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O ANATOMISTA

ANO 5 – VOLUME 1

JANEIRO A MARÇO DE
2020

ISSN 2177-0719
ISSN 2177–0719
Capa:

Gravuras 80 e 81 (Nus Masculine e Feminino)

Epitome, pág 228.

Andreas Vesalius de Bruxelas.

De Human Corporis Fabrica.

Epitome.

Tabula Sex.

Tradução do Latim J. B. de C. M. Saunders, Charles D. O’Malley

Tradução do Português Pedro Carlos Piantino Lemos, Maria Cristina Vilhena Carnevale

São Paulo: Ateliê Editorial; Impressa Oficial do Estado; Campinas: Editora Unicamp, 2002
EDITORES
Prof. Dr. Eulâmpio José da Silva Neto

Prof. Dr. Célio Fernando de Sousa Rodrigues

EDITORES ASSOCIADOS
Prof. Dr. Jodonai Barbosa da Silva

Prof. Dr. Bento João Abreu

REVISÃO GERAL

Profa. MSc. Elayne Cristina de Oliveira Ribeiro

DIRETORIA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ANATOMIA


Prof. Dr. Célio Fernando de Sousa Rodrigues – Presidente

Profa. Dra. Andréa Oxley da Rocha – Vice-Presidente

Prof. Dr. Rafael Cisne de Paula - Secretário Geral

Profa. Dra. Valéria Paula Sassoli Fazan – Primeira Secretária

Prof. Me. Henrique Pereira Barros – Tesoureiro Geral

Prof. Me. Cláudio da Silva Teixeira – Primeiro Tesoureiro

CONSELHO FISCAL
Prof. Dr. Eulâmpio José da Silva Neto

Profa. Dra. Maria Evódia de Sousa

Prof. Dr. José Roberto Pimenta de Godoy

Prof. Dr. Fernando Seiji da Silva (Suplente)

Todas as opiniões, textos e fotografias submetidas e publicadas em “O ANATOMISTA” são de inteira


responsabilidade dos seus autores, não refletindo a opinião da Sociedade Brasileira de Anatomia.
EDITORIAL

Começamos mais um ano e colocamos como uma das metas da Sociedade Brasileira
de Anatomia regularizar a revista O ANATOMISTA. Achamos que esse veículo de
comunicação da SBA juntamente com os amantes das ciências morfológicas é de suma
importância, visto que ela se propõe a publicar artigos e matérias de interesse da nossa
profissão. Temos aqui uma revista com uma grande amplitude cultural, aspecto tão importante
ao intelecto dos nossos professores, alunos e técnicos.

A SBA conta com a colaboração de todos aqueles que quiserem participar das
próximas edições, pois uma revista necessita de material para se manter dentro de uma
periodicidade que será trimestral. Convidamos desde já o envio de matérias para o próximo
número.

Os trabalhos submetidos abrangem todas as áreas da morfologia: experiências de


laboratório, cultura, arte e ensino são exemplos do nosso alvo de publicação.

A publicação é gratuita e será um grande prazer compartilhar as suas evidências


científicas nesse espaço.

Prof. Dr. Eulâmpio José da Silva Neto

Editor da Revista O Anatomista


O ANATOMISTA Ano V

GUIA AOS AUTORES

1. SOBRE A REVISTA

O ANATOMISTA é um periódico oficial da Sociedade Brasileira de Anatomia (SBA), com


publicação em meio digital, registrada sob o ISSN 2177-0719. O periódico foi lançado em
2010 e manteve edições regulares até 2012, período em que foram publicados 15 volumes. A
revista passou por reformulações, com seu relançamento em comemoração do dia do
Anatomista de 31 de julho de 2019.

2. TIPOS DE MANUSCRITOS

O ANATOMISTA se destina a divulgação de produções científicas e culturais da área. Serão


considerados para avaliação, manuscritos relacionados à área de Morfologia Humana e/ou
Animal encaminhados dentro do seguinte escopo:

• História e cultura nas áreas que compõe a morfologia

• Anatomia e arte

• Terminologia

• Ensino na área

• Extensão na área

• Técnicas anatômicas

• Dicas e truques na anatomia

3. INSTRUÇÕES PARA SUBMISSÃO

Antes de enviar a sua produção certifique-se que todos os itens dessa sessão foram conferidos
e ajustados:

3.1 Autores
Espera-se que todos os autores tenham contribuído em qualquer uma das etapas de produção
do manuscrito. Não existe limite de autores. A ordem dos autores será entendida da seguinte
forma: 1. Autor principal; seguido de Coautores (se houver); e o último Orientador (se
houver).

Ao submeter um manuscrito para avaliação em “O Anatomista” e no caso de aprovação para


publicação, os autores automaticamente concordam em ceder todos os direitos autorais sobre
a obra para a Sociedade Brasileira de Anatomia.

3.1.2 Pedido de alteração na autoria

É de extrema importância a atenção na conferência da ordem dos autores no manuscrito antes


de submetê-lo. Qualquer adição, rearranjo ou exclusão de um ou mais dos autores deve ser
realizada somente antes da aprovação do editor da revista. Caso seja necessária a alteração
todos os autores devem enviar uma carta concordando com a execução dessa ação. Nesse
caso, o(s) autor(es) devem estar cientes do atraso na publicação do seu manuscrito.

4. ÉTICA NA PUBLICAÇÃO

O manuscrito que teve uso de animais e seres humanos, os autores devem enviar a declaração
do comitê de ética ao qual o trabalho foi submetido e registrar o número do processo na
metodologia. É de inteira responsabilidade dos autores o conteúdo, eximindo totalmente a
revista e a SBA sobre quaisquer queixas de plágio e/ou direitos autorais sobre textos e
imagens submetidos para a revista. Pra tanto, a revista solicita que os autores passem seu
manuscrito em um dos vários programas antiplágio disponíveis gratuitamente na Web.

Todos os autores devem assinar e enviar via e-mail e/ou programa específico da revista que
estiver disponibilizado no portal da SBA (www.sbanatomia.org.br) uma carta de submissão
concordando com a submissão e as normas aqui descritas caso o manuscrito seja aceito para
publicação.

5. FORMATAÇÃO TEXTUAL

O título deve ser conciso, escrito em negrito, centralizado, fonte: Times New Roman,
tamanho 14. O texto pode obedecer às divisões como: introdução, objetivo, metodologia,
resultados, discussão, conclusão e palavras-chave. Em caso de produção artística e cultural o
texto pode ser livre de divisões. O limite de páginas deve ser e até 10, incluindo somente os
textos e referências. Deve ser escrito na fonte: Times New Roman, tamanho: 12, justificado,
espaçamento entre linhas de 1,5. Margens: esquerda e superior (3 cm) e direita e inferior (2
cm).

5.1 Tabelas

As tabelas devem ser enumeradas de acordo com a ordem que aparecem no texto. Todas as
tabelas devem conter o seu próprio título e fonte.

5.2 Imagens

As imagens devem ser enumeradas de acordo com a ordem que aparecem no texto. Todas as
imagens devem conter o seu próprio título e fonte. Não existe limites para a quantidade de
imagens. O tamanho deve ser de 105x148 mm e a resolução de 300 dpi.

Os Editores
SUMÁRIO
1 LANÇANDO LUZES SOBRE A IDADE MÉDIA: OS MITOS 9
ENVOLVENDO OS ESTUDOS ANATÔMICOS NO PERÍODO
Rodson Ricardo Souza do Nascimento; Bento João Abreu

2 OS CRIMINOSOS MAIS INFAMES DA HISTÓRIA DA 18


ANATOMIA
Bento João Abreu

3 A UTILIZAÇÃO DE REGRAS MNEMÔNICAS NO 21


PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA ANATOMIA
HUMANA
Yves Matheus Barros de Sousa Oliveira; Mércia Lima de Melo; Jade
Louise Alves Macedo Padilha Silva; Hygor Felipe de Albuquerque Barros;
Mauro Bezerra Montello, Ingrid Martins da França

4 29
OS IMPASSES NO RECONHECIMENTO CURRICULAR DA
LIGA DE ANATOMIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Elayne Cristina de Oliveira Ribeiro; Rayssa Gomes Santos Palmeira;


Renata Mirella Brasil da Silva Lima; Eulâmpio José da Silva Neto

5 A CODIFICAÇÃO POR CORES COMO FERRAMENTA 36


FACILITADORA NO APRENDIZADO DA ANATOMIA DOS
MÚSCULOS DO ANTEBRAÇO
Ana Beatriz Oliveira da Fonsêca; Héwerton Gabriel Silva dos Anjos;
Vitória de Almeida Lopes; Wigínio Gabriel de L. Bandeira; Ivson Bezerra
da Silva.

6 CERIMÔNIA EM HOMENAGEM AO CADÁVER 45


DESCONHECIDO:
UM MODELO PARA SENSIBILIZAÇÃO DOS DISCENTES

Amira Rose Costa Medeiros; Ana Aline Lacet Zaccara; Ana Karine Farias
da Trindade; André de Sá Braga Oliveira; Monique Danyelle Emiliano
Batista Paiva; Andréa Sarmento Queiroga; Iraquitan de Oliveira Caminha;
Marianne Vieira Aragão Barbosa; Alvaro Braga Dutra; Klaus Helmer
Kunsch; Marlon Alexandre de Albuquerque; Rayanne Trocoli Carvalho;
Antonio Tarcísio Pereira Filgueira; Pamella Kelly Farias Diniz; Wilson José
de Miranda Lima; Eulâmpio José da Silva Neto.

7 CONSCIENTIZAÇÃO DA SINONÍMIA GRECO-LATINA 55


PARA ENSINAR TERMINOLOGIA ANATOMOMÉDICA
Fernando Batigália
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LANÇANDO LUZES SOBRE A IDADE MÉDIA: OS MITOS


ENVOLVENDO OS ESTUDOS ANATÔMICOS NO PERÍODO

Rodson Ricardo Souza do Nascimento1*; Bento João Abreu2


1
Departamento de Ciência da Religião, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
2
Departamento de Morfologia, Centro de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande
do Norte
*Autor correspondente: rodsonrn@hotmail.com

A expressão “Idade das Trevas” é comumente utilizada para se designar o período de


dez séculos compreendidos entre o final do período clássico (476 d.C.) e início da idade
moderna (1453). Na verdade, trata-se de um mito infelizmente ainda repercutido por muitos,
os quais reverberam teses errôneas que apontariam um período de estagnação da humanidade
nessa Idade Média. Esta, segundo tais autores, teria sido uma época de “trevas”, “ignorância”,
“obscurantismo” e “estagnação da ciência e da cultura”, inclusive da Anatomia Humana. O
presente trabalho visa demonstrar exatamente o contrário - A Idade Média apresentou grandes
conquistas, porém grande parte foi eclipsada por diversos acontecimentos no período. Paul
Copan descreve muito bem situações que contribuíram para reverberar o termo “Idade das
Trevas”:

“Apesar dessas conquistas, a ciência medieval desapareceu na obscuridade durante o período


de início da era moderna, quando Copérnico e Galileu e outro se recusaram a dar qualquer
crédito a seus antecedentes medievais. Ao mesmo tempo, a Reforma Protestante e a veneração
humanista pelo mundo antigo obscureceram ainda mais as conquistas medievais. Os
historiadores modernos apenas redescobriram as conquistas medievais na ciência nas últimas
décadas” (COPAN, 2018, p.93).

A partir da segunda metade do século passado, inúmeros historiadores e medievalistas


demonstraram como a “Idade das Trevas” foi um mito iniciado pelos humanistas e
consolidado pelos iluministas no século XVIII. Consequentemente, temos que pouquíssimos
historiadores utilizam essa expressão atualmente. Nessa mesma perspectiva, o mito de que a
civilização cristã ocidental impedira a ciência da anatomia humana surgiu no século XIX,
visando favorecer a narrativa de um conflito irreconciliável entre o cristianismo e a ciência
(COPAN, 2018).
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Tais mitos baseiam-se em dois grandes preconceitos: o anticlericalismo e o


eurocentrismo. No primeiro caso, busca-se condenar a influência de instituições religiosas, em
especial a Igreja Católica Romana, sobre a cultura e a ciência. Cria-se uma narrativa em que a
influência religiosa é vista como inimiga da razão e da ciência, responsável por uma “era de
atraso e primitivismo”. Já o eurocentrismo é uma forma de ver o mundo tendo como base
exclusiva a história europeia, desconsiderando as demais regiões do globo. Como
consequência, os iluministas desconsideravam as relações entre o ocidente e o mundo árabe,
por exemplo.
Em contraposição aos devaneios de que houve uma ruptura radical entre a Idade média
e a Idade moderna, os historiadores atuais adotam o conceito de “longa duração”, no qual
fenômenos históricos como a Anatomia passam a ser estudados no longo prazo para que se
possam identificar múltiplas influências em seu desenvolvimento e consolidação (DORTIER,
2010).
Em síntese, as pesquisas históricas comprovaram que houve avanços para o
conhecimento durante a Idade Média, não apenas na literatura e nas artes, como também
desenvolvimentos tecnológicos na agricultura e na arquitetura, e principalmente, no estímulo
à difusão do conhecimento através da criação das escolas e das universidades (BRAGA,
GUERRA, REIS, 2003). Foi durante a Idade Média que foi assentada a base para os alicerces
da ciência moderna, incluindo sobre o estudo da Anatomia Humana.

Compreendendo a Anatomia medieval

A história da anatomia confunde-se com a prática da dissecação de cadáveres. É


consenso que os primeiros registros de tal prática remontam à Escola de Alexandria do Egito.
Por outro lado, é falsa a crença de que a dissecação de cadáveres humanos teria sido proibida
pela Igreja na Idade Média. Na verdade, foi justamente o contrário, como atesta novamente
Copan (2018, p. 239):

“A ciência da dissecação humana foi amplamente praticada na Idade Média cristã e foi
endossada e apoiada pela igreja. Na verdade, a dissecação humana como empreendimento
científico é exclusivamente um produto da civilização cristã. Outras civilizações – a
antiguidade pagã, o Extremo Oriente e o Islamismo – nunca praticaram a dissecação científica
em nenhuma escala e, na verdade, geralmente proibiram esse estudo”.
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Diferentemente do que acreditavam os humanistas, a civilização clássica não conheceu


a prática sistemática da dissecação anatômica. Mesmo o médico grego Hipócrates de Cós
(460 - 377 a.C.), considerado o pai da Medicina e o mais célebre médico da Antiguidade, era
reconhecido como “um anatomista sem expressão” (CHAGAS, 2018, p. 18). Da mesma
forma, o genial Aristóteles (384 - 322 a.C.), pioneiro na classificação zoológica e no estudo
dos vertebrados, restringiu-se “apenas à anatomia de superfície” (CHAGAS, 2018, p. 23).
Para surpresa de muitos, o que a história evidencia é que foi justamente na alta Idade Média,
provavelmente no século XIII, que a promoção do estudo da dissecação humana nas
universidades começou a ser uma prática comum.
É verdade que os primeiros registros de estudo e de ensino da anatomia remontam à
Escola de Alexandria no Egito. Foi nessa famosa escola que os médicos e anatomistas
Herófilo da Calcedônia (335 - 280 a.C.) e Erasístrato de Chio (310 - 250 a.C.) realizaram
dissecações humanas no século III. a.C. A prática da dissecação, todavia, era proibida pelo
direito romano, não ocorrendo de forma sistematizada (CHAGAS, 2018). Isto porque na
Grécia e Roma antigas, o contato com corpos (humanos) era considerado um tabu.
Acreditava-se que não apenas a alma poderia ser perturbada, mas o simples fato de tocar um
cadáver poderia causar uma certa poluição espiritual. Os mortos eram enterrados fora dos
limites da cidade, longe dos vivos. Nesta cultura, a dissecção de cadáveres humanos era algo
impossível.
Há registros mais precisos sobre a prática da dissecação por Galeno de Pérgamo (por
volta de 129-200 d.C.), o lendário médico, filósofo e anatomista grego que servia ao Império
Romano, o qual realizava dissecações públicas de animais. Porém nem mesmo Cláudio
Galeno praticava dissecação em seres humanos. O consenso é que, apesar de sua genialidade
e pioneirismo, ele teria extrapolado suas descobertas anatômicas em animais como o macaco
de Gibraltar (Macaca sylvanus) para seres humanos. De acordo com Copan, esse fato teria
sido a principal causa de seus equívocos anatômicos:

“O trabalho de Galeno foi seminal; ele descreveu o papel do diafragma na respiração, o vácuo
nas cavidades pleurais contendo os pulmões e a anatomia do sistema venoso do cérebro. O
trabalho de Galeno, embora bastante exato quanto à anatomia animal, era errado sobre
aspectos importantes da anatomia humana [como o número de lóbulos do fígado humano e o
rete mirabilie, uma estrutura de vasos sanguíneos encontrados em ovelhas e cães, mas não em
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seres humanos], devido à extrapolação injustificada da anatomia animal para a humana”


(COPAN, 2018, p. 238).

Nesse contexto, os cristãos medievais haviam desenvolvido a prática de venerar os


corpos dos santos mártires, o que significava que os cadáveres podiam ser vistos como
sagrados e possuidores de poder milagroso, e não como fontes de perigo ou poluição. Além
disso, a Igreja havia afirmado que, no juízo final, todos os corpos (incluindo aqueles com os
membros amputados) seriam ressuscitados integralmente; o que favorecia a dissecação dos
cadáveres.
Um equívoco comum é considerar que a Bula De sepulturis do Papa Bonifácio VIII
(1235-1303) proibia a dissecação. Publicada em 1° de março de 1299, a bula afirmava que o
Papa excomungaria da Igreja aqueles que ousassem “desmembrar um cadáver ou tirar-lhe
pela cocção a ossada”. Acontece que o alvo do Papa, o qual mantinha severos conflitos com o
Rei Filipe IV da França e Dante Alighieri, não eram os anatomistas, mas sim um costume
comum na época que consistia em descarnar pela cocção os ossos dos cavaleiros e nobres que
viajavam para a Itália com os exércitos alemães e que morriam, a fim de remetê-los para a
pátria e serem devidamente sepultados. Além disso, havia outro grupo de pessoas a qual a
bula poderia atingir: os ladrões de cadáveres e os ressurreicionistas – indivíduos responsáveis
por remover cadáveres de seus túmulos e destiná-los às universidades.

Figura 1. Representação do Papa Bonifácio VIII.


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Historiadores modernos descobriram que, desde o século XIII, estavam sendo


realizadas autópsias para determinar a causa da morte, muitas vezes a pedido da família. Por
exemplo, no século XV, Bernard Tornius (1452 - 1497), professor de medicina em Pisa,
autopsiou um garoto por solicitação de seu pai. Como consequência e a partir do século XIV,
mais especificamente na Universidade de Bolonha, a dissecação tornou-se parte do ensino
médico sob os auspícios de Mondino de Luzzi (1270 - 1326). Em 1315, este professor de
medicina e anatomista medieval realizou a primeira dissecação pública de um corpo humano.
Ao fazer isso, Mondino (Figura 2) certamente ampliava as conquistas de civilizações
anteriores como a egípcia e a grega. As antigas técnicas de embalsamento e autópsia
passavam agora a serem utilizadas como métodos de estudo do corpo humano. As dissecações
passaram a ocorrer nas principais universidades como Pádua, Bolonha e Oxford.

Figura 2. Mondino De' Luzzi. Pintura de Giovanni Alessandro Brambilla (1780-82)

No século XIV, enquanto as dissecações tornavam-se cada vez mais comuns no


âmbito acadêmico italiano, um decreto ordenou ao Colégio de Médicos e Cirurgiões de
Veneza que efetuasse pelo menos uma dissecação pública por ano (TALAMONI, 2014).
Como descreve Chagas (2018), a aprovação da Igreja possibilitou a expansão da dissecação e
do estudo da medicina:
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“Tanto é verdade que, no começo do século XVI, os estudos anatômicos na Espanha eram
tidos como sério e destacados, pois lá a prática da Anatomia e Cirurgia era em cadáveres
humanos de todas as classes e condições sociais. Por este motivo, foi construído, na província
de Cáceres, um hospital, onde mais tarde foi a dissecação em seres humano, autorizada pelo
Papa” (CHAGAS, 2018, p. 34).

Anatomia de corpo e alma

Interessantemente, a teologia não impediu, mas impulsionou e se envolveu


concretamente com a dissecação humana. Havia duas razões principais para isso: a crença
cristã em Deus como criador e a importância da alma humana. Estas crenças ofereceram uma
motivação poderosa para o estudo da anatomia humana desde à antiguidade, perfazendo
inclusive a Idade Média com estudos sobre a anatomia reprodutiva das mulheres, por
exemplo. Outro tema que despertava interesse era a questão dos gêmeos siameses. Em 1533, a
Igreja ordenou que fosse feito um estudo anatômico nos cadáveres de duas gêmeas, Joana e
Melchiora Ballostero na cidade de Hispanola, a fim de ampliar o conhecimento sobre as
relações entre as estruturas anatômicas e a alma humana (COPAN, 2018).
Poucos reconhecem que a anatomia antiga surgiu no contexto do debate filosófico
sobre a natureza da alma, uma disputa que opunha os adeptos da teoria cardiocêntrica e os
seguidores da teoria neurocêntrica. A natureza e localização da alma era um elemento
importante não apenas para Aristóteles, Platão e Galeno, como também para os anatomistas
cristãos do período.
A anatomia medieval foi influenciada pelo Hilemorfismo, a teoria elaborada por
Aristóteles e desenvolvida na filosofia escolástica, segundo a qual todos os seres corpóreos
são compostos por “matéria e forma”. A matéria (hylé) e a forma (morphé) “são,
respectivamente, as fontes das propriedades quantitativas dos corpos e de suas propriedades
qualitativas” (JAPIASSÚ, 2014, p. 131). O axioma “a forma determina a função” é parte
deste contexto mais amplo.

Os estudos anatômicos de Aristóteles faziam parte de um projeto para entender a


natureza da alma e o relacionamento entre alma e corpo. Aristóteles argumentou que a alma é
aquilo que dá vida a um corpo. A posse de uma alma é o que distingue os vivos dos não-
vivos. Plantas, animais e seres humanos todos teriam almas, segundo o filósofo. Todas as
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ações e capacidades dos organismos vivos - incluindo comer, crescer, reproduzir, sentir e
mover - dependeriam e seriam controladas pela alma. O corpo inteiro, e cada uma de suas
partes individuais, seria o instrumento pela qual a alma se expressava e agia no mundo.
Uma curiosidade é que palavra “órgão” é derivada da palavra grega (ὄργανον) para
ferramenta e reflete essa visão aristotélica da relação entre corpo e alma. Assim, por exemplo,
a capacidade de ver seria uma faculdade da alma, mas para realmente se enxergar algo, a alma
precisaria utilizar um instrumento – como o olho, por exemplo - e assim por diante.
Ecos desta filosofia podem ser encontrados, séculos depois, em Leonardo Da Vinci
(1452-1519). No século XV, então residente em Milão, realizava seu famoso estudo sobre os
músculos da face. Seus desenhos anatômicos (Figura 3) não seriam superados durante
séculos. Mas o que movia o gênio renascentista era algo muito mais profundo que apenas
expor de forma materialista as estruturas anatômicas:

“Também acreditava que os músculos estavam em comunicação direta com a alma, e que os
movimentos da alma podiam ser compreendidos por meio de uma avaliação do corpo: ‘A
articulação dos ossos obedece ao nervo, o nervo ao músculo, o músculo ao tendão e o tendão
ao Senso Comum. E o Senso Comum é a sede da alma’ [...] Para Da Vinci, tabular as ações
dos músculos empresando essas emoções era chegar perto de compreender a fonte divina das
próprias emoções” (FRANCIS, 2017, p. 67).
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Figura 3. Os músculos da face e membro superior e nervos e vasos da mão. Leonardo da


Vinci (1510-11)

Para um anatomista do século XXI pode parecer estranho a relação entre dissecação e
espiritualidade; ou relações entre o corpo e alma; ou ciência e espiritualidade. Para os antigos
e medievais, isso não ocorria. Os cristãos acreditavam que a contemplação da Anatomia (e
outros aspectos do mundo natural) poderia inspirar admiração e gratidão em relação ao Deus
criador. Era, portanto, um assunto apropriado para todos os cristãos instruídos, não apenas
para os médicos e anatomistas. Essa visão mais elevada da Anatomia é nítida em Leonardo da
Vinci, para quem “Anatomizar era chegar mais perto de Deus:

“É tu, homem, que testemunhas nesse meu trabalho as maravilhosas obras da natureza, se essa
composição lhe parecer um trabalho magnífico, deverias considerar isso como nada
comparado à alma que reside dentro dessa arquitetura” (FRANCIS, 2017, p. 68).

Muito antes dos materialistas franceses, foi um pensador cristão quem imaginou a
construção de uma enciclopédia universal. E nela a Anatomia teria lugar de destaque. O nome
deste homem é Bartolomeu da Inglaterra (Bartholomeus Anglicus 1203 - 1272). Este frade
franciscano havia estudado Anatomia em Oxford. Em seu compêndio De proprietatibus
rerum (“Sobre as propriedades das coisas”), datado de 1240, ele incluiu uma discussão sobre
anatomia humana.
É essa longa tradição de estudos anatômicos que, como os braços de um rio, iriam
desaguar na figura do lendário Andreas Vesalius (1514-1564). Seu livro De humani corpori
fabrica (“Da organização do corpo humano”) é amplamente reconhecido como o primeiro
manual de anatomia moderna. Lançado em 1543 este livro marcaria o patamar superior da
Anatomia Humana como ciência.
Deve-se recordar que Vesalius era um católico que trabalhava como professor de
Anatomia da Universidade de Pádua, na Itália. Tratava-se de uma instituição católica que
recebia apoio e incentivo da Igreja para suas pesquisas. Ele destacou-se por sua ardorosa
defesa da prática sistemática da dissecação de seres humanos; apontando os lapsos da
anatomia galênica que predominava nos principais livros-textos utilizados até então. Além
disso, coube a ele a transformação da imagem de Anatomista, antes ligado à morte, em um
personagem de grande valor cultural e científico.
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Em suma, a expressão “Idade das Trevas” é um sofisma que eclipsa o grande


desenvolvimento que a Anatomia, e consequentemente todas as ciências biomédicas, obteve
durante a Idade Média por meio das dissecações humanas e expansão de universidades livros
e tratados.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Marco, GUERRA, Andreia, REIS, Jose Claudio. Breve História da Ciência
Moderna Vol. I - Convergência de Saberes (idade Média). Zahar, 2003.

CHAGAS, Juarez (et alli). História da anatomia: através da dessecação do corpo humano.
Jundiaí: Paco, 2018

COPAN, Paul (et alli). Dicionário de cristianismo e ciência. Rio de Janeiro: Thomas
Nelson, 2018

DORTIER, Jean- Francois. Dicionário de ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes,
2010

FRANCIS, Gavin. Da cabeça aos pés: histórias do corpo humano. Rio de Janeiro: Zahar,
2017

JAPIASSÙ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4 ed. Rio de


janeiro: Zahar, 2012

TALAMONI, Ana Carolina Biscalquini; BERTOLLI FILHO, Claudio. A anatomia e o


ensino de anatomia no Brasil: a escola boveriana. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.21, n.4, out.-dez. 2014, p.1301-1322

TALAMONI, ACB. Anatomia, ensino e entretenimento. In: Os nervos e os ossos do ofício:


uma análise etnológica da aula de Anatomia [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2014, pp.
23-37
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OS CRIMINOSOS MAIS INFAMES DA HISTÓRIA DA ANATOMIA

Bento João Abreu*


* Professor Associado em Anatomia Humana. Departamento de Morfologia, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Av. Senador Salgado Filho, Lagoa Nova, CEP 59072-970,
Natal, Brazil. Email: abreubj@gmail.com

A história da Anatomia Humana é bastante peculiar e encontra-se repleta de inúmeras


conquistas, assim como espantosos revezes. Se por um lado os crimes anatômicos cometidos
ao longo da história, os quais foram principalmente fomentados diante de uma falta de
cadáveres, contribuíram de certa forma para um maior entendimento do corpo humano,
certamente correspondem à mais importante mácula da ciência. Assim, tal visão ressabiada e
curiosa acerca da disciplina de Anatomia ainda hoje atiça o imaginário popular.

Na Grã-Bretanha do século XIX, o cenário das universidades médicas não era muito
diferente do restante da Europa: padecia-se com a escassez de cadáveres destinados aos
estudos anatômicos e grande parte das dissecações era realizada em corpos de criminosos
executados pelo Estado. O ambiente era propício para a ação dos “ressurreicionistas” ou
mesmo de indivíduos menos ávidos pela árdua tarefa de saquear corpos recém-sepultados de
seus túmulos. É nesse ambiente anterior ao Ato Anatômico (1832) que surgiram os crimes
anatômicos mais infames da história recente!

Em Edimburgo, Escócia, entram em cena os dois personagens principais deste texto.


Em 1827 o irlandês Willian Hare acabara de se casar com uma viúva, até então dona de uma
estalagem, e passara a administrar sua pensão. Neste mesmo local conheceu outro irlandês,
seu xará Willian Burke. Após falecimento de “Donald”, um velho pensionista que adoecera
de e morrera no local sem pagar uma dívida de quatro libras pela hospedagem, Hare ficou
furioso e teve uma ideia certamente macabra. Em parceria com Burke, ambos os pilantras
retiraram o corpo do pobre velho do necrotério, colocando cascas de árvore em seu lugar no
caixão. Os dois se dirigiram para a escola de medicina e foram calorosamente recebidos pelo
assistente do Dr Robert Knox, famoso professor de Anatomia e médico-cirurgião local. Os
dois incautos receberam instruções para retornar com o corpo à noite e, para sua surpresa,
foram muito bem pagos pelo trabalho – recebendo sete libras pelo corpo!
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Interessantemente, não houve muitas perguntas sobre como o corpo foi obtido e,
diante da excelente lucratividade com a venda do corpo, a infame dupla começou a fabricar
corpos a granel. A primeira vítima foi de outro inquilino doente, “Joseph”, um alcoólatra que
teve seu destino apressado ao receber muito uísque de Burke e Hare. Após cair inconsciente, a
vítima teve nariz e boca tapados com um pequeno travesseiro por Burke, enquanto seus
membros permaneceram contidos por Hare. Mais uma vez, Dr Knox recebeu o corpo de bom
grado e, diante de qualquer ausência de marcas de violência no corpo, tanto externamente
como observado pela autópsia, orientou a dupla a retornar com mais cadáveres.

Nos 11 meses que se passaram a dupla de assassinos produziu mais 15 corpos


utilizando-se o mesmo método: muito uísque seguido de asfixia. Idosos, bêbados, prostitutas e
até crianças eram alvo fácil para Burke e Hare, que passaram a ser cada vez mais ousados em
suas investidas. Os corpos chegavam frescos ao laboratório de Dr Knox e, acredita-se, alguns
de seus estudantes puderam até reconhecer o corpo de uma prostituta com a qual tiveram
relações ocasionalmente. Algumas vítimas eram bastante conhecidas na cidade e, quando o
corpo da “Senhora Docherty” foi encontrado no laboratório de Knox, o cerco policial se
fechou em torno da dupla de serial killers.

Após um mês de investigações, com seu antigo parceiro Hare testemunhando a seu
desfavor em troca de imunidade, Burke foi condenado à morte. Na sentença proferida pelo
juiz, seu corpo deveria ser “dissecado e anatomizado publicamente”. Além disso, seu
esqueleto deveria ser “preservado para que a posteridade pudesse se lembrar de seus atrozes
crimes”.

Em 28 de janeiro de 1829, 25 mil pessoas aglomeraram-se para observar o


enforcamento de William Burke enquanto bradavam para que também se fizesse justiça com
William Hare e Robert Knox. Após a execução, o assassino teve seu corpo dissecado pelo
Alexander Monro Tertius, professor da Escola de Medicina da Universidade de Edimburgo.
Durante este procedimento em praça pública, o qual também foi acompanhado por milhares
de curiosos, a pele do cadáver sumiu e, logo depois, surgiram vários livros encadernados com
a pele de Burke e inclusive sua “máscara de morte”. Um dos exemplares, assim como o
próprio esqueleto de Burke, pode ser encontrado no Museu de Anatomia da Escola de
Medicina de Edimburgo.

É curioso que Dr Knox, seja por cegueira voluntária ou negligência, não percebera a
real origem dos cadáveres que andava recebendo em seu laboratório. Alguns possuíam cabeça
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 20

e pés decepados, enquanto outros apresentavam sinais de hemorragia no nariz e orelhas.


Ainda, a presença de o corpo nu da “atraente” prostituta Mary Peterson em seu laboratório,
armazenado em uma cuba de vidro transparente com álcool, não contribuiu para que sua
reputação fosse poupada.

A saga dos infames assassinos virou filme em 2010 e o verbo “to burke” é comumente
referido como uma forma de assassinar alguém por sufocamento.

REFERÊNCIAS

Roach, Mary. Curiosidade Mórbida. 1a Edição. São Paulo. Editora Paralela, 2015.
http://oaprendizverde.com.br/2017/06/21/serial-killers-william-burke-william-hare-
assassinatos-em-west-port. Acesso em 27/11/2018.
http://www.oarquivo.com.br/variedades/curiosidades/2814-william-burke-e-william-haree-
seus-cadaveres-frescos.html. Acesso em 27/11/2018.
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A UTILIZAÇÃO DE REGRAS MNEMÔNICAS NO PROCESSO DE


ENSINO-APRENDIZAGEM NA ANATOMIA HUMANA

Yves Matheus Barros de Sousa Oliveira1,*Mércia Lima de Melo2, Jade Louise Alves Macedo
Padilha Silva1, Hygor Felipe de Albuquerque Barros1, Mauro Bezerra Montello1, Ingrid
Martins da França3

1
Graduação em Fisioterapia, Programa de Monitoria em Anatomia Humana, Área V,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
2
Graduação em Educação Física, Programa de Monitoria em Anatomia Humana, Área V,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
3
Fisioterapeuta, Programa de Monitoria em Anatomia Humana, Área V, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte
*Autor correspondente: yvesmatheus06@gmail.com

INTRODUÇÃO

É bastante provável que no decorrer de seus anos de estudo na faculdade ou até


mesmo durante ensino médio você já tenha sido apresentado a algum tipo de regra
mnemônica. Na mitologia grega, Urano (o Céu) e Gaia (a Terra) tiveram seis filhas - as
Titânides - uma das quais era Mnemosine, ou a "memória personificada".1 Partindo desse
referencial mitológico, é possível explicar de maneira simples o que são as regras
mnemônicas: basicamente, um conjunto de estratégias utilizado para facilitação da
memorização de termos quaisquer, utilizando como recursos expressões e/ou imagens, por
exemplo.

Tais regras são amplamente abordadas em diversas áreas como Física, Química,
Matemática, Biologia e certamente na Anatomia, base indispensável para diversos cursos,
especialmente os da área da saúde. O conteúdo abordado nos cursos de graduação é
geralmente vasto e apresenta uma carga horária relativamente baixa. Assim, o aprendizado
pode tornar-se um processo mecânico, no qual o aluno apenas decora o que lhe é transmitido,
sem associar e realmente aprender. Tal situação pode culminar em uma deterioração do
conhecimento ainda na graduação e, por conseguinte, prejudicar o exercício da prática
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 22

clínica.2,3 Sob essa ótica, as estratégias mnemônicas podem ser consideradas uma eficiente
ferramenta que proporciona um aprimoramento da aprendizagem, retenção e desenvolvimento
de habilidades dos alunos4, inclusive na prática clínica.5,6

Na Anatomia, as regras mnemônicas são utilizadas de diversas maneiras tais como:


associação quanto à forma, função e localização de uma estrutura, por exemplo. A seguir, são
apresentados alguns exemplos comumente utilizados pelo nosso Programa de Monitoria a fim
de incrementar o ensino da Anatomia Humana:

Meniscos

Os meniscos são discos fibrocartilaginosos que participam da articulação do joelho,


localizando-se entre os côndilos do fêmur e tíbia. Uma vez que os côndilos femorais são
significativamente maiores que os côndilos tibiais, os meniscos visam aumentar a congruência
articular, além de receber e dissipar as forças internas no joelho.7,8

Em cada articulação existem dois meniscos, um medial e outro lateral. O menisco


medial tem forma semicircular, sendo mais largo externamente, o que facilita sua visualização
em forma de “C”. Já o menisco lateral, tem forma próxima a uma circunferência, semelhante
à letra “O”.

A regra mnemônica corrente seria uma associação com a fabricante de carros Citroen.
CI: pois o menisco em forma de “C” é o medial “I” (mais Interno); e OE: o menisco em
forma de “O” é o lateral “E” (mais Externo). Isto pode ser evidenciado na Figura 1 abaixo.
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Figura 1. Vista superior do joelho direito.

Fígado

O Fígado é o segundo maior órgão e a maior glândula do corpo humano. Trata-se, na


verdade, de um órgão acessório multifuncional do trato gastrointestinal. Algumas de suas
funções são: produção da bile, emulsificação de gorduras, desintoxicação, síntese,
armazenamento e quebra do glicogênio. Também possui ação reguladora, como efeito, o
metabolismo alcança seu máximo após a alimentação, diminuindo a resposta a estímulos
externos - o que explica a sensação de lentidão após comermos.7,8

Esse órgão localiza-se abaixo do diafragma, ocupa a maior parte do hipocôndrio


direito e uma pequena parte no hipocôndrio esquerdo e epigástrico. Anatomicamente,
descrevem-se duas faces e quatro lobos. Na face diafragmática, encontram-se os lobos direito
(maior) e esquerdo (menor). Já na face visceral, lobos caudado e quadrado. Estes dois últimos
lobos tendem a causar uma certa dificuldade de distinção num primeiro contato no
laboratório. Logo, uma estratégia para identificá-las é a associação com estruturas próximas.
A veia cava inferior, responsável pelo retorno venoso do membro inferior, é envolvida pelo
lobo caudado. Assim, a regra mnemônica para observação seria: Cava-Caudado. Ou seja, a
veia cava está próxima ao lobo caudado, a união fonética e estrutural. Após identificar o lobo
caudado, o outro seria o quadrado, como pode ser observado na Figura 2.
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Figura 2. Vista da face visceral do fígado. Extraído de https://anatomiaefisioterapia.com/8-


sistema-digestorio/ em 28/10/2019

Lóbulos do Cerebelo

O cerebelo é uma estrutura oriunda do metencéfalo, situada posteriormente ao bulbo e


à ponte (e contribuindo para a formação do teto do IV ventrículo). Repousa sobre a fossa
cerebelar do osso occipital e está separado do lobo occipital por uma camada de dura-máter
presa aos ossos temporal e occipital – a tenda do cerebelo. Sabidamente relaciona-se com a
propriocepção inconsciente, a regulação do tônus muscular, o equilíbrio, a postura, o controle
dos movimentos voluntários e a aprendizagem motora.9,10,11

A superfície cerebelar possui sulcos superficiais - folhas cerebelares; e sulcos


profundos - fissuras cerebelares, as quais demarcam os lóbulos do cerebelo. Há diferença na
nomenclatura dos lóbulos nos hemisférios e no verme. No entanto, grande parte dessas
divisões não apresenta importância clínica ou funcional.9

O estudo dos lóbulos cerebelares, especialmente aqueles que constituem o verme,


pode ser desafiador e apresentam-se de difícil visualização e memorização. No verme do
cerebelo, o lobo anterior é formado pelos lóbulos: língula, lóbulo central e cúlmen; o
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posterior, pelos lóbulos: declive, folium, túber, pirâmide e úvula; e o lobo floculonodular pelo
nódulo.10

Com base nisso, é possível associar o nome desses lóbulos à seguinte frase: "A
Língula do Lóbulo Central Comeu Dez Folhas de Tubérculo e soltou um PUN". Onde
conforme podemos observar na Figura 3, cada palavra é relacionada a um lóbulo, como folhas

a folium.

Nervos Cranianos

Existem doze pares de nervos cranianos (NC) formados por fibras sensitivas e/ou
motoras, correspondendo a feixes de processos provenientes de neurônios que atravessam
forames ou fissuras na cavidade do crânio, sendo originários do encéfalo.9

Como estratégia de memorizar os 12 pares de nervos cranianos, podemos citar uma


regra mnenônica para cada par de nervo.

I. Nervo Olfatório: associar um dedo entrando no nariz como sendo o nervo número um;

Figura 3. Lóbulos do verme do cerebelo. Fonte:


Minuto Anatômico.
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II. Nervo Óptico: utilize dois dedos para representar a numeração dois e aponte cada um
para um olho, remetendo ao nome do nervo;
III. Nervo Óculomotor: com a cabeça fixa, fixe e acompanhe o olhar em três dos seus
dedos que estão se movendo no espaço, assim, fica claro a função motora dos
olhos;
IV. Nervo Troclear: una o nome “quatro”, correspondente à numeração do nervo, e
“troclear”, dessa forma, você pode falar “quatroclear” como memorização sonora;
V. Nervo Trigêmeo: por ser o quinto par, imagine uma família com cinco pessoas - o pai,
a mãe e os três filhos gêmeos - estes trigêmeos remetem ao nome do nervo;
VI. Nervo Abducente: assim como no IV par, use a memorização sonora para mesclar o
nome e o número do nervo, resultando no “abduseiscente”;
VII. Nervo Facial: utiliza-se a semelhança entre o número 7 e a letra F; para tanto, o
número 7 assimétrico com um traço no meio torna-se um F;
VIII. Nervo Vestíbulococlear: associe o número 8 como uma boa nota para passar no
vestibular, notando a semelhança com o nome vestibulococlear;
IX. Nervo Glossofaríngeo: imagine o “g” minúsculo de glossofaríngeo como o número 9,
notando a semelhança entre eles;
X. Nervo Vago: sabendo que a representação do número dez possui um 0, e este é um
número vazio de valor, o denominamos de vago;
XI. Nervo Acessório: ao associarmos o suspensório como um acessório, podemos
imaginar que a representação gráfica do número 11 é semelhante ao suspensório;
XII. Nervo Hipoglosso: associe a numeração do 12º nervo ao dia das crianças, dia 12
de outubro, remetendo criança ao uso de Hipogloss, semelhante ao nome do nervo.

Já como estratégia para memorizar as fibras motoras, sensitivas ou mistas de cada


nervo, podemos citar:

1. Os dois primeiros pares de nervos cranianos são sensitivos (1 e 2);


2. Os dois últimos pares de nervos cranianos são motores (11 e 12);
3. A partir de uma soma, podemos determinar todos os nervos mistos: 5 + 2 = 7 +
2 = 9 + 1 = 10;
4. Os pares 3, 4 e 6 são todos motores para o olho;
5. O único par que resta é o 8, sendo sensitivo.
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Músculos do Ombro

O complexo do ombro é formado por seis músculos escapuloumerais (músculos


deltoide, supraespinal, redondo maior, redondo menor, subescapular e infraespinal), dos quais
quatro são pertencentes ao manguito rotador (músculos redondo menor, infraespinal,
supraespinal e subescapular). Além de exercerem ações específicas, em conjunto estabilizam
a articulação glenoumeral e mantém a cabeça do úmero centralizada na cavidade glenoidal.7

Também utilizando regras mnemônicas, podemos facilitar o aprendizado das ações de


cada músculo.

1. Deltoide: “Batman”, é o principal abdutor do ombro;


2. Supraespinal: “Robin”, inicia e auxilia o deltoide nos primeiros graus de abdução;
3. Redondo maior: “Gêmeo do Bem" - traz para perto, assim, faz rotação medial;
4. Redondo menor: "Gêmeo do Mal" - leva para longe, realiza rotação lateral;
5. Subescapular: "Capanga do Bem" - ajuda o auxilia o gêmeo do bem ao trazer para
perto, realizando rotação medial;
6. Infraespinal: “Capanga do Mal” - auxilia o gêmeo do mal ao levar para longe, assim,
proporciona a rotação lateral.

Veias Superficiais dos Membros Inferiores

O sistema cardiovascular corresponde aos vasos sanguíneos (série de tubos) e ao


coração (bomba contrátil), responsáveis por transportarem o sangue para todo o corpo. Dentre
os tipos de vasos, podemos citar as veias sendo os vasos que chegam ao coração de forma
centrípeta. As veias podem ser classificadas com relação à sua situação de diversas formas,
como por exemplo, veias superficiais – são subcutâneas, independentes e frequentemente
visíveis.7, 12

Com relação ao trajeto das veias superficiais dos membros inferiores, temos a veia
safena magna e a veia safena parva. Para facilitar a memorização e distinção entre elas, segue
a regra mnemônica:

● Magna = Maior = Medial


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● Parva = Posterior = Poplítea

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As regras mnemônicas podem ser criadas de acordo com uma demanda individual a
partir da realidade e imaginário de cada docente ou professor. Tais regras participam de uma
vasta gama de ferramentas utilizadas para facilitar o aprendizado em Anatomia Humana.
Assim como a história da deusa “Mnemosine”, essas estratégias serviriam para preservar a
memória ao associar o conhecimento científico a si mesmo e a diversas outras
generalidades, promovendo a manutenção das informações anatômicas.

REFERÊNCIAS

1. KURY, Mário da Gama. Dicionário de mitologia grega e romana. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, v. 8, 1990.
2. LING, Y. U. et al. Retention of basic science information by senior medical
students. Academic Medicine, v. 83, n. 10, p. S82-S85, 2008.
3. MCDEAVITT, James T.; KING, Kara C.; MCDEAVITT, Kathleen R. Learning
Brainstem Anatomy: A Mnemonic Device. PM&R, v. 6, n. 10, p. 963-966, 2014.
4. LEVIN, Joel R. et al. Mnemonic vocabulary instruction: Additional effectiveness
evidence. Contemporary Educational Psychology, v. 17, n. 2, p. 156-174, 1992.
5. KALEIDA, Phillip H. et al. Mastering diagnostic skills: Enhancing Proficiency in
Otitis Media, a model for diagnostic skills training. Pediatrics, v. 124, n. 4, p. e714-
e720, 2009.
6. MASSON, Sarah C. et al. Validity evidence for FASTHUG-MAIDENS, a
mnemonic for identifying drug-related problems in the intensive care unit. The
Canadian journal of hospital pharmacy, v. 66, n. 3, p. 157, 2013.
7. MOORE, K.L; DALLEY, A. F; AGUR, A. M. R. Anatomia Orientada para Clínica.
7ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.
8. STANDRING, S. Gray’s Anatomia. 40ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
9. MACHADO, A. B. M.; HAERTEL, L. M. Neuroanatomia Funcional. 3ª ed. São
Paulo: Atheneu, 2006.
10. MARTINEZ, A. M. B.; ALLODI, S.; UZIEL, D. Neuroanatomia Essencial. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.
11. MENESES, M. S. Neuroanatomia aplicada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2011.
12. DANGELO, J. G.; FATTINI, C. A. Anatomia Humana Sistêmica e Segmentar. 3ª
ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2007.
13. https://www.auladeanatomia.com/novosite/
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OS IMPASSES NO RECONHECIMENTO CURRICULAR DA LIGA DE


ANATOMIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Elayne Cristina de Oliveira Ribeiro¹*; Rayssa Gomes Santos Palmeira²; Renata Mirella Brasil
da Silva Lima³; Eulâmpio José da Silva Neto4

1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade


Federal de Pernambuco / Colaboradora da Liga de Anatomia da UFPB;
2. Acadêmica de Medicina da Universidade Federal da Paraíba / Presidente da Liga de
Anatomia da UFPB;
3. Acadêmica de Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba / Vice-presidente da
Liga de Anatomia da UFPB;
4. Professor de Anatomia do Departamento de Morfologia da Universidade Federal da
Paraíba / Coordenador da Liga de Anatomia da UFPB.
E-mail: elayneribeiroenf@gmail.com

INTRODUÇÃO
As Ligas de Anatomia Humana são entidades estudantis, sem fins lucrativos, que se
propõem ao estudo e promoção da Anatomia Humana em seus vários aspectos e, a maioria,
obedecem ao tripé universitário (ensino, pesquisa e extensão) (SILVA et al., 2015; YANG et
al., 2019). A primeira liga do Brasil, foi a Liga de Combate à Sífilis da Universidade de São
Paulo fundada em 1920, o formato era diferente das ligas atuais, pois procuravam vivenciar a
prática médica combatendo os agravos da época em instituições hospitalares e da saúde
(SANTANA, 2012). Hoje, as ligas no geral se aproximaram das instituições de ensino
cumprindo as atividades acadêmicas, e em alguns casos, com estágios práticos.

Teoricamente, essas entidades são livres de obrigações acadêmicas fixas, tais como
envio de relatório, produção científica, cumprimento de carga horária impositiva, pois elas
não pertencem à grade curricular dos cursos. Os alunos possuem autonomia, liderança e são
coordenados por um ou mais professores que tenham vínculo com a universidade em questão.
Não possuem estrutura física e regimentos de fundação estabelecidos, as normativas são
produzidas por seus membros com regras em comum acordo e sem interferência da instituição
vinculada. E, por essa liberdade e independência de suas filiações, as ligas de anatomia
acabam não sendo reconhecidas e certificadas por suas instituições.

Em especial as ligas de anatomia humana vêm deixando de ser exclusivamente da área


médica, visto que, por pertencer às ciências básicas, todos os cursos da saúde têm acesso à
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disciplina de Anatomia Humana. Enquanto as ligas médicas possuem órgãos que as apoiam e
viabilizam certificados com validade para programas de residência médica, as ligas
acadêmicas multiprofissionais enfrentam dificuldades no tocante a sua certificação final. A
falta de uniformização na emissão dos certificados faz com que elas tenham um peso diferente
em processos seletivos, em alguns casos sem validade alguma, anulando todo um histórico de
trabalho e esforço realizado pelos discentes e docentes. A situação é ainda mais frustrante
quando as seleções de pós-graduação da área de morfologia e afins não pontuam a
participação em ligas de anatomia.

O objetivo do presente trabalho é relatar as dificuldades enfrentadas pela liga de


anatomia, a qual fazemos parte, em relação à validação da certificação final.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

A Liga de Anatomia da Universidade Federal da Paraíba (LAAUFPB) existe desde


2014, e o seu principal objetivo é o fortalecimento da Anatomia Humana no nosso estado
(Paraíba). A LAAUFPB é acadêmica e aceita anualmente alunos de diferentes cursos da área
da saúde. Desde que foi fundada, a certificação final de participação como membro ligante é
uma questão problemática, principalmente em programas de residência médica, que em
alguns casos requisitam que a liga esteja vinculada a um órgão de medicina. Mas como
resolver essa questão se somos uma liga acadêmica?

Para os nossos ligantes, os ganhos em processos seletivos têm sido de forma indireta
pontuados em: produção científica, organização e participação de eventos, cursos de
capacitação e outros. No entanto, a participação em ligas deveria ser considerada pelas
instituições como um importante aspecto da formação acadêmica, que vai muito além apenas
do eixo de extensão, pois na sua evolução ela abarca os 3 pilares da universidade.

A Liga de Anatomia e o tripé universitário

Não existe uma padronização de regras que norteiam uma liga, sendo assim, ao ser
fundada, de forma particular, os membros elaboram o estatuto (conjunto de regras, objetivos e
funções). Fica livre a escolha de como serão as atividades exercidas, se a liga terá um foco
mais voltado para o ensino, pesquisa, extensão ou se seguirá o tripé universitário.
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Acompanhando os trabalhos das ligas de anatomia nas redes sociais podemos observar
diversas atividades que englobam todos os eixos.

No ensino, elas promovem estudos de anatomia em equipe, algumas incluindo o uso


de metodologias ativas. As peças utilizadas são cadavéricas, sintéticas ou maquetes didáticas
elaboradas pelos membros. Vale salientar que é muito comum monitores de anatomia também
fazerem parte das ligas, fato que agrega esse eixo, e em determinadas situações as ligas são
compostas somente por monitores de anatomia. Algumas atividades são comuns, como:
promoção de aulas e ciclos de palestras que contemplam um tema em anatomia ligado a parte
clínica; revisão de conteúdo; dissecação; produção de material didático e atividades que ligam
anatomia e arte.

Na pesquisa, fica claro a participação das ligas nos Congressos, Simpósios e Encontros
de Anatomia para a apresentação de trabalhos, sendo esse o momento em que elas expõem as
suas evidências científicas, mostram o seu brasão e levam o nome da sua instituição para o
público de interesse.

Na extensão, há promoção de atividades dentro e fora da universidade, como a


realização de cursos de capacitação interna e externa para membros e comunidade acadêmica.
Ademais, participam de estágios supervisionados em hospitais, clínicas e serviços de
verificação de óbitos, além de organizar eventos científicos: encontros, simpósios e
congressos. Algumas possuem projetos de extensão vinculados à instituição e coordenados
pelo(a) professor(a) coordenador(a) e que geram certificados de extensionistas, a exemplo de
um projeto de extensão ver a (Fig. 1). Além disso, há ligas que são projeto de extensão, nesse
caso por estarem diretamente vinculadas à universidade, a certificação é emitida pela
coordenação de extensão universitária.
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Figura 1. Atividade Dissecanato pertencente ao eixo de Extensão da Liga Acadêmica de


Anatomia da UFPB. A LAAUFPB realiza esse evento pelo menos 4 vezes ao ano, sempre
com temáticas diferentes, o processo é o mesmo: palestra de um determinado tema na
anatomia correlacionada à clínica, seguida de dissecação da região abordada com a
participação dos estudantes ouvintes. Os participantes e palestrantes recebem o certificado de
participação pela Liga, enquanto os Ligantes recebem o certificado pela assessoria de
extensão universitária da UFPB. Fonte: LAAUFPB, 2019.

Diferentes formas de atuação tornam as ligas de anatomia entidades diversificadas e


com seu poder de atuação ampliado. O benefício gerado por esse trabalho multifacetado é
uma rica experiência curricular aos seus membros, que, ao concluir a sua formação
acadêmica, conseguem ser rapidamente contemplados em processos seletivos, ainda que
exista esse entrave na certificação oficial como ligante.

As Ligas de Anatomia e a Sociedade Brasileira de Anatomia


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A Sociedade Brasileira de Anatomia (SBA) tem caráter científico e é composta por


uma diretoria e seus sócios, a sua finalidade é o progresso da Morfologia. Dentre suas
atribuições, está a de conferir títulos e certificados, apesar de não emitir (até o momento)
certificação das ligas, estabelecer regras para a formação de novas ligas ou uniformização das
existentes. Contudo, existe um espaço no site da SBA dedicado às Ligas de Anatomia a nível
nacional. Atualmente, não conseguimos ter um panorama de quantas ligas de anatomia
existem no Brasil, isso porque muitas não realizaram o cadastro na SBA. Até o presente
momento, têm-se: 36 ligas cadastradas distribuídas em 18 estados (Tab. 1).

Tabela 1. Panorama de distribuição das Ligas de Anatomia do Brasil cadastradas na SBA


(Ano 2020).

REGIÃO ESTADO LIGAS DE N %


ANATOMIA
Norte Pará 1 2 6%
Amazonas 1
Nordeste Bahia 3 12 33%
Paraíba 2
Piauí 2
Alagoas 2
Rio Grande do Norte 1
Ceará 1
Maranhão 1
Centro-oeste Goiás 4 6 17%
Distrito Federal 1
Mato Grosso do Sul 1
Sudeste Minas Gerais 6 11 30%
São Paulo 2
Rio de Janeiro 2
Espírito Santo 1
Sul Paraná 4 5 14%
Santa Catarina 1
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Fonte: https://sbanatomia.org.br/ligas-academicas-2/
Podemos observar que existe um interesse ou incentivo maior nas regiões nordeste e
sudeste, mas sabemos que esse número tende a ser bem maior, visto que muitas Ligas que
participam do Encontro de Ligas, promovido pela SBA nos Congressos Brasileiros de
Anatomia, não se cadastraram na sociedade e isso poderia ser incentivado nos eventos futuros.
O Encontro das Ligas de Anatomia ainda tem pouca adesão nos congressos e simpósios, de
certa forma, isso restringe o espaço dedicado a esse momento na programação dos eventos,
sendo por vezes colocado em horário e local que não beneficiam o protagonismo das Ligas
(Fig.2).

Figura 2. IV Encontro de Ligas Estudantis de Morfologia ocorreu em 2018 no XXVIII


Congresso Brasileiro de Anatomia promovido pela Sociedade Brasileira de Anatomia. Na
oportunidade, apenas 13 ligas de anatomia do território nacional participaram do momento.
Fonte: LAAUFPB, 2018.

Vale salientar que é justamente nos encontros das ligas que podemos compartilhar
nossas experiências e dificuldades, assim como essa do presente estudo, e, geralmente, a
problemática é comum a todas.

Cenário atual e considerações finais

Atualmente, com raras exceções, as ligas não estão sob a responsabilidade das
instituições públicas e privadas, exceto as que se filiam a órgãos que coordenam as ligas
médicas. Devido ao fato de serem criadas e findadas sem qualquer fiscalização ou órgão
responsável, elas são uma realidade crescente, mas, ao mesmo tempo, não possuir vínculo
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com um órgão regulamentador faz com que não tenham uma certificação oficial. No caso da
LAAUFPB, os certificados vêm sendo emitidos pelo presidente e o professor coordenador da
liga, esse documento não consegue valor nas residências médicas por não estarmos vinculados
à associações médicas ou à universidade, tão pouco consegue validade nas seleções de pós-
graduação da área, pois os programas não atentaram ainda para a inclusão da participação de
ligas nos currículos.

A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem uma resolução Nº 02/2019 que


estabelece normas para o reconhecimento e funcionamento das Ligas Acadêmicas dos seus
cursos da graduação, o Art. 4º afirma que elas devem ser cadastradas na modalidade de
extensão universitária. Esse caminho, já vem sendo percorrido por outras ligas de anatomia,
onde a certificação final é emitida como extensionistas.

Com o passar dos anos e a expansão das ligas as suas atividades deixaram de ser
somente para o campo da prática médica e passaram a ter um foco acadêmico. E apesar de
sermos consideradas como extensão universitária, as nossas atividades não se limitam apenas
a esse eixo. Como Liga de Anatomia, devemos buscar nossa inserção nos processos seletivos
da área, beneficiando não somente a nossa ciência, mas também os membros que lutam
diariamente por ela.

REFERÊNCIAS

SILVA, JHS; CHIOCHETTA, LG; OLIVEIRA, LFT; SOUSA, VO. Implantação de uma
Liga Acadêmica de Anatomia: Desafios e Conquistas. Revista brasileira de educação
médica. 2015; 39 (2): 310-315.
YANG, GYH; BRAGA, ACB; HIPÓLITO, NC et al. Liga de Anatomia Aplicada (LAA): as
Múltiplas Perspectivas sobre Participar de uma Liga Acadêmica. Revista brasileira de
educação médica. 2019; 43 (1): 80-86.
SANTANA, ACDA. Ligas acadêmicas estudantis. O mérito e a realidade. Revista medicina
USP. 2012; 45(1): 96-8.
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A CODIFICAÇÃO POR CORES COMO FERRAMENTA


FACILITADORA NO APRENDIZADO DA ANATOMIA DOS
MÚSCULOS DO ANTEBRAÇO

Ana Beatriz Oliveira da Fonsêca¹, Héwerton Gabriel Silva dos Anjos², Vitória de Almeida
Lopes², Wigínio Gabriel de L. Bandeira³, Ivson Bezerra da Silva4.
1. Discente de Fisioterapia e Estagiária da Disciplina Anatomia II da Universidade Federal
da Paraíba - UFPB.
2. Discente de Fisioterapia e Monitor da Disciplina de Anatomia II da Universidade Federal
da Paraíba - UFPB.
3. Discente de Enfermagem e Estagiário da Disciplina Anatomia II da Universidade Federal
da Paraíba - UFPB.
4. Professor de Anatomia Humana, Departamento de Morfologia, Centro de Ciências da
Saúde, Universidade Federal da Paraíba – UFPB.

INTRODUÇÃO

A anatomia humana, na transmissão de conhecimentos, é fundamental para os cursos


da área da saúde, sendo considerada o pilar da formação profissional, envolvida pelas demais
disciplinas que promovem o aprendizado sobre as diferentes partes do corpo,
correlacionando-as com sua funcionalidade, e tem como objetivo, descrever as estruturas e
sua localização no corpo humano.

Esta disciplina da área morfológica é tida como uma ciência descritiva, que requer
nomes para estruturas e processos do corpo, os chamados termos anatômicos e, para uma
melhor compreensão destas estruturas e sua localização, há livros específicos que abordam
estes termos, indicando tamanho e função. Além disso, a formação também se dá por meio de
peças cadavéricas dissecadas, em que expostas as regiões necessárias para o aprendizado.

O ensino desta disciplina ainda representa um desafio, por ser complexa em


quantidade de nomes, que precisam ser compreendidos para aprendizado da anatomia em si e
de disciplinas conseguintes, que têm anatomia como pré-requisito, e indispensável na
construção do conhecimento da prática dos estudantes da área da saúde e da linguagem
clínica, com um vasto conteúdo que precisa ser correlacionado com práticas da saúde.

As primeiras aulas de anatomia humana registradas foram da época da Escola de


Alexandria em que, segundo Galeno, foram realizadas as primeiras dissecações públicas de
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 37

corpos humanos e animais. No século XVI houve a publicação da primeira obra literária
referente à anatomia humana, contribuindo com o desenvolvimento da ciência anatômica, tais
como a comparação das estruturas anatômicas entre humanos e animais, e explicações de
funcionalidade, além da utilização de figuras para representar conhecimentos científicos e
facilitar a compreensão do conteúdo a ser analisado. Mas só no século XVIII o estudo das
camadas corpóreas já tinha investigado, identificado e descrito grande parte das estruturas,
permitindo, de forma gradual, a outras disciplinas que viriam a estabelecer as relações entre
essas estruturas, como a fisiologia, patologia e imunologia.

Contudo, se por um lado a Anatomia Humana desperta curiosidade, interesse e


vontade de aprender entre os acadêmicos dos cursos da saúde, por outro pode vir a despertar a
insegurança, devido a sua especificidade para a absorção de conteúdo, tendo em vista a
aquisição de um novo vocábulo, anatômico e clínico, atribuição dos significados e funções às
palavras aprendidas e a correlação disso com a prática clínica.

Para promover a formação acadêmica com a base anatômica de forma correta, é


requerido a intervenção eficiente do professor, utilizando estratégias de ensino e materiais
potencialmente significativos, além de estar disposto a aprender por parte dos alunos,
compondo os princípios importantes para o desenvolvimento da aprendizagem significativa.

O método tradicional da aprendizagem, que deu-se início em meados século XVIII,


acreditava que, para formação adequada de bons profissionais, era necessário que os
estudantes carregassem consigo um vasto conteúdo armazenado em sua mente. Ainda neste
método, o professor era visto como o detentor de todo o conhecimento e, portanto, o único
que poderia atuar de forma ativa neste processo de ensino.

O aluno era ensinado pelo método da repetição, a memorização dos conteúdos de


forma mecanizada, logo, o papel desse era o de ler, memorizar e assimilar os conteúdos
ministrados em sala de aula, tornando-se agente passivo da relação entre aluno e professor, e
sua capacidade, então, medida por sua capacidade de armazenar os assuntos, não pela
habilidade de compreensão que trazia consigo.

O ensino, em si, demonstra ser um grande desafio, sendo necessário contornar


dificuldades frequentes, tais como conciliar a quantidade de conteúdos e conseguir abordar
todos no período de aulas,entre outros e, com isto, surgiu a ideia da pedagogia libertadora,
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 38

sustentada pelo modelo de Paulo Freire, que acreditava ser importante a relação entre docente
e discente, sem uma hierarquia, na qual era possível que todos ensinassem e aprendessem de
forma conjunta.

No meio acadêmico, ao preocupar-se com a formação correta dos acadêmicos da área


da saúde, o Ministério da Educação, em 20 de junho de 2014, publicou diretrizes que
reforçam a necessidade da participação ativa dos estudantes, afirmando o dever de utilização
de metodologias que privilegiem a participação ativa dos alunos na construção do
conhecimento e integração entre conteúdos já ministrados.

No processo de ensino e aprendizagem, as experiências metacognitivas dos estudantes,


como dificuldades e confiança, estão relacionados às emoções negativas e positivas e, essa
última em especial, resulta em maior disposição dos estudantes em investir esforço mental na
aprendizagem. As emoções são acometidas ao longo do ensino e, com auxílio de fatores
estimulantes para uma boa aprendizagem, é possível atingir positivamente o emocional do
estudante. A Teoria Cognitiva Afetiva da Aprendizagem de Moreno (TCAAM) afirma que,
durante a prática do conteúdo, os estudantes selecionam materiais verbais e visuais relevantes
a partir do que lhes é apresentado, para então construir representações internas que conecte
esses elementos entre si e com o conhecimento prévio. Uma das premissas da TCAAM
explora a indução de emoções positivas nos estudantes por meio de uso das cores, facilitando
a compreensão e a melhora do desempenho acadêmico.

Portanto, o referido trabalho tem, como objetivo, perceber, através de um relato de


experiência, se o uso fitas de cetim coloridas como codificação da miologia do antebraço
melhorara a aprendizagem e, consequentemente, aumenta o número de acertos nas provas
práticas dos discentes que vivenciaram tal prática em comparação com turmas anteriores que
não vivenciaram esta experiência.

METODOLOGIA

Participaram da pesquisa 24 estudantes, do curso de fisioterapia, que cursavam a


disciplina Anatomia II, como componente obrigatório curricular do ciclo básico, no segundo
período do curso, da Universidade Federal da Paraíba, cuja ementa aborda o aparelho
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 39

locomotor. Os estudantes foram expostos a aulas teóricas expositivas de anatomia dos


membros superiores (MMSS), e aulas práticas com peças cadavéricas e sintéticas.

O estudo da anatomia dos músculos do antebraço é considerado como mais complexo,


por ser um segmento com uma grande quantidade de músculos e camadas e, por isso, é o
conteúdo que apresenta mais dificuldade de compreensão e absorção de assuntos por parte dos
estudantes.

Por este motivo, em um momento de monitoria que antecedeu a avaliação referente


aos membros superiores, cada músculo deste segmento foi demarcado com fitas de cetim de
cores variadas, escolhidos de forma aleatória, e sua legenda exposta no quadro negro (Figura
1). Após a apresentação das estruturas e suas respectivas fitas, os nomes dos músculos foram
citados, sem seguir uma sequência lógica, e os alunos deveriam apontá-los por suas
demarcações.

Em seguida, os estudantes foram submetidos a uma avaliação teórico-prática sobre os


MMSS e, no método avaliativo, 8 questões abordavam a miologia do antebraço.
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Figura 1. As imagens mostram o quadro negro do laboratório de aulas práticas de anatomia


com os músculos e as fitas coloridas como legenda, os músculos do antebraço marcados com
as fitas e os estudantes participando da dinâmica.
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RESULTADOS

Foi percebido que, quando comparada à média da prova do módulo de MMSS da


turma participante da dinâmica (2019.2) com as turmas dos semestres 2018.2 e 2019.1,
verificou-se um aumento de 21,8% e 24,3%, respectivamente, no desempenho acadêmico dos
estudantes que participaram da atividade com as fitas coloridas.
Cerca de 87,5% dos estudantes da turma acertaram pelo menos 6, das 8 questões
presentes na prova sobre a miologia do antebraço, e apenas 12,5% dos estudantes acertaram
menos de 50% das questões (4 ou menos).

DISCUSSÃO

A metodologia ativa utilizada neste trabalho mostrou-se eficiente no processo de


ensino-aprendizagem de anatomia da miologia do antebraço. Idealizada com base no projeto
pedagógico do curso, a dinâmica foi realizada correlacionado o conhecimento teórico-prático
com a prática profissional, de forma mais lúdica, em busca da melhora da absorção do
conteúdo a ser estudado.

O uso de metodologias ativas como estratégia de ensino permite observar o bom


desenvolvimento dos estudantes no contexto diário, obtendo como resultado a formação
aperfeiçoada, crítica e reflexiva, desses. A aplicação deste tipo de abordagem dentro de um
currículo tradicional permitiu uma aprendizagem diferenciada, envolvendo experiências
metacognitivas, resultando na construção do conhecimento a partir da atuação ativa dos
estudantes. Na metodologia ativa, os papeis de discente e docente são invertidos e, durante a
realização das atividades acadêmicas abordadas por essa metodologia, os alunos assumem a
construção do conhecimento e o docente facilita o processo de aprendizagem.

Além da utilização deste tipo de metodologia como facilitador do aprendizado, o uso


da Teoria Cognitiva Afetiva da Aprendizagem de Moreno (TCAAM), como reforço positivo,
afirma que, durante a prática do conteúdo, os estudantes selecionam materiais verbais e
visuais relevantes a partir do que lhes é apresentado, para então construir representações
internas que conecte esses elementos entre si e com o conhecimento prévio.

Uma das premissas da TCAAM explora a indução de emoções positivas nos


estudantes por meio de uso das cores, facilitando a compreensão e a melhora do desempenho
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 42

acadêmico (PLASS, 2014), consolidando com o fato da prática ser responsável por estimular
animação e interesse nos alunos.

Ao estudar a miologia do antebraço, com sua vasta quantidade de músculos, separados


por diversas camadas e pontos de fixações distintos, o uso do estudo tradicional, que trabalha
a memorização mecanizada e repetição para fixar conteúdos, demonstra não ser suficiente
para alcançar uma aprendizagem significativa, fazendo-se necessário o uso de estratégias
lúdicas, dinâmicas, para promover facilitação do aprendizado.

Conforme pôde ser visto anteriormente, grande parte dos estudantes (87,5%),
participantes da monitoria com o uso de fitas coloridas para facilitar a aprendizagem,
acertaram pelo menos 6 das 8 questões sobre miologia do antebraço abordada na avaliação,
concordando com Um e colaboradores (2011), que afirmam que o uso do design positivo é
capaz de induzir emoções positivas nos alunos e resulta em maior desempenho de
compreensão e maior transferência de desempenho. Os autores também concordam que a
complexidade da atividade faz com que os estudantes invistam mais esforço mental no
processamento do conteúdo, tornando-se mais motivados e satisfeitos quando comparados ao
método tradicional de ensino.

Sabe-se que a emoção, junto a memória e a atenção, é essencial para a formação dos
processos de aprendizagem, e isto, nas interações sociais, atividades coletivas, entre outras
coisas, é de suma importância e relevância. Logo, foi percebido um bom desenvolvimento dos
alunos na avaliação, em comparado com as turmas anteriores, que não participaram de
metodologia ativa no aprendizado da miologia do antebraço.

Quando verificada a média da prova do módulo de membros superiores da turma


participante da dinâmica (2019.2) com duas turmas de semestres anteriores (2018.2 e 2019.1),
que não participaram, foi percebido um aumento de 21,8% e 24,3%, respectivamente, no
desempenho acadêmico dos estudantes que participaram da atividade com as fitas coloridas,
comprovando que sentimentos positivos desempenham um papel importante na aprendizagem
e devem ser levados em consideração ao projetar a aprendizagem por meio da metodologia
ativa.

Em tratar-se de construção coletiva e colaborativa do aprendizado, Mattos (2017)


afirma que o trabalho docente não deve estar restrito, somente, a transmissão do conteúdo,
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mas, deve envolver os estudantes na construção do conhecimento. Assim, surge a necessidade


de o professor propor ações que organize, desperte, construa e que principalmente vença os
obstáculos encontrados pelos discentes frente a novas estratégias de ensino, o que por vezes é
uma tarefa extremamente complexa.

Os obstáculos mencionados apresentam-se vencidos, uma vez que os estudantes


demonstraram maior facilidade ao responder as questões do assunto abordado na dinâmica,
com grande parte dos alunos acertando mais de 50% das questões (6 ou mais), e apenas
12,5% dos estudantes acertaram menos da metade das questões (4 ou menos).

De certa forma, houve a percepção, por parte dos estudantes, mesmo que de maneira
inconsciente, da importância de “sair da comodidade” praticada numa abordagem tradicional,
o que Paulo Freire classificou como educação bancária, quando o conteúdo é apenas
“depositado” na cabeça dos estudantes, impedindo a participação desses de forma ativa na
construção do conhecimento (BRIGHENTE & MESQUIDA, 2016).

CONCLUSÃO

A metodologia aplicada parece ser eficaz, interferindo de forma positiva no


desempenho dos discentes ao realizarem a avaliação sobre MMSS, possibilitando um meio
facilitador para aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: Anatomia, Avaliação Educacional, Fisioterapia.

REFERÊNCIAS

FORNAZIERO, C. C. et al. O ensino da anatomia: integração do corpo humano e meio


ambiente. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 34, n. 2, p. 290–297, jun. 2010.

MACEDO, K. D. DA S. et al. Active learning methodologies: possible paths to innovation in


health teaching. Escola Anna Nery, v. 22, n. 3, 2 jul. 2018.
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MATTOS MP. Metodologias ativas auxiliares no aprendizado das ciências morfofuncionais


em perspectiva clínica: um relato de experiência. Revista de Ciências Médicas e Biológicas.
2017; 16 (2): 146-50.

PLASS, J. L. et al. Emotional design in multimedia learning: Effects of shape and color on
affect and learning. Learning and Instruction, v. 29, p. 128–140, 1 fev. 2014.

SALBEGO, C. et al. Percepções Acadêmicas sobre o Ensino e a Aprendizagem em Anatomia


Humana. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 39, n. 1, p. 23–31, mar. 2015.

SILVA, J. H. DA et al. O ensino-aprendizagem da anatomia humana: avaliação do


desempenho dos alunos após a utilização de mapas conceituais como uma estratégia
pedagógica. Ciência & Educação (Bauru), v. 24, n. 1, p. 95–110, jan. 2018.

TALAMONI, A. C. B. et al. A anatomia e o ensino de anatomia no Brasil: a escola boveriana.


História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 21, n. 4, p. 1301–1322, dez. 2014.

UM, E., PLASS, J. L., HAYWARD, E. O., & HOMER, B. D. (2011). Emotional design in
multimedia learning. Journal of Educational Psychology, 104(2), 485-498.
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CERIMÔNIA EM HOMENAGEM AO CADÁVER DESCONHECIDO:


UM MODELO PARA SENSIBILIZAÇÃO DOS DISCENTES

Amira Rose Costa Medeiros1, Ana Aline Lacet Zaccara2, Ana Karine Farias da Trindade2,
André de Sá Braga Oliveira2, Monique Danyelle Emiliano Batista Paiva2, Andréa
Sarmento Queiroga2, Iraquitan de Oliveira Caminha2, Marianne Vieira Aragão Barbosa3,
Alvaro Braga Dutra3, Klaus Helmer Kunsch3, Marlon Alexandre de Albuquerque3,
Rayanne Trocoli Carvalho3, Antonio Tarcísio Pereira Filgueira4, Pamella Kelly Farias
Diniz4, Wilson José de Miranda Lima4, Eulâmpio José da Silva Neto2.

1. Coordenadora do Programa de Doação de Corpos e Professora de anatomia humana da


UFPB. E-mail: amiramedeiros@gmail.com
2. Professor (a) Membro do Programa de Doação de Corpos da UFPB.
3. Extensionista do Programa de Doação de Corpos e discente da UFPB.
4. Técnico de anatomia humana da UFPB.

INTRODUÇÃO
A disciplina Anatomia Humana é um componente curricular fundamental para os
cursos da área da saúde e envolve um conteúdo vasto e de grande aplicabilidade ao estudante
e profissional (FOREAUX et al, 2018). A dissecação do corpo humano é fundamental ao
estudo da anatomia (LOPES; LIMA, 2017), sendo imprescindível o uso de cadáveres
humanos para o processo ensino-aprendizagem, quer seja por encorajar o pensamento crítico e
investigativo, como para fortalecer a humanização dos futuros profissionais da saúde
(COSTA; COSTA; LINS, 2012). Em contrapartida, o número de cadáveres disponíveis para
estudo é restrito (MARSOLLA, 2013), apesar do amparo legal para utilização de cadáveres
não reclamados (BRASIL, 1992; MOURTHÉ FILHO, et al., 2016), e para a doação
voluntária e gratuita do corpo para fins científicos depois da morte (BRASIL, 2002). Vários
países têm o processo de doação bem disseminado e eficaz, (MELO; PINHEIRO, 2010),
porém no Brasil, falar em morte ainda é um tabu, e a maioria das pessoas tem medo de morrer
e evita abordar o tema (RODRIGUES, 2019).
Assim, considerando o baixo fluxo de cadáveres não reclamados, seguindo a tendência
de outras instituições de ensino no Brasil na última década (DEMBOGURSKI et al, 2011) e
respeitando o princípio ético de receber corpos de pessoas que expressaram o desejo de serem
doadas para estudo, o Programa de Doação de Corpos da Universidade Federal da Paraíba
(PDC/UFPB) foi implantado em março de 2019. Seu objetivo é divulgar e orientar sobre o
processo de doação voluntária de corpos para fins de estudo, receber o corpo e destiná-lo, de
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forma ética e respeitosa, às atividades de ensino e pesquisa realizadas no âmbito do Campus I


da UFPB.
Durante as discussões que nortearam a implantação do PDC/UFPB, identificou-se a
necessidade de reforçar o respeito e a gratidão para com os corpos doados, como pilar
fundamental de trabalho, para garantir um discurso coeso e fundamentado. Percebeu-se a
importância de fortalecer a sensibilidade da comunidade acadêmica acerca do respeito aos
preceitos éticos que envolvem os cuidados direcionados à manipulação dos cadáveres, para
estimular na sociedade sentimentos de acolhimento, confiança e altruísmo. Assim o
PDC/UFPB instituiu a Cerimônia em Homenagem ao Cadáver Desconhecido, visando à
conscientização de discentes, docentes e servidores técnicos, como evento semestral interno,
realizado com as turmas que iniciam o estudo anatômico. Este relato tem como objetivo
descrever a experiência da implantação desta cerimônia no Departamento de Morfologia, no
ano de 2019, descrevendo aspectos metodológicos da organização do ambiente, bem como o
roteiro textual utilizado, disposto por seções temáticas, e discutindo os resultados alcançados
e impressões provocadas.

DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA
Relata-se a experiência de implantação da Cerimônia em Homenagem ao Cadáver
Desconhecido, junto às turmas de graduação que ingressam no estudo da anatomia. As
cerimônias do PDC/UFPB ocorreram durante as primeiras semanas dos semestres letivos, e
foram conduzidas pelos docentes e 23 extensionistas discentes de sete cursos: biomedicina,
enfermagem, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição e psicologia. No semestre
2019.1, a atividade envolveu 16 turmas dos cursos de biomedicina, ciências biológicas,
educação física, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição,
odontologia e psicologia, com um total de 685 discentes que tiveram a oportunidade de
participar do momento. No semestre 2019.2, participaram 14 turmas, com 426 alunos, número
menor, visto que no primeiro semestre a cerimônia foi realizada também com turmas que
cursavam o segundo ou terceiro período.
As atividades foram realizadas por turma, geralmente no início ou final do horário
normal da aula de anatomia. Os discentes eram conduzidos pelo próprio professor da
disciplina para um laboratório reservado e previamente organizado para a cerimônia, durante
o período de realização das mesmas. Escolheram-se as primeiras semanas do semestre para
que a vivência do momento pudesse se refletir no comportamento dos alunos ao longo do
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 47

tempo que estariam nos laboratórios de anatomia. O laboratório escolhido apresentava


disposição da bancada de granito em formato de “U”, permitindo que os alunos se
dispusessem em torno do centro, onde foi organizada uma bancada central que abrigava um
cadáver coberto. Diante do corpo, uma pequena mesa, coberta com renda branca foi colocada
para oferta de rosas.
A cerimônia foi conduzida por 3 a 4 alunos extensionistas do PDC, que acolhiam,
apresentavam o programa e norteavam as homenagens, sendo um deles responsável pelo
instrumento musical. Durante a cerimônia os extensionistas trajavam vestimenta adequada ao
laboratório de práticas anatômicas, que corresponde ao uso de calça comprida, sapato fechado
e jaleco. Foi feita uma escala de rodízio para dar cobertura aos horários de todas as turmas
iniciantes. As etapas do roteiro utilizado para sequência da cerimônia estão detalhadas na
descrição da experiência
Como materiais utilizados, foram providenciados três ramalhetes de flores artificiais,
um violão para música ambiente, microfone e caixa de som para leitura das homenagens.
Foram impressos em gráfica, marcadores de página contendo a Oração ao Cadáver
Desconhecido e informações acerca do PDC, de modo que cada aluno recebeu um marcador
para acompanhar a leitura, além de levar como lembrança, para poder dispor do contato do
PDC nas mídias sociais, e assim acompanhar as postagens referentes ao programa. No
segundo semestre de realização das cerimônias também foi adicionado ao cenário um banner
do PDC, confeccionado para os eventos de divulgação externa, e os extensionistas usaram sob
o jaleco a camiseta com logomarca do PDC/UFPB, o que agregou valor e identidade à
cerimônia.

RELATO DA EXPERIÊNCIA
A Cerimônia teve como pilar a elaboração de um roteiro que permitisse a repetição da
atividade nas várias turmas iniciantes, e que pudesse ressaltar a importância da anatomia, do
estudo no cadáver, do respeito e gratidão. Os discentes da turma eram conduzidos para o
laboratório, onde eram acolhidos pela equipe do PDC/UFPB, e acomodados em torno da
bancada circular, mantendo o cadáver coberto no centro da sala (Foto 1).
No início da cerimônia, o extensionista, responsável pela Etapa de Acolhimento, se
apresentava como membro do projeto de extensão e cumprimentava os presentes (Foto 2).
Iniciava questionando o motivo de estarem ali, e respondia evidenciando a importância da
anatomia para a formação do profissional de saúde:
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Fala inicial do extensionista responsável pelo acolhimento da turma:


“O estudo da anatomia humana é um dos primeiros impactos que o graduando da
área de saúde, ou áreas afins, sente ao chegar à universidade. Aprender sobre o
corpo humano pode ser, para uns, belíssimo; para outros, desafiador; alguns podem
ter aversão, outros podem ter uma paixão imensa. Mas, é certo que é uma das
disciplinas mais importantes na formação do bom profissional de saúde, quer seja
para o exame físico, para a interpretação de exames diagnósticos, para realizar
tratamentos clínicos e cirúrgicos, para propiciar a base do entendimento fisiológico
e patológico, para permitir o cuidado adequado, a reabilitação correta, a promoção
da saúde. ”

Foto 1. Registro fotográfico da turma durante acolhimento para Cerimônia em Homenagem ao Cadáver
Desconhecido no semestre 2019.2, organizada pelo Programa de Doação de Corpos da UFPB. João Pessoa, PB,
Brasil, 2019. Fonte: Arquivo do PDC/UFPB (2019).

Foto 2. Registro fotográfico da Cerimônia em Homenagem ao Cadáver Desconhecido no semestre 2019.1,


organizada pelo Programa de Doação de Corpos da UFPB. João Pessoa, PB, Brasil, 2019. Fonte: Arquivo do
PDC/UFPB (2019).

Nesse contexto, vinha a resposta ao questionamento inicial, destacando-se a


relevância do cadáver para o estudo de anatomia, conforme a fala expressa:
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“E é por isso que estamos aqui... para homenagear e agradecer àquele que torna
viável o nosso estudo e nosso aprendizado: o cadáver. Apesar de todos os avanços
tecnológicos não há nenhum que substitua ou se compare ao estudo direto no corpo
humano; tocando, palpando, sentindo as diferentes texturas, visualizando as
relações entre órgãos, vasos, nervos, músculos; identificando trajetos e suas
variações anatômicas. Estes corpos que nos cedem a possibilidade de estudá-los
são a maior biblioteca de anatomia, uma biblioteca viva, apesar de morta. ”
Sobre este aspecto, urge reconhecer o cadáver como a principal fonte de aprendizado
em anatomia e a importância da gratidão ao corpo doado ou não identificado. Destacava-se
que haviam corpos doados à instituição, por decisão do indivíduo em vida ou da família; e
corpos doados pelo Estado, visto que não foram identificados ou reclamados pela família.
Mas que, independente da forma como tinham chegado, mereciam respeito e profunda
gratidão. Assim, a melhor forma de ser grato seria respeitando-lhes a dignidade e zelando por
sua honra.
Em seguida, na Etapa de Recomendações, reforçava-se a orientação de impedir
situações que implicassem em vilipêndio ao cadáver, explicando-se o significado do termo, e
explicitando o Artigo 212 do Código Civil, que define o crime e estabelece sua penalidade.
Esta parte do roteiro cerimonial tinha como preocupação garantir que o cadáver receba a
devida reverência, como também tenha sua memória respeitada. Reforça-se que não é
permitido apelidar, fazer brincadeiras jocosas, fotografar, filmar ou publicar imagens e vídeos
nos laboratórios, destacando que essas atitudes ferem o princípio da dignidade da pessoa
humana, podendo ser considerado crime, inclusive com repercussões ao estudante.
“Faltar-lhes com o respeito, desprezar, depreciar, profanar; ferir a honra subjetiva
de qualquer pessoa que guarde sentimentos por esse falecido, é considerado
vilipêndio ao cadáver. Por isso não é permitido fotografar ou filmar os corpos
estudados nas aulas da disciplina anatomia, exceto, quando essas imagens são para
fins de pesquisas acadêmicas com o aval do comitê de ética.”
Para finalizar esse momento da cerimônia, que traz à tona a importância do respeito ao
cadáver no estudo da anatomia, o extensionista dirigia-se especificamente à turma em
questão, solicitando além do respeito, o cuidado com o acervo anatômico:
“Por tudo isso, esperamos que todos os alunos, desta mais nova turma que aqui se
encontra, do curso de (...), possam contribuir com a preservação das peças
anatômicas deste laboratório de anatomia, possam estudar com zêlo e ética,
respeitando os corpos e, sobretudo, sendo gratos a estas pessoas, que continuam
servindo à humanidade, contribuindo com a nossa formação e com todas as vidas
que teremos oportunidade de cuidar no futuro. ”
O convite à turma para contribuir com a preservação do acervo leva à reflexão sobre a
importância do envolvimento da comunidade acadêmica nas medidas de conservação das
peças anatômicas, como a umidificação de peças nas bancadas, cobertura com tecido para
evitar ressecamento e acondicionamento nos tanques após a utilização.
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Terminada esta etapa, iniciava-se a Etapa das Homenagens, quando eram utilizados
os marcadores de páginas e os três ramalhetes de rosas (Foto 3). Neste momento todos os
discentes recebiam um marcador de página contendo a Oração ao Cadáver Desconhecido,
de autoria do médico austríaco Karl Rokitansky (1876); e, em seguida, quatro alunos da turma
iniciante eram convidados a prestarem as homenagens ao cadáver, em nome da turma, como
forma de compromisso com a ética necessária ao estudo de anatomia.
Nas cerimônias do primeiro semestre, o cadáver, que estava coberto desde o início, era
adequadamente descoberto e exposto neste momento. No segundo semestre optou-se por
manter o cadáver sempre coberto para preservar a identidade, porém utilizou-se um tecido em
renda cobrindo todo o corpo, que permitia a percepção do mesmo, sem a identificação.

Foto 3. Flores e Marcadores de Páginas com a Oração ao Cadáver Desconhecido, utilizados durante a Cerimônia
organizada pelo Programa de Doação de Corpos da UFPB. João Pessoa, PB, Brasil, 2019. Fonte: Arquivo do
PDC/UFPB (2019).

A Etapa das Homenagens iniciava-se com a leitura da Oração ao Cadáver


Desconhecido pelo 1º aluno convidado da turma, realizada ao som de música ambiente
dedilhada em violão, e acompanhada pelos demais alunos da turma no marcador de página
recebido (Foto 4). Ao concluir a leitura, o aluno da turma pedia um minuto de silêncio:
“Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido,
lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé
e esperança daquela que em seu seio o agasalhou; sorriu e sonhou os mesmos
sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou e foi amado e sentiu saudades dos
outros que partiram,
acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que por ele tivesse
derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o
sabe; mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a
humanidade que por ele passou indiferente. Tu que tivestes o teu corpo perturbado
em seu repouso profundo pelas nossas mãos ávidas de saber, o nosso respeito e
agradecimento”.
(Oração ao Cadáver Desconhecido, Karl Rokitansky, 1876)
“Por todos os corpos doados para estudo neste Departamento façamos um minuto
de silêncio”.
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Em seguida dava-se sequência às homenagens com a leitura e oferta das rosas pelos
três alunos da turma, ainda ao som do dedilhado em violão.

Foto 4. Registro fotográfico da leitura da Oração ao Cadáver Desconhecido durante a Cerimônia em


Homenagem ao Cadáver Desconhecido da UFPB. À esquerda aluno da turma fazendo a leitura e, à direita,
alunos acompanhando a leitura no marcador de páginas recebido. João Pessoa, PB, Brasil, 2019. Fonte: Arquivo
do PDC/UFPB (2019).

O segundo aluno convidado realizava agradecimento por todos os alunos beneficiados:


“Por todos os alunos que passaram pela anatomia, que aqui estudaram, e que em ti
compreenderam a perfeição do corpo humano. E por todos os alunos que agora
iniciam a caminhada em saúde, para que possam ter ética no estudo, possam
respeitar teu corpo, inteiro ou em partes; e que jamais venham a brincar, te
desprezar ou ignorar. Em nome da turma (...) te entrego esta rosa.”
Em prosseguimento, o terceiro aluno fazia a leitura de agradecimento por todas as
pessoas que se beneficiam do conhecimento dos profissionais de saúde:
“Por todas as pessoas que direta ou indiretamente serão beneficiadas com o
conhecimento anatômico, pelas vidas que serão salvas, pelas pessoas que serão
cuidadas, pela saúde que será promovida, pelas feridas que serão curadas, que em
tudo isso esteja expressa a nossa gratidão. Por isso, em nome da turma (...) te
entrego esta rosa.”
Por fim, o quarto aluno proferia um reconhecimento a todos os cadáveres por sua
contribuição em favor de outras vidas:
“Por todos os corpos que aqui estão, dia e noite, a contribuir, voluntariamente ou
não, com o ensino de anatomia; e que demonstram a maior das generosidades, em
doarem seus corpos em prol da ciência, do ensino, da formação profissional de
outros, por um objetivo muito maior: uma doação que se perpetua por anos e anos,
além da própria vida, em favor de outras vidas. Pela paz eterna de todos os
cadáveres desconhecidos e doadores voluntários de corpos, em nome da turma (...)
te entrego esta rosa.”
Ao final de cada leitura em agradecimento seguiam-se aplausos e a entrega do
ramalhete de flores, que era colocado diante do cadáver (Foto 5). Terminadas as homenagens,
os alunos da turma iniciante retornavam aos seus lugares e passava-se à Etapa Final, na qual
o extensionista agradecia a participação de todos, explicava a finalidade do PDC, e reforçava
Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 52

a importância de cumprirem as normas dos laboratórios, respeitarem os corpos e peças


anatômicas e concluía os convidando a acompanhar e partilhar as informações do PDC,
destacando o papel da doação do corpo como um gesto para a ciência e pela vida, conforme o
slogan do PDC:
“O corpo humano é o verdadeiro e maior livro para o estudo da anatomia. Sem ele
o ensino e aprendizado não são plenos. Por isso divulguem a doação e contribuam
com o respeito aos doadores, aos seus familiares e a todos os corpos que são mais
que corpos, são um gesto de amor para a ciência e pela vida. ”
A cerimônia permitiu que alunos, técnicos e docentes vivenciassem um momento de
reflexão, na qual todos os elementos simbólicos utilizados contribuíram para sensibilizar
sobre a importância da temática.

Foto 5. Registro fotográfico da entrega das rosas durante a Cerimônia em Homenagem ao Cadáver
Desconhecido no semestre 2019.2, destacando-se ao fundo o banner do Programa de Doação de Corpos da
UFPB. João Pessoa, PB, Brasil, 2019. Fonte: Arquivo do PDC/UFPB (2019).

AVALIAÇÃO E REFLEXÕES
A cerimônia alcançou excelente receptividade da comunidade acadêmica do
Departamento, que percebeu os benefícios da sua incorporação no calendário das disciplinas e
o sentimento despertado em alunos, docentes e técnicos de anatomia. O evento ocorreu de
forma individualizada e direcionada a cada turma, com a participação dos respectivos
docentes, e conduzido pelos extensionistas. O protagonismo exercido pelos alunos aproximou
os discentes ingressantes dos veteranos, com estreitamento de vínculos e sensação de
pertencimento. A realização da cerimônia por turma também personalizou a atividade,
gerando um sentimento de compromisso, como uma espécie de juramento. Cada evento teve
duração variável de 15 a 20 minutos e foi programada para acontecer no horário da aula,
levando a maior interação entre o docente e os discentes, bem como a menor evasão.
Como dificuldades enfrentadas, a necessidade de reservar um laboratório, para a
atividade durante o período de realização da mesma, foi um fator importante, em virtude do
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material organizado no laboratório para este fim. Esta dificuldade foi contornada com a
colaboração dos docentes, que deslocaram suas aulas para outros laboratórios. Outro fator
limitante foi a indisponibilidade de jalecos por muitos alunos das turmas iniciantes, e optou-se
por dispensá-los em prol do contexto geral, exceto para os extensionistas, que estavam
devidamente paramentados. Caso se optasse por esperar todos os alunos terem jaleco, isso se
refletiria na dificuldade em isolar o laboratório nas semanas subsequentes. Outra possibilidade
seria realizar um único evento, em auditório maior, com todas as turmas, momento que será
organizado anualmente após a primeira chegada de corpo doado em vida, com outros
objetivos. A cerimônia no início do semestre também visa sensibilizar o aluno para melhor
comportamento e compromisso durante o semestre.
Com relação à supressão da revelação do corpo, no roteiro do segundo semestre,
houve uma repercussão positiva no sentido de não personalizar o momento, na figura do
cadáver apresentado; mas de generalizar a homenagem para todos os corpos do departamento.
Porém o uso do tecido rendado foi questionado por relembrar os rituais fúnebres de velório,
sendo proposto retornar a utilização do campo cirúrgico verde, que está mais associado ao
laboratório e à vida acadêmica que os alunos começam a trilhar. Também poderá ocorrer
mudança na cor das rosas oferecidas, passando-se a utilizar rosas brancas, conforme
observado em outras instituições. Ressalta-se que as atividades do PDC/UFPB são recentes, e
a Cerimônia em Homenagem ao Cadáver Desconhecido requer um processo de construção e
ajustes nesta fase inicial, para se adequar ao formato que melhor se adequa à realidade
departamental e a mensagem a se transmitir.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Cerimônia em Homenagem ao Cadáver Desconhecido, conforme o modelo
apresentado, requereu baixo investimento material e demonstrou fácil aplicabilidade e
reprodutibilidade, podendo ser adaptada para versões ainda mais simples. A importância da
existência desse momento nas instituições de ensino de anatomia está no resgate de valores
indispensáveis ao ambiente anatômico. À medida que o aluno encontra um local respeitoso e
ético, esses valores chegam ao conhecimento da sociedade, que observa a seriedade,
compromisso e, principalmente, a gratidão e ética no ensino da anatomia humana,
contribuindo para modificar os tabus e preconceitos com relação à doação do corpo para
estudo. Muitas restrições à doação se devem ao desconhecimento da importância do gesto na
formação dos profissionais de saúde, mas também à falta de percepção de elementos
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acolhedores e que transmitam segurança para realizar a doação. É certo que esta temática
envolve outros inúmeros elementos sociais, culturais, espirituais e pessoais, mas o trabalho
contínuo de sensibilização no ambiente acadêmico poderá contribuir com a mudança de
paradigma que tanto se almeja com relação à doação do corpo.
A Cerimônia em Homenagem ao Cadáver Desconhecido mostrou-se como evento
acadêmico simples, viável, com riquíssimo poder reflexivo e potencial de sensibilização, já
sendo observadas mudanças no comportamento dos discentes e no envolvimento de docentes
e técnicos. A avaliação efetiva do impacto desta cerimônia nas atividades do Departamento de
Morfologia da UFPB será avaliada posteriormente. Este relato de experiência, o modelo
utilizado e os textos aqui disponibilizados podem servir como incentivo ou referência para
que outras instituições venham a realizá-la rotineiramente. A perseverança de anatomistas
engajados e comprometidos com a ética no ensino de anatomia e as ações que exaltam o
respeito aos corpos estudados são fundamentais para manter o estímulo à doação, a qualidade
do ensino anatômico e o avanço da ciência.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 8.501, de 30 de novembro de 1992. Dispõe sobre a utilização de cadáver não reclamado, para
fins de estudos ou pesquisas científicas e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do
Brasil, Brasília, DF, 15 de dezembro de 1992.
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Revista O Anatomista – V. 1 (2020) – ISSN 2107-7719 55

CONSCIENTIZAÇÃO DA SINONÍMIA GRECO-LATINA PARA


ENSINAR TERMINOLOGIA ANATOMOMÉDICA

* Fernando Batigália

* Médico, Doutor em Ciências da Saúde e Professor de Anatomia pela Faculdade de Medicina


de São José do Rio Preto (FAMERP) – SP.
E-mail: batigalia@famerp.br

INTRODUÇÃO

O conhecimento da Anatomia Humana capacita o entendimento dos termos médicos,


bem como provê o refinamento necessário da terminologia médica para facilitar a
comunicação em Ciências da Saúde. O termo “nomenclatura” é derivado do grego onymus e
do latim nomen (que significam nome) e do latim clamare (chamar), enquanto que o termo
“terminologia” deriva do latim terminus (limite, fim) e do grego logos (ciência, tratado,
estudo), e assim designam o conjunto de termos empregados para delimitar conceitos e
descrever as partes do Corpo Humano.

A Terminologia Anatômica (TA) é a lista padrão oficial mundial de termos


anatômicos para as Ciências Morfológicas e para as Ciências da Saúde, a configurar, assim,
coleção específica de termos científicos aplicados à Saúde Humana. Proporciona correta
identificação estrutural, supre a necessidade de uniformização e padronização de vocábulos
para apresentações (temas livres e pôsteres) e publicações científicas (artigos, monografias,
dissertações e teses). Também provê fidedignidade à Etimologia e permite o aprendizado
sobre como utilizar o pensamento crítico, a partir do entendimento da Linguística e da
Semântica em Anatomia.

A atual TA é resultado de consultas a especialistas de várias nações e se encontra


indexada nos idiomas latino e inglês; também contém um índice de epônimos (ou atribuição
de nomes próprios a estruturas anatômicas), no intuito de permitir correlação entre cada termo
internacionalmente aceito e seu correspondente epônimo. Mas obstáculos existem,
atualmente, para que haja definitiva adoção internacional da TA. A maioria das publicações
científicas (em Anatomia ou em Medicina) se encontra em língua inglesa, e a maior parte dos
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dicionários especializados não possui suficiente especificidade para explicar ocorrências


semânticas na terminologia anatomomédica.

Existe notável falta de consenso entre os próprios anatomistas em adotar termos


recomendados pelo comitê federativo internacional (Federative Committee on Anatomical
Terminology ou FCAT, criado em 1989), os quais têm sido utilizados em apenas 44% das
publicações científicas internacionais. Como exemplo, pode-se suscitar a discussão referente
ao termo anatômico “fáscia”, com definições distintas propostas pelo FCAT (1998), pela
edição britânica do Gray´s Anatomy (2008) e pelo Congresso Internacional sobre Pesquisa em
Fáscia (2012), pois consideram aspectos relacionados a reparo tecidual, transmissão de força
muscular ou propriocepção.

No que tange ao entendimento, associação e memorização de termos anatômicos


existe dificuldade de aprendizado de TA por acadêmicos das áreas médicas e paramédicas,
principalmente com relação à melhor aplicação da sinonímia (palavras ou locuções greco-
latinas que possuam significado semelhante ou exatamente igual). Termos adotados por
profissionais da Saúde em hospitais podem ser significativamente diferentes daqueles
utilizados por anatomistas, do que podem resultar eventuais dificuldades diagnósticas. Para
tanto, torna-se imprescindível o conhecimento da sinonímia anatomomédica – a relação de
sentido entre dois vocábulos médicos com significação muito próxima – desde os cursos de
graduação em Ciências da Saúde.
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Quadro 1. Compilação, por analogia, de sinônimos em grego e em latim presentes na


Terminologia Anatômica e frequentemente utilizados em Ciências Médicas.

TERMO ETIMOLOGIA EXEMPLO EM APLICABILIDADE


ANATOMIA DO SIGNIFICADO
ANATOMOMÉDICO
Tubérculo Latim tuber + Tubérculo
ulum infraglenoidal

Túber Latim tuber Túber cinéreo


Tuberosidade Latim Tuberosidade da
tuberositas tíbia
Proeminência Latim proe + Proeminência
minere laríngea
Protuberância Latim proe + Protuberância
tuberis mentual
Pulvinar Latim pulvinus Pulvinar Elevação, Saliência,
(tálamo) Alto Relevo
Intumescência Latim Intumescência
intumescentia cervical
(medula espinal)
Lobo Grego lobos Lobo límbico
Toro Latim torus Toro tubário
Umbigo Latim umbilicus Umbigo da
membrana
timpânica
Eminência Latim eminentia Eminência
iliopúbica
Cúlmen Latim culmen Cúlmen
(cerebelo)
Colículo Latim collis + Colículos
ulus superiores e
inferiores
Fastígio Latim fastigium Núcleo do
fastígio
(cerebelo)
Monte Latim mons Monte do púbis
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DISCUSSÃO

Tanto em Ensino como em Pesquisa, TA tem proporcionado benefícios, ao reduzir


drasticamente o número de sinônimos desnecessários e prover um método coerente e
internacionalmente aceito de escrita padronizada para livros-texto anatômicos e, portanto, seu
uso deve ser encorajado.

O emprego da TA se expande de forma multidisciplinar, em discussões de casos


clínicos ou para publicação de descrições científicas. Deste modo, a última revisão da TA,
efetuada em 1998, é altamente recomendável para professores, estudantes, pesquisadores,
clínicos, tradutores e editores de revistas científicas. O objetivo principal do FCAT tem sido
democratizar a TA a fim de torná-la oficialmente aceita, mantê-la em uso corrente a nível
internacional e eliminar diferenças semânticas entre países, o que pode ocasionar confusão
quando uma mesma estrutura é conhecida por diversos vocábulos.

Figura 1. Inscrição em latim no Laboratório de Anatomia da Faculdade de Medicina de São


José do Rio Preto (FAMERP), traduzida como “Aqui a Morte se alegra por socorrer a Vida”,
da transcrição abreviada do dístico presente na Universidade de Viena.
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A plêiade de sinônimos existentes para designar estruturas anatômicas, em Medicina,


confunde estudantes e dificulta a comunicação científica; padronizar traduções minimizaria o
problema, uma vez que ainda não existe versão multilíngue on-line da TA. Ademais, parece
ser consenso que a atual TA ainda não é totalmente consistente em estrutura semântica; como
exemplo, pode-se citar o termo “plexo braquial”, que não se destina apenas ao braço, mas a
todo o membro superior, à região lateral do tórax e à região superior do dorso. Outro exemplo
inclui o termo “forame cego” (da língua ou da medula oblonga), que dificulta entender de que
modo um forame, designado como orifício contínuo ou abertura ininterrupta pode ser “cego”
(ou sem continuidade).

Atualmente, existem recursos informatizados disponíveis na Internet para facilitar a


acessibilidade a traduções elaboradas de termos anatômicos, tais como o “Foundational
Model of Anatomy” (FMA) e o “AnatomicalTerms.info”, este com cerca de 31.000 termos.
Também existem esforços de amplitude maior, tais como a criação de softwares para dados
anatômicos e biomédicos, desde o nível molecular, com produção de atlas tridimensional
estruturado de acordo com a atual TA. Em Neuroanatomia, a fim de otimizar o entendimento
ontológico desde o nível axonal, criou-se o software intitulado “NeuroNames”, que incorpora
6.500 termos.

Quanto maior for a relação de familiaridade dos anatomistas com a TA, mais
conscientes estes estarão dos sinônimos atualmente permissíveis. Entretanto, sabe-se que não
há consenso na aceitação da atual TA por professores de Anatomia, Clínica, Cirurgia ou
Radiologia. Ademais, livros-texto anatômicos não têm sido desenvolvidos a partir de
orientações curriculares padronizadas para cursos em Ciências da Saúde, e assim variam na
quantidade de informação destinada a cada um dos sistemas em Anatomia Humana.
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Figura 2. O autor com ícones da Terminologia Anatômica Brasileira: Prof. Dr. José Carlos
Prates (em 2005) e Prof. Dr. Hélcio José Lins Werneck, em 2000 (in memorian).

Outro aspecto relevante sobre a atual falta de aplicabilidade mundial da TA consiste


na dificuldade em representar aspectos terminológicos semânticos de relações topográficas no
formato inteligível para computadores, conceito este denominado UMLS (ou “Unified
Medical Language System”), o que tem gerado, em alguns países, a adoção de termos
anatômicos nacionalmente consagrados. Exemplo histórico disto engloba a terminologia
referente à tradução de vocábulos representativos dos nervos cutâneos dos membros, em que a
tradução norte-americana adota “medial brachial cutaneous nerve”, enquanto que a tradução
britânica prefere o termo “medial cutaneous nerve of the arm”.

Figura 3. Menção Honrosa por trabalho sobre Vasa vasorum e terminologia anatômica
microvascular, entregue pela Profa. Dra. Valéria Paula Sassoli Fazan (XXII Congresso
Brasileiro de Anatomia, Florianópolis, 2006).
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A denominação de estruturas anatômicas deveria ser a mais precisa possível pela


atuação conjunta com linguistas, pois o correto reconhecimento terminológico pode evitar
tanto erros de interpretação durante análise de tomografias ou de ressonâncias magnéticas
quanto condutas inadequadas em intervenções cirúrgicas. Assegurar consistência na
representação das relações anatômicas entre idiomas facilitaria a adoção da TA em vários
projetos científicos que almejam gerar conceitos inteligíveis a computadores, do que poderia
resultar um único modelo semântico textual padrão.

Figura 4. Capa de livro resultante de dissertação de mestrado sobre elaboração de dicionário


terminológico inglês-português-espanhol em Anatomia Cardiológica (FAMERP, 2009).

A intenção futura do FCAT é continuar a otimizar a TA pela descrição de novas


estruturas (com padronização dos termos adequados para nomear tais estruturas) e expandir a
abrangência da TA para incluir, em sua lista, sinonímia anatomomédica na mais completa
nomenclatura clínica, cirúrgica e radiológica. Versões vindouras da TA deverão concretizar
tais tendências, para que sua lista seja definitivamente adotada nos meios clínico e científico.
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