple- na-se ainda mais enfática a pergunta: que é que isso quer dizer?
it was simple, but it was immense, and the final knowledge of 'it Se se trata, porém, de desmentir a perspectiva orientadora do crí-
was an experience quite apart,,15. Uma série de acasos impede que tico, essa estratégia implica que o leitor leia contra seus próprios
o crítico se encontre com Corvick e chegue às razões das mudan- preconceitos. Essa disposição é atualizada apenas se se retira do
ças16. Quando por fim parece sabê-Ias, Corvick é vítima de um leitor o que ele deseja saber por meio da própria perspectiva. Se
acidente17. Dessa maneira, como um detetive filológico, o crítico a perspectiva prévia permite que o leitor perceba, no ato da leitu-
começa a interrogar a senhora Corvick, assim como sua produção ra, as suas insuficiências, isso o leva a cada vez mais voltar àqui-
literária e, depois da morte dela, seu segundo marido - Drayton 10em que ele confiava, até que, por fim, consegue ver os seus pró-
Deane -, no esforço incessante de ençontrar o que ele pensa ser o prios preconceitos. Pois a "willing suspension of disbelief" não
segredo afinal revelado. Quando, por ~ nada descobre, passa a mais se relaciona com as linhas postas pelo autor, mas sim com
admitir que o próprio Deane desconhec1 a chave do romance de as orientações que dirigiam o leitor. Liberar-se delas, mesmo que
I Vereker. Contenta-se em cultivar uma vingança latente, à medida por apenas um lapso de tempo, não é fácil.
~I
que insinua que a falecida escondera de Deane'o mais importan- A falta de informações sobre o segredo descoberto por Cor-
te18. A busca inrJlciável da verdade termina por se satisfazer com I vick aguça pelo menos a observação, pois não lhe escapam os si-
I~' a vingança! \
til nais, com que se dispunha a inútil busca pelo sentido oculto. O
Mas a descoberta de Corvick é escondida do leitor, pois tam- (
I crítico recebe o sinal mais importante do próprio Vereker, sem que,
bém ele é orientado pela perspectiva do crítico. Daí resulta uma ao contrário de Corvick, o compreenda:
tensão, que se desmancha apenas à medida que o leitor se distan-
cia da orientação que lhe foi dada. Essa dissolução é notável, pois For himself, beyond doubt, the thing we were ali
de modo geral o leitor de textos ficcionais aceita o padrão esta- so blank about was vividly there. It was something, I
belecido pelo narrador, no ato de sua "willing suspension of dis-
belief". Tal -
- hábito deve se~rrejcit;wQ" p-ois esse é o único modo
pelo qual o leitor consegue constituir o sentido da novela com o
guessed, in the primal plan, something like a complex
figure in a Persian carpet. He highly approved of this
imagewhen I used it, and he used another himself. "It's
desmentido ~scente da pe;;pectiva que o orienta. Para o leitor, t~e very string", he said, "that my pearls arestrung
ler a contrapelo seria particularmente difícil, pois os preconcei- on!,,19
tos do crítico - compreender o sentido como mensagem ou como
significação de uma filosofia para vida -lhe parecem tão natu- O crítico, em vez de compreender o sentido como objeto, ape-
rais que até hoje ele os manteve. Em face da arte moderna, tor- nas percebe um lugar vazio. -Esselugar vago, porém, não é preen-
chido por 'uma slgnificação-díScursiva e, por isso, toda busca desse
tipo termina em um não-sentido. Não obstante, o próprio crítico
15 James, op. cit., p. 300. dá a chave para essa qualidade diferente do sentido que James ex-
16Ibidem, pp. 301 ss. pressamente sublinha com o título de sua novela, The Figure in
17Ibidem, p. 304.

18Ibidem, pp. 314 ss.


19Ibidem, p. 289.

30 W olfgang Iser 31
o Ato da Leitura - Vol. 1

~ ~
- ~

the Carpet, que Vereker canfirma autra vez na presença da críti- que seja dada também sua repraduçãa em imagem. Amedida que
ca: a sentida tem a caráter de imagem. Nessa,direção., desde a prin- a crítica não. campreende esse prablema, permanece cega ante a
cípio., se dão. as hipóteses de Carvick. Cabe então. ao. crítica cam- diferença entre imagem e discursividade: são. duas apreensões de
preender:" ...there was mare in Vereker thàn met the eye,,20, ao. mundo., independentes entre si e, par canseguinte, quase irredutí-
que a crítica é apenas capaz de respander: "When I remarked that veis. Em canseqüência, a qualidade específica da sentida se mastra
the eye seemed what the printed page had been expressly invented na fracassa da arientaçãa da crítica. Essa especificidade vem à tana
ta meet he immediately accused me af bê g spiteful because I had
'
na negação. canstante das quadros de referência, pais é através
been failed21."
destes que a crítica tenta traduzir a sentida da ficção.em uma dis..
O crítica, trabalhando. cam cuidad j, filalógica, nunca aban- cursividade referencial. Essa negação. se recanhece na fato. de que
dan~u em ta da navela a pressupasta de encantrar a sentida far- só pela recusa das critérias herdadas passa a existir a passibili-
mulada nas próprias páginas impressas. Par isso.,apenas vê luga- dade de se imaginar aquilo. que é buscada pela sentida da ficção..
res vazias (blank), que não. lhe respandem ao que ele busca erp Se a sentida da texto. ficcianal tem um caráter de imagem,
vão. nas l"ágina;.~impressas da texto.. Mas a texto. farmulada é- então. a relação. entre texto. e leitar farçasamente se tarna diversa
cama Vereker e Carvick campreendem ~antes a madela de in- > daquela que a crítica busca fixar par suas reduções. Sua apreen-
dicações estrutura das para a imaginação. do. leitar; par issa~ a Sãõse carã'cteiiza pela divisão.Sujeita-Objeta, que se estende atada
~e~tjda pade ser captada apenas cama imagem. Na imagem su- campa da canhecimenta discursiva. O sentida é a abjeta, a que a
- cede a preenchimento. da que a llladela textual amite e ao. mes- sujeita se dirige e que tenta definir guiada par um quadra de refe-
ma tempo. esbaça par sua estrutura. Tal "preenchimento." apre- rência. A validade, que assim se alcança, se caracteriza pela fato.
senta-se cama candiçãa elementar para a camunicaçãa e, emba- de que a definição. elaborada não. só se afasta das marcas da sub-
ra a autar nameie esse mada de camunicaçãa, sua explicação. não. jetividade, mas superá a própria sujeita. Essa independência da
tem efeito. sabre a crítica, pais para ele a sentida apenas pade se sujeita canstitui então. a critério. buscada de verdade. É, parém,
canverter em sentida se far apreendida par meia de uma lingua- duvidasa que tal definição. da sentida ainda pade significar para a
gem referencial. Na entanto., a imagem se furta à essa referen- sujeita. Se a sentida tem um caráter de imagem, então. a sujeita
3a.lidade.~ P';;is ela não. descreve algoextstente de antemaõ:Illas nunca desaparecerá dessa relação., ao. contrária da que é em prin-
sim cancretiza uma representação. daquilo. que não. existe e qu~ cípio. válida para a mada da canhecimenta discursiva. Os seguin-
não.-se-manifesta verbalmente naS páginas impressas da ramance.
tes pantas de vista são.características desse pracessa.le- a princí-
-Mas i~sa a crítica não. cansegue campreender, e já havendo. acei- pio. é a imagem que estimula a sentida que não. se encantra farmu-
tada a apiniãa de Vereker de que a sentida se mastra em uma laaonas~pâgmas illlpressas da texto., então. ela se mastra cama a
i
imag~m,~ntãa só capaz 'ae caÍripreender tal imag.eIllcama có- pradutôque resulta da camplexa de signas da texto. e das atós de
pia de alga dada que, enquanto. caisa, deve preceder tal pracessa. apreensão. da leitar. O leitar não. cansegue mais se distanciar des-
Na entanto., é tão. absurda imaginar alga dâda quanta contar cam sainteraçãa. Aacantrária, ele relaciana a texto. a uma situação. pela
"ãtlvidade nele despertada; assim estabelece as candições necessá-
20 Ibidem, p. 287.
rias para que a texto. seja eficaz. Se a leitar realiza as atas de apreen~
são.exigidas, produz uma situação. para a texto. e sua relação. cam
21 Ibidem.
ele não.pade ser mais realizada par meia da divisão.discursiva entre

32 W olfgang Iser o Ato da Leitura ~Vol. 1 33


.."...-

II

1I
I tações da teoria literária. Títulos como Against Interpretation23
Sujeito e Objeto. Por conseguinte, o sentido não é mais algo a ser
111
ou Validity in Interpretation24 mostram tanto em posição ofen-
I1 explicado, mas sim um efeito a ser experimentado.
siva como defensiva que os procedimentos de interpretação já não
11 Em sua novela James tematizou essá questão pela perspec-
podem se contentar com"Sêus atos de redução aplicados automa-
I1
tiva de Corvick. Depois que este compreendeu o sentido do ro-
ticamente. Susan Sontag, no seu ensaio" Against Interpretation",
mance de Vereker, sua vida mudou. Por conseguinte, sabe ape-
nas relatar essa transformação extraordinária que se passou com
-
atacou com veemência a exegese tradicional da obra de arte, que
tem por meta a descoberta do significado oculto da obra:
ele, mas não explicar e comunicar, como o crítico desejaria, seu
próprio sentido. Essa transformação afeta também a senhora Cor-
The old style of interpretation was insistent, but
vick, que empreende uma nova produção literária depois da morte
respectful; it erected another meaning on top of the li-
de seu marido, que desilude o crítico, pois ele não consegue dis-
teral one. The modern style of interpretation excavates,
secar as influências que lhe permitiriam algumas conclusões so-
re o sentido oculto do romance de Vereker1.2. and as it excavates, destroys; it digs "behind" the text,
to find a sub-text which is the true one... To understand
~ É possíV$1que James tenha zxagerado a mudança provoca- is to interpreto And to interpret is to restate the pheno-
da pela literatura, mas não resta renhuma dúvida de que tal exa-
\ gero evidenciou dois caminhos diferentes para os textos ficcionais.
menon, in effect to find an equivalent for it. Thus, inter-
pretation is not (as most people assume) an absolute va-
~ O sentido como efeito causa impacto, e tal impacto não é supe-
lue, a gesture of mind situated in some timeless realm
\ rado pela explicação, mas, ao contrário, a leva ao fracasso. O
efeito depende da participação do leitor e sua leitura; contraria- of capabilities. Interpretation must itself be evaluated,
within a historical view of human consciousness.25
-.
I mente, a explicação relaciona o texto à realidade dos quadros de
referência e, em conseqüência, nivela com o mundo o que surgiu
Tudo indica que a arte moderna começa a reagir a uma inter-
através do texto ficcional. Tendo em vista a oposição entre efeito
pretação que tem por meta a descoberta de sua significação. Isso
e explicação, tem dias contados a função do crítico como'media-
corresponde a uma observação que se pode fazer desde o romantis-
slor do significado oculto dos textos ficcionais.
mo: a literatura e a arte respondem, de diversos modos, às nor-
mas das teorias estéticas que as acompanham. Tais respostas mui-
2. A SOBREVIVtNCIADA NORMA tas vezes têm um caráter ruinoso para a teoria. A pop art é um
exemplo extraordinário entre os movimentos da arte contempo-
CLÁSSICADE INTERPRETAÇÃO
râneos que contam com as expectativas habituais do receptor de
arte. De modo particular, a pop art joga com uma certa interpre-
A redução do texto ficcional à uma significação referencial
pode ser descrita como uma fase histórica da interpretação desde
a irrupção da arte moderna. Essa consciência começa a penetrar
hoje, de forma mais ou menos significativa, também nas interpre- 23S. Sontag, Against Interpretation and other Essays, New York, 1966.

24 E.D. Hirsch, Validity in Interpretation, New Haven, 1967.

25 Sontag, pp. 6 sS.


22 Ibidem, p. 308.

O Ato da Leitura - Vol. 1 35


34 Wolfgang Iser
rj
:111 tação que se interessa pelo "sentido oculto" da obra. Susan Sontag mente condicionadas do receptor. A segunda implicação consis-
I
já notou que a pop art pode ser compreendida como recusa total
11

1 I te em que, sempre que uma obra de arte usa efeitos exagerados


I1I da interpretação: de afirmação, esses efeitos cumprem uma finalidade estratégica,
I
mas não constituem o próprio tema. Sua função é de fato negar
Abstract painting is the attempt to have, in the ordi- o que aparentemente afirmam. Desse modo, a pop art segue uma
nary sense, no content; since there is no content, there velha máxima que Sir Philip Sidney já tinha formulado no século
can be no interpretation. Pop Art works by the oppo- XVI em sua Defence of Poesie: "". the Poet, he nothing affir-
site means to the same result; using a content so blatant, meth,,27. Se a afirmação de expectativas comuns se converte na
so "what it is", it, too, ends by being uninterpretable.26 própria forma da obra, então é fácil imaginar a dimensão de fixa-
ção que as normas de interpretação devem ter atingido, pois sua
II Mas em que sentido é a pop art não-interpretável? Ora, ela correção apenas se torna possível se a obra de arte, por meio de
I simula produzir algo como cópia de objetos e assim correspon- sua estrutura, confirma o que busca o receptor.\Negar por afir~a-
I der a uma expectativa que vis~ a uma interptetação interessada
II ção é uma estratégia constante quando se trata de realizar ajust§
em significaçõe.focultas. Ao meSmo tempo, porém, a pop art torna
,
II essa meta tão transparente que o desmentido da cópia pela arte A oposição entre arte contemporânea e normas tradicionais
I se converte em seu próprio tema. À medida que a pop art apre- de interpretação tem um fundamento histórico que parece, no
I
senta o efeito-de-cópia como objeto de exposição, ela recusa as entanto, omitido nas interpretações hoje dominantes. Pois a so-
possibilidades necessárias para que se realize aquela interpreta- brevivência de uma norma de interpretação que busca na obra de
ção que visa traduzir a obra em sua significação. Nesse sentido, arte sua significação mostra que a arte ainda é compreendida como
ela tematiza uma propriedade específica da arte: a sua resistência organon da verdade, pelo qual a verdade se manifesta. Trata-se,
em ser absorvida em uma significação referencia!. Em conseqüên- em conseqüência, de mostrar o fundamento histórico, de que se
cia, pop art confirma seus intérpretes no que parecem buscar na ,originou o desenvolvimento contraposto da arte e de sua inter-
arte; mas a confirmação é precipitada: o observador fica com as pretação. Pois tanto mais a arte assumiu um caráter parcial, tan-
mãos vazias ao insistir nas normas habituais de interpretação. Tal to mais se afirmou a universalização da exigência explicativa de
efeito de con.tirmação tem um caráter estratégico: ele quer chocar sua interpretação. Dessa maneira, perdeu-se de vista um hiato his-
o observador, afetando seus modos automatizados de ver a arte. tórico,e é de se perguntar que razões foram decisivas para isso.
- Dessa questão se inferem duas implicações. Em primeiro
, lugar, a pop art, como manifestação da arte moderna, tem como É conhecido que Hegel considerava como certo
tema a sua interação com as disposições previsíveis do receptor o fim da arte, e não é desconhecido o que ele queria
I de arte. Em outras palavras, a pop art recusa-seexplicitamentea dizer com essas palavras: ~ arte nãoPQde mais ser vis-
apresentar um significado referencial e assim chama a atenção para ta como manifestaçã-.9apropriada da verdade. Nenhu-
o fato de que a origem deste se funda nas expectativas historica-

27Sir Philip Sidney, The Defence af Paesie (TheProse Works III), Albert
26 Ibidem, p. 10. Feuillerat (ed.), Cambridge, 1962, p. 29.

36 Wolfgang Iser o Ato da Leitura - Vol. 1 37


J11
I
r
~IIIII
I ma obra de arte constituiria, como Schelling desejava,
II I o meio pelo qual o espírito poderia vir a si mesmo e, ~essa estrutura manifesta-se a consciência de que a arte en-
imerso na contemplação, ter acesso a sua própria es- quanto representação do todo é coisa do passa~do-ein vis-
~III :
sência [...] já o mundo cristão só podia incorporar a arte ta esse estado de coisas, surpreende a sobrevivência de uma nor-
em um contexto de crença. Por fim, as condições abs- ma de interpretação que se formou com o ideal clássico de arte e,
I111I em face de uma arte agora parcial, apresenta uma estranha voca-
I tratas da vida moderna se revelaram incapazes por si
I
mesmas de fundar na arte uma consciência de totali- ção universalista. Cabe perguntar se a interpretação da arte q~er
'i! !
dade adequada. A arte não só ficou para trás de outros devolver a ela o que ela abandonara, ou se se recusa a perceber a
"
modos de conhecimento com que deveria se sintonizar, ruptura histórica que as artes parciais manifestam. Tudo indica
'I II
mas também o seu val~.r se tornou parciaI.28 que a velha exigência de que a arte represente uma totalidade cris-
I talizou-se na exegese que se lhe consagra. Isso se reconhece onde
i' Esse caráter parcial atinge a todas as formas da arte moder- quer que as normas clássicas de interpretação são aplicadas à
própria arte parcial. A significação das obras modernas, apreen-
na ~~e, ao se definirem com~arte: são manifestações da realida-
dida dessa forma, mostra em princípio um caráter bastante abstru-
de~as a realid~e nunca mais se poderá apresentar nas artes par-
ciais de maneira direta; pois concebê-Ia como imagem - seja como so, como se pode deduzir dos muitos exemplos intitulados A Rea-
cópia, seja como reflexo - significaria devolver-lhe um caráter der's Cuide to... Segundo a ótica dessa interpretação, no entan-
to, é preciso ver na arte a manifestação representativa de uma ! .
representativo da totalidade, que, mesmo por ser arte parcial, ela
perdera. A arte moderna, interessada em manter o seu poder de
mediação também como arte parcial, traz consigo as velhas co-
totalidade, o que obriga a se tomar o moderno como fenômeno,
de decadência. Pois, à luz dessas normas, a arte moderna fic~ atrás'
do que já se tinha alcançado. Com isso vem à tona algo curioso.
, ()
notações da forma como ordem, equilíbrio, harmonia e integra-
ção das partes numa unidade, ao mesmo tempo que precisa des- Em nome da sua exigência de explicação universalista, a interpre-
mentir constantemente essas conotações. Pois, sem esse desmen- tação, originalmente dedicada à arte, começa a ganhar terreno
tido, ela se comportaria como os movimentos ideológicos da arte sobre a própria arte. Mostra-se agora o que sucede se a forma
contemporâ~a e simularia uma falsa totalidade; sem as cono- tradicional de interpretação ignora que a autoconcepção da arte
tenha mudado e resiste a refletir sobre a norma orientadora. Tal
tações de forma, ao invés, a mediação fracassari;!'Na obra de norma, por isso, em face da arte atual, antes interpreta a si mes-
arte parcial, a forma e a ruptura da forma coexistem numa uni-
dade, e nesta oscilam seus elementos de significação contrapos- ma do que interpreta a arte. Assim, na revelação das suas condi-
tos. Cada elementos contesta seu oposto e, entretanto, o faz de ções históricas, um paradigma da interpretação chega ao seu fim.
dentro de si. "29 Isso ainda se mostra quando a interpretação, interessada na
descoberta de significados ocultos, fundamenta seu modo de pro-
ceder em postulados de teorias hoje assentes, cuja validade a obra y
28Dieter Henrich, "Kunst und Kunstphilosophie der Gegenwart (Überle- de arte parece representar. E assim não surpreende qU~ texto~"
gungen mit Rücksicht aufHegel)", in Wolfgang Iser (org.), Immanente A.sthetik literários foram considerados ora como testemunha do espírito da
" -A.sthetische Reflexion (Poetik und Hermeneutik 11),München, 1966, p. 15. epoca, ora como reflexo de condições sociais, ora como expres- ~
29 Ibidem, p. 30. .I são das neuroses do seus autores etc.; os textos foram nivelados
'como documentação e, desse modo, se elimina aquela dimensão
38
W olfgang Iser
o Ato da Leitura - Vol. 1 39

J
que os diferencia da mera documentação: a possibilidade privile- entende a obra como aparição de uma significação representativa,
giada de experimentar na leitura o espírito da época, as condições ~ainte!açã~ do texto tanto com as normas sociais quanto com as
'Sociais e as disposições dos seus autores. Pois é característico dos históricas de seu~ambiente, bem como com as expectativas de seus
textos literários que não percam sua capacidade de comunicação leitores potenciais, forma um campo de observação privilegiad<V
depois que seu tempo passou; muitos deles ainda conseguem "fa-
lar" mesmo depois que sua "mensagem" se tornou histó.rica e sua Contudo, é um fato que o estilo de interpretação do século
"significação" se trivializoo/ XIX se manteve até hoje; se a arte moderna ainda não foi capaz
de provocar uma mudança profunda nele, deve haver alguma
I
A A teoria da literatura, reJpaldada por um corpus razão muito forte para que nos mantenhamos ligados àquelas
teórico-filosófico de fun~penas restauradora, até normas tradicionais. Georg Simmel nos dá uma indicação preciosa:
hoje tem tido como tarefa principal a anális~ semânti-
ca (exegese, definição da significação) de textos sancio- o estágio mais elementar do impulo estético se
nados pelos [t'lteresses socialmente dominantes. 30 manifesta na construção de sistema que reúne os obje-
tos em uma imagem simétrica [...] se os objetos são su-
-~ ;6 potencial de comunicação de um texto literário, contudo,
não' pode ser deduzido de um paradigma, que entende a obra de
bordinados ao sistema, a razão os capta com maior
rapidez e, por assim dizer, com menor resistência. A
arte como representação de valores socialmente dominantes. Por forma do sistema se rompe, tão logo nos enfrentamos
causa desse paradigma, a dimensão pragmática do texto permane- com a significação própria do objeto e não necessita-
ceu oculta. Em conseqüência, nem a função, nem o efeito do texto mos derivá-lo do contexto com outros; nessa fase, por
literário se tornou objeto de pesquisa. A arte parcial contemporânea isso, também diminui o estímulo estético da simetria
fez notar que já não se pode tomar a arte como a cópia represen- com que, a princípio, se dispunha os elementos [...] A
tativa de tal totalidade, mas sim que uma das suas funções centrais simetria significa no estético a dependência de cada
está em descobcir e talvez também equilibrar o déficit que os sis- elemento de sua interação em relação a todos os ou-
temas dominantes produzem. Em conseqüência, a arte não pode tros, mas ao mesmo tempo a completude do círculo
mais ser a representação desses sistemas, de modo que aquele es- assim descrito; quanto mais as formas assimétricas con-
tilo de interpretação, desenvolvido no século XIX, hoje atua como cedem individualidade a cada elemento, mais espaço li-
se a obra fosse ~egradada à situação de reflexo. Essa impressão pode vre e relações mais abrangentes.31
ser considerada como conseqüente, àmedida q!le tal norma de in- I

terpretação queria entender a obra no sentido pegeliano de "apa-


rição sensível da idéia". A arte moderna ainda cria outro pressupos- 31Georg Simmel,Brücke und Tür, Mich~eILandmann (org.), Stuttgart,
1957, pp. 200 ss e 205. E.H. Gombrich (emNorm and Form, London, 1966)
I

to para a interpretação. Em v~zda correspondência platônica, que


explicou como as normas clássicas, enquanto categorias de orientação, do-
minam até hoje a história da arte: "That procession of styles and periods
known to every beginner - Classic, Romanesque, Gothic, Renaissance,
30Dieter Breuer, EÍ1!führung in die pragmatische Texttheorie(UTB Mannerist, Baroque, Rococo, Neo-Classical and Romantic - represents only
106), München, 1974, p. 10. a series of masks for two categories, the classica:land the non-classical" (p.

40
W olfgang Iser
o Ato da Leitura - Vol.l r 41
--
I/
II
1
1
II Simetria descreve aqui as conotações clássicas da forma:-equi:
I e não possuem um caráter ontológico. Os quadros clássicos de
líbrio,-9rdem
--- e -comeletude.
--- Ao mesmo tempo, Simmel descobre,
.1.

II
referência pareciam se tornar indispensáveis para a interpretação
porém, a motivação que se realiza na busca de harmonização dos
quanto mais nos períodos pós-clássicos a ordem da arte começava
1\
elementos preexistentes. Enquanto estrutura de controle, simetria
a se desintegrar. A norma de interpretação, que visaà significação,
permite que se alivie a pressão do não-familiar e que se lhe domine
se converte, em face da arte parcial, em uma estrutura defensiva32.
dentro da completude de um sistema equilibrado. Se reconhecemos
Um exemplo instrutivo dessa questão é o new criticism, qU
a harmonização como busca de dominar o estranho, torna-se então
assinala um momento crucial da interpretação, pois abandona a
mais fácil compreender a sobrevivência da estética clássica na in-
terpretação da arte. As normas clássicas estendefam sua validez para
além de seu marco histórico, pois assegu~o ato interpretativo
um alto grau de certeza. Simmel não deixa dúvida de que a sime-
parte decisiva da norma clássica, ou seja, a obra não é mais aqui
vi"a como objeto cm que a an,li" capta a ,ignificação d, valm,
historicamente dominantes. Tal busca de significação foi elimina-
I ) I
t

da pelo new criticism, que concentra seu interesse nos elementos


tria e a construção de sistema decorrem de uma inter;ção estratégica
\ da obra e suas interações. Desse modo, os procedimentos funcio-
'" nais do texto ganham primazia. Mas nesse novo campo de análise
continua repercutindo a força da velha norma de interpretação. O
83). Em conseqüência, todas as descrições dos estilos não-clássicos tornam- valor da obra se determina pela harmonia de seus elementos; nou-
se "terms of exclusion" (p. 89). Daí deriva, no entanto, um problema para a

:c
tras palavras, quanto mais heterogêneos são eles a princípio e quanto
interpretação das obras de arte: "For exclusion implies intention, and such mai s difícil é interrelacioná-los por causa de s ambigüidades,
an intention cannot be directly perceived in a family of forms" (p. 90). À .

medida que essas formas constituíam uma referência para a avaliação, as tanto maior o valor estético da obra, desde qu or 1 , suas partes
.

formas não-clássicas só podiam ser descritas "as a catalogue of sins to be se harmonizem. A meta da interpretação, ha . ção e neu-
..

avoided" (p. 89). Desse modo, ressalta a estrutura do procedimento clássico tralização das ambivalências manifesta o débito indisfarçável do
de interpretação que encontra nas normas clássicas- "regala,ordine,misúra, new criticism quanto à norma clássica de interpretação. Mas, ao
disegno e maniera" (p. 84) - um padrão de referência a,valiadorde todos os
mesmo tempo, a harmonização ganha um valor próprio que des-
fenômenos da arte. O modelo clássico de interpretação é, por conseguinte,
um modelo de refetência, pois avalia todos os produtos da arte segundo as
conhecia quando, na compreensão clássica da arte, tinha de repre-
normas estabelecidas. Um modelo de referência, com suas definições norma- sentar a verossimilhança e a universalidade da significaçãO desco-
tivas, se revela como manifestação histórica da interpretação, pois trabalha berta. É certo que o new criticism separou as estruturas formais
com reconhecimento ou exclusão. No instante em que se trata de compreen- da obra e as converteu no seu próprio tema; mas o fato de que se
der a particularidade de fenômenos da arte e as suas funções, é necessário recusa a busca de uma significação no texto - o que se conhece
substituir o modelo de referência por um modelo operacional. O caso é que
esse modelo se mostra mais apropriado para a análise da arte moderna; ao
como extrinsic approach - não implica, contudo, que se abandone

mesmo tempo permite ter acesso à arte do passado, pois revela suas funções também a norma clássica de interpretação, interessada na avalia-
e condições de recepção. É desnecessário dizer que todos os modelos têm
limites. Os limites da norma clássica de interpretação se manifestam no
momento em que sua exigência universalista de explicação tenta estabelecer- ,
se como algo evidente também em face da arte moderna. Pois agora a estéti- 32Isso se mostra por exemplo para a interpretação alegorizante de
ca clássica de contemplação não encontra mais nada para contemplar, sem Beckett. Cf. meu ensaio "Die Figur der Negativitiit", in Hans Mayer & Uwe
que nessa "consumação" todas as funções da arte já se tenham exaurido. Johnson(orgs.),Das Werkvon SamuelBeckett.Berliner Colloquium (Suhr-
kamp Taschenbuch 225), Frankfurt, 1975, pp. 54-58, especialmente 63 ss.

42 Wolfgang Iser
O Ato da Leitura - Vol. 1 43
'I~
I
II
II

ção dos procedimentos funcionais do texto. Por isso, a harmonia jante que, através do romance, empreende uma viagem difícil, a
dos elementos heterogêneos se manteve em quase todas as varian- partir de seu ponto de vista flutuante. É evidente que ele combi-
tes do new criticism como o valor último da obra de arte, que re- na, em sua memória, tudo que vê e estabelece um padrão de con-
velava, como valor próprio, a falta de conexão desses elementos e sistência, cuja confiabilidade depende parcialmente do grau de
anunciava, desse modo, a crise dessa forma de interpretação. atenção que manteve em cada fase da viagem. Em nenhum caso,
De qualquer modo, esses fatos são instrutivos. O new cri- porém, a viagem inteira é disponível para o leitor a cada momento.
ticism mudou a análise literária, à medida que não maIs visava à Ao analisar as interpretações recentes a respeito de Milton
Significação representativa, mas sim às funções presentes na obra. e sobretudo a respeito de Paradise Lost, Philip Hobsbaum usou
Mostrou-se nessa mudança sua atualidade; mas ficou para trás ao o conceito de "critério de disponibilidade" para explicar as diver-
tentar definir a interação das funções com as mesmas normas de sas interpretações:
interpretação que valiam para a significação representativa. Inter-
pretar a função da arte por meio das mesmas normas desenvolvi- Ir is a commonplace, indeed, to say that the lon-
das para a apreensiftiDda significação, significa, portim, que se per- ger the work the less the chance there is of its being flaw-
de o que se ganhava com a descoberta da sua função. Pois uma less. But there is a tendency among critics to patch up
função não representa uma significação, mas provoca um efeito. flaws, to make connections which may not be there for
other readers; and this is, no doubt, a result of the very
Se a norma tradicional de interpretação não só oculta a rup- exigency of criticism and the paradox contained within
tura histórica, como também mostra sua própria eficiência, sem- it [...] The problem, as I see it, is that, in order to keep
pre que surgem novas orientações interpretativas, então podemos the work in his mind as anything more than detached
concluir que as razões até aqui apontadas ainda não explicam bem fragments, the critic has to make some effort at inter-
essa sobrevivência. Uma razão central da sobrevivência das nor- pretation, no marter how private, how personal, the re-
mas herdadas de interpretação está no estabelecimento da con- sult may be. The temptation then is to pass on that result
sistência, necess!!,ia para toda compreensão. Textos maiores como in tato to the reading public, expressing indignation, as
romances e epopéias não se fazem presentes como um todo, na often as not, at the disagreement such a proceeding will
leitura, com o mesmo grau de intensidade. Já os autores do sé- inevitably arouse. Surely it is more graceful, as well as
culo XVIII disso estavam conscientes e, por isso, discutiam nos more honest, to concede that, however unified a work
seus romances estruturas possíveis para leitura. Um exemplo ca- may be in intention, it is sadly fragmented in effect? [...]
racterístico é a metáfora da diligência usada por Fielding33 e mais This is what I have called the concept of availability: just
tarde por Scott34 e seus discípulos: o leitor é estilizado como via- as all of his experience is not available even more to the
most gifted'creative writer, so all of the writer's work
is not available to even the most interested reader.35
33 Cf. Henry Fielding, Tom fones, XVIII, 1 (Everyman's Livrary), Lon-
don, 1957, p. 364. ,
34Cf. Sir Walter Scott, Waverly (The Nelson Classics), Edinburgh, s.d., 35Philip Hobsbaum, A Theory of Communication, London, 1970, pp.
p.44. 47 ss.

44 o Ato da Leitura - Vol. 1 45


W olfgang Iser

........ - '~
A falta de acessibilidade da obra inteira durante o ato de apre- da harmonia das formas para o alcance da representação apropria-
da. Caso diterente se dá com o estabelecimento da consistência. Esse
ensão que se manifesta como ponto de vista flutuante é o estímulo
estabelecimento é ligado às orientações habituais do leitor. Daí
para o estabelecimento de consistência na leitura - processo que
ainda será discutido mais adiante36. O que aqui nos interessa é a deriva que muitas obras modernas sejam tão ricas em rupturas de
consistência, e não porque sejam todas mal concebidas, mas sim
avaliação da necessidade da interpretação, indispensável para a
porque tais rupturas dificultam o estabé1ecimento de consistência
compreensão do texto como um todo articulado. Quanto menos
acessível é toda a epopéia de Milton para o crítico - quaisquer necessário para sua apreensão. A função comunicativa dessas rup-
turas é provocar o fracasso das orientações habituais e revelar sua
que sejam as razões -, tanto mais absoluta é a consistência que
inadequação.
ele estabelece. Isso significa, no entanto, que a falta de acessibili-
dade é compensada pela introdução de critérios habituais de ava- Razões como as supracitadas evidenciam a sobrevivência das
liação; estes antes caracterizam o crítico do que a peculiaridade da normas clássicas de interpretação. Pois essas normas não podem
obra. Se a falta de acessibilidade leva o leitor a utilizar cada vez ser aplicadas apenas para avaliar uma obra, mas também impor-
mais as orientações... habituais, então a consistência estabelecida de- tam para o estabelecimento da consistência. Desse modo as mui-
pende de tais orienlações. Esse e~tado vale para qualquer processo tas decisões do leitor na busca da consistência parecem ser gover-
de leitura, ou seja, antes de tudo o crítico é um leitor como qual- nadas pela mesma norma. E se acrescentamos que a norma clássi-
quer outro que busca apreender, por meio da consistência esta- ca de interpretação proporciona um quadro de referências que per-

I 1
belecida, a obra como um todo articulado. t;J"essepro~essocríti-
," mite ter acesso ao não-familiar ou até mesmo dominá-Io, então

\ \ I '-.o~i!or~ !.êqL<LmeSll1a
comp!tê~c!.::A situaçãodo críricõse
torna difícil no momento em que ele exige validez normativa para
tornam-se claras as razões que asseguraram a perduração de tal
norma. A norma de interpretação que parecia reger tanto-os atos
sua estrutura de apreensão. Nesse caso, as interpretações do crítico de compreensão quanto as estruturas da obra e que oferecia crité-
rios para domar o ainda desconhecido só podia se mostrar como
se confrontam com as objeções do público, pois o processo idênti-
co de estabelecimento de consistência pode ser atualizado sempre algo naturalmente dado. /1
de diversos modos e, em face das orientações habituais, por conteú- Se a interpretação tinha como tarefa captar a significação do - V'

textõ, pressupunha-se que o próprio texto não podia formular a


dos diferentes. '~ua indignação com as restrições mostra que o crí-
tico não reflete as orientações habituais que o dirigem. Como o leitor ~ significação.Comoaosignificaçãode um texto pode serexperimen-
em princípio se omite da reflexão, o crítico deveria fundamentar tada se, conforme supõe a norma clássica de interpretação, já está
aí à espera apenas da explicação referencial? O processo em que
por que a consistência que ele estabelece seria a forma mais apropria-
tal significação vem a se manifestar antecede toda tentativa de
da de avaliação. Se ele aí se refere às normas clássicas de interpreta-
ção, pode-se suspeitar de que as normas estéticas servem nesse caso interpretação. Em conseqüência, a constituição de sentido e não
para justificar os atos subjetivos de apreensão. Pois não devemos um determinado sentido, apreendido pela interpretação, deveria
esquecer que as normas clássicas de interpretação se fundam no ter a primazia. Se isso é verdade, a interpretação não deveria re-
velar apenas o sentido do texto a seus leitores, mas sim escolher
pressuposto de que na obra se manifesta a totalidade que precisa
como seu objeto as condições d;f constituição de sentido. Nesse
instante, ela deixa de explicar uma obra e, em vez disso, revela as
36Cf. a respeito capítulo m, A, 3, no vaI. 2 deste livro.
condições de seus possíveis efeitos. Se ela mostrar o potencial deJ

46 o Ato da Leitura - VaI. 1 47


Wolfgang Iser
efeitos de um texto, desaparece a concorrência fatal que teve de
enfrentar quando tentou impor ao leitor a significaçãp apreendi-
da como a mais correta ou a melhor. T.S. Eliot diz que "[The] critic
must not coerce, and he must not make judgments of worse or
better. He must simply elucidate: the reader will form the correct
judgment for himself"37. Em face da arte moderna, assim como
de muitas recepções de obras literárias, o leitor não mais pode ser
instruído pela interpretação quanto ao sentido do texto, pois ele .
não existe em uma forma sem contexto. Mais instrutivo seria ana-
lisar o que sucede quando lemos um texto. Pois é só na leitura que
os textos se tornam efetivos, e isso vale também, como se sabe,
para aqueles cuja "significação" já se tornou tão histórica que já
não tem mais um efeito
/li' imediato, ou para aqueles que só nos "to-
cam" quando, ao \!onstituirmos o sentido na leitura, experimen-
tamos um mundo que, embora não exista mais, se deixa ver e,
embora nos seja estranho, podemos compreender.

37T.S. Eliot, The Sacred Wood (UniversityPaperbacks), London, 1960


[1928], p. 11. A observação de Eliot se encontra no ensaio "The Perfect
Critic".

48 Wolfgang Iser

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