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CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

O caminho para ser discípulo(a) de


Jesus e viver o Reino de Deus

Roteiros Homiléticos do Tempo Comum II


Ano B — São Marcos

Setembro de 2015 / Novembro de 2015

Texto elaborado por Frei José Ariovaldo da Silva, OFM

Cições CNP”
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus
e viver o Reino de Deus
12 Edição - 2015

CNS Eno Ena Ana a Das OCO OA A OA O A O A A O Da Ra O O a O O Un O A 0 O 0 Q 4 0 4

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C748c Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Roteiros Homiléticos do Tempo Comum Il - Ano B
São Marcos- setembro/outubro/novembro 2015. Brasília, Edições CNBB. 2015.

96 p.:14x21 cm
ISSN: 2359-1935

. Celebração - Tempo Comum - Ação Litúrgica — Cristo;


=

« Todos os Santos - Domingo do Tempo Comum - Viver;


Ny

. Comemoração - Padroeira do Brasil - Fiéis - Jesus - Reino;


w

+ Tempo Comum - Jesus Cristo - Defuntos - Discípulos (a).


+

CDU: 264.041.1
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO... mestre
INTRODUÇÃO...
23º DOMINGO DO TEMPO COMUM
6 de setembro de 2015 ...........eiieeecerererecensasererereranaasereaa

24º DOMINGO DO TEMPO COMUM


13 de setembro de 2015 .........ereeeeerereeererreer
correndo

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM


20 de setembro de 2015 ......... ee ereeereerere cera erertenos

26º DOMINGO DO TEMPO COMUM


27 de setembro de 2015 ..........cecseerereceracererrerenscerescrensoo

27º DOMINGO DO TEMPO COMUM


4 de outubro de 2015... eereeereerere serra rerenreeçdo

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM


11 de outubro de 2015 ..........eeeerereerererereecereneserasenos

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO


APARECIDA, PADROEIRA DO BRASIL,
SOLENIDADE .
12 de outubro de 2015 ..........eeneeerererereeeeerersererteres

29º DOMINGO DO TEMPO COMUM


18 de outubro de 2015... eeerererere core ereererenendo
30º DOMINGO DO TEMPO COMUM
25 de outubro de 2015 ........eeeeererereeerrresrrenerreenereenoo

31º DOMINGO DO TEMPO COMUM


— TODOS OS SANTOS
1º de novembro de 2015 ........cceecereererere
sera reescererreado

COMEMORAÇÃO DE TODOS
OS FIÉIS DEFUNTOS
2 de novembro de 2015..........eeerereereeresereessrersseesserenso

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM


8 de novembro de 2015... eeereeerre crer rrrerreeereaees

33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

15 de novembro de 2015...........ceceeesrerseresrerreereersreado

34º DOMINGO DO TEMPO COMUM


NOSSO SENHOR JESUS CRISTO REI
DO UNIVERSO, SOLENIDADE
22 de novembro de 2015... eee scereerresrreanea
APRESENTAÇÃO
À comunidade permanece na escuta da Boa-Nova de Jesus segundo
o relato do evangelista Marcos. Os discípulos são iniciados no
conhecimento da pessoa de Jesus. Apesar das iniciativas pedagógicas
do Mestre, eles persistem na cegueira. Antes de descrever a atividade
de Jesus em Jerusalém, o evangelista revela de que maneira Jesus é o
Cristo, o Messias, o Filho do homem morto e ressuscitado, a quem
os discípulos são convidados a seguir.
A Palavra de Deus recebe particular destaque no mês de setem-
bro, tradicionalmente conhecido como o mês da Bíblia. “A Igreja,
casa da Palavra, valoriza a liturgia-como âmbito privilegiado onde
Deus fala à comunidade. Nela Deus fala e o povo escuta e responde.
Cada ação litúrgica está, por sua natureza, impregnada da Escritura
Sagrada” (DGAE, n. 94).
No mês de outubro, as comunidades seguem celebrando os mis-
térios cristãos, com os olhos voltados para a missão. “É necessário,
portanto, suscitar, em cada batizado e em cada forma de organização
eclesial, uma forte consciência missionária que interpele o discí-
pulo missionário a “primeirear”,! isto é, a tomar iniciativa, a “sair
ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos
para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo”
(DGAE, n. 38).
O presente subsídio litúrgico pastoral, elaborado por Frei José
Ariovaldo da Silva, a'quem muito agradecemos, traz na sua introdu-
ção, orientações sobre o significado da homilia. À Congregação para
o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, publicou o Diretório

1 EG,n.24.
' O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Homilético, com a finalidade de qualificar as homilias nas celebra-


ções. Às Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, assim se expres-
sam: “Especial atenção merece a homilia que atualiza a mensagem da
Bíblia de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença
e a eficácia da Palavra de Deus, no momento atual de sua vida. Ela
pode ser “uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador
encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e cresci-
mento” (DGAE, n. 95).?
Desejamos que os agentes da pastoral litúrgica, em especial as
equipes de celebração façam bom uso deste subsídio na preparação e
execução das ações litúrgicas das comunidades eclesiais.

+ Dom Armando Bucciol


Bispo de Livramento de Nossa Senhora-BA
Presidente da Comissão Episcopal
Pastoral para a Liturgia da CNBB.

2 EG,n. 135-159; VD, n. 59.


INTRODUÇÃO

Situando-nos brevemente no
Evangelho de Marcos
Dando continuidade à vivência do mistério de Cristo no tempo
comum deste ano, seria bom situarmo-nos brevemente no que diz
respeito ao Evangelho.
Continuamos ouvindo a Palavra segundo o relato de Marcos,
que tem um dinamismo todo próprio em relação aos outros sinóti-
cos (Mateus e Lucas). É bom que o pregador (homiliasta) o tenha
presente como pano de fundo, e até o traga à luz, vez por outra, nos
diversos momentos do ano.
Ter presente o início do ministério de Jesus acolhido com grande
entusiasmo (do 3º ao 4º Domingo), mas também com oposições e
fortes resistências que não tardam a chegar (10º Domingo). Até os
discípulos de Jesus têm dificuldade de entendê-lo, pois neles está
profundamente arraigado o padrão mental de um Messias terreno.
E o nó da questão sobre o ministério público de Jesus aparece com a
profissão de fé feita por Pedro, com o primeiro anúncio que Cristo
faz de sua Paixão, e com a terminante recusa de Pedro a tal pro-
jeto (24º e 25º Domingo). Os mal-entendidos que se seguem neste
Evangelho — pois a fala e o modo de Jesus se comportar confundem
e até escandalizam seus ouvintes — têm muito a ensinar à assembleia
litúrgica reunida para ouvir a Palavra de Deus, a saber: “o mistério de
Cristo sempre desafia as nossas expectativas”:

3 CONGREGAÇÃO PARAÃOCULTODIVINOE ADISCIPLINA DOSSACRAMENTOS.


DIRETÓRIO HOMILETICO,. Documentos da Igreja — 19. Brasília: Edições CNBB. 1º Edição.
2015. n. 144.
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Fazer homilia: com que espírito?


Fazer uma homilia requer zelo, atenção, concentração, humildade,
muito espírito de escuta, espiritualidade, amor à Palavra do Senhor
vivente e amorosa sintonia com o corpo eclesial ouvinte. É uma arte.
Uma forma de celebrar. Uma ação sacramental. Uma liturgia. Isto
significa que, também ao ouvir uma homilia, todos têm o direito de
participar ativamente na liturgia (cf. SC, n. 14), isto é, de perceber
e vivenciar nela (na homilia) o próprio Deus se comunicando de forma
amorosa e comprometedora. Então podemos nos perguntar: Quando
se ouve uma homilia, dá para sentir nela o próprio Deus colocando em
comum (comunicando) seu projeto de vida para todos nós?
Para se aperfeiçoar nesta arte, difícil e ao mesmo tempo bela,
vale a pena ler e estudar com especial atenção e carinho o que o Papa
Francisco nos ensina a seguir sobre a homilia no contexto litúrgico:
“Consideremos agora a pregação dentro da Liturgia, que requer
uma séria avaliação por parte dos Pastores. Deter-me-ei particular-
mente, e até com certa meticulosidade, na homilia e sua preparação,
porque são muitas as reclamações relacionadas com este ministério
importante, e não podemos fechar os ouvidos. À homilia é o ponto
de comparação para avaliar a proximidade e a capacidade de encon-
tro de um Pastor com o seu povo. De fato, sabemos que os fiéis lhe
dão muita importância; e, muitas vezes, tanto eles como os próprios
ministros ordenados sofrem: uns a ouvir e os outros a pregar. É triste
que assim seja. À homilia pode ser, realmente, uma experiência
intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra,
uma fonte constante de renovação e crescimento” (EG, n. 135).
Renovemos a nossa confiança na pregação, que se funda na con-
vicção de que é Deus que deseja alcançar os outros através do pre-
gador e de que Ele mostra o seu poder através da palavra humana.
São Paulo fala vigorosamente sobre a necessidade de pregar, porque

4 EG,n. 135-144.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum —- Ano B — São Marcos RB

o Senhor quis chegar aos outros por meio também da nossa palavra
(cf. Rm 10, 14-17). Coma palavra, Nosso Senhor conquistou o coração
da gente. De todas as partes, vinham para O ouvir (cf. Mc 1,45).
Ficavam maravilhados, “bebendo” os seus ensinamentos (cf. Mc 6,2).
Sentiam que lhes falava como quem tem autoridade (cf. Mc 1,27).
E os Apóstolos, que Jesus estabelecera “para estarem com Ele e para
os enviar a pregar” (Mc 3,14), atraíram para o seio da Igreja todos os
povos com a palavra (cf. Mc 16,15.20) (EG, n. 136).

O contexto litúrgico
Agora é oportuno recordar que “a proclamação litúrgica da Palavra
de Deus, principalmente no contexto da assembleia eucarística, não
é tanto um momento de meditação e de catequese, como sobretudo o
diálogo de Deus com o seu povo, no qual se proclamam as maravilhas
da salvação e se propõem continuamente as exigências da Aliança”.
Reveste-se de um valor especial a homilia, derivado do seu contexto
eucarístico, que supera toda a catequese por ser o momento mais alto
do diálogo entre Deus e o seu povo, antes da comunhão sacramental.
À homilia é um retomar este diálogo que já está estabelecido entre o
Senhor e o seu povo. Aquele que prega deve conhecer o coração da
sua comunidade para identificar onde está vivo e ardente o desejo de
Deus e também onde é que este diálogo de amor foi sufocado ou não
pôde dar fruto (EG, n. 137).
À homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não
corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e
significado à celebração. É um gênero peculiar, já que se trata de uma
pregação no quadro duma celebração litúrgica; por conseguinte, deve
ser breve e evitar que se pareça com uma conferência ou uma aula.
O pregador pode até ser capaz de manter vivo o interesse das pes-
soas por uma hora, mas assim a sua palavra torna-se mais importante

5 DD,n.41.In: AAS,90, 1998, p. 738-739.


Ro O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

que a celebração da fé. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa


duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas
partes e o seu ritmo. Quando a pregação se realiza no contexto da
Liturgia, incorpora-se como parte da oferenda que se entrega ao Pai
e como mediação da graça que Cristo derrama na celebração. Este
mesmo contexto exige que a pregação oriente a assembleia, e tam-
bém o pregador, para uma comunhão com Cristo na Eucaristia, que
transforme a vida. Isto requer que a palavra do pregador não ocupe
um lugar excessivo, para que o Senhor brilhe mais que o ministro
(EG, n. 138).

A conversa da mãe
Dissemos que o povo de Deus, pela ação constante do Espírito nele,
se evangeliza continuamente a si mesmo. Que implicações tem esta
convicção para o pregador? Lembra-nos que a Igreja é mãe e prega
ao povo como uma mãe fala ao seu filho, sabendo que o filho tem
confiança de que tudo o que se lhe ensina é para seu bem, porque se
sente amado. Além disso, a boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus
semeou no seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele.
O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como
o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e
valoriza o que é bom; assim deve acontecer também na homilia. O
Espírito que inspirou os Evangelhos e atua no povo de Deus, inspira
também como se deve escutar a fé do povo e como se deve pregar em
cada Eucaristia. Portanto a pregação cristã encontra, no coração da
cultura do povo, um manancial de água viva tanto para saber o que
se deve dizer como para encontrar o modo mais apropriado para o
dizer. Assim como todos gostamos que nos falem na nossa língua
materna, assim também, na fé, gostamos que nos falem em termos da
“cultura materna”, em termos do idioma materno (cf. 2Mc 7,21.27),
e o coração dispõe-se a ouvir melhor. Esta linguagem é uma tonali-
dade que transmite coragem, inspiração, força, impulso (EG, n. 139).
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B - São Marcos R

Este âmbito materno-eclesial, onde se desenrola o diálogo do


Senhor com o seu povo, deve ser encarecido e cultivado através da
proximidade cordial do pregador, do tom caloroso da sua voz, da
mansidão do estilo das suas frases, da alegria dos seus gestos. Mesmo
que às vezes a homilia seja um pouco maçante, se houver este espí-
rito materno-eclesial, será sempre fecunda, tal como os conselhos
maçantes duma mãe, com o passar do tempo, dão fruto no coração
dos filhos (EG, n. 140).
Ficamos admirados com os recursos empregados pelo Senhor
para dialogar com o seu povo, revelar o seu mistério a todos, cativar a
gente comum com ensinamentos tão elevados e exigentes. Creio que
o segredo de Jesus esteja escondido naquele seu olhar o povo mais
além das suas fraquezas e quedas: “Não temais, pequenino rebanho,
porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino” (Lc 12,32); Jesus prega
com este espírito. Transbordando de alegria no Espírito, bendiz o Pai
por Lhe atrair os pequeninos: “Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do Céu e
da Terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e aos inteligentes
e as revelaste aos pequeninos” (Lc 10,21). O Senhor compraz-Se ver-
dadeiramente em dialogar com o seu povo, e compete ao pregador
fazer sentir este gosto do Senhor ao seu povo (EG, n. 141).

Palavras que abrasam os corações


Um diálogo é muito mais do que a comunicação duma verdade.
Realiza-se pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica
através das palavras entre aqueles que se amam. É um bem que não
consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que mutuamente se dão no
diálogo. À pregação puramente moralista ou doutrinadora e também
a que se transforma numa lição de exegese reduzem esta comunicação
entre os corações que se verifica na homilia e que deve ter um carácter
quase sacramental: “A fé surge da pregação, e a pregação surge pela
palavra de Cristo” (Rm 10,17). Na homilia, a verdade anda de mãos
dadas com a beleza e o bem. Não se trata de verdades abstratas ou de
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

silogismos frios, porque se comunica também a beleza das imagens


que o Senhor utilizava para incentivar a prática do bem. A memória do
povo fiel, como a de Maria, deve ficar transbordante das maravilhas de
Deus. O seu coração, esperançado na prática alegre e possível do amor
que lhe foi anunciado, sente que toda a palavra na Escritura, antes de
ser exigência, é dom (EG, n. 142).
O desafio duma pregação inculturada consiste em transmitir a
síntese da mensagem evangélica, e não ideias ou valores soltos. Onde
está a tua síntese, ali está o teu coração. À diferença entre fazer luz
com sínteses e o fazê-lo com ideias soltas é a mesma que há entre o
ardor do coração e o tédio. O pregador tem a belíssima e difícil mis-
são de unir os corações que se amam: o do Senhor e os do seu povo.
O diálogo entre Deus e o seu povo reforça ainda mais a aliança entre
ambos e estreita o vínculo da caridade. Durante o tempo da homilia,
os corações dos crentes fazem silêncio e deixam-No falar a Ele. O
Senhor e o seu povo falam-se de mil e uma maneiras diretamente, sem
intermediários, mas, na homilia, querem que alguém sirva de instru-
mento e exprima os sentimentos, de modo que, depois, cada um possa
escolher como continuar a sua conversa. À palavra é, essencialmente,
mediadora e necessita não só dos dois dialogantes mas também de um
pregador que a represente como tal, convencido de que “não nos prega-
mos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor, e nos consideramos
vossos servos, por amor de Jesus” (1Cor 4,5) (EG, n. 143).
Falar com o coração implica mantê-lo não só ardente, mas tam-
bém iluminado pela integridade da Revelação e pelo caminho que
essa Palavra percorreu no coração da Igreja e do nosso povo fiel ao
longo da sua história. A identidade cristã, que é aquele abraço batis-
mal que o Pai nos deu em pequeninos, faz-nos anelar, como filhos
pródigos — e prediletos em Maria —, pelo outro abraço, o do Pai mise-
ricordioso que nos espera na glória. Fazer com que o nosso povo se
sinta, de certo modo, no meio destes dois abraços é a tarefa difícil,
mas bela, de quem prega o Evangelho (EG, n. 144).”
23º DOMINGO DO TEMPO COMUM

6 de setembro de 2015

FAZ OS SURDOS OUVIREM E OS MUDOS FALAREM”. (MC 1.37)

Leituras: Is 35,4-7a; SI 146(145),7.8-9a.9bc-10 (R/. 1.2a); Tg 2,1-5;


Mc 7,31-37.

Situando-nos
Mais uma vez vivemos a graça de estar aqui reunidos e ouvirmos
o nosso Deus falando conosco. E continuamos a ouvir sua Palavra
conforme o relato de Marcos.
Domingo passado, frente aos fariseus e mestres da lei fana-
ticamente agarrados a padrões religiosos meramente humanos,
dando-se até o luxo de criticar Jesus por quebrar tais padrões em
favor de algo mais essencial, o nosso Mestre, servindo-se de uma
observação crítica do profeta Isaías, responde-lhes: “Vós abando-
nais o mandamento de Deus e vos apegais à tradição humana”
(Mc 7,8). Mesmo com todas as críticas e resistências da parte das
autoridades religiosas, Jesus continua seu caminho, atraindo mul-
tidões de deserdados e atendendo-as amorosamente em seus cla-
mores e necessidades. E Ele o faz sem discriminar ninguém, se
é pagão ou judeu, ou quem quer que seja, tanto faz. Desta forma,
como Filho de Deus que é, Ele vai nos mostrando qual é mesmo a
“política” do Reino de Deus para nós.
Lembremo-nos também que amanhã, 7 de setembro, é o dia da
nossa Pátria.
Colocamos diante de Deus todo o povo brasileiro, lideranças
eclesiais, governantes e governados, sobretudo os mais pobres deste
n O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

país, e que todos possamos de fato encontrar em Jesus um consu-


mado Mestre de vida justa e fraterna para todos.

Recordando a Palavra
Hoje a liturgia coloca diante de nós Jesus atravessando uma região
povoada por não judeus, isto é, pagãos. Muita gente ao seu redor.
Trazem-Lhe um surdo e com problema de fala. Pedem para Jesus
curá-lo pela imposição das mãos. Jesus retira-se a sós com o moço.
Coloca os dedos nos ouvidos dele. Com saliva toca a língua dele.
Olhando para céu, dá um gemido e ordena: “Effata”, isto é, “Abre-te”,
Na hora o moço começou a ouvir, sua língua se soltou e começou
a falar normalmente. E não adiantou Jesus proibir a divulgação do
acontecido. Todo o povo ali maravilhado sai proclamando em alto e
bom som: Ele tem feito tudo bem; faz tanto os surdos ouvirem como
os mudos falarem (cf. Mc 7,37).
Bem como profetizou Isaías, cerca de 500 anos antes, intuindo
a futura restauração messiânica projetada por Deus: Ânimo, pessoal!
Não tenham medo! Deus virá um dia para salvar... Os ouvidos dos
surdos vão se abrir e a boca do mudo vai gritar de alegria (cf. Is 35,5).
E esse Deus de fato agora veio: na pessoa de Jesus!
Por isso que hoje cantamos o Salmo 146, exaltando o Deus
libertador do ser humano sofrido (oprimidos, famintos, prisionei-
ros, cegos, caídos, estrangeiros, órfãos, viúvas...) “Louva o Senhor,
4 ' 2 mas “4 €

minh'alma, louvarei o Senhor enquanto eu for vivo, enquanto viver,


cantarei hinos a meu Deus”, é o refrão da exaltação.
De quem Deus veio ao encontro na pessoa de Jesus? Dos pobres.
Sim, dos pobres, deserdados da vida; não importando raça, cor, gênero
ou religião. Esta é a grande verdade enfatizada hoje pela Palavra de
Deus, também na carta de São Tiago, como ouvimos na segunda lei-
tura: “Escutai, meus caríssimos irmãos: não escolheu Deus os pobres
aos olhos do mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que
prometeu aos que o amam?” (Tg 2,5). Logo, se é assim, quem de fato
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos E

tem fé em Jesus, também age como ele agiu, a saber: Jamais discri-
mina os pobres (cf. Tg 2,1-4).

Atualizando a Palavra
Voltemos ao Evangelho. E o que vemos? Um judeu no meio de
uma multidão de sofridos: Jesus. Com uma atenção toda persona-
lizada, Ele “toca” o surdo-mudo, coloca-lhe os dedos nos ouvidos,
aplica-lhe saliva na língua, eleva os olhos para o alto, dá um
gemido, diz “Effata”, “abre-te”. Total proximidade do humano
concreto. Total sintonia com o divino. Assim é esse judeu Filho
de Deus. Deus na forma humana de um judeu toca e cura um
pagão. O Reino de Deus aí acontece. À era messiânica sonhada
pelos profetas se concretiza.
Essa cura é bem um sinal que nos revela a missão de Jesus neste
mundo. Ele não veio como um “político poderoso” destacado (sepa-
rado) da plebe, mas como um humilde conviva e servo dos pobres.
Esse é o verdadeiro e divino Messias salvador! E dessa forma des-
mascara-se todo um padrão de triunfalismo messiânico instalado
como parasita na mente dos adeptos da religião judaica.
O fato de Jesus recomendar “insistentemente” para não contar
nada a ninguém sobre o milagre acontecido, mostra de que jeito
Deus é e como, consequentemente, o Filho de Deus age. Ele não
gosta de “aparecer”, esnobar-se. Detesta a autorreferência espetacu-
lar. Importa apenas que os excluídos sejam transformados em filhos
do Reino, participantes do banquete da vida. “A glória de Deus é a
vida do ser humano”, dirá Santo Irineu no século II.
Nessa linha, o Evangelho de hoje vem mostrar que o entusiasmo
popular sobre o milagre acontecido não tem a ver com uma espécie
de triunfalismo político-messiânico, mas com um alegre reconheci-
mento — e precisamente dos pagãos! —, sobre a eficácia da presença do
Reino de Deus entre nós.
O caminho para ser discfpulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

E tem um sentido ainda mais profundo, a saber, também os


pagãos são chamados a ter ouvidos abertos para ouvir e língua solta
para testemunhar o Reino acontecendo: “Tudo ele tem feito bem. Faz
os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7,37). Todos são cha-
mados! Mas não se trata só de ouvir com os ouvidos e testemunhar
com a boca! Trata-se também de ouvir com o coração aberto e teste-
munhar com um agir pautado no espírito de Jesus, como ouvimos na
segunda leitura.
Tocamos, portanto, numa certeza fundamental de nossa fé:
Deus deseja que todos tenham vida. E a religião é para o bem da
humanidade. “Mas, muitas vezes, a religião é usada para dominar as
pessoas, para que fiquem quietas e não protestem contra a exploração
pelos poderosos... Será isso promover a vida do ser humano? Dizem
que os que sofrem serão recompensados na eternidade. Mas isso não
justifica que se faça sofrer aqui na terra! Também a vida neste mundo
pertence a Deus: é o aperitivo da vida eterna. (...) Deus não pode
servir para legitimar nenhuma opressão. À verdadeira religião liberta
o ser humano do mal, também o mal político e econômico. Religião
que pactua com a opressão não é a de Jesus. O cristianismo deve ser-
vir Pp para o bem do ser humano: o bem de todos e do homem todo”.

Somos cristãos e cristãs, discípulos e discípulas do grande Mes-


tre de vida, o Filho de Deus chamado Jesus de Nazaré. Diante do
que ouvimos d'Ele hoje, chegamos a esta conclusão: “Para que o
povo excluído de hoje possa exclamar “Tudo ele tem feito bem”, muito
ainda deve mudar na maneira de vivermos o ensinamento e o exem-
plo de Jesus!”
Deus nos ajude e nos encoraje nesta busca de mudança (conver-
são) dentro de nós e entre nós.

6 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis (anos A —- B— €).
Petrópolis: Vozes, 2003, p. 321.
7 Ibidem.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B - São Marcos R

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que, logo no início da nossa celebração, pedimos por todos
os que creem no Cristo: pedimos a verdadeira liberdade e a herança
eterna. Isto é, que livres de todo apego e opressão, mergulhemos de
cabeça e corpo inteiro nas dimensões do Reino da vida plena para
todos.
Depois, em clima orante de ação de graças, na Oração Euca-
rística, lembramos diante de Deus a pessoa de Jesus, que “sempre se
mostrou cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doen-
tes e pecadores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginali-
zados”, esse Jesus que, “com a vida e a palavra”, anunciou ao mundo
que Deus é Pai e cuida de todos como filhos e filhas,º esse Jesus que,
enfim, se faz Corpo por nós entregue e Sangue por nós e por todos
derramado para a remissão dos pecados. E é desse Jesus que, enfim,
nos alimentamos, pedindo ao Pai “viver com ele para sempre”? para
produzirmos frutos de justiça e paz no mundo em que vivemos. Que
assim seja!

Sugestões para a celebração É Pe


1. Para os cantos da missa, o Hinário Litúrgico da CNBB” oferece
sugestões de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (És um
Deus justo, ó Senhor: p. 125); Salmo Responsorial (Sl 146[145]
— Bendize, ó minh'alma, ao Senhor: p. 160-161); Aclamação
ao Evangelho (Aleluia! Tanta coisa boa fez!: 227); Comunhão
(Todas as coisas bem fez o Senhor Jesus: p. 270-271 / Do mundo
eu sou a luz: p. 270-271); Comunhão opcional (Quando o
Espírito de Deus soprou: p. 367).

8 Oração Eucarística VI-D (Jesus que passa fazendo o bem).


9 Oração depois da comunhão.
10 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. São Paulo:
Paulinas, 1991.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

2. Se o grupo de pessoas é pequeno, talvez reunir-se na frente


do espaço da celebração. Aí, então: a) Iniciar com um canto
tipo refrão meditativo; b) Sinal da cruz e saudação a todos aos
presentes; c) Fazer uma “recordação da vida”, deixando as pessoas
lembrarem alguns eventuais flagelos da humanidade hoje; d) Ato
penitencial e hino do Glória; e) Entrada em procissão para dentro
do espaço litúrgico, cantando; f) Solene proclamação da oração
do dia; g) Convite a todos para persignarem-se com o sinal da
cruz sobre os ouvidos e a boca para a escuta da Palavra.

3. Caso se trate de uma assembleia numerosa, proceder os ritos


iniciais como de costume, inserindo e valorizando neles opor-
tunamente um momento para a “recordação da vida” e, após
a solene proclamação da oração da Coleta, convidar a todos a
persignarem-se com o sinal da cruz sobre os ouvidos e a boca
para a escuta da Palavra.

4. Adotar e valorizar para este domingo a Oração Eucarística VI-D


(Jesus que passa fazendo o bem).
=
o ANO
" e

24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

13 de setembro de 2015

TU ÉS O MESSIAS... O FILHO DO HOMEM DEVE SOFRER MUITO. (CF. MC 829.31

Leituras: Is 50,5-9a; Sl 116(114+115),1-2.3-4.5-6.8-9 (R/.9);


Tg 2,14-18; Mc 8,27-35.

Situando-nos
O povo de Israel cultivava no tempo de Jesus a ideia de um messias
salvador, mas segundo critérios dos poderosos reinos deste mundo.
E muita gente desconfia ser Jesus o tal. Mas as opiniões também
se dividem. Afinal de contas, quem é Jesus? No pensamento
de Deus, quem é Ele? Eis a grande pergunta que aguarda uma
correta resposta para os que buscam um mundo em que todos
tenham qualidade de vida plenamente saudável. Quem é Jesus e
como nós o entendemos? Se confessamos ser Ele o Filho de Deus
e nosso Mestre, então, qual é o ensinamento deste Mestre para
que todos tenham vida? Ele mesmo, feito um de nós, vem hoje nos
dizer que seu exemplo e seu destino são a chave e o segredo para
a construção desse mundo novo. Mas que destino é este? Vejamos
mais de perto.

Recordando a Palavra
À conversa se trava entre Jesus e seus discípulos a caminho. Fazendo
um caminho. E discípulos, somos também nós agora, aqui reunidos,
também fazendo um caminho de vida cristã com Jesus.
N O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Neste caminho, Jesus faz uma espécie de sondagem de opinião


sobre sua pessoa e sua missão. Informam-lhe que as opiniões entre
o povo se dividem. Acham que Jesus é algum personagem histó-
rico e famoso que reapareceu: talvez João Batista, ou Elias, ou outro
profeta. “E vocês? O que vocês dizem?”, pergunta Jesus. Pedro não
titubeia: “Com certeza, o Messias”. Jesus, por sua vez, proíbe “seve-
ramente” que fiquem espalhando isso por aí afora. Isso, o quê? Que
Jesus é o Messias. Mas que Messias? Certamente o falso “messias”
que Pedro ainda tinha na cabeça.
À partir das críticas e resistências que vinha já sofrendo por
parte das autoridades religiosas judaicas, Jesus trata logo de informar
os seus discípulos sobre o seu destino e, consequentemente, em que
consiste de fato o seu messianismo: “E, começou a ensinar-lhes que
era necessário o Filho do Flomem sofrer muito, ser rejeitado pelos
anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, depois de três dias,
ressuscitar” (Mc 8,31).
Pedro, ainda com a ideia triunfalista de um messianismo
poderoso, reage na hora, chama Jesus à parte e “começa a censurá-
lo” (cf. v. 32). Jesus, por sua vez, responde com palavras duras:
“Vai para trás de mim, satanás! Não tens em mente as coisas de
Deus, e sim, as dos homens”. Não se trata de um ataque pessoal
a Pedro com certeza, mas ao padrão triunfalista de falso messia-
nismo alojado no seu corpo. Pedro tem que desconstruir essa peri-
gosa “teologia” messiânica que tenta obstaculizar o caminho do
Mestre, o caminho do sofrimento, da rejeição, da cruz, do total
desapego e, consequentemente, da vitória da vida. Não é Jesus que
tem de seguir o pensamento de Pedro, mas é Pedro que deve seguir
o exemplo do Mestre! Por isso Jesus completa: “Se alguém quer
vir após mim [o caminho é este!], renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-me! Pois quem quiser salvar sua vida a perderá; mas
quem perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará”
(v. 34-35). Esse é o caminho da salvação messiânica: desapegar-se
de tudo, até da vida!
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos BR

Interessante que tal destino do Messias-Servo Jesus já fora intu-


ído e anunciado pelo profeta Isaías, a cerca de 500 anos antes, como
vimos na primeira leitura. Ele, o Servo, confiando somente em Deus
seu Auxiliador e, por isso, desapegado de tudo, não se deixa abater,
não desanima com as terríveis torturas sobre seu corpo. Em Deus
ele se firma (cf. Is 50,5-9a), certo de que com Ele vai superar toda
humilhação. Por isso, hoje Jesus vem e repete conosco o Salmo 116:
“Caminharei na presença do Senhor na terra dos vivos” (v. 9).
Desapegar-se de tudo, até da vida, operando em favor da saudá-
vel qualidade de vida para todos: Isso que é fé! Fé messiânica cristã!
Por isso que hoje, pela carta de São Tiago, na segunda leitura, Deus
nos lembra oportunamente que a fé, se não se traduz em obras, por si
só está morta (cf. Tg 2,14-18).

Atualizando a Palavra
Nós cristãos seguimos um Messias diferente. Acreditar em Jesus é
aderir ao Servo, líder rejeitado e morto, mas que é também ressusci-
tado por Deus. “Ser cristão é seguir Jesus pelo caminho do sofrimento.
Não existe fé cristã sem via-sacra. É isso, não pelo prazer de sofrer,
mas porque é preciso enfrentar a injustiça e tudo quanto se opõe a
Deus no próprio campo de batalha. Ser cristão não é compatível com
sempre ter sucesso no mundo; quem não é perseguido provavelmente
não está trilhando os passos de Jesus”.!!
E aqui tocamos direto na missão da Igreja e dos movimen-
tos eclesiais: “A Igreja não é para torcedores que pagam para ver o
time ganhar; é para jogadores dispostos a enfrentar sacrifícios. Mas
esta comparação esportiva é perigosa: pode sugerir autoafirmação,
e então estaríamos novamente pensando nas coisas dos homens e
não nas de Deus. Não se trata de autoafirmação, nem de heroísmo
para glória própria, mas antes, de ter um ouvido aberto à voz de

11 KONINGS,J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis...Op. cit., p. 324.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Deus, que nos mostra o caminho que por nós mesmos não sus-
peitávamos ser o caminho de Deus. Trata-se de ter o coração de
discípulo, que saiba escutar Deus nos seus planos mais misterio-
sos. Será que Deus não está mostrando um caminho de “mais vida'
quando sugere cuidar de uma criança doente, de pessoas excluídas,
do silêncio de quem não pode falar, do esquecimento de si? (..)
tenhamos o ouvido aberto!
Cristo nos deu o exemplo.
Pp Nele confiamos. Tendo em vista sua
“vitória”, não importa que “perdemos nossa vida' segundo os critérios
deste mundo. Ganharemos Deus”.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que, logo no início da nossa celebração, fizemos especial
pedido ao Deus criador no sentido de sentirmos de fato a ação do
seu amor por nós e, consequentemente, servi-Lo de todo o coração.!?
Em que momento nos é dada hoje a chance de sentir este amor?
Como na experiência dos discípulos de Emaús, é especialmente no
momento da fração do pão. Pois foi neste momento que eles percebe-
ram que o Messias morto na cruz estava vivo e fazendo companhia no
nosso caminho. E nós podemos também fazer a mesma experiência.
Por isso que no momento em que o pão começa a ser partido, todos
nós cantamos um tradicional e significativo refrão contemplativo e
suplicante: “Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo, tende
piedade de nós (...) dai-nos a paz!”, É o Corpo entregue do Senhor
que no rito se parte e se reparte por todos nós. O Messias-Servo
que no sacramento se dá como Corpo entregue e Sangue derramado
pela nossa salvação. E nós o assimilamos na sagrada comunhão para
sermos também nós, desapegados de nós mesmos, corpo entregue a
serviço da qualidade saudável de vida dos seres humanos, sobretudo
dos mais pobres e sofridos.

12 Cf. Oração do dia.


Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B - São Marcos RB

Por isso que concluímos a ceia com este significativo pedido:


“Ó Deus, que a ação da vossa Eucaristia penetre todo o nosso ser
para que não sejamos movidos por nossos impulsos, mas pela graça
do vosso sacramento”.! Isto é, que sejamos movidos não por nossos
padrões interesseiros, mas pelo sentido de humildade e gratuidade do
Messias libertador presente nesta ceia pascal. Amém!

Sugestões para a celebração O


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB! oferece
propostas de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura
(Senhor, escuta as preces do servo teu: p. 127); Salmo Respon-
sorial (Sl 116[114+115] — Andarei na presença de Deus:
p. 160-161); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Eu de nada
me glorio!: p. 227); Comunhão (Se alguém me quer seguir:
p. 270-271); Comunhão opcional (Sl 37/36] — Os sofrimentos
do tempo presente [Sl 37/36]: p. 364).

2. Na missa, caprichar no momento da fração do pão, verdadeiro


rito epifânico da morte-ressurreição do Senhor. No momento em
que o pão é partido, vemos ali na frente do nosso nariz o Senhor
ressuscitado se partindo e repartindo por nós. Por isso, quem
preside, execute o rito com calma, com espírito contemplativo e
orante, de forma visível a todos, mas sem espalhafato e teatrali-
zação. E durante o rito toda a assembleia canta o refrão contem-
plativo e suplicante: “Cordeiro de Deus...”. Se houver abraço da
paz, inicie-se o rito somente depois que todos se acalmaram, para
que então se concentrem sobre este significativo momento ritual,
o da “fração do pão”. 3

13 Oração depois da comunhão.


14 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
n O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

3. No momento da preparação das oferendas, cantar somente


quando as oferendas são levadas ao altar. O canto acompanha
a procissão das oferendas. Terminada esta, então quem preside,
rezando ou cantando, proclama o “bendito” ofertorial: “Bendito
sejais, Senhor Deus do universo, pelo pão... (...) Bendito sejais,
Senhor Deus do universo, pelo vinho...”, e a assembleia responde
cada vez cantando ou rezando: “Bendito seja Deus para sempre”,
ou, “Bendito seja o nome do Senhor, agora e sempre e por toda a
eternidade”. É uma forma elegante de garantir o caráter dialogal-
participativo entre o presidente e a assembleia também no rito
da preparação das oferendas.
asia
us ' —

25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

20 de setembro de 2015

O FILHO DO HOMEM VAI SER ENTREGUE... SE ALGUÉM QUISER SER O PRIMEIRO,


QUE SEJA AQUELE QUE SERVE A TODOS. (Cr. MO 93135)

Leituras: Sb 2,12.17-20; SI 54(53),3-4.5.6.8 (R/.6b); Tg 3,16-4,3;


Mc 9,30-37.

Situando-nos
Jesus caminha conosco. Por isso que, seguidamente, proclamamos na
Liturgia que “ele está no meio de nós”. E nós caminhamos com Ele
e nEle. Pois Ele é o nosso caminho. Com Ele fazemos uma parada
para ouvi-Lo: faz parte também do caminho. É o que está aconte-
cendo aqui e agora, novamente. Estamos reunidos para um diálogo
franco com o Senhor. Ele fala, nós ouvimos e também reagimos à sua
fala com nossa reflexão, nossa profissão de fé, nossos pedidos, nosso
louvor e nossa participação na sua Ceia.
Domingo passado, Jesus nos mostrou em que consiste seu ser
Messias-salvador. Não tem nada a ver com o messianismo político-
“imperialista e triunfalista pensado e esperado pelos adeptos da reli-
gião judaica de então. Deus tem outro pensamento: o messianismo
salvador de Jesus, seu Filho, passa pelo sofrimento, pela cruz e pela
ressurreição. Jesus se faz Servo de todos: este é o Messias pensado por
Deus em vista da salvação da humanidade.
Para os discípulos de Jesus, no entanto, isso estava sendo muito difi-
cil de ser entendido, com certeza. Pois eles pertenciam à tradição reli-
giosa judaica, que cultivava outra ideia de Messias. Por isso, hoje Jesus
retorna com eles ao assunto, como acabamos de ouvir no Evangelho.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Recordando a Palavra
Atravessando a Galileia, e exigindo silêncio a seu respeito, Jesus
ensinava a seus discípulos. E qual era o seu ensinamento? Antes
de tudo, que Ele “vai ser entregue às mãos dos homens, e eles o
matarão. Morto, porém, três dias depois ressuscitará” (Mc 9,31).
Palavras “loucas” que não cabiam na cabeça dos discípulos! Não
entenderam nada. E tinham até medo de perguntar, pois qualquer
resposta do Mestre poderia provocar neles uma profunda “crise de
fé” e mergulhá-los numa tremenda insegurança existencial. É que
sua incompreensão tinha raízes religiosas e culturais profundas.
De fato, a mente dos discípulos estava em outra vibração. Tanto
que, depois, no caminho, travaram entre eles uma discussão sobre quem
era o maior. Na cabeça deles vibrava ainda o “jogo” do prestígio e poder.
Mas não era esse o “jogo” do Mestre a quem seguiam. Eles têm
que desconstruir essa perigosa “teologia”. Pois o “jogo” de Jesus, em
. e € s º co »

profunda conexão com o pensamento de Deus de onde Ele veio, é


este: “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, aquele
que serve a todos!” (v. 35). Fazer-se menor, portanto. Seu “jogo” está
na imagem da criança a ser acolhida pelos discípulos: “Quem acolhe
em meu nome uma destas crianças, a mim acolhe. E quem me aco-
lhe, acolhe, não a mim, mas Aquele que me enviou” (v. 37).
Interessante que tal destino do “justo filho de Deus” que aos
poderosos incomoda já fora intuído e anunciado pelos sábios do
Antigo Testamento, como vimos na primeira leitura. Ele terá de
enfrentar as piores torturas e a “morte vergonhosa” perpetrada pelos
“orgulhosos”, mas por sua fidelidade “virá alguém em seu socorro”
(Sb 2,20). Por isso, hoje, Ele vem e repete conosco o Salmo 54, cujo
refrão soa assim: “Eis que Deus virá em meu auxílio, o Senhor sus-
tenta a minha vida” (v. 6).
Essa é a grande sabedoria de vida ensinada pelo nosso Mestre
Jesus. Como ouvimos na segunda leitura, “a sabedoria, porém, que vem
do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora,
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum —- Ano B - São Marcos R

cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fin-


gimento”. E “o fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que
promovem a paz” (Tg 3,17-18). Em outras palavras, o exemplo do
nosso Mestre questiona permanentemente nossas posturas pessoais e
comunitárias, muitas vezes dominadas por padrões que geram inveja
e rivalidade, geradoras das “desordens e toda espécie de obras más”
(v. 16). As paixões conflituosas dentro de nós, geradoras de invejas,
cobiças, brigas, guerras e mortes dentro da comunidade, precisam ser
curadas na força do exemplo pacífico do nosso Mestre. Caso contrário,
até nossas orações ficarão prejudicadas e jamais atendidas.

Atualizando a Palavra
Ambição ou humildade: eis a questão. Na liturgia de hoje, Deus
nos convoca a mergulhar mais fundo no mistério de Cristo e de nós
mesmos. Vimos como os pensamentos dos discípulos estavam longe
do sentido da fala de Jesus sobre seu sofrimento. Não entenderam.
Tanto é que, depois, ainda ficavam discutindo entre si sobre quem
deles era o maior. Foi quando Jesus trouxe uma criança para o meio
deles, dizendo que a criança estava ali como sendo ele mesmo, e até
mais do que isso. Ele se identifica com ela, pois tem muito presente
o amor paterno de Deus.
Vimos na primeira leitura como o justo que confia plenamente
neste Deus Pai é considerado insuportável pelos poderosos que só
dão importância à força e à arrogância. E na segunda leitura vimos
o tanto de mal que a ambição pode fazer dentro de uma comuni-
dade cristã. “Na lógica do mundo, o que importa é a prepotência, a
ambição. Mas Deus é pai do justo, sobretudo do justo oprimido. Na
criança desprotegida, ele mesmo se torna presente”.
Para o humilde “justo filho de Deus”, perseguido pelos prepo-
tentes, a grandeza mundana não importa. Daí que “uma criança sem

15 KONINGS,)J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis...Op. cit., p. 326.
N O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

importância pode ser representante de Jesus e, portanto, de seu Pai,


Deus mesmo. É se não for uma criança, pode ser um mendigo, um
desempregado, um aidético... No aspecto de não terem poder, esses
sem-poder parecem-se com Jesus. Nossa “ambição” deve ser: servir
Jesus neles. Então seremos grandes”.!º
O que significa isso? Significa que, “quem não tem poder só
pode contar com Deus e com os 'filhos de Deus”, os que querem ser
semelhantes a Ele. Então, de repente, não é a ambição que move o
mundo, mas a força do amor que Deus implantou em nós. Não o
orgulhoso ou o ambicioso, mas o humilde consegue despertar a força
do amor que dorme no coração do ser humano. À criança desperta
em nós o que nos torna semelhantes a Deus, nosso Pai”. Então
teremos vida eterna.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que concluímos os ritos iniciais de nossa celebração precisa-
mente com esta oração: “Ó Pai, que resumistes toda a lei amor a
Deus e ao próximo, fazei que, observando o vosso mandamento,
consigamos chegar um dia à vida eterna”!
E onde, e com quem, podemos hoje aprender a verdadeira sabe-
doria de amar? Aqui mesmo, nesta celebração eucarística. Com Jesus
que se abaixa à humilde condição de um simples pedaço de pão e um
pouco de vinho para ser comido e sorvido por nós. É muita humil-
dade! Este exemplo de humildade fala muito alto e nos provoca!
Como ainda estamos longe de ser assim! Talvez, ainda muito pouco
nos deixamos envolver e converter por Ele. Distraídos pela vibração
do mundo, da ambição, do poder, arraigada em nossa mente, ficamos
ainda disputando entre nós quem é o maior. É o resultado são as
desavenças entre nós.

16 Ibidem.
17 Ibidem.
18 Oração do dia.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos n

Eucaristia é, de fato, a melhor escola da fé. Deixemo-nos ques-


tionar e educar por este Jesus que nesta Eucaristia se faz “menor” por
todos nós e, desta maneira, entra em comunhão com nossos corpos.
Assimilando-o, logo mais, pela participação em sua Ceia, fazendo-
-nos corpo com Ele, possamos então nos qualificar melhor como
cristãos e, assim, contribuir com Jesus para a salvação da humanidade.
Por isso que, após a comunhão, oramos a Deus no sentido de
que, uma vez por ele alimentados pelo sacramento eucarístico, “pos-
samos colher os frutos da redenção na liturgia e na vida”.!? Amém!

Sugestões para a celebração


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Eu sou a salvação:
p. 127 — [Pd.D.)] Eu sou a salvação do meu povo: p. 387-395);
Salmo Responsorial (Sl 54[53] — É o Senhor quem sustenta: p.
160-161); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Eu te louvo, ó Pai
Santo! p. 227); Comunhão (Primeiro quem será, o último há de
ser: p. 270-271, — Eu sou o bom Pastor: p. 270-271).
2. É importante preparar bem os leitores e leitoras para a proclamação
da Palavra, a fim de que toda a assembleia de fato ouça e vivencie
tudo o que ouvir, o que, aliás é um direito e dever dela (cf. SC, n. 14).
Isso depende muito da qualidade técnica e espiritual da proclamação
da Palavra exigida inclusive pelos documentos oficiais da Igreja.

3. Para quem preside a Eucaristia, recomendamos a leitura e estudo


atento das orientações da Comissão Episcopal Pastoral para a
Liturgia, sob o título Graça e arte de presidir, publicadas neste
ano.” Muito oportunas e instrutivas!

19 Oração depois da comunhão.


20 CNBB. Hinário litúrgico. 3o Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
21 Cf. Formação litirgica nos seminários e nas casas de formação. Brasília: Edições CNBB, 2015,
p. 17-32. (Coleção “Sendas”, volume 2).
DER = a 5
o e

26º DOMINGO DO TEMPO COMUM

27 de setembro de 2015

QUEM NÃO É CONTRA NÓS É A NOSSO FAVOR... SE TUA MÃO TE LEVA A PECAR,
CORIA-A! (Cr. MC 40,43)

Leituras: Nm 11,25-29; Sl 19(18),8.10.12-13.4 (R/.8a,9b); Tg 5,1-6;


Mc 9,38-43.45.47-48.

Situando-nos
Houve uma época em que no cristianismo, especialmente na Igreja
católica, nos afastamos demais da maneira de Jesus pensar e agir.
Houve uma época, por exemplo, em que a cristandade tradicional
se caracterizava por atitudes fortemente exclusivistas. Só a Igreja
Católica estava certa. Chegava-se a dizer que quem morresse fora da
Igreja Católica ia para o inferno. Tentação muito forte também em
outras religiões: achar que temos direitos autorais exclusivos sobre a
salvação das pessoas!
São tentações vividas pelas comunidades cristãs primitivas,
certamente. São tentações que viveram os discípulos de Jesus. São
tentações que viveram companheiros de Moisés, lá no Antigo Tes-
tamento. E, quem sabe, são tentações também nossas, quando por
ciúme atrapalhamos ou até impedimos que alguém tenha sucesso no
bem que faz. |
Aquele que de Deus procede, o Filho de Deus, portanto, vem
nos iluminar e colocar em xeque tais padrões humanos de apegos
exclusivistas que se alojam em nossos corpos pessoais e comunitários.
Ouvimos sua Palavra. Coloquemo-nos agora melhor à sua escuta,
refletindo sobre ela.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos

Recordando a Palavra
Os discípulos de Jesus proibiram um homem de expulsar demônios
em seu nome. Motivo da proibição: não era do grupo dos seguidores
diretos de Jesus.
Diante da notícia, Jesus reagiu dizendo: “Não o proibais, pois
ninguém que faz milagres em meu nome poderá logo depois falar mal
de mim. Quem não é contra nós, está a nosso favor” (Mc 9,39-40).
Em outras palavras, se é no “nome” de Jesus que fazem o bem,
é sinal que realizam precisamente o que Jesus significa e deseja: o
bem das pessoas. O bem das pessoas tem tudo a ver com o “nome” de
Jesus! Isso é que importa!
Querem ver? Um simples copo de água dado a alguém — em
“nome” de Jesus, portanto! — já tem a sua recompensa; não importa
quem o faça. O contrário também: “Se alguém escandalizar um des-
tes pequeninos que creem” — isto é, se age contra o “nome” de Jesus,
fazendo o mal, portanto —, melhor que fosse jogado no mar com uma
pedra ao pescoço. Não importa também quem o faça.
Portanto, se um dos membros do teu corpo te leva a fazer o mal
em vez do bem, corta-o fora, arranca-o fora. Em outras palavras, o
“nome” de Jesus — isto é, o bem a ser feito acima de tudo! —, exige
que a gente corte pela raiz tudo o que leva a fazer o mal a quem quer
que seja. Caso contrário, a gente mesmo acaba se arruinando radical-
mente. Desapego de tudo, portanto, também de ciúmes e exclusivis-
mos na arte de fazer o bem.

Aliás, a história de exclusivismos na arte do bem fazer já é uma


história muito antiga, do tempo de Moisés, como vimos na pri-
meira leitura (cf. Nm 11,25-29). Alguém reclama de duas pessoas
não pertencentes ao grupo dos anciãos (colaboradores próximos
de Moisés) que estavam também profetizando. Moisés, iluminado
pelo espírito de Deus, lhe responde: “Tens ciúmes por mim? Quem
dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor lhe
concedesse o seu espírito!” Em outras palavras, a possibilidade de
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

profetizar (fazer o bem) está aberta a todos. Não é exclusividade de


um grupo. Eis a perfeição da lei de Deus. Por isso que cantamos
hoje o Salmo 19, cujo refrão soa assim: “A lei do Senhor é perfeita,
conforto para a alma”.
Desapego, portanto, de tudo, pois os apegos não levam a nada,
porque não estão no cardápio de Deus. Por isso que a Palavra de
Deus hoje, através da carta de Tiago, também dá uma boa chamada
aos ricos, isto é, aqueles cujo deus são suas fortunas materiais e, con-
sequentemente, praticam a injustiça, condenando os trabalhadores a
morrerem à míngua. Ricos, desgraçados de vocês, pois as riquezas
de vocês já estão apodrecendo (cf. Tg 5,1-6), é o alerta da Palavra.
Segurar tudo exclusivamente para si é perigoso: machuca os outros e
conduz à própria ruína.

Atualizando a Palavra
À pessoa de Jesus, seu pensamento, sua palavra e seu agir, é o Reino
de Deus presente entre nós: “O nome de Jesus representa o Reino
do Pai. O nome de Jesus se liga a uma realidade nova, a vontade
de Deus. “Ninguém que faz milagres em meu nome poderá logo
depois sair falando mal de mim” (Mc 9,39). Por tudo aquilo que Ele
disse e fez, pelo dom da própria vida, Jesus ligou a seu nome a nova
realidade que se chama o “Reino de Deus”. Quem consegue usar o
nome de Jesus como força positiva certamente colabora de alguma
maneira com o Reino”.?
E é um Reino que também está espalhado pela sociedade
humana toda, em todo lugar e em todos os tempos, lá onde se pra-
tica a justiça e se promove qualidade de vida saudável para todos,
salvação, sobretudo para os mais sofridos. “Não é preciso ser católico
batizado para colaborar com os valores do Evangelho. Os primeiros
missionários no Brasil ficaram cheios de admiração, porque os índios

22 KONINGS,)J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis...Op. cit., p. 329.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B - São Marcos RB

pagãos pareciam ter mais valores evangélicos que os colonos portu-

gueses escravocratas. O testemunho do Evangelho pode existir fora


da comunidade cristã, e nós devemos alegrar-nos por causa disso.
Então, em vez de dizer que fora da Igreja não há salvação, vamos
dizer: tudo o que salva expande o que estamos fazendo na Igreja.
Pensamento positivo”.?

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso, logo no início da nossa celebração, proclamando o poder
de Deus “sobretudo no perdão e na misericórdia”, isto é, permitindo
que a salvação seja expandida por todos e para todos, pedimos
então a abundância de sua graça, a fim de que, caminhando ao
encontro das suas promessas, alcancemos os bens que por Ele nos
são reservados.
À misericórdia de Deus se manifesta hoje de novo aqui, nesta
Eucaristia, quando Jesus mesmo se apresenta como corpo entregue
por nós e como sangue derramado por nós e por todos para a remis-
são dos pecados. Sangue derramado por todos! Não foi exclusiva-
mente por um grupo de seguidores seus que Ele morreu, mas por
todos. Toda a realidade humana e cósmica ficou embebida da sua
seiva vital representada pelo seu “sangue derramado”,

Feliz quem percebe este mistério e nele se engaja para viver


esse espírito de universalidade do Reino de Deus mostrado por
Jesus. Por isso, estamos aqui: para aprender com o exemplo do
nosso Mestre. Sobretudo logo mais, participando da mesa do
Senhor, comendo do Corpo entregue e bebendo do Sangue der-
ramado do Senhor nesta Ceia, com Ele aprendemos a nos desa-
pegarmos de nós mesmos e, assim, livres, possamos permitir que
a vida do Reino flua livre por toda parte e, assim vivendo, tenha-
mos a divina recompensa.

23 Ibidem.
N O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Por isso que,


que, enfim, » P pedimos a Deus “que
q a comunhão nesta
Eucaristia renove a nossa vida para que, participando da paixão de
Cristo neste mistério, e anunciando a sua morte, sejamos herdeiros
da sua glória”.

Sugestões para a celebração O


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Senhor, tu tens
razão: p. 127); Salmo Responsorial (Sl 19[18] — À lei do Senhor
é perfeita: p. 162-163); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Tua
Palavra é verdade: p. 227); Comunhão (É melhor com apenas
um olho: p. 272) — (Pd.D.) (Lembrai-vos, Senhor, de vossa
palavra!: p. 388, 394).
Tanto o(a) leitor(a) como quem proclama o Evangelho (sacerdote
ou diácono), só vão exercer bem o seu ministério de anunciadores
da Boa-Nova, se tiverem em mente o exemplo do Mestre fazendo
a leitura na sinagoga de Nazaré (cf. Lc 4,14-21). Primeiro, Jesus
era um iluminado, isto é, deixava-se conduzir pela “força do
Espírito”. Segundo, Ele tinha consciência de ser Ele mesmo um
anúncio da Boa-Nova libertadora aos pobres, aprisionados, cegos
e oprimidos; um anunciador de um tempo novo. Terceiro, Ele
tinha certeza de que o que se anunciava ali para aquela assembleia
reunida era muito real, estava acontecendo no ato. Assim deve
ser o(a) proclamador(a) da Palavra na liturgia hoje: iluminado(a),
consciente de ser seu próprio corpo um anúncio vivo, na certeza
de se tratar do próprio Senhor vivente a falar para a assembleia
reunida. Siga o exemplo consumado de um bom leitor: Jesus
de Nazaré! Pense na sua postura, seu rosto sereno a olhar com
compaixão a assembleia, sua voz suave e, ao mesmo tempo, clara

24 Oração depois da comunhão.


25 CNBB. Hinário fitirgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B - São Marcos

e firme, acreditando no que está lendo, tanto que o povo percebe


que o que ele lê é pura verdade, não é mentira. Siga o exemplo
deste Mestre! Então você será um(a) leitor(a) segundo o coração
de Jesus, e os ouvintes verão em você o próprio Jesus falando e,
assim, pela escuta envolvente e atenta, sentir-se-ão participantes
ativos na Sagrada Liturgia que acontece também no momento
das leituras (cf. SC, n. 14).

3. Quanto à proclamação da Oração Eucarística, convém lembrar


uma oportuna observação da Comissão Episcopal Pastoral para a
Liturgia da CNBB: “A Oração Eucarística pede um tom pacato,
com breves pausas, com voz serena e intensa, modulada segundo
as diferentes partes. Às epícleses, por exemplo, são de tipo invoca-
tivo, a narração da instituição narrativo, a anamnese é de caráter
evocativo e a doxologia é aclamatória. Numa palavra, o Presi-
dente deve dar as cores ao texto, interpretá-lo, sendo e sentindo-
-se guia orante da Assembleia, tornando-se voz de Cristo e da
Igreja e não frio 'pronunciador' de palavras impostas”.?

26 Como complemento, leia a esplêndida reflexão sobre “a voz do leitor”, em: BOSELLI,
Goffredo. O sentido espiritual da liturgia. Brasília, 2014, p. 69-74. (Coleção “Vida e Liturgia
da Igreja”, volume 1).
27 Formação lifiúrgica nos seminários e nas casas de formação. Op. cit., p. 30.
27º DOMINGO DO TEMPO COMUM

4 de outubro de 2015

"O QUE DEUS UNIU, O HOMEM NÃO SEPARE”, (MC 10,9)

Leituras: Gn 2,18-24; Sl 128(127),1-2.3.4-5.6 (R/. cf. 5); Hb 2,9-11;


Mc 10,2-16 (mais longo) ou Mc 10,2-12 (mais breve).

Situando-nos
“Bendito seja Deus que nos reuniu no amor de Cristo”, foi o que
todos vocês disseram em alto e bom som logo no início desta
celebração. Em outras palavras, proclamamos que o que está
acontecendo aqui é obra de Deus. Ele nos reuniu. Ele nos fala
pela sua Palavra. Ele nos prepara e oferece gratuitamente um
banquete, o seu banquete nupcial para todos nós. Em outras
palavras, ele nos mostra e traz para nossos corpos toda a amorosa
paixão que tem por nós.
Ouvindo a Palavra e celebrando a paixão-morte-ressurreição
de Jesus e o dom do seu Espírito, acontece aqui, por obra de Deus, a
renovação da eterna e definitiva aliança entre Deus e a humanidade
no mistério da Páscoa do Senhor Jesus. Aliança esta biblicamente
representada pela realidade simbólico-sacramental do casamento
entre um homem e uma mulher; realidade sagrada, portanto, mas
nem sempre entendida nem respeitada, principalmente por quem
baseia seu viver exclusivamente em leis forjadas por padrões da
mente humana.
A Palavra de Deus vem hoje nos trazer uma luz neste sentido.
Retomemo-la. Deixemo-nos conduz por seu espírito.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos

Recordando a Palavra
Já vimos nos domingos anteriores como Jesus vem enfrentando
resistências, principalmente por parte das autoridades religiosas de
então. Não viam a hora de poder pegar Jesus em alguma armadilha
por eles bem arquitetada. Tão escravos e dependentes viviam de
padrões legais meramente humanos que não conseguiam ver, e muito
menos admitir, na pessoa daquele humilde Jesus de Nazaré o próprio
Deus se “casando” com a humanidade.
Daí a pergunta capciosa de alguns fariseus, baseando-se numa
lei do tempo de Moisés: é permitido ao homem divorciar-se de sua
mulher? Pode ou não pode? À lei diz que pode! (cf. Mc 10,2-4).
Jesus, sabiamente, não se deixa envolver pela questão meramente
legal. Ele vai à raiz das questões: Se a lei permitiu tal tipo de procedi-
mento, foi para atender à “dureza do coração de vocês”, resultante do
afastamento do coração de Deus. Foi porque vocês se desconectaram
do projeto original de Deus em relação ao ser humano (cf. primeira
leitura)! Como lembra Jesus: Desde o começo da criação Deus os fez
homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os
dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne.
Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe! (v. 6-9).
Aos discípulos,
pulos, depois,
depois, Jesus explica
Pp em Pp particular q que o divór-
cio significa “adulteração” de uma relação e, por isso mesmo, fora do
. . . « = 3) no “

plano de Deus. O projeto de Deus é que todas as relações humanas


— começando pelo casamento, é claro — sejam de amor, compaixão,
perdão: verdadeiras. Pois Deus é assim em relação a nós! Por isso se
entende que, logo em seguida, Jesus se “aborrece” com os discípu-
los por repreenderem as crianças trazidas a ele para que as tocasse.
Como que a dizer: deixem elas vir e, quanto a vocês, voltem a ser
como elas, e então experimentarão o sentido do Reino de Deus como
relação humana pura, sem falsidade, sem adulteração. Isso que é bên-
ção! Por isso cantamos o Salmo 128, cujo refrão soa assim: O Senhor
te abençoe de Sião, cada dia de tua vida (cf. v. 5).
no O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Bênção, porque, como diz a carta aos Hebreus, na segunda


leitura (Hb 2,9-11), tanto Santificador (Jesus), quanto os santifi-
cados (seus discípulos) descendem do mesmo ancestral (Deus Pai)
(cf. v. 11).

Atualizando a Palavra
Nos domingos passados vimos Jesus ensinando qual é o caminho
do Filho do Homem: sofrimento, cruz e ressurreição. Ao mesmo
tempo, Ele veio nos explicando em que consiste ser discípulo
e seguir Jesus. E, nesse contexto, hoje Ele vem nos mostrar que
“também um casamento fiel faz parte do seguimento de Jesus, do
discipulado”.
E quem é este Jesus? É o Messias que vem restaurar as coisas
conforme o projeto mais original de Deus. Também no que diz res-
peito ao matrimônio. Tinha que ser assim mesmo. Assim Deus o
quis desde a criação... “Outra coisa é quando um governo civil admite
o divórcio: o governo não é o Messias... Tem de fazer como Moisés:
dar uma legislação para a fraqueza, para a “dureza de coração”, para
limitar o estrago...”.?

“O projeto de fidelidade absoluta no amor faz do matrimô-


nio cristão um sinal eficaz do amor de Deus para o seu povo:
um sacramento. Em Efésios 5,22-33, Paulo relaciona o amor de
esposo e esposa com o amor que Cristo tem para a Igreja e chama
isso de grande mistério ou sacramento. Ora, nesse mistério de
amor está presente o caminho de Cristo: assumir a cruz nos pas-
sos de Jesus”.?
Hoje, coincidentemente, inicia-se em Roma o Sínodo sobre
a família, convocado pelo Papa Francisco. Muita discussão,
muita reflexão e oração, certamente. Momento eclesial de suma

28 KONINGS)]. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit., p. 331.
29 Ibidem, p. 331-332.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum -— Ano B — São Marcos R

importância, na busca de amadurecimento evangélico e pastoral


sobre a realidade da família. Momento abençoado, pois possibili-
tará a todos e todas tomarem uma consciência mais aprofundada de
que “o matrimônio, quando bem conduzido em amor inquebran-
tável, é uma forma de seguir Jesus no caminho do dom total?.*º E
Deus é esse dom total.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que iniciamos esta celebração lembrando esta belíssima
oração bíblica: “Senhor, tudo está em vosso poder, e ninguém pode
resistir à vossa vontade. Vós fizestes todas as coisas: o céu, a terra, e
tudo que eles contêm; sois o Deus do universo” (Est 1,9.10-11).º!
E, então, concluímos os ritos iniciais desta missa pedindo a esse
“Deus eterno e todo poderoso que, no seu imenso amor de Pai, nos
concedeu mais do que merecemos e pedimos, que ele derrame sobre
nós a sua misericórdia, perdoando o que nos pesa na consciência e
dando-nos mais do que ousamos pedir”.*? Em outras palavras, que
nos disponhamos a viver o jogo do seu Reino, pura dádiva sua já
presente nos sinais sacramentais desta celebração.
Enfim, depois de participarmos da Ceia memorial da nova e
“eterna” aliança — portanto, indestrutível — selada no sangue der-
ramado do Senhor Jesus, elevamos a Deus este caloroso pedido de
renovação para o nosso discipulado: “Possamos, ó Deus onipotente,
saciar-nos do pão celeste e inebriar-nos do vinho sagrado, para que
sejamos transformados naquele que agora recebemos”.
Que esta Eucaristia abençoe, renove e fortaleça sobretudo os
vocacionados à vida matrimonial. Amém!

30 Ibidem, p. 332.
31 Antífona de entrada.
32 Oração do dia.
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Sugestões para a celebração “SS


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Senhor, em tuas
mãos: p. 127 — [P.d.D.] Senhor do universo, meu Deus: p. 388,
395); Salmo Responsorial (Sl 128[127] — O Senhor te abençoe
de Sião!: p. 162-163); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Se
amarmos uns aos outros: p. 227); Comunhão (Quem o Reino de
Deus não acolhe: p. 272 — [Pd.D.)] É bom o Senhor para quem
nele confia: p. 388-396).

2. Para celebrar bem a Sagrada Liturgia e, assim, seja de fato fonte


e lugar de evangelização, o desafio é termos plena consciência
da primazia da escuta da palavra de Deus. Afinal, “tudo que é
dito e feito no espaço da liturgia deve justificar-se biblicamente,
do mesmo modo que palavras e gestos litúrgicos tem as Escri-
turas como norma. Na medida em que as Escrituras são a língua
materna da liturgia, a escuta poderá ser a raiz da oração. Se a
liturgia fala a língua das Escrituras, com o tempo o fiel, através
da oração litúrgica, poderá alimentar-se da Palavra, memorizá-
“la, até criar dentro de si uma mens biblica, um coração bíblico e,
portanto, uma oração marcada pela primazia da Palavra”.

3. Para o exercício da presidência da Eucaristia, lembramos o que


nos diz a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da CNBB:
“Quem preside foi escolhido não pelos seus méritos, mas pela
graça que o orienta e sustenta, tanto na vida da Comunidade
como na presidência litúrgica. A Instrução Geral sobre o Missal
Romano, n. 83, afirma que o sacerdote exerce efetivamente a
presidência se consegue 'fazer sentir a presença viva de Cristo”.»
Por isso destaca: “Presidir é graça e serviço de amor, é colocar-se a

33 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
34 BOSELLI, Goffredo. O sentido espiritual da liturgia. Op. cit., p. 150. Aconselhamos ainda a
leitura atenta das p. 148-152 desta obra, sob o título “A primazia da Palavra de Deus”.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B - São Marcos RB

serviço da Igreja. Por isso, quem preside, na pregação, é chamado


a anunciar o que a Igreja ensina; na celebração, a ser fiel ao rito
como a Igreja o entrega em suas mãos e não agira como dono
(cf. Jo 21,15-17) e, seguindo o Bom Pastor, entrega-se alma e
corpo ao ministério, servindo aos irmãos em suas necessi-
dades, doando-se em seu ministério de anunciador da Palavra e
animador da Caridade. O vértice da presidência acontece na ação
litúrgica, mas sua justificação se encontra no serviço pastoral.
Somente quem, a partir de Cristo e da Igreja, consome sua vida
pelos irmãos, age coerentemente in persona Christi na liturgia!”.*

35 Formação litúrgica nos seminários e nas casas de formação. Op. cit., p. 31.
coa Det E q IN PE º apa 5 ER PRETO Pigs vd ,
o .

28º DOMINGO DO TEMPO COMUM

11 de outubro de 2015

VENDE TUDO O QUE TENS E SEGUE-ME! (Cr. MC 10,21)

Leituras: Sb 7,7-11; Sl 90(89),12-13.14-15.16-17 (R/. cf. 14); Hb


4,12-13; Mc 10,17-30 (mais longo) ou Mc 10,17-27 (mais
breve).

Situando-nos
Todos nós reunidos formamos o corpo de Cristo. Ele é a cabeça e
nós os membros deste corpo. Isso significa que Ele é nós e nós somos
Ele: um só corpo eclesial. Por isso, podemos senti-Lo coladinho
também a cada um dos nossos corpos. E é bem ao pé do ouvido e ao
nosso coração que ele hoje de novo nos fala. Acabamos de ouvi-lo,
mediante a Palavra de Deus proclamada neste instante. Será que deu
para sentir que era Ele mesmo estava nos falando?
Desde já podemos dizer que a Palavra vem hoje bem provocativa.
Se queremos mesmo ser discípulos do grande Mestre Jesus, devemos
optar; não existe neutralidade. Que bom que Ele vem nos provocar,
para que nossa opção cristã seja cada vez mais amadurecida.
Por isso, vale a pena ainda meditarmos um pouco sobre o que
acabamos de ouvir da boca de Deus. Comecemos pelo Evangelho
(Mc 10,17-30).

Recordando a Palavra
No percurso, alguém provavelmente entusiasmado pela figura de
Jesus, aproxima-se d'Ele “correndo” e até se “ajoelha” chamando-O
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

de “Bom Mestre”. Apressa-se então em dirigir ao Mestre uma


pergunta de interesse pessoal: “Que devo fazer para ganhar a vida
eterna?” (v. 17).
De saída, Jesus faz ver que o “bom” imaginado pelo moço não
era tão bom assim. Tratava-se de um falso padrão de bondade alojado
em sua mente. Não “batia” com o que Jesus pensava. Precisava dar
um passo a mais, isto é, desconfiar do “seu” modelo de bondade e
remeter toda bondade somente a Deus: “Por que me chamas de bom?
Só Deus é bom, e mais ninguém” (v. 18). Em seguida, com uma fina
pontinha de humor, Jesus lembra ao moço o que já lhe era habitu-
almente evidente e conhecido — “Conheces os mandamentos todos,
um por um” — ao que o moço prontamente se justifica respondendo:
“Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”. Na
verdade, o moço ainda estava apegado ao “seu poder” na observância
da lei — ao seu ego! —, e não ao jogo da gratuidade de Deus.
Por isso Jesus olhou para o rapaz “com amor”, isto é, “com com-
paixão”, provocando-o a dar um passo a mais na superação de sua
autossuficiência na busca da vida eterna por ele sonhada: “Só te falta
uma coisa: vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás
um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (v. 21). Foi então que
o moço se recusou em dar o “salto de qualidade” (salvação), quando,
“ouvindo isso” da boca de Jesus, “ficou pesaroso por causa desta pala-
vra e foi embora cheio de tristeza, pois possuía muitos bens” (v. 22).
Jesus, então, “olhando” ao redor para os seus discípulos admira-
dos com o que dizia, asseverou-lhes ser praticamente impossível aos
ricos entrarem no Reino de Deus. Iomados de espanto, concluíram
então com esta pergunta: “Quem então poderá salvar-se?” (v. 26). E
Jesus, de novo “olhando” para eles, taxativamente afirmou: Dentro
dos limitados padrões da mente humana isso é impossível. No pen-
samento de Deus, sim, tudo é possível (cf. v. 27).
Pedro, por sua vez, observou: “E nós, que tudo deixamos e te
seguimos?”. Jesus, por sua vez, lhe garante: Quem mergulhar na
minha causa e na causa do Evangelho — no jogo do Reno de Deus
' O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

— desapegando-se de tudo — de tudo mesmo! —, tornar-se-á pare-


cido comigo, isto é, receberá cem por cento a mais agora, nesta
,

vida — incluindo perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna


(cf. v. 28-30). Em outras palavras, entrem no meu jogo, o que o rico
não teve a coragem de fazer e “foi embora cheio de tristeza”.
Eis, portanto, a suprema sabedoria de Deus revelada na pessoa
do Filho de Deus, e que os sábios antigos já intuíam, como vimos
na primeira leitura (cf. Sb 7,7-11). Em comparação com a divina
Sabedoria, diziam eles, julguei sem valor a riqueza deste mundo
(cf. Sb 7,7-11). Por isso que hoje cantamos o Salmo 90, cujo refrão
ressoa assim: “Saciai-nos, ó Senhor, com vosso amor, e exultaremos
de alegria!” (cf. v. 14).
É a Palavra de Deus que julga os pensamentos e as intenções
do coração humano, como ouvimos na segunda leitura. E Jesus é
a encarnação desta Palavra, “ativa na História, decisiva como uma
espada de dois gumes: diante dela, devemos optar; neutralidade não
existe”,36

Atualizando a Palavra
É bom lembrar que “o Reino de Deus não é propriamente o que
costumamos chamar de “Céu”, é o modo de viver que Jesus veio
instaurar, o reino de amor, de justiça e de paz, onde é feita a vontade
de nosso Pai Celeste. O rico não consegue entregar-se a essa nova
realidade”.*”
Então, de tudo o que ouvimos da Palavra de hoje, podemos tirar
esta grande lição de vida: “O rico não deve pensar que vai conseguir
a herança eterna com base em suas posses, poder, capacidade inte-
lectual ou coisa semelhante. Tem de pedir a Deus, como graça, algo
que não está incluído no pacote do poder: a capacidade de participar

36 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristoe formação dos fiéis...Op. cit., p. 334.
37 Ibidem.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B -— São Marcos R

do Reino. Também não deve estar exclusivamente preocupado com


'salvar sua alma” quando tudo lhe for tirado, mas peça desde hoje a
graça do desapego para participar desse Reino, que já começou no
mundo daqueles que seguem Jesus. Na alegria do servir encontrará
a garantia da “herança eterna”. E “se um rico participa ativamente
do Reino, não será por causa de sua riqueza, mas apesar dela. Tendo
bens, transforme-as em instrumentos de comunhão fraterna e viva
como se não os possuísse”.*
E isso vale para todos nós, pois todos temos nossa mente de
alguma maneira ainda poluída de apegos. Temos ainda dentro de nós
muita mente de rico e pouco espírito de pobre. Muito referenciados
a nós e pouco referenciados a Deus. Razão pela qual muitas vezes
andamos “tristes” por aí.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Faz sentido, pois, o que rezamos logo no início da celebração: “Ó Deus,
sempre nos preceda e acompanhe a vossa graça para que estejamos
sempre atentos ao bem que devemos fazer”. Sim, o espírito de Deus
preceda todo o nosso agir e nós nos engajemos a ele para que o seu
Reino aconteça na sociedade humana, em todo o planeta terra.
Por isso, inclusive, logo mais exaltamos o Deus pela grandeza
de Cristo que nos revelou o Reino salvador: “Senhor, Pai santo (...),
quisestes que Ele (Cristo) fosse o fundamento de todas as coisas, e
a todos destes participar de sua plenitude. Sendo verdadeiro Deus,
despojou-se de sua glória. E, pelo sangue derramado na cruz, trouxe
a paz ao mundo inteiro. Elevado acima de toda criatura, tornou-se
fonte da salvação para todos os que fazem a sua vontade”.
E, enfim, após participar da Ceia pascal, pedimos “humilde-
mente” ao Deus todo-poderoso que, “alimentando-nos com o Corpo

38 Ibidem.
39 Oração do dia.
' O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

e o Sangue de Cristo, possamos participar da vossa vida”.º Em outras


palavras, que assimilando em nós o “despojar-se” do Cristo, partici-
pemos da plenitude da vida de Deus. Amém!

Sugestões para a celebração


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB'! oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Do fundo do
meu penar: p. 128, 129 — Senhor, se as faltas apontas: p. 128,
129); Salmo Responsorial (Sl 90[89] — Saciai-nos, ó Senhor:
p. 160-161); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Que o Pai do
Senhor Jesus Cristo: p. 228); Após a homilia (Ai de vós, ó ricos!:
p. 325); Comunhão (Uma coisa de falta, irmão!: p. 272).

Dentro do contexto da Palavra de hoje, a oração do dia (Coleta)


merece uma atenção toda especial. Ela “merece ser proferida
num ambiente de extrema concentração: a graça de Deus nos
preceda e acompanhe para que prestemos atenção ao bem que
somos chamados a fazer. Não somos nós que inventamos o bem,
Deus o coloca como tarefa no nosso caminho. Por isso, devemos
pertencer plenamente a Ele, para que não passemos ao lado sem
perceber as oportunidades que nos são oferecidas”.*

Para quem preside, uma palavra da Comissão Episcopal Pastoral


para a Liturgia da CNBB: “Quem preside é, por vocação,
educador dos irmãos na fé eclesial. Para isso, a oração litúrgica
é oportunidade preciosa e delicada. Nela se encontra alimento
para a fé e a oração pessoal, a contemplação orante e a arte de
educar com equilíbrio e sabedoria. Cuide-se da tentação do dése-
quilíbrio, ou da esquizofrenia, com as consequentes contraposi-
ções que, às vezes, são causa de incompreensões e divisões. Pode

40 Oração depois da comunhão.


41 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
42 KONINGS,J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit., p. 334.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

acontecer (e acontece!) que a oração, comunitária e fraterna por


excelência, acabe dividindo”.*

4. Um conselho a todos os ministros e ministras da celebração


(presidência, acólitos, leitores(as), ministros e ministras da
comunhão eucarística, cantores, músicos e instrumentistas etc.):
exerçam o ministério sempre dentro do espírito da celebração
de hoje iluminada pela Palavra, a saber, com espírito de desa-
pego. Atuem conscientes de que o ministério não é “seu”, não
é propriedade sua, mas apenas gratuita oportunidade dada por
Deus como prestação de serviço à assembleia reunida. Isso se
chama atuar com plena liberdade e, portanto, sem tristeza, ou
melhor, com alegria.

43 Formação litúrgica nos seminários e nas casas de formação. Op. cit., p. 32.
PR RE DD DA 2 a CN ESA DS oro ep ais+ E , E EU "a rã Te ER DA eo ape E e) 4 ES deal qem cd o

NOSSA SENHORA DA
APARECIDA, PADROEIRA DO
BRASIL, solenidade

12 de outubro de 2015

“FAZEI O QUE ELE VOS DISSER”. (JO 2.5)


Leituras: Est 5,1b-2; 7,2b-3; SI 45(44),11-124-12b.13.14-15a.15b-16
(R/ 11 e 12a); Ap 12,1.5.13a.15-16a; Jo 2,1-11.

Situando-nos
Hoje, mais uma vez, Deus nos dá a graça de estarmos aqui reunidos para
ouvirmos sua Palavra e participarmos da Ceia do Senhor, memorial do
sacrifício pascal de Cristo. É o fazemos na solenidade da padroeira
do nosso Brasil, Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Deus, por
intermédio de Maria, tem muito a nos dizer e oferecer neste dia.
“Aparecendo em 1717 a pobres pescadores, que trabalhavam
para fartar a mesa dos nobres, Nossa Senhora Aparecida assume —
como seu Filho Jesus — a opção preferencial pelos pobres marginali-
zados. Com ela identificam-se todos os que são oprimidos e postos
à margem em nosso país. Além do mais, ela quis aparecer negra,
identificando-se, assim, com os escravos de ontem e de hoje.
Celebrar, portanto, a festa da padroeira do Brasil, significa
redescobrir os valores libertadores aí contidos, em constante impulso
pastoral que visa a concretizar o projeto de Deus em nosso meio”,*!

44 BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos. Anos 4, B, C, Festas e Solenidades. São Paulo:


Paulus, 2006, p. 779.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos '

Com Maria, coloquemo-nos ainda à escuta da Palavra, o Cristo


vivo e ressuscitado que nos fala e nos interpela. O que será que Deus
está querendo nos dizer hoje?

Recordando a Palavra
O Evangelho nos fala de um casamento em Caná da Galileia
(Jo 2,1-11). Entre os convidados lá se fez presente a “mãe de Jesus”,
bem como “Jesus e seus discípulos”.
À certa altura da festa, vindo a faltar vinho, Jesus ouve de “sua
mãe” a observação: “Eles não têm vinho”. “Mulher, para que me
dizes isso? À minha hora ainda não chegou” (v. 4). E logo “sua
mãe” tomou a iniciativa de avisar o pessoal de serviço: “Fazei tudo
o que ele vos disser” (v. 5). De fato, eles obedeceram. À pedido de
Jesus, encheram de água seis enormes vasilhas de pedra, cada qual
com capacidade de mais ou menos cem litros. Em seguida, a mando
de Jesus, fizeram o mestre-sala provar desta água. Era vinho, e da
melhor qualidade (cf. v. 6-10)! E o escritor do Evangelho, João,
finaliza com esta observação: “Este início dos sinais, Jesus o reali-
zou em Caná da Galileia. Manifestou sua glória, e os seus discípu-
los creram nele” (v. 11).
À figura
B de Maria, P portanto, E»aparece aí como “Mulher” mulher
intercessora, “mãe de Jesus” expressando um pedido: “Fazei tudo o
que ele vos disser”,

Remete-nos à rainha Ester, outra grande mulher, lá do Antigo


Testamento, como ouvimos na primeira leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-
3): junto ao rei Assuero encantado por sua beleza, ela intercede pelo
seu povo manifestando seu maior pedido e desejo: “Concede-me
a vida (...) e a vida do meu povo” (Est 7,3). Ester, uma figura de
Maria que, por sua vez, é figura da própria Igreja pela qual o divino
Rei se encanta. Por isso cantamos hoje o Salmo 45, cujo refrão
soa assim: “Ouve, filha, inclina o ouvido, que agrade ao rei a tua
beleza” (v. 112.124).
n O caminho para ser discipulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

De fato, é no céu que depois o mesmo evangelista João vis-


lumbra o “grande sinal? de “uma mulher vestida com o sol, tendo a
lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas”
(Ap 12,1).

Atualizando a Palavra
Esta “mulher” é sem dúvida Maria imaculada, mas unida a ela também
outra “mulher”, a saber, a jovem Igreja purificada no mistério pascal
de Cristo e coroada com o martírio (testemunho) dos doze apóstolos
(doze estrelas) da qual fazemos parte. Ambas com a mesma missão:
“Gerar e levar o Salvador ao mundo e presenciar sua vitória, eis o
que Maria e a Igreja têm em comum. Destacando a figura de Maria,
a Igreja assume, até certo grau, o que foi a obra de Maria. Isso vale
também com relação à proteção da Pátria, que não é algo mágico,
mas algo que se realiza mediante as nossas mãos, nosso empenho por
uma Pátria melhor, mais justa, mais conforme a vontade de Deus”.“
Nossa Senhora da Conceição Aparecida: esta é a Padroeira do
Brasil, cuja festa celebramos. Popularmente chamam-na de Nossa
Senhora Aparecida. Para a Igreja em geral, temos ainda outra festa
da “Imaculada Conceição”, no dia 8 de dezembro. Ambas celebram
no fundo o mesmo mistério de Maria, criada por Deus imaculada, a
saber, no estado original (paradisíaco!) do ser humano, sem mancha,
sem mácula, sem pecado, para que também nós, pela fé em Jesus e
engajamento em seu projeto messiânico, entremos no estado original
paradisíaco da graça que havíamos perdido!
Ter a “Imaculada Conceição” de Aparecida como nossa Padro-
eira significa uma vocação, um chamado e mesmo “chamada” ao
povo brasileiro no sentido de superar um “pecado original” enrai-
. . . « . .- 9 .

zado em nosso inconsciente coletivo, pecado esse que tem um nome:


corrupção. Sabe Deus se a falta de vinho nas bodas de Caná não foi

45 KONINGS,)J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit., p. 498.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

também por eventual desvio do produto! Seja como for, a pergunta


agora é esta: como vamos corrigir nossos vícios históricos? Ouvindo
a “mãe de Jesus” e nossa mãe que, preocupada e pensando nos pobres
marginalizados deste país, nos pede e até implora: “Façam o que meu
Filho manda vocês fazerem".

Ponhamos em prática o que “mamãe” pede. Então milagres vão


acontecer. E a família brasileira toda fará festa. A festa dos pobres
resgatados em sua dignidade. À festa da vida que, para glória de
Deus, se expande para dentro da eternidade.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Cumprir-se-á então o que a liturgia de hoje propõe para o início
desta celebração: “Com alegria rejubilo-me no Senhor, e minha alma
exultará no meu Deus, pois me revestiu de justiça e salvação, como
noiva ornada de suas joias”.*
E, para que isso tudo aconteça, iniciamos a celebração com este
significativo pedido: “Ó Deus todo-poderoso, ao rendermos culto à
Imaculada Conceição de Maria, Mãe de Deus e Senhora nossa, con-
cedei ao povo brasileiro que, fiel à sua vocação, e vivendo na paz e na
justiça, possa chegar um dia à pátria definitiva”.”
Então, ouvida a Palavra, professada a nossa fé, feitos os nossos
pedidos, e colocadas as oferendas de pão e vinho sobre o altar para
serem o sagrado memorial do sacrifício de Cristo, entramos em clima
de 8 grande de ação
ç de graç
graças ao Senhor, , nosso Pai eterno e todo-
“poderoso. Damos graças pela Conceição Imaculada de Maria por
Deus assim criada, , cheia de graça,
Ç , Pp para ser a “mãe” de Jesus. Damos
graças, porque, nela, Deus nos deu “as primícias da Igreja, esposa de
Cristo, , sem ruga
B e sem mancha, , resplandecente
Pp de beleza”. Damos
graças, porque, de fato, “puríssima devia ser a Virgem que nos daria

46 Antífona de entrada.
47 Oração do dia.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

o Salvador, o Cordeiro sem mancha, que tira os nossos pecados”.


Damos graças, porque “escolhida entre todas as mulheres, modelo de
santidade e advogada nossa, ela intervém constantemente em favor
do povo”.“* E já que Deus é tão bom, sentimo-nos na obrigação de
nos unirmos ao coro da multidão dos anjos e santos do céu — e o faze-
mos! — para, com eles, proclamar e cantar a uma só voz precisamente
aquilo que é bem próprio de Deus: Santo, Santo, Santo — Santíssimo,
portanto! —, puro, verdadeiro, sem mentira, e sua glória se espalha
por todo o universo.

Enfim, depois de alimentados com o Corpo e o Sangue do Filho


de Deus, elevamos uma última súplica: “Dai, ó Deus, ao vosso povo,
sob o olhar de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, irmanar-
-se nas tarefas de cada dia para a construção do vosso reino”. Que o
Reino de Deus aconteça neste chão brasileiro. Amém!

Sugestões para a celebração “TT


1. Para os cantos, pode-se escolher dos muitos propostos no 4º
volume do Hinário Litúrgico da CNBB, p. 168-227.º

2. Lembramos também o que diz o grande teólogo Dietrich Bonho-


effer, mártir do nazismo, sobre o canto na Liturgia: “Onde não se
canta em honra de Deus, se canta em própria honra ou em honra
da música. E então o canto se torna o hino a um ídolo”?

3. Muitas vezes acontece que os salmistas, ao cantar o salmo,


ficam exageradamente atentos à melodia e, consequentemente,
se esquecem da pronúncia das palavras, da dicção. Ouve-se
a música, mas não se ouvem as palavras. O Salmo também é
Palavra de Deus que, portanto, merece ser ouvida até mais que

48 Prefácio: Maria e a Igreja.


49 Cf. CNBB. Hinário Litúrgico, 4o Fascículo. Sacramentos. Comum dos Santos. Missas para
Diversas Necessidades. São Paulo: Paulus, 1998, p. 168-227.
50 BONHOEFFER, Dietrich. La vita comune. Brescia, Queriniana, 1991, p. 82.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

a música. Não que a música não tenha sua importância. Tem,


enquanto servidora da Palavra a ser ouvida pela assembleia.
Por isso que a Introdução ao Lecionário da Missa, n. 56, dá a
seguinte orientação sobre o ministério dos salmistas ou cantores
do salmo: “Para exercer a função de salmista é muito conveniente
que em cada comunidade eclesial haja leigos dotados da arte de
salmodiar e de uma boa pronúncia e dicção”*

4. “Sobre a mesa do altar podem ser colocadas somente aquelas


coisas que se requerem para a celebração da Missa, ou seja: o
Evangeliário, do início da celebração até a proclamação do Evan-
gelho; desde a apresentação das oferendas até a purificação dos
vasos sagrados, o cálice com a patena, o cibório, se necessário
e, finalmente, o corporal, o purificatório, a pala e o missal”
(IGMR, n. 306). Nada se fala sobre a colocação de imagens de
santos sobre o altar, exatamente para garantir a centralidade do
sacrifício de Cristo nele presente. Imagens de santos sobre o altar
“desfocam” dessa centralidade.

51 Cf. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: Edições CNBB,
p. 217.
29º DOMINGO DO TEMPO COMUM

18 de outubro de 2015

“O FILHO DO HOMEM VEIO PARA DAR À VIDA EM RESGATE POR MUITOS”. (MC 10,45)

Leituras: Is 53,10-11; Sl 33(32),4-5.18-19.20.22 (R/. 22); Hb 4,14-16;


Mc 10,35-45 (mais longo) ou Mc 10,42-54 (mais breve).

Situando-nos
Vivemos num mundo enlouquecido pela ambição de poder,
grandeza, privilégios. Como diz o ditado: “Quem pode mais chora
menos”. E aí entra a competitividade estressante e, na competi-
tividade os confrontos e, dos confrontos resultam as agressivi-
dades, as brigas, a guerra, a opressão, a tirania dos mais fortes, o
sofrimento e a morte. E quem leva a pior são os pobres e excluídos
do esquema e, pior ainda, quando, iludidos e adestrados pela
iniquidade do sistema, também estes acabam entrando no mesmo
jogo insano e degradante.
No tempo de Jesus não era diferente. O padrão mental de um
messianismo político imperialista era tão arraigado no incons-
ciente coletivo do povo religioso de então, que se tornava quase
impossível pensar em algo diferente. Nem os discípulos de Jesus
escapavam desta armadilha. Por mais que o Mestre tivesse já
falado, ensinado, insistido, que seu “ser Messias” era o do Servo
sofredor, da cruz, do ser “menor” e da ressurreição — como vimos
nos domingos passados —, estes continuavam a não entender a
lição. Lá dentro, na sua mente, continuavam ainda embalados por
outro jogo: o jogo do ser “maior”.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos B

Recordando a Palavra
Entende-se, pois, a ambição dos dois discípulos, Tiago e João, irmãos
entre si. Com jeitinho educado de político interesseiro, fizeram a
Jesus um pedido: sentar-se um à sua direita e outro à sua esquerda
quando ele estiver no auge de sua glória (cf. Mc 10,35-45). Sonho de
marajás! Ambição por altos escalões no Reino! Totalmente equivo-
cados no que pedem!
O caminho de Jesus, que deverá ser também o deles, é outro. Por
isso ele os incita à reflexão com uma pergunta: “Por acaso podem
vocês beber do cálice que eu vou beber, e serem batizados com o
batismo com que eu devo ser batizado?” (v. 38). Jesus falava de sua
paixão e morte: Cálice do seu sofrimento e mergulho (batismo) no
abismo da morte. Esse é o caminho, o destino do Mestre e, conse-
quentemente, do discípulo. Mas a ambição deles era tamanha que, de
imediato, espontaneamente, meio sem muito pensar, responderam:
“Podemos, sim”. É Jesus então avança na reflexão um pouco mais:
“Está bem, já que vocês estão a fim, vão passar por esse caminho,
sim. E digo mais: na mesma linha, também desistam do que vocês
me pediram. Isso não depende de mim. É para quem já foi reservado.
Apenas me sigam, entregues comigo nas mãos do Pai. Quanto ao
futuro, portanto, desapeguem-se, deixem acontecer” (cf. v. 39-40).
Os outros “dez discípulos”, ao ouvirem isso, indignaram-se com
Tiago e João. Jesus, por sua vez, aproveita a situação para avançar
ainda mais na reflexão: “Vocês sabem muito bem como os chefes
das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. Entre vocês [dis-
cípulos meus que são], no entanto, não deve ser assim: quem quiser
ser grande, seja o servo de vocês; e quem quiser ser o primeiro, seja
o escravo de todos” (v. 41-44). Por quê? “Porque o Filho do Homem
não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por
muitos” (v. 45).
É o que já fora intuído pelo profeta Isaías (cf. Is 53,10-11), como
ouvimos na primeira leitura, especialmente quando afirma a respeito
n O caminho para ser discipulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

do “justo Servo”: “Oferecendo sua vida em expiação, ele terá des-


cendência duradoura” (v. 10). Em outras palavras, esse projeto tem
futuro! E é deste Servo, Jesus, que hoje aprendemos a só em Deus
confiar, também na dor. Por isso cantamos o Salmo 33, cujo refrão
soa assim: “Senhor, esteja sobre nós a tua graça, do modo como em
ti esperamos” (v. 22).
Sendo assim, porque temos na pessoa do Servo Jesus, o Filho de
Deus, um sumo-sacerdote eminente que entrou no céu provado em
tudo como nós, como ouvimos na segunda leitura, podemos então
nos aproximar com toda a confiança do trono da graça (cf. Hb 4,14-
16). Podemos confiar! Neste Messias dá para confiar!

Atualizando a Palavra
“O Evangelho de hoje é provocador. Os melhores alunos de Jesus
solicitaram uma coisa totalmente contrária ao que Ele tentou
ensinar. Pedem para sentar nos lugares de honra no seu reino, à sua
direita e à sua esquerda. Não compreenderam nem a pessoa, nem
o modo de agir de Jesus... Devemos situar esse episódio nos seu
contexto. Mc 8,31-10,45 é a grande instrução de Jesus a caminho,
balizada pelos três anúncios da Paixão. O Evangelho de hoje é a
continuação do 3º anúncio da Paixão, e parece que até os melhores
alunos ainda não aprenderam nada. De fato, só aprenderão depois
da morte e ressurreição de Jesus. Por enquanto, em contraste com
a incompreensão dos alunos, eleva-se a grandeza da lição final: o
dom da própria vida”.
À questão não está no nível das honras mundanas e do poder
opressor que, na verdade, hoje existem e amanhã viram pó. À ques-
tão é entender o que significa ser discípulo do verdadeiro Messias
que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate
por muitos” (Mc 10,45).

52 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis...Op. cit.,


p. 336-337.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos B

Ele veio para “servir e dar a vida em resgate por muitos”. Que
resgate? Resgate de uma escravidão. De que escravidão? Da escravi-
dão de um tipo de mentalidade diabólica dominante no inconsciente
coletivo, representado pela imagem do poder opressor como “salva-
ção”. Em vez disso, Jesus nos mostra que, no pensamento de Deus,
o que salva mesmo é uma “comunidade-sem-poder”, isto é, como
pura e simplesmente “poder-serviço”, inclusive pela doação da pró-
pria vida. Ser cristão e ser Igreja é por aí. Esta é a vacina libertadora
que o agir de Jesus veio injetar no corpo da sociedade humana. Feli-
zes os que se dispõe a se deixar curar por esta salvadora Boa-Nova de
liberdade e vida para todos.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Daí tem sentido o que pedimos logo no início desta celebração:
“Deus eterno e todo-poderoso, dai-nos a graça de estar sempre ao
vosso dispor e servir-vos de todo o coração”.* Em outras palavras,
que estejamos sempre à disposição e plenamente a serviço do projeto
de Deus concretizado em Cristo.
Inclusive se encaixa dentro do espírito da celebração a oração
feita após a preparação das oferendas para o sacrifício: “Dai-nos, ó
Deus, usar os vossos dons servindo-vos com liberdade, para que,
purificados pela vossa graça, sejamos renovados pelos vossos mis-
térios que celebramos em vossa honra”.** Em outras palavras, que a
Eucaristia que celebramos nos torne livres, purificados e renovados
para de fato servir como Jesus serviu.
“A Eucaristia é o mais eloquente sinal do serviço de Cristo.
Celebrá-la é fazer memória de sua entrega, ele que veio não para ser
servido, mas para servir e dar a vida como resgate por muitos (Evan-
gelho). Seus sofrimentos, tortura, morte e ressurreição desautorizam

53 Oração do dia.
54 Oração sobre as oferendas.
' O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

toda e qualquer forma de manipulação, opressão ou marginalização


dos seres humanos. E abrem caminho para que os marginalizados se
organizem, vençam e construam uma sociedade justa, igualitária e
plenamente fraterna (primeira leitura), porque Jesus, sumo sacerdote
fiel ao projeto do Pai e solidário com as pessoas, acompanha e coroa
de êxito as lutas do povo oprimido. À vitória de Cristo sobre a morte,
celebrada na Eucaristia, é já nossa vitória e certeza de um mundo
melhor para todos!”*
Por isso que, uma vez alimentados pelo Corpo entregue e pelo
Sangue derramado do Cristo, fazemos enfim este conclusivo pedido:
“Dai-nos, ó Deus, colher os frutos da nossa participação na Euca-
rístia para que, auxiliados pelos bens terrenos, possamos conhecer
os valores eternos”.** Em outras palavras, que desta Ceia, da qual
participamos, possamos compreender os valores do Reino revelado
por Jesus em sua Páscoa. Amém!

Sugestões para a celebração 7E


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB?” oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Meu Deus, tu
vais me escutar: p. 128, 129); Salmo Responsorial (Sl 33/32] —
Sobre nós venha, Senhor: p. 162, 163); Aclamação ao Evangelho
(Aleluia! Jesus Cristo veio servir: p. 228); Oferendas (Sou bom
Pastor, ovelhas guardarei: p. 341); Comunhão (Veio o Filho do
Homem ao mundo: p. 272 — [P.d.D.] O Filho do Homem veio
dar a sua vida: p. 389, 396).

2. Para o exercício da presidência da Eucaristia, lembramos ainda


o que nos diz a Comissão Episcopal Pastoral para a Liturgia da
CNBB: “A maneira de o ministro se santificar passa pelo serviço

55 BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos. Anos 4, B, C, Festas e Solenidades. Op. cit.,


p. 466-467.
56 Oração depois da comunhão.
57 CNBB. Hinário litúrgico. 30 Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B - São Marcos BR

pastoral. Na sua doação, o ministro, imitando o Bom Pastor, se


doa por amor. Nessa doação encontra-se a nascente da vida espiri-
tual e a garantia da santificação. O Concílio Vaticano II, na Pres-
byterorum Ordinis, n. 12, afirma: “Os presbíteros são chamados à
santidade em força do ministério e em força das sagradas ações
que desenvolvem quotidianamente”. Quem preside não pode
caminhar isolado, mas deve marcar o passo com o ritmo de sua
Comunidade, ficando à frente, apontando caminhos e os procu-
rando junto com a Comunidade; ele deve celebrar 'com' e 'para' a
Assembleia, numa relação de simpatia e empatia, com alegria e
gratidão, porque está prestando um serviço que é dom!”

3. O senso de unidade da assembleia na celebração da Eucaristia


aparece nos próprios sinais sacramentais. Por isso é bom relem-
brar a seguinte orientação dada pela Instrução Geral do Missal
Romano, n. 331: “Para consagrar as hóstias, é conveniente usar
uma patena de maior dimensão, onde se coloca tanto o pão para
o sacerdote e o diácono, bem como para os démais ministros e
fiéis”.

58 Formação litúrgica nos seminários e nas casas de formação. Op. cit., p. 32.
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30º DOMINGO DO TEMPO COMUM

25 de outubro de 2015

“MESTRE, QUE EU VEJA. (MC 10,51)

Leituras: Jr 31,7-9; SI 126(125),1-2ab.2cd-3.4-5.6 (R/. 3); Hb 5,1-6;


Mc 10,46-52.

Situando-nos
Imaginemo-nos todos cegos à beira do caminho. Totalmente
dependentes de favores dos outros. Pobres mendigos.
Na verdade, o somos. Pensando bem, em certo sentido, somos
cegados por tantos padrões internos alienados do projeto messiânico
iluminador de Jesus. Ainda temos dificuldade de “ver” direito quem é
esse Jesus que passa pela nossa vida. Seguimos um Jesus ainda muito
“fabricado” por nós, segundo nossos interesses e conveniências. É
não nos damos conta de que somos cegos necessitados dos favores
de Deus. E, pior ainda, no nosso orgulho e autossuficiência, talvez
nem admitamos sê-lo. Mas, de repente, sentindo a solidão da “beira
do caminho”, ouvimos falar de um Jesus diferente e, com insistência,
começamos a lhe gritar: “Jesus, tem piedade de mim... Mestre, faça
que eu veja!”
Digamos que esta nossa celebração seja esta “beira do caminho”.
Nela sentimos a presença viva do Filho de Deus, Jesus, rodeado de
muita gente; nela ouvimos Jesus nos chamando para si, a fim de
nos curar da cegueira. Foi quando, há pouco, ouvimos a Palavra do
Senhor e o Evangelho da Salvação. Vamos conversar um pouco sobre
o que ouvimos. Muito temos a aprender.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

Recordando a Palavra
Jesus, saindo de Jericó, e junto com ele “seus discípulos e uma
grande multidão”, se direciona a Jerusalém, onde deverá passar
pelo sofrimento e pela cruel morte de cruz, para depois ressuscitar.
Esse é o caminho do Messias Salvador, que os discípulos sempre
tiveram muita dificuldade de entender e admitir, como vimos nos
domingos passados. Jesus se encaminha para Jerusalém, onde mais
tarde, diante d'Ele recém-morto na cruz, um oficial romano — logo
quem! — vai proclamar: “Na verdade, este homem era Filho de
Deus!” (Mc 15,39).
À beira do caminho, um cego e mendigo, ouvindo dizer que
Jesus estava passando, se pôs a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem
piedade de mim!”. Mandaram-no calar a boca. Mas aí que ele gri-
tava mais ainda. Jesus mandou chamá-lo. “Coragem, levanta-te,
Jesus te chama!”, disseram-lhe. Na mesma hora, “o cego jogou o
manto, deu um pulo e foi até Jesus”. “Que queres que eu te faça?”,
perguntou Jesus. “Mestre, que eu veja!”, respondeu o cego. É Jesus
confirmou: “Vai, a tua fé te salvou”. No mesmo instante, diz o
Evangelho, o cego “recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho”
(cf. Mc 10,46-52).
Em Jesus se cumpre aquilo que o profeta Jeremias, lá no Antigo
Testamento, já intuía (cf. Jr 31,9): “Deus privilegia os cegos aleijados e
indefesos como seus filhos primogênitos, organizando-os, reunindo-
-os e reconduzindo-os à vida”. Por isso, com eles cantamos hoje o
Salmo 126, cujo refrão soa assim: “Maravilhas o Senhor fez por nós,
encheu-nos de alegria!” (v. 3).
Nesse sentido, podemos proclamar com a carta aos Hebreus,
como ouvimos na segunda leitura (cf. Hb 5,1-16), que Jesus é de fato
o verdadeiro sacerdote, a sumidade de sacerdote. Mas não no sentido
entendido pela religião de então, onde os sacerdotes sacrificavam

59 BORTOLINI, José. Roteiros Homiléticos. Anos À, B, C, Festas e Solenidades. Op. cit., p. 471.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

animais para honrar a Deus. Jesus é um sacerdote que supera todos


os outros, no sentido que ele mesmo, Filho de Deus, se sacrifica
(se deixa sacrificar) e morre numa cruz para salvar a humanidade e,
desta forma, presta a maior homenagem ao Pai, pois esta é a maior
glória de Deus: que todos tenham vida.

Atualizando a Palavra
No tempo de Jesus, os deficientes físicos não tinham nenhum tipo
de ajuda. Por isso eram mendigos, como é o caso de Bartimeu, um
“cego e mendigo” (v. 46).
Dois temas importantes aparecem neste relato de Marcos: a fé
(v. 52) e o seguimento de Jesus (v. 52). E podemos lembrar tam-
bém os vários personagens que aí aparecem: “Jesus”, os “discípulos”,
=
a “rrande multidão” e “Bartimeu”,

Significativa e importante a imagem do “caminho”, em cuja


“beira” o cego estava sentado (v. 46) e depois segue Jesus (v. 52). É o
cenário no qual aparecem frequentemente os temas da fé e do segui-
mento, como já vimos há vários domingos.
Jesus afirma que Bartimeu tem “fé” (v. 52), fé esta que foi expressa
29)

pelo seu grito orante: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim”
(v. 47 e 48). E, uma vez “recuperada a vista” — enxergando quem é
mesmo o Mestre! —, ele segue Jesus “pelo caminho”, o mesmo cami-
nho no qual os discípulos, mesmo assustados (cf. Mc 10,32), vêm
aprendendo a seguir Jesus, rumo a Jerusalém (cf. Mc 9,27-10,52).
O Evangelho é surpreendente. Mandaram o pobre cego se calar.
O mesmo que fizeram com as crianças, em outra ocasião (cf. Mc
10,13). Faz lembrar que “entre os que seguem Jesus sempre há alguém
disposto a fazer os pobres de calarem, sempre houve esta atitude,
mesclada com outras, de afastar Jesus dos pequenos, dos fracos, dos
marginalizados. É a tendência de converter o seguimento de Jesus
em uma religião. Religião na qual os que dominam se apresentam
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos R

como os eleitos e excluem os que não servem para nada e com sua
voz, estridente e molesta, estorvam o poder”.ºº
Outro detalhe interessante. Jesus, sempre sensível com os pobres,
. . « »
apesar de tentarem impedi-lo, “parou” e mandou chamar o cego (v.
49). Provoca o diálogo, permite ao cego expressar seu desejo (v. 51).
Fica claro que não acontecerá nada se não há relação pessoal. Não
há milagres sem relação com a pessoa de Jesus. É Jesus, por sua vez,
limita-se em constatar a força libertadora da “fé” (v. 52), capaz de
superar os obstáculos que sempre aparecem (v. 48). Pronto: sua Pala-
vra apresenta-se plenamente eficaz.*!

E mais, ao se ver curado, Bartimeu não sai por aí proclamando


um messianismo triunfalista. Em vez disso, ele simplesmente reage
pelo seguimento (v. 52). Segue, sim, o Messias, isto é, o Jesus cami-
nhando rumo a Jerusalém, para a Paixão.
Então poderíamos dizer que Bartimeu aparece como o modelo
do discípulo seguidor de Jesus, modelo que se define por alguns tra-
ços, como: “reconhece que não vê; confia na misericórdia do “Filho
de Davi”, em cujas mãos se coloca em oração insistente e com a ação
— “Jogou o manto, deu um puro e foi até Jesus” (v. 50) —; e o segue “pelo
caminho”.

Junto com Bartimeu, bem como com os demais discípulos uma


vez chamados (cf. Mc 1,16-20), todos nós pelo Batismo nos coloca-
mos no caminho com Jesus, aprendendo com o exemplo de Jesus,
sobretudo em sua Paixão. Então vem a pergunta para pensarmos:
“Será que nos deixamos abrir os olhos para seguir o Messias na etapa
decisiva de sua caminhada? Para isso, precisamos saber que somos
cegos: não temos, por nós mesmos, a capacidade de seguir Jesus no
seu caminho messiânico, caminho de amor e justiça radical. Muitas

60 ROMAGUERA,)J.M. Elevangelio en medio a la vida. Domingos


y fiestas del ciclo B. Barcelona:
Centre de Pastoral Litúrgica, 2005, p. 168-169. (Emaús maior, 1).
61 Ibidem, p. 169.
62 Ibidem.
a O caminho para ser discipulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

vezes somos tão obcecados pelas miragens do progresso e do con-


sumo que nem suspeitamos de nossa cegueira. Mas o cego de Jericó
invoca Cristo, é por ele curado e segue-o no caminho que outros,
em condições bem melhores, não quiseram seguir (por exemplo, o
homem rico...). Imagem de nossa sociedade, de nossa cristandade.
O povo dos pobres, submerso nas trevas da opressão econômica e
da dominação cultural, que lhes impede ter uma visão do que está
acontecendo, encontra em Jesus quem lhe abre os olhos, de modo que
possa segui-lo, desimpedido e participando com ele, até a cruz que
liberta os irmãos e irmãs”.*º Que Deus nos faça “ver” para conscien-
temente segui-Lo até a Cruz e Ressurreição!

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que, logo no início desta celebração, pedimos ao “Deus
eterno e todo-poderoso” para aumentar em nós “a fé, a esperança e a
caridade”, bem como amar o que ele nos ordena para conseguirmos
o que promete. Em outras palavras, que mergulhemos cada vez mais
fundo no caminho pascal do Messias, Jesus de Nazaré.
Depois, em clima de ação de graças, na Oração Eucarística, lem-
bramos diante de Deus a pessoa de Jesus, que “sempre se mostrou
cheio de misericórdia pelos pequenos e pobres, pelos doentes e peca-
dores, colocando-se ao lado dos perseguidos e marginalizados”, esse
Jesus que, “com a vida e a palavra”, anunciou ao mundo que Deus é
Pai e cuida de todos como filhos e filhas,** esse Jesus que, enfim,
se faz corpo por nós entregue e sangue por nós e por todos derra-
mado para remissão dos pecados. É é desse Jesus que, enfim, nos
alimentamos, pedindo ao Pai que esta Eucaristia produza em nós o
que ela significa e, assim, entremos um dia “em plena posse do mis-
tério que celebramos”.º Em outras palavras, que, enfim plenamente

63 KONINGS)J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis...Op. cit., p. 339-340.
64 Oração Eucarística VI-D (Jesus que passa fazendo o bem).
65 Oração depois da comunhão.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos n

iluminados a partir deste mistério, possamos desfrutar das eternas


maravilhas do Reino de Deus. Que assim seja!

Sugestões para a celebração


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB“ oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Exulte de alegria:
p. 128, 129 — [Pd.D] Exulte quem procura a Deus: p. 389, 395);
Salmo Responsorial (Sl 126[125] — Maravilhas fez conosco o
Senhor: p. 162-163); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! Pois, eu
sou a luz do mundo: p. 228); Comunhão (Desejamos, ó Mestre,
enxergar: p. 272); Comunhão opcional (Para ti, meu Senhor:
p. 365 — Quando o Espírito de Deus soprou: p. 367).

2. Em algum momento oportuno — no início da celebração ou,


talvez, antes da escuta da Palavra — se poderia motivar todos a
fazer o sinal da cruz com o polegar sobre seus olhos, pedindo
para Deus nos fazer “ver” de que jeito é Jesus.

3. Vale lembrar que pertencem ao presidente da celebração “também


as três orações presidenciais (cf. IGMR, n. 30) colocadas no
final dos três momentos rituais: no início, a oração do dia; na
apresentação dos dons, a oração sobre as oferendas; por fim, a
oração depois da Comunhão. Trata-se de três textos breves, mas
densos, que devem ser rezados com calma e em tom implorante,
em nome da Assembleia toda que sentirá as orações como suas,
respondendo o “Amém. Cabe também ao sacerdote fazer outras
admoestações (cf. IGMR, n. 31-33) e — muito importante — a
homilia”.

66 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
67 Formação litúrgica nos seminários e nas casas de formação. Op. cit., p. 30-31.
Ce DER ED Y

31º DOMINGO DO TEMPO COMUM


— TODOS OS SANTOS

Solenidade

1º de novembro de 2015

'ALEGRAI-VOS E EXULTAI, PORQUE É GRANDE A VOSSA RECOMPENSA NOS CÉUS”.


(MT 5,124)

Leituras: Ap 7,2-4.9-14; Sl 24(23),1-2.3-4ab.5-6 (R/. cf. 6); 1Jo 3,1-3;


Mt 5,5-122,

Situando-nos
Hoje, em nosso caminho de discernimento cristão a partir da Palavra
ouvida e celebrada, contemplamos o final do caminho empreendido
pelos discípulos e discípulas de Jesus: a glória do céu, na qual já vive
uma multidão de irmãos e irmãs nossos. É a festa de Todos os Santos,
que nos conforta e nos anima na caminhada.
Hoje, “a Igreja prega o mistério pascal nos santos que sofreram
com Cristo e com ele são glorificados; propõe aos fiéis seus exem-
plos que atraem todos ao Pai por meio de Cristo, e implora por seus
merecimentos os benefícios de Deus (cf. SC, n. 104). Hoje, numa
só festa, celebram-se, junto com os santos canonizados, todos os
justos de toda raça e nação, cujos nomes estão inscritos no livro da
vida (cf. Ap 20,12)”.
Ouvimos a Palavra, riquíssima em conteúdo festivo, que vale a
pena ser retomada, comentada e meditada.

68 Missal Romano (Ed. Paulus, 15a ed., 2011), p. 691 (Explicação introdutória).
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum -— Ano B — São Marcos R

Recordando a Palavra
Comecemos pelo Evangelho. O Evangelho das Bem-aventuranças
(Mt 9,5-12a), que nos estimula a buscar o que de fato a elas nos
conduz, a saber: a Boa-Nova do amor misericordioso e fiel de Deus.
Nele “encontramos pistas sobre 'o Reino do céu” para o qual Jesus
nos encaminha e sobre quem é este Deus que faz de nós seus 'filhos'
(v. 9), a quem Jesus nos convida a chamar de “Pai”... (Mt 6,9-13)*.º
À cena inicial evoca a antiga aliança de Deus com Israel. A
“montanha” faz lembrar o monte Sinai, onde Moisés recebeu a Lei
(cf. Ex 24,12). Só que, aqui, Jesus é diferente de Moisés, que falava
como intermediário de Deus. Agora, Deus fala na pessoa de Jesus,
diretamente. Jesus fala com autoridade própria. Por isso “sentou-se”
(v. 1) e “começou a ensinar” (v. 2), como faz um Mestre com “discí-
pulos” ao redor (v. 1).
Vemos, pois, uma passagem do antigo para o novo, da antiga lei
para a nova. Jesus não vem dar mandamentos, à moda de Moisés,
mas anunciar “o Reino dos céus” e mostrar quem é que acolhe este
Reino como notícia que traz verdadeira “felicidade”: são os “pobres”,
“os mansos”, os “puros de coração”.
São os que,
que, longe
long do apego
pes às riquezas
q (v. 3), colocam sua con-
fiança só em Deus com um coração humilde (v. 5). Aos pobres é que
Deus dá seu Reino (cf. Mt 11,5-6).
São os que sofrem a injustiça e a opressão (v. 4), nos quais se
cumpre o anúncio dos profetas (cf. Is 61,2). Esses “aflitos” (v. 4) serão
com toda certeza consolados.
São os que se inclinam diante de Deus e, consequentemente,
como Jesus (cf. Mt 12,15-21), são pacientes, não se irritam, renun-
ciam a todo tipo de violência. Estes “mansos” (v. 5) possuirão a terra
renovada pelo dom do Reino.

69 ROMAGUERA,]J. M. E/evangelio en medio a la vida. Domingos y fiestas del ciclo B. Op. cit.,
p. 200.
à O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

São os que praticam de maneira autêntica, efetiva, fiel, a vontade


de Deus. E qual é a vontade de Deus? Libertar os oprimidos! Tais
“famintos e sedentos de justiça” (v. 6) serão plenamente saciados.
São os que ajudam quem passa necessidades (cf. Mt 25,31-46) e
perdoam aos que os ofendem (cf. Mt 18,21-34). Tais “misericordio-
sos” (v. 7) alcançarão de Deus a misericórdia.
São as pessoas autênticas, verdadeiras, sem mentiras, sem
corruptas intenções, sem maldades contra quem quer que seja
(cf. 51 24[23),2-3; 14[15]2-5). Estes “puros de coração” (v. 8) terão
a felicidade de presenciar para sempre a encantadora beleza de
Deus.

São os que agem em favor da paz em todos os campos da vida


pessoal e social. Estes todos que “promovem a paz” (v. 9) terão a plena
felicidade de sentir de fato — e para sempre — o que significa ser cha-
mado, e viver, como filhos de Deus.
São todos os que, como Jesus, são desprezados por fazer a von-
tade de Deus (cf. 1Pd 3,14). Estes “perseguidos por causa da justiça”
(v. 10), injuriados e maltratados por causa de Jesus (v. 11), terão a
felicidade de ter como “recompensa” (v. 12) a plena participação no
Reino celeste.”
Uma multidão incontável de pessoas já desfruta deste
pleno estado de realização humana no céu, como ouvimos na pri-
meira leitura (cf. Ap 7,2-4.9-14). Multidão que percorreu o cami-
nho de Jesus: lavou suas vestes no sangue do Cordeiro. Por isso
cantamos hoje o Salmo 24, cujo refrão soa assim: “É esta a gente
que o procura”. Toda essa multidão já desfruta plenamente do que
de fato significa ser filho de Deus por pura gratuidade do Pai
(cf. 1Jo 3,1-3).

70 Cf. Ibidem, p. 200-201.


Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos

Atualizando a Palavra
Festa de todo os santos. A palavra “santo” tem a ver com puro,
sem defeito, sem corrupção, sem falsas intenções, verdadeiro, sem
mentira. Aprovado, portanto. Garantido! Plenamente confiável!
Neste sentido, só Deus é santo. Nele dá para confiar plenamente.
Por isso que o canto preferido dos anjos e dos santos no céu é precisa-
mente aquele que proclama santidade de Deus (cf. Is 6,1-3; Ap 4,8):
Santo, Santo, Santo... E, nós também com eles o cantamos na missa,
como parte da Oração Eucarística.
A santidade de Deus é um apelo permanente no sentido de nos
aproximarmos do seu jeito amoroso de ser: “Sede perfeitos como
vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). E entrar no jeito de ser de
Deus é fazer o caminho de Jesus para, enfim, mergulhar no oceano
de pura “felicidade”, “bem-aventurança” imensa no espaço do Reino
de Deus, “eterno e universal: reino da verdade e da vida, reino da san-
tidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz”. Perfazendo
o caminho pascal de Jesus, como discípulos e discípulas dele, vamos
lavando nossas vestes no sangue do Cordeiro, isto é, vamos nos puri-
ficando mais e mais e, no final, passada toda tribulação, participa-
remos com toda a incontável multidão dos “provados” e “aprovados”
— santos — da “festa que no céu nunca se acaba”.

O caminho já começou. Deus, em seu imenso amor de Pai,


nos presenteou com a sublime graça “de sermos chamados filhos de
Deus” (1Jo 3,1), como ouvimos na segunda leitura. Isso significa que
ele está nos preparando também uma imensa e agradável surpresa:
nem sequer se manifestou o que seremos!” (v. 2). Sabemos que,
€C fi p2 S b

“quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o


veremos tal como ele é”. Pois, “todo aquele que espera nele purifica-
-se a si mesmo, como também ele é puro” (v. 3).

71 Prefácio da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.


72 Oração Eucarística X (Para missas com crianças — IJ).
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

“Santo significa ser de Deus. Não é preciso ser anjo para isso.
Santidade não é angelismo. Significa um cristianismo libertado e
esperançoso, acolhedor para com todos os que “procuram a Deus
com todo o coração” (Oração Eucarística IV). Mas significa também
um cristianismo exigente. Devemos viver mais expressamente a san-
tidade de nossas comunidades (a nossa pertença a Deus e a Jesus), por
uma prática da caridade digna dos santos e por uma vida espiritual
sólida e permanente. Sobretudo: santidade não é beatice, não é medo
de viver. É uma atitude dinâmica, uma busca de pertencer mais a
Deus e assemelhar-se sempre mais a Cristo. Não exige boa aparên-
cia! Desprezar os pobres é desprezar os santos! Mas exige disponibi-
lidade para se deixar atrair por Cristo e entrar na solidariedade dos
fiéis de todos os tempos, santificados e unidos por ele”.”

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso pedimos logo no início da celebração por todos nós, ainda a
caminho, que, pela intercessão de Todos os Santos, Deus nos conceda
a plenitude da sua misericórdia.”
O prefácio da Oração Eucarística de hoje traz uma intensa moti-
vação espiritual de ação de graças: “Festejamos, hoje, a cidade do
céu, a Jerusalém do alto, nossa mãe, onde nossos irmãos, os santos,
vos cercam e cantam eternamente o vosso louvor. Para essa cidade
caminhamos, pressurosos, peregrinando na penumbra da fé. Con-
templamos, alegres, na vossa luz, tantos membros da Igreja, que nos
dais como exemplo e intercessão”.

Então, a partir da Eucaristia da festa de hoje concluímos com este


pedido: “Ao celebramos, ó Deus, todos os Santos, nós vos adoramos e
admiramos, porque só vós sois Santo, e imploramos que a vossa graça
nos santifique na plenitude do vosso amor, para que, desta mesa de

73 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit., p. 501.
74 Oração do dia.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

peregrinos, passemos ao banquete do vosso reino”.” Que Deus nos


dê a graça da perseverança no caminho de Jesus. Amém!

Sugestões para a celebração “A


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (Não me aban-
dones, Senhor!: p. 130); Salmo Responsorial (Sl 18[17] — Eu vos
amo, ó Senhor: p. 164-165); Aclamação ao Evangelho (Aleluia!
Quem me ama, a palavra: p. 229); Comunhão (O amor que
devemos a Deus: p. 273); Comunhão opcional (Se eu não tiver
amor: p. 370).

2. O silêncio faz parte da celebração da Liturgia. Por isso, é bom


relembrar o que a Igreja recomenda a respeito, na Instrução
Geral do Missal Romano, n. 45: “Oportunamente, como parte
da celebração deve-se observar o silêncio sagrado. À sua natureza
depende do momento em que ocorre em cada celebração. Assim,
no ato penitencial e após o convite à oração, cada fiel se recolhe,
após uma leitura ou a homilia, meditam brevemente o que
ouviram; após a comunhão, enfim, louvam e rezam a Deus no
íntimo do coração. Convém que já antes da própria celebração se
conserve o silêncio na Igreja, na sacristia, na secretaria e mesmo
nos lugares mais próximos, para que todos se disponham devota
e devidamente para realizarem os sagrados mistérios”.”

3. Especificamente sobre a importância do silêncio durante a


Liturgia da Palavra, recomenda-se o seguinte na Introdução
ao Lecionário da Missa, n. 28: Ela “deve ser celebrada de tal
maneira que favoreça a meditação; por isso deve-se evitar a
pressa, que impede o recolhimento. O diálogo entre Deus e os

75 Oração após a comunhão.


76 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be G. Op. cit.
77 Cf. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Op. cit., p. 48.
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

homens, que se realiza com a ajuda do Espírito Santo, requer


breves momentos de silêncio, adequados à assembleia presente,
para que neles a Palavra de Deus seja acolhida interiormente e
se prepare uma resposta, por meio da oração. Podem-se guardar
estes momentos de silêncio, por exemplo, antes de comentar a
leitura da palavra, depois da primeira e da segunda leitura, e ao
terminar a homilia”.
COMEMORAÇÃO DE TODOS OS
FIÉIS DEFUNTOS

2 de novembro de 2015

“EU SOU À RESSURREIÇÃO E À VIDA", (JO 11,25)

Leituras: Sb 3,1-9; SI 23(22,1-3.4.5.6; (R/. 1); Rm 8,14-23; Jo


11,17-27.”

Situando-nos
Hoje, à luz do mistério pascal de Cristo, representado pela nossa
assembleia reunida em comunhão com todos os fiéis vivos e falecidos
(todos juntos formamos e somos o Corpo eclesial de Cristo!), pela
Palavra que nos alimenta e pela Eucaristia que nos sustenta, nos
colocamos diante de uma realidade bem humana: o mistério da
morte. Realidade irreversível, da qual ninguém escapa. Lembrando-
-nos de todos os fiéis que já passaram pela experiência do morrer,
celebramos o pleno sentido da vida e da morte em Cristo morto e
ressuscitado.
Esta nossa celebração poderia se chamar de “liturgia da espe-
rança”. “Pois, como 'o último inimigo é a morte” (1Cor 15,26), a
vitória sobre a morte é o critério da esperança do cristão. À morte
é considerada, espontaneamente, como um ponto final: 'tudo aca-
bou'. À resposta cristã é: 'A vida não é tirada, mas transformada”
(Prefácio)”.º Olhemos de novo o que nos diz a Palavra de Deus e
reflitamos sobre ela.

79 Demais leituras, à escolha no Lecionário (volume 1) ou no Ritual de Exéquias.


80 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit., p. 502-503.
n O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Recordando a Palavra
O Evangelho nos fala da visita que Jesus faz a uma família enlutada
(cf. Jo 11,17-27). Família amiga de Jesus, por sinal. Duas irmãs, Marta e
Maria, choravam a morte do irmão Lázaro, já sepultado há quatro dias.
Marta, que já conhecia bem Jesus, desabafou e, ao mesmo tempo,
mostrou fé nele: “Senhor, tivesses estado aqui, meu irmão não teria
morrido. Mas mesmo assim, eu sei que o que pedires a Deus, ele te
concederá” (v. 22).
Jesus, então, a surpreende, garantindo-lhe que Lázaro vai res-
suscitar. Marta, sem entender ainda a afirmação de Jesus, confirma
expondo-lhe a sua crença na “ressurreição no último dia” (v. 24).
E Jesus, por sua vez, abre logo o jogo sobre que queria dizer, afir-
mando: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo
que morra, viverá... Você acredita no que estou dizendo?” (v. 26).
E ela confirma o messianismo de Jesus, dizendo: “Sim, Senhor, eu
creio firmemente que tu és o Messias, o Filho de Deus, que devia vir
ao mundo” (v. 2.7).
De fato, no Jesus morto e ressuscitado se confirma o que os
sábios antigos já intuíam: todos os justos — os que se “ajustaram” ao
modo de ser do Messias-servo — “foram aceitos como ofertas de holo-
causto” (cf. Sb 3,6). Em outras palavras, os que nEle confiam compre-
enderão a verdade, e os que perseveram no amor ficarão junto d'Ele,
porque a graça e a misericórdia são para seus eleitos (cf. Sb 3,6.9). Por
isso, com razão hoje podemos cantar o Salmo 23, cujo refrão pode res-
soar assim: “O Senhor é o meu pastor, nada me falta” (v. 1); ou: “Se eu
tiver de andar por vale escuro, não temerei mal nenhum, pois comigo
estás” (v. 4a).
E muito maior ainda é nossa esperança porque, na Páscoa de
Jesus, “todos aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de
Deus” — isto é, que vivem como Jesus viveu — “são filhos de Deus”
(Rm 8,14). Podemos então chamar a Deus de Pai. Logo, segura-
mente somos também “herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo”
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos B

(v. 17). Assim, caminhantes com Jesus, desde já podemos sentir a


final e plena “redenção de nosso corpo” (v. 23).

Atualizando a Palavra
Ontem celebramos a Solenidade de Todos os Santos. A impressão que
se tem é que o povo dá mais importância “à oração pelos familiares
falecidos do que à celebração dos santos gloriosos. Acha que os parentes
falecidos lhes estão mais próximos e precisam mais de oração... Por
isso, Finados ganha de Todos os Santos. Também, o povo sofrido é
mais sensível ao pensamento do sofrimento e da morte do que ao da
glória. Glória, nunca conheceu, sofrimento, sim. (Por isso, celebra
mais a Sexta-feira Santa que a Páscoa da Ressurreição)”.*!
E aí, então, vem a pergunta: “Mas os falecidos, não são santos tam-
bém? Se não fossem santos, isto é, pertencentes ao “Santo”, a Deus, que
sentido teria rezar por eles. Para aliviar as penas do purgatório? Mas isso
tem sentido apenas porque já estão encaminhados para Deus. Só lhes
falta o 'acabamento'! À segunda leitura de hoje diz que os batizados já
corressuscitaram com Cristo. Se já somos 'filhos de Deus' e ainda não se
manifestou o que seremos (segunda leitura de Todos os Santos), os que já
percorreram o caminho são santos, pertencem a Deus, mesmo se ainda
lhes falta alguma purificação. À festa de Todos os Santos e o Dia dos Fina-
dos são uma coisa só: inclui toda a Igreja militante, padecente e triunfante.
Se estamos convencidos disso, estes dias não se tornam dias tristes, mas
dias para curtirmos o pensamento da glória e da paz que recebem os que
procuram, durante sua caminhada na terra, o rosto amoroso do Pai”.
Enfim, à luz da Palavra de Deus podemos dizer: “Os san-
tos “acabados' — a Igreja triunfante — e os santos 'em fase de acaba-
mento' — as almas do purgatório — são solidários com os que ainda
estamos a caminho da santidade, a Igreja militante aqui na terra.

81 Ibidem, p. 504.
82 Ibidem.
Rn O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Esta é comunhão de Todos os Santos, que hoje celebramos. Temos


presentes os que nos precederam, não nos fixando na sua imperfei-
ção, mas no destino glorioso que lhes foi designado por Deus. Assim
recordamos os nossos pais, que nos deram a vida e a fé cristã; os
nossos irmãos e amigos que lembramos com grata saudade, por todo
o bem que nos fizeram. É pensando também em todos aqueles que
estão ainda a caminho, os que estamos lutando lado a lado. Pois a
Tgreja pelejante' aqui na terra é a que mais precisa de nossas preces”.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso, entre tantos pedidos que hoje podemos fazer, no início desta
celebração fizemos este: “Ô Deus, escutai com bondade as nossas
preces e aumentai a nossa fé no Cristo ressuscitado, para que seja mais
viva a nossa esperança na ressurreição dos vossos filhos e filhas”.
Em seguida, sobre o pão e o vinho colocados sobre o altar para a
memória da Páscoa de Jesus, nós peregrinos, em união com os anjos
e todos os santos, damos graças, aclamamos e cantamos a santidade
de Deus. E o fazemos hoje sobretudo, porque, no Cristo, “brilhou
para nós a esperança da feliz ressurreição. E, aos que a certeza da
morte entristece, a promessa da imortalidade consola”. Pois, para os
que creem em Deus que ressuscitou Jesus, “a vida não é tirada, mas
transformada. E, desfeito o nosso corpo mortal, nos é dado, nos céus,
um corpo imperecível”.º
Enfim, uma vez participado desta Ceia, nós pedimos ao Pai que
os seus filhos e filhas, “pelos quais celebramos este sacramento pas-
cal, cheguem à luz e à paz” na sua casa, o céu.*
Que Deus aumente em nós a fé no Ressuscitado, a esperança
na vida eterna, a caridade entre nós na caminhada e, “a todos os

83 Ibidem.
84 Oração do dia.
85 Prefácio dos fiéis defuntos, I.
86 Cf. Oração depois da comunhão.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B - São Marcos

que adormeceram no Cristo”, que ele conceda “a felicidade, a luz e a


paz”*” Amém!

Sugestões para a celebração


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical. Sugerimos aqui: Aber-
tura (À morte já não mata mais: p. 84 / Felizes os que morrem
no Senhor: p. 91 / À vida para quem acredita: p. 93); Salmo
Responsorial (Sl 103[102] — O Senhor é ternura: p. 98); Apre-
sentação das oferendas (Os olhos jamais contemplaram: p. 105);
Comunhão (Antes da morte: p. 109 / À certeza que vivem em
mim: p. 116).

2. Vale lembrar que o canto de entrada não é para “receber” o cele-


brante e outros ministros. Veja o que diz a Instrução Geral do
Missal Romano, n. 47, a respeito do canto de entrada: “Reunido
o povo, enquanto o sacerdote entra com o diácono e os minis-
tros, começa o canto de entrada. À finalidade deste canto é
abrir a celebração, promover a união da assembleia, introduzir
no mistério do tempo litúrgico ou da festa, e acompanhar a
procissão do sacerdote e dos ministros”. Como se vê, nada se diz
sobre “receber” quem quer que seja, como finalidade deste canto.

3. Para a valorização e o sentido dos prefácios da missa em geral,


veja a explicação dada pela Instrução Geral do Missal Romano, n.
364: “O grande número de prefácios com que o Missal Romano
foi enriquecido tem por objetivo pôr em plena luz os temas da
ação de graças na Oração Eucarística e realçar os vários aspectos
do mistério da salvação”.*º

87 Oração Eucarística I.
88 Cf. CNBB. Hinário Litúrgico, 4º Fascículo. Sacramentos. Comum dos Santos. Missas para
Diversas Necessidades. Op. cit., p. 360 (Celebração da morte cristã).
89 Cf. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Op. cit., p. 142.
x Ee ea: ecmpodey

32º DOMINGO DO TEMPO COMUM

8 de novembro de 2015

“ESTA VIÚVA POBRE DEU MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS”. (MC 12,44)

Leituras: Rs 17,10-16; Sl 146(145),7.8-9a.9bc-10 (R/. 1); Hb 9,24-28;


Mc 12,38-44 (mais longo) ou Mc 12,41-44 (mais breve).

Situando-nos
Longo caminho feito. Nele Jesus veio instruindo seus discípulos.
Padronizados segundo esquemas puramente humanos de pensar
a religião, eles sempre tiveram grande dificuldade em entender
a proposta messiânica do Filho de Deus, Jesus, como humilde
e obediente Servo que tem de passar pelo sofrimento, cruz e
ressurreição.
Hoje, já no ponto final do caminho, isto é, em Jerusalém, cora-
ção da religião judaica onde será humilhado e morto, Jesus se encon-
tra precisamente no templo, com uma grande multidão de pessoas a
ouvir seus ensinamentos (cf. Mc 12,38-44). Nós hoje, aqui reunidos,
fazemos também parte desta multidão à escuta do nosso Mestre.

Recordando a Palavra
Entre os ensinamentos, a partir de sua pessoal experiência de Deus
como discreto e ativo amor, Jesus nos alerta no sentido de tomar
cuidado com os “doutores da Lei”. Em outras palavras, quem quer
ser discípulo e discípula do Reino de Deus tem que superar dentro
de si todo espírito de poder, ostentação, vaidade, privilégios, piedade
hipócrita, exploração dos pobres, neles observáveis: Eles gostam
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos R

de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças


públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores
lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo
fazer longas orações (cf. v. 38-40). “Por isso” — conclui Jesus — “eles
receberão a pior condenação” (v. 40). Em outras palavras, tal espírito
não leva a nada, porque não se encaixa no espírito do Reino de Deus.
Sentado no Templo, Jesus observava como “a multidão” colocava
suas moedas nos cofres e como “muitos ricos depositavam grandes
quantias” (v. 41). Uma “pobre viúva” depositou “duas pequenas moe-
das, que quase não valiam nada” (v. 42). Então o Mestre chamou os
discípulos e disse: “Vou lhes dizer uma verdade. Esta pobre viúva deu
mais do que todos os outros... Todos deram do que tinham de sobra,
enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para
viver” (v. 43-44).
Faz lembrar a pobre viúva de Sarepta no tempo do profeta Elias,
como vimos na primeira leitura (1IRs 17,10-16). Numa época de
carestia total por causa de uma seca, ela só dispunha de um resti-
nho de farinha. Confiando no Deus anunciado pelo profeta, ela não
teve dúvida: com aquele último bocadinho de farinha fez um pão e,
com ele, saciou o profeta, ela e o filho dela “durante muito tempo”.
À generosidade dela celebrou a generosidade de Deus. Veio mostrar
que Deus faz justiça aos que são oprimidos, dá alimento aos famin-
tos, liberta os aprisionados, abre os olhos aos cegos, ergue o caído,
ama quem é justo, protege o estrangeiro, ampara a viúva e o órfão,
confunde os caminhos dos maus, ele reinará para sempre. É o que
cantamos hoje com o Salmo 146, cujo refrão ressoa assim: “Bendize,
minh'alma, bendize ao Senhor!” (v. 1).
Tal amor generoso de Deus se manifestou e se concretizou em
sua plenitude na pessoa do Cristo que “foi oferecido uma vez por
todas, para tirar os pecados da multidão”, como vimos na segunda
leitura.
n O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Atualizando a Palavra
Jesus critica três aspectos do comportamento dos “doutores da Lei”:
“Em primeiro lugar, a vaidade, que é a busca de reconhecimento dos
demais (v. 38-39). Em segundo lugar, a hipocrisia, pela qual usam a
religião para camuflar o egoísmo mais agudo: “fingindo fazer longas
orações! (v. 40). Finalmente uma conduta muito mais grave: abusam
dos pobres (v. 40)”.ºº
Por exemplo, caso uma mulher enviuvasse, principalmente se ela
não tivesse filho que a sustentasse, sucedia até que ela era induzida a
passar os bens do marido para o templo em troca de algum mínimo
benefício assistencial, e olha lá! E quem tirava proveito das riquezas
injustas do templo? Eram as autoridades religiosas, os “doutores da
Lei”! Por isso que Jesus os critica severamente dizendo: “Eles devo-
ram as casas das viúvas” (v. 40), deixando-as, portanto, literalmente
“depenadas”.
Por isso se entende também a especial admiração mostrada p por
Jesus pela “pobre viúva” do templo que, “na sua pobreza, ofere-
ceu tudo aquilo que possuía para viver” (v. 43-44). Diferentemente
dos ricaços que davam do seu supérfluo, ela deu tudo quanto tinha
. 4 « « . ma . »
para viver: as últimas “duas moedinhas que não valiam quase nada
(v. 42). Em outras palavras, ela deu toda sua vida. Confiou-se nas
mãos de Deus, todinha. Isso que é generosidade! Jesus mesmo se
viu nela, com certeza, e nos leva a refletir!
“A generosidade que Jesus preza é duplamente generosa. É radi-
cal, pois priva a gente do necessário. É gratuita, pois ocorre sob os
olhos de Deus, com quem não é possível fazer negócios escusos.
Dá-se tudo sem pedir nada de volta. 'Loucura, a vida não é assim”,
Mas na loucura está a felicidade de amar sem restrição nem cálculo,
como que para responder ao infinito amor de Deus para conosco.
Generosidade gratuita é imitação de Deus (cf. Mt 5,45-48). Mas, e o

90 ROMAGUERA,]J.M. E/evangelio en medio a la vida. Domingos y fiestas del ciclo B. Op. cit.,
p. 172.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B — São Marcos RB

lucro que é o 'céu”? 'Deus te pague”, “Dar ao pobre é investir no céu”...


Essas maneiras de falar, examinadas à lupa, mostram ainda muito
egoísmo. Não devemos ser generosos para comprar o céu. Devemos
ser generosos, porque o céu já chegou até nós, porque Deus veio à
nossa presença em Jesus. Em certo sentido já ganhamos o céu, por-
que Jesus se doou a nós. É é por isso que queremos ser generosos
como a viúva da entrada do templo e a viúva do tempo de Sarepta.
Por gratidão”!

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Que Deus nos liberte e nos ajude a vivermos a verdadeira genero-
sidade ensinada pelo nosso Messias e Salvador, nosso Mestre Jesus
de Nazaré. Por isso que, no início desta celebração, fizemos este
significativo pedido: “Deus de poder e misericórdia, afastai de nós
todo obstáculo para que, inteiramente disponíveis, nos dediquemos
ao vosso serviço”?
Ão partir o pão nesta celebração reconhecemos presente entre
nós a generosidade do nosso Salvador que se nos dá totalmente como
Corpo entregue e Sangue derramado. Humilde e pobre feito um
simples pedaço de pão, é desta maneira que ele vem nos iluminar
com seus Espírito e nos fortalecer em nossa caminhada cristã.

Por isso que, depois de participamos desta generosa Ceia pascal,


cheios de gratidão concluímos com este pedido a Deus: “Fortificados
por este alimento sagrado, nós vos damos graças, ó Deus, e implora-
mos a vossa clemência; fazei que perseverem na sinceridade do vosso
amor aqueles que fortalecestes pela infusão do Espírito Santo”. Que
a graça da autenticidade seja uma constante em nós que recebemos a
força do Espírito de Jesus. Amém!

91 KONINGS,)J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis..., p. 345.


92 Oração do dia.
N O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Sugestões para a celebração “A


1. Para os cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (A ti, Senhor,
meu pedido: p. 130 — [P.d.D.] Chegue até vós, Senhor, o meu
clamor!: p. 390-396); Salmo Responsorial (Sl 146[145] — Bendize,
minh'alma: p. 164-165); Aclamação ao Evangelho (Aleluia!
Benditos do Pai, se apossem do Reino: p. 229); Oferendas
(Não se deve dizer: p. 337); Comunhão (Não importa o tamanho
da oferta: p. 273).

Sobre as velas colocadas sobre o altar, lembramos o que orienta a


Instrução Geral do Missal Romano, n. 307: “Os castiçais reque-
ridos pelas ações litúrgicas para manifestarem a reverência e o
caráter festivo da celebração (cf. n. 117) sejam colocados, como
parecer melhor, sobre o altar ou junto dele, levando em conta as
proporções do altar e do presbitério, de modo a formarem um
conjunto harmonioso e que não impeça os fiéis de verem aquilo
que se realiza ou se coloca sobre o altar”. Isto se insere dentro do
princípio fundamental da participação ativa dos fiéis na Sagrada
Liturgia: Nada “impeça os fiéis de verem aquilo que se realiza ou
se coloca sobre o altar”, em outras palavras, o sacrifício pascal de
Cristo aí presente.

Sobre a ornamentação do espaço celebrativo, assim orienta a


Instrução Geral do Missal Romano, n. 292: “A ornamentação
da Igreja deve visar mais a nobre simplicidade do que a pompa.
Na escolha desta ornamentação, cuide-se da autenticidade dos
materiais e procure-se assegurar a educação dos fiéis e a digni-
dade de todo o local sagrado”.

93 CNBB. Hinário litúrgico. 30 Fascículo. Domingos do Tempo Comum... Op. cit.


94 Cf. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Op. cit., p. 122.
95 Ibidem, p. 118.
PL VAR WERE Domo SER, PO

33º DOMINGO DO TEMPO COMUM

15 de novembro de 2015

“ELE ENVIARÁ OS ANJOS PARA REUNIR OS SEUS ELEITOS, DA EXTREMIDADE DA


TERRA À EXTREMIDADE DO CÉU". (MC 13,27)

Leituras: Dn 12,1-3; Sl 16(15),5.8.9-10.11 (R/. 1a); Hb 10,11-14.18;


Mc 13,24-32.

Situando-nos
Penúltimo domingo do ano litúrgico. Já estamos em meados de
novembro; e o ano civil de 2015 também já vai se aprontando para
dar lugar ao novo. É as pessoas a toda hora comentam: “O tempo
passa tão rápido, cada vez mais rápido”. É o tempo cronológico da
nossa cultura consumista assustando nossos corpos cada vez mais
afoitos com tantas coisas a fazer. Afoitos e distraídos. Tão distraídos
que deixamos de perceber e curtir o natural fluir da vida e do tempo;
temos dificuldade de perceber que o tempo traz sempre, dentro dele,
uma mensagem.
Ao mesmo tempo, pela instantaneidade das comunicações na
mídia, somos também “distraídos” por enxurradas de notícias inter-
nacionais referentes a sangrentos conflitos entre etnias, povos, países,
religiões, culturas. Guerras e guerrilhas brutais, desespero e fome,
migrações em massa, naufrágios, muita morte, tudo é notícia. Ter-
remotos, tsunamis, tufões e tornados devastadores, secas e enchentes,
milhares de vidas ceifadas ou desabrigadas. Também isso “entre-
tém”. Parece o fim do mundo a engolir o tempo até dos vivos. Sem
precisar ir muito longe: “mensalões” e petrolões”, corrupções e insa-
nas “camuflagens” (também midiáticas!), de longa data e todo tipo,
n O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

sugando o sangue dos pobres. Um mundo sem fim de “notícias nega-


tivas” atropelando o tempo e nos fazendo cegos e insensíveis ao seu
verdadeiro sentido.
Dentro deste contexto, reunimo-nos hoje para ouvir a Palavra e cele-
brar um outro Tempo: o Tempo do Deus de Jesus Cristo a relativizar
nosso tempo fugaz para nos fazer mergulhar no eterno Tempo sem males.

Recordando a Palavra
Jesus se dirige hoje aos seus discípulos com um discurso à primeira
vista apavorante (cf. Mc 13,24-32). Fala de grande tribulação seguida
do sol escurecendo, da lua perdendo seu brilho, das estrelas caindo
do céu, das forças do céu sendo abaladas. Verdadeira sensação de fim
de mundo! É diz que “então vocês verão o Filho do Homem vindo
nas nuvens com grande poder e glória” (v. 26); e os anjos serão por
ele enviados para reunir de todos os cantos da terra todos os “eleitos
de Deus” (v. 27). Já observaram o que se sente quando os ramos da
figueira ficam verdes e as suas folhas começam a brotar? Sente-se
que o verão está às portas. Mesma coisa — conclui Jesus — “quando
vocês virem essas coisas acontecendo, fiquem sabendo que o Filho
do Homem está próximo” (v. 28-29). “E digo mais” — afirma Jesus —,
“tudo isto vai acontecer” ainda nesta geração. O céu e a terra vão
passar, “mas as minhas palavras não passarão” (v. 30-31). E em que
dia e hora isso vai acontecer? “Ninguém sabe” — afirma o Mestre —,
“nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (v. 32).
Realiza-se, pois, a profecia de Daniel, como ouvimos na primeira
leitura (Dn 12,1-3), que anuncia “um tempo de angústia como nunca
houve” (v. 1), mas dentro do qual os justos serão salvos, despertarão
para a vida eterna; os sábios brilharão como o firmamento e os mes-
tres das virtudes “brilharão como as estrelas, por toda a eternidade”
(v. 2-3). Logo, o justo que se refugia totalmente em Deus pode se
sentir sempre seguro, confiante, inabalável, tranquilo, eternamente
feliz e alegre. Por isso que em meio às angústias da vida podemos
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum — Ano B - São Marcos

confiantes cantar o Salmo 16, em cujo refrão pedimos: “Protege-me,


ó Deus em ti me refugio!” (v. 1a).
Ora, se Cristo, tendo passado pela angústia mais atroz, ofereceu-
-se inteiramente ao Pai por nós e nos santificou, como ouvimos na
segunda leitura (cf. Hb 10,11-14.18), com muito mais razão podemos
também nós confiarmos em Deus quando somos rodeados de tor-
mentos, por piores que sejam.

Atualizando a Palavra
Pelo fato de vivermos neste mundo, estamos sujeitos a passar por
assustadoras situações de todo tipo, até com cheiro de “fim do
mundo”, Foi a experiência vivida pelas comunidades cristãs primitivas.
Elas viviam em contextos sociais de tremendos conflitos políticos
e culturais, guerras e guerrilhas, massacres e, pior ainda, de cruéis
perseguições contra os próprios cristãos. Sem contar os contextos
amedrontadores de acidentes naturais, certamente conhecidos e até
vividos por muitos. E é dentro desse contexto que o Espírito faz ver
— também pelo evangelho de Marcos — uma mensagem de fé cristã.
Esta mensagem é passada pelo evangelista mediante um gênero
literário típico, herdado da tradição judaica, com a intenção de “for-
talecer a esperança do povo em tempos de crise”. Chamam-no de
gênero apocalíptico.
Com certeza, as situações conhecidas e vividas pelas primitivas
comunidades cristãs eram às vezes tão cruéis que muitos chegavam a
se questionar: será que, com tudo isso, vale a pena ser cristão, discí-
pulo e discípula de Jesus Cristo? Tem algum sentido? Era a tentação
do desânimo total no caminho cristão, pessoal e comunitário.
E é aí que entra o evangelista com a mensagem de fé: usando o
gênero apocalíptico, imagina a possibilidade real até dos mais assus-
tadores acontecimentos cósmicos, inclusive o fim de tudo. Como que
para dizer: mesmo assim, não se intimidem, não desanimem, tenham
coragem, pois o Filho do Homem que já passou pela tragédia do
O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

sofrimento, da cruz e da morte, venceu e, ressuscitado, se faz presente


“com grande poder e glória” também em nossas tragédias e sofrimen-
tos (v. 26). Este será o grande e permanente fator que nos une a todos
como “eleitos de Deus” (v. 27) e nos estimula: a fé no Ressuscitado
presente na história humana, a fé e confiança no Reino acontecendo
no “hoje” de todos os tempos.
“Aprendam com a figueira (v. 28): precisamos ter uma atitude
de vigilância. Trata-se de descobrir no fundo de cada pessoa e de
cada acontecimento que o Reino está presente e cresce (cf. Mc 4,26-
29). A leitura cristã da realidade não fica só na superfície. Se não for-
mos mais fundo, corremos o risco de sermos infiéis, de tomar outros
caminhos, que não são o do Reino assumido por Jesus, cujo cume
foi a ressurreição passando pela cruz”.?º Tudo é passageiro, “mas as
minhas palavras não passarão” — afirma Jesus — (v. 31). Acreditem,
portanto, e, crendo, vocês não vão esmorecer no compromisso com o
Reino, mesmo enfrentando as piores tragédias.
Mas quando vai acontecer tudo isso? Aí ouvimos Jesus dizendo:
“Ninguém sabe! Nem o Filho o sabe, mas somente o Pai” (v. 32).
Em outras palavras, saber quando tudo isso vai acontecer não é o
decisivo, o mais importante. Apenas o entreguem nas mãos do Pai,
como eu fiz. Confiem nele. O mais importante e decisivo — isto sim!
—, é que, ressuscitado, eu estou sempre presente na história de vocês:
“As minhas palavras não passarão” (v. 31). Isso é tudo, e pronto! Cul-
tivando esta consciência, vivam então o Amor!
“As catástrofes e perseguições não pressagiam a vitória do mal.
Jesus convida (v. 31) a aproveitar essa oportunidade para nos con-
vertermos e passar do medo — experiência humana natural — à con-
fiança de que o Espírito atua. Ocasião de sermos fiéis ao Amor.
Assim podemos ter uma visão positiva da história, como lugar da

96 ROMÁAGUERA, J. M. E/ evangelio en medio a la vida. Domingos y fiestas del ciclo B. Op. cit.,
p. 175. Vale lembrar que as palavras de Jesus, da Liturgia de hoje, foram ditas precisamente
em Jerusalém; às portas da paixão, portanto.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos n

ação amorosa de Deus, como lugar em que podemos amar”.”” Não


esmoreçam, portanto, no seguimento do Mestre Jesus presente e
atuante por seu Espírito na história da humanidade.

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso, dentro desta perspectiva, no início desta celebração fizemos este
pedido: “Senhor, nosso Deus, fazei que a nossa alegria consista em vos
servir de todo o coração, pois só teremos felicidade completa, servindo a
Vós, o criador de todas as coisas”. Em outras palavras, que, conscientes
do Filho de Deus fazendo parte de nossa história, tenhamos imenso
prazer, alegria e felicidade, em servir o projeto do Reino de Deus.
“Anunciamos, Senhor, a vossa morte e proclamamos a vossa
ressurreição. Vinde, Senhor!”. é a Páscoa acontecendo e sempre se
fazendo presente, que celebramos. E, enfim, depois de participar
desta Ceia pascal do Senhor neste domingo, fazemos a Deus este
significativo pedido: “Tendo recebido em comunhão o Corpo e o
Sangue do vosso Filho, concedei, é Deus, possa esta Eucaristia que
ele mandou celebrar em sua memória fazer-nos crescer em caridade”.
Em outras palavras, que essa Eucaristia, memorial da Páscoa de
Jesus, nos eduque e nos fortaleça na prática do projeto salvador do
Reino de Deus por ele inaugurado, passando pelo sofrimento, a cruz
e a morte, e culminando na ressurreição. Amém!

Sugestões para a celebração


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (De paz são meus
pensamentos: p. 130 — [P.d.D.] O Pensamento do Senhor é paz:
p- 390, 396 ); Salmo Responsorial (Sl 16[15] — Guardai-me, ó
Deus: p. 164-165); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! É preciso

97 Ibidem.
98 CNBB. Hinário litúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

vigiar: p. 229); Comunhão (Vem o dia por nós esperado: p. 273 —


[Pd.D.] A minha felicidade é estar com meu Deus: p. 390, 396).
2. Para celebrar bem, uma palavra sobre o sentido do Missal: “O missal
é matriz da oração cristã, no sentido de 'mãe, assim como é chamado
aquele instrumento particular que, na composição tipográfica, traz a
impressão escavada da figura que se pretende reproduzir em relevo.
O missal é matriz neste sentido, ou seja, é o instrumento que guarda
a impressão originária da oração cristã, de modo que a oração de
cada cristão possa ser a reprodução fiel e a imagem da figura origi-
nária. O missal ensina a gramática da oração: o que é a oração do
cristão, a quem dirigir a oração, como ela se formula, o que pedir”?
3. Para celebrar bem, uma palavra também sobre a Oração Euca-
rística enquanto fundamento da oração cristã: “A anáfora ensina
como a oração cristã deve ser uma oração cósmica, em comu-
nhão com tudo que foi criado. “Nós, e por nossa voz tudo o que
criastes, celebramos o vosso nome, cantando a uma só voz, assim
se conclui o prefácio da quarta Oração Eucarística, quase como
imitação da conclusão de todo o saltério que, no último versículo
do Salmo 150, canta: “todo ser vivo louve o Senhor" (v. 5), ou
seja, tudo aquilo que tem um sopro de vida, tudo aquilo que vive
dê louvor ao Senhor. “Transformados em voz de toda criatura',
ou seja, na voz do homem que canta a glória de Deus três vezes
santo está a voz de todo ser criado, sábio e ignorante, animado
ou inanimado. Dentre os seres criados por Deus, só o homem
pode tomar em suas mãos toda a criação, para oferecê-la em
ação de graças a Deus, tornando-se assim sacerdote da criação.
Naquele “transformados em voz de toda criatura” a anáfora atesta,
portanto, como o cristão, quando reza, deve estender sua oração a
toda a criação, pois não pode não haver consciência que nele reza
a criação inteira que geme e sofre, exprimindo sua impaciente
espera da revelação dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19)”.109

99 BOSELLI, Goffredo. O sentido espiritual da liturgia. Op. cit., p. 133-134.


100 Ibidem, p. 135-136.
ERES rá EE ” n a
: Ef peca ES

34º DOMINGO DO TEMPO COMUM


NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
REI DO UNIVERSO, solenidade

22 de novembro de 2015

“TU DIES QUE EU SOU REI. (JO 18,37)

Leituras: Dn 7,13-14; Sl 93(92),1ab.1c-2.5 (R/. 1a); Ap 1,5-8; Jo


18,33b-37

Situando-nos
Na sociedade civil temos o ano civil, marcado pela contagem do
tempo cronológico. Na comunidade eclesial temos o ano litúrgico,
marcado pela vivência do tempo da salvação em Cristo vivido na
liturgia. Tem início no 1º domingo do Advento, em preparação
para o Natal do Senhor, e termina com o domingo de “Cristo, Rei
do Universo”. Portanto, hoje celebramos o último domingo do ano
litúrgico, no qual damos destaque especial à “realeza” de Jesus: “Ele
oferece o Reino de Deus e se oferece a si mesmo como referência,
como aquele que devemos seguir para fazer parte deste Reino”.º!
Fizemos todo um caminho com Jesus, nos domingos prece-
dentes, com Ele aprendendo qual é o projeto de Deus em relação
ao seu Reino de vida plena para todos, feliz e saudável. O modelo
deste projeto é o próprio Jesus de Nazaré, Filho de Deus, que,
desapegado de tudo, passa a vida só fazendo o bem e, depois, em
sua total entrega de amor por nós, tem que passar pelo sofrimento,

101 ROMAGUERA, J. M. El evangelio en medio a la vida. Domingos y fiestas del ciclo B. Op. cit.,
p. 176.
n O caminho para ser discipulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

pela dor, pela cruz, pela morte, culminando, enfim, com a ressur-
reição como vitória desse amor sobre toda maldade. Esse é o Mes-
sias verdadeiro, que não mente. Esse é o Caminho certo que nos
conduz a um fim feliz. Esse é o Reino de Deus. Entrar no jogo
dele é que torna o ser humano realizado e feliz. Nem todos enten-
dem isso. Outros, mesmo entendendo, não se arriscam e, con-
sequentemente, se vão “tristes” por aí, como foi o caso do moço
“rico” (cf. Mc 10,17-30).

Recordando a Palavra
Final do caminho. Jesus em Jerusalém, agora preso, humilhado.
É o momento do Messias verdadeiro. Acusado de se fazer de rei, é
interrogado por Pilatos (Jo 18,33b-37).
Então Jesus expõe claramente qual a dimensão do Reino ao qual
sempre se referiu em sua pregação: “O meu reino não é deste mundo.
Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para
que eu não fosse entregue aos judeus. Mas, o meu reino não é daqui”
(v. 36).
“Então, tu és rei?”, pergunta o governador. Jesus, certo de ser
Ele mesmo a verdade do Reino de Deus — pois de Deus Ele veio
—, não titubeia: “Ju dizes que eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo
para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da
verdade escuta a minha voz” (v. 37). E qual é a verdade? À verdade
Reino de Deus, totalmente diferente dos limitados padrões dos rei-
nados deste mundo.
Trata-se de um Reino que está acima de todos os outros reinos.
E neste Jesus, pela sua Páscoa, se concretiza a visão do profeta Daniel,
como ouvimos na primeira leitura. Daniel viu “um como que filho
do homem”, a quem lhe foram dados “poder, glória e realeza, e todos
os povos, nações e línguas o serviam: e seu poder é um poder eterno
que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá”
(cf. Dn 7,13-14). Por isso que, iluminados pela Páscoa de Jesus, é que
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos

hoje podemos cantar o Salmo 93, cujo refrão soa assim: “O Senhor
reina, de esplendor se veste!” (v. 1a).
Ou como proclama solenemente a Palavra de Deus no livro do
Apocalipse: “Jesus Cristo, a testemunha fiel, o primogênito dentre
os mortos, o soberano dos reis da terra (...), e que fez de nós um reino
de sacerdotes para seu Deus e Pai” (Ap 1,5-6).

Atualizando a Palavra
Jesus diz abertamente diante de Pilatos que seu reinado não é deste
mundo. Em outras palavras, “não deve seu reinado a nenhuma
instância deste mundo. Ele não é como os reis locais, no Oriente, que
eram nomeados pelo Imperador de Roma; nem como o Imperador,
cujo poder dependia de seus generais, os quais por sua vez dependiam
do poder de quem? De uma estrutura que se chama “este mundo.
Como hoje. Os governantes deste mundo — estabelecidos por 'este
mundo" — dependem de toda uma constelação de poderes, influên-
cias e trâmites escusos. Devem pactuar, conchavar, corromper. E, no
fim, caem de podres. Pensam que são donos do mundo, enquanto, na
realidade, o mundo é dono deles”.!º2
Os reinos deste mundo são representados por uma visão do pro-
feta Daniel (cf. Dn 7,11-12): feras tomando conta deste mundo e se
digladiando entre si. É aí que, como vimos na primeira leitura, o
profeta vê “uma figura com rosto humano, um “como que filho do
homem, que desce do céu, de junto de Deus, e que representa o rei-
nado de Deus que domina as feras, os reinos deste mundo. Jesus na
sua pregação se autointitula “filho do homem” no sentido de ser ele
aquele que traz esse reinado de Deus ao mundo”!

Como podemos entender, pois, o reinar de Jesus? Primeiro,


“não pertence a este mundo, nem lhe é concedido por este mundo.

102 KONINGS, J. Liturgia dominical. Mistério de Cristo e formação dos fiéis... Op. cit.,
p. 350.
103 Ibidem.
Ho O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

É reinado de Deus. Deus é seu dono. Mas, embora não sendo deste
mundo, este reino não está fora do mundo. Está bem dentro do
mundo, mas não depende deste por uma relação de pertença, nem
procura impor-se ao mundo por aqueles laços que o prenderiam:
força bruta, astúcia, diplomacia, mentira... Jesus ganha o mundo para
Deus pela palavra da verdade”!
Jesus mesmo o disse, diante de Pilatos: “Eu nasci e vim ao
mundo para isto: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). De
que verdade se trata? “Jesus é a palavra da verdade em pessoa. Nele a
verdade é levada à fala. E que verdade? A verdade lógica, científica?
Não. Na Bíblia, a verdade significa firmeza, confiabilidade, fideli-
dade. Jesus é a palavra 'cheia de graça e verdade” (Jo 1,14), a palavra
em que o amor leal e fiel de Deus vem à tona e se dirige a nós: amor
e fidelidade em palavras e atos. É Deus se manifestando. Essa “ver-
dade”, Jesus a revela dando sua vida até o fim. Esse é o sentido desta
declaração, feita três horas antes de sua morte, ao ser interrogado por
Pilatos, que não entende”!
Jesus mesmo é a própria personificação do Reino de Deus. “Não o
reino da opressão, mas o reino do amor fiel, reino de rosto humano — o
humano de Deus por nós, manifestado no dom da vida de Jesus, que
reina desde a cruz. À opressão exercida pelos reinos deste mundo, Jesus
a venceu definitivamente pela veracidade do amor fiel de Deus. Ora,
quem faz existir o amor fiel de Deus no mundo de hoje somos nós.
Por isso Jesus nos convida: “Quem é da verdade escuta a minha voz”,!º6

Ligando a Palavra com a ação litúrgica


Por isso que, ,
já no início desta celebração nos colocamos com um
pedido ao “Deus eterno e todo-poderoso” que se dispôs “restaurar

104 Ibidem.
105 Ibidem.
106 Ibidem.
Roteiros Homiléticos do Tempo Comum - Ano B — São Marcos

todas as coisas” no seu amado Filho, Rei do universo. E o pedido é


este: que todas as criaturas, livres de qualquer escravidão e servindo
ao Rei verdadeiro, o glorifiquem na eternidade.!?”
Então, depois de ouvida a Palavra, manifestamos nossa pro-
funda gratidão pela Páscoa de Jesus, que inaugurou neste mundo
“um Reino eterno e universal, reino da verdade e da vida, Reino
da santidade e da graça, Reino da justiça, do amor e da paz”, a ser
vivido pelos cristãos redimidos e um dia entregue completo à “infi-
nita majestade” de Deus.
Finalmente, uma vez alimentados na Ceia pascal, no banquete
no Reino nesta Eucaristia, fazemos a Deus este pedido: “que, glo-
riando-nos de obedecer na terra aos mandamentos de Cristo, Rei do
universo, posamos viver com ele eternamente no reino dos céus”.!ºé

Sugestões para a celebração E


1. Paraos cantos, o Hinário Litúrgico da CNBB"? oferece propostas
de boa qualidade litúrgica e musical: Abertura (O Senhor vai
falar-nos de paz!: p. 131 — [P.d.D.) O Cordeiro imolado é muito
digno: p. 391, 392); Salmo Responsorial (Sl 93[92] — Deus é Rei:
p. 160-161); Aclamação ao Evangelho (Aleluia! É bendito aquele
que vem vindo!: p. 230); Comunhão (Eu sou Rei, vim dar ao
mundo: p. 274 — [Pd.D.|] O Senhor, em seu trono, para sempre
é Rei: p. 391, 396).

2. Levar as pessoas a experimentar a presença viva do Senhor na


Palavra que se proclama é um permanente desafio pastoral.
Quanto a isso, vale lembrar o que nos orienta a Introdução ao
Lecionário da Missa, n. 46: “Para que possam celebrar vivamente
o memorial do Senhor, lembrem-se os fiéis de que a presença de

107 Oração do dia.


108 Oração depois da comunhão.
109 CNBB. Hinário litiúrgico. 3º Fascículo. Domingos do Tempo Comum, Anos À, Be C. Op. cit.
No O caminho para ser discípulo(a) de Jesus e viver o Reino de Deus

Cristo é uma só, tanto na Palavra de Deus, 'pois quando se lê na


Igreja a Sagrada Escritura, é ele que fala, como 'especialmente
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sob as espécies eucarísticas (SC, n. 7)?.!1º

3. Quanto aos entornos do altar: na medida do possível que haja


espaço suficiente para poder circundá-lo com calma, sem
tropeços, sem distrações, sem apertos, durante a celebração. Pode
acontecer que algum vaso de flor, algum pedestal, algum cande-
labro etc., muito próximo ao altar, se torne um “ruído” para a
experiência orante da liturgia. Se for possível evitar tais “ruídos”,
a dignidade da liturgia agradece.

110 Cf. Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Op. cit., p. 213.

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