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Romance VII ou do negro das Catas - Lá na banda em que corre o Congo

Já se ouve cantar o negro, eu também fui Rei.


mas inda vem longe o dia. Toda a terra é mina:
Será pela estrela d'alva, O ouro se abre em flor...
com seus raios de alegria? Já está livre o meu filho, povo,
Será por algum diamante - vinde libertar-nos,
a arder, na aurora tã o fria? que éreis, meu Príncipe, cativo,
Já se ouve cantar o negro, e ora forro sois!
pela agreste imensidã o. Mais ouro, mais ouro,
Seus donos estã o dormindo: ainda vêm buscar.
quem sabe o que sonharã o! Dobra a cabeça, e espera, povo,
Mas os feitores espiam, que este cativeiro
de olhos pregados no chã o.
Já se ouve cantar o negro. já nos escorrega dos ombros,
Que saudade, pela serra! já nã o pesa mais!
Os corpos, naquelas á guas, Olha a festa armada:
- as almas, por longe terra. é vermelha e azul.
Em cada vida de escravo, Canta e dança agora, meu povo,
que surda, perdida guerra! livres somos todos!
Já se ouve cantar o negro. Louvada a Virgem do Rosá rio,
Por onde se encontrarã o vestida de luz.
essas estrelas sem jaça Tigre está rugindo
que livram da escravidã o, nas praias do mar...
pedras que, melhor que os homens, Hoje, os brancos também, meu povo,
trazem luz no coraçã o? sã o tristes cativos!
Já se ouve cantar o negro. Virgem do Rosá rio, deixai-nos
Chora neblina, a alvorada. descansar em paz.
Pedra miú da nã o vale:
liberdade é pedra grada...

(A terra toda mexida, Romance XIV ou da Chica da Silva


a á gua toda revirada... Que andor se atavia
Deus do céu, como é possível naquela varanda?
penar tanto e nã o ter nada!) É a Chica da Silva:
é a Chica-que-manda!
Cara cor da noite
olhos cor de estrela.
Romance VIII ou do Chico-Rei Vem gente de longe
Tigre está rugindo para conhecê-la.
nas praias do mar. (Por baixo da cabeleira,
Vamos cavar a terra, povo, tinha a cabeça rapada
entrar pelas á guas: e até dizem que era feia.)
O Rei pede mais ouro, sempre, Vestida de tisso,
para Portugal. de raso e de holanda
O trono é de lua, - é a Chica da Silva:
de estrela e de sol. - é a Chica-que-manda!
Vamos abrir a lama, povo, Escravas, mordomos
remexer cascalho, seguem, como um rio,
guarda na carapinha, negra, a dona do dono
o véu do ouro em pó ! do Serro do Frio.
Muito longe, em Luanda, (Doze negras em redor,
era bom viver. - como as horas, nos reló gios.
Bate a enxada comigo, povo, Ela, no meio, era o sol!)
desce pelas grotas! Um rio que, altiva,
dirige e comanda Dom Joã o Quinto, rei famoso,
a Chica da Silva, nã o teve mulher assim!)
a Chica-que-manda.
Romanceiro da Inconfidência
Esplendem as pedras (1953)
por todos os lados: Cecília Meireles
sã o flechas em selvas
de leõ es marchetados.
(Diamantes eram, sem jaça,
por mais que muitos quisessem
dizer que eram pedras falsas.)
Mil luzeiros chispam,
à flexã o mais branda
da Chica da Silva
da Chica-que-manda!
E curvam-se, humildes,
fidalgos farfantes,
à luz dessa incrível
festa de diamantes.
(Olhava para os reinó is
e chamava-os “marotinhos”!
Que viu desprezo maior?)
Gira a noite gira,
dourada ciranda
da Chica da Silva,
da Chica-que-manda!
E em tanque de assombro
veleja o navio
da dona do dono
do Serro do Frio.
(Dez homens o tripulavam,
para que a negra entendesse
como andam barcos nas á guas.)
Aonde o leva a brisa

sobre a vela panda?


- A Chica da Silva:
à Chica-que-manda.
A Vênus que afaga,
soberba e risonha
as luzentes vagas
do Jequitinhonha.
(À Rainha de Sabá,
num vinhedo de diamantes
poder-se-ia comparar.)
Nem Santa Ifigênia,
toda em festa acesa,
brilha mais que a negra,
na sua riqueza.
Contemplai, branquinhas,
na sua varanda,
a Chica da Silva,
a Chica-que-manda!
(Coisa igual nunca se viu.

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