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Perícia Federal 1

2 Perícia Federal
EDITORIAL
Marcos de Almeida Camargo

SUMÁRIO PREZADOS (AS) LEITORES (AS),


A edição 45 da revista Perícia Federal traz um
conteúdo especial sobre a nova área de atuação pericial:
os isótopos forenses. A ferramenta utiliza a análise da
razão isotópica dos vestígios materiais como caminho
para elucidação de crimes. Esta edição traz ainda, de
forma inédita, um encarte científico com artigos no
formato de paper sobre o tema. Agora, a Perícia Federal
irá publicar artigos neste modelo a cada nova edição.
Ainda sobre os isótopos forenses, a edição conta
com um artigo que trata do panorama internacional
do uso da ferramenta isotópica e também reflexões
do passado, presente e futuro do uso dos isótopos e
sua relação com o DNA e a Justiça. O entrevistado da
edição é autoridade no tema, o professor Luiz Antonio
Martinelli, que é professor titular da Universidade de São
Paulo (USP) e lotado no Centro de Energia Nuclear na
04 ENTREVISTA Agricultura (CENA), laboratório parceiro da PF na área de
Professor Luiz Antonio Martinelli isótopos.
08 PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA O personagem da coluna Peritos que fazem

Foto: André Zímmerer


Jesus Antonio Velho
história, redigida pelo colega PCF Jesus Antonio Velho,
14 ÁREAS DA PERÍCIA é o perito criminal federal Adriano Maldaner; e na coluna
Genética Forense
Áreas da Perícia, a Genética Forense é a área detalhada.
20 DANOS AMBIENTAIS Destaque também para o artigo sobre danos ambientais
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra,
Daniel Ferreira Domingues, David Domingues assinado pelos colegas do Grupo de Perícias em Meio
Pavanelli, Mariana Machado de Ambiente do SETEC/SP.
Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael A revista apresenta ainda um breve perfil do
de Area Leao Alves e Shanty Navarro Hurtado. novo diretor Técnico-Científico, perito criminal federal
26 ÁTOMOS NO RASTRO DO CRIME Alan Lopes e do novo diretor do Instituto Nacional
Danielle Ramos de Criminalística; Raimundo Azevedo. A edição traz
38 PANORAMA INTERNACIONAL detalhes de dois grandes eventos que serão realizados
Peritos criminais federais Marcus Vinicius de em junho de 2021, na cidade de Curitiba: a terceira
Oliveira Andrade e Marcelo Carvalho Lasmar
edição da InterForensics e o 2º Fórum Nacional Sobre
42 ISÓTOPOS, DNA E JUSTIÇA Crimes Econômico-Financeiros, ambos organizados
Peritos criminais federais Jorge Marcelo de
Freitas, Meiga Aurea Mendes Menezes, Rodri- pela Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais
go Ribeiro Mayrink e Luiz Spricigo Jr. em conjunto com a Academia Brasileira de Ciências
46 EVENTOS DA CRIMINALÍSTICA
Forenses. Algumas das ações de destaque do primeiro
Danielle Ramos semestre de 2020 da Associação podem ser conferidas
na coluna APCF em Ação.
47 SEÇÃO CIENTÍFICA
PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE AS VARIAÇÕES
NATURAIS DOS ISÓTOPOS ESTÁVEIS
Martinelli, Luiz Antônio; Nardoto, Gabriela Boa leitura!
Bielefeld; Costa, Fábio José Viana; Mascarenhas, Marcos de Almeida Camargo
Ricardo de Oliveira; Mayrink, Rodrigo Ribeiro
Presidente da APCF
NOVA FRONTEIRA NO USO DE TRAÇADORES
ISOTÓPICOS PARA MATERIAIS E SERES VIVOS:
O USO DE ISÓTOPOS RADIOGÊNICOS E NÃO
TRADICIONAIS Revista Perícia Federal
Roberto Ventura Santos, Camilla Vasconcelos
Kafino, Veridiana Teixeira de Souza Martins, Coordenação e edição: Revisão: Correspondência para :
Isabela Moreno Cordeiro de Sousa Danielle Ramos Tania Maria Pena Tosta da Silva Revista Perícia Federal
revista@apcf.org.br Textos Soluções SHIS QI 09, conjunto 11, casa 20
70 FUTURO DA PERÍCIA Lago Sul - Cep: 71.625-110 Brasília/DF
Márcia Aiko Tsunoda e CTP e Impressão: Telefones: 61) 3345-0882
Bruno Werneck Pinto Hoelz
Redação: Athalaia Gráfica e Editora E-mail: apcf@apcf.org.br
Danielle Ramos
74 CADEIA DE CUSTÓDIA Gustavo Azevedo Tiragem:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e
professores Aline Thaís Bruni e Cláudio Prado Amaral 5.000 exemplares Assinatura da revista:
www.apcf.org.br
80 UM BREVE PERFIL: DITEC E INC Capa, arte, diagramação: A revista Perícia Federal é uma publi-
Danielle Ramos AtivaWeb cação da APCF e não se responsabi-
liza por informes publicitários nem
84 APCF EM AÇÃO opiniões e conceitos emitidos em
Gustavo Azevedo artigos assinados.

Perícia Federal 3
ENTREVISTA
Professor Luiz
Antonio Martinelli

Foto: Maria Leonor de Calasans – IAE/USP

O SENHOR É UM DOS PRINCIPAIS


PESQUISADORES BRASILEIROS
DA ÁREA DE ISÓTOPOS ESTÁVEIS,
INCLUINDO APLICAÇÕES
FORENSES. QUANDO OBSERVA
O PRESENTE, É POSSÍVEL FAZER
UM BALANÇO DO PERCURSO
O entrevistado desta edição PARA CHEGAR AO CENÁRIO
da revista Perícia Federal é ATUAL? CONTE UM POUCO DA
autoridade na área de isótopos TRAJETÓRIA DA TEMÁTICA
estáveis, incluindo aplicações NO PAÍS.
forenses. O professor Luiz Eu diria que eu sou um dos mais
Antonio Martinelli é professor velhos na área, não sei se um dos principais.
titular da Universidade de São Enfim, o uso de isótopos estáveis no país
Paulo, lotado no Centro de começou na década de 60 em minha
Energia Nuclear na Agricultura, instituição com dois visionários, Eneas
Campus de Piracicaba. Tem Salai e Eiichi Matsui, este último pertencia
experiência na área de Ecologia, aos quadros da então Comissão Nacional
com ênfase em Dinâmica de Energia Nuclear, mas permanecia
de Ecossistemas Tropicais, lotado no CENA. O primeiro objetivo foi
utilizando isótopos estáveis utilizar os isótopos estáveis da água no
como traçadores dos ciclos do estudo do ciclo hidrológico da Região
carbono, nitrogênio e água. Nordeste do país que, como sabemos,
sofre com eventos periódicos de seca.
Posteriormente, os isótopos estáveis da
água passaram a ser utilizados no estudo
do ciclo hidrológico da Amazônia, com
importantes contribuições reconhecidas

4 Perícia Federal
ENTREVISTA
Professor Luiz Antonio Martinelli

até hoje. Salati e Matsui tiveram vários tanto tempo intacto? DNA muito NA OPORTUNIDADE DO 1º
estudantes e dentre esses elenco quatro raramente, mas os isótopos continuam lá, WORKSHOP SOBRE ISÓTOPOS
nomes que se destacaram na utilização de desvendando o passado remoto. FORENSES, O SENHOR
isótopos estáveis: Reynaldo Victoria, Paulo AFIRMOU QUE, EM 37 ANOS,
Trivelin, Carlos Cerri e Carlos Ducatti, estes ERA A PRIMEIRA VEZ QUE
dois últimos, infelizmente, já falecidos. PARA O SENHOR, QUAL PARTICIPAVA DE UMA REUNIÃO
Esses quatro iniciaram estudos com os A IMPORTÂNCIA DA PARA DISCUTIR A ÁREA DE
isótopos do nitrogênio e do carbono, APROXIMAÇÃO ENTRE O FORMA MAIS DETALHADA. É
principalmente na área agronômica. Eu AMBIENTE ACADÊMICO POSSÍVEL AFIRMAR QUE AS
sou a terceira geração de “isotopeiros”, E A PERÍCIA FEDERAL PESQUISAS RELACIONADAS
pois fui orientando de Reynaldo Victoria. PARA A EVOLUÇÃO E AOS ISÓTOPOS FORENSES
Na minha geração, destacaram-se vários RECONHECIMENTO FORENSE VIVEM SEU MELHOR MOMENTO?
pesquisadores, dentre eles Plinio Barbosa
DO USO DE ISÓTOPOS; QUAIS AS PERSPECTIVAS
de Carmargo, Marcelo Moreira, Marisa
CULMINANDO COM A CRIAÇÃO PARA O FUTURO?
Piccollo e José Albertino Bendassoli, À Zeferino Vaz, criador da
DO LABORATÓRIO NACIONAL
atual diretor do CENA. Modestamente, Unicamp, perguntaram quais eram os
DE ISÓTOPOS FORENSES
iniciamos no país a utilização de isótopos requisitos principais para uma instituição
estáveis, primeiramente na área ambiental,
(LANIF)?
de ensino e pesquisa ter sucesso. Sua
depois na nutrição de animais silvestres, Pelo passado recente da Polícia
resposta foi: em primeiro lugar, pessoas
na área de adulteração de alimentos e, nas Federal (PF) de competência e, sobretudo, qualificadas e visionárias; em segundo
últimas décadas, em estudos forenses. Por de independência, a PF tornou-se muito lugar, pessoas qualificadas e visionárias
vários anos, o CENA foi o único laboratório respeitada pela população brasileira. e em terceiro lugar, pessoal qualificadas
a fazer análises isotópicas, mas a partir Portanto, em primeiro lugar, é uma e visionárias. A criação do LANIF se deve
do final da década de 90 o uso cresceu obrigação (e uma honra) colaborar com ao encontro de pessoas qualificadas e
muito, incentivando a criação de novos uma instituição de tamanho respeito. visionárias, tanto na Academia como na
laboratórios. Atualmente acredito que Segundo, frequentemente, a Academia PF. Falo isso de forma insuspeita, pois eu
já haja uma centena de laboratórios é vista como um monte de eruditos que não fui um dos visionários da Academia
equipados com espectrômetros de vivem em uma “torre de marfim”, alheios que enxergou essa oportunidade, mas
massas, e novas aplicações foram surgindo sim, minha colega, profa. Gabriela Nardoto.
aos problemas sociais que requerem
como na medicina, por exemplo. Pelo lado da PF, destaco um time de jovens
uma solução a curto prazo, como uma
e visionários peritos ambientais que
investigação criminal. Por meio dessa
encontraram nas posições de comando,
parceria, a Academia mostra cabalmente
“OS ISÓTOPOS NÃO MENTEM pessoas também visionárias que
JAMAIS”. ESSA FRASE É USADA que não vivemos uma “torre de marfim”, entenderam as potencialidades da técnica
PELO SENHOR COMO TÍTULO DE e a PF se beneficia de algumas facilidades isotópica em estudos forenses.
SUAS PALESTRAS. PODE CONTAR que somente encontramos no ambiente Veja, na maioria das vezes, esse
UM POUCO A RAZÃO DE acadêmico, como a liberdade de pesquisa encontro de competências demora a
DIZER ISSO? e o tempo necessário para pesquisas de acontecer, pois a técnica a ser utilizada
Eu costumo dizer isso porque longo prazo, que, por razões óbvias, uma deve estar bem consolidada para sua
os isótopos são variantes de átomos, instituição judiciária não tem. O maior utilização, e o envolvimento de duas
que é a unidade elementar da matéria beneficiário dessa parceria é o país, uma escolas distintas (Academia e PF, no caso)
e, consequentemente, mudar essa vez que acredito que a metodologia devem ter a percepção dessa utilidade.
combinação de átomos não é tarefa fácil. isotópica é fundamental para a ciência Como definem Acemoglu e Robinson,
autores de “Why Nations Fails”, são as
Por exemplo, os isótopos estáveis do forense e a criação do LANIF é a resposta
chamadas “contingências da história”.
carbono são utilizados como traçadores do a essa carência. O LANIF vai equipar a
Nesse sentido, não é que isótopos forenses
surgimento da vida no planeta e de suas nossa PF em condições similares ou até
vivem seu melhor momento no país,
variações bioquímicas. Assumindo que a superiores a instituições de outros países na verdade, vivem seu único e histórico
vida surgiu há mais de quatro bilhões de que utilizam a metodologia isotópica há momento. Na minha modesta visão, os
anos, que traçador biológico permanece muito tempo em suas investigações. bons dirigentes são justamente aqueles

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ENTREVISTA:
Professor Luiz Antonio Martinelli

Profa. Gabriela Nardoto, perito criminal federal Rodrigo Mayrink e professor Martinelli, na oportunidade da
entrega da placa de homenagem feita pelos peritos criminais federais ao CENA

que enxergam essa conjunção de fatores PF se posicionará, ombro a ombro, com certo na hora certa. Com isso, quero
acontecendo (contingências da história) instituições internacionais, mesmo com dizer que existem inúmeras capacidades
e nutrem a iniciativa resultante dessa investimento relativamente modesto. Eu consolidadas em isótopos estáveis no país
conjunção. tenho certeza que em algumas áreas a PF que poderiam estar no meu lugar.
já se qualifica para esse seleto clube, não
tenho dúvida que em um futuro breve
COMO O SENHOR a área “isotopic forensic” será uma delas EXISTE UMA BRINCADEIRA
ENXERGA OS ISÓTOPOS também. ENTRE OS PERITOS QUE ESSA
FORENSES NO BRASIL HISTÓRIA DE ISÓTOPOS
QUANDO COMPARADO ÀS É CONTAGIOSA E QUE O
EXPERIÊNCIAS NO EXTERIOR? O SENHOR, JUNTO À EQUIPE BICHINHO ISOTOPEIRO SAIU
O SENHOR VISLUMBRA QUE DO CENA, RECEBEU UMA MORDENDO TODO MUNDO
O INVESTIMENTO FEITO PELA HOMENAGEM DOS PERITOS POR AÍ. PODE DAR UMA RAZÃO
POLÍCIA FEDERAL PODE CRIMINAIS FEDERAIS NO PARA ISSO? ACHA QUE O USO
MUDAR ESSA PERSPECTIVA? INÍCIO DESTE ANO. COMO DE ISÓTOPOS É O ‘FUTURO/
É fato que a maioria dos países O SENHOR ENCARA ESSE PRESENTE’ DAS CIÊNCIAS
ditos “mais desenvolvidos” consolidaram RECONHECIMENTO? FORENSES?
nas últimas décadas o uso de isótopos Bom, em primeiro lugar, Vou começar pela segunda parte
estáveis em seus organismos de com muito orgulho e satisfação, da pergunta. Eu acho que a metodologia
segurança. O Brasil é ainda um país que sentimentos compartilhados com todos isotópica é mais uma ferramenta dentro
não está no mesmo patamar econômico os componentes do nosso laboratório; das ciências forenses. Eu sempre falo para
e social desses países, mas existem áreas em segundo lugar, com humildade de os meus alunos: isótopos são mais um meio
que nosso país tem o mesmo nível de reconhecer que as tais “contingências do que um fim. Não adianta me apresentar
competência. Nesse sentido, avalio que a da história” nos colocaram no lugar um determinado valor isotópico sem

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ENTEVISTA:
Professor Luiz Antonio Martinelli

Foto: Maria Leonor de Calasans – IAE/USP

ampla e detalhada contextualização SAINDO UM POUCO DA ÁREA o que bem entender, como cerveja com
do entorno. Eu acho que os melhores FORENSE, O SENHOR TEM VÁRIOS muito milho, shoyu sem soja, vinho com
resultados se alcançam quando é utilizada ESTUDOS QUE COMPROVAM muito açúcar e por aí vai; e, finalmente,
uma combinação de várias técnicas. FRAUDES EM ALIMENTOS: SHOYU pelo fato de que as autoridades parecem
Quanto ao bichinho isotopeiro, SEM SOJA, CERVEJA COM MILHO, não ter o mínimo interesse em punir os
posso te dizer que é altamente contagioso. VINHO COM MUITO MAIS QUE UVA. culpados.
A doença se desenvolve em três fases, de O QUE A CIÊNCIA MOSTRA SOBRE
acordo com minha experiência: a primeira O QUE ESTAMOS CONSUMINDO?
é o descrédito, meio que um desdém, O CONSUMIDOR ESTÁ SENDO DEIXE UMA MENSAGEM.
você não acha que é tudo isso. A segunda ENGANADO? Espero que a PF não perca este
fase é a paixão, você passa a achar que a Desculpe o desabafo, mas acho momento único na história e dê o apoio
metodologia resolverá tudo na sua vida, é a que o consumidor brasileiro nasceu para necessário para a consolidação do LANIF.
fase do deslumbramento. Finalmente, vem ser enganado. A indústria alimentícia E não se esqueçam: “Os isótopos não
a terceira e última fase, a da razão, onde (obviamente há honrosas exceções) é mentem jamais...”.
você passa a entender as potencialidades, uma das piores nesse quesito. Eu acho
mas principalmente as limitações da que, primeiro, em razão da impunidade,
técnica. A partir daí se estabelece um amor pela fragilidade da regulamentação que
verdadeiro e longevo. dá muita liberdade para a indústria fazer

Perícia Federal 7
PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

Perito Criminal Federal Adriano Otávio Maldaner, no início de sua carreira.

PERITOS
QUE FAZEM
HISTÓRIA: Em continuidade à série “Peritos na resolução de problemas da indústria,
que fazem história”, a revista Perícia Federal que afetavam custos, prazos e carreiras.
dedica esta edição ao perito criminal Em 2002, ingressou na carreira de
CONHEÇA A federal Adriano Otávio Maldaner, um dos Perito Criminal Federal, tendo sido lotado
maiores expoentes da Química Forense no inicialmente no Setor Técnico-Científico da
TRAJETÓRIA Brasil, e o representante da América Latina Polícia Federal, em Belém do Pará, sendo
DE ADRIANO no prestigiado Scientific Working Group for
the Analysis of Seized Drugs (SWGDRUG).
o responsável pela estruturação inicial do
laboratório de química forense no setor,
MALDANER Maldaner é gaúcho, natural além de ter atuado em perícias de locais
de Passo Fundo, onde permaneceu de crime e documentoscopia.
até os três anos de idade, quando seus Em 2003, após a formação de uma
pais foram contratados como docentes nova turma de Peritos Criminais Federais
na Universidade de Ijuí/RS, tendo na Academia Nacional de Polícia, Adriano
permanecido em Ijuí até terminar o ensino foi transferido para o Instituto Nacional
médio. de Criminalística (INC), em Brasília,
Graduou-se em Química pela sendo lotado no Serviço de Perícias de
Universidade Estadual de Campinas Laboratório (Seplab/INC).
(UNICAMP), em 1993, e concluiu o seu Em 2005, o PCF Octávio Brandão,
doutoramento na área de síntese orgânica diretor do INC à época, convidou o PCF
também pela UNICAMP, em 1999. Quando Maldaner para assessorar áreas estratégicas
estava finalizando o doutorado, por da diretoria, mais especificamente atuar no
indicação do seu orientador – prof. dr. projeto Promotec, realizando a interface
Ronaldo Aloise Pilli – ingressou na empresa da Ditec com a Diretoria de Logística
Rhodia. Trabalhou no Centro de Pesquisas da Polícia Federal (Dlog/PF), definindo
de Paulínia, na região de Campinas, na área os equipamentos a serem adquiridos,
de análise química orgânica, com ênfase encaminhados e instalados em todas as

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PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

Perito Criminal Federal Adriano Otávio Maldaner, em conferência da Clandestine Laboratory Investigating Chemists Association (CLIC ), em 2012.

unidades de perícia da Polícia Federal. As e na ampliação de acordos de cooperação Você foi o idealizador
atividades desenvolvidas por Maldaner e com universidades e instituições periciais de vários projetos
todos os outros peritos envolvidos junto no Brasil e no exterior. Ampliou os estratégicos para a
ao Promotec representam um divisor de horizontes da perícia de laboratório da Polícia Federal, tais
era tecnológica nos laboratórios da Polícia Polícia Federal, estimulando a abertura como o PeQui. Fale um
Federal. O INC e a maioria dos Setecs pouco desse projeto, sua
para análises em toxicologia, poluição,
foram totalmente renovados, criando inspiração/motivação
análise química de tintas, detecção de para desenvolvê-lo,
efetivamente uma rede de laboratórios drogas sintéticas, análises de fármacos e
forenses na Polícia Federal. Como desafios e resultados.
agrotóxicos, bebidas e combustíveis.
ilustração, até então a PF possuía apenas Em 2018, o diretor técnico-
um cromatógrafo gasoso associado Ninguém idealiza nada sozinho
científico – PCF Amaury Alan Martins de e todas as iniciativas em que participei
à espectrometria de massas e um
Souza Junior – convidou Maldaner para no INC tiveram muitas horas de discussão
espectrofotômetro de infravermelho.
chefiar a divisão de pesquisa, padrões e com colegas, chefes e diretores, antes
Em 2008, Adriano foi convidado
dados criminalísticos (DPCRIM), tendo
para chefiar o Seplab/INC, função que de sequer serem seriamente aventadas.
exerceu até 2014. A sua gestão foi permanecido no cargo até o final da gestão
Não existiria PeQui sem o PCF Brandão
marcada por grandes avanços na área em 2019, quando retornou ao Seplab,
perturbar todo mundo em fazer placas de
de capacitação, de aquisição de padrões, onde permanece atualmente, atuando na
Cromatografia em camada fina (TLC) para
de gestão da qualidade e no estímulo à realização de perícia, ensino e pesquisa na
todos os açucares que poderiam ter sido
participação de peritos federais em fóruns e área de análise laboratorial forense.
Para apresentar mais detalhes adicionados na cocaína ou ter brigado
congressos nacionais e internacionais; além
dessa brilhante trajetória, e, ao mesmo por montar um laboratório dos sonhos e
das aquisições de novos equipamentos e
tempo, inspirar novos transformadores o povoar com equipamentos caríssimos;
celebração de contratos de manutenção.
Maldaner teve atuação marcante no da Criminalística, apresentamos de sem o PCF Bertolo ter autorizado que
desenvolvimento de projetos de pesquisas forma resumida, um bate-papo com eu e o PCF Élvio pudéssemos conhecer
Adriano Maldaner. projetos de Perfil Químico na Europa; sem

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PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

os delegados da CGPRE terem incluído Você foi o coordenador que realizei desde que entrei na PF. A
os peritos na cooperação da PF com do último curso de equipe de professores e colaboradores
o DEA, nos EUA, sem que a direção do formação profissional (PCFs Simone, Ronaldo e Harley, por
INC/Ditec autorizasse capacitações,
(CFP) junto com a PCF exemplo) foi incrível. Todos com ideias
Simone, gostaria que maravilhosas e, ao mesmo tempo, abertos
pós-graduações, participação em falasse um pouco sobre às sugestões dos outros. Como esse curso
congressos e cooperações acadêmicas sua experiência e sobre era, tradicionalmente, uma colagem de
que se desenvolveram nos últimos anos o sucesso que foi a
disciplina Noções de palestras de diversas áreas da perícia,
no INC. O PeQui não existiria se os PCFs ministradas para os alunos das outras
de plantão nas SR não coletassem as Criminalística, a qual
também esteve sobre sua carreiras e sem conexão formal entre
amostras e as encaminhassem ao INC. O si, fizemos a seguinte proposta: iremos
coordenação.
PeQui é um pouco de todos. criar uma história de um local de crime,
Obviamente, algumas pessoas Participar da coordenação do CFP que seria mostrado aos alunos e, a partir
estão mais envolvidas nas decisões com a PCF Simone foi muito bom, pois dessa história, iríamos introduzir aspectos
estratégicas ou na execução das análises conseguimos ter uma sintonia muito boa. relevantes da criminalística para os “não-
e redação dos relatórios (Élvio, Zacca e Como a ANP determinou redução de carga peritos”. Surgiu a ideia de fazer filmagens
Amaury, recentemente). Agora o PeQui horária para as disciplinas, tivemos que em 360 graus, para que alunos pudessem
rediscutir a distribuição entre as disciplinas “entrar na cena de crime” usando óculos
é um processo da PF, que fornece
tradicionalmente ministradas. Essa tarefa 3D. Todos concordamos, e cada um se
resultados cientificamente embasados empenhou em resolver problemas que
é uma das mais difíceis, pois nenhum
de qualidade para compreensão do pensar diferente acarreta: como filmar 360
coordenador de disciplina quer perder
complexo mundo das drogas ilícitas. horas-aula de seu curso (e, se possível, graus? Quem vai atuar? Qual será o script/
Recentemente foi expandido para quer aumentar!). Discutimos muito com falas? Quem compra os óculos 3D? Onde
agregar as Novas Substâncias Psicoativas, diversos PCF envolvidos em capacitação achar celulares para rodar o filme 3D em
com a participação de outros colegas do e tomamos duas decisões importantes: 1) sala de aula? Como carregar os celulares?
Seplab (PCF Mônica e Luiza). A novíssima aumentar (praticamente dobrar) a Jornada Como compartilhar celulares/óculos com
Específica de Criminalística, preparando 18 turmas ao mesmo tempo? Felizmente,
fronteira do PeQui está fortemente ligada
os alunos nas tarefas de suas áreas de na equipe que montou o curso tínhamos
à difícil tarefa de determinar a origem da
formação; 2) tornar a disciplina de local de os experts para cada uma dessas tarefas:
cocaína apreendida no Brasil, que precisa PCF Rocha e Harley (audiovisual, edição,
crime o eixo lógico do curso, para a qual
ser incrementada e colocada em rotina direção de filmagem, drones, gadgets),
as outras disciplinas deveriam apontar e se
para que resultados do laboratório sejam consolidar. PCF Roney (edição musical), PCF Lorens
subsídios para políticas públicas na área Em relação ao curso de noções de (logística), PCF Simone, Luciana e Hauffe
de redução de oferta. Teremos muito criminalística, não tenho receio em dizer (gestão, contatos institucionais), dentre
trabalho nisso nos próximos anos. que foi uma das atividades mais divertidas outras participações especiais. A equipe de

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PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

professores fez um ótimo alinhamento e testados e explicitados. Ao mesmo tempo, Qual sua visão de futuro
ainda teve a adição de colegas dos estados. não pode ser tecnicista e pouco direta. para Perícia Criminal no
Todas as atividades correram muito bem, A adoção de um sistema de contexto da segurança
com alunos se engajando nas atividades e gestão da qualidade no Seplab facilita pública/Justiça no Brasil?
o curso se encerrou com uma palestra no essa questão, pois podemos registrar
teatro de arena com todas as turmas do formalmente todos dados técnicos que Apesar de certa preocupação
CFP participando de demonstrações “ao embasaram as conclusões da análise com teorias negacionistas, que têm
vivo” da perícia (luz forense, scanner 3D, do vestígio em um dossiê da gestão da potencial para influenciar futuramente
equipe antibombas, drone). qualidade (fotos, relatórios, planilhas, a forma como a justiça recebe os laudos
referências), deixando o laudo muito periciais, entendo que o uso da prova
mais enxuto e adequado ao propósito do material nos procedimentos de segurança
Quais os maiores desafios contexto legal.
da sua carreira como pública e justiça não sofrerá mais
Outro desafio é conseguir aliar
perito criminal? retrocessos significativos. Por outro lado,
atividades profissionais intensas, com
prazos e custos, com cobrança de chefias é de se esperar que o contraditório dos
Fazer com que resultados da e da justiça, com uma boa convivência assistentes técnicos deva aparecer mais
perícia sejam realmente compreendidos e profissional. Todas essas demandas e frequentemente, servindo de “vela e leme”
utilizados pelos outros atores do processo pressões podem levar a conflitos e mal- para ajustes da perícia no futuro.
investigativo ou judicial. Como a perícia entendidos que precisam ser avaliados, Acredito que a perícia deva
criminal é, por definição, técnico-científica, tratados ou relevados. contribuir para trazer as metodologias
conseguir com que dados e conclusões científicas para outras questões da
obtidos por meio da metodologia segurança pública/Justiça, não somente
científica sejam realmente considerados
nos importantíssimos laudos, mas também
de forma consciente por outras instâncias
para contribuir no avanço da compreensão
mais guiadas por bases das ciências
humanas, legais ou sociológicas não é algo das atividades criminosas em diversas
trivial. O maior desfaio é usar toda nossa áreas, como drogas, desmatamento,
capacidade intelectual e de comunicação lavagem de dinheiro, desvio em obras,
para que uma atividade cientificamente falsificações, contrabando etc. Muitas
embasada seja entendida corretamente, iniciativas já trafegam nesse caminho
isto é, algo que não é “divino” (um extremo) (PeQui, InteliGeo, Banco de DNA, Simba,
ou “chutado” (o outro extremo), mas, sim, etc), mas acredito que outras áreas irão se
uma produção intelectual baseada em agregar naturalmente no futuro.
resultados, lógica e inferências, que vai
ter incertezas e limites, que devem ser

Perícia Federal 11
PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

A inestimável contribuição do PCF Adriano


Maldaner para o desenvolvimento da
Criminalística no país, em especial para a
evolução da Química Forense, é consenso
“O Adriano Maldaner foi da minha
entre os peritos criminais e acadêmicos da turma no curso de Formação
área. A seguir são transcritos depoimentos Policial. Ele foi lotado em Belém/
de alguns desses profissionais: PA, enquanto eu fui para Palmas/
TO. Nos reencontramos no Seplab/
Dper/INC/Ditec, no início de 2004.
Trabalhamos muito próximos desde
então. Iniciamos o projeto de Perfil
Químico de Drogas (Pequi) juntos,
ainda em 2009. Visitamos juntos
instituições forenses de outros países
para conhecer diferentes programas de
perfil químico. Entre as idas e vindas
dele para o Seplab/Dper/INC/Ditec,
ele já foi meu chefe e hoje sou seu
chefe. O Adriano é um perito criminal
Elvio Dias Botelho
Perito Criminal Federal e pesquisador inquieto, sempre com
Chefe do Seplab/INC novas ideias e projetos, mas que não
ficam só no planejamento; ele é o tipo
de pessoa que mergulha de cabeça e
executa o planejado até o fim. Além de
ser um grande amigo, é realmente um
prazer trabalhar com um profissional
tão competente que nunca perdeu
a vontade de inovar e se dedicar ao
trabalho, mesmo depois de tanto
tempo na PF. Por isso tudo é uma
referência na área da Química Forense,
não só pelas inúmeras publicações
cientificas, como também por ser o
único representante da América Latina
no prestigiado grupo Scientific Working
Group for the Analysis of Seized
(SWGDRUG)”.

12 Perícia Federal
PERITOS QUE FAZEM HISTÓRIA
Por Jesus Antonio Velho

“Em 2003, quando chefiava o Setec/


PA, tive a grata surpresa de receber
direto da ANP, o PCF Adriano
Maldaner. Numa rápida passagem
que esteve em Belém (2002-2003),
estruturou o laboratório de química
forense e apoiou de forma significativa
a resolução de pendências do setor.
Adriano nos mostrou ser um brilhante
profissional, amigo, companheiro e,
Marcilene Nazaré Lobo
acima de tudo, um excelente policial
Perita Criminal Federal federal.”
Aposentada
Ex-chefe do Setor Técnico-
Cientifico da PF no Pará

Bruno Spinosa De Martins


Professor associado da USP
Ex-presidente da Sociedade Brasileira
de Ciências Forenses

“Tive a satisfação de conhecer


o perito Adriano Maldaner em “Conheci o Adriano,
2004 e desde então tenho tido em 2003, quando ele
a oportunidade de reencontrá-lo chegou ao Seplab. A
em cursos e congressos, tanto competência, dinamismo
organizados pela academia e a vontade de fazer
como pelos órgãos oficiais da as coisas acontecerem
polícia. Em todas ocasiões, pude sempre foram marcas
admirar o excelente profissional, registradas dele. Foi
preocupado não apenas com o chefe substituto
Marcos de Almeida Camargo
Perito Criminal Federal
as atividades de Perícia, mas do Seplab quando eu Presidente da Associação Nacional
também com a formação estava na chefia e daí
dos Peritos Criminais Federais

acadêmica de ensino e pesquisa, em diante mostrou toda


sempre difundindo e dando sua competência nos
uma contribuição importante demais setores pelos
para o desenvolvimento da quais passou, sempre com
área de Química Forense no grande destaque.”
Brasil. Ainda, destaco o colega
agradável que é o Maldaner,
sempre muito prestativo,
atencioso e bem-humorado,
enfim, uma pessoa da paz.”

Perícia Federal 13
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior
Foto: André Zímmerer

14 Perícia Federal
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior

O exame de DNA foi um avanço tecnológico relativamente recente no campo das ciências forenses. Tal tecnologia
tem notável poder de discernir as diferenças genéticas, tendo diversas aplicações na persecução penal, pois
pode fornecer evidências muito robustas, por exemplo, da vinculação de um suspeito com vestígios coletados
pelos peritos criminais em uma cena de crime. Também é extremamente relevante seu uso para identificação de
pessoas desaparecidas.
A grande variabilidade genética existente entre os indivíduos torna o exame de DNA uma ferramenta
poderosa para fins de identificação humana, se somando a outras técnicas, tais como a antropologia forense, a
odontologia forense e as impressões digitais. Importante destacar que o DNA coletado em um local de crime
pode tanto ligar um indivíduo ao vestígio como eliminá-lo como fonte, evitando uma condenação equivocada.
Não menos importante é a utilização do exame para a identificação e reversão de condenações equivocadas.
O desenvolvimento de tecnologias voltadas para a análise forense do DNA tem crescido incrivelmente
nos últimos anos. Juntamente com o desenvolvimento de métodos cada vez mais sensíveis, o exame de DNA
é agora uma parte essencial do arsenal pericial objetivando a investigação de crimes, compondo mais uma
disciplina da Criminalística: a Genética Forense.

O DNA NA de pessoas e de vestígios biológicos,


além de exames de identificação de
como uma ferramenta de investigação
de excelência dentro da Polícia Federal.

POLÍCIA espécies animal e vegetal. Nesse Setor


está localizado o laboratório de genética
Nesse contexto, convém
lembrar que a Lei nº 12.654/2012 alterou

FEDERAL
forense, que recebe os vestígios de as Leis nºs 12.037/2009 e 7.210/1984
investigações conduzidas pela Polícia (Lei de Execução Penal), prevendo a
Existem dois setores dentro da Federal em todo o país. coleta de perfil genético como forma
estrutura da Polícia Federal que trabalham Tem sido crescente a demanda de identificação criminal. Desde então,
o SEPGEF recebe rotineiramente
diretamente com a genética forense: o pelos exames de genética forense.
amostras de referência de suspeitos sob
Setor de Perícias em Genética Forense Dentre os fatores responsáveis por esse investigação (mediante despacho da
(SEPGEF) e o Setor de Integração incremento, podemos citar a visibilidade autoridade judiciária) e de condenados
Nacional de Bancos de Perfis Genéticos da genética forense, seja pela divulgação por crimes praticados, dolosamente,
(SINAGEN). na mídia, seja pela repercussão de casos de com violência de natureza grave contra
O SEPGEF, vinculado ao Instituto relevância. Igualmente pelos resultados pessoa, ou por qualquer dos crimes
Nacional de Criminalística, iniciou sua positivos com o uso dos bancos de perfis previstos no art. 1° da Lei n° 8.072/1990,
trajetória em 2006, tendo como atribuições genéticos, com o aumento no número de visando ao processamento e inclusão
a realização de exames de identificação coincidências (matches) e consequente dos perfis genéticos obtidos em
genética e exames de vínculo genético reconhecimento da genética forense bancos de dados.

Perícia Federal 15
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior

Fotos: André Zímmerer

TIPOS DE II – Vínculo Genético – exame genético


que visa vincular indivíduos ou amostras ATIVIDADES
EXAMES questionadas a outros indivíduos em
tese geneticamente relacionados, por ESTRATÉGICAS
PERICIAIS
meio do estabelecimento de hipóteses, Encontra-se em fase de
interpretação de prováveis contribuições implantação, o Centro Multiusuário de
O Setor de Perícias de Genética parentais e análises estatísticas, com o Processamento Automatizado de Vestígios
Forense, para fins de identificação humana, objetivo de elucidar possíveis relações de Sexuais (CeMPA-VS), localizado nas
realiza dois tipos de laudos baseados em parentescos.
dependências do laboratório do Setor de
exames de marcadores microssatélites
Perícias de Genética Forense (SEPGEF), do
(STRs) de DNA nuclear humano, a saber: Além de identificação humana, o
SEPGEF também realiza exames de DNA Instituto Nacional de Criminalística (INC),
aplicados à fauna. No campo forense, esses Diretoria Técnico-Científica da Polícia
I – Identificação Genética – exame de
genética forense que visa comparar um exames podem ser utilizados, por exemplo, Federal (DITEC/PF), em Brasília/DF, em
perfil genético obtido de uma fonte para determinar a interferência animal em parceria com a Secretaria Nacional de
desconhecida com um perfil obtido de cadáveres; para diferenciação entre restos Segurança Pública (SENASP) do Ministério
uma amostra de referência, buscando a mortais humanos e não humanos; para a da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
identificação da pessoa que originou o caraterização de crimes, incluindo fraudes O CeMPA-VS será equipado com
perfil questionado, ou que compara dois em alimentos, caça de animais silvestres uma plataforma robotizada de grande
ou mais perfis genéticos obtidos de fontes e o comércio ilegal de suas partes ou porte para execução automatizada de
desconhecidas, buscando determinar se subprodutos. Da mesma maneira, o rotinas de biologia molecular forense
têm origem no mesmo indivíduo. Pode- SEPGEF realiza exames de identificação
em identificação humana, dedicada à
se, outrossim, também se referir a uma de aves, cujos resultados são utilizados
extração diferencial de DNA forense, a
solicitação de exame para obtenção pelos órgãos competentes na prevenção
de acidentes aéreos. Finalmente, embora qual já se encontra nas dependências
de perfil genético a partir de material
biológico colhido em atendimento à Lei nº menos frequentes, mas não menos do SEPGEF e em fase de validação. A
12.654/2012; importantes, são realizados exames de plataforma terá o objetivo de auxiliar, sob
identificação de espécies vegetais. demanda, no processamento de vestígios

16 Perícia Federal
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior

de crimes sexuais armazenados (backlog) crimes sexuais das unidades da Federação, Internamente, o SEPGEF
nos Laboratórios de Genética Forense das cujos bancos de perfis genéticos ainda conta com conjunto de ações de
unidades estaduais de perícia criminal, não estejam conectados à Rede Integrada capacitação que inclui: Treinamento
visando a obtenção de perfis genéticos de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), em de Boas Práticas de Laboratório ( TBPL);
e o seu compartilhamento por meio dos observância ao disposto no § 2º do art. 1º Treinamento em Procedimentos
bancos de perfis genéticos da União, do Decreto nº 7.950, de 2013. Administrativos ( TPA); Treinamento
dos estados e do Distrito Federal, com Na parte de treinamentos, o Básico em Genética Forense ( TBGF);
consequente aumento da identificação da SEPGEF tem como uma de suas principais Treinamento Avançado em Genética
autoria desses crimes. capacitações o Curso de Coleta e Forense ( TAGF); Treinamento para
A criação da central de Preservação de Vestígios Biológicos para Analista CODIS ( TANC); Treinamento
processamento multiusuário é uma das fins de Exame de DNA. O treinamento busca para Administrador CODIS ( TADC).
metas do projeto Processamento de desenvolver conhecimentos e habilidades Importante mencionar que o
Backlog de Crimes Sexuais, como parte do para proceder na coleta, preservação e laboratório de perícias em Genética
projeto Fortalecimento da Rede Integrada envio de material biológico para exames Forense recebeu, em 2014, acreditação
de Bancos de Perfis Genéticos, um dos de DNA, de acordo com a nova realidade na norma internacional ISO/IEC
projetos estratégicos e prioritários do MJSP da Polícia Federal, que inclui os bancos de 17025:2005. O laboratório do SEPGEF
para o combate à criminalidade violenta, dados de DNA. O curso se encontra na 14ª e o laboratório do Serviço de Perícias
em alinhamento com a Lei nº 13.964, de edição, tendo a última edição sido realizada de Laboratório (SEPLAB), também do
24 de dezembro de 2019. na SR/PF/PB, que recebeu o treinamento Instituto Nacional de Criminalística,
A cooperação mútua entre os em novembro de 2019 e contou com a foram os primeiros da América Latina
partícipes prevê, ainda, a interveniência participação de Peritos Criminais Federais acreditados por um organismo
do Banco Federal de Perfis Genéticos de vários estados brasileiros. É praxe internacional. O primeiro organismo
(BFPG), como colaborador temporário, de também a disponibilização de vagas para acreditador foi o National Accreditation
forma a viabilizar o compartilhamento e a peritos estaduais da unidade anfitriã, o Board/FQS Forensic Accreditation (ANSI-
comparação de perfis genéticos gerados que é via de regra bastante proveitoso ASQ) e, atualmente, a acreditação é
no CeMPA-VS, a partir de vestígios de e enriquecedor. pelo Inmetro.

Perícia Federal 17
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior

OS BANCOS e de outros 19 bancos, localizados em


instituições de perícia oficial das unidades
O acordo que possibilitou o uso
do CODIS pela RIBPG foi firmado em 2009,

DE PERFIS da federação que já possuem laboratórios


de genética forense, aptos a compartilhar
por meio de um Letter of Agreement entre
o FBI e a Polícia Federal. O CODIS hoje é

GENÉTICOS
seus perfis em nível interestadual. O BNPG distribuído gratuitamente aos laboratórios
também reúne perfis oriundos de outros integrantes da RIBPG, mediante Acordo de
A genética forense, assim como países, recebidos por intermédio da Cooperação Técnica firmado entre a Polícia
várias outras perícias criminais, baseia-se International Criminal Police Organization
Federal, a SENASP e as UFs.
em um exame comparativo. Portanto, os (Interpol), organização à qual o Brasil é
Os perfis genéticos gerados pelos
perfis genéticos de suspeitos apresentados signatário.
A gestão do Banco Nacional de laboratórios da RIBPG e que atendem aos
pela equipe de investigação podem ser
Perfis Genéticos é feita pelo SINAGEN, critérios de admissibilidade previstos no
confrontados com os perfis genéticos
oriundos de vestígios biológicos do caso setor diretamente vinculado à Diretoria Manual de Procedimentos Operacionais
em questão. Mas o que fazer quando não Técnico-Científica (DITEC), que tem como são enviados rotineiramente ao Banco
há suspeitos? Nesses casos, podemos atribuição principal administrar esse banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG). Nesse
utilizar a tecnologia dos bancos de perfis de dados e prestar o apoio necessário às banco de dados são feitos os confrontos
genéticos. unidades de perícia criminal que integram de forma nacional com perfis gerados
Desde 2013, o Brasil conta com a RIBPG. Além disso, os Peritos Criminais pelos 20 laboratórios de genética forense
uma Rede Integrada de Bancos de Federais que administram o BNPG também que compõem a RIBPG, bem como perfis
Perfis Genéticos (RIBPG). Essa rede foi acumulam a função de coordenadores encaminhados de outros países
instituída com o objetivo de compartilhar do Comitê Gestor da RIBPG, colegiado ao Outra finalidade da RIBPG é a
e comparar perfis constantes nos bancos qual compete elaborar requisitos técnicos, identificação de pessoas desaparecidas.
de perfis genéticos da União, dos estados, uniformizar procedimentos e definir Para isso, os bancos de perfis genéticos
do Distrito Federal e da Polícia Federal. medidas e padrões para o adequado
são alimentados com quatro diferentes
Atualmente, a RIBPG possui 1 funcionamento da Rede Integrada de
categorias de perfis: restos mortais não
banco nacional e 20 bancos de perfis Bancos de Perfis Genéticos.
identificados, pessoas de identidade
genéticos locais. A Polícia Federal é
desconhecida, referências diretas de
responsável pela administração de dois
desses bancos que compõem a RIBPG. FUNCIONA- pessoas desaparecidas e seus familiares.
Essas são confrontadas periodicamente
MENTO
Um deles é o Banco Federal de Perfis
Genéticos (BFPG), administrado por para verificação de eventual vínculo
peritos do SEPGEF, e que reúne os perfis Os bancos de perfis genéticos genético entre os perfis. Importante
genéticos produzidos a partir dos vestígios brasileiros são geridos por meio do ressaltar que perfis genéticos destinados
coletados no âmbito das investigações da sistema Combined DNA Index System à identificação de pessoas desaparecidas
Polícia Federal. (CODIS), tecnologia desenvolvida pelo não são confrontados com aqueles perfis
O outro é o Banco Nacional de Federal Bureau of Investigation (FBI) e re l a c i o n a d o s à e s fe r a c r i m i n a l,
Perfis Genéticos (BNPG), periodicamente sejam vestígios ou indivíduos
que atualmente é utilizada por mais de 50
alimentado com perfis oriundos do BFPG c a d a s t r a d o s c r i m i n a l m e n t e.
países ao redor do mundo.

18 Perícia Federal
ÁREAS DA PERÍCIA
Peritos criminais federais Bruno Rodrigues Trindade e Ronaldo Carneiro da Silva Junior

PROJETOS
Além da administração do BNPG e
DITEC, com o envolvimento de servidores
do INC e do SEPGEF.
Para o público EaD, o Setor
da coordenação do CG-RIBPG, o SINAGEN desenvolveu o Curso Básico sobre
ainda desenvolve projetos para promoção Bancos de Perfis Genéticos e a
dos bancos de perfis genéticos no Brasil. Legislação Aplicada. Essa capacitação é
Atualmente, grandes esforços oferecida nas plataformas ANP.net e ANP
estão sendo implementados no projeto de Cidadã, esta última de livre matrícula para
desenvolvimento do Sistema Integrado toda a sociedade.
de DNA – SInDNA. Tal sistema tem a O SINAGEN participa, ainda,
proposta de ser uma solução completa da proposição e execução de projetos
para o desenvolvimento da genética estratégicos da Rede Integrada de
forense e para a promoção dos bancos de Bancos de Perfis Genéticos. Tais projetos
perfis genéticos no país. A partir dele será são criados, debatidos e planejados no
possível obter informações e relatórios âmbito do Comitê Gestor da RIBPG, sendo
consolidados sobre coletas de materiais sua execução financiada pela SENASP/
biológicos e análises de genética forense MJSP. Como exemplo de sucesso cita-
de maneira fácil e prática. O SInDNA terá se o Projeto de Coleta de Amostras
integração automática com o Inteligeo, a de Condenados. Já em sua 2ª fase, esse
poderosa ferramenta de geolocalização projeto promove a coleta de material
desenvolvida pela Criminalística da Polícia biológico de condenados que estão no
Federal. Propõe-se, assim, ser uma solução sistema prisional de modo a atender à
inovadora modelada para a realidade legislação vigente que estabelece como
brasileira, auxiliando desde peritos obrigatória a identificação do perfil
criminais a gestores de segurança pública. genético de condenados por crimes
O desenvolvimento do SInDNA começou hediondos e de grave violência contra a
pessoa. Em desenvolvimento desde 2018,
em 2019 e sua primeira versão será lançada
esse projeto já logrou a coleta e inserção
já em 2020.
no BNPG de mais de 65 mil condenados
Adicionalmente, o Setor ainda
em todo o Brasil.
promove ações de capacitação, além
Igualmente estratégico para a
de vários cursos de atualização voltados
RIBPG é o Projeto de Processamento de
aos peritos criminais da RIBPG; a mais
Backlog de Crimes Sexuais. Proposto e
recente iniciativa foi a criação do Curso de
elaborado entre 2018-2019 pelo CG-RIBPG,
Especialização em Genética Forense,
o projeto fez levantamentos e propôs
cujo objetivo é formar profissionais documentos, procedimentos, aquisições
capazes de desenvolver e aplicar e capacitações, visando o processamento
conhecimentos avançados em bancos de do passivo de mais de 150 mil amostras
perfis genéticos e em perícias de DNA. biológicas de crimes sexuais existentes nas
Estrategicamente, essa ação visa aumentar perícias do país. Atualmente está em fase
a oferta de peritos capacitados para de aquisição dos equipamentos e insumos
trabalharem nos laboratórios de genética pela SENASP, devendo passar para a fase de
forense, integrados à RIBPG, tendo em execução (análise das amostras e ingresso
vista ser uma área altamente especializada dos perfis genéticos no BNPG) em seguida.
e que necessita de mais recursos humanos O SEPGEF também será parte importante
para o seu crescimento. Essa ação foi da execução desse projeto com a
proposta e planejada dentro do SINAGEN implementação do Centro Multiusuário de
e atualmente é executada pela Academia Processamento Automatizado de Vestígios
Nacional de Polícia, em parceria com a Sexuais, anteriormente já comentado.

Perícia Federal 19
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana Machado de
Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

APLICAÇÃO DA ANÁLISE DE
EQUIVALÊNCIA DE HABITAT
(HEA) NA VALORAÇÃO DO
DANO INTERINO EM ÁREAS
DESMATADAS DE MATA
ATLÂNTICA NO ESTADO DE
SÃO PAULO
Em fins de 2019, o Grupo de Perícias secundária de Mata Atlântica, entre maio do dano interino com a metodologia
em Meio Ambiente do NUCRIM/SETEC/ de 2015 a outubro de 2019 (Figura 1). de Análise de Equivalência de Habitat
SR/PF/SP realizou levantamento com Para avaliação pecuniária do (HEA), adicionando essa importante
aeronave remotamente pilotada (RPA), dano ambiental, foram apresentadas parcela na estimativa do valor total dos
em propriedade rural lindeira ao Parque estimativas relacionadas ao (a) valor da danos ambientais a ser encaminhado às
Estadual da Cantareira, unidade de receita obtida com a produção de lenha autoridades judiciárias.
conservação de proteção integral do da área desmatada; (b) valor necessário
estado de São Paulo. Com base em para a demolição das construções
imagens de satélite, foi identificado 2015
como o ano de início das intervenções no
implantadas, transporte e deposição
em local ambientalmente adequado
DANOS INTERINOS
local, voltadas para a implantação de um dos resíduos sólidos gerados; (c) valor EM ÁREAS
parcelamento clandestino de solo, com o
desmatamento de vegetação secundária
da elaboração, implantação e condução
dos projetos de reflorestamento de Mata
DESMATADAS:
de Mata Atlântica em estágio médio de Atlântica a serem desenvolvidos nas COMO VALORAR?
regeneração para a execução de vias, áreas desmatadas; e (d) valor do dano O conceito de dano interino
seguida da abertura de lotes e implantação interino, ou o dano ambiental presente encontra-se estabelecido nos tribunais
de construções. desde a data do desmatamento até a data superiores brasileiros1,2,3 como o “dano
Com as imagens obtidas por RPA em que o reflorestamento dessas áreas que permanece entre a sua ocorrência e o
e uso de recursos de geoprocessamento, atinja o estado compatível ao existente pleno restabelecimento do meio ambiente
foi gerado um ortomosaico da área anteriormente ao corte da vegetação. afetado”.
examinada, possibilitando a estimativa de Esse trabalho apresenta uma O valor da parcela do dano
supressão de 4,8 hectares de vegetação estimativa da quantificação e valoração ambiental derivado dos danos interinos

20 Perícia Federal
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana
Machado de Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

Figura 1. Situação do imóvel em 2015 e em 2019.

foi estimado a partir dos serviços privada do fornecimento desses serviços forma a restituir à sociedade os serviços
ecossistêmicos eliminados pela supressão ecossistêmicos, sendo que parte desses ecossistêmicos calculados como dano
da vegetação, baseado no modelo de serviços e/ou serviços derivados só interino, compensando-a pelos danos
análise de equivalência4,5 utilizado por voltarão a ser fornecidos novamente ambientais causados pela supressão da
agências governamentais internacionais quando uma vegetação de Mata Atlântica vegetação e seu tempo de recuperação.
(NOAA6, European Commission7) e descrito em estágio médio de regeneração O projeto de remediação
em literatura específica8. estiver estabelecida na área danificada. compensatória considerou o
A premissa é que a vegetação Logo, o dano interino foi estimado pela reflorestamento com espécies nativas
que foi suprimida na área periciada, quantidade de serviços ecossistêmicos da Mata Atlântica para a produção dos
caracterizada como Floresta Ombrófila que deixou de ser fornecida à sociedade serviços ecossistêmicos que deixaram
Densa do Bioma Mata Atlântica em estágio no período compreendido entre o corte de ser produzidos no período entre o
médio de regeneração, prestava uma série raso e o retorno da vegetação ao seu corte raso e o retorno da vegetação
de serviços ecossistêmicos à sociedade, estágio pré-supressão, após regeneração ao estágio sucessional em que se
tais como proteção de solo, áreas de florestal. encontrava antes do desmatamento. O
nidificação, produção e conservação de O modelo de análise de projeto prevê a adoção de medidas que
estoques de água potável, regulação equivalência preconiza que a quantidade promovam o isolamento do local visando
do microclima, controle de erosão, de serviços ecossistêmicos por hectare o impedimento de acesso de animais e
polinização, controle biológico, estoque por ano estimada como dano interino pessoas, o plantio de espécies florestais
de carbono e energia, entre inúmeros deve ser retornada à sociedade. Para isso, da Mata Atlântica de ocorrência local em
outros. A partir da supressão dessa sugeriu-se que um projeto de remediação espaçamento 3x2m (1.666 mudas/ha), o
vegetação, a sociedade foi bruscamente compensatória seja desenvolvido de cumprimento de um cronograma mínimo

Perícia Federal 21
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana Machado de
Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

de dois anos de tratos culturais, tais como de Mata Atlântica em estágio médio essa evolução no percentual de
adubação, combate a formigas, aplicação de regeneração, antes da degradação serviços ecossistêmicos será linear
de defensivos, replantios, irrigação, entre identificada nos exames periciais. O durante os 20 anos do projeto de
outros que vierem a ser necessários. valor arbitrário de 5% da linha de base recuperação, com um incremento de
Para os cálculos realizados, foi definido para as áreas danificadas, 4,75% ao ano.
foi considerado que o projeto de significando que apenas 5% dos
reflorestamento nas áreas danificadas, serviços ecossistêmicos continuaram O dano interino foi calculado
em condições adequadas, produzirá, a ser fornecidos pela área, após o corte anualmente considerando que todo o
em 20 anos,9,10 uma cobertura florestal raso da vegetação; desmatamento foi realizado em 2017 e
de Mata Atlântica em estágio médio de obtido pela multiplicação entre a área
regeneração, com um concomitante Multiplicador de valor presente desmatada, a perda percentual de serviços
aumento linear da quantidade de serviços (MVP): em razão de as perdas e ecossistêmicos (comparada à linha de
ecossistêmicos em seu entorno. ganhos ecossistêmicos ocorrerem em base) e o MVP. Os débitos anuais foram
diferentes anos no passado e futuro, calculados em serviços ecossistêmicos
o multiplicador de valor presente é hectare ano (SE.ha.ano). A soma de todos
REMEDIAÇÃO aplicado diretamente à quantidade os débitos anuais produziu o valor do
de serviços ecossistêmicos. O débito acumulado, que é o valor do dano
PRIMÁRIA multiplicador permite a atualização interino causado pelo desmatamento
Como remediação primária, foram dos danos ambientais ocorridos da área, calculado em 54,62 SE.ha.ano
consideradas as atividades desenvolvidas no passado, assim como o cálculo (memorial de cálculo apresentado na
nas áreas danificadas de forma a promover de perdas e ganhos de serviços Planilha 112).
a restauração da vegetação de Mata ecossistêmicos futuros. O multiplicador A Planilha 112 e o Gráfico 1
Atlântica suprimida sem qualquer tipo é definido pela equação: ilustram a evolução do dano interino nas
de autorização. Considerou-se que a áreas desmatadas.
remediação primária na área desmatada
será conduzida por meio de projeto de
reflorestamento.

sendo taxa = 0,03 (3%) e ano base =


2020. A taxa de 3% ao ano11 indica que
DANO INTERINO a quantidade calculada de serviços
O dano interino foi calculado a ecossistêmicos sofrerá acréscimo de
partir das seguintes considerações: 3% ao ano em datas anteriores à 2020
e decréscimo de 3% ao ano para datas
As áreas desmatadas sofreram corte posteriores a 2020;
raso de vegetação entre 2015 e
2019, tendo sido considerado o Curva de evolução: A remediação
ano de 2017 como data média de primária na área desmatada será
todos os cortes. Nenhuma das áreas realizada por intermédio de projeto
desmatadas apresentou qualquer tipo de reflorestamento de Mata Atlântica.
de recuperação florestal até a data dos Durante a evolução do reflorestamento
exames; na área danificada haverá um
aumento da quantidade de serviços
A remediação primária será ecossistêmicos fornecidos pela área.
implantada nas áreas danificadas Foi considerado que a área danificada,
mediante implantação de um projeto fornecendo apenas 5% dos serviços
de reflorestamento de Mata Atlântica ecossistêmicos da área original depois
a ser iniciado em 2020; do corte raso, retornará após 20 anos
de projeto de recuperação ao valor
Linha de base: o valor arbitrário de 100% de 100% da linha de base, ou seja, a
para a linha de base foi definido como mesma qualidade e quantidade de
oriundo dos serviços ecossistêmicos serviços ecossistêmicos fornecidos
integralmente fornecidos pela floresta antes do dano. Foi considerado que

22 Perícia Federal
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana
Machado de Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

A quantificação dessa evolução um projeto de reflorestamento de Mata


CRÉDITO DE de serviços ecossistêmicos gerados
guarda grande similaridade com a forma
Atlântica em uma área de um hectare
foi calculada anualmente depois da
SERVIÇOS de cálculo apresentada para o cálculo do implantação do projeto, a partir da
ECOSSISTÊMICOS dano interino, pois considera os mesmos
valores arbitrários à produção de serviços
multiplicação entre o percentual de
serviços ecossistêmicos fornecidos
GERADO POR ecossistêmicos, fornecidos por uma área (comparado à linha de base) e o MPV.
UM PROJETO DE de floresta de Mata Atlântica em estágio
médio de regeneração (100% da linha de
Os créditos anuais foram calculados em
serviços ecossistêmicos ano (SE.ano).
REFLORESTAMENTO base) e pela mesma área sem o projeto A soma de todos os créditos anuais
DE MATA de reflorestamento (5% da linha de
base), além do MPV de 3% e o período
produziu o crédito acumulado, calculado
em serviços ecossistêmicos ano
ATLÂNTICA de 20 anos para que a área submetida ao (SE.ano), que é o valor total de serviços
Um projeto de reflorestamento projeto de reflorestamento atinja o valor ecossistêmicos produzido por um projeto
com espécies nativas de Mata Atlântica de 100% da linha de base, mediante uma de reflorestamento em uma área de um
considera que uma fitofisionomia florestal evolução linear, com um incremento de hectare (memorial de cálculo apresentado
será recomposta sobre áreas livres, 4,75% ao ano no quantitativo de serviços na Planilha 212).
aumentando inerentemente a quantidade ecossistêmicos gerados. A Planilha 212 e o Gráfico 2 ilustram
de serviços ecossistêmicos gerados pela A quantidade de serviços a evolução dos créditos em serviços
área reflorestada. ecossistêmicos fornecidos durante ecossistêmicos ao longo do tempo.

Gráfico 1

Gráfico 2

Perícia Federal 23
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana Machado de
Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

PROJETO DE
REMEDIAÇÃO
COMPENSATÓRIA
O cálculo da remediação
compensatória é realizado pela divisão
do valor do dano interino (54,62 SE.ha.
ano) pelo crédito acumulado no período
estabelecido ao desenvolvimento do
projeto de reflorestamento de Mata
Atlântica. Assim, para que o valor do dano
interino seja compensado em 20 anos, Gráfico 3
será necessário o reflorestamento de
Mata Atlântica em uma área de 7,26 ha
(resultado da divisão do dano interino de
54,62 SE.ha.ano por 7,52 SE.ano de créditos
acumulados durante 20 anos de projeto
de reflorestamento em 1 ha – memorial
de cálculo apresentado na Planilha 212).
De modo análogo para a compensação do
ESTIMATIVA DOS VALORES
dano interino em 50 anos, será necessário MONETÁRIOS
o reflorestamento de Mata Atlântica em
uma área de 2,97 ha. Considerando como 1. Material lenhoso retirado da área danificada
40 anos o tempo médio de plantios de O corte raso da área danificada (4,8ha) retirou todo o material
reflorestamento de Mata Atlântica, os lenhoso da área. Considerando um volume de 150m³/ha13,
signatários sugerem que uma área de 3,47 foi estimado um volume total de 720m³ retirado da área
ha seja disponibilizada para a implantação danificada. Considerando o valor de R$52,00/estéreo14,15, de
de um projeto de reflorestamento de Mata lenha de eucalipto e a relação 1 estéreo = 0,7m³, tem-se o
Atlântica por 40 anos no entorno da área valor estimado de lenha retirado das áreas danificadas em R$
originalmente desmatada, de modo a 53.486,00.
compensar a sociedade pelo dano interino
calculado. 2. Projeto de reflorestamento de Mata Atlântica
A Planilha 212 e o Gráfico 3 ilustram O projeto de reflorestamento de Mata Atlântica deve ser
a relação entre a área (em ha) e a duração implementado e desenvolvido nos 4,8ha de remediação
(em anos) do projeto de reflorestamento primária e nos 3,47ha de remediação compensatória.
para a compensação do dano interino de Considerando o custo de implantação e manutenção de
54,62 SE.ha.ano. projeto de reflorestamento de Mata Atlântica em R$ 16.616,77/
ha (jan/2020)16,17, o custo mínimo dos reflorestamentos de Mata
Atlântica nas áreas de remediação primária e compensatória
são R$ 79.760,50 e R$ 57.660,20, respectivamente.

3. Cercamento das áreas sob remediação primária e


compensatória
As áreas reflorestadas devem ser cercadas para evolução
adequada dos processos de remediação primária e
compensatória. Considerando a circunferência como o menor
perímetro possível para determinada área, o menor perímetro

24 Perícia Federal
DANOS AMBIENTAIS
Peritos criminais federais Antonio Carlos Bezerra, Daniel Ferreira Domingues, David Domingues Pavanelli, Mariana
Machado de Paula Albuquerque, Paulo Gustavo Hoch, Rafael de Arêa Leão Alves e Shanty Navarro Hurtado.

para a área de remediação primária (4,8


ha) é de 776 metros; e para a área de
REFERÊNCIAS
1
REsp n. 1.180.078-MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
remediação compensatória (3,47ha) é de em 2.12.2010, DJe de 28.2.2012 disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/
660 metros. Considerando R$ 19,96 por revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=12825941&num_
metro linear de cerca18, os valores mínimos registro=201000209126&data=20120228&tipo=5&formato=PDF
de cercamento das áreas de remediação 2
REsp n. 1.198.727-MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado
primária e compensatória são R$ 15.488,96 em 14.8.2012, DJe de 9.5.2013 disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/
e R$13.173,60, respectivamente. revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=13806316&num_
registro=201001113499&data=20130509&tipo=5&formato=PDF
3
Responsabilidade Civil Ambiental, Princípio do Poluidor-Pagador, Princípio da Reparação
CONCLUSÃO Integral, Princípio da Melhoria da Qualidade Ambiental e Princípio in Dubio pro Natura.
Revista do Superior Tribunal de Justiça. Volume 239, Ano 27,(jul.ago.set.-2015). - Brasília:
O trabalho apresenta uma estimativa STJ, 2015. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-
do valor do dano interino causado eletronica-2015_239_1_capSumario.pdf
por desmatamentos baseado na 4 NOAA, 1995. Habitat equivalency analysis: an overview, Damage Assessment and Restoration
metodologia de Análise de Equivalência Program, National Oceanic and Atmospheric Administration, Department of Commerce, 1995.
de Habitat (HEA), a partir de conceitos https://casedocuments.darrp.noaa.gov/northwest/cbay/pdf/cbhy-a.pdf .
de sucessão ecológica e serviços 5 Environmental Liability Directive: Training Handbook and Accompanying Slides for European
ecossistêmicos. Commission DG Environment, February 2013. Disponível em http://ec.europa.eu/environment/
legal/liability/pdf/eld_handbook/ELD%20Training%20Handbook%20-%202%20days_en.pdf
A estimativa do valor do dano interino 6
https://darrp.noaa.gov/economics/habitat-equivalency-analysis
(valor da remediação compensatória e
respectivo cercamento) representa uma
7
http://ec.europa.eu/environment/legal/liability/
majoração de 48% no valor do dano 8
Pavanelli, D. D., & Voulvoulis, N. (2019). Habitat Equivalency Analysis, a framework for forensic
ambiental estimado pela somatória dos cost evaluation of environmental damage. Ecosystem Services, 38. https://doi.org/10.1016/j.
ecoser.2019.100953.
valores da retirada do material lenhoso,
da remediação primária e do respectivo 9
Vicente, N.R. O Manejo Tradicional de Roça Itinerante em Florestas Secundárias: Um sistema
cercamento. Importa destacar que a não que conserva a Biodiversidade? Tese (Doutorado em Recursos Genéticos Vegetais) – Centro de
Ciências Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2014.
implantação do projeto de remediação
compensatória dentro da propriedade Brancalion, P. H. S., Gandolfi, S. & Rodrigues, R. R. (2015). Restauração Florestal. São Paulo. 2015.
10

periciada implicará na aquisição/ Oficina de Textos, p.154.


averbação da área calculada em outras Desvousges, W.H., Gard, N., Michael, H.J., & Chance, A.D., (2018). Habitat and resource
11

propriedades, elevando o valor do equivalency analysis: a critical assessment. Ecol. Econ. 143, 74–89. https://doi.org/10.1016/j.
ecolecon.2017.07.003 .
projeto e, por consequência, o valor do
dano interino. 12
Disponível em https://drive.google.com/file/d/1fcA4dCLG6Jn4V41gfxJprrKMtZ0CoELD/
view?usp=sharing
Caso a remediação primária não tenha início 13
Zambiazi, D.C.. Evolução do volume de madeira em floresta secundária da Mata Atlântica em
em 2020, o valor do dano interino sofrerá Santa Catarina. 2017. 95 f. Dissertação (Mestrado em Agroecossistemas) – Centro de Ciências
acréscimo, com um consequente aumento Agrárias, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2017.
na área de remediação compensatória. Madeira empilhada com um metro de comprimento, por um metro de largura e com um
14

Analogamente, caso a remediação metro de altura. Nesta condição, existem espaços vazios entre as toras empilhadas.
compensatória não seja implantada em 15
Simioni, F., Buschinelli, C., Deboni, T., & Passos, B. (2018). Cadeia produtiva de energia de
2020, uma área superior à calculada será biomassa florestal: o caso da lenha de eucalipto no polo produtivo de Itapeva - SP. Ciência
necessária para a compensação do dano Florestal, 28(1), 310-323. doi:http://dx.doi.org/10.5902/1980509831602
interino, considerados os mesmos prazos 16
Pacto pela restauração da Mata Atlântica : referencial dos conceitos e ações de restauração
de recuperação. florestal [organização edição de texto: Ricardo Ribeiro Rodrigues, Pedro Henrique Santin
Brancalion, Ingo Isernhagen]. – São Paulo : LERF/ESALQ : Instituto BioAtlântica, 2009, disponível
em http://www.lerf.esalq.usp.br/divulgacao/produzidos/livros/pacto2009.pdf .
Conforme apresentado, todos os valores
considerados podem ser facilmente https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/corrigirPorIndice.
17

recalculados, caso os parâmetros utilizados do?method=corrigirPorIndice


(curva de fornecimento de serviços 18
Cerca de mourões de madeira, 7,5x7,5cm, espaçamento de 2m, altura livre de 2m, cravados
ecossistêmicos, evolução dos projetos de 0,5m, com 4 fios de arame farpado nº14 classe 250. Cotação obtida no arquivo SINAPI_ref_
reflorestamento, MPV, etc.) sejam mais Insumos_Composicoes_SP_112017_NaoDesonerado.zip do Sistema Nacional de Pesquisa
de Custos e Índices da Construção Civil (SINAPI) disponível em http://www.caixa.gov.br/site/
bem definidos pela comunidade científica. Paginas/downloads.aspx#categoria_664.

Perícia Federal 25
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Um caso recente e emblemático em dentes humanos, unhas, pelos, entre


que os isótopos forenses foram usados para outros; nas mais diversas áreas da perícia
embasar o laudo da perícia da Polícia Federal criminal: documentoscopia, merceologia,
foi o do derramamento de óleo no litoral bombas e explosivos, meio ambiente,
brasileiro. A metodologia aplicada validou desmatamento ilegal, tráfico de animais,
e proporcionou ainda mais robustez para poluição, análise de drogas e outras
determinar a origem do vazamento de substâncias.
óleo que deixou um rastro de destruição A edição número 45 da Perícia
na fauna e flora do litoral brasileiro. A Federal tem o tema Isótopos Forenses
nova ferramenta proporciona inúmeras como destaque na reportagem de capa,
aplicações, que trarão informações sobre na entrevista principal da edição, em
diferentes vestígios, que podem ser desde parte de seus artigos e uma nova seção;
uma barra de ferro, madeira, pedras e com a publicação de papers científicos
metais preciosos; até pele, fios de cabelo, sobre o assunto!

26 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

No primeiro semestre de 2020, foi mentação do laboratór io e pesquisa-


criado o LANIF, responsável pelas atividades de dor da nova fer ramenta.
análises e pesquisa de razão isotópica. “O novo Para entender como esse procedi-
laboratório tem caráter transversal para atender mento tecnológico funciona, pode-se resgatar
todos os serviços e áreas do Instituto Nacional algumas lições de química para que seja com-
de Criminalística (INC), setores, núcleos e unida- preendido de forma mais técnica: isótopos são
des técnico-científicas (Setecs, Nutecs e Utecs)”, átomos de um mesmo elemento químico e
contextualiza o perito criminal federal e o diretor que possuem a mesma quantidade de prótons
do INC à época da criação do LANIF, Luiz Spri- (mesmo número atômico), mas se diferenciam
cigo. O laboratório também ficará responsável pelo número de massa (prótons + nêutrons).
pelo armazenamento e o processamento esta- O seu número de massa é diferente porque a
tístico e geoestatístico de dados isotópicos no
quantidade de nêutrons no núcleo é diferen-
âmbito do INC e do Sistema Nacional de Crimi-
te. Os isótopos estáveis são isótopos que não
nalística (SNC).
sofrem decaimento radioativo, ou seja: perma-
Isótopos, para a aplicação nas ciências
forenses, podem ser definidos, de forma didáti- necem sempre com o mesmo número de nêu-
ca, como a “assinatura” que define a identidade trons. E é essa diferença no número de nêutrons,
da matéria, bem como do ambiente em que ela constante ao longo do tempo, mas variável nas
foi originada. “Ao fazer analogia com outra área substâncias, organismos e materiais, que se
da perícia criminal, é possível dizer que o DNA transforma na chave da nova ferramenta pe-
diz quem é e o isótopo diz de onde vem”, des- ricial. A química pode fazer toda a diferença
taca o perito criminal federal Rodrigo Mayrink, para rastrear um criminoso e encontrar as
um dos responsáveis pelo projeto de i mp le - provas necessárias para a investigação.

Fonte: Luiz Spricigo Jr

“O uso dos isótopos pela perícia federal tem por objetivo estabelecer a padronização de exames
periciais visando à caracterização da origem, vínculo geográfico, caracterização de métodos de pro-
dução e detecção de fraudes em vestígios criminais e amostras de interesse pericial das mais diver-
sas naturezas, tais como solo, minerais e rochas; vegetais, madeira e derivados; tecidos humanos e
animais; alimentos, medicamentos, substâncias psicoativas, documentos, explosivos, obras de arte,
mercadorias diversas, dentre outros”, explica o perito Luiz Spricigo.

Perícia Federal 27
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Como um dos objetivos da análise de isótopos é dizer a origem daquela matéria,


um dos exemplos de aplicação da ferramenta é no caso de rastreamento geográfico de
amostras, em que são utilizados isótopos do oxigênio. A água quando evapora do mar o
faz de modo diferente entre a água contendo oxigênio com oito nêutrons e aquela con-
tendo oxigênio com 10 nêutrons. Esses dois tipos de oxigênio são os isótopos estáveis,
que possuem o mesmo número de prótons, mas diferentes números de nêutrons.
Os isótopos mais leves evaporam mais facilmente, o que gera uma diferença entre
a água do mar e o vapor da nuvem. Quando chove, a água com o oxigênio mais
pesado precipita mais facilmente, acentuando essa diferença em relação a nuvem
remanescente.

O perito criminal federal Fábio


Costa salienta que a ideia de usar isótopos
nas ciências forenses surgiu a partir de con-
versas com ornitólogos – pessoas que se
dedicam ao estudo das aves – que, em de-
terminada oportunidade, disseram que era
possível utilizar a metodologia para saber a
origem e as rotas de aves migratórias. “Achei
aquilo muito diferente na época, isso foi em
2014. Depois disso, essa ideia ficou latente
na minha cabeça”, relata. Com o lançamento
do edital Pró-Forenses da CAPES (Ministério
da Educação), que incentivava inovações
metodológicas para a área forense, o perito
buscou por um projeto e chegou aos isó-
topos. “Imaginei que como isso funcionava
para aves migratórias, também funcionaria
para referenciar amostras de animais silves-
tres apreendidos”. Ele entrou em contato (Nardoto et al., 2017)
com um colega ornitólogo e pediu o con-
tato da professora Gabriela Nardoto, que é
pesquisadora da área na Universidade de
Brasília (UnB). “Mandei um e-mail para ela
falando da minha ideia e ela de pronto se
interessou. Submetemos então um projeto
em conjunto a esse edital, que foi aprova-
do”, relembra. O trabalho que teve início em
2014 deu origem ao seu doutorado, que
contou com a publicação do livro Ciência
contra o Tráfico: Avanços no Combate ao
Comércio Ilegal de Animais Silvestres, em
conjunto com outros peritos criminais fede-
rais e pesquisadores.

28 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

À medida que as nuvens adentram o


continente, esse ciclo de evaporação
e precipitação vai ocorrendo e vai
sendo criado um gradiente ao longo do
continente. Os seres vivos, quando bebem
a água, incorporam essas diferenças em
seus tecidos, que podem ser analisados
em laboratório. Com esses dados é possível
a criação de isoscapes (ou mapeamento
isotópico), mapas de padrões de distribuição
espacial de isótopos que são utilizados para
rastrear processos biogeoquímicos em
sistemas naturais e antrópicos.
O fato de ser possível criar
diferentes isoscapes de interesse forense,
a partir de dados de campo obtidos de
maneira relativamente rápida, torna factível
a resolução de casos criminais como
mortes violentas, crimes ambientais, crimes
patrimoniais, entre outros, com sustentação Exemplo
de Isoscape
científica de provas antes desconhecidas.

Outra aplicação da metodologia é quanto à diferenciação de animais de cativeiro e de vida livre no intuito de coibir o tráfico de
animais silvestres. A análise de isótopos está sendo feita em um caso da Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, que investiga
o tráfico de carne de tartarugas. “O hábito de consumo desses animais é cultural e, com isso, eles são comercializados em grande escala
e muitas vezes traficados. Existem criatórios legalizados desses animais, mas acaba sendo mais barato a captura dos animais livres e pos-
terior comercialização deles como se fossem criados em cativeiros. Com a análise de isótopos fica simples fazer a diferenciação desses
animais, por meio de exames do casco e unhas, uma vez que o sinal isotópico dos animais das florestas é completamente diferente do
sinal isotópico das rações usadas em criatórios e dos quelônios que a ingerem, explica o perito criminal federal Rodrigo Mayrink. Devido
a mecanismos bioquímicos durante a fotossíntese, as árvores acumulam diferentes proporções isotópicas do carbono, se comparadas às
gramíneas (grupo ao qual pertence o milho, usado nas rações). Essas diferentes fontes vegetais ficam marcadas nos tecidos animais, em
função de sua alimentação.

Criatórios comerciais de tartarugas-da-


Amazônia: a técnica isotópica diferencia
facilmente animais de vida livre e de cativeiro,
tornando-se uma ferramenta muito útil para
o combate ao tráfico de animais silvestres
associado à criação comercial.

Perícia Federal 29
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Outro ponto, que impulsionou o envolvimento da perícia com a


Academia foi o edital Pró-forenses, em 2014”, orgulha-se o
PCF Fábio.
A parceria e integração entre o meio acadêmico e a Polícia A criação do LANIF em si já é uma grande inovação, pois
Federal foram determinantes para o fomento e criação da nova área, apresenta uma estrutura diferente dos demais setores periciais, que
segundo o PCF Fábio Costa. Apesar de desenvolver pesquisas de possibilita maior flexibilidade para desenvolvimentos, e, ao mesmo
altíssima qualidade, as universidades, comumente, esbarram com tempo, permite aplicações transversais nas mais diversas áreas pe-
problemas de orçamento e investimento. O serviço público, por riciais. “O LANIF foi projetado para ter duas bases laboratoriais inte-
outro lado, apresenta resistências para desenvolver e implementar gradas, sendo uma no Instituto Nacional de Criminalística e outra
soluções científicas próprias. “Os gestores, muitas vezes, enxergam na Superintendência de Polícia Federal no Amazonas. Ambas con-
o investimento em pesquisa como um desperdício, pois não há tarão com equipamentos de Espectrometria de Massas de Razão
garantia de que o produto resultante será realmente útil na prática. Isotópica (IRMS), já em processo de aquisição ou instalação. Adi-
A aproximação entre a Perícia Federal e a Academia diminui cionalmente, o LANIF contará com o parque tecnológico da rede
as distâncias entre esses extremos, tornando possíveis novas de instituições parceiras”, narra o PCF Mayrink. Segundo ele, Ma-
aplicações práticas para a ciência desenvolvida, e os dois lados naus, optou por dedicar-se prioritariamente a atender demandas
ganham. Além disso, a Academia possui a cultura de inovação do de crimes ambientais como o rastreamento de origem de madeira
conhecimento corrente e rompimento de paradigmas, postura ilegal, tráfico de animais silvestres, extração ilegal de ouro, tráfico
que favorece a criação de alternativas tecnológicas para a solução de drogas e outros crimes. E a base em Brasília será responsável por
dos problemas cotidianos. Esse tipo de mentalidade inovadora atender as demandas do restante do país e poderá contar com a
contamina a todos e cria-se um ambiente de transformação”, estrutura adicional dos laboratórios da UnB. “Se o projeto do LANIF
declara Fábio. tem uma grande dose de inovação, a iniciativa da Superintendên-
Esse ambiente de contaminação relatado pelo perito cia do Amazonas tem ineditismo em dobro. A equipe de peritos
aconteceu com a metodologia isotópica. A brincadeira entre eles do SETEC/AM, com o apoio do superintendente local, conseguiu
é que a paixonite pelo tema é altamente contagiosa. Atualmente, estruturar um projeto ambicioso, de forma muito ágil, mesmo com
são cerca de 10 peritos criminais federais envolvidos em pesquisas todos os desafios de uma unidade pericial descentralizada. A su-
ligadas aos isótopos. “Ao se compreender melhor os princípios que perintendência do Amazonas é peça-chave para o LANIF”, explica
norteiam a aplicação forense dos isótopos e os exemplos de solu- Mayrink. Em etapa bastante adiantada, o laboratório de isotopia fo-
ção de casos existentes, é impossível um perito não se contagiar! rense de Manaus deverá começar a produzir resultados ainda
Criou-se um ambiente criativo e inovador que atrai pessoas que
este ano.
procuram diversificar para encontrar soluções, o que é muito em-
O perito criminal federal e diretor Técnico-Científico à
polgante. O uso de isótopos já é um presente dentro da Perícia Fe-
época da criação do LANIF, Fábio Augusto Salvador, celebra a ini-
deral, mas também fará parte de seu futuro, já que se vislumbram
ciativa da Perícia Criminal Federal em investir e dedicar-se ao tema.
novas aplicações em médio e longo prazos”, ressalta o PCF Fábio.
Segundo ele, ao longo de sua gestão como Ditec, procurou encarar
O cenário é de intensa troca de experiências entre a
a Criminalística com paixão e servir de facilitador para as iniciativas
perícia e a Academia, e o LANIF nasceu nesse contexto. “O LANIF
dos colegas e equipes. “O LANIF poderá ser o que seus sonhado-
é resultado de uma conjuntura de fatores, como a finalização do
res o materializarem. Pesquisadores de diferentes ciências naturais
meu trabalho de doutorado, do mestrado do perito criminal federal
no meio acadêmico têm promovido pesquisas em materiais muito
Ricardo Mascarenhas e de outros peritos que se interessaram pela
temática; além de um diretor Técnico-Científico (o PCF Fábio variados. As polícias técnico-científicas e os peritos criminais, de
Salvador, à época), que valoriza a ciência e que já havia aplicado à maneira geral, perceberam o potencial de uso da técnica e a efe-
metodologia isotópica no meio forense e patrocinou o empenho tividade de sua aplicação, a partir do barateamento das análises e
de outros peritos em tempo integral para o seu desenvolvimento. difusão de resultados nas universidades”, vibra Salvador.

30 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Segundo os especialistas, no ex-


terior, a metodologia já vem sendo aplica-
da há mais de 10 anos em diversos órgãos
policiais. Nos Estados Unidos, por exemplo,
o Drug Enforcement Administration (DEA)
emprega os isótopos para saber a origem
da cocaína na América do Sul e o FBI (a Polí-
cia Federal americana) os utiliza corriqueira-
mente, especialmente em sua Unidade de
Pesquisa em Ciência Forense e Contrater-
rorismo. “Exemplos de casos utilizados pelo
FBI é o Amerithrax, caso de envio de espo- a - Isoscape global de δ18O de algodão b - Gráfico de δ2H (δD) e δ18O
ros de antraz por correio, e o caso do “su- baseada em modelagem de água das de notas autênticas de US$ 100
per dólar”, em que notas de dólares foram folhas, juntamente com o clima local e (quadrado verde) e notas falsas
os valores de δ18O das águas meteóricas de alta qualidade de várias séries.
falsificadas com altíssima qualidade. Os isó- locais (somente regiões produtoras de (Extraído a partir da publicação
topos foram utilizados para saber em qual algodão são exibidas). de Cerling et al., 2016)
laboratório foram produzidos os esporos
e de que país vieram as notas falsificadas”, Isoscapes de fibras de algodão de séries autênticas e contrafeitas de dólar americano
exemplifica Fábio Costa.

Um das metas do LANIF é a cria-


ção de um banco de dados de amostras e
padrões. Espelhando-se no exemplo bem-
-sucedido do Banco Nacional de Perfis Ge-
néticos, gerenciado pela Perícia Federal, o
banco de dados potencializará a utilização
da grande quantidade de dados que já exis-
te, mas que está pulverizada em diversos
laboratórios acadêmicos do país. “A utiliza-
ção desses dados possibilitará aumento da
precisão quando se compara os padrões e
os resultados isotópicos das amostras ques-
tionadas. Além disso, possibilitará a identi-
ficação de perfis e padrões com base nos
valores isotópicos de diferentes casos, pos-
sibilitando identificar o modus operandi de
crimes, facções criminosas e deslocamen-
tos de grupo criminosos entre as regiões
brasileiras”, observa o PCF Fábio Costa.
O processo de formação do banco
de dados de isótopos, a partir de água, já
está em andamento dentro da PF: progra-
mado para durar de janeiro de 2020 a janei-
ro de 2021, já está em sua sétima campanha
de coleta. “O INC enviou, para cada unidade
de criminalística, frascos adequados para
coleta de água destinada ao abastecimen-
to público de cada localidade. Como a cri-
minalística da PF conta com 50 unidades,
teremos amostras de uma verdadeira rede
espalhada pelo país”, detalha o PCF Ricardo
Mascarenhas, coordenador da iniciativa. O
perito ressalta ainda a importância da par-
ceria com o meio acadêmico, haja vista que
Perícia Federal 31
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Almoço realizado durante a interFORENSICS, em maio de 2019, que culminou a criação da Rede Nacional de Isótopos Forenses

as análises serão realizadas no laboratório de isoscapes constituída no seio da própria laboratórios de isotopia instalados em seus
do Instituto de Geociências da USP, sob res- instituição pericial, junto à integração com institutos forenses. “Além dos EUA, Canadá
ponsabilidade da prof. Veridiana Martins. a comunidade acadêmica e outros órgãos e alguns países da Europa, apenas Austrália
Antes mesmo da formalização do governamentais como Forças Armadas, e Japão possuem tal estrutura pericial. Cria-
LANIF como área de atuação da perícia da agências e outros institutos, fortalece ain- mos o LANIF para ser o segundo do Hemis-
PF, em maio de 2019, foi criada a Rede Na- da mais a iniciativa de vanguarda. “A partir fério Sul, o primeiro na América Latina, e já
cional de Isótopos Forenses (RENIF), uma desses mapas de valores isotópicos, toda nascer como uma referência internacional.
sociedade científica com o intuito de con- amostra natural obtida em casos de natu- Mesmo com pouco tempo de existência,
tribuir na aplicação da metodologia isotó- reza criminal poderá ter suas características o LANIF já possui parcerias em andamen-
pica no âmbito das Ciências Forenses no e interesse forenses esmiuçados; em tese, to com três países: Argentina, Chile e Ho-
país. Essa rede tem dado todo o suporte servindo de indicadores de distribuições landa”, finaliza Salvador.
para a Polícia Federal e por meio dela ini- geográficas e de origem. O LANIF, costumo “Não se trata de uma técnica má-
ciou-se um processo de compartilhamento dizer, pode ser a locomotiva de grande par- gica ou que se aplique a 100% dos casos.
de um banco de dados com mais de 300 te do desenvolvimento da perícia moderna Mas ela pode, sim, gerar informações muito
mil entradas, resultante de décadas de pes-
que a sociedade brasileira deve ambicionar. úteis para os laudos periciais e as investi-
quisa. “Continuar interagindo e integrando
Por outro lado, sem o devido reconheci- gações. Em muitos casos, pode fazer a di-
a rede proporcionará a continuidade dessa
mento e visão de futuro, pode se trans- ferença. Como disse o diretor da agência
sinergia entre a Academia e a Perícia. Mas
finalmente quem mais ganhará será a socie- formar apenas em mais um assunto que a americana de armas e explosivos, no último
dade. Exemplo disso é a grande quantidade comunidade policial irá invejar do exterior simpósio de diretores de institutos forenses
de casos de humanos não identificados no e admirar em séries de televisão, nos próxi- da Interpol, de que participei, a isotopia
sistema de criminalística brasileiro. A isoto- mos anos”, detalha o ex-diretor da Perícia da forense, mesmo que ainda não totalmen-
pia pode dar uma nova luz a esse problema Polícia Federal. te desenvolvida para várias áreas da crimi-
e auxiliar na localização das famílias”, com- Com a criação do LANIF no Institu- nalística, é uma técnica promissora para a
pleta o perito Fábio Costa. to Nacional de Criminalística, o Brasil passa discriminação de origem ou fonte de pra-
De acordo com Salvador, a forma- a fazer parte de um seleto grupo de pouco ticamente tudo” explica o ex-diretor do INC,
ção de bases confiáveis para a construção mais de uma dezena de países que possui Luiz Spricigo.

32 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

No final de novembro de 2019, foi realizado, no INC, em Brasília, o 1° Workshop


Nacional sobre Isótopos Forenses, que foi um marco da iniciativa do projeto da nova
área. O evento reuniu peritos criminais federais e estaduais, pesquisadores, estudantes,
representantes de vários órgãos de governo e demais profissionais atuantes no ramo da
ciência isotópica e marcou a apresentação oficial da RENIF.
Os primeiros resultados científicos no Brasil da parceria entre a Perícia Criminal e
a Academia culminaram na publicação de dois artigos científicos em revistas de grande
impacto internacional: (1) Nardoto et al. (2020) na Science of Food (revista do grupo
Nature), contando com a coautoria do prof. Jim Ehleringer, pioneiro da isotopia forense
na América do Norte; e (2) Martinelli et al. (2020) na Molecules, revista da MDPI. Ambas as
publicações enfatizaram a aplicação de isótopos estáveis em Ciências Forenses no país.

Perícia Federal 33
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

O primeiro caso pericial que contou com a utilização de isótopos, no âmbito da


Polícia Federal, foi em fevereiro de 2016, no Paraná. Tratava-se de investigação de fraude e
roubo de metal adquirido por uma empresa brasileira de um fornecedor chinês. Lingotes
de zinco foram transportados por um navio da China para a cidade de Londrina, no entan-
to, eles foram substituídos, em algum momento de sua jornada, por sacos que continham
rocha triturada. “Nesse caso de uma substituição clássica, foi possível usar métodos geoló-
gicos para investigar a rocha britada. As análises mineralógicas, petrológicas e isotópicas
mostraram que a rocha substituída não era brasileira. Assim, foi possível constatar que a
substituição possivelmente ocorreu antes da chegada da carga ao Brasil. Uma cadeia de
custódia inadequada da carga durante o transporte da Ásia para o Brasil, incluindo a via-
gem de Paranaguá a Londrina, provavelmente proporcionou a oportunidade para a troca.
Estudos de isotopia forense realizados em parceria entre a PF e o Laboratório de Análises
de Minerais e Rochas da UFPR, sob a coordenação da prof. Anelize Bahniuk, avaliaram a
proveniência geográfica do material e indicaram compatibilidade de resultados associá-
veis à região do Sudeste Asiático. A colaboração entre a Polícia Federal e especialistas em
geologia da Academia deu origem a um robusto corpo probatório, permitindo que o cri-
me fosse investigado e solucionado”, narra o perito criminal federal e um dos responsáveis
pelo laudo do caso, Fábio Augusto Salvador. Anos mais tarde, em 2019, o caso rendeu a
publicação de um artigo científico.
O perito ressalta que, com a análise dos isótopos, a perícia ganhou sustentação
científica de provas anteriormente obscuras, protagonismo no desenvolvimento dos fun-
damentos de uma nova ferramenta tecnológica, motivação e perspectivas elevadas aos
novos ingressantes na carreira e; principalmente, força institucional para o combate a sub-
jetivismos na persecução penal.

Mapa mostrando a rota da carga da China para o Brasil.

34 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

Um caso recente e emblemático que utilizou isótopos forenses foi o do derramamento


do óleo no litoral brasileiro. No laudo, a perícia da PF relata que foi possível diferenciar as
amostras coletadas das amostras de referência de origem nacional. O perito criminal fe-
deral Ricardo Mascarenhas, um dos responsáveis pelo laudo do caso, afirma que o uso da
metodologia validou e proporcionou ainda mais robustez para determinar a origem das
amostras examinadas. “A análise isotópica foi importante para dar melhor fundamentação
para responder aos questionamentos feitos e corroborar com as etapas das análises ante-
riores”, coloca Mascarenhas.
O laudo, cujas análises isotópicas foram feitas pela perícia em colaboração com o
Laboratório de Geocronologia da UnB, coordenado pelo prof. Roberto Ventura, afirma que
as amostras de óleo coletadas em praias em diferentes estados nordestinos (Rio Grande do
Norte, Paraíba, Bahia, Ceará e Sergipe) apresentam um sinal isotópico intermediário entre
os esperados para óleos nacionais (offshore e onshore) e compatível com o apresentado
para a única amostra de óleo venezuelano disponível.

Coleta de amostra de material oleoso em pequenas poças de água, Coleta do material oleoso que se encontrava na água
tentando minimizar a contaminação da amostra com a areia da praia. do mar, tentando minimizar a contaminação por areia

Razão isotópica de carbono (δ13C) para as amostras


coletadas nas praias e padrões disponíveis. A faixa
azul indica a variação observada para óleos nacionais
offshore, a faixa cinza indica os valores obtidos para
amostras coletadas nas praias e o retângulo laranja in-
dica a variação observada para óleos nacionais onsho-
re. Os padrões de óleo venezuelano disponíveis (estre-
la) apresentaram sinais isotópicos na faixa das amostras
coletadas nas praias. As amostras coletadas na praia do
Caça e Pesca no Ceará (triângulo cinza) e no tambor
com logotipo da Shell (hexágono azul) exibiram sinais
isotópicos fora das três faixas indicadas. As faixas de
cores foram adicionadas para facilitar a visualização e
não devem ser consideradas intervalos de confiança
dos dados. O desvio padrão reportado pelo laboratório
para os padrões analíticos é de ± 0,4 ‰.

Perícia Federal 35
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

É bem provável que você já tenha ouvido falar (em alguma mesa de bar ou em
um churrasco de família) que o brasileiro consome cerveja à base de milho. E pode ser
bem por aí, segundo estudos conduzidos pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura
(CENA) da Universidade de São Paulo (USP). O fato de usar o cereal na bebida fermentada
ao invés da cevada não necessariamente fere a legislação, mas é um método pouco
ortodoxo (e pouco divulgado) utilizado pela indústria para baratear o produto.
Para detecção desse tipo de fraude, utiliza-se a análise isotópica a partir dos
átomos de carbono: cada planta possui uma
proporção específica entre os isótopos pesado
(13C) e leve (12C) desse elemento. E essa diferença se
deve ao tipo de fotossíntese realizada pelas plantas:
plantas que fazem o tipo fotossíntese denominado
C4 acumulam em suas folhas, caules, grãos, etc. uma
maior proporção do isótopo pesado do carbono, se
comparadas àquelas que fazem a fotossíntese do
tipo C3. Essas proporções já são conhecidas pelos
cientistas, e os alimentos e bebidas fabricados a
partir das plantas refletem sua composição isotópica. Sendo assim, é possível obter uma
assinatura isotópica de cada alimento, e a partir dela inferir quais os ingredientes foram
usados em sua fabricação. O CENA divulga estudos com resultados de análises desse tipo
de fraude alimentar desde 2003. Entre eles, é possível destacar a pesquisa coordenada
pelo professor Luiz Antonio Martinelli, publicada em 2013 na revista especializada
Journal of Food Composition and Analysis. O artigo concluiu que, via de regra, as bebidas
produzidas em larga escala pelas grandes cervejarias brasileiras possuem cereais não
maltados (como o milho), o que está em desacordo com a tradicional “Receita de Pureza
da Cerveja” alemã, que permite originalmente apenas 4 ingredientes na composição da
bebida: lúpulo, malte de cevada, água e levedura. Ainda mais grave, o estudo apontou
que em muitos casos a adição de cereais como o milho supera o limite de inclusão de 45%
permitido pela normativa do Ministério da Agricultura. Tais conclusões foram possíveis
pelo fato de o milho ter uma composição isotópica diferente da cevada, ou seja: maior
proporção do isótopo mais pesado do carbono (13C).
Outra pesquisa mais recente, também realizada pelo CENA e publicada em 2018,
demonstrou que a maior parte das marcas de shoyu consumidas no Brasil (molho de
soja tradicionalmente usado na culinária asiática) são também à base de milho; e não à
base de soja, que deveria ser o seu ingrediente principal. Da mesma forma que no estudo
anterior, a constatação se baseou na diferença de composição isotópica das plantas: o
milho, por realizar a rota de fotossíntese do tipo C4, possui maior proporção do isótopo
pesado do carbono se comparado à soja (tipo C3). Mesmo depois do processamento dos
grãos para a fabricação do molho, essa diferença continua a se expressar no produto final,
como uma assinatura de origem. E foi essa assinatura, analisada laboratorialmente pelos
pesquisadores do CENA, que permitiu a comprovação da fraude.
Mel, vinho, cerveja, carne, leite e vários outros produtos alimentícios
podem ter sua autenticidade averiguada pelos isótopos. Essa é uma perspectiva
muito promissora para o embasamento das perícias feitas nas operações da Polícia
Federal no combate a fraudes alimentares, crime grave e severamente punido pelo
Código Penal brasileiro.

36 Perícia Federal
ISÓTOPOS FORENSES
Danielle Ramos

“O Brasil dá um passo muito


importante ao criar um laboratório
de isótopos em seu instituto forense “É uma ótima notícia saber que a
nacional. Há mais de duas décadas Polícia Federal brasileira está montando “Considero que a instalação do
acompanho o uso da técnica no uma instalação laboratorial de isótopos laboratório de isótopos estáveis pela
FBI, e hoje percebo o quanto as estáveis. Ter um laboratório próprio é Polícia Federal brasileira é muito
investigações e a justiça criminal muito importante para que a equipe importante para investigações forenses
americanas se beneficiaram com essa de especialistas forenses alcance um no país. Por ser o primeiro laboratório de
tecnologia ao longo de todo esse entendimento sólido sobre todas as nível internacional instalado com esse
tempo. Faço votos de que o Brasil potencialidades e os horizontes de objetivo na América Latina, acredito que
trilhe caminho semelhante, e fico feliz informações estratégicas que a análise rapidamente se tornará um centro de
em poder ajudar! ” de isótopos forenses pode fornecer.” referência e evitará crimes em toda a
região. Além da instalação do laboratório,
Prof. James Ehleringer Prof. Wolfram Meier-Augenstein é notável a equipe de peritos muito
Professor da Universidade de Utah, membro da Professor da Universidade Robert Gordon, em bem treinados que lá trabalham, por isso
Academia Nacional de Ciências dos EUA, da União Aberdeen/Escócia, consultor especialista forense tenho certeza de que a iniciativa será um
Geofísica Americana, da Sociedade Ecológica da British National Crime Agency e autor do livro
da América e da Associação Americana para o “Stable Isotope Forensics: Methods and Forensic
grande sucesso! Estou muito feliz por
Avanço da Ciência. Com mais de 600 artigos Applications of Stable Isotope Analysis”, o primeiro colaborar com essa equipe e acho que
científicos publicados, é o principal pesquisador livro integralmente dedicado a aplicações forenses esse projeto será muito benéfico para a
em isótopos forenses no mundo. Foi o precursor das técnicas analíticas de isótopos estáveis. América do Sul.”
da implementação da técnica isotópica no FBI e
em outras agências americanas.
Dr. Luciano O. Valenzuela
Pesquisador assistente no Conselho Nacional de
Pesquisa Científica e Técnica da Argentina (CONICET),
membro do Programa Nacional de Ciência e Justiça
do CONICET e Professor Assistente de Pesquisa da
Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade
de Utah, é um dos principais expoentes da isotopia
forense sul-americana no cenário científico mundial.

O desmatamento ilegal de espécies


milenares causa danos irreparáveis ​​às
florestas do Chile. Por esse motivo, cientistas
“Estou emocionada por saber que a forenses chilenos estão projetando
Polícia Federal do Brasil está montando metodologias baseadas na análise
um laboratório de isótopos em sua sede. de isótopos estáveis ​​para conhecer a
Isso é uma notícia muito empolgante! Eu procedência da madeira apreendida. Os
ficaria feliz em compartilhar conselhos pesquisadores desta iniciativa agradecem
sobre a instalação do laboratório - à Polícia Federal do Brasil pelo apoio dado
preparação e pesagem de amostras, à implementação da técnica isotópica
instrumentação de análise, etc. Creio que forense no Chile. Além disso, ressaltam
isso poderá ajudar a equipe de peritos a que a instalação do Laboratório Nacional
superar mais facilmente os desafios do de Isótopos Forenses ​​e a experiência
processo de implementação. ” reconhecida de seus peritos nessa área
sem dúvida permitirão a apresentação
Dra. Lesley Chesson de evidências altamente confiáveis ​​para
Especialista em isotopia forense do Departamento de combater crimes complexos no Brasil.
Defesa do Estados Unidos – Agência de Contabilização
de Prisioneiros de Guerra e Mortos em Combate
(Defense POW/MIA Accounting Agency – DPAA) Dra. Alejandra F. Carvajal
Perita Criminal da Policía de Investigaciones de Chile e
professora da Universidad de La Frontera e Universidad
Católica de Temuco, é responsável por projetos de
desenvolvimento e implantação de técnicas forenses
avançadas no Chile.

Perícia Federal 37
PANORAMA INTERNACIONAL
Peritos criminais federais Marcus Vinicius de Oliveira Andrade e Marcelo Carvalho Lasmar

Cada vez mais a técnica de Isotope Ratio


Mass Spectrometry (IRMS) vem se mos-
trando como uma ferramenta poderosa no
campo das ciências forenses ao redor do
mundo, seja em centros de pesquisa ou em
institutos de criminalística; ou, ainda, o que
vem se tornando bastante comum, em re-
des de parceiros envolvendo ambos os seg-
mentos. Nas duas últimas décadas, quan-
do o uso da IRMS forense experimentou
grande crescimento, centenas de artigos
e trabalhos científicos foram publicados
na área. Dentre aqueles que apostaram (e
acertaram) na técnica, tornaram-se grandes
protagonistas mundiais países como Esta-
dos Unidos, Alemanha, Inglaterra, Austrália,
Escócia e Canadá, seguidos pela França,
Áustria, Japão, China e Nova Zelândia. No
Brasil, a recente criação da Rede Nacional
de Isótopos Forenses (RENIF), que con-
grega instituições como UnB, USP, UFPR,
UFMG, UFAM, INPA, Polícia Federal e Ins-
tituto Geral de Perícias/RS, dentre outras,
tende a alavancar pesquisas e colocar o
país em lugar de destaque internacional
no que se refere à utilização da ferramen-
ta isotópica para resolução de crimes das
mais diversas naturezas.

38 Perícia Federal
PANORAMA INTERNACIONAL:
Peritos criminais federais Marcus Vinicius de Oliveira Andrade e Marcelo Carvalho Lasmar

No cenário internacional, os traba- balho, foram detalhados alguns estudos re- pesquisadores e profissionais forenses em
lhos publicados referem-se às mais diversas centes envolvendo drogas ilícitas, líquidos todo o mundo.
áreas aplicadas às ciências forenses, tais inflamáveis, origem de pessoas, explosivos, Com a tendência cada vez maior
como química, medicina legal, bioquími- tintas, solos, documentos etc. Em cada um do uso da isotopia para a elucidação de
ca, ecologia, geoquímica e outras ciências dos exemplos, os autores apontam os prin- casos na esfera criminal, o aprimoramen-
ambientais, patologia e tecnologia nuclear. cipais achados e traçam uma interessante to e validação dessas metodologias vêm
São referências no assunto pesquisadores discussão sobre sua relevância no contexto ganhando força para a produção de uma
como James Ehleringer (University of Utah, forense e jurídico. É discutido ainda o po- prova robusta, assertiva e decisiva nas de-
EUA), Lesley Chesson (U.S. Department of tencial da técnica como ferramenta para se cisões judiciais. Desde 2002, a criação da
Defense/DPAA Laboratory, Hawaii), Wolfram inferir sobre origem de substâncias, não se Rede Forense de Espectrometria de Massas
Meier-Augenstein (Robert Gordon Universi- atendo somente à sua identificação. Esse é de Razão Isotópica (livre tradução de FIRMS
ty, Aberdeen, Escócia), Luiz Antônio Mar- um importante aspecto do uso de IRMS em - Forensic Isotope Ratio Mass Spectrometry
tinelli (CENA-USP, Brasil), Jim Carter (Que- aplicações forenses e, provavelmente, uma Network) vem desempenhando papel fun-
ensland Alliance for Agriculture and Food das razões de seu grande crescimento nos damental nesse sentido.
Innovation, Austrália), Jason West (Texas últimos anos. Por meio da modelagem geo- A FIRMS congrega profissionais da
A&M University, EUA), Thure Cerling (Univer- estatística dos dados isotópicos e a constru- área forense e pesquisadores atuantes em
sity of Utah, EUA), Eric Bartelink (California ção do que é chamado pelos pesquisadores IRMS de todo o mundo, além de fabricantes
State University), Gabriel Bowen (Universi- de mapeamento isotópico (ou isoscapes, de equipamentos. Nesse período, a FIRMS
ty of Utah, EUA) e Frederica Camin (Istituto em inglês), a metodologia oferece ao in- vem promovendo a elaboração de Guias de
Agrario San Michele All’Adige, Itália). vestigador uma nova gama de informações Boas Práticas em IRMS, orientações sobre o
Em 2006, em uma das primeiras bastantes relevantes e estratégicas no con- uso de padrões de referência e conduzindo
revisões sobre o uso forense de IRMS1, Ben- texto criminal, como (1) a origem de uma estudos de proficiência interlaboratoriais,
son discutiu a aplicação da técnica em in- substância explosiva utilizada em um ato de forma a dar suporte aos seus membros
vestigações forenses relacionadas a animais terrorista ou da fita adesiva utilizada no seu na operação rotineira de equipamentos,
silvestres (migração e determinação de ori- invólucro; (2) a inferência sobre o histórico controle de qualidade, resolução de proble-
gem), explosivos, drogas ilícitas, terrorismo de regiões frequentadas por um determina- mas e tratamento de dados. A rede ainda
– incluindo rastreamento de pessoas – in- do suspeito numa dada fração de tempo; e promove publicação de trabalhos científi-
vestigações de armas químicas e biológicas, (3) a possibilidade da confrontação científi- cos na área, em revistas de cunho forense,
geoquímica, falsificação de papel moeda, especialmente ao final de cada edição de
ca de uma versão ou álibi de um suspeito
origem de polímeros e fitas adesivas, den- sua conferência (que possui periodicidade
de crime, escrutinando os lugares em que
tre outros. Em revisão mais recente, Gentile trienal)3.
viveu ou passou recentemente, sua ori-
et al. (2015)2 traçaram uma visão ampla do A rede incentiva ainda ensaios
uso de IRMS, suas principais aplicações para gem ou mesmo seus hábitos alimentares.
de proficiência envolvendo determinação
fins forenses, seu grande potencial de cres- Esses são alguns dos grandes atrativos da de razões isotópicas de amostras entre la-
cimento e também suas limitações. No tra- técnica, que têm despertado interesse de boratórios forenses do mundo inteiro. Os

Perícia Federal 39
PANORAMA INTERNACIONAL
Peritos criminais federais Marcus Vinicius de Oliveira Andrade e Marcelo Carvalho Lasmar

ensaios de proficiência, ao avaliar a varia- dos laboratórios e instituições de pesquisa ram um estudo baseado no mapeamento
bilidade de resultados de razões isotópicas envolvidas. No entanto, é diretamente pro- isotópico (isoscapes), envolvendo os restos
entre diferentes laboratórios, são poderosas porcional ao esforço de implementação o mortais ainda preservados (úmero e fêmur),
ferramentas na validação de metodologias impacto positivo da técnica nas investiga- conseguiram descartar a origem europeia
e comparações entre bancos de dados. ções e processos judiciais, especialmente através da análise dos isótopos de C, N, S e
Desde 2004, o FIRMS Network promove naqueles em que há fragilidade de elemen- H (colágeno do osso) e Sr e Pb (parte mine-
esse tipo de programa, o qual se encontra tos materiais no conjunto probatório. ral do osso). Em seguida, ao comparar com
bastante consolidado atualmente. A rodada Algumas instituições desenvolvem amostras referência de cabelo provenientes
de ensaios de proficiência é creditada pela iniciativas nesse sentido. A Polícia Federal da África e América Latina, constataram cor-
norma ISO/IEC 17043:2010 desde 2015. australiana, por exemplo, tem trabalhado relações significativas da assinatura isotópi-
Conforme trabalho publicado por Dunn et na criação de um banco de dados de papéis ca dos elementos C, N, S e H. Já o estudo
al (2019)4, cada rodada dos ensaios de pro- e polímeros coletados em todo território do com os isótopos de Sr e Pb indicou coin-
ficiência consiste na determinação de até país a fim de atrelar uma origem geográfica cidências importantes com amostras de
quatro razões isotópicas (δ2H, δ13C, δ15N e a materiais dessa natureza encontrados em dente de referência provenientes do norte
δ18O) em materiais com diferentes níveis cenas de crime. A instituição dedicou-se a do Caribe. Baseada nas informações isotópi-
de dificuldade. Cada laboratório participan- criar novos bancos com a caracterização de cas, a polícia concentrou suas investigações
te expressa seu resultado por meio de um substâncias postadas no correio - em cartas em zonas de prostituição da região onde
único valor de δ por elemento isotópico e e encomendas anônimas ou com amea- foi localizado o corpo. Descobriu-se o de-
material encaminhado. Os resultados do ças - e também a determinação de δ13C e saparecimento de uma prostituta oriunda
exercício são avaliados utilizando z-scores δ2H em embalagens plásticas com drogas da República Dominicana. Com o apoio da
ou z’-scores calculados a partir do desvio referentes a apreensões distintas realizadas Interpol, o material genético da irmã da su-
padrão para Avaliação de Desempenho pela polícia. Esta última, com o intuito de posta vítima foi coletado e analisado, sendo
(SDPA). Esse tipo de procedimento, além atrelar tal material a uma origem geográfica obtida a correspondência genética com o
de promover a integração dos laboratórios específica ou associar casos distintos a um corpo em questão. Assim, poucas semanas
participantes, confere a cada um deles a suspeito ou local comum6. após o uso da informação isotópica, a mu-
confiabilidade necessária para a execução Podemos destacar também o tra- lher foi identificada7.
dos exames e sua validação em tribunais. balho apresentado pelo Instituto de Medi- Em outro campo de atuação, o Mi-
Segundo trabalho apresentado cina Legal da Alemanha, no qual o uso da nistério da Agricultura da Itália vem utilizan-
por pesquisadores e especialistas forenses ferramenta de IRMS contribuiu, por exem- do análise de razões isotópicas de 2H, 13C e
australianos no último FIRMS Conference, plo, com a identificação de um corpo de 18
O para os alimentos sob sua fiscalização.
em 20195, a implementação da técnica de uma mulher encontrado em sacos plásticos A técnica é adotada como método oficial
análise de razão isotópica no contexto fo- na Áustria, em 1993. Nesse exemplo, a po- pela legislação da União Europeia (UE), Or-
rense é permeada por grandes desafios. O lícia trabalhava inicialmente com a hipóte- ganização Internacional de Vinhos (OIV) e
desenvolvimento e validação de metodolo- se de se tratar de uma cidadã oriunda do Association of Official Agricultural Chemists
gias analíticas, a construção de mapas isotó- sudeste europeu, Polônia ou ex-Iugoslávia. (AOAC) para a detecção de práticas ilegais
picos que reflitam as variações regionais e a Contudo, apesar de extensa investigação, de irrigação, fraudes alimentares (como a
garantia da qualidade na geração de dados não foi possível a sua identificação. Somen- adição de substâncias exógenas - açúcares
são questões que exigem grande esforço te em 2016, quando as autoridades inicia- em vinhos, por exemplo) e a rotulagem in-

40 Perícia Federal
PANORAMA INTERNACIONAL:
Peritos criminais federais Marcus Vinicius de Oliveira Andrade e Marcelo Carvalho Lasmar

correta de produtos (indicação de origem dições naturais do solo de montanhas da BIBLIOGRAFIA


geográfica diferente). Com base nessas in- Judeia e cavernas de 2000-3000 anos atrás,
[1] Benson, S., Lennard, C., Maynard, P., Roux, C. Forensic
formações, o órgão é capaz de indicar se a sendo que a divergência encontrada reve- applications of isotope ratio mass – A review. Forensic
prática delituosa foi intencional ou oriunda lou uma camada superficial artificialmente Sci. Int. 157, 1-22 (2006).
de algum descontrole no processo produti- depositada sobre a peça questionada, indi-
vo, fornecendo informação importante para cando a fraude10. [2] Gentile, N., Siegwolf, R. T. W., Esseiva, P., Doyle,
S., Zollinger, K., Dele´mont, O. Isotope ratio mass
a caracterização da conduta como crime ou Esses e outros trabalhos igualmen- spectrometry as a tool for source inference in forensic
meramente infração administrativa. Dentre te relevantes vêm sendo desenvolvidos por science: A critical review. Forensic Sci. Int. 251, 139–158
os principais produtos fiscalizados, está a instituições policiais ou órgãos de fiscaliza- (2015).
análise de razões isotópica em vinho, óleos, ção que têm se destacado nesse campo de [3] Matos, M. P. V., Jackson, G. P. Isotope ratio mass
suco de frutas, mel e açúcar8. atuação. Dentre as mais atuantes citamos os spectrometry in forensic science applications. Forensic
A aplicação da determinação de laboratórios do Federal Bureau of Investiga- Chem. 13, No. 100154 (2019).
razões isotópicas vem sendo amplamen- tion (FBI), Drug Enforcement Agency (DEA) [4] Dunn, P. J. H., Carter, J. F., Chesson, L., Doyle, S., Howa,
te empregada também por outros órgãos e Environmental Protection Agency (EPA) J., Gaunt, W., Whetton, M. The FIRMS PT Scheme: What
de repressão ao tráfico de drogas de abu- nos Estados Unidos; Federal Police Forensic can be learned about inter-laboratory performance?
so, seja para a determinação de origem de Service na Austrália; Netherlands Forensic (2019). Available at: http://www.forensic-isotopes.org/
substâncias provenientes de material vege- images/2019/Abstracts_FIRMS2019.pdf (Acessed: 4th
Institute (NFI) na Holanda e da Bundeskrimi- June 2020).
tal (maconha, cocaína e heroína) ou drogas nalamt (BKA) na Alemanha, dentre outros.
sintéticas (anfetaminas e seus derivados, A aplicação de isótopos nas ciên- [5] Jones, K., Meikle, J., Koens, F., Simpson, T. Isotopic
GBL/GHB)2, assim como na determinação Databases for Operational Forensic Casework - Current
cias forenses vem ganhando espaço em Focus, Casework Examples and Future Plans for
de correlações entre apreensões distintas. várias partes do mundo. Nesse contexto, IRMS within the Australian Federal Police Laboratory.
O Drug Enforcement Administration (DEA), a implementação do Laboratório Nacio- (2019) Available at: http://www.forensic-isotopes.org/
dos Estados Unidos, por meio de análises images/2019/Abstracts_FIRMS2019.pdf (Acessed: 4th
nal de Isótopos Forenses (LANIF) será de June 2020).
isotópicas de 2H, 13C, 15N e 18O e de alca-
inigualável e pioneira importância para o
loides presentes nas folhas de cocaína de [6] Jones, K., Koens, F., Simpson, T. Background survey
fortalecimento da técnica no Brasil e seu
origens conhecidas, construiu mapas de of polyethylene in the Australian Capital Territory – A
consequente uso massivo em investigações demonstration of variability in isotopic abundance
distribuição isotópica da planta, delimitan-
policiais. Em paralelo, a estruturação da values and their application to forensic casework.
do 19 grandes regiões de cultivo da droga Science & Justice. 58, 276-281 (2018).
na América do Sul. Com esse trabalho, tor- Rede Nacional de Isótopos Forenses (RENIF)
nou possível a determinação da origem de contribuirá para o fortalecimento da cultura [7] Lehn, C., Rossmann, A., Graw, M., Davies, G.
amostras apreendidas em qualquer uma isotópica no país, fomentando a dissemina- Successful identification of a female body found in
dessas 19 regiões com 96% de grau de pre- ção do enfoque forense nos centros de pes- Burgenland (Austria) in 1993. (2019). Available at:
quisa nacionais. É inegável que se trata de http://www.forensic-isotopes.org/images/2019/
cisão9. Abstracts_FIRMS2019.pdf (Acessed: 4th June 2020).
Outra área relevante de aplicação uma ferramenta capaz de fornecer informa-
da ferramenta é a investigação de falsifica- ções e dados estratégicos às investigações, [8] Gambino, G. L., Caruso, R., Fiorillo, M., Gargano,
trazendo luz a questões não respondidas M., Sabatino, L., Scordino, M., Traulo, P., Gagliano, G.
ções de obras de arte, peças arqueológicas, Forensic application of stable isotope ratios analysis in
paleontológicas e similares. Forças policiais por outras técnicas científicas, com grande official food control: Activity carried out by the ICQRF-
do mundo inteiro buscam meios para iden- grau de assertividade, de forma tempesti- Laboratory. (2019). Available at: http://www.forensic-
va e com custo operacional relativamente isotopes.org/images/2019/Abstracts_FIRMS2019.pdf
tificação desse tipo de prática delituosa, (Acessed: 4th June 2020).
principalmente nas ações de combate à acessível pelos órgãos governamentais. Cla-
lavagem de dinheiro. Como exemplo, ci- ro que, assim como percorrido por países [9] Meier-Augenstein, W. Forensic stable isotope
tamos o trabalho realizado por centros de que tiveram êxito em sua implementação, signatures: Comparing, geo-locating, detecting
linkage. WIREs Forensic Sci. e1339 (2019).
pesquisa arqueológica israelenses que, por o caminho de sucesso da isotopia forense
meio da determinação de δ18O presente no brasileira requer investimento na capaci-
CaCO3, puderam determinar a falsidade de tação de mão de obra e aprimoramento
um achado arqueológico pertencente a um tecnológico, além de uma aposta certeira
colecionador particular com as inscrições na consolidação de redes de laboratórios e
“Ya’akov bar Yosef Achui de Yeshua” (livre tra- parcerias com instituições nacionais e inter-
dução: James filho de José, irmão de Jesus), nacionais, sejam elas periciais, fiscalizatórias
apesar de conclusões contrárias apontadas ou acadêmicas. É uma técnica, portanto,
por estudos preliminares utilizando técni- plural, multidisciplinar e democrática, e que
cas tradicionais. Tais análises basearam-se se sustenta em pilares como a pesquisa, o
na comparação com valores de δ18O de investimento tecnológico e a construção
outros achados legalmente escavados em de redes de compartilhamento seguro de
Jerusalém, carbonatos formados em con- dados e estratégias.

Perícia Federal 41
ISÓTOPOS, DNA E JUSTIÇA
Peritos criminais federais Jorge Marcelo de Freitas, Meiga Aurea Mendes Menezes, Rodrigo Ribeiro Mayrink e Luiz Spricigo Jr.

42 Perícia Federal
ISÓTOPOS, DNA E JUSTIÇA
Peritos criminais federais Jorge Marcelo de Freitas, Meiga Aurea Mendes Menezes, Rodrigo Ribeiro Mayrink e Luiz Spricigo Jr.

Partes de um corpo, sem a cabeça e sem (AIEA) monitoram rotas migratórias de aves como um dos mais robustos meios de
resultados positivos para identificação silvestres, em escala global, para controlar prova da criminalística. Hoje a genética
papiloscópica, são encontradas em Dublin, a disseminação de cepas do vírus da forense conta com o reconhecimento da
Irlanda, no ano de 2005. Descobre-se que, Influenza Aviária altamente patogênicas comunidade científica e ampla aceitação
provavelmente, a pessoa assassinada ao ser humano, prevenindo, assim, em tribunais em mais de 80 países,
era originária do nordeste da África e pandemias graves como a da Covid-19. incluindo alguns cujos sistemas judiciários
que havia migrado para a Irlanda em E mais recentemente, no Brasil, cientistas possuem o mais alto nível de exigência
torno de seis anos antes de sua morte. de várias instituições de pesquisa, em quanto aos critérios de admissibilidade
Essas informações facilitam a posterior parceria com peritos da Polícia Federal e de evidências (EUA, Alemanha e Reino
identificação da vítima e a subsequente analistas do Serviço Florestal Brasileiro, Unido, entre outros). De fato, a evidência
prisão dos assassinos. Anos mais tarde, estudam a distribuição territorial de genética – prova baseada no exame de
do outro lado do globo, no sudeste árvores amazônicas buscando rastrear a DNA forense – vem sendo utilizada em
asiático, grandes carregamentos de origem de madeira ilegal e coibir, com isso diversos casos de repercussão, inclusive na
marfim são apreendidos por autoridades o desmatamento clandestino. International Court of Justice, comumente
policiais e aduaneiras. Cientistas forenses Todos esses casos, aparentemente conhecida como Corte Internacional de
passam então a trabalhar para rastrear desconexos entre si, são marcados pela Haia; por exemplo, no julgamento de
a origem do material, auxiliando, assim, multidisciplinaridade de técnicas forenses. aplicação da Convenção e Punição do
na desarticulação de poderosas máfias Especificamente, todos eles foram ou Crime de Genocídio, perpetrado pela
internacionais de tráfico de animais. estão sendo resolvidos com a conjugação Croácia contra a Sérvia, e também no
Em 2012, na cidade de Leicester, das análises de dois marcadores naturais julgamento de pesca ilegal de baleias na
Inglaterra, ossadas encontradas em dos seres vivos: um químico – os isótopos Antártica (Austrália vs. Japão).
escavações em um estacionamento e um genético – o DNA; duas abordagens A consolidação da evidência
são atribuídas a Ricardo III, um dos mais que, como se pretende demonstrar, são genética como uma prova técnica
famosos e controversos reis da Inglaterra. complementares e sinérgicas. robusta em tribunais e sua consequente
Seus ossos servem também para O primeiro relato de uma disseminação como ferramenta pericial
arqueólogos forenses descobrirem que identificação forense através da genética têm como pilar o forte embasamento
sua alimentação, marcada por alto teor de data do ano de 1985 e, desde então, ela científico do método, acumulado
proteína animal (algo raro na época de seu vem cada vez mais se estabelecendo como em décadas de pesquisas em outras
reinado, no final do século XV), era digna uma importante disciplina forense. Trinta e aplicações, além da forense. Esse foi o
de uma “dieta da alta nobreza”. Enquanto cinco anos depois, constata-se, no entanto, grande diferencial em relação a algumas
isso, organismos internacionais como que esse não foi um caminho fácil: talvez outras metodologias da criminalística na
a Organização das Nações Unidas para nenhuma outra técnica tenha passado análise crítica feita pelo famoso relatório
a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a por um escrutínio tão intenso pela Justiça da Academia Americana de Ciências
Agência Internacional de Energia Atômica como o DNA. Isso, porém, a consolidou Forenses em 2009, que chamou a atenção

Perícia Federal 43
ISÓTOPOS, DNA E JUSTIÇA
Peritos criminais federais Jorge Marcelo de Freitas, Meiga Aurea Mendes Menezes, Rodrigo Ribeiro Mayrink e Luiz Spricigo Jr.

do setor forense dos EUA e do mundo a uma amostra de referência (o que, em am- em periódicos internacionais nos últimos
respeito da necessidade de rigor científico bos os casos, pode também consistir em 20 anos, gerando mais de 20.000 citações
para a geração e interpretação da prova bancos de dados) possuem a mesma ori- (2.600 apenas em 2019), demonstra que,
pericial. Encomendado pelo Senado gem, ou seja: se convergem entre si. Os au- assim como ocorreu com o DNA, os isótopos
americano e conduzido por dezenas de tores discutem que se por um lado, as pro- trilham uma vigorosa rota ascendente para
profissionais entre pesquisadores, juízes, babilidades de valoração da evidência são se consolidar como ferramenta pericial de
peritos, promotores e policiais, o estudo maiores na genética, os isótopos forenses primeira grandeza. Aproximadamente 15
ressaltou a importância da validação das podem ser usados em número maior de países desenvolvidos já incorporaram a
metodologias, bem como a apresentação vestígios, incluindo aqueles não biológicos tecnologia isotópica em seus institutos
do grau de incerteza das conclusões (que, portanto, não contêm DNA). A prin- forenses; um seleto grupo ao qual o Brasil
periciais. Nesse relatório, as perícias cipal conclusão do trabalho é que, assim passa agora a pertencer, com a criação
baseadas em evidência genética foram como na análise de identificação por DNA, do Laboratório Nacional de Isótopos
atestadas como “padrão ouro” no que tange a ciência é a base da construção das evi- Forenses (LANIF) no Instituto Nacional de
à segurança científica para admissibilidade dências isotópicas, fornecendo um sólido Criminalística da Polícia Federal.
jurídica. De fato, as recomendações desse ponto de partida para seu uso em Cortes A experiência pregressa que
estudo ultrapassaram as fronteiras dos EUA de Justiça. a comunidade pericial brasileira – e a
e vêm influenciando significativamente DNA e isótopos são dois Polícia Federal, em particular – possuem
os institutos forenses de vários países, marcadores naturais fascinantes, e seu com todos os desafios (enfrentados e
incluindo o Brasil. entendimento pela ciência desvenda superados) da implementação da técnica
A técnica de isotopia, por fenômenos que há séculos intrigam de DNA serão de grande valia para guiar
sua vez, começou a ser utilizada com o ser humano. Para fins forenses, na a condução dos isótopos forenses, sua
mais intensidade para fins forenses em maioria dos casos, eles assumem papéis “técnica-irmã”. No horizonte, acendem
meados da virada do século XX para XXI. complementares: em linhas gerais, as luzes da necessidade de geração e
Pesquisadores americanos, em artigo de enquanto o DNA aponta “quem é”, os integração de bancos de dados e da
revisão publicado no periódico jurídico da isótopos dizem “de onde veio”. No exemplo implementação de sistemas de qualidade.
Universidade de Utah, citam vários casos do corpo mutilado em Dublin, a análise de O ano de 2020 representa um
em que sistemas judiciais embasaram isótopos em amostras do fêmur atribuiu a marco na história da ciência isotópica
decisões em resultados de perícias provável origem geográfica da vítima ao forense no Brasil. A partir de agora – e,
isotópicas, tais como: os homens-bomba nordeste da África, ao mesmo tempo em pelos rumos que hoje se delineiam, cada
Richard Reid (que em 2001 tentou detonar que estimou a data da sua migração para vez mais intensamente nos próximos
uma bomba no voo 63 da American a Irlanda para algo em torno de 6 anos anos – a justiça brasileira terá mais uma
Airlines de Paris para Miami) e Saajid antes da morte. De acordo com o oficial importante ferramenta pericial para
Badat (que planejou outro atentado em da investigação, os resultados da análise elucidação de crimes. O fortalecimento
um avião em 2003); o banimento por isotópica forense forneceram a justificativa da prova material com a utilização de
dois anos do ciclista Floyd Landis, por necessária para realizar o teste de DNA de isótopos forenses, juntamente com o DNA
ter utilizado testosterona sintética para uma criança que se acreditava ser filha da e as demais técnicas já consagradas da
competir no Tour de France, em 2006; e os vítima, e o resultado foi positivo. O falecido, criminalística, irá aumentar a capacidade
atentados com antraz (esporos da bactéria que namorava a mãe de seus (até então) da perícia criminal em indicar autoria
Bacillus anthracis) enviados pelos correios supostos assassinos, era um homem de 39 e materialidade, bem como em evitar
a autoridades americanas, após o 11 de anos, originário do Quênia, que emigrou condenações equivocadas. Dessa forma
setembro (Caso Amerithrax). para a Irlanda em 1998, fugindo da guerra forma, a isotopia forense contribuirá para a
Nesse estudo, os isótopos são civil que assolava aquele país; ou seja, sete redução da impunidade, gerando também
comparados ao DNA para fins de adequa- anos antes de sua morte. Uma vez que maior segurança e eficácia para o sistema
ção aos critérios de admissibilidade de a identidade da vítima foi estabelecida, de justiça criminal.
evidências criminais da Corte americana. chegou-se às duas assassinas, apelidada
As duas abordagens possuem similarida- de “Scissor Sisters”, que foram condenadas
des e diferenças: ambas as técnicas são à prisão perpétua pelo crime.
usadas nas aplicações forenses para tentar A publicação de mais de 1.000
responder se uma amostra questionada e artigos científicos sobre isótopos forenses

44 Perícia Federal
ISÓTOPOS, DNA E JUSTIÇA
Peritos criminais federais Jorge Marcelo de Freitas, Meiga Aurea Mendes Menezes, Rodrigo Ribeiro Mayrink e Luiz Spricigo Jr.

REFERÊNCIAS CITADAS:

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Sciences, 64, n. 1, p. 6-9, 2019.
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Highly Pathogenic Avian Influenza. Disponível em: http://www-naweb.iaea.
SOBRE OS org/nafa/aph/crp/aph-stable-isotopes.html, acessado em 09/06/2020.
AUTORES: INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Application of the Convention
on the Prevention and Punishment of the Crime of Genocide (Croatia v.
Serbia) Public sitting held on Friday 28 March 2014, at 3 p.m., at the Peace
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(LANIF/PF) of a crime, and can also be used to identify missing persons. Disponível
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Rodrigo Ribeiro Mayrink Under Special Permit in the Antarctic (JARPA, JARPA II) as Programs for
Perito Criminal Federal – Polícia Federal/ Purposes of Scientific Research in the Context of Conservation and
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e Comunicação para Segurança Pública/ U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE - OFFICE OF JUSTICE PROGRAMS. The Future
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– então diretor do Instituto Nacional de Working Group, 2000.
Criminalística da Polícia Federal quando da ZIEGLER, S.; MERKER, S.; STREIT, B.; BONER, M. et al. Towards understanding
isotope variability in elephant ivory to establish isotopic profiling and
implementação do Laboratório Nacional
source-area determination. Biological Conservation, 197, p. 154-163, 2016.
de Isótopos Forenses (LANIF)

Perícia Federal 45
EVENTOS DA CRIMINALÍSTICA
Danielle Ramos

Entre os dias 8 e 11 de junho de 2021, no Expo


Unimed, na cidade de Curitiba (PR), será realizada a terceira
Curitiba será edição da InterForensics – a conferência realizada pela
Academia Brasileira de Ciências Forenses (ABCF) em parceria
palco de dois com a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais
(APCF). Simultaneamente, será realizada a segunda edição
grandes eventos da do Fórum Nacional Sobre Crimes Econômico-Financeiros,

Criminalística em
organizado pela APCF.
A InterForensics será dividida em 17 conferências

2021! temáticas, que abarcam as diversas áreas das ciências forenses.


Nesta edição, a trilha de crimes financeiros dará espaço ao
2º Fórum Nacional sobre Crimes Econômico-Financeiros. O
Fórum, que seria realizado em março de 2020 e foi adiado
O 2º Fórum em decorrência da pandemia do novo coronavírus, fará
parte da programação do maior evento de ciências forenses
Nacional Sobre da América Latina. “O Fórum será, nesta edição, uma trilha

Crimes Econômico- da InterForensics, e com isso, uma grande oportunidade de


promover uma troca única de experiências entre profissionais
Financeiros e e pesquisadores de carreiras técnico-científicas e jurídicas,
empreendedores, instituições financeiras, órgãos de
terceira edição da fiscalização e regulação, integrantes da segurança pública
e sociedade civil interessada, com ênfase para aqueles
InterForensics que transitam nas áreas contábeis, econômico-financeira,
tecnologia da informação e de empresas públicas e privadas”,
destaca o presidente da APCF e também presidente de honra
na InterForensics, Marcos Camargo.

A InterForensics é a conferência realizada pela Academia O 2º Fórum Nacional Sobre Crimes Econômico-Financeiros
Brasileira de Ciências Forenses e que reúne profissionais das é um evento multidisciplinar promovido pela APCF. Após
áreas de perícia, como medicina legal, informática, multimí- o sucesso do primeiro evento, a segunda edição contará
dia, finanças e várias outras. Também participam do evento, com três dias de debates e reunirá especialistas, acadêmi-
profissionais de justiça; entre juízes, delegados de polícia, cos e autoridades, nacionais e internacionais, que aborda-
membros do Ministério Público e advogados, além de pes- rão temas de grande relevância para o desenvolvimento
quisadores e estudantes envolvidos com os diversos temas econômico do Brasil em um cenário pós-pandemia.
das Ciências Forenses.

46 Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

Encarte Científico da Revista da Associação Nacional


dos Peritos Criminais Federais

Ano 01 - Vol. 01
Julho/2020

Perícia Federal 47
Fronteiras em Ciências Forenses

Fronteiras em Ciências Forenses

Encarte Científico da Revista da Associação Nacional dos


Peritos Criminais Federais

Ano 01 - Vol. 01
Julho/2020

Editor-chefe:

Marcos de Almeida Camargo

Conselho Editorial:
Alexandro Mangueira Lima de Assis
Hélio Buchmuller Lima
Jesus Antônio Velho
Marcus Vinícius de Oliveira Andrade
Meiga Aurea Mendes Menezes
Rodrigo Ribeiro Mayrink

48 Fronteiras
Perícia Federal
em Ciências Forenses - N.01 - Vol.01
Fronteiras em Ciências Forenses

Princípios básicos sobre as variações


naturais dos isótopos estáveis
Martinelli, Luiz Antônio1; Nardoto, Gabriela Bielefeld2*; Costa, Fábio José Viana3;
Mascarenhas, Ricardo de Oliveira4; Mayrink, Rodrigo Ribeiro5

1.
Universidade de São Paulo – Laboratório de Ecologia Isotópica do Centro de Energia
Nuclear na Agricultura (CENA/USP)
2
Universidade de Brasília – Departamento de Ecologia/Environmental Isotope Studies
(EIS/UnB)
*autora correspondente – gbnardoto@unb.br
3
Polícia Federal – Instituto Nacional de Criminalística – Laboratório Nacional de
Isótopos Forenses (LANIF/PF)
4
Polícia Federal – Setor Técnico-Científico no Estado do Paraná – Laboratório Nacional
de Isótopos Forenses (LANIF/PF)
5
Polícia Federal – Setor Técnico-Científico no Estado de Minas Gerais – Laboratório
Nacional de Isótopos Forenses (LANIF/PF)

Em outubro de 2000, um esqueleto humano foi encontrado tipo Ames. Essa cepa poderia ser encontrada em 15 instalações
próximo à rodovia, num deserto aos arredores da cidade de Salt de pesquisa biológica dos EUA, incluindo o USAMRIID
Lake City, Utah, EUA. Devido à quantidade de cabelos que e o Dugway Proving Ground, de Salt Lake City, Utah, mas
estavam junto ao corpo, ele foi apelidado com o nome: “Saltair também em três laboratórios fora dos EUA. No entanto, ainda
Sally”. O esqueleto feminino, com 26 ossos, alguns dentes, uma era necessário restringir as possibilidades de origem da cepa
camiseta e um colar, foi recolhido pela polícia local. Devido para se chegar aos autores do crime.
à falta de elementos para dar continuidade à investigação, O que o corpo dessa desconhecida e dessas cartas
ela permaneceu engavetada por 12 anos. Apesar da aparente terroristas podem ter em comum? Ambos os casos foram
residência de Saltair Sally ser Salt Lake City, ninguém havia esclarecidos usando a mesma metodologia, a análise de
apresentado queixa de seu desaparecimento na região, e, por isótopos estáveis. Novas pistas foram então adicionadas aos
isso, ela permaneceu não identificada por tantos anos. casos.
Em 2001, uma série de cartas suspeitas foi enviada No caso Saltair Sally, duas outras regiões geográficas
a escritórios de veículos de comunicação e a três senadores foram identificadas usando mapas que contêm gradientes de
dos EUA. As cartas continham esporos do micro-organismo distribuição isotópica de oxigênio como possíveis locais onde
Bacillus anthracis, responsável por infecções por antraz e Saltair Sally havia vivido ou visitado antes de sua morte. Foi
causaram a morte de cinco pessoas e a internação de outras 17 então que a polícia enviou avisos para os departamentos de
à época. O ataque ficou conhecido como o caso “Amerithrax” polícia dessas regiões e recebeu uma resposta positiva em agosto
e investigado pelo FBI. O Instituto de Pesquisa Médica de 2012: Saltair Sally era, na verdade, Nikole Bakoles, uma
em Doenças Infecciosas do Exército dos Estados Unidos jovem de 20 anos, natural do estado de Washington (distante
(USAMRIID), em Fort Detrick, Maryland, analisou as cartas mais de 1.000 km de Salt Lake City), cuja família aguardava há
e chegou à conclusão de que as cepas bacterianas seriam do mais de uma década pelo desfecho de seu desaparecimento.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 49
Fronteiras em Ciências Forenses

No caso Amerithrax, os peritos forenses usaram as segundo elemento, chamado hélio, que tem dois prótons e dois
composições isotópicas de hidrogênio e oxigênio dos esporos nêutrons em seu núcleo atômico. A fusão de mais átomos de
para fornecer informações sobre seu crescimento. Estudos em hidrogênio ou hélio e a fusão de átomos de hélio e hidrogênio
B. subtilis não patogênicos demonstraram que esses seus valores formaram uma série de elementos chamados “leves”, dentre
isotópicos refletiam a composição isotópica da água disponível eles, três elementos essenciais à vida: carbono, nitrogênio e
no meio de crescimento. Como parte da investigação, foram oxigênio (Quadro abaixo).
coletadas amostras de água do USAMRIID de Fort Detrick,
em Maryland, e do Dugway Proving Ground, em Utah.
Com base nos mapas de distribuição isotópica relacionando
os valores de hidrogênio e oxigênio da água e dos esporos,
considerou-se “altamente improvável” que a água do Dugway
Proving Ground tivesse sido usada no crescimento dos
esporos enviados no caso. O caso Amerithrax está atualmente
encerrado, após o suicídio de um dos principais suspeitos que
havia trabalhado na USAMRIID, em Fort Detrick.
A determinação de origem geográfica, por meio dos
mapas de distribuição isotópica, é uma das utilizações mais
inovadoras da ferramenta isotópica para o rastreamento
forense, tornando-se cada vez mais uma ferramenta
investigativa dentro do sistema judiciário. São diversos os
exemplos de sua aplicação na investigação da origem dos locais
de produção de drogas ilícitas, tinta usada em documentos Reações de fusão do chamado ciclo carbono-nitrogênio-oxigênio (ciclo CNO).
sigilosos, caça e comércio ilegal de animais e madeira, dinheiro
falso, fraude e adulteração de alimentos, e até em análises de Nota-se no quadro acima que isótopos do carbono
cenas de crimes. ( C e C) e nitrogênio (13N, 14N, 15N) são formados
12 13

nessa sequência de reações. Existem também alguns ciclos


complementares de fusões nucleares que formam isótopos
QUAL A ORIGEM DESSAS do oxigênio (16O, 17O e 18O). A abundância de isótopos de
VARIAÇÕES ISOTÓPICAS? um mesmo elemento na natureza é bastante distinta. No
No começo do universo havia apenas um átomo - o hidrogênio caso do oxigênio, o isótopo mais abundante é o 16O, com
- constituído de um único próton e um único elétron e cerca de 99,76%, seguindo-se o 18O com apenas 0,2% de
nenhum nêutron. Lentamente, átomos de hidrogênio foram abundância, sendo o menos abundante de todos, o 17O,
se fundindo, originando o primeiro isótopo do universo, o com 0,04%. Esses são os chamados isótopos estáveis, em
deutério, que, como sendo uma variante do hidrogênio, tem contraposição aos isótopos radioativos, que são aqueles
também um próton e um elétron, mas como produto da fusão, que decaem com o tempo, transformando-se em um outro
passou a ter também um nêutron no seu núcleo atômico. elemento, como o trítio ( 3H) e o carbono-14 (14C), ambos
Isótopos são variantes de um elemento químico que utilizados em datações de diversos materiais. Mas isso é
tem no núcleo atômico o mesmo número de prótons, mas uma outra história.
diferente número de nêutrons, lembrando que o número As abundâncias isotópicas são apenas abundâncias
de prótons é a “impressão digital” de um elemento químico. médias com o único propósito de mostrar que, para
Por exemplo, todo elemento químico com seis prótons será carbono, nitrogênio, oxigênio e deutério, a abundância do
denominado carbono. isótopo mais leve ( 12C, 14N, 16O, 1H) é muito maior que sua
Na sequência de fusões atômicas nos primórdios do nosso variante com um maior número de nêutrons, os isótopos
universo, dois átomos de deutério fundiram-se formando um pesados (13C, 15N, 18O, D).

50 Martinelli et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

COMO SE DESENVOLVEU A CIÊNCIA QUE no desenvolvimento da espectrometria de massas. Epstein


PERMITIU AS ANÁLISES ISOTÓPICAS? e colaboradores, em 1950, mencionaram pela primeira vez o
uso de carbonato de cálcio de um fóssil marinho denominado
Há 100 anos, os trabalhos de Thompson, seguidos por Belemnintella americana, semelhante às lulas atuais, mas
Arthur Dempster e Francis Aston, desenvolveram a técnica que continham uma carapaça de carbonato. Esses fósseis
denominada espectroscopia de massas, o que possibilitou foram encontrados na formação geológica americana Pee
a descoberta de mais de 200 isótopos naturais. Em 1939, Dee, situado no estado da Carolina do Sul, tornando-se esse
Nier e Gulbransen, publicaram as primeiras determinações padrão conhecido como PDB. A razão 13C:12C desse padrão
da abundância relativa entre 12C e 13C em diversos materiais. foi determinada como sendo igual a 0.01118, ou seja, 1.1118
Esses autores também notaram que havia uma clara distinção átomos de 13C para cada 100 átomos de 12C. De acordo com a
entre rochas (ígneas e calcáreas) e material de origem biológica equação acima, caso a razão isotópica da amostra (Ramostra) seja
(carvão orgânico, madeira e as partes moles de um molusco); menor que a razão isotópica do padrão (Rpadrão), o quociente
as primeiras favoreciam o acúmulo de átomos de 13C, enquanto Ramostra/Rpadrão será < 1, ora, um valor menor que a 1, subtraído
as últimas favoreciam o acúmulo de átomos de 12C. Sobre essa
da unidade, torna-se negativo. Como o PDB é um carbonato,
tendência os autores escreveram: “De maneira geral, o isótopo
que tem mais 13C do que amostras biológicas, então os valores
pesado (13C) parece ser favorecido em calcários, e o isótopo
leve (12C) em plantas”. de δ13C em amostras biológicas serão negativos. Portanto,
Apesar de, na época, os autores desconhecerem o sinal negativo é uma simples questão aritmética, e não
os mecanismos responsáveis por essa “discriminação ou isotópica.
fracionamento isotópico”, chegaram à seguinte conclusão Com o aumento da demanda por esse padrão por
visionária: “É possível afirmar que a razão entre os isótopos de vários laboratórios, o PDB acabou se esgotando. Atualmente,
carbono, aparentemente, sofre pequenas variações na natureza. ainda que a literatura mantenha como padrão o PDB, o padrão
Essas variações provavelmente sejam relacionadas ao modo utilizado, na prática, é um carbonato denominado NBS-19
de formação. Obviamente, mais dados são necessários para (National Bureau of Standards dos Estados Unidos, número
substanciar tais efeitos, que pode levar a um novo método que 19), que, por sua vez, foi recalibrado em relação ao PDB original
determine a origem de compostos de carbono na natureza”. pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que
Cerca de uma década depois, Wickman determinou a passou a ser o organismo responsável pela distribuição desse
razão isótopica 12C:13C em mais de cem amostras de plantas, novo padrão. Como a sede da AIEA é em Viena, Áustria, esse
confirmando os primeiros resultados do grupo de Nier, ou novo padrão passou a ser chamado de VPDB. No entanto,
seja, plantas favoreciam átomos de 12C em detrimento a 13C. essa denominação vem sendo pouco utilizada na literatura.
Harold Urey, em 1948, inverteu essa forma de Em 1952, Epstein e Mayeda determinaram que o
expressar a razão isotópica para 13C:12C. Como essa razão valor de δ18O em 23 amostras coletadas em vários oceanos
tornou-se desconfortavelmente pequena, por exemplo, 0.0112 entre as profundidades de 500 a 2000 m e calibradas contra o
(1/89) para carbonatos e cerca de 0.01098 (1/91) para plantas, oxigênio do carbonato de cálcio do padrão PDB, resultou em
ele propôs expressar essa nova razão em relação a um padrão um valor de -0.04‰, um valor muito próximo a 0‰. Quase
e multiplicar por 1000 a diferença entre a razão isotópica uma década depois, Craig determinou a razão H:D nessas
da amostra menos a razão isotópica do padrão. Em 1950, o mesmas amostras, nascendo assim, o padrão conhecido por
mesmo grupo, passou a expressar essa diferença pela letra “standard mean ocean water” (SMOW). Posteriormente, a
grega “δ”, definindo-se a seguinte equação: δ (‰) = (Ramostra/ AIEA tomou para si a distribuição desse padrão, que passou
Rpadrão – 1) x 1000, onde, Ramostra e Rpadrão são as razões isotópicas a ser conhecido como VSMOW. Portanto, atualmente, todas
entre o isótopo leve sobre o isótopo pesado. Por exemplo, as determinações das razões 18O:16O e D:H são calibradas em
considerando-se o elemento carbono, a razão isotópica seria relação a esse padrão.
representada por 13C:12C, nitrogênio por 15N:14N, oxigênio Finalmente, como a concentração de N2 é de cerca
por 18O:16O e hidrogênio D:H. de 78% na atmosfera e pelo fato de sua razão isotópica
Com isso, passou-se então à busca por padrões (14N: 15N) pouco variar, sendo igual a 0.003676, o ar
universais que permitissem uma calibração entre laboratórios. atmosférico acabou sendo adotado como padrão universal
Nessa busca, acabaram prevalecendo os padrões utilizados para o nitrogênio. Na natureza, são encontrados tanto
pelo laboratório de Harold Urey, que foi peça fundamental valores negativos como positivos de δ 15N.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 51
52 Martinelli et al., 2020
Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia
Ano1 -Federal
Vol. 01 53
Fronteiras em Ciências Forenses

COMO ESSAS DIFERENÇAS ENTRE AS PLANTAS QUE INFORMAÇÕES PODEM SER OBTIDAS
C3 E C4 PODEM SER USADAS PARA DETECTAR A COM OS ISÓTOPOS ESTÁVEIS DE NITROGÊNIO?
PRESENÇA DE PLANTAS C4 EM ALIMENTOS OU
BEBIDAS? As fontes de nitrogênio (N) para as plantas são várias.
Caso sejam plantas que se associem a bactérias do gênero
Onde menos se esperaria que houvesse tais plantas, Rhizobium, como algumas espécies que pertencem às famílias
os valores de δ13C de determinados produtos confirmaram a das Fabaceae, N2 atmosférico se torna uma fonte importante
presença inesperada das plantas C4. Exemplos clássicos foram de N para as plantas. Como vimos, o ar atmosférico é utilizado
aqueles que detectaram a presença de plantas C4 em vinhos, como padrão para isótopos de nitrogênio, portanto, o δ15N do
cervejas e molho de soja (shoyu), além de uma gama variada de N2 atmosférico é, por definição, igual a 0‰. O fracionamento
alimentos processados à venda em nosso país. isotópico entre o ar atmosférico e aquele fornecido à planta na
Em princípio, vinho é feito de uva, cerveja de
forma de amônio (NH4+) é relativamente baixo; assim sendo,
cevada maltada, lúpulo e água e molho de soja, ora, de soja.
essas plantas que têm essa associação simbiótica com bactérias
Uva, cevada, lúpulo e soja são plantas que seguem o ciclo
tendem a ter valores de δ15N próximos a 0‰. Por outro lado, a
fotossintético C3. Portanto, caso esses produtos sejam
maioria das plantas não tem essa capacidade, e mesmo plantas
produzidos somente a partir dessas plantas, os valores de
δ13C deles deveriam ser próximos aos valores desse tipo de que têm essa capacidade não dependem exclusivamente dessas
plantas. Mas a realidade em nosso país é outra: o δ13C médio fontes, pois o gasto energético é muito grande, ou seja, custa
de mais de cem amostras de vários tipos de vinhos produzidos caro para a planta alimentar o Rhizobium; assim, a maioria
no Brasil foi de aproximadamente -23‰ (tinto seco) e -22‰ das plantas depende muito mais de fontes de N do solo do que
(vinhos branco seco); enquanto que vinhos vinificados sem diretamente da atmosfera.
adição nenhuma de outro produto (somente mosto de uva), No solo, as plantas se utilizam basicamente de duas
tiveram um δ13C médio em torno de -26‰ (Martinelli et al. formas inorgânicas de N, o NH4+ e o nitrato (NO3-), ainda que
2020). Esse contraste entre vinhos indica claramente que o algumas plantas sejam capazes de utilizar pequenas cadeias de
açúcar de cana faz parte do processo de vinificação de alguns aminoácidos livres do solo, elas são uma minoria.
vinhos brasileiros. Cada um dos processos associados à decomposição
O mesmo ocorre com a cerveja feita no país, para a da matéria orgânica do solo causa diferentes fracionamentos
qual o δ13C médio de centenas de amostras foi igual a -19‰. isotópicos (Högberg 1997). Portanto, é extremamente
No entanto, nesse caso, a adição não é de açúcar de cana, mas complexo interpretar valores de δ15N em plantas individuais
sim de milho, que entra como um adjunto juntamente com de um determinado ecossistema, pois, além dessa variabilidade
cevada no processo de fermentação. isotópica das possíveis fontes de N, algumas plantas mostram
Talvez o exemplo mais inusitado seja a matéria prima preferência por NH4+ ou NO3- (Robinson 2001). Por outro
utilizada na elaboração de molhos de soja (shoyu) produzidos lado, considerando-se o valor médio de δ15N de várias espécies
no país. Tradicionalmente, shoyu é produzido no Japão a de plantas de um ecossistema, algumas tendências surgem,
partir da fermentação da soja e do trigo, enquanto outros tornando a utilização de isótopos estáveis de nitrogênio
extremamente útil.
países asiáticos utilizam somente soja no processo. Dentre
Há uma vasta literatura demonstrando que quanto
mais de 60 amostras de shoyu fabricadas no Brasil, valores de
maior a disponibilidade de N em um ecossistema, mais
δ13C indicaram que vários desses molhos utilizaram somente
elevados serão os valores de δ15N de plantas e solos desse
milho (Morais et al. 2018). Como pode o rótulo conter
sistema em decorrência das perdas gasosas que favorecem
a clara denominação “molho de soja” e o produto ser feito
a perda de átomos de 14N para a atmosfera (Houlton et al.
exclusivamente a partir da fermentação do milho? 2006). Em ecossistemas onde a disponibilidade de N é baixa,
além das reduzidas perdas gasosas, micorrizas que se associam

54 Martinelli et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

com as plantas, absorvem 14N do solo e repassam às plantas estudo, complementar investigações sobre conteúdo estomacal,
(Craine et al. 2009), e com isso o sistema fica com δ15N mais que representa aquilo que o animal ingeriu momentos antes
baixo. da captura, mas que não será necessariamente assimilado;
Nesse sentido, o δ15N da planta e no solo é um enquanto a análise isotópica reflete uma alimentação a mais
longo prazo e que foi efetivamente digerida e assimilada.
indicador da disponibilidade desse elemento no ecossistema.
Por conta dessa tendência, existe uma diferença muito grande
de valores de δ15N entre os principais tipos de vegetação do
Brasil (Figura abaixo).

Exemplo hipotético ilustrando o uso de isótopos estáveis do carbono em três


diferentes indivíduos de uma mesma espécie de peixe. Segundo a investigação
isotópica, o indivíduo “a” se alimenta presumivelmente de plantas C3, já o indivíduo
“b” de provavelmente plantas C4 e o indivíduo “c” pode se alimentar tanto de uma
mistura desses dois tipos de plantas, ou de uma terceira fonte não identificada que
presumivelmente teria valores de δ13C em torno de -22‰.

No caso do nitrogênio, apesar da complexidade


isotópica do N no sistema solo-planta, após um herbívoro
incorporar N em seus tecidos pela ingestão de plantas, o
fracionamento isotópico de N ao longo da cadeia trófica
se torna praticamente constante. Animais perdem N
principalmente pelas fezes e urinas. Fezes e urinas possuem
proporções relativamente altas de 14N, o que significa dizer que,
por sua vez, os onívoros e carnívoros irão ter uma proporção
relativamente maior de 15N do que suas presas. Em outras
palavras, os valores de δ15N vão aumentando em direção ao
topo da cadeia, que aumenta em média 3‰ a cada nível trófico.
Assim sendo, se uma planta tem um valor de δ15N de 1‰, o
Distribuição de frequência de valores de δ15N em folhas de árvores coletadas valor de δ15N do herbívoro consumidor dessa planta será 4‰,
em três tipos diferentes de vegetação brasileira (dados não-publicados: Luiz A
Martinelli).
e o valor de δ15N do um carnívoro intermediário que consumir
esse herbívoro será 7‰ e, finalmente, o δ15N do carnívoro no
topo, consumidor do carnívoro intermediário, será 10‰.
MAS COMO ESSAS VARIAÇÕES NOS ISÓTOPOS Relação hipotética
ESTÁVEIS DE CARBONO E NITROGÊNIO SÃO entre δ13C x δ15N de
INCORPORADAS PELOS ANIMAIS? três indivíduos de uma
mesma espécie de peixe.
Note que o peixe “c”
No caso do carbono, são milhares de estudos que investigam estava se alimentando de
as potenciais fontes desse elemento na dieta de animais. Esses uma terceira fonte não
identificada e não de
estudos baseiam-se na premissa de que o fracionamento uma mistura de plantas
isotópico entre plantas e tecidos animais, tais quais músculo, C3 e C4. Somente com o
unha, pelo e sangue, é relativamente baixo (0 a 1‰). Portanto, auxílio de um segundo
valores de δ13C desses tecidos são bons indicadores da
isótopo foi possível
identificar essa fonte
proporção relativa de consumo de plantas C3 e plantas C4 (ver extra de alimento, que
quadro a seguir). A metodologia isotópica veio, nessa linha de provavelmente seja um
inseto aquático.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 55
Fronteiras em Ciências Forenses

E COMO OCORRE O FRACIONAMENTO DOS Como a cobertura da rede GNIP não é extensiva a todas as
ISÓTOPOS ESTÁVEIS DA MOLÉCULA DE ÁGUA partes do planeta, a reta derivada da correlação δ18O x TºC
QUE AJUDOU A SOLUCIONAR OS CASOS DE pode ser utilizada para se obter um maior detalhamento da
“SALTAIR SALLY” E “AMERITHRAX”? distribuição geográfica dos valores de δ18O da precipitação
sobre o globo terrestre ou sobre uma área menos extensa como
Isótopos de hidrogênio e oxigênio têm uma característica um país. Começaram a ser feitas interpolações a partir destas
peculiar, que os diferencia do carbono e nitrogênio. O correlações. Para que pudessem ser mais bem visualizadas a
fracionamento isotópico entre o vapor d’água e a chuva que se
distribuição da variação isotópica, começaram a ser feitos
formam pelo processo de condensação varia acentuadamente,
conforme a temperatura da atmosfera. Devido a esse efeito, mapas, que passaram a ser chamadas de isoscapes.
há uma boa correlação entre a temperatura e o δ18O da
precipitação. Assim, através da temperatura média de um
local pode-se inferir o valor médio de δ18O da precipitação do
mesmo local.
A Figura abaixo, construída com dados da rede de
coletas de precipitação para determinação dos isótopos estáveis
do oxigênio e hidrogênio, coordenada pela AIEA (GNIP),
correlaciona valores de δ18O e temperatura.

Valores de δ18O da precipitação derivado de interpolações obtidos através da


correlação entre δ18O x TºC (Terzer et al. 2013).

Essas isoscapes (do inglês: “Isoscapes” = “isotopic”


+ “landscapes”) de H, O assim como de C e N são
amplamente utilizadas em nível global (West et al. 2014),
e, mais recentemente, vêm sendo cada vez mais utilizadas
em nível regional e até local. No contexto brasileiro, Sena-
Souza e colaboradores (2019), apresentam o potencial de
aplicação das isoscapes com os métodos já existentes e como
preencher lacunas espaciais e metodológicas, mostrando como
as isoscapes podem ser uma ferramenta fundamental em
aplicações forenses. Essas isoscapes são a base para resolver
casos como Saltair Sally e Ameritrax, que usam funções
matemáticas para inferir a região de origem, a partir de valores
Média anual da temperatura vs. média anual dos valores isotópicos.
de δ18O na precipitação. Os pontos de cor cinza representam
pontos da rede GNIP da IAEA enquanto os pontos coloridos
representam dados de um modelo utilizado por Roche e Caley (2013)
e as cores indicam a latitude em que as amostras foram coletadas.
INCORPORANDO OS PRINCÍPIOS ISOTÓPICOS
NAS CIÊNCIAS FORENSES DENTRO DO BRASIL

Isótopos estáveis já vêm sendo usados amplamente em casos


forenses, e a maioria deles está relacionada ao rastreamento
da origem geográfica ou adulteração de materiais. Com essa
base científica consolidada torna possível a aplicação imediata

56 Martinelli et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

dessa metodologia em várias linhas das Ciências Forenses. No REFERÊNCIAS


entanto, com o uso exponencial dessa metodologia em estudos
forenses em todo o mundo, acabou se consolidando o termo BELL, E. A.; BOEHNKE, P.; HARRISON, T. M.; MAO,
“Stable Isotope Forensics”, que vem sendo cada vez mais usado W. L. Potentially biogenic carbon preserved in a 4.1 billion-
tanto na área acadêmica como na área pericial. year-old zircon. Proceedings of the National Academy of
Atualmente, no Brasil, estão sendo desenvolvidos estudos sobre Sciences of the United States of America, 112, n. 47, p. 14518,
como as razões isotópicas variam espacialmente nos tecidos 2015.
vegetais e animais e de acordo com as condições ambientais
regionais, na tentativa de produzir ou refinar isoscapes mais CRAINE, J. M.; ELMORE, A. J.; AIDAR, M. P. M.;
específicas e temporalmente compatíveis com casos forenses BUSTAMANTE, M. et al. Global patterns of foliar nitrogen
mais frequentes, relatados pelas forças periciais brasileiras. isotopes and their relationships with climate, mycorrhizal
Dessa forma, a disponibilização de grandes bancos de dados se fungi, foliar nutrient concentrations, and nitrogen availability.
torna imperativa para as construções dessas isoscapes cada vez Oxford, UK. 183: 980-992 p. 2009.
mais refinadas. Essas informações devem ser compartilhadas
com os órgãos periciais, policiais e fiscalizadores, favorecendo DANSGAARD, W.; CLAUSEN, H. B.; GUNDESTRUP,
a aplicação da ferramenta isotópica para controle de fraudes e N.; HAMMER, C. U. et al. A new Greenland deep ice core.
investigações criminais. Science, 218, n. 4579, p. 1273-1277, 1982.

HOULTON, B.; SIGMAN, D.; HEDIN, L. Isotopic


QUANTAS “SALTAIR SALLYS” EXISTEM evidence for large gaseous nitrogen losses from tropical
NO BRASIL? rainforest. Proceedings of the National Academy of Sciences
of the United States of America, 103, n. 23, p. 8745, 2006.
Assim como no caso Saltair Sally, inúmeras investigações de
pessoas desaparecidas ou assassinatos não resolvidos no Brasil HÖGBERG, P. Tansley Review No. 95 15 N natural
poderiam ser elucidados com o auxílio da técnica isotópica. abundance in soil‐plant systems. New Phytologist, 137, n. 2,
Segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública p. 179-203, 1997.
(2019), mais de 80 mil pessoas desaparecem anualmente no
país, e sabe-se que milhares de ossadas não identificadas jazem MARTINELLI, L.; NARDOTO, G.; PEREZ, M.;
nos institutos de medicina legal estaduais. Dentre esse imenso FRACASSI, F. et al. Carbon and Nitrogen Isotope Ratios
contingente, seguramente centenas ou milhares de casos of Food and Beverage in Brazil. Molecules, 25, n. 6, p. 1457,
poderiam ser solucionados com o emprego do rastreamento 2020.
isotópico, assim como ocorreu com Saltair Sally, nos EUA.
Para além dos crimes violentos e pessoas desaparecidas, MORAIS, M. C.; PELLEGRINETTI, T. A.; STURION,
a isotopia forense poderia contribuir também para a resolução L. C.; SATTOLO, T. M. S. et al. Stable carbon isotopic
de vasta gama de delitos, tais como tráfico de drogas, composition indicates large presence of maize in Brazilian soy
crimes ambientais, falsificação de moeda e documentos, sauces (shoyu). Journal of Food Composition and Analysis,
fraudes alimentares e de medicamentos, contrabando e 70, p. 18-21, 2018.
descaminho de mercadorias diversas, desvio e uso ilegal
de explosivos, dentre outros. Com o fortalecimento da
NIER, A. O.; GULBRANSEN, E. A. Variations in the
isotopia forense na rotina da perícia criminal, o país
Relative Abundance of the Carbon Isotopes. Journal of the
passa a ter, portanto, uma nova e poderosa ferramenta
American Chemical Society, 61, n. 3, p. 697-698, 1939.
de aplicação da ciência em favor da Justiça.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 57
Fronteiras em Ciências Forenses

ROBINSON, D. δ 15N as an integrator of the nitrogen cycle.


Trends in Ecology & Evolution, 16, n. 3, p. 153-162, 2001.

ROCHE, D.; CALEY, T. delta super(18)O water isotope


in the iLOVECLIM model (version 1.0): Part 2: Evaluation
of model results against observed delta super(18)O in water
samples. Geoscientific Model Development, 6, n. 5, p. 1493-
1504, 2013.

SENA-SOUZA, J.; COSTA, F.; NARDOTO, G.


Background and the use of isoscapes in the Brazilian context:
essential tool for isotope data interpretation and natural
resource management. Revista Ambiente & Água, 14, n. 2, p.
1-27, 2019.

TERZER, S.; WASSENAAR, L. I.; ARAGU; XE et al.


Global isoscapes for [delta].sup.18O and [delta].sup.2H in
precipitation: improved prediction using regionalized climatic
regression models. Hydrology and Earth System Sciences, 17,
n. 11, p. 4713, 2013.

THOMSON, J. J. (1912). “XIX. Further experiments on


positive rays”. Philosophical Magazine. Series 6. 24 (140):
209–253. doi:10.1080/14786440808637325.
THOMSON, J. J. (1910). “LXXXIII. Rays of positive
electricity”. Philosophical Magazine. Series 6. 20 (118): 752–
767. doi:10.1080/14786441008636962.

58 Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

Nova fronteira no uso de traçadores isotópicos para materiais e


seres vivos: o uso de isótopos radiogênicos e não tradicionais
Roberto Ventura Santos1, Camilla Vasconcelos Kafino2, Veridiana Teixeira de Souza
Martins3, Isabela Moreno Cordeiro de Sousa4

1
Universidade de Brasília, Instituto de Geociências, Laboratório de Geocronologia e
Geoquímica Isotópica;
2
Polícia Federal, Instituto Nacional de Criminalística;
3
Universidade de São Paulo, Instituto de Geociências, Centros de Pesquisas
Geocronológicas;
4
Polícia Civil do Distrito Federal;

RESUMO
Dados isotópicos tem sido cada vez mais utilizados em estudos forenses e, particularmente, da perícia
criminal. Isótopos são nuclídeos de um mesmo elemento, mas que possuem diferentes números
de nêutrons. Nesta contribuição daremos destaque a dois grupos principais de isótopos naturais:
radiogênicos e não convencionais. O grupo dos isótopos radiogênicos é assim chamado pois alguns
nuclídeos são formados pelo decaimento de elementos radioativos. Por sua vez, o grupo dos não
convencionais se refere a um conjunto de elementos com isótopos estáveis e caracterizados por alta
massa atômica. Apresentamos também os principais fatores que provocam variações nas abundâncias
dos isótopos desses elementos e as implicações para estudos forenses. Por fim, apresentamos estudos de
caso em que dados isotópicos são utilizados para a solução de questões de interesse da perícia criminal.
(Meier-Augenstein and Fraser, 2008; Philp, 2006; Roelofse and Horstmann, 2008; Widory et al., 2009,
Bowen, 2010 #303202).

ABSTRACT
Isotopic data has been increasingly used in forensic studies and, particularly, in criminal expertise.
Isotopes are nuclides of the same element, but with different numbers of neutrons. In this contribution
we will highlight two main groups of natural isotopes: radiogenic and unconventional. The group of
radiogenic isotopes is so called because some nuclides are formed by the decay of radioactive elements.
In turn, the group of non-conventionals refers to a set of elements with stable isotopes and characterized
by high atomic mass. We also present the main factors that cause variations in the isotopic abundance of
these elements, and the implications for forensic studies. Finally, we present case studies where isotopic
data are used to solve questions of interest to criminal experts.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 59
Fronteiras em Ciências Forenses

INTRODUÇÃO radioativos (“pais”) que sofrem decaimento radioativo e geram


os isótopos radiogênicos (“filhos”). Incluem-se no grupo dos
Uma das questões centrais em ciências forenses é a identificação estáveis os chamados isótopos ambientais (H, C, N, O e S)
e caracterização de materiais, objetos da perícia criminal, que fazem parte dos ciclos hidrológico, geológico e biológico,
incluindo, se possível, informações sobre sua adulteração e os isótopos não tradicionais, que se referem a elementos
(autenticidade), procedência, condições de fabricação/ que ocorrem como traços nos materiais terrestres (e.g., ferro,
formação e origem geográfica (Meier-Augenstein and Fraser, cobre, zinco, cromo, vanádio) (Aggarwal et al., 2008; Albarede
2008; Philp, 2006; Roelofse and Horstmann, 2008; Widory et al., 2016; Teng et al., 2017). Enfatizamos que as análises
et al., 2009, Bowen, 2010 #303202). dos isótopos não tradicionais se tornaram possível graças a
Graças ao avanço das tecnologias analíticas, os avanços tecnológicos recentes. Os isótopos radioativos são
últimos 40 anos foram marcados pelo desenvolvimento de aqueles que possuem um núcleo instável e que, com o passar
equipamentos e procedimentos que ajudam a responder às do tempo, se transformam em outros elementos. Incluem-se
questões acima. No âmbito da biologia molecular, foram nessa categoria, por exemplo, os isótopos dos elementos U e
desenvolvidos, por exemplo, procedimentos que permitem a
identificação de indivíduos por meio de seu DNA, que, além Th. Por fim, os radiogênicos são isótopos estáveis resultantes
de possuir uma alta estabilidade química por longos períodos do decaimento de isótopos radioativos. Isótopos desse grupo
de tempo, requer pequena quantidade de material encontrado podem ser exemplificados pelo estrôncio com massa atômica
na cena do crime. À semelhança da genética forense, é 87 (87Sr), ou o neodímio com massa atômica 143 (143Nd), que
desejável que outros objetos e materiais, focos de investigações são derivados do decaimento radioativo do rubídio (87Rb) e
criminais, também possuam um “DNA”, ou seja, um conjunto samário (147Sm), respectivamente (DePaolo, 1988).
de parâmetros que possa ser considerado assinaturas únicas. Basicamente, o que se usa em estudos isotópicos é a
Dessa forma, a composição química e isotópica de determinado proporção entre os isótopos de um mesmo elemento e como
objeto imprime características únicas, passíveis de serem essa proporção varia entre os materiais que são objetos de
utilizadas como assinatura da origem, do tipo ou dos processos investigação. Entende-se por variações isotópicas as mudanças
de fabricação dos mesmos (Carter et al., 2004; Papesch and na proporção entre isótopos de um dado elemento químico.
Horacek, 2009; Philp, 2006; Santamaria-Fernandez et al., Essa variação é o resultado da história química desse material
2009; Widory et al., 2009). As portas para essa possibilidade e/ou de sua origem e fabricação.
se abriram com o desenvolvimento de equipamentos capazes No texto a seguir, abordaremos as principais
de determinar as variações isotópicas dos mais variados características dos isótopos radiogênicos e não tradicionais.
elementos químicos.
Isótopos são átomos de um mesmo elemento químico,
ou seja, são átomos com um mesmo número de prótons, mas Isótopos radiogênicos:
com diferentes números de nêutrons (DePaolo, 1988; Doe,
1970; Hoefs, 2004), portanto, com diferentes números de
massa. A proporção entre os isótopos de um dado elemento,
além de imprimir uma assinatura passível de ser mensurada e
determinada, reflete uma assinatura única (origem ou história
de formação), podendo ser uma ferramenta robusta para a
investigação forense.
No presente texto, vamos discutir e apresentar dados
sobre as composições químicas e isotópicas de elementos
maiores e traços e como esses dados podem ser utilizados em
perícias criminais. Inicialmente abordaremos os princípios que
balizam essa técnica e, em seguida, apresentaremos estudos de
caso e possíveis aplicações na perícia criminal

ISÓTOPOS RADIOGÊNICOS
E NÃO TRADICIONAIS
Figura 1: Características dos isótopos de Sr e suas relações com o decaimento do
Os elementos químicos se dividem em dois grupos, os de Rb. Note-se que os materiais terrestres possuem diferentes razões Rb/Sr e que,
quanto maior essa razão, maior será a razão 87Sr/86Sr.
núcleos estáveis e os de núcleos instáveis ((Hoefs, 2004, Faure &
Mensing 2005, Allègre, 2008). Este último engloba os isótopos

60 Santos et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

O elemento estrôncio (Sr) possui 4 isótopos, a saber: 84Sr origem antrópica, é proveniente de seu principal minério, a
(0.56%), 86Sr (9.86%), 87Sr (7.0%) e 88Sr (82.58%) em que os galena (PbS). Como esse sulfeto não possui urânio na sua
números entre parênteses se referem à abundância na natureza estrutura, não há a formação de isótopos de Pb pelo decaimento
de cada isótopo. Ao se analisar a composição isotópica de Sr de U ou Th. Dessa forma, a proporção dos isótopos de chumbo
em materiais diversos como plantas, dentes, ossos, água e em materiais fabricadas a partir da galena terá a assinatura
solos, por exemplo, observam-se variações na proporção entre isotópica do minério, diferenciando-se dos outros materiais
os isótopos 86Sr e 87Sr. Em outras palavras, a razão 87Sr/86Sr é naturais em que parte do Pb é proveniente do decaimento
variável, podendo assim, ser utilizada como assinatura inerente de U e Th (Erel et al., 1990). Dessa forma, muitos são os
ao material analisado. É importante salientar que as variações estudos que se utilizam das razões 206Pb/204Pb, 207Pb/204Pb e
na proporção entre os isótopos 86Sr e 87Sr são decorrentes do 208
Pb/204Pb como indicadores de origem e autenticidade.
decaimento radioativo do rubídio com massa 87 (87Rb), que, Uma característica importante dos isótopos
com o tempo, decai para 87Sr (Figura 1). radiogênicos é que, via de regra, eles não são afetados por
Como essa transformação depende do fator tempo fracionamento isotópico, fenômeno que afeta os isótopos
(meia-vida do elemento rubídio) e ocorre na escala de milhares estáveis ambientais e os não tradicionais. Em outras palavras, a
a milhões de anos, é importante perceber que se o material de variação, na proporção relativa entre os isótopos dos elementos
interesse possui o elemento rubídio, o isótopo 87Sr estará sendo radiogênicos, não é afetada por processos físicos, como
lentamente produzido. Além do fator tempo, há também de evaporação, ou químicos, como velocidade de uma reação
se considerar que diferentes minerais formadores de rochas química. As variações isotópicas são decorrentes tão somente
podem ou não incorporar o Rb e o Sr em sua constituição. do decaimento radioativo.
Portanto, a mineralogia de uma rocha e os materiais derivados Isso implica que as razões isotópicas de elementos
dela também irão influenciar na razão isotópica de estrôncio. É radiogênicos guardam relação direta com as características
por meio desses processos que os diferentes materiais acabam mineralógicas e idade das rochas de uma determinada região,
possuindo diferentes proporções entre os isótopos 86Sr e 87Sr relação esta que pode ser utilizada para se estimar a origem
e, consequentemente, razões 87Sr/86Sr. geográfica de materiais. Esse tipo de abordagem tem motivado
À semelhança do estrôncio, há vários outros isótopos alguns autores a mapear as variações isotópicas do estrôncio
radiogênicos que podem ser de interesse da perícia criminal, em vastas áreas territoriais (Bowen, 2010; Bowen et al., 2009,
conforme é mostrado na tabela 1. Bataille and Bowen 2012, Bataille, Laffoon et al. 2012, Bataille,
Brennan et al. 2014). Os trabalhos de Bataille e colaboradores
Tabela 1: Principais sistemas isotópicos radiogênicos buscam, portanto, mapear as variações isotópicas de Sr no
território, possibilitando, assim, relacionar a composição
isotópica desse elemento com a origem geográfica de um dado
material. A partir dessa estratégia, pode-se inferir o local de
origem de minerais, fauna e flora em um determinado território,
à semelhança dos estudos que abordam a variação isotópica de
fauna silvestre em rios da Amazônia (Weiss, Rehkämper et al.
2008, Miller 2013, Dauphas, John et al. 2017, Kendall, Dahl
et al. 2017, Teng, Dauphas et al. 2017).
Dentre esses, cabe destacar os isótopos de neodímio,
em que o 143Nd é produzido a partir do decaimento do isótopo
de samário 147 (147Sm). Nesse caso, os estudos isotópicos Isótopos não tradicionais
buscam determinar a razão 143Nd/144Nd dos materiais de Os isótopos não tradicionais adquiriram esse nome,
interesse (DePaolo, 1988). Há ainda os quatro isótopos pois passaram a ser, rotineiramente, analisados somente
estáveis do elemento químico chumbo: 204Pb, 206Pb, 207Pb e na última década. O que viabilizou essa nova realidade
208
Pb. Dentre esses, o 206Pb, 207Pb e 208Pb são radiogênicos e foi o desenvolvimento de multicoletores acoplados aos
produzidos a partir do decaimento radioativo dos isótopos espectrômetros de massa tipo ICP-MS melhorando a
238
U, 235U e 232Th, respectivamente (Doe, 1970). O chumbo sensibilidade das análises e, ainda, melhoras analíticas nos
presente em materiais fabricados pelo homem, ou seja, com tradicionais espectrômetros de massa por termo-

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 61
Fronteiras em Ciências Forenses

ionização (TIMS), que possibilitou a medição mais precisa ESTUDOS DE CASO


desses elementos ( Johnson, Beard, Albarede, 2004). Esses
equipamentos possuem alta sensibilidade e permitem a I. Ouro e metais preciosos
determinação de razões isotópicas com alto grau de precisão. A disponibilidade de equipamentos analíticos e a simplificação
De certa forma, a determinação das razões isotópicas desses dos procedimentos analíticos aumentaram significativamente a
elementos foi uma verdadeira revolução no entendimento utilização de parâmetros químicos para se identificar a origem
dos processos naturais, pois se assumia que seus isótopos não de minerais (Dixon and Merkle, 2019; Gäbler et al., 2013;
eram afetados por processos de fracionamento, à semelhança Melcher et al., 2008), metais nobres (Dixon and Schouwstra,
do que ocorre com os elementos leves. A possibilidade de se 2017; Dixon and Merkle, 2019; Roberts et al., 2016; Watling
determinar essas variações isotópicas abriu novas perspectivas et al.) e mesmo drogas ilícitas (Watling, 1998).
para o desenvolvimento de traçadores isotópicos em uma vasta Em 1994, Watling e colaboradores utilizaram um
gama de materiais (Weiss, Rehkämper et al. 2008, Miller ICP-MS acoplado a laser para estudar a distribuição de
2013, Dauphas, John et al. 2017, Kendall, Dahl et al. 2017, elementos-traço em amostras de ouro da Austrália e da
Teng, Dauphas et al. 2017). África do Sul (Watling et al., 1994). O estudo teve como
Dentre os vários elementos que compõem esse objetivo desenvolver um procedimento para determinar
grupo, encontram-se o zinco, ferro, cromo, cobre, níquel, fingerprinting de amostras de ouro. Ao invés de se deter na
vanádio e molibdênio. O ferro, por exemplo, possui 4 concentração específica dos elementos químicos, os autores
isótopos estáveis: o 54Fe, 56Fe, 57Fe e o 58Fe. Esse elemento está obtiveram espectros de variações de elementos-traço das
presente na maior parte dos materiais terrestres, tanto em amostras, procurando identificar assinaturas específicas de
baixas (elementos-traço) quanto altas concentrações. Com cada localidade. Esse procedimento permitiu a obtenção de
isso, é possível determinar sua razão isotópica numa gama espectros com baixo custo e muita rapidez, possibilitando,
imensa de materiais, razão pela qual ela pode ser utilizada assim, o uso do procedimento em análises rotineiras. Os autores
como um importante parâmetro de origem ou adulteração. enfatizam ainda que a metodologia proposta não tem intenção
Vale destacar que, entre esses elementos, há os que ocorrem de oferecer análises quantitativas, mas, sim, apresentar padrões
tanto em altas concentrações (nível percentual) quanto em de distribuição de elementos-traço nas amostras analisadas.
baixas concentrações (de parte por milhão – ppm a parte Consideramos que a proposta sugerida pode
por trilhão – ppt). Há ainda elementos que são voláteis ser de grande valia para a identificação de amostras de
ou refratários, participam ou não de processos biológicos, ouro. Ressaltamos ainda que o procedimento poderia
e podem ser dependentes de reações de óxido-redução ser aperfeiçoado com a inclusão de análises isotópicas,
(Weiss et al. 2008, Teng et. al. 2017, Dauphas et al. 2017). introduzindo novos parâmetro além da distribuição
Mesmo em baixas concentrações, é possível determinar elementar. Conforme já destacado, as variações isotópicas
assinaturas isotópicas com erros aceitáveis que distinguem tendem a ser menos alteradas durante os processos de
diferentes materiais. Portanto, a obtenção de assinatura purificação do metal, tornando-se, assim, uma ferramenta
isotópica de vários desses elementos pode se transformar de fingerprinting mais robusta.
numa ferramenta extremamente robusta, comparável ao Mais recentemente duas publicações abordam a
que foi desenvolvido com os estudos do DNA. utilização de elementos-traço e isótopos para identificar ouro
A determinação das razões isotópicas dos isótopos ilícito (Dixon and Merkle, 2019; Roberts et al., 2016). Robert
não tradicionais pode ser uma operação relativamente e colaboradores desenvolvem um trabalho sobre a distinção
complexa, a depender de suas características químicas. entre ouro legal e ilegal na África do Sul. Os autores relatam
Nesse sentido, é importante enfatizar os avanços nas que a discriminação entre esses dois tipos de ouro pode ser
técnicas analíticas. Atualmente, com a combinação entre o realizada em função da presença dos elementos chumbo,
sistema laser e o espectrômetro de massa, é possível medir arsênio, antimônio, estanho, selênio e telúrio. Nesse estudo,
as variações isotópicas com alta resolução espacial (pontos eles comparam a composição química de amostras suspeitas
com 10 micrometros de diâmetro), rapidez e precisão. com amostras de origem conhecida, como ligas, joias e barras

62 Santos et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

de ouro. Utilizando diagramas ternários discriminantes, II. Fauna e tráfico silvestres: peixes na Amazônia
os autores mostram ser possível discriminar os 4 tipos de A Amazônia brasileira é uma das áreas com maior
amostras. O estudo de Dixon e colaboradores apresenta dados biodiversidade do nosso planeta. A região está no centro das
geoquímicos sobre ouro ilícito da América do Sul (Figura 2). discussões ambientais da atualidade, particularmente com
relação ao tráfico de animais silvestres e a exploração ilegal de
recursos madeireiros. Estudos recentes mostram que os rios
amazônicos possuem uma variação significativa na composição
isotópica de estrôncio (Palmer and Edmond, 1992; Santos et
al., 2015), o que torna os isótopos desse elemento um traçador
geográfico para a fauna e flora aquática (Duponchelle et al.,
2016; Hauser et al., 2019; Pouilly et al., 2014). Em outras
palavras, é possível utilizar a composição isotópica de peixes
da Amazônia para identificar seu rio de origem, uma vez que
esses organismos adquirem a mesma composição isotópica de
estrôncio do trecho do rio onde vivem (Figura 3).

Figura 2: Distribuição de elementos-traço em amostras de ouro da América do Sul


mostrando diferenças entre amostras de ouro de áreas conhecidas e de material
suspeito (Dixon e Merkle, 2019).

Os autores argumentam que a composição química


do ouro depende tanto de fatores geológicos, ou seja, da
origem do metal, quanto dos métodos de processamento e
purificação. Enquanto o processamento realizado por grandes
empresas se utiliza de carvão ativado, o processamento da
pequena mineração e garimpos é baseado essencialmente em
amalgamação e, mais raramente, por fusão com chumbo (fire
assay). Considerando que os processos de purificação têm
por objetivo eliminar qualquer contaminante, é importante Figura 3: Diagrama de Pouilly et al. (2014) mostrando que a composição isotópica
de peixes da Amazônia (Hoplias malabaricus e Schizodon fasciatus) é idêntica à
enfatizar que o beneficiamento progressivo do ouro reduz composição isotópica do trecho do rio onde foram capturados.
drasticamente a concentração de elementos-traço, passíveis de
serem utilizados como identificadores de origem. Conforme demonstrado em estudos de Santos e
A utilização de dados isotópicos pode fortalecer colaboradores (2015) e de Palmer e Edmond (1992), os rios
significativamente a abordagem apresentada pelos autores. que drenam terrenos geológicos cristalinos, como os rios
É importante enfatizar que, embora a purificação do ouro Negro e Tapajós, possuem razões isotópicas de 87Sr/86Sr
diminua a concentração dos elementos-traço, inclusive mais altas. Isso ocorre, pois as cabeceiras desses rios drenam
alterando a distribuição entre eles, esse processo não é capaz de rochas antigas, constituídas por granitos e gnaisses que,
alterar as composições isotópicas de determinados elementos. geologicamente, também possuem altas razões isotópicas de
Isso implica que seria possível a obtenção de uma assinatura 87
Sr/86Sr. Por outro lado, o Rio Solimões apresenta baixas
isotópica relacionada à origem e processamento do metal, razões isotópicas desse elemento, pois drena rochas muito
independentemente dos processos de purificação.

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 63
Fronteiras em Ciências Forenses

jovens associadas à evolução da cadeia dos Andes. Entre esses dois extremos, posiciona-se o Rio Madeira, que possui valores
isotópicos de estrôncio intermediários.
A combinação das composições isotópicas de estrôncio e carbono é uma ferramenta robusta para caracterizar a origem
de peixe na Amazônia, particularmente aquelas espécies sujeitas à pesca ilegal. É o caso, por exemplo, do pirarucu, conforme
mostra estudo de Pereira e colaboradores (Pereira et al., 2019). Os autores mostram que a composição isotópica de estrôncio
está relacionada ao rio onde o peixe viveu, enquanto a composição isotópica de carbono está relacionada a sua alimentação
(Figura 4).

Figura 4: Relação entre a composição isotópica de C e Sr para Arapaima spp. (pirarucu) de rios da Amazônia. Nesse estudo, Pereira e
colaboradores (2019) utilizaram a combinação desses isótopos para identificar espécimes de cativeiro e de ambiente natural.

Por exemplo, peixes de cativeiro são alimentados III. Águas Minerais e subterrâneas
com ração produzida a partir de plantas C4, como o milho, Montgomery et al. (2006) utilizaram isótopos Sr em águas
que possui razões isotópicas 13C/12C mais alta do que a minerais para identificar sua origem. Os autores mostram que,
alimentação de ambiente natural. Dessa forma, combinando- na Grã-Bretanha, as assinaturas isotópicas de Sr em águas
se esses isótopos, é possível distinguir entre espécimes de minerais podem ser utilizadas para identificar fraudes e servir
pirarucus criados em ambiente de cativeiro e de ambiente de como base para distribuição espacial de assinaturas isotópicas
vida livre. de Sr biodisponível. Eles demonstraram que as águas minerais
É importante ressaltar que, à semelhança do pirarucu, da Grã-Bretanha possuem razões de Sr entre 0,7059 e 0,7200 e
o procedimento acima poderia ser amplamente aplicado para que refletem a idade e a geologia dos aquíferos que armazenam
a identificação da origem de outros seres vivos da Amazônia. essas águas.
Além dos isótopos de estrôncio e de carbono, poderiam ser Um estudo piloto, publicado por Bullen e Walcyzc
incluídos também os isótopos de outros elementos como (2009), com isótopos de cromo, foi realizado em amostras
nitrogênio, hidrogênio, enxofre, cobre, zinco, chumbo, dentre de águas contaminadas com cromo hexavalente na região
outros. Essa estratégia, associada ao mapeamento das variações de Hinkley, Califórnia. Esse caso se tornou famoso no filme
geográficas dos isótopos desses elementos, tem o potencial “Erin Brockovich” e forneceu um exemplo da aplicação de
de se tornar uma ferramenta robusta e poderosa de auxílio à isótopos de cromo no artigo publicado pelos referidos autores.
perícia criminal. De 1952 a 1966, a água com cromo hexavalente, da torre de

64 Santos et al., 2020


Perícia Federal
Fronteiras em Ciências Forenses

resfriamento dos compressores utilizados na extração de gás, os suspeitos. Porém, o fato de as munições apresentarem
vazou e infiltrou no aquífero da região. A pluma contaminada diferentes selos de fabricantes, contudo, assinaturas isotópicas
migrou por mais de 3km, a partir da fonte de contaminação, semelhantes, indicaram que elas foram recarregas com material
deixando vários moradores da região doentes (câncer). Para da mesma origem. Isso foi confirmado pela observação feita
o estudo piloto, foram analisados os isótopos de cromo de pelo perito em armas de fogo, constatando que as munições
20 amostras de água subterrânea da região. Os resultados estavam deformadas por disparos anteriores.
mostraram que as assinaturas de cromo na água subterrânea Tipple et al. (2013) utilizaram extração por lixiviação
local eram bem diferentes das águas naturais e que as amostras para separar a razão isotópica de Sr de partes interna e externa
da pluma mostravam diferentes graus de contaminação. Além de fios de cabelos. Essa técnica mostrou grande potencial de
disso, com base em dados existentes, foi possível determinar separação do Sr exógeno, como poeira presente no local onde o
que as assinaturas isotópicas da pluma não eram condizentes indivíduo habita, do endógeno, relacionado ao que o indivíduo
com uma possível reação de redução biótica ou abiótica, ingere (Sr da dieta).
possibilitando a distinção entre a fonte antrópica e a fonte
natural.
Isótopos de cloro, associados a isótopos de carbono, CONSIDERAÇÕES FINAIS
têm sido utilizados em análises isotópicas de compostos
específicos (CSIA - sigla em inglês), aplicadas à identificação O uso de isótopos radiogênicos e não tradicionais em ciência
de fontes de contaminação por compostos orgânicos forense tem ganhado espaço nos últimos anos e aparece como
(Warmerdam et al., 1995; Hunkeler et al., 2011). Além da uma ferramenta eficaz, robusta e de contínua evolução. A
origem da contaminação, isótopos de C e Cl têm sido utilizados grande maioria dos trabalhos sobre o assunto indica que essa
para monitorar e avaliar a degradação natural de contaminantes ferramenta tem seu potencial maximizado quando utilizada
organoclorados. Durante os processos de degradação, podem juntamente com outras ferramentas de investigação. Como se
ocorrer a redução ou oxidação dos contaminantes, o que irá se trata de avanços recentes na ciência, é uma nova fronteira a ser
refletir em fracionamento isotópico dos elementos C e Cl, que explorada.
ficará registrado na assinatura isotópica deles. Assim, a história
do fracionamento, desde a origem da contaminação, até seu
destino, fica registrada nas assinaturas isotópicas e ajuda tanto REFERÊNCIAS
a rastrear a fonte de contaminação, quanto monitorar sua BIBLIOGRÁFICAS
remediação.
Aggarwal, J., Habicht-Mauche, J. and Juarez, C. (2008)
Application of heavy stable isotopes in forensic isotope
IV. Quadros, Munições e Cabelo geochemistry: A review. Applied Geochemistry 23, 2658-
Isótopos de chumbo (Pb) vêm sendo utilizados para 2666.
autentificação de quadros a partir de um método microinvasivo
e microdestrutivo (D’Imporzano et al., 2020). Esses autores
Albarede, F., Telouk, P., Balter, V., Bondanese, V.P., Albalat,
analisam materiais das pinturas com o objetivo de diferenciar
pigmentos brancos, utilizados em camadas distintas de um E., Oger, P., Bonaventura, P., Miossec, P. and Fujii, T.
quadro, utilizando as diferentes assinaturas isotópicas de Pb (2016) Medical applications of Cu, Zn, and S isotope
de cada tinta branca utilizada. effects. Metallomics 8, 1056-1070.
Stupian et al. (2001), mostraram, utilizando isótopos
de Pb e análise de elementos-traço, a origem de munições Bowen, G.J. (2010) Isoscapes: Spatial Pattern in Isotopic
encontradas com suspeitos de dois casos de homicídio. Os Biogeochemistry. Annual Review of Earth and Planetary
resultados mostraram que os projéteis que mataram as vítimas Sciences 38, 161-187.
não possuíam a mesma origem daqueles apreendidos com

Fronteiras em Ciências Forenses -Perícia


Ano1 -Federal
Vol. 01 65
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68 Fronteiras
Perícia Federal
em Ciências Forenses - N.01 - Vol.01
Perícia Federal 69
FUTURO
DA PERÍCIA
Foto: André Zímmerer

Somos campeões mundiais no concurso “DNA - Hit of the Year 2020”! O Brasil, representado pela perícia criminal
federal, recebeu a honrosa premiação no final de junho de 2020. O prêmio é dedicado anualmente a um caso
emblemático de uso dos bancos de dados de DNA para a resolução e prevenção de crimes1. O título, inédito
para a nação, reforça a importância da retroalimentação realizada por meio da correlação dos dados analisados
pela perícia criminal, para uma maior efetividade das investigações e de todo o sistema do processo penal. Nes-
te contexto, a Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal está envidando esforços para a concretização de
um grande projeto que fará com que a perícia criminal federal dê um salto tecnológico na sua metodologia de
trabalho, atuando de forma mais eficaz, eficiente e efetiva para com os clientes dos laudos de perícia criminal e
trazendo, para a sociedade, maior robustez para que se faça justiça; seja materializando o crime e identificando
os criminosos, seja inocentando pessoas erroneamente acusadas.
A perícia criminal, por sua natureza atrelada às ciências, sempre caminhou lado a lado com a evolução
científica e tecnológica. Um material que há vinte anos era analisado apenas com um microscópio padrão, hoje
é examinado com um microscópio eletrônico de varredura que, explicando de forma simplificada, permite a
análise da composição atômica e do aspecto da superfície do material, com imagens de aparência tridimensio-
nal. Da mesma forma, o exame de dados em um computador, que podia ser feito manual e visualmente, hoje
depende de ferramentas e sistemas avançados que permitam, com tempestividade e qualidade, a análise de
volumes que chegam a petabytes.

70 Perícia Federal
FUTURO DA PERÍCIA
Márcia Aiko Tsunoda e Bruno Werneck Pinto Hoelz

GESTÃO DA PERÍCIA fraestrutura e o parque tec- expresso, que a coleta de vestígios deverá
A Diretoria Técnico-Científica da nológico ser realizada preferencialmente por perito
Polícia Federal, por meio do Instituto Na- • Fortalecer e integrar os sistemas oficial, bem como é necessário seu enca-
cional de Criminalística, sempre buscou a informatizados de gestão, análise minhamento à central de custódia (art.
atualização tecnológica para que todos os de dados e suporte à perícia 158-C, caput, do CPP). Importante ainda
peritos criminais federais, atuando Brasil No ano de 2018, sob coordena- destacar que todos os vestígios coletados,
afora, trabalhem em condições de exce- ção do Instituto Nacional de Criminalística, tanto em sede de inquérito policial quanto
lência científica e metodológica. foram realizadas dezenas de reuniões pre- de processo penal, deverão obrigatoria-
É importante ressaltar, neste pon- senciais com os peritos criminais federais mente ser remetidos à central de custódia
to, alguns itens constantes no Mapa Es- que atuam nos Serviços e Setores especia- (art. 158-C, § 1º, do CPP), existente neces-
tratégico da Perícia Criminal Federal2, que lizados nas áreas de atuação forense. O ob- sariamente em cada Instituto de Crimina-
norteiam a gestão da perícia da Polícia Fe- jetivo foi obter um diagnóstico dos maio- lística e com gestão vinculada diretamente
deral: res desafios e oportunidades de melhoria ao órgão central de perícia oficial de natu-
no âmbito da perícia criminal federal. reza criminal (art. 158-E do CPP).
1. A perícia criminal federal tem como mis- No referido diagnóstico foram Com a referida alteração legis-
são: “Atuar em prol da justiça e dos direitos identificadas várias oportunidades de lativa, recaíram sobre a Diretoria Técnico-
humanos, com a produção de prova mate- melhoria, destacando-se entre elas algo -Científica, enquanto órgão central de pe-
rial científica isenta e de qualidade”; em comum: envolviam, em sua maioria, rícia oficial de natureza criminal da Polícia
evolução tecnológica. Observou-se então Federal, novas e grandes responsabilida-
2. Tem como visão: “Tornar-se referência que seria necessário buscar apoio externo, des. As exigências do CPP trouxeram ainda
mundial na aplicação e no desenvolvimen- especializado, para a realização dos estu- maior ênfase à necessidade de aprimora-
to das Ciências Forenses”; dos necessários e para a execução das me- mento dos processos periciais e de arma-
lhorias propostas, a fim de efetivamente zenamento de vestígios, inclusive os digi-
3. Possui como valores: proporcionar a evolução vislumbrada, que tais, reforçando a importância da evolução
• Compromisso com a verdade traria maior rapidez na entrega e melhor tecnológica vislumbrada no diagnóstico
• Conhecimento e qualidade qualidade nos laudos de perícia criminal descrito.
• Ética e probidade federal.
• Legalidade e imparcialidade
• Respeito aos direitos humanos PARCERIA COM
CENTRAL DE CUSTÓDIA UNIVERSIDADES
4. Tem como alguns de seus objetivos es- DE VESTÍGIOS Historicamente, devido à sua
tratégicos: Em dezembro de 2019 foi publi- proximidade com o estado da arte das ci-
• Entregar resultados tempestivos, cada a Lei nº 13.964/2019, que aperfeiçoa ências, em todo o mundo são efetivadas
imparciais e cientificamente em- a legislação penal e processual penal. A parcerias entre a perícia criminal e as Uni-
basados à Justiça modernização do Código de Processo Pe- versidades, de forma que soluções sejam
• Fortalecer e disseminar a cadeia nal trouxe a definição explícita de vestígio buscadas em conjunto: a perícia possui
de custódia de provas e de centrais de custódia. Foram incluídas problemas científicos a serem resolvidos, e
• Manter-se na vanguarda do co- alterações que visam garantir a adequa- as Universidades possuem pesquisadores
nhecimento científico aplicado da cadeia de custódia a todo vestígio de ávidos por problemas práticos e instigan-
às Ciências Forenses crime, estendendo tal garantia a qualquer tes a serem solucionados.
• Implementar sistemas de ges- elemento que possa ter potencial inte- Na Polícia Federal, uma das Uni-
tão da qualidade nos laborató- resse para a produção da prova pericial, versidades com a qual este tipo de integra-
rios periciais independentemente do local em que ele ção tem trazido bons frutos é a Universida-
• Monitorar a efetividade do laudo tenha sido coletado ou do agente público de de Brasília. Devido à proximidade física
pericial criminal que o coletou – dispositivo que pretende, com o órgão central de perícia da Polícia
• Promover a gestão do conhe- portanto, assegurar a integridade dos ele- Federal e pelo histórico de projetos exito-
cimento mentos probatórios. sos, buscou-se então elaborar um projeto
• Gerenciar, manter e atualizar a in- A lei estabelece ainda, de modo para que, com o apoio das mãos e men

Perícia Federal 71
FUTURO DA PERÍCIA
Márcia Aiko Tsunoda e Bruno Werneck Pinto Hoelz

tes da UnB, fosse possível buscar soluções 2. Concepção de Modelo de Arquitetura um aplicativo para dispositivo móvel e o
para alguns dos desafios e oportunidades Tecnológica para Análise Estatística da Cri- correspondente centro de configurações,
destacados no diagnóstico realizado. minalística: trata-se de proposição de mo- dando suporte ao perito criminal federal
Apesar de a assinatura do Ter- delo de arquitetura com base na análise na modelagem, preparação e execução de
mo de Execução Descentralizada ter sido dos ambientes de operação dos sistemas determinados exames, com suporte à co-
efetivada somente em março de 2020, no SisCrim e InteliGeo, de modo a se pesquisar leta, à análise dos dados e à confecção dos
período em que se buscava a formalização um direcionamento futuro para evoluções, laudos. Tal aplicativo tem o objetivo de,
do mesmo, várias iniciativas de desenvol- no sentido de viabilizar análises estatísticas após prototipação e validação, servir como
vimento de protótipos foram executadas, de interesse da criminalística da Polícia Fe- sistema de apoio pericial móvel.
de forma que podem agora subsidiar, deral. A pesquisa busca inovar por meio do
como provas de conceito, o trabalho a ser uso de técnicas de mineração dos dados 6. Estudo de Funcionalidades de Suporte
realizado pelos pesquisadores e alunos da de forma e conteúdo de documentos da à Exames Periciais Colaborativas, Recon-
Universidade. Alguns exemplos são a utili- criminalística, composição, agrupamento, figuráveis e Reutilizáveis: a partir do ma-
zação de inteligência artificial, por meio de classificação e outras formas de raciocínio, peamento e da otimização dos processos
técnicas de aprendizado supervisionado de modo a permitir o registro e a visualiza- periciais, a meta é especificar um conjunto
de máquina; o estudo da efetividade dos ção de linhas de tempo de evento corre- mínimo de funcionalidades, módulos de
laudos de perícia criminal federal; a auto- latos periciais, distribuição geolocalizada, software, bases de dados para compor um
mação de exames periciais, com coleta de descoberta de entidades e objetos, carac- repositório de ferramentas à disposição
dados técnicos e estruturação do laudo; e terizações de volumes e intensidades, cor-
um protótipo de aplicativo para celulares dos peritos criminais federais, auxiliando a
relações entre documentos produzidos e análise crítica de grande volume de dados
flexível, que apoia desde o exame pericial normativos, bem como outros fatores de
em veículos até o processo de amostra- relacionados aos vestígios.
interesse para exames periciais.
gem de materiais recebidos para exame
de genética forense. 7. Prototipação de um Sistema de Aprendi-
3. Análise da Maturidade e Estruturação
zado Supervisionado de Máquina para Au-
Tecnológica da Gestão da Qualidade da
xílio Pericial e de Gestão da Criminalística: a
Perícia Criminal Federal: acompanhan-
PESQUISA APLICADA do a tendência de transformação digital,
meta é desenvolver um protótipo que rea-
EM INOVAÇÕES busca-se aportar inovações ao processo
lize aquisições de dados públicos em nível
TECNOLÓGICAS pericial com base no uso das normas ISO
federal para dar suporte ao perito criminal
O objetivo principal do projeto da federal na modelagem, preparação e exe-
9001:2015 Quality management systems
DITEC com a Universidade de Brasília em cução de atividades forenses, utilizando
– Requirements e ISO/IEC 17025:2017 Ge-
andamento é aplicar e integrar inovações técnicas de aprendizado supervisionado.
neral requirements for the competence of
tecnológicas aos exames e processos peri-
testing and calibration laboratories.
ciais, de forma a melhorar cada vez mais a 8. Metodologia de Estimação do Impacto
qualidade e celeridade do trabalho realiza- das Inovações Tecnológicas sobre a Perícia
4. Estudo de Caso sobre a Aplicabilidade
do pelos peritos. A duração do projeto é Criminal da Polícia Federal: consideran-
dos Resultados do Laudo Pericial: conside-
de dois anos, e as metas a serem aten- do as inovações recentes na atividade da
rando uma amostra de dados de deman-
didas são listadas e brevemente expli- Perícia Criminal Federal, faz-se necessário
das atendidas na totalidade, ou seja, pro-
cadas a seguir: avaliar os impactos do desenvolvimento
cessos transitados em julgado, a pesquisa
objetiva a mineração de dados acerca dos e introdução de novas tecnologias sobre
1. Execução do projeto: controle do anda-
resultados e da contribuição dos exames a atividade de Perícia Criminal Federal,
mento do projeto, em conformidade com
periciais no processo penal. Assim, procu- quantificando a melhoria obtida com o in-
as melhores práticas e visando à transpa-
ra-se esclarecer a questão sobre qualida- vestimento nas inovações aplicadas.
rência na aplicação dos recursos. Prospec-
ção de formas de divulgação científica e de e efetividade dos exames periciais por
realização de publicações pelos partícipes meio de análise de grafos. É importante destacar que há
de resultados metodológicos do proje- grande integração e interdependência en-
to, conforme regras de sigilo das infor- 5. Prototipação de um Aplicativo Móvel tre as metas do projeto. O diagrama a se-
mações pertinentes. de Suporte à Perícia: a meta é desenvolver guir ilustra essa correlação.

72 Perícia Federal
FUTURO DA PERÍCIA
Márcia Aiko Tsunoda e Bruno Werneck Pinto Hoelz

Um dos maiores desafios do projeto, do tenção de métricas e estatísticas sempre


qual dependem várias metas, é o levanta- atualizadas sobre a atuação da perícia.
mento e especificação de dados técnicos A consolidação desses dados
de objetos de exame e procedimentos pe- também permitirá o compartilhamen-
riciais que passarão a ser estruturados, de to entre peritos e órgãos de perícia, bem
forma a permitir tanto a automatização de como a produção de conhecimento para
processos quanto a geração de relatórios, NOTAS
orientar ações da Polícia Federal e a divul-
estatísticas e informações de gestão. Para
gação de dados abertos à população so- 1
http://www.pf.gov.br/
realizar esse trabalho, será imprescindível a
bre a atuação da perícia criminal federal. imprensa/noticias/2020/06-
participação da maior quantidade possível
Sob a coordenação do Núcleo de noticias-de-junho-de-2020/
de peritos criminais federais especialistas policia-federal-recebe-premio-
Gestão Estratégica da Diretoria Técnico-
em cada tipo de exame. internacional-por-identificacao-dos-
-Científica da Polícia Federal, o projeto de
autores-de-roubo-cinematografico
evolução tecnológica da perícia criminal
REDE INTEGRADA federal almeja ser um primeiro passo para 2
Portaria nº 753/2019 – DITEC/PF,
DE DADOS PERICIAIS que no futuro, à semelhança do Banco Na- publicada no AS nº 024, de 17/06/2019
No longo prazo, os dados técni- cional de Perfis Genéticos, todos os vestí- - DITEC/PF
cos coletados em laboratório e em campo gios examinados pelos peritos criminais
permitirão o estabelecimento de uma rede do Brasil possam ser correlacionados
integrada de dados periciais, alimentando para retroalimentar as investigações cri-
em tempo real os sistemas de gestão e minais e melhorar a efetividade do pro-
controle de qualidade e permitindo a ob- cesso penal brasileiro.

Perícia Federal 73
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

Em investigação criminal, a de abordagem do local e documentação.


avaliação do local de crime é o berço da É necessário que haja técnicas bem
criminalística. É por meio da avaliação dos estabelecidas para que os fatos possam
rastros deixados pelo autor/vítima que ser reconstruídos de maneira fidedigna.
a Criminalística se concretiza por meio A reconstrução dos fatos, por meio do
do exame do corpo de delito. Gerenciar processamento da cena de crime, deve
uma cena de crime é uma tarefa que ser capaz de trazer os interessados ao
requer técnica e experiência. É a partir do momento de ação, independentemente
processamento adequado dos vestígios da passagem do tempo. Dessa maneira,
materiais e imateriais que se constrói a todo vestígio deve ser adequadamente
coerência da narrativa dos fatos. Qualquer documentado “do berço ao túmulo”, ou
deslize pode afetar a interpretação seja, desde sua origem, do momento em
da dinâmica criminosa, bem como a que é identificado (na cena do crime, por
identificação de autoria.1 Dessa forma, exemplo) até o seu destino final. A esse
o procedimento de investigação não procedimento dá-se o nome de Cadeia de
pode ser feito sem critérios adequados Custódia.

74 Perícia Federal
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

No Brasil, os procedimentos vestígios será indispensável o encontram-se reunidos na lei elementos


relacionados ao gerenciamento de exame de corpo de delito, direto que eram anteriormente indicados apenas
vestígios ficavam a cargo dos órgãos ou indireto, não podendo supri-lo pela literatura. 1–4
de investigação, sem haver exatamente a confissão do acusado. Art. 158-A. Considera-se cadeia
uma padronização e uma determinação Parágrafo único. Dar-se-á de custódia o conjunto de todos
legal. Definições e questionamentos prioridade à realização do exame os procedimentos utilizados
relacionados à cadeia de custódia ficavam de corpo de delito quando se para manter e documentar a
essencialmente a cargo da doutrina e da tratar de crime que envolva: história cronológica do vestígio
jurisprudência. Em dezembro de 2019, a Lei I - violência doméstica e familiar coletado em locais ou em vítimas
nº 13.964 inseriu uma série de dispositivos contra mulher; de crimes, para rastrear sua
legais no Código de Processo Penal II - violência contra criança, posse e manuseio a partir de seu
(CPP) que teve por objetivo normatizar adolescente, idoso ou pessoa reconhecimento até o descarte.
os elementos relacionados à cadeia de com deficiência. § 1º O início da cadeia de custódia
custódia. Essa lei, também conhecida dá-se com a preservação do local
como pacote anticrime, modificou o O exame de corpo de delito é de de crime ou com procedimentos
nome do Capítulo II do Título VII do CPP extrema importância, sendo que o CPP policiais ou periciais nos quais
(Da Prova), que passou a se chamar: DO prevê nulidade processual, caso haja algum seja detectada a existência de
EXAME DE CORPO DE DELITO, DA CADEIA descompasso em seu procedimento, vestígio.
DE CUSTÓDIA E DAS PERÍCIAS EM GERAL. o que pode causar incertezas sobre o § 2º O agente público que
Dentro desse capítulo, temos a inserção esclarecimento da infração: reconhecer um elemento como
dos arts. 158-A a 158-F, que trouxeram Art. 564. A nulidade ocorrerá nos de potencial interesse para a
desde a definição legal de cadeia de seguintes casos: produção da prova pericial fica
custódia até uma série de diretrizes para I - por incompetência, suspeição responsável por sua preservação.
manuseio, armazenamento e descarte de ou suborno do juiz; § 3º Vestígio é todo objeto ou
vestígios. Neste artigo, iremos tratar dos II - por ilegitimidade de parte; material bruto, visível ou latente,
aspectos mais importantes relacionados a III - por falta das fórmulas ou dos constatado ou recolhido, que se
essas mudanças. termos seguintes: relaciona à infração penal.

Definição legal e a) a denúncia ou a queixa e a


representação e, nos processos
De acordo com o parágrafo 1º,
o início da cadeia de custódia pode se
etapas da Cadeia de contravenções penais, a dar quando da preservação do local ou

de Custódia portaria ou o auto de prisão em


flagrante;
com procedimentos policiais ou periciais.
Essa previsibilidade já estava de acordo
O art. 158 do CPP é bem b) o exame do corpo de delito com o art. 6º do próprio CPP, que atribui
conhecido no meio pericial. Ele é o primeiro nos crimes que deixam vestígios, à autoridade policial o dever de garantir
artigo dentro da disciplina modificada pela ressalvado o disposto no Art. 167 que não se altere o estado das coisas no
Lei nº 13.964/2019. Em 2018, a Lei nº 13.721 local da infração penal até a chegada dos
já havia feito modificações do sentido de A fim de organizar melhor os peritos criminais. Em seguida, o parágrafo
priorizar o exame de corpo de delito para caminhos relacionados ao exame de 2º versa sobre o reconhecimento da
vítimas com maior vulnerabilidade como corpo de delito, o pacote anticrime inseriu potencialidade de um elemento como
mulheres, crianças, adolescentes, idosos e o art. 158-A, que traz a definição normativa prova. Nesse caso, o CPP confere ao agente
deficientes. Assim, temos: da cadeia de custódia. Nesse tópico, público essa responsabilidade,
Art. 158. Quando a infração deixar

Perícia Federal 75
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

sem identificar exatamente quem é esse para poder discernir sobre a natureza do
agente. No entanto, esse dispositivo vestígio e sua importância para esclarecer
indica que a responsabilidade sobre a os detalhes da infração penal, por meio de
preservação é ampliada, uma vez que procedimento sistematizado. Nesse ponto,
o reconhecimento de um elemento as mudanças no CPP também inserem no
como potencial prova é essencial para art. 158-B as etapas necessárias para que
que a prova pericial seja íntegra. Temos, a cadeia de custódia possa ser garantida
portanto, o reconhecimento legal sobre de maneira a fidelizar o gerenciamento
o fato de que é a partir da cena de crime de local de crime. Acreditamos que esse
que se retira o material a ser submetido à dispositivo apresenta os passos mínimos
posterior análise. Assim, o agente público e mandatórios para o rastreamento de
indicado para as funções previstas no vestígios. No entanto, eventuais etapas
parágrafo 2º deve ter consciência de adicionais podem existir no sentido
sua responsabilidade, sendo, ainda, de conferir mais segurança sobre as
indispensável treinamento específico informações relacionadas ao caminho de
no que diz respeito às boas práticas cada vestígio dentro da investigação.
relacionadas a esse tópico. Ressaltamos, Art. 158-B. A cadeia de custódia
ainda, que o profissional da perícia seria compreende o rastreamento do
o agente público mais adequado a essa vestígio nas seguintes etapas:
função, uma vez que já é conhecedor I - reconhecimento: ato de
do assunto e integrado às práticas de distinguir um elemento como
preservação e gerenciamento de local.5,6 de potencial interesse para a
Sobre as mudanças ditadas pelo produção da prova pericial;
pacote anticrime, acreditamos que a II - isolamento: ato de evitar que
definição de vestígio feita no parágrafo 3º se altere o estado das coisas,
seja passível de diferentes interpretações. devendo isolar e preservar o
O conceito insculpido nesse parágrafo, ambiente imediato, mediato e
em um primeiro momento, não considera relacionado aos vestígios e local
o vestígio de forma ampla, inserindo a de crime;
necessidade de que este tenha elo com III - fixação: descrição detalhada
a infração penal. Antes da Lei, essa leitura do vestígio conforme se encontra
era associada ao conceito doutrinário de no local de crime ou no corpo de
evidência. 7,8 delito, e a sua posição na área de
É importante destacar que exames, podendo ser ilustrada
quando não consideramos o vestígio de por fotografias, filmagens ou
maneira abrangente estamos de alguma croqui, sendo indispensável
forma negligenciando o princípio de a sua descrição no laudo
Locard, um dos pilares da criminalística pericial produzido pelo perito
e indispensável para a construção das responsável pelo atendimento;
práticas periciais. 1,911 Entendemos, IV - coleta: ato de recolher o
por outro lado, a possível inviabilidade vestígio que será submetido à
de se avaliar todo e qualquer material análise pericial, respeitando suas
encontrado na cena de crime, sob características e natureza.
prejuízo de ter atrasos não desejáveis na V - acondicionamento:
investigação.12 É exatamente por esse procedimento por meio do qual
motivo que, novamente, reforçamos cada vestígio coletado é embalado
que o perito seria o agente público mais de forma individualizada, de
indicado para o processamento da cena acordo com suas características
do crime, pois é esse profissional que tem físicas, químicas e biológicas,
treinamento suficientemente científico para posterior análise, com

76 Perícia Federal
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

anotação da data, hora e nome Novamente, o inciso I fala do encaminhamento necessário


de quem realizou a coleta e o reconhecimento sobre a potencialidade para a central de custódia, mesmo
acondicionamento; de um elemento para a investigação, o que quando for necessária a realização
VI - transporte: ato de transferir reforça o fato que isso deve ser feito por de exames complementares.
o vestígio de um local para o profissional capacitado cientificamente, § 1º Todos vestígios coletados no
outro, utilizando as condições ou seja, o perito criminal. Essa etapa é decurso do inquérito ou processo
adequadas (embalagens, veículos, crucial para que não sejam negligenciadas devem ser tratados como descrito
temperatura, entre outras), de informações importantes para exames nesta Lei, ficando órgão central
modo a garantir a manutenção posteriores. de perícia oficial de natureza
de suas características originais, No inciso II temos a etapa de criminal responsável por detalhar
bem como o controle de sua isolamento, que deve levar em consideração a forma do seu cumprimento.
posse; não apenas o local imediato dos fatos, § 2º É proibida a entrada em locais
VII - recebimento: ato formal mas também os que são mediatos (áreas isolados bem como a remoção
de transferência da posse subjacentes) e relacionados (onde há de quaisquer vestígios de locais
do vestígio, que deve ser elementos que tenham ligação com a de crime antes da liberação por
documentado com, no mínimo, infração que está sendo investigada).2,3,13 parte do perito responsável,
informações referentes ao A etapa de fixação, prevista pelo sendo tipificada como fraude
número de procedimento e inciso III, era anteriormente citada pela processual a sua realização.
unidade de polícia judiciária doutrina de Local de Crime como etapa de
relacionada, local de origem, Documentação. Nesse caso, o profissional No nosso entender, a etapa de
nome de quem transportou o deve ter treinamento especializado em coleta deve ser cumprida tão somente
vestígio, código de rastreamento, técnicas que envolvam busca e registro pelo perito oficial, resguardadas apenas
natureza do exame, tipo do de vestígios, conforme amplamente as situações previstas pelo parágrafo
vestígio, protocolo, assinatura e descrito na bibliografia específica 1º do art. 159 do CPP, o qual prevê que
identificação de quem o recebeu; sobre o tema. 1,13,14 duas pessoas idôneas podem realizar
VIII - processamento: exame Os incisos de IV a VII apresentam a perícia, caso não haja perito oficial. É
pericial em si, manipulação indicações para o manuseio de vestígios, importante que a pessoa que dê início ao
do vestígio de acordo com que envolvem coleta, acondicionamento, manuseio dos vestígios, tenha técnica e
a metodologia adequada às transporte e recebimento. Essa etapa deve conhecimento científico adequados a fim
suas características biológicas, obedecer a todos os requisitos para que de evitar nulidades.4
físicas e químicas, a fim de se não haja qualquer tipo de inconsistência
obter o resultado desejado, que de documentação e nem contaminação,
deverá ser formalizado em laudo evitando que esses problemas possam Acondicionamento
produzido por perito;
IX - armazenamento:
influenciar a posterior análise prevista
na etapa de processamento, indicada e Central de
procedimento referente pelo inciso VIII. Custódia
à guarda, em condições Os incisos IX e X versam sobre O art. 158-D indica procedimentos
adequadas, do material a ser armazenamento e descarte, que serão para o acondicionamento de vestígios, que
processado, guardado para comentados adiante. deve levar em consideração a natureza
realização de contraperícia, Sobre a coleta, as alterações do material. Nesse caso, os responsáveis
descartado ou transportado, com acrescentam um dispositivo específico em pela coleta devem ter conhecimento
vinculação ao número do laudo que dão indicações sobre responsabilidade sobre a especificidade de cada vestígio
correspondente; e guarda dos vestígios que interessem à a fim de escolher qual é a melhor forma
X - descarte: procedimento investigação. O caput fala que essa etapa de armazená-los para preservar suas
referente à liberação do vestígio, deve ser preferencialmente feita pelo propriedades físico-químicas e evitar
respeitando a legislação vigente perito oficial. qualquer contaminação. Além disso,
e, quando pertinente, mediante Art. 158-C. A coleta dos um sistema racional de documentação
autorização judicial. vestígios deverá ser realizada deve acompanhar todo o procedimento.
preferencialmente por perito Novamente, reforçamos a importância do
oficial, que dará o conhecimento técnico-científico, inerente

Perícia Federal 77
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

acesso. Apesar de o fato dessas práticas já


ao perito criminal. Esse profissional é o que, de custódia não possua espaço
por formação, treinamento e proficiência, ocorrerem anteriormente nos centros de ou condições de armazenar
tem condições de cumprir as exigências perícia por obediência às boas práticas, determinado material, deverá a
legais para garantir a idoneidade da prova a lei agora as transforma em exigências, autoridade policial ou judiciária
pericial desde o local de crime até o garantindo assim a integridade de todo o determinar as condições de
tribunal.1,4,15 procedimento pericial. depósito do referido material
Art. 158-D. O recipiente para Art. 158-E. Todos os Institutos de em local diverso, mediante
acondicionamento do vestígio Criminalística deverão ter uma requerimento do diretor do
será determinado pela natureza central de custódia destinada à órgão central de perícia oficial de
do material guarda e controle dos vestígios, natureza criminal.
§ 1º Todos os recipientes deverão e sua gestão deve ser vinculada
ser selados com lacres, com diretamente ao órgão central de
numeração individualizada, de perícia oficial de natureza criminal
forma a garantir a inviolabilidade § 1º Toda central de custódia
e a idoneidade do vestígio
durante o transporte.
deve possuir os serviços de
protocolo, com local para
Considerações
§ 2º O recipiente deverá conferência, recepção, devolução finais
individualizar o vestígio, preservar de materiais e documentos, A Lei 13.964/2019, também
suas características, impedir possibilitando a seleção, a conhecida como pacote anticrime, trouxe
contaminação e vazamento, ter classificação e a distribuição de ao Código de Processo Penal uma série de
grau de resistência adequado materiais, devendo ser um espaço modificações com o objetivo de normatizar
e espaço para registro de seguro e apresentar condições procedimentos relacionados à cadeia
informações sobre seu conteúdo. ambientais que não interfiram de custódia. Essas modificações foram
§ 3º O recipiente só poderá nas características do vestígio. muito importantes no sentido de garantir
ser aberto pelo perito que § 2º Na central de custódia, a mais segurança ao procedimento de
vai proceder à análise e, entrada e a saída de vestígio investigação por meio da rastreabilidade
motivadamente, por pessoa deverão ser protocoladas, do vestígio.
autorizada. consignando-se informações Os diversos dispositivos
§ 4º Após cada rompimento de sobre a ocorrência no inquérito adicionados nessa reforma reforçam
lacre, deve se fazer constar na que a eles se relacionam. a importância da atuação do perito
ficha de acompanhamento de § 3º Todas as pessoas que tiverem criminal, pois este é o profissional imbuído
vestígio o nome e a matrícula acesso ao vestígio armazenado de conhecimento técnico-científico
do responsável, a data, o local, deverão ser identificadas e adequado para garantir que os requisitos
a finalidade, bem como as deverão ser registradas a data e a da lei sejam cumpridos. Quanto mais
informações referentes ao novo hora do acesso. bem executados os procedimentos,
lacre utilizado. § 4º Por ocasião da tramitação maior a integridade dos vestígios e,
§ 5º O lacre rompido deverá ser do vestígio armazenado, todas consequentemente, mais segura será a
acondicionado no interior do as ações deverão ser registradas, análise posterior. Isso confere eficiência
novo recipiente. consignando-se a identificação na investigação, o que sem dúvida é
do responsável pela tramitação, importante para evitar contestações
A lei, ainda, se ocupa de criar a destinação, a data e horário da e nulidades indesejadas. O rigor da
uma central de custódia, que passa a ação. metodologia que envolve a cadeia de
ser obrigatória para os Institutos de custódia é de suma importância para
Criminalística. Os arts 158-E e 158- Art. 158-F. Após a realização da garantir que a imparcialidade da prova
F apresentam em seus dispositivos perícia, o material deverá ser pericial possa servir adequadamente à
indicações para assegurar não só o controle devolvido à central de custódia, aplicação da lei, garantindo de maneira
dos vestígios durante a investigação, como devendo nela permanecer. inequívoca os direitos e garantias
também garantir a guarda e o controle de Parágrafo único. Caso a central fundamentais previstos na Constituição.

78 Perícia Federal
CADEIA DE CUSTÓDIA:
Perito criminal federal Jesus Antonio Velho e professores Cláudio Prado Amaral e Aline Thaís Bruni*

Sobre os autores:

Jesus Antonio Velho Cláudio Prado Amaral Aline Thaís Bruni


Perito Criminal Federal e Professor É Juiz de Direito Titular no Estado Professora Doutora de
Doutor de Criminalística na de São Paulo e Professor Associado Criminalística na Faculdade
Faculdade Filosofia, Ciências e da Faculdade de Direito da USP/ Filosofia, Ciências e Letras da
Letras da USP de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto. Especialista, Mestre USP de Ribeirão Preto, SP. Mestre
SP. Doutor em Fisiopatologia e Doutor em Direito Penal pela em Química pela Universidade
pela Faculdade de Medicina USP. Livre-docente em Direito Estadual de Campinas, Doutora
da Universidade Estadual de Processual Penal pela USP. em Ciências pela Universidade
Campinas (UNICAMP). É membro Estadual de Campinas. Pós-doutora
do Conselho Editorial e autor em Biofísica (IBILCE/UNESP) e
organizador da série de livros Quimica Teórica (IQSC/USP).
“Criminalística Premium” da Editora Contato: aline.bruni@usp.br
Millennium.

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2018, 8 (2), 409–454. (11) Bitzer, S.; Ribaux, O.; Albertini, N.; Delémont, Processo Penal, 1st ed.; Marcial Pons: São Paulo,
O. To Analyse a Trace or Not? Evaluating the 2019.
(6) Edmond, G.; Martire, K.; Kemp, R.; Hibbert, B.; Decision-Making Process in the Criminal
Ligertwood, A.; Porter, G.; Roque, M. S.; Searston, Investigation. Forensic Sci. Int. 2016, 262, 1–10. (17) Brenner, J. C. Forensic Science : An
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Lawyers. Aust. Bar Rev. 2014, 39, 174–197.

Perícia Federal 79
PERFIL
Danielle Ramos

PERFIL
DIRETOR
TÉCNICO-
CIENTÍFICO

NOME:
Alan de Oliveira Lopes

NATURAL DE:
Brasília, Distrito Federal

FORMADO EM:
Engenharia Civil com mestrado em
Transportes – ambos pela Universi-
dade de Brasília (UnB).

Foto: André Zímmerer

80 Perícia Federal
PERFIL
Danielle Ramos

QUANTO TEMPO resultados. Cada uma dessas diretrizes O QUE MAIS ADMIRA NA PERÍCIA:
DE PERÍCIA: tem diversas facetas e formas de atuação. Nossa diversidade é uma das nossas
18 anos Planejo seguir fortemente essa orientação fortalezas. A oportunidade de congregar
inicial em sintonia com as demais num só corpo profissional uma miríade
diretorias. Quero trabalhar pela integração tão vasta e complexa de especialistas
PORQUE DECIDIU das áreas periciais, entre órgãos centrais me permite acreditar que podemos ir “ao
FAZER O CONCURSO: e descentralizados, fomentar a sinergia infinito e além”. Também gosto de destacar a
No início da minha graduação não entre as atribuições dos diversos cargos integridade de caráter da maioria de nossos
conhecia a vertente da engenharia legal da Polícia Federal, criar e estabelecer redes servidores. Tenho convicção que ainda
no âmbito da perícia criminal. Após me de parceria com outros entes públicos existe muito potencial para ser explorado
formar, tive conhecimento da profissão e, e privados. Tenho plena consciência das no meio pericial, e isso me empolga.
a partir daquele momento, despertou em dificuldades históricas dessas iniciativas,
mim o desejo de tentar fazer parte dos mas prefiro me agarrar na esperança de
quadros periciais. Cheguei a fazer concurso CONSIDERA QUE ASSUMIR A
avançar do que no pessimismo, até certo
e Academia da Polícia Civil do Distrito ponto compreensível, em virtude dos DIREÇÃO NESTE MOMENTO É
Federal, onde conheci excelentes peritos fatos passados que impediram uma maior AINDA MAIS DESAFIADOR:
criminais. Todavia, na sequência, prestei integração. O cargo de DITEC é muito desafiador,
o concurso da Polícia Federal, em 2002; A busca pela tecnologia é acredite em mim – em um mês de atuação
mesmo ano que fiz meu curso de formação, vital para a perícia, ela envolve, além de já tenho elementos para comprovar essa
a partir de junho, e, finalmente, para minha investimentos de recursos financeiros, o afirmação. Esses momentos iniciais me
imensa alegria e de minha família, tomei uso de recursos humanos cada dia mais fizeram elevar meu respeito pela atuação
posse como perito criminal federal, em 21 escassos no serviço público de modo geral. dos meus antecessores. Se não fosse pela
de outubro de 2002. Daquele momento em A alocação desses recursos tem que ser pandemia, poderia afirmar com certeza
diante, foram muitas aventuras! finamente contrabalançada com a nossa que esse não é o momento mais desafiador
necessidade e obrigação de produzir de nossa história. Os DITECs passados
ONDE ATUAVA ANTES resultados no presente. A criminalidade realizaram grandes feitos e conseguiram
DE ASSUMIR A DITEC: exige combate constante, basta verificar enormes avanços, recebi para trabalhar
No Ministério da Infraestrutura, como as inúmeras ações voltadas a investigar uma grande estrutura. Prefiro ver o copo
assessor especial, lotado no Gabinete do fraudes com uso de recursos públicos para de água mais cheio do que vazio. Ademais,
ministro Tarcísio Freitas. Período de grande combater a pandemia do SARS-CoV-2. vou contar com expoentes da Criminalística
alegria e aprendizado, que me está sendo nessa missão. Vou ter a honra de trabalhar
muito útil na Diretoria Técnico-Científica. QUAIS OS PRINCIPAIS DESAFIOS: com o perito Raimundo Azevedo como
novo diretor do Instituto Nacional de
A persecução penal como um todo passa por
Criminalística e com operito Mauro
COMO ENCAROU O CONVITE grandes cobranças por parte da sociedade
Magliano, como assistente da Diretoria
PARA ASSUMIR A DITEC: e consequentemente por profundas e Técnico-Científica.
Confesso que com surpresa, até por eu velozes transformações. Precisamos evoluir
estar cedido ao Ministério da Infraestrutura. paradigmas de segurança pública que
A minha hesitação inicial foi decorrente da datam de 50, 60, 70 anos atrás. No nosso caso,
PERSPECTIVAS PARA OS PRÓXIMOS
consciência da elevada responsabilidade estou denominando de “Perícia do Século ANOS NA PERÍCIA FEDERAL:
da assunção ao cargo de diretor Técnico- Devemos finalizar a atual expansão física e
XXI”, em que o perito criminal federal deve
Científico da Polícia Federal. As minhas assumir definitivamente nossa vocação de
lidar com a rigidez da ciência, a velocidade
dúvidas se dissiparam quando ouvi as centro nacional e internacional de ciências
das novas tecnologias e o clamor por uma forenses, consolidando nossa doutrina. Para
razões dos profissionais que endossaram investigação mais célere e efetiva. Diante isso, teremos que descobrir como fazer mais
meu nome ao dr. Rolando Alexandre de dessa minha inquietação, meu antecessor, com menos, identificar novas formas de
Souza, nosso novo diretor-geral. Percebi o dr. Fábio Salvador, me indicou a leitura de atuação na investigação criminal e atender
que é o tipo de convite que não se pode
relevante publicação científica que aborda as demandas da sociedade “Plug and Play”.
recusar. A Polícia Federal, como símbolo
de coragem e justiça para a sociedade esse novo reposicionamento da perícia Enfim, realizar nada menos que tudo!
brasileira, precisa que todos os servidores criminal no mundo, o qual aproveito a
do órgão estejam preparados e disponíveis oportunidade para divulgar: “Breaking the QUAL MENSAGEM QUER
para missões voltadas à sua gestão. barriers between intelligence, investigation DEIXAR COMO NOVO DIRETOR
and evaluation: A continuous approach TÉCNICO-CIENTÍFICO:
QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS to define the contribution and scope of Conclamo aos colegas que nunca percam
ESTRATÉGIAS PARA A GESTÃO: forensic Science” - https://doi.org/10.1016/j. o foco no nosso propósito de diminuir a
Na minha primeira conversa com o dr. forsciint.2020.110213. Como disse um dos criminalidade, não se desviem desse norte.
Rolando, ele me passou três diretrizes que meus mentores, dr. Carlos Villela, chegou a O Brasil precisa de todos vocês, mais do que
se alinharam muito com minha visão da hora adotar a “Política dos Ases”[1] comigo nunca! Um forte abraço!
Polícia Federal: tecnologia, integração e mesmo e focar em transmitir o que aprendi.

Perícia Federal 81
PERFIL
Danielle Ramos

PERFIL
DIRETOR
DO INC

NOME:
Raimundo Nonato Azevedo Filho

NATURAL DE:
Pombal, Paraíba

FORMADO EM:
Engenharia Civil pela Universidade
de Brasília (UnB), bacharel em di-
reito, especialização em Regulação
Econômica pela Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e mestre em Geotec-
nia pela PUC/Rio.

Foto: André Zímmerer

82 Perícia Federal
PERFIL
Danielle Ramos

QUANTO TEMPO DE PERÍCIA: O QUE MAIS ADMIRA


13 anos NA PERÍCIA:
A multidisciplinaridade da nossa equipe
PORQUE DECIDIU FAZER O faz a nossa força. A capacidade técnica é
CONCURSO: admirável. Por fim, a solução de crimes por
A perícia sempre foi um sonho. A perícia meio da ciência.
e a Polícia Federal são, juntamente com
a minha família, os amores da minha vida CONSIDERA QUE ASSUMIR A
para os quais dedico todo o meu tempo. DIREÇÃO NESTE MOMENTO É
AINDA MAIS DESAFIADOR:
ONDE ATUAVA ANTES DE A gestão da perícia sempre será
ASSUMIR A DIREÇÃO DO INC: desafiadora, mas nós estamos preparados
Atuava como chefe do Serviço de Perícias e conclamamos nossos pares, agentes,
de Engenharia/INC/PF. Estou na PF desde escrivães, papiloscopistas e administrativos
2007 quando tomei posse no SETEC/PI, o que trabalham em nossas unidades, que
qual tenho o maior respeito. Tive a sorte não tenham medo, medo de inovar, de
de ter como chefe naquela época, o PCF dar um passo à frente, de ajudar o Brasil a
Arthur, chefe do SETEC/PI, no qual sempre se reerguer, durante e após a pandemia.
me inspiro como perito e policial. Nós precisamos que trabalhem com
intensidade, lealdade e verdade, tudo isso
COMO ENCAROU O CONVITE visando o interesse público.
PARA ASSUMIR A DIREÇÃO
DO INC: PERSPECTIVAS PARA OS
Com alegria e sabedor da responsabilidade PRÓXIMOS ANOS NA
que me foi depositada pelo DITEC. PERÍCIA FEDERAL:
Vejo muitas oportunidades e com um
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS corpo técnico capacitado como o nosso,
DESAFIOS E ESTRATÉGIAS: com certeza, teremos a chance de sermos
O principal desafio é o medo. O medo de protagonistas.
mudar. De pensar diferente e integrado; mas
espero o bom combate, um novo contrato QUAL MENSAGEM QUER
baseado na boa-fé. Recebi a missão de DEIXAR COMO NOVO DIRETOR
integrar, aplicar tecnologia, ter resultados DO INSTITUTO NACIONAL DE
e distribuir equitativamente a demanda e CRIMINALÍSTICA:
produzir com excelência. A nossa missão Não posso e não vou lhes oferecer
imediata é acabarmos com o estoque em nada além de esperança, lealdade,
todas as áreas. verdade e trabalho.

Perícia Federal 83
Os principais veículos jornalísticos do país
destacaram o protagonismo da APCF na defesa
da independência investigativa da Polícia Federal.
A entidade se manteve atenta às acusações de
ingerência indevida no órgão e se posicionou de
forma respeitosa e equilibrada, afirmando que a PF
é uma instituição de Estado e cobrando atuação
firme dos gestores para que o órgão siga, com rigor
e autonomia científica, cumprindo sua missão de
combater o crime, doa a quem doer.

84 Perícia Federal
APCF EM AÇÃO
Gustavo Azevedo

Após atuação da firme APCF, da Diretoria


Técnico-Científica (Ditec) e dos chefes
das descentralizadas, a direção-geral da
PF revogou a Instrução Normativa Nº
156. A IN retirava dos peritos federais
a prerrogativa de coordenar o local de
crime e retirava da Ditec a competência
para normatizar assuntos relacionados à
criminalística federal. Após ser alertada
pelos representantes da perícia criminal
federal, a diretoria-geral editou a Instrução
Normativa 163, com importantes melhorias
em relação à anterior.

Conquista também para os policiais federais


que tinham tempo de serviço nas Forças
Armadas. Depois de cinco anos, o Tribunal
de Contas da União (TCU) aprovou o
reconhecimento do período de trabalho
militar para fins de aposentadoria policial.
Desde o início das discussões sobre o tema,
a APCF e outras entidades representativas
da PF atuaram em defesa da causa,
participando de reuniões com autoridades e
embasando o TCU notas técnicas e estudos.

Apesar do novo coronavírus, o presidente


da APCF permaneceu ativo, desde o início
da pandemia, nas discussões relevantes para
a criminalística e para a segurança pública.
Uma delas é a reforma da Previdência, que,
mesmo já promulgada, segue em pauta para
profissionais de segurança pública. Após
firme atuação das entidades de classe, o
governo federal assinou o parecer vinculante
da Advocacia-Geral da União (AGU) relativo à
paridade e à integralidade da aposentadoria
policial. O documento faz parte do acordo
realizado durante o processo de votação da
reforma previdenciária no Congresso Nacional
com o setor.

Perícia Federal 85
APCF EM AÇÃO
Gustavo Azevedo

A APCF atuou até o último momento pela


contemplação das emendas da perícia criminal
federal na MP 918/20, que foi aprovada sem o
reconhecimento da importância dos Setores
Técnico-Científicos. A Associação adotará todas
as medidas possíveis para reverter os problemas
causados por essa proposta no dia a dia do combate
ao crime.

O semestre também foi marcado pelo lançamento


do Centro Multiusuário de Processamento
de Vestígios Sexuais do Instituto Nacional de
Criminalística (INC) da Polícia Federal. O espaço foi
inaugurado pelo então ministro da Justiça, Sérgio
Moro, que pautou sua gestão no uso de métodos
científicos modernos contra a criminalidade. Com
o novo centro tecnológico, será possível fazer
o processamento dos vestígios relacionados a
agressões sexuais que aguardam análise em todo
o Brasil com mais rapidez.

Reforçando a importância
da ciência para a busca
da verdade dos fatos, a
APCF teve diversos artigos
publicados nos principais
veículos de imprensa do
Brasil. Nas publicações, o
presidente da entidade
reforçou a relevância
do laudo pericial para o
processo penal, abordou a
questão da prova material
e chamou atenção para
a aplicação adequada da
cadeia de custódia no Brasil.

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