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Eugénia Cunha
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Antropologia Forense
Eugénia CUNHA1.
1. Professora catedrática Universidade de Coimbra; Consultora Nacional Antropologia Forense para o INMLCF,IP; C-
Fase-level 1; Fellow American Academy Forensic Sciences (Anthropology); Presidente da FASE (2009-2015).
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Informação sobre o artigo Autor para correspondência
Recebido: 01 Março 2017 Eugénia Cunha
Centro de Ecologia Funcional, Departamento de Ciências
Aceito em: 10 Março 2017
da Vida, Laboratório de Antropologia Forense,
Universidade de Coimbra. Coimbra, Portugal.
E-mail: cunhae@ci.uc.pt.
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RESUMO
Os desenvolvimentos recentes na Antropologia Forense que tentam fazer face aos novos desafios
societais justificam a análise que é aqui feita. Partindo das atribuições da antropologia forense
especificadas há já mais duma década, são criticamente revistos os principais avanços metodológicos e
conceptuais assim como as áreas em que é mais difícil implementar mudanças. Para que a Antropologia
Forense se mantenha na linha da frente das ciências médico-legais e forenses é determinante que
acompanhe as mudanças da sociedade global atual e que saiba desenvolver investigação aplicada e
direcionada aos grandes desafios.
PALAVRAS-CHAVE:
Antropologia forense; Globalização; Desafios; Avanços.
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Patologia e, muitas vezes, em parceria com ósseas . No que se refere à tipologia de
os médicos-legistas. A formação acadêmica casos remetidos para a Antropologia
dos antropólogos forenses vai desde a Forense podem-se subdividir entre ossos de
antropologia biológica, forense, biologia e animais, casos arqueológicos, ocorrências
medicina, sendo bastante diferente nos EUA provenientes de remeximentos ilegais de
e na Europa. Exceções são o Brasil e o Sri cemitérios atuais, casos em que algumas
Lanka, pelo menos, onde os antropólogos peças ósseas, nomeadamente o crânio, são
forenses são cirurgiões-dentistas usadas como troféus e para rituais, e os
(odontólogos). verdadeiros casos com implicações legais
Os tipos de casos que requerem a que podem ou não ser crimes (identificação
perícia antropológica forense incluem não de desconhecidos, confirmação de
só ossos e corpos esqueletizados, mas identidades, assistir o patologista na causa,
também corpos em vários estados de mecanismo e circunstância da morte).
preservação, como o ilustrado na Figura 1 Acrescente-se ainda a identificação dos
que mostra um caso típico, ou mesmo vivos efetuada em colaboração com os
cadáveres recentes onde os traços peritos médicos (Clínica Forense) e
fisionómicos já não permitem o dentistas forenses.
reconhecimento ou com lesões traumáticas
Figura 1. Exemplo dum caso típico de Antropologia Forense onde coexistem vários estados de
preservação. Foto: INMCF,IP.
tem sido também uma mais-valia nas identificação, sem a qual nenhuma
situações em que a antropologia identificação é possível, só mesmo
trabalha em contextos humanitários, uma boa relação entre os peritos e os
como nos desastres de massa ou nos investigadores criminais pode levar a
crimes contra a humanidade. Hoje há, identificações positivas e à resolução
sem dúvida, um maior reconhecimento de crimes.
da disciplina de Antropologia Forense O exemplo da relação entre a
por parte das outras áreas forenses Antropologia Forense e medicina
que a ela recorrem com maior dentária forense (Odontologia legal) é
frequência. A cooperação entre a bem ilustrativo do saber trabalhar numa
genética e antropologia está hoje mais equipe. Se um antropólogo não tem,
maximizada, sobretudo quando se naturalmente, as competências
analisam os restos fragmentados de necessárias para avaliar um caso de
corpos resultado de explosões e/ou ortodontia ou de um tratamento de
ataques terroristas. Também na canais, por exemplo, o inverso também
ancestralidade, na estimativa da idade é verdadeiro: um odontólogo também
(metilação), na aproximação facial não tem os conhecimentos suficientes
(através de determinados micro para identificar fragmentos ósseos ou
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marcadores) um bom trabalho de para, por exemplo, analisar ossos
equipe entre geneticistas e cremados.
antropólogos tem feito aumentar o Nos contextos humanitários, os
número de casos bem sucedidos e antropólogos marcam hoje presença
resolvidos. Ou seja, ao contrário do que não só nas principais instituições e
foi vaticinado por alguns, a genética organizações internacionais (ICRC -
não substituiu a antropologia, nem fez International Committee of the Red
com esta disciplina deixasse de estar Cross; UM - United Nations, JRR -
no primeiro plano das ciências Justice for Rapid Response, Interpol),
forenses. Cada vez mais é necessário como estão no terreno nos principais
não só conhecer o que se faz noutras eventos em que o grau de destruição
ciências, mas, sobretudo, ter noção dos dos restos humanos ou o tempo
limites da nossa própria área de decorrido desde a morte o justifiquem.
conhecimento. E esta asserção aplica- O atentado ocorrido em 11 de
se também na interligação com as setembro nos EUA é também um
investigações criminais. Só um trabalho acontecimento marcante na história de
coordenado e cúmplice entre os disciplina da Antropologia Forense
diferentes peritos pode alcançar um porque marcou o período a partir do
resultado positivo. O caso sem qual as perícias antropológicas
contexto ou com informação contextual passaram a ser reconhecidas como
deficiente pode ser invalidado. fundamentais na análise de fragmentos
Também na fase comparativa da ósseos e de restos humanos
cremados. Estas são duas áreas que peritos certificados possam assinar os
muito beneficiaram da investigação relatórios/laudos da sua especialidade
que, entretanto, tem vindo a ser feita os quais são os documentos chave dos
como é o caso da linha de investigação casos forenses. No caso específico do
sobre ossos queimados do Laboratório laudo em antropologia forense, nunca a
de Antropologia Forense da causa da morte pode ser certificada por
Universidade de Coimbra onde para um perito forense não médico. No
além da coleção de esqueletos entanto, o modo como a certificação
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identificados do século XXI , se está deve ser feita, está ainda longe de
também a construir uma coleção de recolher unanimidade e tem levado,
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esqueletos identificados queimados . até, a alguma subdivisão excessiva e
Hoje são várias as até negativa da comunidade científica.
organizações/associações científicas Determinadas atribuições da
especificamente de Antropologia Antropologia Forense tornaram-se de
Forense. A mais antiga, a seção de tal modo específicas que hoje são
Antropologia da AAFS (American consideradas como sub-áreas dentro
Academy of Forensic Sciences), da AF. É o caso da aproximação facial,
congrega o maior número de muito devedora do incrível avanço
antropólogos forenses, cerca de 500. A tecnológico na área da imagiologia.
FASE (Forensic Anthropology Society Numa era imagiológica a Antropologia
of Europe) solidificou-se e é hoje uma Forense não corre, no entanto, o risco
referência. A ALAF (Asociación de ser substituída por uma
Latinoamericana de Antropología Antropologia Forense virtual não
Forense), o AEAOF (Asociación obstante a virtópsia desempenhar um
Española de Antropología y papel fundamental, sobretudo nos
Odontología Forense) e o RAI (Royal países em que as tradições islâmicas
Anthropological Institute) são outros impedem a autópsia.
exemplos. A formação e o crescimento Finalmente, falta referir o testemunho
da Associação Brasileira de do antropólogo forense em tribunal.
Antropologia Forense (ABRAF), em Apesar da evolução da disciplina e da
2012, merecem aqui todo o destaque. implementação da certificação (com a
Trata-se do maior país da América qual está intrinsecamente ligada), os
Latina com profissionais na área EUA continuam a ser o único país com
conhecedores e experientes que regulamentação a este propósito desde
tardaram a unir-se e em dar-se a o célebre caso de Daubert. Há, assim,
conhecer. De relevar a unanimidade de ainda um longo caminho a percorrer
todas estas instituições sobre a até que os juízes noutros países
necessidade de se proceder à valorizem a formação dos peritos, em
certificação dos antropólogos forenses. detrimento dos anos de experiência e
É cada vez mais premente que só os só aceitem, entre outros, métodos
ABSTRACT
The most recent forensic anthropology developments, which try to address the societal challenges, justify
the analysis that is here provided. Starting with the attributions of forensic anthropology specified more
than one decade ago, the most relevant methodological and conceptual advances, as well as the areas in
which changes are difficult to implement, are critically evaluated. It is argued that, in order to keep forensic
anthropology at the front line of medico-legal and forensic sciences, this science has to be able to follow
the changes of our global society by conducting research directed to the new challenges.
KEYWORDS
Forensic anthropology; Globalization; Challenges; Advances.
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